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DESENVOLVENDO A COMPREENSÃO DO CAMPO
MULTIPLICATIVO NO 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL-
ANÁLISE DO PROCESSO VIVIDO POR LEANDRO
Sara Rodrigues Ferraz¹
Ana Cristina Ferreira²
1 Mestranda em Educação Matemática pela UFOP, [email protected]
2Universidade Federal de Ouro Preto/Matemática, [email protected]
Resumo
Este artigo é um recorte de uma pesquisa de Mestrado em andamento cujo propósito é
analisar o potencial e as limitações de um conjunto de tarefas construídas a partir da teoria
dos Campos Conceituais de Vergnaud para a aprendizagem das noções de multiplicação e
divisão de números naturais. Tal projeto tem como contexto/participantes uma classe do 6º
ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Ouro Preto. Dessa forma,
apresentamos o processo vivido por Leandro ao longo de quatro meses de desenvolvimento
do estudo. Os dados foram coletados por meio de tarefas propostas aos alunos (sondagem,
listas de problemas, etc.), bem como por meio do diário de campo construído a partir da
observação das aulas e entrevistas realizadas com o aluno. Os resultados evidenciam que o
aluno – que no início de 2015 parecia conhecer as operações de adição, subtração e
multiplicação razoavelmente, porém, sem demonstrar compreender os procedimentos –
gradativamente, passou a selecionar melhor os algoritmos para resolver situações
problema, mobilizar alguns conhecimentos necessários ao tratamento das diferentes
questões que envolvem o campo multiplicativo, apresentar estratégias e procedimentos
demonstrando ter reconhecido tais questões como pertencentes ao campo multiplicativo.
Palavras-chave: Educação Matemática, Ensino Fundamental, Campo Multiplicativo,
Teoria dos Campos Conceituais.
INTRODUÇÃO
A motivação para essa pesquisa surgiu durante a minha graduação. Como bolsista
do PIBID, mantive contato com salas de aula, professores e alunos e, mesmo antes de
iniciar a docência, percebi inúmeras dificuldades enfrentadas. Particularmente, me chamou
a atenção o fato de que um número significativo de alunos ingressava no 6º ano do Ensino
Fundamental sem o domínio das operações básicas, principalmente a multiplicação e a
divisão. Também observei que tal situação não era muito distinta nos anos seguintes.
Após me formar, comecei a lecionar, e, tanto em minhas classes quanto nas de
colegas, verifiquei como era comum essa situação. Contudo, paralelamente, também
observei que, usualmente, o trabalho com as operações elementares privilegiava as técnicas
operatórias dos algoritmos, por meio de exercícios repetitivos, em detrimento da
compreensão dos algoritmos e situações que pudessem ampliar o conhecimento acerca de
tais operações. Essa metodologia não ajudava na superação dos problemas, mas antes, ao
contrário, reforçava-os.
Ao ingressar no Mestrado Profissional em Educação Matemática da Universidade
Federal de Ouro Preto, me propus a investigar essa problemática e a buscar alternativas
para a mesma. Assim, procurei me aproximar da realidade ouropretana, buscando conhecer
melhor a situação dos alunos que ingressavam no 6º ano do Ensino Fundamental.
No início de 2014, convidei alguns colegas que atuavam, como eu, com 6ºs anos
em escolas estaduais de Ouro Preto para, juntos, realizarmos uma sondagem de
conhecimentos matemáticos (especificamente voltados para as operações de adição,
subtração, multiplicação e divisão de números naturais) em nossas classes. O propósito era
conhecer os conhecimentos que os alunos traziam consigo dos anos iniciais para melhor
planejarmos nossas aulas. Além disso, eu também procurava definir o foco do meu estudo.
Os resultados obtidos na sondagem indicaram que os alunos estão chegando ao 6º
ano do Ensino Fundamental nas escolas estaduais de Ouro Preto com sérias dificuldades
nas operações básicas, principalmente na multiplicação por dois algarismos e na divisão.
Além disso, observamos que os alunos apresentaram maior dificuldade nas questões que
envolviam situações problema.
Diante desse cenário, o desenvolvimento dessa pesquisa tem como principal
interesse analisar possíveis contribuições de tarefas construídas a partir da Teoria dos
Campos Conceituais para a aprendizagem de conceitos relacionados ao campo
multiplicativo.
A escolha da Teoria dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud se deve ao seu
poder explicativo em relação à compreensão dos campos conceituais e, em especial, à
dificuldades relacionadas à aprendizagem dos conceitos associados ao campo
multiplicativo.
Um campo conceitual é "um conjunto informal e heterogêneo de problemas,
situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e operações de pensamento,
conectados uns aos outros e, provavelmente entrelaçados durante o processo de aquisição"
(VERGNAUD 1990, p.8).
Nessa perspectiva, nos interessa particularmente o campo conceitual das estruturas
multiplicativas, que vão além das operações de multiplicação e divisão, envolvendo
diversos conceitos necessários ao tratamento das diversas situações envolvidas nesse
campo. De acordo com Vergnaud (2014), numerosas classes de problemas podem ser
identificadas segundo a forma da relação multiplicativa, ou seja, as relações que
comportam uma de multiplicação ou uma divisão, de acordo com caráter discreto ou
contínuo das quantidades em jogo, de acordo com as propriedades dos números utilizados,
etc.
Para Vergnaud (2014) um conceito não pode ser visto como o resultado de uma
definição e sim como um produto de experiências. Dessa forma, os conhecimentos
matemáticos traçam seus sentidos a partir de uma variedade de situações. Cada situação
não pode ser analisada com a ajuda de apenas um conceito e nem um só conceito nem uma
situação isolada dá conta de todo o processo de aquisição de um conhecimento, daí segue a
ideia de campos conceituais.
Portanto, as atividades desenvolvidas durante o processo da pesquisa de campo
foram fundamentadas nas diferentes abordagens apresentadas por Vergnaud para trabalhar
o campo multiplicativo. Além disso, havia a intenção de procurar, na medida do possível,
propor situações vinculadas ao cotidiano ou que pudessem promover reflexões acerca de
temas socialmente relevantes (ex. meio ambiente, consumo, etc). Apresento a seguir o
processo vivenciado por um aluno de 6° ano do Ensino Fundamental ao longo de quatro
meses.
DESCRIÇÃO DO PROCESSO VIVIDO POR LEANDRO
Leandro tinha 12 anos quando o projeto foi desenvolvido, logo, está dentro da faixa
etária considerada ideal para o 6° ano do Ensino Fundamental. Esse é seu primeiro ano na
escola onde desenvolvemos a pesquisa, uma vez que veio de outra escola pública, na qual
cursou os anos iniciais do Ensino Fundamental. É um aluno frequente, participante e não
apresenta problemas de indisciplina.
A escolha desse aluno se justifica pelo fato de ter participado de todo o processo da
pesquisa, tendo realizado as tarefas propostas nos quatro meses de trabalho.
O desenvolvimento das tarefas baseou-se nas diferentes abordagens propostas por
Vergnaud para o campo multiplicativo. Para ele, o campo multiplicativo se refere a um
conjunto informal e heterogêneo de situações, cuja análise e tratamento requerem uma ou
várias multiplicações e divisões, e um conjunto de conceitos e teoremas que permitem
analisar situações, como por exemplo, proporção simples e múltipla, função linear e não
linear, razão, quociente, produto de dimensões, combinação, função, multiplicação e
divisão (VERGNAUD, 1990, p.8).
É importante ressaltar que, antes de iniciarmos o projeto, realizamos uma sondagem
– conjunto de tarefas construído com base na Teoria dos Campos Conceituais – com o
objetivo de identificar os conhecimentos que os alunos do 6° ano traziam consigo a
respeito da multiplicação e divisão de números naturais no que diz respeito à resolução de
problemas e conhecimento do algoritmo.
Na sondagem, Leandro apresentou dificuldade em algumas classes de problemas
propostos, como por exemplo, produto de medidas e na resolução do algoritmo da divisão,
sobretudo na divisão por dois algarismos.
Nas primeiras atividades desenvolvidas, o aluno conseguia resolver os problemas
que envolvem proporção simples usando o raciocínio aditivo. Os problemas de proporção
simples "trazem situações em que se tem uma relação de proporcionalidade entre quatro
grandezas -duas a duas da mesma espécie- que estão relacionados por uma taxa entre as
grandezas de diferentes espécies"(Gitirana, et al 2014, p.55). Além disso, podem ser
distinguidas em situações de um para muitos, partição, cotição e quarta proporcional.
A seguir apresento, a estratégia usada por Leandro em um problema que envolve
proporção simples: Figura 1: Registro de atividade aplicada no dia 23/03 (Solução usando raciocínio aditivo)
[Fonte: arquivo pessoal da autora]
Nesse registro, Leandro demonstra ter compreendido o problema realizando ao
mesmo tempo uma correspondência entre a quantidade de óleo e o número de pedaços de
sabão produzidos, mas parece se sentir mais confortável com adições sucessivas que com
multiplicações.
Os registros produzidos são apenas ‘a parte visível’ do esquema, ou seja, a sua
produção matemática envolve operações de pensamento que podem ser mais bem
identificadas quando seu autor as explica. Sendo assim, o esquema é na maioria das vezes
uma construção mais ampla e complexa do que a apresentada no papel.
Se analisarmos com mais cuidado a situação, podemos inferir os teoremas em ação
– relações matemáticas que o aluno levou em consideração para resolver o problema
proposto – e os conceitos em ação – conceito-em-ação é uma categoria de pensamento
considerada como pertinente – utilizados pelo aluno. Tais elementos são componentes
essenciais na construção dos esquemas e, muitas vezes, não são explicitados pelos alunos.
Os teoremas em ação identificados nessa solução são o algoritmo da adição e a
correspondência entre 4 litros de óleo e 48 pedaços de sabão. Além disso, existem vários
conceitos-em-ação implícitos na compreensão dessa situação, porém, a solução
apresentada pelo aluno sugere o desenvolvimento dos conceitos-em-ação de soma,
composição, união, reconhecimento do estado inicial de parcelas a adicionar e valor limite,
etc. Naturalmente, esse teorema da adição e da correspondência funcionam porque de fato
a composição de 4 litros de óleo até completar os 28 litros associados a devida
correspondência feita pelo aluno entre a quantidade de óleo e a quantidade de pedaços de
sabão são simples de ser percebida, porém limitada pois não seria facilmente aplicada a
valores numéricos maiores.
No decorrer da pesquisa de campo, o aluno foi desenvolvendo competências e
habilidades que evidenciam uma evolução na organização de seus invariantes, o que
permitiu ao aluno usar estratégias mais econômicas, sendo capaz de optar pelo raciocínio
multiplicativo para resolver problemas desse tipo.
Apresentamos a seguir dois registros feitos por Leandro ao longo de algumas
semanas de trabalho: Figura 2: Registro da folha de atividade aplicada no dia 09/04 (Solução 2)
[Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora]
Nesse registro, Leandro usou dois procedimentos distintos. O primeiro deles, o
algoritmo tradicional da divisão e o segundo uma multiplicação que pode ter sido usada
como prova real. Essa solução sugere uma associação entre as operações de multiplicação
e divisão, o que dá indícios de uma compreensão da relação entre essas operações.
Figura 3: Trecho da Avaliação Bimestral aplicada no dia 14/04 [Solução 3]
[Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora]
Nessa atividade avaliativa, procurei abordar questões semelhantes (no sentido de
possuírem uma estrutura parecida) às que foram vivenciadas pelos alunos em sala de aula.
Meu intuito era avaliar o trabalho desenvolvido e planejarmos os próximos passos da
pesquisa.
Em relação à solução apresentada, é possível notar que o aluno apresenta como
procedimento o algoritmo da divisão e da multiplicação, o que representa uma mudança
significativa nas estratégias utilizadas anteriormente por ele. É possível identificar em seus
registros que os teoremas em ação passam a ser os algoritmos da divisão e multiplicação
(quando antes se restringiam ao algoritmo da adição). Também observamos uma
mobilização de conceitos em ação tais como proporção através da relação um para muitos,
razão, cotição, etc.
Os problemas de Produto Cartesiano envolvem o produto de duas ou mais
grandezas obtendo uma nova grandeza. As situações pertencentes a essa classe envolvem
por ex., cálculo de área ou de volume; combinações nas quais uma nova grandeza é obtida
como produto de duas ou mais grandezas, sem que uma dependa da outra.
Nessa classe de problemas, Leandro percorreu um caminho de tentativas, das
noções intuitivas que ele tinha de área, passando pela ideia de perímetro, chegando a uma
compreensão mais elaborada desses conceitos.
É importante destacar que antes de propor os problemas que envolvem cálculos de
área, procurei explorar com os alunos situações que envolvem a organização retangular
(ex. disposição de um espaço retangular em filas e colunas, disposição de azulejos na
parede, etc).
No instrumento de sondagem aplicado no dia 23/02 propus uma questão
envolvendo configuração retangular. A seguir apresento o registro da solução desse aluno.
Figura 4: Trecho do instrumento de sondagem aplicada no dia 23/03 (Solução 4)
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.
O problema trazia as seguintes informações: a parede continha 16 azulejos no
comprimento e 14 na altura. Leandro apenas somou os números fornecidos. Sua resposta
tanto pode sugerir que o aluno levou em consideração apenas a troca de azulejos de uma
fila e uma coluna, não analisando a composição de toda a parede, quanto pode significar
que o aluno não compreendeu a situação e apenas aplicou aos numerais disponíveis (dados
do problema) o algoritmo que lhe pareceu mais adequado.
Ao longo do trabalho, outras situações envolvendo organização retangular foram
exploradas. Gradativamente, o aluno vai demonstrando maior habilidade na resolução
desse tipo de problemas. Figura 5: Registro da folha de atividade aplicada no dia 07/04 (Solução 5)
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
A questão acima foi proposta aos alunos depois de terem sido exploradas os
problemas que envolvem a organização retangular em que o todo é desconhecido. Dessa
forma, ela pode ser entendida como uma variação desse tipo de problema em que o total de
cadeiras e a quantidade de cadeiras por fila é conhecida é deseja-se descobrir a quantidade
de filas necessárias.
Procuramos explorar as atividades que envolvem organização retangular antes de
propor questões envolvendo cálculo de área. Ao apresentar uma situação problema
envolvendo o cálculo de área, observei que Leandro não havia resolvido por não saber o
que era área (conforme nos explicou). Tal observação me mobilizou no sentido de
proporcionar situações aos alunos que lhes permitissem compreender essa noção.
Aproveitei o interesse e a solicitação de alguns alunos de uma atividade relacionada
ao futebol e propus uma situação problema. Apresento a seguir, os registros de Leandro
para as mesmas.
Figura 6: Registro de folha de atividade aplicada no dia 05/05 ( Solução 6)
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
O aluno utiliza o algoritmo da multiplicação, multiplicando cada uma das
dimensões do campo por dois, uma vez que os lados do campo dois a dois possuem as
mesmas medidas. Ele parece considerar a ideia de perímetro ao utilizar essa estratégia,
contudo, até esse momento, as noções de área e perímetro ainda não haviam sido estudadas
formalmente.
Assim como Leandro, a maioria dos alunos desconhecia a noção de área. Propus
então uma tarefa na qual utilizamos papel quadriculado para representar retângulos de
dimensões dadas (4 x 8, 5 x 9, 3 x 4). Em seguida, discutimos a quantidade total de
quadradinhos contidos em cada retângulo. De modo breve, mas articulado ao trabalho,
apresentei as noções de área e perímetro. Continuei a discussão explorando o piso da sala
de aula, contando as lajotas do chão com os alunos, propondo a construção de um desenho
para representá-lo, etc.
Retomei então a atividade da área do campo de futebol. Apresento a seguir o trecho
da conversa com os alunos no qual Leandro se manifesta demonstrando suas concepções a
respeito do cálculo de área. _ Pessoal, se lembram da questão do campo de futebol? Como que calcula a área do
campo de futebol, então? Diz a pesquisadora.
_ Ô professora, mais o campo de futebol não é quadriculado! (responde Leandro sentado
no fundo da sala).
_ Sim, Leandro! No desenho não está quadriculado, mas é como se estivesse dividido em
pedaços de 1 metro de comprimento por 1 metro de largura (explica a professora com o
auxílio de um desenho feito no quadro representando o campo de futebol).
_ Eu já entendi. Então, professora, não é só contar os lados duas vezes como eu tava
pensando! É como se fosse o espaço todo
_ Sim, quando você faz da forma que fez antes, está levando em consideração só o contorno
do campo, nesse caso chamamos de perímetro.
Em seguida, propus algumas situações problema para os alunos.
Figura 7: Registro da folha de atividades aplicada no dia 25/05(Solução 7)
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
O procedimento apresentado por Leandro é representado através do algoritmo
tradicional da divisão nas letras a e b, e da multiplicação na letra c. Para resolver esse tipo
de situação ele parece utilizar vários conceitos implícitos como o de razão, relação parte
todo, multiplicação e divisão. Figura 8: Registro da folha de atividades aplicada no dia 25/05(Solução 8)
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
Em seguida, propus uma situação semelhante, porém, com uma lajota em formato
diferente. Meu objetivo era perceber como o aluno organizaria seu pensamento em busca
da solução da situação proposta. Dependendo da forma como a lajota fosse disposta no
chão da cozinha, poderia ser necessário fazer recortes na peça, mas é possível observar que
Leandro usou as mesmas estratégias apresentadas na solução da questão apresentada
anteriormente. Ou seja, o aluno dispôs a peça no espaço apresentado, encontrou a
quantidades de lajotas enfileiradas no maior e menor lado da cozinha através do algoritmo
da divisão e em seguida calculou o total de peças necessárias para cobrir todo o piso
através do algoritmo da multiplicação.
No dia 29/05 propus novamente uma questão envolvendo cálculo de área, porém,
desta vez, envolvendo números decimais.
Figura 9: Imagem caderno de Leandro (Solução 9)
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
Leandro utiliza o algoritmo da multiplicação, o que sugere uma compreensão do
problema e certo conforto em relação à operação, porém, comete um erro no
desenvolvimento do algoritmo esquecendo do "vai um" ao multiplicar pelo segundo
algarismo.
Os problemas de combinatória são outros tipos de situações que dão significado à
multiplicação. Porém, assim como os problemas envolvendo o cálculo de área, também
eram desconhecidos para os alunos que não demonstravam ter lidado com esse tipo de
situação antes.
Procurei, ao longo do desenvolvimento do trabalho de campo, proporcionar aos
alunos algumas experiências com esse tipo de situação. Também sugeri o uso de desenhos
que representassem as situações descritas como uma forma de ganhar compreensão acerca
desse tipo de problema e usei material em algumas tarefas.
Na maioria das atividades propostas, pedi aos alunos que explicassem como
pensaram para fazer. E, embora saibamos que nem sempre é possível expressar através de
palavras ou representações aquilo que se pensa, me parece que os registros de Leandro
oferecem pistas acerca de suas estratégias e raciocínio. Leandro, inicialmente, parece
resolver situações em envolvem combinatória contando as possibilidades 1 a 1, como se
observa em suas justificativas a seguir. Figura 10: Imagem do instrumento de sondagem aplicado no dia 23/03 ( Solução
10)
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
A contagem é uma estratégia comum usada por muitos alunos, assim é importante
que eles desenvolvam esquemas que lhes possibilite reconhecer esses problemas como
situações que envolvem o raciocínio multiplicativo. No caso de Leandro, na sondagem
aplicada no início do ano, não é possível afirmar que o aluno reconhece tais situações
como articuladas a multiplicação, uma vez que ele não faz o uso de uma representação para
auxiliá-lo e apresenta respostas diretas que não me permitem perceber claramente o
raciocínio envolvido, como ilustrado a seguir. Figura 11: Imagem do caderno de Leandro (Solução 11)
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
No presente estudo, não era meu propósito trabalhar com todas as classes de
problema possíveis no campo multiplicativo por questões de tempo e pelo grau de
complexidade de algumas delas. Contudo, procurei proporcionar aso alunos o contato com
situações variadas, mesmo que envolvessem noções não abordadas formalmente. A maior
ênfase, entretanto, estava nas classe proporção simples, comparação multiplicativa e
produto de medidas.
Outro aspecto a ser destacado é que assim como as outras classes de problemas, os
que envolvem combinatória existem variações, na presente pesquisa não nos preocupamos
em aprofundar nessas questões uma vez que elas demonstram certa complexidade,
exigindo tempo e maturação, além disso esse tipo de situação demonstrou ser novidade
para a maioria dos alunos e sentimos seria necessário explorar outras classes de problemas
que ainda precisavam ser amadurecidas por boa parte dos alunos.
Em síntese, é possível afirma que Leandro parte de um momento no qual usava o
raciocínio aditivo no tratamento das questões do campo multiplicativo, não dispunha de
todos os conhecimentos necessários ao tratamento dessas questões, demonstrava
insegurança ao usar o algoritmo da divisão para outro no qual compreende de forma mais
consistente as situações apresentadas, escolhe de modo mais adequado os algoritmos
necessários para resolvê-las, e evidencia um maior domínio dos algoritmos da
multiplicação e divisão. Além disso, as soluções apresentadas pelo aluno sugerem a
mobilização de conhecimentos necessários ao tratamento das questões que antes o aluno
não dispunha, como por exemplo nas situações que envolvem produto de medidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da trajetória percorrida por Leandro ao longo dos quatro meses de
trabalho evidencia a importância de colocar o aluno frente a uma diversidade de problemas
nas quais multiplicação e a divisão assumem significados diferentes, favorecendo a
ampliação de seu repertório de conhecimentos.
Além disso, ao considerar a construção do conhecimento matemático por parte do
aluno como foco da prática pedagógica, o professor se concentra em compreender como
pensa o aluno e quais são suas dificuldades para propor tarefas pertinentes e significativas
do ponto de vista da mobilização de saberes e aprendizagem matemática.
É possível perceber que o aluno demonstrou um desenvolvimento na sua forma de
pensamento o que lhe permitiu usar estratégias mais econômicas, passando a usar o
raciocínio multiplicativo e compreender de forma mais consistentes as situações
apresentadas.
Outro aspecto que merece menção é a dinâmica das aulas. Criar um espaço
frequente no qual o aluno possa refletir, trabalhar na resolução de problemas, explicar seu
raciocínio e aprender a argumentar, aliado ao hábito do professor de questionar mais que
responder diretamente se uma resolução está correta ou não, pode ser extremamente rico
para o desenvolvimento da autonomia, confiança na própria capacidade e para a própria
aprendizagem matemática.
O desenvolvimento dessa pesquisa tem trazido ganhos tanto em termos acadêmicos
e científicos quanto profissionais. Percebi, dentre outras coisas, a importância de socializar
e discutir diferentes estratégias usadas pelos alunos em busca da solução dos problemas
propostos, uma vez que esse momento possibilita aos alunos a valorização de
procedimentos próprios, bem como mudar a concepção do certo e errado.
De modo geral, o caso de Leandro sugere que é importante promover a reflexão por
parte dos alunos e proporcionar-lhes um ambiente educacional rico em oportunidades de
natureza variada, permitindo-lhes exercitar seu raciocínio e criatividade. Além disso, esse
estudo, embora não generalizável, evidencia a possibilidade de mudança e crescimento em
relação à compreensão e aplicação das operações básicas – em especial a multiplicação e a
divisão – bem como da leitura e interpretação de problemas por meio de tarefas simples,
porém, construídas com base em um referencial que valoriza a possibilidade de se se
envolver em uma variedade de experiências como caminho para construir a aprendizagem
em um campo conceitual.
REFERÊNCIAS
MAGINA, S.; CAMPOS, T; NUNES, T.; GITIRANA, V. Repensando Adição e
subtração: Contribuições da Teoria dos Campos Conceituais, São Paulo: PROEM,
2001.
MAGINA, S. Contribuições da Teoria dos Campos Conceituais para a formação de
Conceitos Matemáticos, 2001.
MOREIRA, M. A. A teoria dos campos conceituais de Vergnaud, o ensino de ciências e
a pesquisa nesta área. Revista Investigação em Ensino de Ciências, v.7, 2002, p.7-29.
GITIRANA, V.; MENDONÇA, T. M.; MAGINA, S.; SPINILLO, A. Repensando a
multiplicação e divisão: contribuições da teoria dos campos conceituais. 1. ed. São
Paulo: PROEM, 2014.
VERGNAUD, G. La teoria de los campos conceptuales. CNRS y Université René
Descartes. Recherches en Didáctique des Mathématiques, Vol. 10,nº 2, 3, pp. 133-170,
1990
VERGNAUD, G. A criança, a matemática e a realidade: problemas do ensino da
matemática na escola elementar. Gerard Vergnaud; tradução Maria Lucia Faria Moro. 3.
ed. Curitiba: Ed. da. UFPR, 2014.
BITTAR, M.; MUNIZ, C. A. A aprendizagem matemática na perspectiva da teoria dos
campos conceituais. 1. ed. Curitiba: CRV, 2009.