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DESEMPREGO, PRECARIEDADES E POBREZA NAEUROPA: FRACTURAS NACIONAIS E EUROPEIAS

PARTE I.SOBRE SEINE SAINT-DENIS, SOBRE O FILME 93:

MEMÓRIA DE UM TERRITÓRIO

I.1. 2005 Uma primeira leitura sobre Saint-Denis terra degente de trabalhoI.2. Texto sobre 93: Memória de um Território

I.3. Seine-Saint-Denis, por detrás do cenárioI.4. Em tribunal, a história de um roubo por esticão que setorna trágicoI.5. Zonas urbanas sensíveis, os indicadores no vermelhoI.6. Para um punhado de traficantesI.7. Seine-Saint-Denis: Como chegámos aqui?I.8. Os subúrbios e o problema da integração, uma questãoinsolúvel?I.9. Contribuição do Departamento de Seine-Saint-Denisno âmbito da consulta pública sobre o Livro Verde sobrecoesão territorial

PARTE II.DA EUROPA À REGIÃO, AO BAIRRO, UMA LINHADE CONTINUIDADE

II.1. Comunicado de Imprensa, EurostatII.2. Comunicado de Imprensa, EurostatII.3. Os muros da repartição e a “repartição” da pobrezaem França

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PARTE III.MUROS DA REPARTIÇÃO, FRACTURAS SOCIAIS,FRACTURAS TERRITORIAIS

III.1. Favorecer a solidariedade entre os indivíduos e osterritóriosIII.2. Fracturas Sociais, fracturas territoriaisIII.3. Do subúrbio à metrópoleIII.4. A visão das cidades, dos bairros, do neoliberalismo àsocial democracia: As duas viasIII.5. Muros da Repartição, Fracturas Territoriais,Fracturas SociaisIII.6. As solidariedades territoriaisIII.7. Que lugar para o território no exercício dassolidariedadesIII.8. Ile-de-France à prova das desigualdades e dasegregação

PARTE IVA EROSÃO DO ESTADO PROVIDÊNCIA VISTAATRAVÉS DO SECTOR DA HABITAÇÃO

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DESEMPREGO, PRECARIEDADES E POBREZA NA EUROPA: FRACTURAS NACIONAIS E EUROPEIAS PARTE I SOBRE SEINE SAINT-DENIS, SOBRE O FILME 93: MEMÓRIA DE UM TERRITÓRIO I.1. 2005 Uma primeira leitura sobre Saint-Denis terra de gente de trabalho Béatrice Giblin Os acontecimentos, qualificados de violências urbanas ou motins, que tiveram lugar durante três semanas, no final de Outubro a meados de Novembro de 2005, em cerca de 300 comunas foram sentidas pela maioria de Franceses como uma crise muito grave. O que inquieta e revolta também, mais ainda do que a dezena de milhares de carros queimados é o incêndio de escolas maternas, de ginásios, de autocarros, com uma pessoa deficiente lá dentro, é o ataque a um carro de bombeiros enquanto que estes socorriam alguém e que tiveram que esperar para serem protegidos pela polícia para deixar o edifício onde tinham estado a intervir. O factor causa foi a morte por electrocussão de dois adolescentes que se tinham refugiado numa fábrica eléctrica para escapar a um controlo de polícia. Os apelos à calma das suas famílias nada fizeram. O absurdo da escolha dos alvos, os automóveis assim como as escolas eram daquele bairro, suscitou uma real incompreensão. No entanto os comentaristas têm procurado frequentemente as

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causas deste comportamento na situação social desta parte da juventude francesa, maioritariamente procedente do Magrebe e da África negra. É assim vista como “uma sub França” (jogo de palavras ouvido nas emissões de France Culture na emissão “Tout arrive”, ou, por outras palavras, uma parte da sociedade que não teria encontrado o seu lugar, e as chamas teriam sido a expressão a sua cólera perante esta discriminação. Mas, para uma muito grande maioria dos Franceses, esta discriminação não é suficiente para se poder absolver os responsáveis dos motins pela responsabilidade. De acordo com as sondagens, 75% franceses de resto aprovaram a firmeza do ministro do Interior (de então), Nicolas Sarkozy, nomeadamente as expulsões de estrangeiros apanhados em flagrante delito durante os motins, o cessar-fogo, e mesmo o estado de emergência. Um outro sinal do apoio a esta política é muito forte aumento das adesões ao partido UMP durante os motins urbanos (Le Figaro, 21 de Novembro de 2005). “Raramente, durante as três últimas semanas, não senti um desfasamento tão profundo entre o país virtual tal como é descrito pela dimensão de artigos e o país real”, disse o ministro. A dicotomia dos discursos entre os responsáveis políticos e os meios de comunicação social ou, sobretudo, entre direita e esquerda, a acusarem-se mutuamente de não revelarem o real, é clássica. Para uma revista como a nossa (Heterodote), que tenta perceber e descrever o melhor possível o real e as suas representações, o desafio que põe esta aparente incompatibilidade entre as duas faces da realidade é importante. O nosso método de análise é uma via que procura tentar fazer compreender a complexidade do real atribuindo uma grande importância às rivalidades de poderes nos territórios, ou seja à dimensão mais concreta dos acontecimentos, mas também à interpretação destes factos

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pelos diferentes tipos de actores rivais dos acontecimentos, ou seja à sua dimensão ideológica, a dimensão que frequentemente faz agir. Características geográficas Sabe-se que os motins urbanos desenrolaram-se em bairros classificados em zona urbana sensível (ZUS), onde se encontram concentrados o alojamento social (HLM maioritariamente) mas também compropriedades privadas (como os Bosquets à Montfermeil), construídos nos anos 60 e 70. Recordemos que, originalmente, estes “grandes conjuntos” foram construídos para responder à urgente necessidade de alojamentos das jovens famílias francesas e, seguidamente, para fornecer habitação aos trabalhadores imigrantes e às suas famílias que eram numerosos a viver em bairros de lata. Nessa época a comuna de Toulouse apresentava o Mirail da maneira seguinte: “Toulouse arrancou, arrancou com o Mirail, Toulouse desenvolve para toda a França um urbanismo vivo à medida do homem. ” Mesmo os que foram construídos distantes do centro da cidade, como a Rose des Vents, em Aulnay-sous-Bois (Seine-Saint-Denis, 3.000 alojamentos, 17.000 pessoas, a três quartos de hora de autocarro da estação, separados da cidade por uma via larga nacional), foi à partida visto como um progresso, uma possibilidade para os seus habitantes [Bissuel, Blanchard, Hopquin, Rollot et Ternisien, 2005]. A rapidez da construção também criou situações difíceis gerir: Venissieux passa entre 1954 e 1964 de 20.000 habitantes para quase 75 000 habitantes.

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Com a saída de uma parte primeiros residentes, estes alojamentos tornaram-se gradualmente o habitat dos mais pobres, principalmente das famílias imigradas. A situação social é a mais preocupante: taxa de desemprego entre os mais crescidos, taxas de populações estrangeiras claramente superiores à média nacional, como a percentagem de jovens com menos de 25 anos, com a taxa de insucesso escolar recorde, delinquência precoce em aumento, etc. A proporção de famílias que vivem de ajudas sociais (subsídios familiares, RMI, ajuda ao alojamento) é também superior à média nacional. A imagem destes grandes conjuntos só se degradou com a chegada das populações pobres, imigrantes ou não, pois que, a partir do fim dos anos 1960, certos erros de concepção começaram a ser criticados: o seu gigantismo, a sua instalação nos confins de territórios comunais sem a menor preocupação pelas relações possíveis com o centro preexistente, a ausência de transportes, de equipamentos colectivos, comércios, etc. No entanto, a sua situação degradou-se fortemente devido às consequências do choque petrolífero de 1973 sobre os empregos fracamente qualificados. “Dos grandes conjuntos” aos guetos As famílias operárias, numerosas neste alojamento social, por conseguinte foram mais atingidas pelo desemprego. Perante a degradação do emprego operário, em 1974 o presidente da República Valéry Giscard de Estaing e o Primeiro ministro Jacques Chirac decidiram proibir a entrada de novos trabalhadores imigrados, suspendem durante um ano o agrupamento familiar e autorizam-no outra vez para os que, instalados na França, ainda não tinham feito de vir a sua

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família. Sabe-se que o encerramento das fronteiras é relativo e que o fluxo dos trabalhadores estrangeiros, embora enfraquecido, não é por ai eliminado. É por isso que, a partir da sua chegada ao poder em 1981, o governo de esquerda decide regularizar mais de 100.000 trabalhadores clandestinos e concede a carta de estada por uma duração de dez anos, tomando assim as medidas que considera realistas e generosas. Assim, a crise transformou estes grandes conjuntos, que deviam ser o futuro do urbanismo moderno, em armadilha para as populações empobrecidas. Jérémy Robine [2004, p. 134-151] analisou o papel de SOS Racismo, no meio dos anos 1980, na emergência da palavra “gueto” para qualificar certos bairros do subúrbio, com o objectivo de aumentar o seu “capital político” sobre os jovens que ai residiam. Desde, o termo foi banalizado a e empregue por todos. Sabe-se que a situação social destes bairros, e mesmo a situação “das cidades novas”, se degradou com o desemprego e com a chegada de famílias estrangeiras cujos filhos têm frequentemente fracas qualificações. Se os bairros cuja população foi atingida pela crise social nem todos estiveram no Verão e Outubro de 2005 nos lugares onde se deram as violências urbanas, no entanto a relação entre crise social e motim existe: Clichy-sous-Bois onde o motim se iniciou, é a cidade mais pobre deste departamento (rendimentos fiscais anuais médios em 2000), e encontra-se entre as duas comunas mais abastadas de Seine-Saint-Denis (o Raincy e Coubron). Do mesmo modo, na cidade nova de Saint-Quentin-en-Yvelines, onde estão concentradas as indústrias de elevada tecnologia e serviços eficientes (Dassault, CEA,Bouygues, Decaux), as violências estalaram em Trappes, antiga cidade operária, de gentes dos caminhos de ferro, viu arderem 27

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autocarros! Trappes está incluída no perímetro da cidade nova mas a sua população é bem diferente da de outras comunas, com 7% de quadros (em redor de 20% de quadros para o conjunto da cidade nova), 35% de operários, 51,5% lares não passíveis de impostos (1999). Em Rose des Vents em Aulnay, onde se tinham previsto 40 m2 de espaços verdes por habitação e locais agradáveis junto dos edifícios, e a insegurança transformou em sítios perigosos estes lugares previstos para serem tranquilos e conviviais. No entanto uma geografia fina dos acontecimentos (que está incompleta porque o número de factos relatados pelos meios de comunicação social tem-se gradualmente reduzido para não contribuir para a criação de um efeito bola de neve televisivo de que se aperceberam muito rapidamente) faz também aparecer zonas de uma calma singular enquanto que as famílias de imigrados são aí muito numerosas: Echirolles, Ile-d' Abeau, Roubaix, os bairros do norte de Marselha. E isto significa que a crise social não explica todo. É necessário para tanto que nos congratulemos atrás da calma de alguns bairros? De facto, pode-se colocar a hipótese que o controlo do bairro exercido pelos dealers da droga favoreceu a calma, estes que não foram sujeitos de modo nenhum à presença atenta da polícia; uma segunda hipótese assenta sobre a acção eficaz de grupos religiosos que terão conseguido impor aos jovens um comportamento conforme aos preceitos da religião. Mas também se pode ver a acção voluntariosa, conduzida ao longo do tempo, das equipas municipais. Quanto à calma dos bairros do norte de Marselha, explica-se talvez por vários factores: não se trata verdadeiramente de um subúrbio mesmo se estão afastados do centro e mais ou menos bem servidos; a tradição municipal, instaurada antes mesmo da Segunda Guerra mundial e sempre activa, é de utilizar os notáveis das

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diferentes comunidades como elos de ligação e confiar-lhes mais ou menos a função do seu controlo; pode-se também supor que pôde jogar aqui o sentimento de pertença a Marselha, cidade cosmopolita desde há muito tempo, frequentemente desacreditada pelos não marselheses e, por reacção, defendida pelos seus habitantes. O papel “ dos jovens da cidade” na degradação da imagem de certos bairros A concentração de populações jovens em grande dificuldade de inserção económica e social favorece obviamente problemas comportamentais (violências, alcoolismo, delinquência). A isto se acrescem as dificuldades ligadas às tensões provocadas pelo comportamento de uma minoria de entre eles, “os jovens da cidade”, muito maioritariamente rapazes (ainda que pode-se constatar a derivação comportamental de algumas jovens raparigas), bandos que fazem reinar um clima de insegurança, não somente ocupando o espaço público mas também controlando-o porque estão permanentemente na rua. Este clima de insegurança contribui fortemente, e sem dúvida mais que as dificuldades económicas e sociais, para a degradação das condições de vida dos habitantes. Contribui também para agravar o isolamento do bairro, dado que as únicas pessoas que aí vão, para além das que aí vivem, são as que aí trabalham. A maioria da população destes bairros sofre a lei imposta “pelos jovens da cidade”. Thomas Sauvadet [2004, p. 113-133] descreveu o processo pelo qual estes grupos se formam e se diferenciam dos outros habitantes da cidade, e como alguns deles exercem o poder no

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interior do bando. É em parte o seu comportamento que contribui para a má reputação do bairro, e que leva pretendentes ao alojamento social a recusar os apartamentos que lhes são propostos. Os apartamentos vagos, a partida daqueles que o podem fazer, alimentam a representação, para os que lá continuam a habitar, de viverem em “em bairros podres”, a viverem fechados em toda a espécie de guetos, a serem rejeitados pelos outros, a serem desqualificados na procura de emprego devido ao sítio onde moram, etc. Para certo número destes jovens, pôr-se em vítima é uma maneira de existir (alguns entre eles adoptou o modo das calças sem cintura e mollet ao ar sem mesmo saber que isto é lembrar as roupas e a bola dos antigos prisioneiros espanhóis), mas é também o meio para não se considerarem responsáveis pelos seus actos dado que se trata da falta “dos outro”. Ser vítima confere um estatuto que se pode preferir ao dos pais que fizeram “ os trabalhos sujos de imigrantes”. Não reivindicam serem franceses por inteiro, pelo menos para os direitos que isso confere, então porque é que deveriam satisfazer-se com os mesmos trabalhos que os seus pais? Seria uma humilhação. As primeiras vítimas destes bandos foram as jovens raparigas, como Sohane e Charazade, que foram queimadas vivas, uma em Vitry, e a outra em Noisy-le-Grand, por não se terem querido render ao desejo dos jovens rapazes; Samira Bellil contou “o inferno das rotativas”, ou seja as violações colectivas. Ora estes crimes estão relativamente pouco mediatizados, tanto mais que as vítimas temem apresentar queixa por medo das represálias a que elas e as suas famílias correm o risco de sofrer, e também por causa da pressão que exerce uma parte da população do bairro preocupada de calar os crimes destes jovens do bairro. Vítimas, são no entanto elas

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e as suas famílias quem devem deixar o bairro porque, porque tendo apresentado queixa são consideradas como tendo traído “ entregando” um “dos jovens do bairro” à polícia. A pobreza, o desemprego, a humilhação na escola não são, de forma nenhuma, circunstâncias atenuantes para os autores destes crimes. Recordemo-nos que a placa que comemora a morte de Sohane: “ À memória de Sohane, morta queimada viva, para que rapazes e raparigas vivam melhor na igualdade e o respeito. Sohane Benziane, 1984-2002”, não pôde à primeira tentativa ser fixada sobre o relvado junto à torre cidadela Balzac onde vivia a jovem rapariga, em Vitry-sur-Seine. O presidente da câmara municipal comunista de Vitry tem receado que estas três palavras avivem as tensões (aquando da reconstituição dos factos, aplausos tinham acolhido Jamal Derrar, 19 anos, que espalhou gasolina sobre Sohane) e manchem mais ainda a imagem “da sua” cidade. Têm-se encontrado igualmente habitantes da cidade que preferiam que não se fala mais no asunto para não estigmatizar o seu bairro, mas sem dúvida também para evitar as represálias que teriam podido exercer os amigos de Jamal Derrar. A placa comemorativa foi fixada apenas em Outubro de 2005. Excertos de Béatrice Giblin, “Fracture sociale ou fracture nationale? De la gravité des violences urbaines de l’automne 2005”, Hérodote, n° 120, La Découverte, 1º Trim, 2006. I.2. Texto sobre 93: Memória de um Território Graças à força dos testemunhos recolhidos - de especialistas e de moradores - por Yamina Benguigui, a realizadora de

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“Memórias de Imigrantes”, faz-se reviver a história de Seine-Saint-Denis e da sua sacrificada população. Primeiro a apresentação deste documentário; dentro de meia hora a conversa integral com a realizadora. Dois adolescentes acabavam de morrer para nada num transformador da Companhia de Electricidade EDF, em Clichy-sous-Bois. Os subúrbios inflamaram-se. A realizadora Yamina Benguigui organizou um debate sobre cidadania, no cinema Saint-André-des-Arts, em Paris, em torno do seu último documentário: “O Telhado de vidro”. Na sala, o nervosismo do público era evidente. Lá fora, a polícia cercava o bairro. E, depois, houve a carga dos polícias de choque, os CRS, no cinema. Os empurrões, os insultos e um grito mais forte que os outros: “Tahya o 9-3! ”, “Que viva o 9-3! “. Não era “Abaixo a polícia”, nem uma reivindicação ligada a um país de origem. Não; “era um grito de pertença a uma terra”, recorda a realizadora. “9/3, memória de um território” conta a história desta terra - o departamento de Seine-Saint-Denis – que se tornou com o tempo o sismógrafo das tensões sociais em França. Uma história que vem desde bem longe. Do século XIX, em plena revolução industrial. O nordeste de Paris é escolhido como zona de implantação das fábricas poluentes e perigosas porque o vento de oeste impede que os fumos nocivos e os maus cheiros possam infestar a capital. Em poucas décadas, este quintal das traseiras de Paris vai tornar-se o primeiro pólo industrial europeu. E vai transformar-se num inferno, de tal modo é elevada aí a taxa de mortalidade, com a população amontoada em barracas e níveis incríveis de insalubridade e de poluição. A sequência da história é também muito funesta. Pôs em evidência a inépcia das decisões políticas que conduziram

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ao acantonamento de populações inteiras em verdadeiros guetos, a uma urbanização desumana concebida em termos custos, a uma desindustrialização mal gerida que deixou os solos ultra-poluídos e que deixou ao completo abandono uma mão-de-obra pouco ou nada qualificada. Desta história de pó e de sangue, Yamina Benguigui teria podido fazer um repositório acusador implacável, à boa maneira de Michael Moore. Fiel ao seu método, preferiu voltar-se para as pessoas e para a sua memória. O testemunho vivido, para exprimir o que não é passível de descrição, a palavra de peritos, para orientar, validar, denunciar. Um filme que não agride o espectador, não desenvolve nenhum discurso político, mas que expõe, quase que tranquilamente, verdades brutais e incómodas. E isto aconteceu bem perto de nós. Isto passa-se na nossa terra. A falar, Yamina Benguigui é muito mais brutal que no seu filme. “O departamento territorial 9/3 é um território sacrificado. O Estado orquestrou aí uma “guetização” social, em bairros sociais (HLM), uma “guetização” étnica. A política de urbanização foi um malogro total. Uma enorme fraude.” Violento, mas não sem razão. O departamento territorial de Seine-Saint-Denis acumula péssimos indicadores em matéria de pobreza, desemprego, de mortes por SIDA e de taxa de mortalidade infantil. Cineasta militante, a realizadora propõe-se agora organizar debates públicos e pedir uma audiência ao Presidente da República. “É necessário reparar o mal feito a este território. A prioridade deve ser dada à descontaminação dos solos. É necessário também legislar de forma a que as empresas que aqui se implantem recrutem no local pelo menos 30% do seu pessoal. É o único meio possível para que esta terra deixe de

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ser o terceiro departamento territorial mais rico de França graças às empresas que nela se instalam, mas também o terceiro departamento territorial em termos de pobreza da população.” Este apelo encontrará algum eco? Ao ouvi-la, isso é uma necessidade: “Quando, durante anos, se acumulam carradas de sofrimento, de abandono e de marginalização, é necessária uma mudança radical. Seja o que for, o fundamentalismo nasce na pobreza e na miséria social. Se não se fizer uma mudança radical, o 9-3 tornar-se-á o pólo do terrorismo europeu. “ Texto disponível em http://www.yaminabenguigui.fr/ I.3. Seine-Saint-Denis, por detrás do cenário Luc Bronner Quatro anos depois da “ crise dos subúrbios”, desencadeada pela morte de dois adolescentes perseguidos pela polícia em Clichy-sous-Bois, a 27 de Outubro de 2005, o departamento territorial de Seine-Saint-Denis continua a ter uma situação excepcional. Apesar da multiplicação das proclamações ministeriais, este departamento territorial não recuperou o seu atraso em termos de emprego, de educação e de segurança. A novidade é que, ao lado das zonas extremamente pobres, se desenvolveram territórios em plena explosão económica. Daí uma pergunta crucial para este departamento territorial e para os seus 1,5 milhões de habitantes: como fazer coexistir os guetos sociais e étnicos com os territórios completamente mergulhados na competição económica mundial?

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Radiografia em seis pontos e sem tabus do departamento territorial francês mais visitado por ministros. A imigração, como a enfrentar? Bobigny, segunda-feira, 19 de Outubro, 7 horas da manhã, 2 graus negativos. Como todos os dias da semana, cachos de homens esperam para ser contratados, em frente da entrada da Batkor, um armazém de artigos de bricolage situado junto da estrada Nacional 3. À vista e com o conhecimento de todos, cerca de trinta imigrantes clandestinos oferecem a sua mão-de-obra às empresas da construção civil e aos particulares. A partir de 70 ou 80 euros por dia, como estucador, canalizador ou pedreiro. Ainda mais barato se os salários forem negociados. A maior parte dos candidatos espera horas, sem sucesso. Há demasiada concorrência: “Não há muitos clientes mas há muita gente que quer ser contratada", lamenta Hassan, Turco, com cerca de quarenta anos, que tenta aquecer-se enquanto espera um eventual cliente. Ainda que o local seja bem conhecido da polícia e dos edis há anos, as intervenções não dão qualquer resultado: como a imigração nunca pára em Seine-Saint-Denis, porta de entrada no território francês com o aeroporto de Roissy, surgem novos candidatos todos os dias, seja de verão ou de inverno, à procura de ganhar a vida. E os últimos a chegar substituem os que acabam por conseguir encontrar empregos menos precários. Entre 1999 e 2006, apesar das medidas de restrição à imigração fixadas pelo Estado, o número de estrangeiros neste departamento territorial mesmo assim ainda subiu 22,4%, enquanto que, no mesmo período, o número de franceses

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aumentou apenas de 3,7%. Em certas cidades, a proporção de estrangeiros excede já os 30%, ou seja, quase seis vezes a média nacional, como em Clichy-sous-Bois (37,2%) ou Aubervilliers (34,6 %). Estes são os dados oficiais. Porque as autoridades consideram que poderá haver entre 100.000 e 300.000 indocumentados em Seine-Saint-Denis, a maior parte não recenseados. Ou seja, o equivalente a cidades como Saint -Denis e Montreuil, a acrescentar à população oficial. “O problema não é estancar os fluxos. É totalmente ilusório, é como querer parar um rio com as mãos. O problema é saber o que se pode fazer por estas populações. Ora, hoje, não temos meios suficientes para assegurar a sua integração", afirma o presidente da Câmara Municipal (PS) de Aubervilliers, Jacques Salvator. Consequência: nomeadamente em Aulnay-sous-Bois, Villetaneuse, Clichy, Courneuve, Stains, Montfermeil, Aubervilliers, certos bairros transformam-se em guetos e já quase não restam aí nenhuns “brancos”. Há unicamente magrebinos e negros, e por vezes asiáticos. “A particularidade deste departamento territorial acentua-se. Enquanto não houver solidariedade regional ou nacional no acolhimento da imigração, não vejo como se pode sair disto", lamenta Bénédicte Madelin, directora da “Profission babnlieue”, uma das figuras da vida associativa deste departamento territorial. Uma constatação confirmada pelo Insee: entre 1999 e 2006, Seine-Saint-Denis absorveu tantos estrangeiros quanto todos as outras zonas distritais de Ile-de-France juntas, à volta de Paris.

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Os escritórios de quadros brancos, a face oculta do “9-3” As fachadas são discretas. Mas os interiores são elegantes e refinados e neles se cruzam japoneses e americanos, vindos para aí desenvolverem as suas actividades empresariais. Tal como em Singapura, New York, Pequim ou… em Neuilly-sur-Seine, a cadeia de hotéis de luxo Marriott acaba de abrir um dos seus hotéis num edifício moderno de 150 quartos em Saint –Denis, no coração do bairro Pleyel, não longe da futura cidade do cinema de Luc Besson. A um mínimo de 159 euros por noite, a cadeia destina-se à clientela dos homens de negócios que frequentam os bairros em redor do Estádio de França, uma das zonas mais dinâmicas da região parisiense. Desde há dez anos, o número de metros quadrados de escritórios disparou literalmente nesta zona, graças à transferência de empresas atraídas pelos baixos custos do imobiliário e pela importância das redes de transporte. “Sai-se de décadas de marasmo ligado à desindustrialização", sublinha Stéphane Peu, Vice-Presidente da comunidade metropolitana de Plaine- Commune, que agrupa sete cidades à volta de Saint-Denis. Sociedades como a Generali, EDF, Société Générale, La Banque postale, por exemplo, transferiram para aquim, nos últimos anos, uma parte dos seus serviços. Ou seja, mais 27 000 empregos do sector privado em dez anos, e isto apenas na área de Saint-Denis. Outros prevêem vir para aqui, mais cedo ou mais tarde, como a Orange (2 000 empregos, no início de 2010) e, talvez, a cadeia Radisson, para criar um enorme complexo hoteleiro em redor de um novo Palácio dos Congressos. É, em certa medida, a face oculta de Seine-Saint-Denis. Mas é também um novo desafio para os edis: como fazer coabitar

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estes territórios em plena expansão com as zonas desfavorecidas, às vezes situadas a escassas centenas de metros? E como fazer com que os habitantes beneficiem do desenvolvimento desta “Defense bis”? “As empresas vieram para Seine-Saint-Denis com os seus assalariados. Hoje, o desafio é que elas se virem para os viveiros locais de diplomados, nomeadamente para os nossos 65 000 estudantes ", sublinha Francis Dubrac, o Presidente da Agência de Desenvolvimento deste departamento territorial. Um desafio considerável, tanto quanto estes novos bairros de actividades empresariais se assemelham hoje a enclaves. De manhã, entre as 8 e as 10 horas, o RER traz de Paris carruagens completamente cheias de quadros de colarinho branco, que regressam à noite pela mesma via; cruzam-se com os empregados de limpeza e de segurança, frequentemente negros ou magrebinos, que chegam à noite e regressam de manhã cedo, quando os escritórios se começam a encher. Um paradigma do poder da segregação étnica e social. Um sinal, também, do extraordinário atraso de Seine-Saint-Denis, o departamento territorial mais atrasado da França, em matéria de formação. Apenas 10% da população com mais de 15 anos dispõe de um diploma superior. Contra 38% em Paris. “É um ponto em que nada, ou quase nada, mudou, desde há quinze anos ", lamenta Bénédicte Madelin. A consequência é lógica: as empresas que quereriam contratar diplomados locais são, por vezes, forçadas a voltar-se para outras regiões. Um departamento territorial em transfusão pública Um imenso estaleiro. Uma via nacional desviada, torres destruídas, outras reconstruídas. Espaços públicos

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transformados. Em Aulnay-sous-Bois, como em 21 outras cidades de Seine-Saint-Denis, as gruas ocupam o céu e os trabalhadores atarefam-se num bailado de camiões. Aqui é uma demolição, ali são escavações, além são betoneiras a jorrar, mais além são reconstruções, tudo isto desde há meses, e ainda para vários anos. Os enormes estaleiros de renovação urbana vão mobilizar um pouco mais de 4 mil milhões de euros neste departamento territorial, daqui até 2012. Se os objectivos forem mantidos, quase 10.000 alojamentos devem ser destruídos, 12.000 devem ser reconstruídos, 27.000 reabilitados, 33.000 “transformados em habitações”, como se uma guerra silenciosa tivesse passado por ali. Nas cidades símbolos de Clichy-sous-Bois e de Montfermeil, onde os investimentos públicos atingem quase 500 milhões de euros, estão a decorrer transformações positivas. “Isto excede as nossas esperanças. Todos vêem que as gruas invadiram os bairros e podem sentir que isto está a mexer", congratula-se o Presidente da Câmara Municipal (PS) de Clichy, Claude Dilain. Mas mal uma crise está em vias de ser resolvida, logo uma outra aparece: os co-proprietários de casas degradadas da baixa de Clichy, que não beneficiaram de nenhuma ajuda pública: “É aí que vão dar todos os que não têm direito a habitação social. Os mais pobres, os indocumentados. Vêem-se perante condições de vida intoleráveis e vêem, ainda por cima, que nos outros lados as coisas estão a mudar.“ De facto, a renovação urbana está longe de resolver tudo. Primeiro, porque mais de 80% dos apartamentos demolidos são reconstruídos no mesmo local, nos mesmos bairros, sem que a estrutura social da população evolua. “Muda-se apenas a pintura dos guetos”, na expressão de Yazid Sabeg, o Comissário para a diversidade. Em segundo lugar, porque, não

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sendo reactualizados os financiamentos, muitos Presidentes de Câmaras Municipais duvidam da realização efectiva de todos os trabalhos programados. Por último, porque a renovação urbana também contribuiu para absorver uma boa parte dos créditos públicos. Às associações de solidariedade, em especial, continuam a faltar meios e têm de bater-se, no dia a dia, para conseguirem obter apoios financeiros. As comunas mais pobres não conseguem equilibrar os seus orçamentos a não ser reduzindo ao máximo as suas despesas. O próprio Conselho Geral, também com dificuldades de crédito, não está em melhor situação. A preparação do orçamento para 2010 revela-se kafkiana: com as quedas de receitas, devido à crise do imobiliário e às transferências de despesas do Estado para as colectividades, o Conselho Geral prevê que lhe faltam 100 milhões de euros num orçamento de 1,5 mil milhões. Um laboratório do futuro sem meios para o presente São mais de uma centena de professores a manifestarem-se à frente da sede da Inspecção do Ensino, em Bobigny, nessa quinta-feira 22 de Outubro de 2009. Professores que protestam contra a insuficiência dos meios na educação a nível nacional. A começar pela falta de professores substitutos. “Hoje, há muitas turmas sem professor porque não há bastante substitutos", insiste François Cochain, secretário departamental do SNUipp, o sindicato principal do primeiro nível de ensino. Como muitos funcionários, os professores alarmam-se com o desfasamento entre o frenesim das “proclamações” ministeriais neste departamento territorial e os meios reais de que dispõem os serviços públicos.

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É verdade que, desde 2005, todos os planos de comunicação dos ministros passam pelo “9-3”, o departamento territorial das más notícias, mas fotogénico para os políticos. Em 2008, Seine-Saint-Denis registou 174 visitas ministeriais, ou seja, em média, uma, de dois em dois dias. Um ritmo inverosímil que se mantém em 2009: só no mês de Setembro, a Prefeitura contabilizou 25 visitas. Todos os pretextos são bons: a colocação da primeira pedra dos Arquivos Nacionais (François Fillon), a inauguração de uma residência para estudantes (Valérie Pécresse), a luta contra o tráfico de droga (Brice Hortefeux), um plano para os jovens (Martin Hirsch), uma visita a um colégio privado (Luc Chatel)… Apresentado como um “laboratório” do futuro, faltam, paradoxalmente, a Seine-Saint-Denis os meios para o presente. Ano após ano, os eleitos locais mobilizam-se para se oporem à supressão de turmas, para disporem de meios policiais, para denunciarem a falta de recursos em pedopsiquiatria, para defenderem os postos de trabalho de substituição, ou para assegurarem o financiamento das associações… “ Por todos os lados, discreta, quase clandestinamente, o Estado saca dinheiro. Há muita comunicação e agitação mediática. Mas, o que acontece na realidade, é que são constantemente sugados os meios financeiros”, explica o Presidente da Câmara Municipal (PS) de Aulnay-sous-Bois, Gérard Ségura, forçado a lutar todos os inícios de ano lectivo para tentar evitar supressões de turmas. “Está-se perante uma completa esquizofrenia. Os ministros vêm todos aqui vangloriar--se dos seus planos. Mas, já não há meios financeiros em áreas de intervenção pública comum, nomeadamente na educação: tinham-se conseguido 3.000 lugares de professores através do plano de emergência para

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Seine-Saint-Denis, em 1998. Mas, depois, perdemo-los", acrescenta Claude Bartolone, o Presidente (PS) do Conselho Geral, dando o exemplo da escolarização das crianças de 2 anos nos ZEP, que abrange agora apenas 5% dos alunos, contra 22% em 1999. Segurança: a violência, um combate sem fim Na noite que cai, os agentes da polícia científica inspeccionam a ruela e a praceta. Vêem-se as luzes das lanternas que varrem o solo à procura de indícios. Dois jovens de Saint-Ouen acabam de morrer, neste sábado 26 de Setembro, mortos por balas, provavelmente ligado ao tráfico de droga. O corpo de uma das vítimas está ainda estendido no solo, entre dois automóveis. Um polícia analisa as placas de matrícula dos veículos situados na proximidade. Um habitante interpela-o: “Não é demasiado penoso encontrar e recolher mortos? “ O polícia: “Isto já esteve calmo. Mas, neste momento, há um de três em três dias. “ Fim da conversa. A acumulação de diversos factos graves, nestas últimas semanas, relançou as interrogações sobre a delinquência em Seine-Saint-Denis. Os edis, tanto de direita como de esquerda, reagiram exigindo meios suplementares. A Prefeitura de polícia respondeu que os efectivos nunca tinham sido tão importantes (4.913 funcionários em 2009, contra 4.340 em 2003) e que a aplicação do programa “Segurança da Grande Paris”, a partir de Setembro, vai permitir reassumir o controlo dessas zonas territoriais. De facto, as estatísticas não são positivas. Os roubos com violência e agressões físicas, que têm mais impacto nos habitantes, continuam a ser, com efeito, nitidamente mais

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elevados que no resto da região de Ile-de-France. Duas vezes mais frequentes, por exemplo, do que na região de Hauts-de-Seine. “A situação não é satisfatória. Os habitantes em certos bairros são vítimas da frequência de indivíduos que se arrogam todos os direitos", reconhece Alain Gardère, Director da Segurança de Proximidade, na Prefeitura de Polícia. Na frente de batalha das violências urbanas, a tensão nunca mais desceu, desde 2005, que, no entanto, foi considerado um ano excepcional. O número de danos causados e destruições de automóveis, nomeadamente por incêndio, não diminuiu. Idem para a violência sobre agentes da autoridade pública, nomeadamente polícias: 1.472 agressões registadas, em 2008, contra 1.137, em 2005. “A situação está dominada, mas continua bastante tensa. Sabe-se que é necessário estar sempre vigilante e que a situação se pode degradar com muita facilidade", sublinha Philippe Prunier, Director Regiona da Segurança de Proximidade, referindo o aumento significativo do número de polícias feridos em acções de intervenção. A situação é também delicada na luta contra a criminalidade. Nomeadamente, as redes de droga, que o Estado promete há anos eliminar, mas que continuam a existir. Basta abrir os olhos. Em Saint-Ouen, nas ruelas perto da Câmara Municipal. Em Drancy, na zona Norte, ao lado da estação RER de Bourget. A Sevran, no Beaudottes, não muito distante do supermercado. A Stains, no Clos-Saint-Lazare. Em Saint-Denis, perto da estação RER – embora, depois da visita ao local do Ministro do Interior, Brice Hortefeux, no fim de Setembro, o tráfico de “crack” se tenha deslocado para as cidades vizinhas. “Vamos actuar sobre os traficantes e sobre o seu património", previne Christian Flaesch, Director da Polícia Judiciária parisiense, anunciando o lançamento do “Plano

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Stups". Uma promessa já ouvida por várias vezes aos edis locais: “ O problema é que sempre que a polícia destrói uma rede, o incentivo do lucro e a miséria social são tais que outros tomam imediatamente o seu lugar ", observa Claude Bartolone. Na zona do “9-3”, os combates nunca param. A crise, último paradoxo Os hipermercados para os pobres não estão vazios. Em Villemomble, no fim de semana, em frente de um dos principais “hard-discounters” de Seine-Saint-Denis, os automóveis estacionam às centenas no parque de estacionamento e nas ruas em redor. Nos corredores do supermercado há massas compactas de gente que tornam difícil circular entre as prateleiras cheias. Após horas nas filas de espera, os clientes voltam a partir com os porta-bagagens cheios de produtos alimentares baratos. Trata-se, frequentemente, de produtos que estão próximo da data de validade, mas a preços imbatíveis. A zona de Seine-Saint-Denis continua a ser, efectivamente, um departamento pobre, muito pobre: 50.000 beneficiários do RSA, 12% da população beneficiária do sistema geral de saúde (CMU), um rendimento médio de 18.800 euros por família. “Os pobres estão concentrados em Seine-Saint-Denis. No fundo, isto parece convir a toda a gente - excepto quando explode. Mas, os que pensam que basta erigir uma “linha Maginot” entre as cidades ricas e as cidades pobres enganam-se completamente. Tal como em 1940!“ previne Claude Dilain. De maneira paradoxal, no entanto, o “9-3” escapa, por agora, em parte, à crise económica actual. A taxa de desemprego não

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explodiu desde o início do ano 2009. Porque a antiga imagem de um departamento industrial é falsa. Continua a haver, certamente, bastiões operários - como a fábrica da Peugeit (PSA) em Aulnay-sous-Bois - mas a indústria e a construção não representam mais do que 100.000 empregos, contra 500.000 nos serviços e no comércio. Este departamento territorial é agora sustentado pelo sector terciário e pelas PME, incluindo em fileiras mais promissoras, como os seguros, a saúde e o audiovisual. O banco BNP Paribas, que acaba de instalar um das suas sucursais (3.200 assalariados) em Pantin, anuncia com grandes meios publicitários, como uma piscadela de olhos, que é o maior empregador privado deste departamento territorial. “Há dez anos, eu chateava-me com os dirigentes dos grandes grupos. Hoje, são eles que vêm ter connosco ou que participam nos colóquios sobre a discriminação social", congratula-se Claude Bartolone, convencido de que as empresas fizeram uma viragem de diversificação e que isto pode ajudar o seu departamento a ultrapassar a situação de crise. O departamento territorial “9-3” em números 22,4 % de aumento do número de estrangeiros, entre 1999 e 2006 (contra 3,7% no conjunto da França). 4 mil milhões de euros de investimento público para renovação urbana, até 2012. 1.472 actos de violência sobre agentes de segurança pública, em 2008, contra 1.137 em 2005.

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18.800 euros: o rendimento líquido médio por agregado familiar (contra 28.700 euros na região de Ile-de-France). 1,4 milhões de m2 de escritórios construídos, após 1999. Luc Bronner, “Seine-Saint-Denis, l'envers du décor”, Le Monde, 26 de Outubro, 2009. I.4. Em tribunal, a história de um roubo por esticão que se torna trágico Pascale Robert-Diard De regresso de férias, reencontrei os balcões de venda do mercado… os rostos, as cores, os comerciantes, a multidão, os amigos, os vizinhos… é bom regressar a esta cidade de múltiplos rostos! É este Saint-Denis de que gostamos … é este Saint-Denis que queremos ver por toda a parte! Nesta ocasião, o meu marido (Pitch) assistiu a um assalto por esticão por dois jovens… não longe do estádio Auguste Delaune. A vítima, uma mulher no automóvel em que acabava de entrar … nem teve tempo de arrumar a mala de mão debaixo do banco. Depois, o artigo abaixo, recomendado por Thierryb … sem comentários!

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Duro regresso a esta triste realidade… este Saint-Denis onde já não se aguenta mais e que já não se quer mais! Em tribunal, a história de um roubo por esticão que acaba em tragédia Em 26 de Abril 2008 (...) Cédric Mayamona e Mamadou Camara, ambos na casa dos vinte anos, partem à caça. (...) e vão até ao centro comercial. “Vimos que havia muita gente, fomos para lá. Por gulodice ", explicaram. Avistam uma mulher que sai do seu automóvel e se prepara para subir calmamente as escadas para não apressar o senhor de idade, o seu pai, que ia agarrado ao seu braço. A "scooter" aproxima-se, um dos dois rapazes desce, puxa com um esticão a mala da senhora, que resiste, perde o equilíbrio e arrasta o seu pai na queda. A cabeça deste último vai bater violentamente num degrau das escadas. Alguns minutos depois, o homem, de 86 anos de idade, morre. Os dois jovens não o sabem. No tribunal de Seine-Saint-Denis, ao qual compareceram por roubo com violência causando uma morte, Cédric Mayamona e Mamadou Camara estão sem fala. A gravidade inquestionável do seu acto fá-los tartamudear as frases proferidas. Às perguntas do juiz, Olivier Leurent, respondem ao microfone com um sim ou com um não abafados e repetem, cada um por sua vez, que, na altura, eram “pequenos na (sua) cabeça”, que “nunca imaginaram aquilo” e que não são “criminosos”. Mesmo os seus advogados não conseguem arrancar-lhes as palavras que esperam deles. Têm-nas escritas, no entanto. Na sequência da sua detenção, quando soube pelos polícias das consequências do seu acto, Cédric Mayamona pediu a

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autorização para escrever à sua vítima. Algumas linhas mal escritas, lidas no julgamento, com as quais tentava transmitir a pena que tinha. Mamadou Camara tinha feito o mesmo, um pouco mais tarde. A contraparte civil não veio ouvi-los no julgamento. A senhora assaltada é magistrada, procuradora numa outra comarca. O seu pai foi um antigo Presidente de Tribunal da Relação de Paris. Na Quinta-feira, 4 de Fevereiro, o tribunal condenou os dois jovens a nove e dez anos de prisão, considerando que Mamadou Câmara era reincidente. No saco da vítima havia 60 euros e um portátil, vendido por 90 euros na feira da ladra. Pascale Robert-Diard, "Aux assises, l'histoire d'un vol à l'arraché qui tourne au tragique", Le Monde, 7 de Fevereiro, 2010. I.5. Zonas urbanas sensíveis, os indicadores no vermelho Zonas urbanas sensíveis: Cerca de um em cada dois jovens menores é vítima da pobreza Luc Bronner O termo “geração sacrificada” não é indubitavelmente demasiado forte. Nas zonas urbanas sensíveis (ZUS), que correspondem aos bairros mais difíceis das metrópoles francesas, ou seja 4,5 milhões de habitantes, cerca de um em cada dois jovens menores vive hoje abaixo do limiar de pobreza. Nestas mesmas zonas, os jovens continuam a defrontar enormes dificuldades para obter um diploma que lhes permita aspirar a uma futura inserção social. Continuam igualmente a

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ser atingidos duas vezes mais, em média, pelo desemprego, particularmente os homens mais jovens, generalizadamente excluídos do mercado de trabalho e, agora mais do que nunca, são apanhados no centro da crise dos subúrbios. O relatório anual do Observatório Nacional dos ZUS (Onzus), tornado público Segunda-feira, 30 de Novembro, confirma a gravidade da situação nos bairros sensíveis e evidencia a repetição das vagas de violência, após os motins de 2005, por parte da juventude das cidades difíceis. Mostra que, nestes últimos cinco anos, antes mesmo de se fazerem sentir os efeitos da crise económica actual, os sucessivos governos não conseguiram corrigir significativamente as desigualdades acumuladas. Quer se trate de desemprego, pobreza ou educação, os ZUS permanecem territórios marginalizados, na primeira linha das tensões sociais. Os dados mais preocupantes referem-se à pobreza. De acordo com o Onzus, 33,1 % dos habitantes dos ZUS vivem abaixo do limiar de pobreza (908 euros mensais), contra 12% no resto do país. Esta proporção atinge o número recorde de 44,3% para os jovens com menos de 18 anos que habitam nos ZUS, os mais atingidos pelas desigualdades de rendimentos. “Efeito de Repulsão"  

As dificuldades de acesso ao emprego continuam a ser igualmente consideráveis. Entre 2003 e 2008, é verdade que a taxa de desemprego nos ZUS diminuiu muito ligeiramente, passando de 17,2% para 16,9%.

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A Secretária de Estado, Fadela Amara, pretende apoiar-se nesta redução para elogiar os méritos da política governamental. Mas esta evolução favorável é relativizada pelo Onzus: se é verdade que o desemprego baixou nos ZUS, baixou menos que nas outras zonas urbanas, sinal de que a diferença efectivamente se acentuou. Também aí, os jovens estão entre as primeiras vítimas. Nomeadamente, os rapazes: em 2008, antes mesmo do desencadeamento da crise económica, a taxa de desemprego dos rapazes, entre os 15 e os 24 anos, originários dos ZUS explodiu, atingindo o valor de 41,7%. Um movimento inverso ao das mulheres da mesma idade, relativamente às quais os empregadores têm menos reservas: a sua taxa de desemprego desceu abaixo do patamar dos 30%. Quer os edis, quer os sociólogos interrogam-se agora abertamente sobre “o efeito de repulsão” dos rapazes dos subúrbios, penalizados duradoiramente pela imagem social negativa “dos jovens de capuz”, assim como sobre os riscos de radicalização ligados ao sentimento de exclusão e de marginalização social. Baixo Nível de Qualificação Como pano de fundo, o baixo nível de qualificação da população e dos jovens em especial, surge como um grande e duradouro obstáculo. Fadela Amara insiste “nos impulsos positivos” registados nos últimos dois anos, em especial o aumento da taxa de sucesso na obtenção de diplomas liceais e de bacharelatos, ligeiramente superior à registada no resto do território.

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Mas os dados brutos do observatório dos ZUS relativizam estes comentários positivos: os alunos dos ZUS continuam a chumbar e a repetir anos em proporções bem mais elevadas do que os jovens procedentes de bairros mais favorecidos. Entre eles, de novo, e sem surpresa, são os rapazes que estão em causa registando os maiores atrasos escolares, muito largamente distanciados das raparigas, nos diplomas liceais e nos bacharelatos. Luc Bronner, “Zones urbaines sensibles: près d'un mineur sur deux connaît la pauvreté”, Le Monde, 30 de Novembro, 2009 I.6. Para um punhado de traficantes Reportagem Le Monde Há anos que uma cidade de Seine-Saint-Denis se encontra dominada pelos traficantes de droga. Para os habitantes, a vida é um pesadelo. Junto a um cesto de basquetebol em lamentável estado, são sete ou oito a matar o tempo, alguns sentados em cadeiras instaladas num canto relvado. Os clientes, vindos das zonas vizinhas ou de Paris, chegarão um pouco mais tarde para comprarem furtivamente a mercadoria, o haxixe. “A permanência” é assegurada das 9 horas da manhã até às 3 horas da manhã. Por agora, relaxados mas atentos, vigiam as idas e vindas nas passagens que serpenteiam em redor das três torres de 17 andares que se erguem em Sevran (Seine-Saint-Denis),

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precisamente em frente do centro comercial de Beau-Sevran. Recentemente, um adjunto do Presidente da Câmara teve que declarar a sua profissão perante os jovens que o interpelavam. Como que reféns, os habitantes obrigam-se a cumprimentá-los, com medo de represálias. “As minhas filhas entram tarde em casa, à noite, não tenho escolha”, diz um deles que, como todas as outras pessoas interrogadas, pediu o anonimato. Inferno. Há anos que os habitantes das torres das passagens Jan-Palach e Masaryk são obrigados a conviver com os traficantes de haxixe. “Uma coexistência pacífica”, diz um deles, mas que assume aspectos de um inferno diário. “Os habitantes locais adaptaram as suas deslocações em função dos horários dos traficantes, confia-nos um bom conhecedor do local. Quando se vai buscar o correio, é bem melhor evitar passar no sítio onde estão a fazer uma transacção”. “Se pudessem, toda a gente deixaria as torres”, murmura um residente. Os três edifícios vão ser demolidos, mas ignora-se quando. Num deles, há já uma dezena de apartamentos vazios. Nesta zona sem lei, os jovens com idades médias de uma vintena de anos é que fazem a lei. Para retardarem eventuais intervenções da polícia, barram as escadas com carrinhos de compras trazidos do supermercado situado no outro lado da estrada. “E não hesitam em cortar a luz, se necessário”, queixa-se um residente. Há alguns dias, dois jovens partiram uma vidraça do primeiro andar com um carrinho: e fazem a ocupação de um apartamento vazio. Muito inquieto, o Presidente da Câmara Municipal de Sevran, o comunista Stéphane Gatignon, recorda que, em Agosto, cinco pessoas morreram aquando de um incêndio num edifício do bairro vizinho de Beaudottes: lá também, as escadas estavam bloqueadas com carrinhos e as saídas dos exaustores tinham

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sido aparentemente seladas para tentar limitar as movimentações dos traficantes. Que faz a polícia? Contactada pelo jornal Liberation, não quis responder às perguntas. “Uma vez por mês, os polícias vão lá”, explica um habitante. Fazem interpelações. Sem resultado: “Alguns dias mais tarde, voltamos a cruzarmo-nos com os mesmos rostos”, nota uma mulher. “Quando Nicolas Sarkozy era Ministro do Interior prometeu limpar as caixas das escadas e a polícia efectuou uma das suas primeiras operações em Jan-Palach”, recorda o Presidente da Câmara Municipal de Sevran. “Nessa manhã, dois carros da polícia pararam ao pé dos nossos prédios. Muito rapidamente, os jovens juntaram-se e os polícias retiraram”, conta um residente. “O desmantelamento deste tipo de tráfico num subúrbio tão fechado é muito complicado, sublinha um magistrado. È difícil para os polícias fazerem vigilância disfarçadamente ou suportarem-se em queixas que não existem. As pessoas têm medo.” “Violência”. Há anos que a cidade de Sevran é considerada como uma placa giratória do tráfico de droga para o nordeste da região de Ile-de-France. Mas a crise agudiza a miséria e a degradação. Em Sevran, a segunda cidade mais jovem da França, 17% dos activos estão no desemprego. Uma taxa que sobe para 35% para os jovens com menos de 25 anos. O município dispõe, além disso, de fracos recursos fiscais: 20% dos agregados familiares não pagam impostos sobre o rendimento e 50% beneficiam de deduções. Os traficantes adaptam-se permanentemente, ultrapassando velozmente as forças da ordem. De acordo com especialistas, o tráfico insinua-se cada vez mais na esfera privada dos habitantes. Migrou dos vãos de escada ou das entradas dos

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prédios para os apartamentos. “Os traficantes escolhem pessoas vulneráveis – mulheres sozinhas com crianças, por exemplo - para guardarem a droga em troca da sua protecção”, explica um conhecedor. Os investigadores notam também o emprego de vigias cada vez mais jovens nos bairros: “Tinham 14-15 anos em 2001, agora têm 12.” Outra evolução é que os grupos de traficantes são de geometria variável: ao núcleo duro dos jovens do bairro ligam-se os traficantes de localidades vizinhas. Pagos ao dia, entre 150 e 200 euros, “não conhecem a vizinhança, o que é um factor de aumento da violência”, afirma o Presidente da Câmara Municipal de Sevran, que acrescenta: “Colocar mais 100 polícias não alteraria fundamentalmente a situação. O tráfico está sobretudo ligado à lei da oferta e da procura.” Para terminar, Stéphane Gatignon sugere que se saia da “grande hipocrisia francesa” e se ponha termo à proibição. Uma sugestão violentamente rejeitada por outros edis dos subúrbios, tanto de esquerda como de direita. Na passagem de Jan-Palach, em Sevran, o tráfico continua em grande, à vista e com o conhecimento de todos. Le Monde, “Pour une poignée de dealers”, Le Monde, 29 de Outubro, 2009 I.7. Declarações de Yamina Benguigui “Nenhum Estado escapou a instrumentos de medida das diferenças étnicas” Segundo Yamina Benguigui, realizadora de cinema e adjunta do Presidente da Câmara Municipal de Paris, é necessário “descolonizar o imaginário”, como afirmou no

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lançamento de um colóquio a realizar na próxima Quinta-feira. Você teve a iniciativa de realizar o colóquio “Descolonizemos o imaginário. Ultrapassar as nossas heranças do passado para combater as discriminações raciais”, organizado pela Câmara de Paris em parceria com o jornal “Le Monde”, na Quinta-feira, 12 de Março. No que é que o nosso imaginário está “colonizado”? Como muitas outras noções no inconsciente colectivo, a noção de raça penetrou no nosso imaginário, que continua impregnado de preconceitos raciais e enrodilhado em estereótipos. Toda a nossa história colonial trouxe consigo o desprezo, o desterro. Não se trata de modo algum de um racismo frontal, mas, muitos dos preconceitos herdados do colonialismo estão bem incrustados no mais profundo da nossa memória. Este apartheid invisível, insidioso, gangrena a nossa sociedade há muitas décadas. É necessário atacar frontalmente as discriminações raciais e deixar de ter medo de as denunciar, porque é bem isto que está em causa. Hoje, a diversidade da sociedade francesa está enraizada e não se pode continuar a pôr de lado toda uma componente da sociedade. Será que considera, como Yazid Sabeg, Comissário para a Diversidade, que para avançar na luta contra a discriminação é necessário que a França se dote de instrumentos de medida da diversidade étnica? As estatísticas étnicas… utilizam-se desde há décadas sem as estar a nomear. São utilizadas, consciente ou inconscientemente, para marginalizar, estigmatizar, excluir em

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função do nome, da cor de pele, da morada, e à vista de toda a gente. Quando um aprendiz de padeiro enfrenta todas as dificuldades do mundo para conseguir um estágio para validar o seu diploma e o único empregador que acaba, finalmente, por aceitar acolhê-lo é negro, como ele, podemos interrogar-nos sobre quem é que encurrala o comunitarismo. São, de facto, os preconceitos raciais… Nenhum Estado confrontado com a sua diversidade étnica escapou aos instrumentos de medida. A França está, contudo, numa posição singular, bloqueada pelo artigo 1 da sua Constituição, recordado ainda muito recentemente por Simone Veil e pelo Conselho Constitucional. Os instrumentos são a inventar. Quais são as vossas propostas para lutar contra a discriminação racial? Bato-me para que os deputados parisienses, de todas as tendências, apresentem uma proposta de lei destinada a inscrever nos critérios de adjudicação dos contratos públicos obrigações quantificadas em matéria de luta contra a discriminação. Quando tocamos nos contratos públicos, tornamo-nos fortes. Em Paris, vamos agora repetir duas vezes por ano o “Fórum da diversidade e do primeiro emprego”, que já havíamos organizado para pôr em contacto os jovens dos bairros e as empresas. O que falta cruelmente aos jovens é a rede de contactos e o primeiro contacto, como se mostra no meu filme “Le Plafond de verrre”. Vamos também criar um dispositivo para facilitar o acesso dos jovens procedentes dos bairros às grandes escolas de engenharia e de arte da cidade (Escola Boulle, Escola Estienne…), recorrendo a voluntários para os preparar e para os tornar completamente aptos em cultura geral de modo a que

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possam passar nos exames “à altura de um homem”, como eu costumo dizer. Por último, vamos empenharmo-nos num “plano de acção para a igualdade no emprego”, para que os funcionários da cidade procedentes das zonas de diversidade e acantonados em empregos de categoria C possam progredir na carreira: comprometemo-nos a formar, assim, 800 quadros. Vamos, também, debruçarmo-nos sobre as formas de recrutamento e velar para que a constituição dos júris seja representativa da diversidade. Depoimento recolhido por Laetitia Van Eeckhout http://www.yaminabenguigui.fr/ I.7. Seine-Saint-Denis: Como chegámos aqui? Entrevista a Stéphane Gatignon David Doucet Tivemos a oportunidade de entrevistar esta semana Stephane Gatignon, comunista, Presidente da Câmara de Sevran, desde 2001, e membro do Conselho Geral de Seine-Saint-Denis, desde 2004. Abordámos todas as razões pelas quais o departamento territorial “9-3” está hoje em tão elevado estado de ruína... Sem estereótipos, este historiador de formação aborda, também, a complexidade de sua missão de eleito local e propõe uma forma alternativa de fazer política...

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É Prefeito de Sevran, desde 2001, uma das cidades mais pobres da França. Pode descrever-nos, em poucas palavras, o seu dia a dia de representante do povo? É verdade que em termos de classificação das cidades com mais de 50 000 habitantes, Sevran continua a ser a cidade mais pobre da França. É o resultado da desindustrialização. Sevran assentava numa única indústria, com, por um lado, os laboratórios da Kodak e, pelo outro, a Westinghouse (travões para automóveis e comboios). Entre 1993 e 1995, estas duas empresas desapareceram completamente da cidade. Isso criou um vazio que nunca mais conseguimos preencher. Para voltar ao quotidiano de Presidente da Câmara, é um quotidiano difícil. A gestão é muito complicada, porque temos menos 35% de orçamento do que uma cidade da mesma categoria na região de Ile-de France. Temos um orçamento de funcionamento de 55 milhões de euros, quando é de 34 milhões, em média, noutras cidades da região. Para o período de um ano já é difícil de gerir, mas agora para 10 anos, pode bem imaginar a situação… O cargo de Presidente da Câmara, numa cidade como Sevran, exige uma intensa actividade no domínio social. Temos de cuidar de uma parte da população que vive em grande dificuldade. Isto sente-se ainda mais com a crise, especialmente nas questões da habitação. Esta pressão social é elevada a todos os níveis. Somos a segunda cidade mais jovem da região de Ile-de-France, depois de Clichy-sous-Bois, e há, também, desta forma, uma necessidade muito forte de infra-estruturas (habitação, escolas, desporto...).

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Creio que, em termos de emprego, também devem ter sido severamente atingidos pela recessão. Que políticas desenvolveu a nível local contra este flagelo? Paradoxalmente, tivemos menos pressão, entre aspas, sobre o emprego, porque há poucas empresas aqui. O problema situa-se mais para os lados de Roissy e de Paris. Mas, em Sevran, criámos, em 2002, um pólo de Emprego e Formação que integra diversas instituições (nomeadamente, serviços locais inter-comunais, o serviço RMI, que passou a RSA) para facilitar o processo de procura e de acesso ao emprego. Assim, a própria ANPE optou por se estabelecer também em Sevran para trabalhar em conjunto com o Centro, que funciona a tempo inteiro. Acho que devemos realmente caminhar para uma lógica de pólo. Costumo citar o exemplo da ANRU (Agência Nacional para a Reabilitação Urbana): falavam-nos de uma reforma com a criação de um balcão único e, hoje, este organismo tornou-se um monstro tecnocrático, com comissões que se sobrepõem, muita burocracia e muitas reuniões técnicas, para, no final, chegar a muito poucas decisões de políticas. O sistema francês está realmente muito enfermo, actualmente. Passaria agora a uma pergunta um pouco provocadora. Charles Pasqua comparou recentemente Hauts de Seine com Seine Saint Denis, afirmando que "os dois departamentos territoriais tinham inicialmente o mesmo potencial e, 30 anos depois, a diferença nos resultados é consequência de uma gestão sócio - comunista. Como é que reage a isso e o que acha das possíveis razões para tal disparidade?

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É verdade que se trata de uma afirmação um pouco provocadora. A questão é a de saber porque é que chegámos a isto em Seine Saint Denis e, mais geralmente, na zona leste de Paris, uma vez que Villiers-le-Bel, Sarcelles, Val-d'Oise foram igualmente afectados. A resposta tem raízes históricas. Durante os trinta gloriosos anos, as empresas estavam cá e as habitações dos trabalhadores situavam-se perto das fábricas. Deve recordar-se que já havia bairros de lata nessa altura, principalmente em Argenteuil e em Bezons. E quando se consultam os livros brancos daquele tempo, encontramos já a organização urbana actual. Havia uma mancha em forma de banana, que partia de Sarcelles, Sevran Aulnay, Clichy, onde se agruparam os habitats colectivos para envolver a maior cidade da região de Ile-de-França depois de Paris, que seria Tremblay-en-France. Foi a criação do aeroporto de Roissy-Charles de Gaulle que alterou este programa... Mas, como explica, então, o desaparecimento gradual da indústria, em Seine Saint Denis? Houve, na década de 70, um fenómeno de desindustrialização, quando tínhamos, já desde o século XIX, pólos urbanos enormes ao lado das fábricas, sendo preciso lembrar que havia já na altura 80 000 habitantes em Saint Denis. Na segunda fase, no pós guerra, assiste-se ao processo de reestruturação das fábricas, principalmente na zona em redor da Plaine de France. A terceira fase foi a fase da industrialização. Estas fábricas eram, na sua maioria, fábricas de baixo nível de trabalho qualificado, especializadas na indústria química e na

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metalurgia. Todos esses sectores entraram em crise, nos anos 70. Houve muitas deslocalizações e encerramentos de fábricas que se tinham tornado totalmente obsoletas com o decorrer dos anos... Houve também o fenómeno das novas cidades, o que tendemos a esquecer. Se tomarmos o caso de Argenteuil, houve muitas saídas forçadas de empresas daqui com a obrigação de se instalarem em La Defense. Mas o que levou estas empresas a instalarem-se nas novas cidades? Foi o Estado que tomou certas decisões para estruturar as novas cidades e criar pólos que, nessa altura, ainda não se chamavam pólos de competitividade, mas a ideia era essa. É, portanto, uma história urbana, à qual se sobrepõem factores económicos. Isso explica por que razão as fábricas estavam localizadas principalmente na zona leste de Paris, em vez da zona oeste. Em contrapartida, a oeste havia algumas indústrias dos sectores automóvel e aeroespacial que, aliás, perduraram. A desindustrialização afectou, por conseguinte, mais a zona Leste que a zona Oeste. Voltando à questão de Charles Pasqua, o que ele poderia dizer é que as receitas do Imposto Profissional de Hauts-de-Marne e de Seine-Saint-Denis são praticamente comparáveis. Em Seine-Saint-Denis, os estabelecimentos industriais foram progressivamente substituídos por empresas especializadas em Serviços e Logística.

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Mas, como se justifica então a disparidade de riqueza entre os dois departamentos territoriais? Para já esta disparidade é errónea. Eu talvez não o deva dizer desta maneira, mas, Seine-Saint-Denis tem dinheiro. Repito-me, mas veja o valor do Impostos Profissional, o valor do orçamento do Conselho Geral, há dinheiro. Em Seine-Saint-Denis há cidades ricas. Em contrapartida, o que é verdade é que temos uma população com as maiores dificuldades. Nesse caso, como interpreta este paradoxo? Temos a tendência para esquecer que, no final dos anos 1960, se deu início à ideia do reagrupamento familiar. Quando os homens viviam sozinhos nos bairros de lata, isso não colocava, salvo seja, muitos problemas à sociedade. Quando abordámos a ideia do reagrupamento familiar não previmos a crise dos anos 1970. Para integrar plenamente as pessoas de origem estrangeira que tinham para cá vindo, propagou-se consequentemente a ideia. Construíram-se cidades para acabar com a insalubridade dos bairros de lata e para que as pessoas pudessem habitar perto das fábricas. Se a indústria tivesse perdurado e se as empresas se tivessem modernizado a situação teria sido provavelmente diferente. Mas a crise do petróleo de 1974 foi um verdadeiro choque. Na verdade, as primeiras vítimas das deslocalizações foram estas populações, na maioria de origem magrebina, que tínhamos para cá trazido e que, com a crise, se viram em situações muito precárias. A isto veio juntar-se um problema de adaptação, esta população não conseguiu elevar-se. Nunca lhe demos

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formação, nunca nos preocupámos sequer em que falassem francês. Em todo o caso, aqui em Seine-Saint-Denis, é bastante simples. Questionamo-nos muitas vezes sobre a ligação entre Clichy-sous-Bois e Sevran. Mas, quando fomos à procura de imigrantes, na década de 60, não os fomos buscar às áreas urbanas da Argélia e de Marrocos, onde as pessoas eram mais cultas, porque o nacionalismo árabe inquietava. Fomos recrutar trabalhadores nas montanhas. Tanto é assim que as pessoas que vivem em Aulnay, em Sevran, em Clichy-sous-Bois, vieram frequentemente das mesmas regiões, das mesmas famílias, dos mesmos clãs. De tal forma que, sempre que há um acontecimento em Clichy, repercute-se imediatamente em Sevran, devido a essa ligação histórica, inter-geracional... Será que isso ajuda a explicar cabalmente o “mal-estar dos subúrbios”? O que podemos dizer é que tudo andava quando havia emprego, mas a crise industrial dos anos 70 foi, nesse aspecto, fatal. Hoje, se olharmos para região de Plaine de France, ainda lá existem indústrias ricas. Haverá que estudar a política dionisíaca com a criação do Estádio de França. Mas não esqueçamos também que todos estes postos de trabalho criados, e poderíamos também citar Roissy, já não são do mesmo tipo dos empregos mediamente qualificados das fábricas. Deu-se um desajustamento entre o tipo de emprego e o tipo de população. É preciso referir, também, a incapacidade de reformulação da formação profissional em França, face à crise e à evolução

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económica, quando se assiste a novas formas de industrialização. O problema é que continuamos a formar as pessoas para empregos que estão em vias de desaparecer. Como é que compreende o facto de muitos jovens da segunda geração de imigrantes, que fizeram o percurso escolar em França, não conseguirem agora integrar-se totalmente? Aquilo a que me referi anteriormente foi à década de 80 que, para mim, representa o fracasso do qual decorrem muitas das consequências que actualmente sentimos. Foi um período charneira. Falámos de carências em termos de formação, de visão urbana, mas há também uma clara falta de capacidade de antecipação. As pessoas de esquerda, incluindo os comunistas, lutaram para manter empresas que estavam moribundas e que datavam de há 70 anos. Continuou-se a lutar pela ideia de que antes era melhor. E, no final, toda a classe política, esquerda e direita, continuou com esta ideia. Todos tinham em mente a ideia de voltar aos Trinta Gloriosos Anos, com as fábricas e o mito do operariado. Pouco a pouco, o discurso político que se estruturava nos bairros e na classe operária diluiu-se e deixou de estar ajustado à dimensão dos problemas que a população enfrentava... David Doucet, “Seine-Saint-Denis : comment en est-on arrivé là?”, Reversus, 26 de Junho, 2009. Disponível em http://reversus.fr/2009/06/26/stephane-gatignon/

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I.8. Os subúrbios e o problema da integração, uma questão insolúvel? Continuação da entrevista com Stephane Gatignon, Presidente da Câmara, comunista e membro do Conselho Geral de Seine-Saint-Denis David Doucet Sobre a mesa uma questão frequentemente deixada em aberto pelo poder político: a integração de pessoas de origem imigrante. Embora a questão seja, mais do nunca, considerada ou dada como insolúvel, alguns corajosos mantêm a esperança numa "cultura comum". Para construir a sociedade cosmopolita que preconiza, será necessário resolver o problema da integração. Que soluções propõe? Tomemos o exemplo dos Estados Unidos. A maioria dos jovens, seja qual for a sua posição de partida, tem expectativas de sucesso. Na região de Paris, quando dialogamos com jovens das cidades, muitos deles consideram que não têm lugar na sociedade. É uma situação paradoxal, pois, embora a história francesa seja fortemente marcada pelo universalismo, encontramo-nos agora numa situação evidente de bloqueio e de isolamento. Exactamente, como conseguir, então, responder a estas camadas da população que não se sentem integrados? Acho que devemos desenvolver o conceito de cultura comum, mostrar que cada um pode contribuir para a sua edificação e

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que toda a gente pode ter o seu lugar nessa sociedade. É preciso, para isso, criar pontes entre culturas que são diferentes. Pessoalmente, continuo convencido de que o futuro do nosso país está em jogo exactamente aqui: os subúrbios são, neste aspecto, um laboratório social. Claro, e acho que se esses problemas (adiados, há anos) não são resolvidos, a próxima explosão nos subúrbios pode ter consequências terríveis. É uma bomba - relógio. Na verdade, uma bomba que terá um impacto sem precedentes. Mas, em todo o caso, há aqui potencialidades de solução de tal modo importantes que, na minha opinião, não podemos continuar a pôr de lado estes problemas. Na cultura, por exemplo, tomemos o caso da moda. Os criadores de hoje são, em muitos casos, originários dos subúrbios: pode-se citar Airness ou Dia. Em Sevran, por exemplo, há três empresários que estão a lançar neste momento as suas linhas de vestuário. No desporto, também, é sabido que os subúrbios são um viveiro de talentos sem igual. A música, arte universal, é também um território de encontro entre culturas diversas e variadas que os subúrbios albergam. O rap e o slam são estilos que existem desde longa data. O teatro é, também, uma área dinâmica, que desempenha um papel cada vez mais importante nas cidades. Eu diria mesmo que é aqui que se cria o teatro de amanhã, de que nascerá o Jean Vilar do século XXI (se é que não nasceu já). Disso, estou convencido. Então, como não perder todos esses talentos pelo caminho? Como se pode mostrar-lhes que eles são parte do nosso projecto de sociedade?

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Há aqueles que enfrentam maiores dificuldades de integração e aqueles que, pura e simplesmente, já não têm vontade, ou força, para serem integrados, porque existe entre eles um sentido de orgulho que torna inconcebível a ideia de sair do enclave em que nasceram. Há, no entanto, uma série de coisas muito positivas que estão a acontecer. Vejo a qualidade desses jovens que procuram a educação: os jovens refugiados tamil, por exemplo, puxam para cima o nível das turmas das cidades. Na sua maior parte, fazem estudos superiores, representando exemplos extremamente positivos. No futuro, na cultura francesa, haverá certamente uma componente tamil. Mas, recorrendo a uma parábola cristã, uma parte do rebanho consegue efectivamente integrar-se, mas, não devemos trazer todos os jovens, sob pena de falharmos? Não, não creio. Penso que, em dado momento, é necessário criar uma relação de forças. O problema fundamental é político. É então necessária uma acção do Estado... Não, não é necessário. Para mim, o Estado é um instrumento, da mesma maneira que uma colectividade local. Hoje, a acção do Estado é dirigida por tecnocratas com uma visão de sociedade que não tem em conta todos os parâmetros. O que é necessário é um verdadeiro debate político em torno destes

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temas: o cosmopolitismo, a estruturação social, a cultura comum. Isto é essencial. Mas como criar uma cultura comum? Na minha opinião, temos de trabalhar as comunidades para as fazer desabrochar. Nicolas Sarkozy retoma alguns princípios da política de assimilação, quando fala de imigração: neste sentido, ele pretende que os estrangeiros que se instalam em França abandonem uma parte de sua cultura para adquirir a de seu país de acolhimento. Eu acho que a assimilação nunca funcionou. Falámos anteriormente daqueles trabalhadores que trabalharam durante 20 ou 30 anos nos subúrbios, nas fábricas, que lhes propiciaram beneficiar do reagrupamento familiar. Mas, afinal, estas pessoas falam mal o francês e vivem centrados nas suas tradições de origem. No fim de contas, o que se fez foi apenas engendrar o comunitarismo. Como “trabalhar” estas culturas, neste caso? Quando as pessoas vêm dos quatro cantos do mundo, têm necessariamente necessidade de referências. Temos de criar uma forte ligação com essas comunidades, e puxá-las para criar um choque cultural. Temos de construir a cidade em conjunto e em torno de projectos comuns.

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Toda gente deve, por um lado, pode viver em harmonia com as suas tradições, incluindo a religião, tanto na esfera privada como na esfera pública e, por outro, ter também a capacidade de trabalhar em conjunto. A criação de uma cultura comum ultrapassa, em muito, a assimilação. É verdade que a assimilação se refere mais à política colonial. Sim, e ainda se está, infelizmente, a sofrer as consequências. O problema de hoje é que estas populações estão em perda de identidade: nem integrados em França, nem autóctones no seu país natal... É por isso que as suas tradições e as suas raízes devem ser preservadas. Tudo deve passar primeiramente, na minha opinião, pela eliminação dos guetos. Nada vai mudar se continuarmos a juntar estas populações em agrupamentos. Não, obviamente temos de criar uma miscigenação social. Sim, uma miscigenação social à escala da grande metrópole. Actualmente, a miscigenação social não resulta, precisamente porque as desigualdades territoriais continuam a isolar em comunidades todo o espaço metropolitano. Essa eliminação dos guetos acabará por pôr fim a esse sentido de orgulho da origem que já anteriormente mencionámos, esse círculo vicioso que requer muita força para ser ultrapassado.

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É verdade, mas, simultaneamente, continua tudo a ser muito contraditório. Esse sentido de emulação negativa existe, mas também é necessário não esquecer todos aqueles que evoluem e que conseguem escapar a esse círculo vicioso. O problema é a nossa tendência natural para a estigmatização, que nos impede de ver a realidade tal como ela é. Em Sevran, por exemplo, criámos a AEB, uma associação de empresários de Beaudottes (um bairro difícil de Sevran). Numa reunião com o arquitecto Roland Castro sobre o tema da Grande Paris e sdo desenvolvimento sustentável, a sala estava completamente cheia. Imagine, quem é que estava presente? Pessoas na sua maior parte de origem estrangeira. Muita gente da segunda geração de magrebinos está a começar a criar empresas e formam, efectivamente, um conjunto muito sólido de novos empresários. Esta realidade é, muitas vezes, omitida. Da mesma forma, em Sevran, há mais de cem países de origem nos cadernos eleitorais. Eu acredito que o acesso à cidadania francesa é um desafio mesmo muito importante, e bem mais do que a atribuição do direito de voto aos imigrantes. É preciso também ter em conta o desenvolvimento residencial, que está a assumir uma dimensão crescente. Hoje, estamos a assistir à proliferação de compra de pequenas moradias pelas famílias de imigrantes. A imigração tradicional de origem magrebina deixa pouco a pouco as cidades para aceder ao tecido urbano das moradias. Esta via fá-las evoluir sociologicamente, culturalmente e politicamente. Basicamente, essas pessoas, à partida posicionadas mais à esquerda, começam a adoptar posições mais conservadoras, depois de se tornarem proprietários. Aliás, Nicolas Sarkozy compreendeu e agarrou muito bem o potencial deste "percurso residencial" e tentou, várias vezes, seduzir este novo eleitorado,

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principalmente pela nomeação de personalidades saídas dos meios da imigração, como Rachida Dati ou Nora Berra. Então fale-me justamente sobre a política securitária de Nicolas Sarkozy? Nicolas Sarkozy tem uma visão muito liberal das coisas. Quando Ministro do Interior, por exemplo, quis reduzir custos através da redução drástica dos efectivos policiais. Tomemos o caso de Sevran: em 2001, tínhamos 120 polícias, contra 90, em 2005, numa cidade com 51 000 habitantes. Hoje, esses efectivos tendem a recuperar o seu nível inicial. Penso que quando Nicolas Sarkozy era Ministro do Interior, havia mais anúncios do que resultados. Actualmente, tentam pôr em prática uma política de proximidade, com os UTEQ, o que é uma coisa boa. Para mim, a polícia só pode ser de proximidade. É necessário que esteja presente e que participe na criação de um clima de confiança. E qual é a sua opinião sobre a actividade de Michelle Alliot-Marie, da Place Beauvau? Ela percebeu que as coisas eram muito mais complexas do que o discurso simplista de Nicolas Sarkozy. Não começou a anunciar a sua acção e preferiu pôr-se a trabalhar. No fundo, Alliot-Marie tinha uma visão muito gaullista destas questões. Ela queria a presença da polícia no terreno e adoptou uma posição menos liberal do que a do seu antecessor. Ela reinstalou os UTEQ, o que levou a uma situação mais lógica.

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Com a Grande Paris Policial, que foi oficialmente concretizada, a polícia deixará de estar dividida por departamentos. A polícia de Paris estará interligada com as áreas de densidade urbana (Hauts-de-Seine, Seine-et-Marne, Seine-Saint-Denis). Para dar um exemplo, deixaremos de ter, em Seine-Saint-Denis, a DDSP (Direcção Departamental da Segurança Pública), mas um Prefeito de Polícia responsável por toda a área. Eles esperam, assim, reequilibrar os efectivos e melhorar o seu desempenho. Voltando novamente a Nicolas Sarkozy, que visitou há poucos meses uma cidade perto de Sevran, Vaujours. Você tinha comparado aquela visita à do "Marechal Potemkin, o favorito da czarina Catarina II, que não tinha pejo em mandar construir vilarejos fictícios na Crimeia para demonstrar a excelência da administração imperial”. Pode descrever as circunstâncias dessa visita? Nicolas Sarkozy deslocou-se a Vaujours para uma reunião, pois como todos sabem, ele não é apenas o Chefe de Estado mas é também o chefe de seu partido. Ele queria encontrar vários empresários de Seine-Saint-Denis, aproveitando a oportunidade para fazer um balanço da sua acção política. Vaujours é uma cidade pequena e frente ao ginásio onde devia proferir o seu discurso estava gente de fora em excursão. Tendo a visita sido antecipada, ordenou-se a essas pessoas que se deslocassem para Sevran, para o parque de estacionamento dos utilizadores do comboio RER B. Ficaram aí três semanas.

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Foi uma decisão do Presidente da Câmara? Não, a ordem veio directamente do Eliseu, do Ministério do Interior. Mas, afinal, dir-se-ia que esse fenómeno de “círculo fechado da corte” decorre dos seus colaboradores próximos ou dele mesmo? Eu acho que na comitiva de Nicolas Sarkozy há o que eu chamaria de "síndroma de Toulouse". É necessário regressarmos a 2003, quando era Ministro e ordenou que os polícias da cidade "deixassem de jogar futebol com os jovens locais" e fizessem mas é o seu "trabalho ". Ninguém fala disso, mas eu acho que há um antes e um depois de Toulouse. Esse medo da humilhação pública nasce nesse período e continua a pesar, o que gera inevitavelmente um fenómeno autista de “círculo fechado de corte”. O verdadeiro problema que isto levanta é que Nicolas Sarkozy deixou de ter acesso ao terreno. David Doucet, Reversus, 30 de Julho, 2009. Texto disponível em http://reversus.fr/2009/06/26/stephane-gatignon/

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I.9. Contribuição do Departamento de Seine-Saint-Denis no âmbito da consulta pública sobre o Livro Verde sobre coesão territorial Claude Bartolone Deputado, Presidente do Conselho Geral de Seine-Saint-Denis No momento em que o mundo e a Europa são atingidos por uma grave crise financeira, o Departamento territorial de Seine-Saint-Denis saúda a vontade da Comissão Europeia de lançar uma reflexão partilhada sobre a coesão territorial. O Departamento territorial de Seine-Saint-Denis decidiu responder a esta consulta pública para assegurar que as especificidades do seu território serão tidas em conta. Para o seu executivo, não há nenhuma dúvida de que, tendo em conta a proximidade das colectividades locais aos respectivos territórios, estas colectividades devem desempenhar um papel decisivo na política de coesão económica, social e territorial na Europa. A nossa contribuição articula-se em torno de quatro questões chave. 1) O departamento territorial de Seine-Saint-Denis deve continuar a ser elegível para acesso aos fundos europeus Tendo em conta a realidade de Seine-Saint-Denis, seria incompreensível que este território deixasse de ser abrangido pelas políticas de coesão territorial. A política económica e social promovida pela União Europeia não pode limitar-se à criação de algumas zonas altamente competitivas, sem ter em conta as necessidades dos cidadãos dos territórios menos favorecidos. Os Europeus não querem uma Europa que assente o seu crescimento e dinâmica económica pactuando com as

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desigualdades. Hoje, o lugar de residência é um factor de desigualdade social. Este problema não será resolvido pela mão invisível do mercado, nem por um efeito secundário das políticas ditas sectoriais que a União Europeia desenvolve noutras árias. É por isso que a coesão territorial deve manter a ambição de intervir a nível infra-regional, para ter em conta a especificidade de territórios, tais como o departamento territorial de Seine-Saint- Denis. Com as suas quarenta comunas e os seus 1.491.000 habitantes, o departamento de Seine-Saint- Denis constitui um espaço urbano denso e contínuo, situado no âmago da região Ile-de-France,que figura entre as mais dinâmicas da Europa. No entanto, este território é atravessado por fracturas. Estas fracturas continuam a ser invisíveis para quem só observe as estatísticas das médias regionais. Uma média faz desaparecer as desigualdades no papel, mas não na realidade, no terreno. Será que se vai dizer, amanhã, a um habitante de Pantin que deixou de ter direito à ajuda da Europa, sob o pretexto de que o seu vizinho de Neuilly-sur-Seine não tem necessidade? No momento em que os Franceses estão cada vez mais desconfiados em relação à construção europeia, uma tal abordagem teria um efeito desastroso na relação dos nossos concidadãos à União. Faria hipotecar gravemente o futuro. 2) A necessidade de indicadores infra-regionais para ter em conta as necessidades dos territórios e das populações A fim de alcançar um desenvolvimento duradouro e equilibrado do território tanto de Seine-Saint-Denis, como da Região, o Departamento territorial preocupa-se em reforçar os pólos dinâmicos do seu território, tais como as zonas aeroportuárias ou os pólos de competitividade, criando ao

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mesmo tempo relações entre estes pólos e as zonas urbanas em dificuldade. É necessária a intervenção da esfera política para que os territórios competitivos puxem ou arrastem consigo os outros territórios. No âmbito da política de coesão, é essencial que esta articulação entre competitividade e coesão social, económica e territorial seja tida em conta. Isto passa, primeiro, por instrumentos de análise mais realistas. Não se conhecem as necessidades de um território quando se olha para o produto interno bruto (PIB) da respectiva região. A política regional da União Europeia, hoje, é fundada em indicadores que devem ser completados e melhorados. As dificuldades de habitação, de deslocação, de acesso ao emprego ou à formação profissional de elevado nível, quando se vive num bairro desfavorecido, não aparecem nos quadros do Livro Verde. 3) A gestão dos fundos europeus deve dar maior importância às colectividades locais O Departamento territorial é confrontado, demasiado frequentemente, com dificuldades de gestão dos fundos europeus entre os diferentes actores envolvidos, o que prejudica a eficácia das políticas co-financiadas pela União Europeia. As colectividades locais são os parceiros naturais da União Europeia na aplicação da política de coesão. São elas que adaptam os objectivos de coesão às necessidades locais. O seu papel deve ser melhor reconhecido, atribuindo-lhes mais responsabilidades na gestão dos fundos europeus. 4) A exigência de uma legislação clara relativa aos Serviços Sociais de Interesse Geral (SSIG) Uma política de coesão territorial significa, no que respeita ao nosso território, colocar o interesse prioritário na população e

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na sua qualidade de vida, ou seja, no acesso ao emprego, à habitação, e aos equipamentos e serviços sociais. Esta política apenas pode ter êxito se a União Europeia disponibilizar os meios para assegurar a igualdade de acesso aos serviços sociais. O sector social e a inserção social deveriam estar explicitamente fora da Directiva Comunitária relativa aos “Serviços”, como acontece com a saúde. Estas actividades, sem fins lucrativos, consagradas ao trabalho no domínio humano e da solidariedade social, que requer apoios públicos a entidades de natureza associativa, não podem ser assimiladas a serviços comerciais e sujeitas a uma lógica de concorrência. Devem, por conseguinte, ser excluídas da Directiva “Serviços”. Os SSIG devem ser reconhecidos como sendo exclusivamente de interesse geral e não económico. É um aspecto decisivo da coesão territorial. Se estes elementos forem tidos em linha de conta, isso permitirá ao nosso departamento territorial tirar plenamente partido da política de coesão territorial e contribuirá para aproximar os nossos habitantes da União Europeia. Claude Bartolone

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Anexo à contribuição do Departamento de Seine-Saint-Denis no âmbito da consulta pública sobre o Livro Verde sobre coesão territorial A vontade do Departamento territorial em responder ao Livro Verde O Departamento do Seine-Saint-Denis entende responder à consulta pública sobre o Livro Verde a fim de tomar plenamente parte no debate sobre o futuro da política de coesão económica, social e territorial europeia. A coesão territorial ressoa, com efeito, como um imperativo para o território “Sequano-Dionisino” (Nota: referente a La Seine (Sequano em latim) e ao deus grego Dionísio): trata-se, com efeito, de nos concentrarmos nas causas da “descoesão territorial”, nos desequilíbrios entre os diferentes espaços de Seine-Saint-Denis, em lembrar o carácter imperativo da solidariedade entre os territórios e em manter a noção de coesão territorial como uma necessidade para unir as forças em presença para assegurar a unidade, o equilíbrio e, a prazo, o desenvolvimento sustentado e harmonioso do território. Também a política de coesão económica e social (e, talvez, no futuro, territorial) europeia deve continuar a centrar-se nos efeitos positivos que produz em benefício da população europeia. Isto está subjacente a um novo desafio, tendo em conta a integração da Estratégia de Lisboa na construção da política de coesão: pouco a pouco, a focalização na população do território europeu desloca-se em maior benefício dos investimentos na economia intangível, na inovação, na competitividade. Este deslizamento da política de coesão para uma política de competitividade tem origem nas reflexões conduzidas pela

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Comissão Europeia sobre a necessidade de fazer face à concorrência mundial. Em todo o caso, o interesse da própria população, que representa a força da Europa, deve continuar a ser o elemento central da construção da política de coesão. Proposta de abordagem da noção de coesão territorial e perspectivação da intervenção europeia A Comissão Europeia convida a reflectir sobre a noção de coesão territorial e sobre o conteúdo que se lhe deve conferir. Ora, é útil manter uma correlação constante entre o território e a sua população, se quisermos ter uma abordagem completa da coesão territorial. Philippe Estèbe (Director de Estudos da ACADIE), perito em ordenamento territorial, refere que é necessário distinguir a localidade, por um lado, como espaço sensível da vida das pessoas, concreto, vivido, pleno de história e de histórias, e, por outro, o território, como espaço investido de uma dimensão institucional, por conseguinte, construído, gerado por cortes, delimitado por dados estatísticos, por escolhas de indicadores, por índices fabricados - para se poder homogeneizar uma entidade que seja possível diagnosticar e tratar, racionalmente e como um todo, através de uma intervenção institucional. “O desafio da intervenção pública a nível territorial é, então: como fabricar um território (racional) a partir da localidade (sensível)? Como situar a localidade sob o território?” Aliás, é necessário sublinhar a ambiguidade do estatuto de “ território” nas políticas públicas. Convém não confundir duas lógicas:

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- o território como terreno delimitado pela aplicação “territorializada” da acção pública, em que o território constituirá uma dimensão organizacional, um suporte da acção pública (exemplo, as circunscrições da acção social polivalente: todo o público, todas as problemáticas), permitindo, nomeadamente, o cruzamento das políticas sectoriais, a abordagem transversal das políticas numa óptica de acção pública global; - o território como objecto da acção pública, o que poderia traduzir precisamente a finalidade “de coesão territorial”, em que a acção pública visa alterar características desta entidade como tais. Trata-se, então, essencialmente, de questões ligadas ao ordenamento do território, que não podem autonomizar-se das problemáticas sociais, económicas e politiques. A intervenção das políticas europeias aplica-se às duas abordagens, ou seja, visa, simultaneamente, um determinado nível, dito de subsidiariedade, para intervir ao nível mais pertinente, tendo em conta as políticas que aí já estão a ser desenvolvidas. A intervenção europeia é disseminada, sobretudo, graças às organizações responsáveis por um dado território. Neste caso, o território constitui o suporte da acção pública. Mas, além disso, a União Europeia intervém também a nível dos territórios para os ajudar a evoluir, a sair de situações difíceis. O território torna-se, então, objecto da acção pública.

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Os elementos que travam a coesão territorial no departamento territorial de Seine-Saint-Denis O Departamento territorial de Seine-Saint-Denis deseja chamar a atenção da Comissão Europeia para sua especificidade: este território caracteriza-se por uma zona urbana densa, com porções de território em processo de autonomização, num contexto metropolitano dinâmico. A priori, deveria beneficiar do forte dinamismo e da competitividade da região de Ile-de-France. Embora este postulado se verifique em certos aspectos, o território revela, no entanto, mazelas, devido à relação entre Seine-Saint-Denis e a sua integração metropolitana, como mostra um estudo realizado pela ACADIE: “A passagem de subúrbio operário para a integração metropolitana provoca novas fracturas. Enquanto que a função de subúrbio operário era acompanhada por uma coesão social e territorial interna forte, devido a condições sociais e culturas partilhadas, a integração metropolitana contribui para a perda de coesão e para a acentuação das fracturas territoriais”. Consequentemente, os riscos da passagem de subúrbio operário para a integração metropolitana implicam novas fracturas que pesam sobre a coesão territorial. A repartição de rendimentos Este fenómeno de diferenciação social toca também os territórios do nosso departamento territorial. A análise do rendimento médio e do Imposto Profissional a nível comunal permite dar maior profundidade à clivagem histórica Leste-

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Oeste e observar um certo número de resultados paradoxais: o emprego polariza-se nalgumas zonas comunais, sem que, contudo, tal se traduza num aumento de rendimento dos respectivos habitantes. A evolução do rendimento médio entre 2001 e 2006 mostra uma tendência para a redução da coesão territorial: são as zonas comunais cujo rendimento médio era mais elevado, em 2001 que, globalmente, registam o mais forte crescimento do rendimento médio. Outra constatação: as zonas comunais cujos habitantes são mais pobres são as que mais contribuem em Imposto Profissional, nomeadamente nas zonas comunais da região Oeste, enquanto que nas zonas comunais onde os rendimentos são mais elevados, as bases deste Imposto são fracas. O isolamento e a situação de enclave geográfico dos territórios infra-departamentais Verifica-se, por conseguinte, que existe, de facto, uma forma de redistribuição do rendimento decorrente da desigual distribuição espacial das actividades. A clivagem entre territórios habitacionais em que predominam as moradias e os territórios mais ocupados por actividades produtivas tende a acentuar-se. Por fim, a análise da criação de empregos evidencia uma última clivagem no seio deste departamento territorial. O Leste, o Norte e o Oeste (os territórios que ladeiam o eixo da auto-estrada A-1) concentram as taxas de criação de empregos mais elevadas, em valor absoluto. Em contrapartida, o coração do departamento territorial, apesar da sua posição, não beneficia, nem da

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dinâmica produtiva do Oeste e do Norte, nem da dinâmica habitacional do Leste. Assim, empenhado no esforço de co-elaboração de uma Agenda 21, o Departamento territorial identifica quatro subconjuntos, que são outros tantos territórios de características específicas, com problemáticas próprias de desenvolvimento: - o coração de Seine-Saint-Denis, no centro do departamento territorial, mas que não participa no desenvolvimento produtivo metropolitano e não ganha em atractividade habitacional; - a Plaine de France, onde o desenvolvimento produtivo se concentra em dois pólos, a Norte e a Oeste, mas em que estas zonas acolhem famílias relativamente pobres; - o Leste do departamento territorial, no qual se acentua o desenvolvimento habitacional, induzido por famílias com melhor nível de vida, entrecortado por bolsas de pobreza; - o arco periférico, que beneficia de uma boa dinâmica de desenvolvimento, devido à sua proximidade da cidade de Paris. A intervenção da União Europeia, aos lado do Estado e das autarquias, é necessária para reforçar a coesão territorial de Seine-Saint-Denis, e, assim, permitir a este departamento territorial de 1,4 milhões de habitantes participar no desenvolvimento sustentável, harmonioso, equitativo, do conjunto metropolitano de Ile de France. A coesão territorial constitui, portanto, um dado de partida de qualquer política de desenvolvimento duradouro dos territórios.

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A consideração da dimensão urbana e dos territórios abandonados na política de coesão económica e social e a necessidade de uma boa governança O departamento territorial de Seine-Saint-Denis constitui um território urbano denso contínuo. O que implica uma forte densidade populacional com necessidades numerosas. Ora, por si sós, as autarquias locais não estão em condições de responder a estas necessidades, por falta de meios humanos, técnicos e financeiros, nomeadamente, em termos de serviços. Também o Conselho Geral de Seine-Saint-Denis trabalha, no âmbito da elaboração da sua Agenda 21, para a melhoria da qualidade de vida dos habitantes e para a dinamização do território. O exemplo do programa operacional “ Competitividade regional e emprego” de Ile-de-France O programa operacional “Competitividade regional e emprego” de Ile-de-France tem em conta, particularmente, as zonas urbanas em dificuldade. Trata-se de um verdadeiro desafio para o Departamento territorial, relacionado com três zonas seleccionadas no seu próprio território, as quais vão ter uma intervenção maciça e concentrada de fundos europeus destinados a projectos estruturantes e com potencial difusor. Embora os projectos ainda não tenham entrado em fase operacional, a sua preparação evidenciou já alguns benefícios e o efeito de alavanca da contribuição dos fundos europeus:

o modo de organização técnica e financeira entre as instituições responsáveis do território em causa: trata-se da implantação de uma governação específica, adaptada

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a um determinado território, respeitando o princípio da subsidiariedade.

Os proponentes de projectos são incitados a elaborar o seu projecto em conjunto e a definir com exactidão o modo de realização.

a consideração do carácter integrado de um projecto territorial: trata-se de reflectir sobre a interacção de vários domínios de acção sobre um mesmo projecto de território. Consequentemente, a coesão territorial nasce da concertação entre acções de coesão social e de coesão económica num dado território.

A intervenção dos fundos europeus através da política regional contribui, assim, para a coesão territorial, no sentido em que actua em projectos que permitem melhorar a qualidade de vida dos habitantes, bem como adoptar novas formas de governação adaptadas à geografia do território e melhorar a atractividade deste território para as actividades económicas. A intervenção europeia deve perseverar neste esforço de valorização da dimensão urbana nos programas operacionais para os territórios que evidenciam fortes carências, como é o caso de alguns departamentos territoriais da Região Ile-de-France. Contudo, este esforço de concentração não é repartido equitativamente no conjunto do território: outros proponentes de projectos deveriam também poder beneficiar destes fundos. Em todo o caso, a governança interinstitucional entre o Estado e as colectividades locais pode suscitar dificuldades na aplicação dos fundos europeus nos territórios geridos por autarquias com ambições divergentes. Este Departamento territorial está também particularmente interessado na dimensão de parceria da programação dos

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fundos europeus: ela propicia um diálogo indispensável entre os actores envolvidos sobre a estratégia regional a adoptar. Como é que a intervenção europeia e as preocupações europeias esboçadas para a futura política de coesão para o período 2014-2020 podem ser tidos em conta no desenvolvimento da coesão territorial? Proposta de indicadores de nível infra-territorial a partilhar a nível europeu, a fim de tornar a política de coesão mais próxima das necessidades dos territórios e das populações. Os serviços da Comissão Europeia publicaram um documento de trabalho intitulado “Regiões 2020. Avaliação dos desafios que se colocarão às regiões da UE”. São propostos neste documento diferentes indicadores relativos aos grandes desafios esboçados, nomeadamente:

A adaptação à globalização; A evolução demográfica; As mudanças climáticas; O desafio energético.

É claramente precisado no documento que só o nível regional é tido em conta. Consequentemente, o documento não é exaustivo nem preciso. Contudo, é feita referência a indicadores globais, tais como o indicador de vulnerabilidade à globalização, como o indicador de vulnerabilidade à evolução demográfica, etc. Se pretendemos uma política de coesão económica, social e territorial, que tenha em conta as disparidades entre os territórios e a sua diversidade, é necessário arranjar indicadores mais finos, que coloquem o humano no centro das

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preocupações desta política, e que sejam comuns, pelo menos, aos territórios do mesmo tipo a nível europeu. Para o domínio social que participa na coesão territorial, os indicadores podem ser, por exemplo, os seguintes: -indicadores socioeconómicos de precariedade (de que se dispõe suficientemente), como, por exemplo, as taxas de famílias fiscalmente isentas de impostos, o número de beneficiários do rendimento social mínimo; -em relação ao emprego: número de desempregados, mas, também, de pessoas sem emprego que não beneficiam de subsídios. Assim, mais de 60% dos activos de Seine-Saint-Denis têm o seu posto de trabalho fora do departamento territorial, enquanto que o tecido das empresas está aí em progressão significativa em vários locais, por exemplo em Plaine Commune; -em relação à habitação: número de requerentes de habitações sociais, de pessoas alojadas, de pessoas sem abrigo; predominância de propriedades degradadas; predominância de habitações insalubres ou indignas; -indicadores relativos ao abandono escolar e ao sucesso escolar; -indicadores em matéria de saúde (no sentido lato de saúde pública: condições de vida favoráveis ao bem-estar das populações e a um projecto de vida em desenvolvimento) e de acesso aos cuidados de saúde. No que respeita à atenção dada às zonas urbanas em dificuldade, existem estudos aplicados especificamente ao conjunto nacional das Zonas Urbanas Sensíveis, que fazem um diagnóstico bem preciso das temáticas citadas acima.

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Uma boa adaptação do perímetro de intervenção dos Serviços de Interesse Geral pode favorecer a coesão territorial Se os desafios identificados no horizonte de 2020 são para serem levados em conta ao nível regional e ao nível europeu, é necessário também terem em conta o nível local. Uma política de coesão territorial pode contribuir para isso. A adaptação à globalização e à evolução demográfica terão impacto nos serviços fornecidos pelas autarquias à respectiva população. Ora, o fornecimento destes serviços é condicionado pela regulamentação dos Serviços de Interesse Geral As últimas negociações deixam transparecer uma falha jurídica sobre o modo de distribuição destes serviços, quer sejam as próprias autoridades locais a assegurá-los, quer por recurso a outras entidades prestadoras. A garantia de coesão territorial assenta também num quadro claro, para os habitantes de um território, da igualdade de acesso e da qualidade dos serviços de que podem beneficiar. O caso dos “serviços sociais de interesse geral” Os freios da coesão territorial devem-se, em grande parte, à regulamentação adoptada pela União Europeia em matéria de serviços de interesse geral (SIG), fundada nos princípios dominantes do liberalismo económico e da concorrência. Os SIG, no seu conjunto, deveriam basear-se expressamente no objectivo da igualdade de acesso dos cidadãos, incluindo a tarifação e a distribuição geográfica da oferta. O sector social e a inserção social deveriam explicitamente ficar de fora do âmbito de aplicação da Directiva “Serviços ”,

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como é o caso da saúde. Estas actividades, sem fins lucrativos, consagradas ao trabalho no domínio humano e da solidariedade social, que requerem a ajuda dos poderes públicos às entidades associativas, não podem ser assimiladas aos serviços mercantis e não podem ser sujeitas a uma lógica de concorrência. Por outro lado, as regras relativas aos contratos públicos são extremamente perigosas para as relações entre poderes públicos e os actores associativos, parceiros essenciais da acção pública em matéria social, cultural e educativa, de solidariedade em geral. É ao preço da inscrição voluntarista da questão social no centro da racionalidade das políticas europeias que poderão então desenvolverem-se em conjunto a coesão social, a coesão económica e a coesão territorial em proveito do conjunto dos povos da União Europeia. Esta necessária revisão política fundamental só pode contudo ter êxito se a Europa não se desinteressar dos desequilíbrios mais globais, nomeadamente os que penalisam os países e continentes não europeus, em especial nas relações Norte-sul. A importância da cooperação europeia para uma coesão territorial europeia e local O Departamento de Seine-Saint-Denis participou em vários projectos de cooperação europeia, no âmbito dos programas europeus de cooperação territorial tais como INTERREG mas igualmente graças aos programas desenvolvidos no âmbito das políticas sectoriais.

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A cooperação territorial europeia no âmbito da política de coesão deve ser mantida e amplifiada. Funciona como um desmultiplicador das acções das autoridades locais, em ligação com os parceiros locais, e ela possui por conseguinte a virtude de favorecer a construção de projectos locais pela dinâmica que inicia numa parceria local. Por esta acção reflexiva, favorece a homogeneização da apreensão das problemáticas locais com a contribuição de uma solução adaptada. Claude Bartolone, “Contribution du Département de la Seine-Saint-Denis à la consultation sur le Livre vert sur la cohésion territoriale”. Texto disponível em http://ec.europa.eu/regional_policy/consultation/terco/pdf/3_region/44_seine_saint_denis_fr.pdf

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PARTE II. DA EUROPA À REGIÃO, AO BAIRRO, UMA LINHA DE CONTINUIDADE II.1. Comunicado de Imprensa, Eurostat 18 de Janeiro de 2010 Eurostat Na UE27, 17% da população está em risco de pobreza O maior risco de pobreza está nas crianças e nos idosos. Em 2008, 17% da população da UE27 estava em risco de pobreza1, o que significa que os seus rendimentos após

                                                            1 O limiar de risco de pobreza nacional é 60% do rendimento mediano por adulto equivalente. O rendimento mediano divide a população total em duas partes iguais. Rendimento por adulto equivalente é calculado dividindo o rendimento total pelo número de pessoas do agregado familiar e determinado mediante a aplicação dos seguintes ponderadores: 1,0 para o primeiro adulto, 0,5 a outros membros da família com 14 anos ou mais e 0,3 para cada membro do agregado com idade até 14 anos. O rendimento disponível total da família é o conjunto dos rendimentos monetários líquidos recebidos pela família e pelos seus membros, incluindo todos os rendimentos do trabalho, rendimentos privados resultantes de investimentos e de propriedades assim como de todas as transferências sociais recebidas directamente (incluindo as pensões de velhice), com a dedução de impostos e encargos sociais pagos. Mas não se leva em conta as transferências sociais indirectas, os pagamentos de juros sobre empréstimos, transferências pagas a outros agregados, os rendimentos em espécie e os rendimentos imputados de habitações ocupadas pelos seus proprietários. O período de referência dos rendimentos é o ano de 2007 para todos os Estados-Membros, com excepção do Reino Unido, onde o período de referência dos rendimentos é o ano de 2008, e na Irlanda, onde o inquérito

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transferências sociais, estão abaixo do limiar de pobreza. Desde 2005, a taxa de risco de pobreza na UE-27 tem estado relativamente estável, variando entre 16% e 17%. As taxas de risco de pobreza mais elevadas foram observadas em 2008, na Letónia (26%), Roménia (23%), Bulgária (21%), assim como na Grécia, Espanha e Lituânia (ambos 20%), e as taxas mais baixas na República Checa (9%), na Holanda e na Eslováquia (ambas com 11%) e Dinamarca, Hungria, Áustria, Eslovénia e Suécia (ambas com 12%). É importante notar que a taxa de risco de pobreza é uma medida relativa da pobreza e que o limiar de pobreza varia consideravelmente de um Estado-membro para o outro. Este comunicado à imprensa é baseado em dados do inquérito UE-SILC22, publicado por Eurostat, o Serviço de Estatística da União Europeia, por ocasião da conferência inaugural do Ano Europeu de luta contra a pobreza e a exclusão sociale33 realizada em 21 de Janeiro de 2010, em Madrid, pela Comissão Europeia e pela Presidência espanhola da UE. Um em cada cinco crianças está em risco de pobreza na UE-27 Em vinte dos vinte e sete Estados-Membros, a taxa de risco de pobreza foi maior nas crianças do que para o total da população. Em 2008, a taxa de risco de pobreza das crianças

                                                                                                                             está a decorrer e em que o rendimento considerado é o dos últimos doze meses. 2 Os inquéritos EU-SIL são a fonte de referência para as estatísticas comparadas da repartiçlão dos rendimentos e a exclusão social. O site web fornece mais informaçõe sobre este tema: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/living_conditions_and_social_protection/data/database 3 Para saber mais sobre o ano europeu de luta contra a pobreza e a exclusão social: http://ec.europa.eu/social/main.jsp?langId=fr&catId=637

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de 0 a 17 anos foi de 20% na UE27. As taxas mais elevadas foram registadas na Roménia (33%), Bulgária (26%), Itália e Letónia (25% cada), e as menores na Dinamarca (9%), Eslovénia e Finlândia (12% cada). Os idosos também estão em risco de pobreza superior à população total. Em 2008, a taxa de risco de pobreza para as pessoas com 65 anos ou mais era de 19% na UE27. As maiores taxas foram observadas na Letónia (51%), Chipre (49%), Estónia (39%) e Bulgária (34%), e as menores na Hungria (4%), Luxemburgo (5 %) e República Checa (7%). Ter um emprego reduz significativamente o risco de pobreza. Em 2008, a taxa de risco de pobreza da população ocupada foi de 8% na média da UE27, variando de 4% na República Checa a 17% na Roménia. O maior índice de privação material verifica-se na Bulgária, Roménia, Hungria e Letónia Para nos indicar um quadro mais amplo de exclusão social na UE, é possível completar a taxa de risco de pobreza, que é uma medida relativa, com o índice de privação material, que mede a exclusão social em termos mais absolutos. A taxa de privação material é definida como a ausência não intencional de, pelo menos, três elementos materiais entre nove4. Segundo esta definição, 17% da população da UE27 estava a passar

                                                            4 Os nove elementos materiais que compõem este indicador são: poder dar resposta a uma despesa imprevista, a capacidade de poder usufruír anualmente uma semana de férias fora de casa, existência de contas pagas (pagamento de prestações de compra de casa, ou de aluguer de casa ou pagamento de outros empréstimos) a capacidade de poder usufruír de uma refeição composta de carne, frango, ou peixe (ou equivalente vegetariano) de dois em dois dias, a capacidade de poder aquecer convenientemente o seu domicílio, ter máquina de lavar roupa, ter televisor, ter telefone, ter carro pessoal.

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privação material, em 2008. Os níveis mais elevados foram registados na Bulgária (51%), na Roménia (50%), na Hungria (37%) e na Letónia (35%) e a menor no Luxemburgo (4%) e na Holanda Holanda e Suécia (5% cada). Um exame de alguns dos elementos que caracterizam a privação material mostra que, em 2008, 37% da população da UE27 não tinha recursos para usufruir uma semana de férias anuais fora de casa, 10% não podia dar-se ao luxo de aquecer as suas casas correctamente, 9% não tinham recursos para terem, por cada dois dias, uma refeição composta de carne, frango ou peixe e 9% não tinham meios para comprarem um carro.

*O limite nacional de risco de pobreza é fixo em 60 por cento do rendimento nacional mediano por equivalente adulto. Afim de permitir

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comparações entre países, os valores da tabela são expressos em poder de compra padrão que é uma unidade monetária fictícia de referência permitindo eliminar as diferenças dos níveis de preços entre países. P-Provisório -Sem objecto

e-Estimativa. :dados não disponíveis Os comunicados de imprensa estão disponíveis em: http://ec.europa.eu/eurostat

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II.2. Comunicado de imprensa, Eurostat 8 de Janeiro de 2010 Eurostat A taxa de desemprego em alta subiu para 10,0% na zona euro A taxa de desemprego em alta e de 9,5% na UE27. Na zona euro (EA16), a taxa de desemprego, corrigida das variações sazonais foi de 10,0% em Novembro de 2009, contra 9,9% em Outubro. Foi de 8,0% em Novembro de 2008. Na UE271, a taxa de desemprego subiu para 9,5% em Novembro de 2009, contra 9,4% em Outubro. Foi de 7,5% em Novembro de 2008. Esta é a taxa mais elevada na zona do euro desde Agosto de 1998, e na UE-27 desde que a série começou a ser estabelecida, em Janeiro de 2000. De acordo com as estimativas de Eurostat calcula-se que 22,899 milhões de homens e mulheres estavam desempregados em Novembro de 2009 na UE27, dos quais 15,712 milhões na zona euro. Em comparação a Outubro, o número de desempregados aumentou de 185 000 na UE27 e de 102 000 na área do euro. Em comparação a Novembro de 2008, o desemprego aumentou 4,978 milhões na UE27 e 3,041 milhões na zona do euro. Estes são os dados de Eurostat, o Serviço de Estatística da União Europeia. Entre os Estados-Membros, a taxa de desemprego mais baixas foram registadas na Holanda (3,9%) e na Áustria (5,5%) e a maior na Letónia (22,3%) e na Espanha (19,4%). No espaço de um ano, todos os Estados-Membros tiveram um aumento do desemprego. Os menores aumentos foram observados na Alemanha (de 7,1% para 7,6%), no Luxemburgo (5,2% para 6,0%) e em Malta (6,2% para 7,0%).

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Os maiores aumentos foram registados na Letónia (de 10,2% para 22,3%), na Estónia (de 6,5% para 15,2% entre os terceiros trimestres de 2008 e 2009) e na Lituânia (6, 4% para 14,6% entre os terceiros trimestres de 2008 e 2009). Entre Novembro de 2008 e Novembro de 2009, a taxa de desemprego dos homens aumentou de 7,5% para 9,9% na zona euro e de 7,2% para 9,7% na UE27. A taxa de desemprego das mulheres aumentou de 8,6% para 10,0% na zona euro e 7,8% para 9,2% na UE27. Em Novembro de 2009, a taxa de desemprego entre menores de 25 anos foi de 21,0% na zona euro e de 21,4% na UE27. Em Novembro de 2008 era 16,6% em ambas as zonas. A taxa mais baixa foi observada na Holanda (7,5%) e as taxas mais elevadas em Espanha (43,8%) e na Letónia (36,3% no terceiro trimestre de 2009). Em Novembro de 2009, a taxa de desemprego era de 10% nos Estados Unidos e de 5,2% no Japão.

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Os comunicados de imprensa estão disponíveis em: http://ec.europa.eu/eurostat

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II.3. Os muros da repartição e a “repartição” da pobreza em França INSEE Repartição por categoria sócio-profissional A partir do inquérito dos Rendimentos Fiscais de 2004 e sobre abase de indicadores de pobreza monetária em 60% e 50% do rendimento monetário mediano, o INSEE estabeleceu uma repartição da pobreza por garndes categorias de indivíduos (quadro abaixo)

O campo desta análise está relacionado com os indivíduos pertencentes às famílias em França metropolitana com exlusão das famílias em que a pessoa de referência é estudante. Por cada categoria neste estudo, com exclusão dos reformados que são agrupados, o inquérito decompõe a repartição dos indivíduos em 6 classes socio-profissionais, agricultores, artesãos, quadros superiores, profissões intermédias, empregados e operários. As quatro taxas de pobreza a 60% mais elevadas e reveladas por este inquérito são respectivamente de 31% (agricultores),

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15,5% (artesãos -comerciantes), 15,2% (operários) e 14% (empregados). É em Ile de France, em Rhône-Alpes e na Alsácia que os níveis de vida medianos são os mais elevados. No oeste, as desigualdades de rendimento são as mais fracas, enquanto que são as mais elevadas em Ile de France. As taxas de pobreza as mais elevadas encontram-se em Languedioc-Roussillon, en Provence-Alpes, no Norte e em Seine Saint Denis. No Norte, em Bouches-du-Rhjône e em Seine Saint Denis, as famílias numerosas são particularmente atingidas, o que arrasta consigo uma pobreza mais frequente nas crianças. Nos departamentos mais rurais, a pobreza frequentemente atinge mais as pessoas idosas.

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Em 2004, metade das pessoas vivendo normalmente em família dispõem de um nível de vida inferior a 15.766 euros por ano. Na França metropolitana, somente 26 departamentos se situam acima desta mediana, o que esconde fortes disparidades no seio de cada território. O nível de vida mediano dos 96 departamentos varia entre 13.740 euros em Pas de Calas e 20 360 em Yvellines (carta 1) Fortes desigualdades de rendimento segundo os departamentos A relação inter-decil entre o nível de vida inferior dos 10% mais ricos e o nível de vida dos 10% maism pobres permite

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medir a amplitude das desigualdades. Esta relação é frequentemente elevada nas capitais regionais e particularmente exarcebada em Paris e em Ile de France.

Nivel de vida mediano e relação inter-decil segundo a região

Há pouca ligação entre o nível de vida mediano e a desigualdade de nível de vida no interior de um departamento ou de uma região (gráfico). Em Ile de France, são os altos rendimentos mais elevados que aliás explicam um indicador de desigualdades mais forte. Inversamente, em Languedoc-Roussillon, como na Córsega e em Pas-de-Calais, as disparidades são ampliadas relativamente às outras regiões pelo peso importante dos rendimentos mais fracos. É nos

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países de Loire e na Bretanha que a relação entre o último decil e o primeiro decil dos níveis de vida é a mais fraca. Mais pobreza a Norte e a Sul As disparidades entre departamentos são ainda mais fortes em termos de pobreza monetária que pelos níveis de vida medianos. Assim, a taxa de pobreza na Córsega é mais de três vezes mais elevada em Yvellines, departamento onde é a mais fraca. Grandes zonas geográficas relativamente homogéneas se estão actualmente a desenhar. Nos departamentos do Norte e Sul, de França, a pobreza, mais concentrada nas zonas urbanas, atinge mais particularmente as famílias numerosas. A taxa de pobreza é assim de 16,5% no Nord-Pas-de-Calais. Seine Saint-Denis, o departamento de Bouches-du.-Rhône, o Languedoc-Roussillon e a Córsega caracterizam-se por uma pobreza elevada que não pouopa nenhuma classe etária. Os casais, com ou sem filhos, como as pessoas a viverem sózinhas são as mais atingidas. As famílias mono-parentais, proporcionalmente mais numerosas são as mais atingidas. Mais, as famílias com filhos são afectadas pela pobreza, mais a taxa de pobreza das crianças é importante. Por definição, uma criança é pobre se vive numa família cujo nível de vida é inferior ao limiar de pobreza. Assim é nas regiões Nord-Pas-de-Calais e Languedoc-Roussillon. Nos departamentos de Bouches-du-Rhône, do Vaucluse e de Seine Saint Denis, cerca de uma criança em quatro vive abaixo do limiar de pobreza.

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Aveyron, Lozère, Cantal, Creuse e Gers têm em comum uma pobreza concentrada nas zonas rurais que atinge mais particularmente as pessoas mais velhas.

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Taxas de pobreza das crianças e das pessoas mais velhas segundo a região (em %)

Os minima sociais reduzem a pobreza A redistribuição dos rendimentos efectua-se através do imposto e das prestações sociais. Em média, a sua parte no rendimento médio é pouco importante. Contudo, para as famílias abaixo do limiar de pobreza, é um terço do rendimento disponível que depende destas prestações. Permitem assim reduzir a taxa de pobreza e a sua intensidade. De facto, os departamentos mais pobres são frequentemente aqueles em que, em relação à população em idade activa o número de beneficiários do RMI é o mais

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elevado. Os departamentos rurais são a excepção a esta regra. Em Creuse, por exemplo, apesar de uma taxa de pobreza elevada, menos de 3% das pessoas em idade activa beneficiam do RMI. Enfim, o mínimo de velhice vem completar o rendimento de muitas pessoas idosas em situação difícil na Córsega, Creuse, Landes e Gers. No total, a parte das prestações sociais no rendimento disponível é particularmente elevada em Seine Saint Denis, Nord-Pas-de-Calais, Ardennes e Perinéus orientais. INSEE, “Répartition de la pauvreté en France”, 2007.

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PARTE III. MUROS DA REPARTIÇÃO, FRACTURAS SOCIAIS, FRACTURAS TERRITORIAIS III.1. Favorecer a solidariedade entre os indivíduos e os territórios Jean-Paul Huchon Presidente do Conselho Regional de Ile-de-France Presidente do Institut de Amenagement et d’ Urbanisme (IAU,Ile-de-France) Num contexto de mundialização e de concorrência crescente entre metrópoles, a Ile-de-France, a primeira região da Europa pelo seu produto interno bruto, está envolvida desde há muitos anos na luta contra as desigualdades sociais e territoriais. Pilar do desenvolvimento sustentável ao mesmo nível que a atracção económica e a qualidade do meio ambiente, a coesão social é também uma prioridade para a Ile-de-France. No entanto, a região contém em si mesma pólos económicos de excelência, mas também contém territórios em dificuldades. Habitação, emprego, formação, mobilidade e transportes, acesso aos serviços e aos equipamentos, redução das suas deficiências, acesso aos direitos fundamentais são tantos os domínios de intervenção através de qual a região Ile-de-France desejou favorecer concretamente uma maior solidariedade entre os indivíduos, entre os territórios, entre as gerações. Reduzir as desigualdades, tudo isto passa também por novas regulações económicas. É um dos objectivos da geografia prioritária que foi inscrito pela Região no centro do seu projecto de programa director: o desenvolvimento de pólos

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económicos potentes deve beneficiar a todos os territórios e nomeadamente aos que são mais frágeis. Assim, será necessário um compromisso ao longo do tempo assumido entre os diferentes parceiros: Região, Estado, Europa, mas também Departamento Regional, associações de territórios, empresas.. Deste sucesso colectivo decorrerá uma melhor harmonia territorial, uma maior coesão social para benefício das pessoas de Ile- d eFrance d ehoje e de amanhã. Jean-Paul Huchon, IAU, n.º 148, Setembro, 2008 III.2. Fracturas Sociais, fracturas territoriais Bertrand Hériard Dubreuil O debate sobre as desigualdades está de novo no centro da cena pública. Nem todos sofrem a crise com as mesmas consequências. Os dados estatísticos disponíveis são publicados regularmente: as desigualdades de rendimentos e do património, as do emprego e o desemprego, é certo, mas também, e estas são as mais ais difíceis, as que têm a ver com os imigrantes e as entre gerações [1]. Este quadro essencialmente francês deve ser adaptado à Europa e seguidamente ao mundo com índices de desenvolvimento, de educação e de saúde. A revista Projecto quis contribuir e à sua maneira no debate sobre as novas solidariedades. Para melhor perceber o alcance, a revista escolheu um terreno: o departamento Seine-Saint-Denis, departamento onde o nosso instituto Ceras está instalado desde Outubro de 2005. Este departamento aparece como um terreno testemunho da desindustrialização que

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afectou a França: a marginalização crescente de uma fracção importante da população não está ela a minar a própria relação social ? Mas é também o terreno de novas solidariedades, aí mesmo onde a crise dura e por muito tempo. “No palmarés dos rendimentos dos seus habitantes, todos os departamentos de Ile-de-France se colocam, em 2002, entre os dez mais ricos departamentos franceses. Todos excepto um, o de Seine-Saint-Denis, que se situa na 85ª posição. (...) Independentemente do ângulo de análise da distribuição considerada, o departamento Seine-Saint-Denis singulariza-se pelo nível de rendimento mediano mais fraco por unidade de consumo das famílias fiscais de Ile de France “ [2]... Os contrastes sociais são relativamente antigos em Ile-de-France. Os quadros estão concentrados a oeste. Os trabalhadores estão sobre-representados em Seine-Saint-Denis, em redor de Roissy, ao longo do Sena, e de Marne. Os empregados estão bastante dispersos no território, que continua a ser globalmente misto [3]. Quanto às famílias de inactivos, estão cada vez mais presentes ao centro da aglomeração parisiense e nas franjas rurais. Mas é no centro da região que se encontra os mais maiores desvios de riqueza sobre um mesmo território: nos bairros de Paris, os contrastes têm a ver sobretudo com a presença de famílias entre as mais ricas da região; numa metade ocidental do Seine-Saint-Denis, tem a ver com a fraqueza dos baixos rendimentos. Entre 1984 e 2002, enquanto que Paris, o departamento de Hauts-de-Seine e o de Yvelines se enriqueciam em relação à região, só em Seine-Saint-Denis se registava um retrocesso do rendimento médio real (- 2,3%). Os desvios entre os departamentos disfarçam aqueles, ainda mais importantes, entre municípios: “O rendimento médio nos municípios mais

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ricos em 1984 aumentou-se de 51% em euros constantes entre 1984 e 2002. O crescimento foi globalmente nulo nos municípios em que residem os 10% dos lares mais modestos (…), a baixa de rendimento atinge 17% em Grigny e 15% em Aubervilliers, à Garges-lès-Gonesse e Pierrefitte-sur-Seine” [4]. Esta subida das desigualdades espaciais não foi linear. Os desvios têm-se acentuado sobretudo em período de expansão económica. A crise dos anos 1990-1996, em contrapartida, “foi melhor compartilhada”. Nos anos 2001 e 2002, que conheceram uma nova redução do seu crescimento económico, os municípios mais ricos acusam a lei do crescimento económico, os rendimentos dos lares fiscais continuam a progredir ligeiramente nos municípios onde vivem as populações mais modestas. Que escondem todos estes agregados estatísticos: o desemprego que atinge os espaços mais populares, o efeito de segregação da mobilidade residencial [5], as consequências demográficas devidas à passagem para a situação de reforma, ou a instabilidade familiar…? Se as desigualdades se aprofundam, quais são os mecanismos de segregação? Quais são os resultados de medidas específicas como a política da cidade ? Se mais do que todos os departamentos da França, o de Seine-Saint-Denis viu aumentar-se as desigualdades sociais, económicas e culturais no interior de Ile de France e no seu próprio seio, a sua evolução esclarece-nos sobre as suas consequências. Os geógrafos que contribuíram para este trabalho não descrevem somente as evoluções sociais, desmontam os mecanismos de exclusão a fim de esclarecer os desafios das novas solidariedades.

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Assim, Philippe Estèbe interroga-se sobre a nova ancoragem do departamento de Seine-Saint-Denis ao resto da metrópole: porque a presença de pólos de desenvolvimento importantes (o Plaine-Saint-Denis ou Roissy-Charles de Gaulle) já não garantem as repercussões sociais e económicas de proximidade? Solange Montagne -Villette observa os dispositivos da gestão da miséria: os números do Rmi explodiram, o que vai o Rsa mudar? Hervé Vieillard-Baron explora o paradoxo da subdivisão em zonas: qual é a utilidade e os limites das medidas em prol dos sectores geográficos em situação de mais dificuldade ?5 Nesta linha, numa mesa redonda entre vários directores de projecto estes interrogam-se sobre os efeitos da política da cidade: a que prioridades se devem ligar localmente para acabar com a subida das desigualdades? A mais um longo prazo, a socióloga Françoise Lorcerie coloca a questão do papel actual da escola em territórios marcados pelas atribuições étnicas: luta ela contra o fenómeno ou contribui para reforçá-lo, nomeadamente pela supressão da carta escolar? Qual é então o sentido de dispositivos derrogatórios, quando o direito comum não é aplicável a todos e quando as evoluções culturais e económicas gerais se abrem às solidariedades? Notas 1. Observatoire des inégalités, L’état des inégalités en France, données et analyses, A. Colin, 2009.

                                                            5 O autor refere-se a artigos de um número da revista ainda não disponível

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2. Le revenu des Franciliens: vers une stabilisation des inégalités entre communes ? Iaurif, note rapide ‘population modes de vie’, n° 401, novembre 2005, p. 1. 3. 42 % das famílias de Ile de France vivem em municípios relativamente próximas do perfil médio regional. Cf. Edmond Préteceille, La division sociale de l’espace francilien, Osc, 2003. 4. Le revenu des Franciliens, op. cit., p. 4. 5 Um estudo recente actualisa os resultados estatísticos a partir da exploração do ficheiro Filicom 2005: “ La mobilité récente creuse les écarts de revenus dans le cœur de l’agglomération, vers plus de richesse à Paris et dans les Hauts-de-Seine et plus de pauvreté en Seine-Saint-Denis. La paupérisation de la Seine-Saint-Denis touche tous les statuts d’occupation ”. Mariette Sagot, Géographie sociale, habitat et mobilité en Ile-de-France, Iau Ile-de-France, décembre 2008, p. 5.  Bertrand Hériard Dubreuil, “Fractures sociales, fractures territoriales: le dossier Ouverture”, Revue Project, nº 312, Maio, 2009 III.3. Do subúrbio à metrópole Philipe Estèbe O departamento de Seine-Saint-Denis foi um dos ateliers da região parisiense, foi um dos espaços operários mais emblemáticos e um território aberto às necessidades de expansão da aglomeração central. A desindustrialização, mais lenta que no resto da região parisiense, deixa vestígios mais marcados que noutros lugares, no perfil sociológico dos habitantes de Seine-Saint-Denis e na sua paisagem urbana.

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Sobre esta estrutura de subúrbio popular e operário, transplantou-se um processo de metropolisação que se traduziu na retoma dos investimentos públicos, num dinamismo reencontrado da actividade económica e numa inserção crescente nos mercados de trabalho e de propriedades da zona densa da região. Com Roissy, Planície da França e Marne-La-Vallée, o departamento dispõe de três dos mais importantes motores do desenvolvimento regional. Mas esta integração provoca novas fracturas. Enquanto que o seu aspecto de subúrbio operário se acompanha de uma solidariedade social e territorial interna forte devido a uma condição, a convicções políticas e a uma cultura compartilhadas, a integração metropolitana contribui para a perda de coesão e para a acentuação das fracturas territoriais. Os actores do território encontram-se por conseguinte confrontados com novos desafios: não estando em primeiro o desenvolvimento económico - mesmo se não se podem afrouxar os esforços nesse sentido- mas sim a negociação da integração metropolitana para que as novas fracturas sociais e territoriais se reduzam. As respostas a estes desafios podem encontrar-se somente a nível do espaço do departamento? Herança de subúrbio operário Com 1.491.000 habitantes no recenseamento de 2006, ou seja 109.000 habitantes a mais do que em 1999, após mais de 10 anos de estagnação, o depaartamento Seine Saint -Denis reencontra algum dinamismo: a sua população aumentou de 8%. Entre 1999 e 2006, a taxa de variação anual natural (1.2) é a mais alta dos departamentos franceses (0.89 para o de Ile-de-

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France e 0.39 para França metropolitana). Os menos de 20 anos representam quase 30% da população. Esta juventude resulta de três factores: a taxa de natalidade atingiu o nível recorde de 19 ‰, os novos recém-chegados em Seine-Saint-Denis são na sua maioria jovens famílias, de origem da ILE de France, activos, com jovens crianças, o saldo migratório é deficitário para os activos e mais de 60 anos. – Famílias populares As famílias do Seine-Saint-Denis apresentam três traços característicos. Uma maioria são trabalhadores e empregados (os quadros representavam, em 1999, 9,5% da população activa, contra 21% em Ile-de-France). Sempre em 1999, na falta de dados mais recentes, Seine-Saint-Denis registava a parte de população estrangeira mais importante de Île de- França, e representava cerca de 19% da população total (enquanto Ile-de-France representava 12 %): contava-se então 260.000 estrangeiros. O rendimento mediano é o mais fraco de Ile-de-France (23 000 euros contra 30.000 euros para a região). Cerca de 50% das famílias não são passíveis de imposto; a parte das pessoas a receber do rendimento mínimo de inserção RMIs é a mais elevada dos departamentos franceses. Esta fragilidade financeira reflecte-se noutros domínios. Os habitantes de Seine-Saint-Denis gastam pouco para a sua saúde apesar da permanência de doenças ligadas à precariedade social, à importância das doenças profissionais e à predominância das situações de cancros. A mortalidade perinatal é mais elevada que no resto de Ile-de-France. É difícil recrutar profissionais de saúde (médicos, enfermeiras), enquanto que as políticas públicas locais puseram em prática e desde há muito tempo, uma rede excepcional de saúde pública.

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O nível de formação e de diploma para os jovens com mais de 15 anos é também o mais baixo da Ille de France. No entanto, a qualificação dos jovens de Seine Saint-Denis aumenta: desde 2000, os jovens de 15-25 anos testemunham uma forte mobilização escolar e educativa (22% têm um diploma superior ao curso secundário, 22% têm o secundário, 37% outro diploma e apenas 19% estão sem diploma). Devido à juventude e à precariedade da sua população, as transferências públicas, locais e nacionais desempenham um papel decisivo. A mobilização do potencial fiscal pelos munícipes e pelas regiões é uma das mais elevadas de Ile-de-France. As transferências públicas têm um peso preponderante na manutenção do rendimento dos habitantes. Mais de um quarto deste rendimento provem de reembolsos de segurança social e de despesas de solidariedade, contra 15% em Paris. No seio destes rendimentos de transferências, as despesas de saúde são metade menos importantes (1,8 mil milhões contra 3 mil milhões de euros) do que os mínimos sociais e os pagamentos de subsídios (subsídios de desemprego, subsídios familiares), o que sublinha a grande precariedade dos habitantes (7,1% da população beneficia dos mínimos sociais contra 3,8% em Ile-de-France). Assim, os rendimentos produtivos de Seine-Saint-Denis aparecem mais fracos do que os de Paris ou o Vale Marne enquanto que o departamento volta a ser um dos pólos económicos da região. Aí está o principal paradoxo da integração metropolitana. – Formas urbanas herdadas

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O departamento de Seine-Saint-Denis não se resume à adição de zonas industriais e de cidades. O seu território revela uma grande diversidade de formas patrimoniais e de paisagens urbanas: um património industrial e uma arquitectura urbana; apesar da mais fraca proporção dos meios naturais relativamente à superfície na Ile de France, o departamento de Seine-Saint-Denis oferece uma biodiversidade surpreendente e o território viu construir-se, gradualmente, uma verdadeira política ambiental. Para os próprios habitantes, “as cidades” são um traço emblemático da paisagem urbana. O parque de alojamentos é composto por 36% de alojamentos sociais (contra 25% para o resto de Ile-de-France). Em 2002, 35% dos novos alojamentos inscreviam-se na categoria dos alojamentos “muito sociais”, contra menos de 14% para o resto da região Ile de France. O departamento de Seine-Saint-Denis é, logicamente, o departamento que conta maior número de sítios de renovação urbana. No fim dos programas em cursos, metade das demolições previstas em Ile-de-France serão localizadas em Seine-Saint-Denis. 18.600 alojamentos serão reconstruídos e destes 14 000 são alojamentos sociais, e 31 500 reabilitados, para um custo global de 4,7 mil milhões de euros. O alojamento social além disso está concentrado nas grandes cidades emblemáticas, pioneiras em termos de política das cidades. Esta estrutura do parque determina várias características dos habitantes: -baixo nível de rendimento - famílias mais numerosas (2,6 pessoas por família contra 2,25 na Ile-de-France), - a maioria são operários e empregados.

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Se não dão sempre boa impressão, os grandes conjuntos correspondem contudo a uma etapa da história urbana e ocultam às vezes elementos notáveis. Mas o alojamento social não se limita ao parque público: uma grande parte do parque privado antigo, nomeadamente em regime de condomínio, serve de habitat social de facto, sendo frequentemente de alojamentos indignos. Os bairros antigos de edifícios colectivos, nomeadamente às portas de Paris, abrigam pessoas em situação frequentemente mais difícil do que as acolhidas nos HLM. Assim, este património não está em estado satisfatório. E a oferta de alojamento em regime de aluguer intermediário revela-se muito insuficiente: as famílias que desejam sair das habitações tipo HLM são frequentemente obrigadas a procurar uma habitação noutro departamento. O departamento é assim muito marcado pelo acesso à propriedade de casa individual. O parque de moradias (pavilhões) é mais importante na pequena coroa6. Perto de um terço do território do Seine-Saint-Denis tem a ver com este tipo de habitat que representou, para as famílias de trabalhadores e de empregados, o acesso à autonomia. Estes pavilhões populares tornam-se bens cobiçados pelos jovens activos de origem parisiense. -A integração metropolitana Este departamento sob muitos pontos de vista bem singulares entrou num processo que com efeito faz dele um território tão

                                                            6 Uma parte do espaço de Ile de France

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integrado - à sua maneira - ao conjunto da Ile de France como o é o departamento Hauts-de-Seine com o qual é frequentemente comparado. São primeiramente os poderes públicos nacionais e locais que efectuaram políticas voluntaristas, dotando o departamento de equipamentos de nível metropolitano. O sector privado seguiu a mesma evolução e o departamento Seine-Saint-Denis ficou a ser um departamentos onde o crescimento económico, até em 2008, era o mais vigoroso. Desde há vinte anos, o departamento Seine-Saint-Denis dotou-se ou recebeu grandes equipamentos que lhe reforçam o seu lugar na metrópole. As funções logísticas apoiam-se sobre o pólo de Roissy. Segundo aeroporto da Europa em número de passageiros, produz 10% da riqueza criada na Ile de France e assegura o emprego de 90.000 assalariados em 700 empresas. Um terço dos empregados de Roissy habita em Seine-Saint-Denis. A logística emprega 16% dos assalariados do departamento. A presença do Estádio de França e do parque das exposições de Villepinte dá a Seine-Saint-Denis o segundo lugar de Ile-de-France, depois de Paris, para o turismo de negócios e para as manifestações de massa. Existe também duas universidades, “a universidade de Vincennes Paris VIII” instalada em Saint-Denis desde 1980 e a universidade de Paris XIII criada em 1971 em Villetaneuse. Outras implantações têm-se-lhes seguido (Cnam, Arquivos nacionais, etc.) e espera-se para breve a instalação do campus Condorcet Paris-Aubervilliers. Cada vez mais, as funções de comando económico e de investigação-desenvolvimento instalam-se, nomeadamente, em redor do pólo da Planície da França.

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-Descolagem e mutação da actividade económica A actividade privada assumiu a dinâmica do investimento público. O departamento é o primeiro de Ile-de-France na criação de empresas (16% em 2004, para 11,7 % no Hauts-de-Seine). Desde 2000, a taxa de evolução do emprego assalariado privado é aí três vezes superior à taxa regional (9,4% contra 3,7%). Partido de muito baixo, o emprego feminino progride, como por toda a parte, mais rapidamente que o emprego masculino. Mas é aqui ainda distante e atrás das médias nacionais e sobretudo das regionais: o emprego feminino representa apenas 38% do emprego assalariado privado em Seine-Saint-Denis, contra 43% em Ile-de-France. O emprego industrial é substituído por actividades de serviços às empresas (actividades jurídicas e contabilísticas, consultadoria, informática, logística, limpeza) e de serviços às pessoas. A economia da imagem e do numérico implanta-se, concentrando mais de 2000 empreendidos ligados à fileira imagem, ao som, à multimédia e ao numérico. Mais de 310 empresas e de 10.000 empregos estão reunidos nomeadamente nos Magasins Generaux (EMGP) televisivos da França. Em quinze anos, o departamento Seine-Saint-Denis, que era um dos ateliers de Ile-de-France, tornou-se um centro de serviços aos particulares e sobretudo das empresas. A integração nas mobilidades regionais O desenvolvimento do emprego teve, consequentemente, um crescimento ainda mais intenso das deslocações de pessoas.

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Paradoxalmente, mais aumenta o emprego em Seine-Saint-Denis, mais os activos “partem” do departamento para trabalhar. O território é assim a primeira reserva de mão-de-obra em Ile de France: mais de 60% dos activos têm um lugar de trabalho fora do departamento, o que é superior por exemplo a Val-de-Marne. O departamento Seine Saint Denis “ distribui” os seus activos para o conjunto da região. Três factores explicam este paradoxo. Por um lado, o departamento cria mais activos do que cria empregos, devido nomeadamente à juventude da sua população: acolhe 9 % do emprego de Ile de France e 13% da sua população activa. Por outro lado, com a integração económica crescente, os mercados de trabalho regionalizam-se. O ajustamento oferta/procura de empregos faz-se em escalas mais vastas do que a escala local. Mas sobretudo, apesar do aumento do número de empregos, os habitantes de Seine Saint Denis a eles têm ainda muito pouco acesso. Em 2005, 230.000 postos de trabalho assalariados são ocupados por habitantes do departamento e 340.000 por habitantes de outros departamentos. Mais pessoas de Ile de France vem para Saint Denis trabalhar do que os que saiem de Saint Denis para trabalhar noutros departamentos. Na situação presente 64% das pessoas empregadas pelas empresas de mais de 200 assalariados residem fora do departamento. Entre “os locais” empregados nestas empresas, apenas 12% são quadros, a maior parte dos outros ocupa empregos considerados “não qualificados”. O desenvolvimento económico beneficia ainda muito pouco os habitantes de Saint Denis. Naturalmente, esta população muito móvel depende fortemente dos transportes colectivos. Uma família em cada três em Seine-Saint-Denis não possui automóvel. O departamento é servido por 5 linhas RER, 7 linhas de metro, duas de eléctricos, e numerosas linhas de autocarros. Mas a

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rede pesada (eléctrico-comboio-metro) está saturada e mal distribuída. Quanto à oferta de autocarros, tem dificuldade em ser um paliativo para as carências desta malha de redes de transportes devido à desigual qualidade do serviço. -A atracção residencial O aumento de população desde alguns anos deve ser posto em confronto com uma atracção residencial crescente. A existência do mercado parisiense mais livre conjugado com o aumento do número de famílias, explica que, apesar de um saldo migratório deficitário, a pressão no mercado do imobiliário se reforçou. Em 2007, o dinamismo da construção nova reapareceu. Até em 2003, o departamento Seine-Saint-Denis registava o nível de construção mais baixo da pequena coroa que é Ile de France; em 2007, com de 6 500 alojamentos alcançou o departamento de Hauts-de-Seine. Esta retoma da construção conjugada à sua atracção sobre as famílias de classe média, provocou efeitos complexos. Trata-se de uma boa notícia, dado que estas tendências conduzem a uma maior diversidade da população acolhida. Mas este fenómeno pode agravar os efeitos de atribuição de residências para famílias que não chegam a aceder ao alojamento social ou a um alojamento digno no sector privado. Acentua também as desigualdades sociais e territoriais. -As novas fracturas Porque a integração metropolitana gera um crescimento da distância social entre os que dela beneficiam e os que dela não beneficiam. Seine-Saint-Denis tem cada vez mais “deixados

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por conta” produzidos pela metropolização. Assim aí observa-se a mais forte progressão do número de beneficiários do RMI (mais 21% entre 1999 e 2005) de Île de France verificando-se que se constata uma certa estabilização nestes dois últimos anos. Do mesmo modo, o desvio entre o rendimento médio dos lares passíveis de serem tributáveis e o dos lares não passíveis de tributação aumentou de cerca de dez pontos entre 2000 e 2006 (enquanto que o rendimento médio progredia, durante o mesmo período, de 8%). Esta dupla evolução compreende-se pelo fraca taxa relativa de actividade das mulheres e pela importância das famílias monoparentais. O departamento passa de uma situação social bastante homogénea nos anos 1970-1980 para uma situação de diferenciação social crescente. Por último, apesar da correcção das jovens gerações, a fraca qualificação dos activos conduz a que estes ocupem os postos do novo proletariado terciário, no essencial, em empregos de serviço na manutenção, restauração e jardinagem. A metropolização não elimina as desigualdades, aprofunda-as, aumenta-as e transforma a natureza das mesmas.. Esta tendência (diferenciação e aprofundamento das diferenças) atinge também os territórios. A evolução do rendimento médio entre 2001 e 2006 é o testemunho de uma perda de coesão territorial: são as câmaras cujo rendimento médio era mais elevado em 2001 que têm o mais elevado crescimento do rendimento médio. Contudo, as câmaras cujos habitantes são os mais pobres que frequentemente são as melhores dotadas em taxas profissionais, nomeadamente a Oeste, enquanto que as câmaras onde os rendimentos são mais elevados aí, as bases de taxa profissional são fracas, particularmente a Leste.

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Reduzindo, para simplificar, o departamento a três “bandas” paralelas, de Leste a Oeste, poderia-se dizer que a Leste, os territórios se especializam no acolhimento de pessoas e famílias de mais elevados rendimentos e privilegiam a função residencial sobre a função económica; a Oeste, as câmaras e associações regionais acolhem famílias muito pobres mas beneficiam de uma fiscalidade relativamente favorável devido ao desenvolvimento económico. Em contrapartida, o centro do departamento, onde se situa a prefeitura, Bobigny, acolhe uma população sobretudo pobre e não se inscreve numa dinâmica económica positiva: sob vários aspectos, é onde situação é mais preocupante. -Quais as políticas públicas? Como conciliar uma função de acolhimento das famílias populares com a integração metropolitana? Esta questão é típica da região Ile de France, mas põe-se em Seine-Saint-Denis com uma grande acuidade, devido ao perfil dos seus habitantes e tendências sociais e económicas do território. Será então necessário, como o pensam alguns, ir mais longe ainda, em nome da mix social, e acentuar a tendência de certo emburguesamento, de forma a diminuir a densidade de famílias de trabalhadores e de empregados em Seine-Saint-Denis ? Não se faria, sabe--se efectivamente, que recuar e diluir a questão social metropolitana, enviando as famílias para territórios mais remotos, menos bem servidos e bem menos equipados. O verdadeiro desafio, é o lugar das famílias populares na metrópole e o tipo de solidariedade colectiva de

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que devem beneficiar por parte do conjunto de outros territórios e dos outros habitantes. Mas se o departamento Seine-Saint-Denis permanecer um território de acolhimento para famílias modestas, para os imigrantes e para os estrangeiros, os recursos para assumir esta função não podem ser todos conseguidos à escala departamental. A metrópole deve contribuir para tratar a questão social que gera. Por um lado, assegurando uma melhor redistribuição entre os territórios, de forma a tender para a igualdade de tratamento entre si. Por outro lado, oferecendo os seus recursos para ajudar os habitantes a construir itinerários de sucesso nos mercados metropolitanos da educação, o alojamento e do trabalho. Estes dois elementos são longe a ser adquiridos! A redistribuição territorial tem sobretudo sofrido uma regressão nestes últimos anos em Ile-de-France, nomeadamente devido, por um lado, à diminuição das contribuições comunais para o fundo de perequação regional; e, por outro, ao facto de que os mercados metropolitanos permanecem muito compartimentados. Trabalhar para maior solidariedade territorial e melhor fluidez dos mercados é um combate longo, mas decisivo: para defender a sua identidade como metrópole e servir os seus habitantes, o departamento Seine-Saint-Denis deve tornar-se um operador da transformação dos mecanismos metropolitanos. Philippe Estèbe, “Fractures sociales, fractures territoriales. De la banlieue à la metropole”, Revue Project,n.º 312, Maio, 2009

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III.4. A visão das cidades, dos bairros, do neoliberalismo à social democracia: As duas vias Jacques Donzelot Grandes objectivos, pequenos resultados. A política da cidade não é nada diferente do seu objecto: não vai muito bem. “O vasto estaleiro” da renovação urbana, “avança lentamente “, observa o historiador e sociólogo Jacques Donzelot e as operações empreendidas “só muito parcialmente tocam na lógica de gueto que é suposto quererem desfazer “. O modelo urbano mudou, este é agora “o modelo da cidade dos fluxos da era da globalização. Um lugar não vale tanto por si-mesmo mas vale sobretudo pelo apoio das mobilidades para outros lugares, mais ou menos remotos. " O que fazer para “voltar a dar uma dignidade política às pessoas que se estimam desconsideradas pelo único facto de habitarem nestes bairros em vias de marginalização? “A resposta reside, de acordo com Jacques Donzelot, na participação e na aplicação das políticas novas. Mas não se trata de uma qualquer participação: a palavra só reencontrará alguma credibilidade se e só se “permitir influenciar sobre a utilização dos créditos” destinados a estes bairros. Lançada com força, em 2003, sob o impulso de Jean-Louis Borloo, a política da cidade tem sido recentemente objecto de avaliações que mostram resultados sobretudo enganosos e relativos aos objectivos que então tinham sido fixados. Esta decepção relativa parece conduzir o governo a preparar uma revisão à baixa da política referida em vezes de uma reavaliação dos seus pressupostos para aplicar de modo diferente os meios que lhe são destinados.

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A decepção refere-se sobretudo a um dos programas, os das zonas urbanas sensíveis (ZUS). Este consiste numa classificação das zonas urbanas mais ou menos desfavorecidas graças um índice que aprecia o seu desvio relativamente à média nacional e a faz beneficiar de medidas proporcionais à gravidade desse desvio. Reforçado em 2003, este programa recebe então por missão trazer as zonas em questão ao normal num prazo de cinco anos. O último relatório publicado pelo Observatório nacional das zonas urbanas sensíveis mostra que não foi nada assim. O rendimento per capita não mudou de forma sensível. O desemprego continua a ser o dobro da média e a diferença dos resultados escolares em relação aos outros bairros continua a ser idêntica. Figura de proa desta política, o programa de renovação urbana visa reintroduzir nestes bairros a mix social que daí desapareceu e isso graças a operações de demolição e de reconstrução relativamente a mais de 200.000 habitações bem como à reabilitação de 400.000 outras. Mas este vasto estaleiro avança lentamente e as primeiras avaliações mostram que estas operações só muito parcialmente tocam na lógica de gueto que é suposto terem de desfazer. As demolições vão geralmente a par com o realojamento das famílias próximo das construções destruídas. Os novos alojamentos não atraem públicos realmente diferentes dos que já viviam no bairro e se é que não são exactamente os mesmos os que neles investem, como em Ile-de-France. Em resumo, em lugar do mix social prometido, está-se antes a assistir a uma fina segmentação interna dos bairros de habitat social. Quanto ao último programa, lançado em 2005, o dos contratos urbanos de coesão social, (CUCS) estes constituem sobretudo a ajuda de novas medidas de inserção socioprofissional como “os contratos de autonomia” impulsionados por Fadela Amara.

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Os jovens recebem uma indemnização mensal de 300 euros durante seis meses contra a aceitação de um coaching por agências privadas que devem conduzir a um emprego ou a uma formação. Sobre os 45.000 previstos, cerca de 13.000 contratos foram passados… dos quais apenas um milhar conduziu a uma entrada num emprego ou numa formação. Os observadores calcularam que este programa estabelecia o custo da entrada num emprego em 30.000 euros por pessoa. E este pobre resultado valeu ao secretário de Estado limpar-se, e nada mal, de muito sarcasmos. Constatando os fracos resultados desta política, o governo guia-se visivelmente para a sua reformulação, no mínimo. Tal parece ser o sentido do relatório Hamel e André, publicado no verão de 2009, que propõe realizar as operações iniciadas em matéria de renovação urbana e, para o resto, propõe-se concentrar o esforço sobre um pequeno número de bairros muito desfavorecidos situados em zonas camarárias que dispõem de muito poucos meios, deixando às mais ricas o encargo de conceberem elas próprias a sua acção em conformidade com planos globais que o Estado financiará depois. No contexto actual de sério défice orçamental e tendo em conta “a cultura do resultado” actualmente utilizada, uma tal atitude como reacção parece lógica. Pode-se no entanto considerar que estes resultados enganosos deveriam obrigar a questionar não tanto os meios utilizados mas sim a orientação demasiado parcial dada a esta política: a do regresso à média em matéria de composição social que constitui o seu horizonte. Esta maneira de fazer conduz a que nos preocupemos mais com os lugares do que com as pessoas, ou então a fazê-lo de maneira simplesmente simbólica,

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obtendo uma pitada de alunos ou de aprendizes merecedores mas sem ser se dotar dos meios de uma verdadeira influência sobre uma população de tal maneira desligada da cidade que tem necessidade de “ ser posta em movimento” no seu conjunto. Porque colocar deste modo a tónica sobre o movimento, sobre a “conectividade”, em vez de a colocar sobre os lugares, como se tem feito? Porque a cidade se alterou desde a última metade século e porque esta mudança conduz precisamente a fazer predominar os fluxos sobre os lugares enquanto era o inverso no momento em que foram construídas estas famosas cidades sociais que se encontram no centro da política em causa. O urbanismo funcional da era industrial tinha sido concebido contra “os males da cidade”, “a atracção nefasta ” que esta exercia sobre a população que vinha concentrar-se, seduzida pelas suas luzes e pelos seus empregos, mas que a carestia consequente dos alugueres de habitação conduzia ao amontoamento, à desmoralização e criava rapidamente as condições possíveis de motins. Para conter esta atracção, separaram-se as funções, separando as do habitat em relação às das actividades industriais e do comércio. Para estabilizar os assalariados, inventou-se a cidade social, este lugar onde cada família podia satisfazer as suas necessidades num quadro próprio para reduzir o papel das desigualdades de rendimento entre os habitantes graças à uniformidade do habitat. A cidadania social proclamada no meio do século XX tinha uma parte ligada a esta visão da cidade, a esta maneira de fazer predominar os lugares sobre os fluxos. Vivemos, actualmente, num outro modelo urbano, o modelo da cidade dos fluxos da era da globalização. Um lugar já não vale tanto por si mesmo como pela ajuda de mobilidades para

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outros lugares mais ou menos afastados. Isto explica a revalorização dos centros que permitem vincular a multiplicidade dos fluxos de todas as espécies, que permitem fertilizar estes lugares pelo efeito dos seus cruzamentos. Tudo isto permite igualmente compreender que quanto mais se domina o acesso aos fluxos, mais se pode escolher livremente o seu lugar de vida, eleger o que oferecer mais comodidades evitando as companhias indesejáveis. O suburbano desenvolve-se assim em conformidade com uma lógica de “clubização” (fórmula de Eric Charmes) que distribui os habitantes em conjuntos distintos em função das suas afinidades sociais. Por outro lado, mais os lugares são incómodos, penosos, mais se tornam sinónimo de marginalização. Isto vale para as periferias longínquas mas também e mais ainda para as antigas cidades próximas do centro mas privadas de contacto com ele e tornando-se problemáticas devido a esta desconexão. A pobreza dos contactos com o exterior facilita os fluxos ilícitos, a insegurança e a degradação. O problema da cidadania é apenas secundariamente social. Este facto decorre sobretudo, actualmente, do contraste entre os espaços bem sucedidos sobre a cidade dos fluxos e entre os espaços cujos habitantes se encontram desligados da cidade. Tornou-se um problema urbano. Como restabelecer a conexão entre estes bairros desfavorecidos e a cidade dos fluxos? Uma primeira via impôs-se como uma evidência. Consiste em dizer: para apagar esta ruptura façamos entrar a cidade nestes bairros, restabeleçamos aí as regras de respeito do outro e do ambiente. E, como o respeito destas regras vai melhor com o estatuto de proprietário, difundamos este estatuto entre os habitantes das

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cidades sociais. Ou melhor, introduzamos nestes bairros membros das classes médias a favor de construções novas, atractivas pelo seu preço, para que estes dêem o tom aos outros habitantes. Esta maneira pode ser designada como sendo a via da “ responsabilização”. Corresponde à política inglesa sob Margaret Thatcher que conduziu a vender um quarto das habitações sociais aos seus habitantes mas corresponde igualmente à política francesa do mix do habitat pela renovação urbana. Esta via da responsabilização mostrou bastante rapidamente os seus limites: uma maior concentração da pobreza no parque restante do alojamento social na Grã-Bretanha, uma maneira, na França, de disfarçar a marginalização em vez de a suprimir. Devido as limitações encontradas por esta via da responsabilização, outra via se desenvolveu, desde os anos 90, na Grã-Bretanha e na Europa do Norte, mas muito pouco em França, onde parece ainda a permanecer nos seus limbos. Consiste em procurar a conexão entre a cidade e estes bairros partindo destes, por uma via de restituição aos seus habitantes deste poder que visivelmente perderam sobre o seu território, sobre o seu quadro de vida, partindo e de uma maneira a poder tecer entre ela e as forças externas as relações necessárias de modo a que possam beneficiar das condições da cidade. Esta via pode ser designada como“empowerment”: aumento do poder das pessoas sobre a sua vida, sobre o seu futuro. Distingue-se da via precedente pelo tónica que coloca sobre o colectivo. Já que permanecem nestes em bairros apenas aqueles que não os puderam deixar esta via leva a que se faça desta incapacidade de cada um e separadamente a capacidade de criar uma força comum para combater a instalação numa

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sub-cidadania de cada um dos níveis onde esta se faz sentir: civil, político e social. Como permitir aos habitantes reapropriarem-se do espaço comum? Será suficiente fazer circular unidades de polícia, sejam elas ditas “de bairro”? Com estas, os habitantes ganham em segurança - e dizem-no - mas não verdadeiramente em liberdade já que permanecem prisioneiros do conflito entre esta polícia e os jovens que eles tomam como testemunho do efeito de perseguição dos controlos de que são alvo. A solução a este mal-estar depende, segundo a via do empowerment, da decisão da polícia de considerar que é também o seu dever dar conta aos habitantes, e de maneira regular, das suas actividades, dos seus métodos e dos seus resultados. Somente este diálogo pode trazer o respeito para além da ordem e a capacidade para os habitantes de se darem a ver e a ouvir no espaço público. Que fazer para voltar a dar uma dignidade política às pessoas que se consideram desconsideradas pelo único facto de habitar estes bairros em vias de marginalização? Convidá-las a participar na aplicação das políticas relativas ao seu habitat e ao seu ambiente? Sim, mas esta palavra de participação inclui de tal maneira falsas aparências que se tornou penoso pronunciá-la. Só se pode reencontrar a credibilidade se for possível influenciar sobre o emprego dos créditos destinados especificamente aos seus bairros tanto quanto estes sofram de um problema específico. A dotação de solidariedade urbana (DSU) é atribuída oficialmente às comunas “à razão do evidente défice da qualidade de vida “ oferecida aos habitantes de alguns dos bairros. Reconhecer este problema não justificaria isto que seja atribuído a estes um direito de serem determinantes quanto à

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utilização desta dotação no contexto de uma parceria que os reúna com os eleitos, os proprietários e os prestadores de serviços? Como combater os efeitos da segregação urbana em matéria de escolaridade e de emprego? Em vez de nos satisfazermos com o facto de se arrancar alguns jovens a estes bairros, mais valeria que se criasse um tecido de relações metódicas entre estes e as oportunidades presentes na cidade, em termos de emprego e de formação. Fazer trabalhar em conjunto os representantes da todos as componentes destes bairros com os responsáveis universitários e os empresários, para que todos estes coloquem em funcionamento percursos realistas que conduzam da escolaridade ao emprego, pode constituir o meio de uma confiança reencontrada dos habitantes ao nível colectivo porque eles se verão efectivamente vinculados à cidade (como o programa inglês aimhigher que significa literalmente: “visar mais alto”). Entre estas duas maneiras - responsabilização e empowerment - todo o problema está em encontrar o melhor equilíbrio entre as vantagens da posse individual e o que resulta do poder colectivo. Seja uma preocupação que já dominou cada uma das declinações - civil, político e social - da cidadania. Que significa, de facto, o aparecimento do sufrágio universal, no século XIX, se não é a necessidade de dotar aqueles que não dispõem do haver necessário para trocar e para ser possível a expressão de um poder para o fazer enquanto que sujeitos soberanos, e não para terem de ver perpetuar a violência dos tumultos. E esta violência desempenha certamente o mesmo papel na afirmação progressiva da cidadania social no meio do século XX. Os direitos sociais fornecem então um poder aos assalariados contra os prejuízos da dominação industrial que a cidadania

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política, por si só, não permite regulamentar. É de facto o mesmo desequilíbrio que reaparece no fim do século XX com as violências urbanas quando os direitos sociais já não são suficientes para integrar uma sociedade onde a pertença passa pela aptidão às conexões, pela disposição de um capital social alargado enquanto que aqueles que o dominam parecem ser levados a restringir o benefício somente à sua utilização. Pode-se então estender esta utilização à parte “merecedora” daqueles que dele são excluídos. Ou melhor, voltar a dar de novo os meios de uma dinâmica ao conjunto destes. As duas vias são objectivamente complementares mas produzem efeitos sensivelmente diferentes conforme o equilíbrio opera a favor da primeira ou da segunda destas duas vias. No primeiro caso, os raros beneficiários servem de justificação a uma denúncia dos outros. Enquanto que, no segundo caso, isso aparece como a recompensa de um esforço partilhado para exceder as fracturas da sociedade urbana. Não é assim que se perpetua, ao longo dos tempos, a distinção entre direita e esquerda? Jacques Donzelot, “Repenser la politique de la ville”, Le Monde, 8n de Fevereiro, 2010.

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III.5. Muros da Repartição, Fracturas Territoriais, Fracturas Sociais Mariette Sagot A exploração do ficheiro Filocom 2005 permitiu explorar a geografia social sob o ângulo dos rendimentos em relação aos estatutos de residência, e considerar a dinâmica sociais através da mobilidade recente das famílias. Análise regional e departamental Sem surpresa, as distribuições de rendimentos por estatuto de ocupação opõem os proprietários aos locatários do parque social. As famílias que mais recentemente se mudaram são também mais modestas que as outras. O desvio é particularmente importante no parque social entre as famílias existentes no local desde há mais 10 anos e os chegados desde há menos de 3 anos. Estes efeitos de estatuto de ocupação e de antiguidade no alojamento têm no entanto apenas um fraco impacto nas diferenças de rendimentos entre departamentos. Os factores “territoriais” operam e testemunham a existência de processos segregativos fortes. Os proprietários de Paris ou de Hauts-de-Seine são claramente mais ricos que os de Seine-Saint-Denis, Seine-et-Marne ou de Vale d’Oise. Os desvios existem mas são menos pronunciados no parque social. O povoamento no parque locativo privado é menos polarizado para elevados níveis de rendimentos (proprietários) ou para os baixos níveis de rendimentos (HLM-SEM). Este é mais representativo dos rendimentos modestos ou médios excepto em Seine-Saint-Denis onde a gravidade da pobreza é elevada. Á escala departamental, a marcação territorial e valorização

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dos espaços opera-se sobretudo pelos proprietários dos seus alojamentos. A mobilidade recente aprofunda as diferenças de rendimentos no centro da aglomeração, para uma maior riqueza em Paris e em Hauts-de-Seine e para mais pobreza em Seine-Saint-Denis. O empobrecimento de Seine Saint-Denis atinge todos os estratos ocupacionais. Esta pauperização está no parque locativo privado, sem qualquer comparação com o que se passa nos outros departamentos. O perfil das famílias do Val-de-Marne está próximo da média regional e permanece estável. Nos departamentos de Yvelines, Essonne, Val-d'Oise os processos de acentuação da pauperização estão também já a funcionar – os pobres são cada vez menos presentes no parque social de Yvelines- mas as diferenças tendem sobretudo a estabilizar-se ou a atenuar-se. O perfil “famílias modestas” é menos marcado entre os novos locatários do parque social Seine-et-Marne e de Vale d’Oise. O povoamento do parque social tende a alinhar-se sobre a média regional. Este processo é também está também a actuar no parque habitacional privado embora os desvios relativamente à média regional continuem a ser ainda marcados. Em Essonne, tende a atenuar-se uma sobre-representaação das classes superiores. Análise regional e departamental A escala departamental apaga as disparidades territoriais de riqueza. O mosaico social atravessa estes limites administrativos. Uma tipologia foi feita sobre o perfil de rendimento das famílias de cada câmara em referência à distribuição média da região em 2005 a partir dos dados do

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ficheiro Filocom. Nove classes foram isoladas, desde o grupo de comunas mais ricas situadas a Oeste, onde os rendimentos elevados estão sobre-representados, ao grupo mais pobre (subúrbio do norte e a aglomeração dos departamentos de Yvelines, Essonne, and Val-d'Oise em termos de política da cidade), onde são mais frequentes os baixos rendimentos. O centro da aglomeração, num círculo de uma vintena de quilómetros em redor de Paris, é o lugar de todos os contrastes. O perímetro suburbano é caracterizado por uma sobre-representação mais ou menos acentuada dos decis extremos excepto em Yvelines onde a população vive melhor. Os elevados rendimentos ratificam-se quando nos afastamos da capital para o leste. A periferia Seine-et-Marne situada para além de 60 Km de Paris reúne uma população rural muito modesta ou mesmo pobre em certas lugares. Se a paisagem social de Ile de France é muito contrastada, a mix social não deixa de ser um pouco a regra, dado que na região como um todo mais de quatro famílias em cada dez (42%) vivem em zonas de perfil social relativamente próximo do perfil médio regional, o que se aproxima das análises de Edmond Préteceille. Esta relativa mix do quadro de Ile de Fraance atravessa o espaço regional, das câmaras de subúrbio até ao suburbano. Esta incide sobre o subúrbio principalmente a Sul e a leste da capital e atinge os 10º, 18º e 20º bairros. As diferenças de rendimentos atravessam todos os estatutos de ocupação. Mas a polarização social passa primeiro pelos proprietários onde o leque das situações é mais aberta. É no parque social que os desvios são os menos marcantes de um espaço ao outro. Nos dois sectores mais pobres, o perfil dos locatários do sector privado alinha-se com o dos ocupantes do parque social. O peso das famílias muito pobres (1º decil) é mesmo mais

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importante no parque de aluguer privado do sector mais pobre. Nos espaços mais periféricos, o perfil dos ocupantes do parque social está próximo do perfil regional nos sectores modestos ou médios, mas afasta-se nos sectores mais abastados. A especificidade das duas classes as mais abastadas tem a ver com a forte concentração dos elevados rendimentos no parque de aluguer privado e mais ainda, entre os proprietários, a pobreza é aí menos evidente no parque social. A análise da mobilidade recente mostra que: 1) Os sectores que estão com mais dificuldades pauperizam-se e isto independentemente do estatuto de ocupação. Noutros sectores, a pobreza tende a recuar no contexto regional. Há uma espécie de contracção da pobreza no espaço. 2) Nos sectores suburbanos, a pobreza recua no parque de aluguer, o retrocesso é ainda tanto mais pronunciado quanto a composição social é fácil. O perfil dos arrendatários, sobretudo do privado, tende a alinhar-se sobre o dos proprietários. 3) Nos sectores mistos, o subúrbio a este e a sueste permanecem muito próximos do perfil regional, mas o subúrbio ocidental tende a enriquecer-se sob o duplo efeito de um retrocesso da pobreza e de um enriquecimento relativo das famílias que são proprietários. 4) Quanto aos sectores de mais elevados rendimentos, tendem a sê-lo ainda mais, e a variação ascendente do perfil dos rendimentos é perceptível qualquer que seja o estatuto de ocupação. A mobilidade recente testemunha por conseguinte uma forte reprodução das composições sociais e um fenómeno de polarização das estruturas sociais no espaço entre sectores ricos e pobres, num contexto onde as situações de mistura social continuam a ser dominantes. Esta atesta a contracção

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espacial da pobreza e uma certa homogeneização dos sectores suburbanos por uma tendência ao alinhamento dos perfis relativos dos locatários, do sector privado sobretudo, sobre o dos proprietários. A transformação social dos sectores suburbanos iniciada pela instalação de famílias que acedem à propriedade desde há mais de 30 anos agora está a impregnar, por conseguinte e progressivamente os outros estatutos de ocupação. Esta espécie de homogeneização por capilaridade em redor das famílias proprietários que dominam o espaço suburbano, está também a actuar nos sectores mais abastados da região. Nos espaços em dificuldades, a modificação progressiva do povoamento do parque social, quantitativamente importante, está ligada à partida das classes de melhores rendimentos que acederam à propriedade nos anos 70 e 80 e depois, devido à abertura deste parque à população imigrada sob o efeito do agrupamento familiar. Este processos e a presença de um parque privado de fraca qualidade participaram nesta pauperização que se estendeu progressivamente aos proprietários ao sabor da renovação das antigas gerações (falecimentos, partidas para a província aquando da reforma, etc.….). Esta situação territorial não poderia ser analisada separadamente de um sistema de valorizações diferenciais que atinge o conjunto de Ile-de- França e que de espaço em espaço conduz à desvalorização dos espaços menos avaliados. A geografia social por estatuto de ocupação A estruturação social do espaço da região Ile de France tem uma parte ligada à desigual distribuição dos estatutos de ocupação no espaço. Mas existe uma graduação de situações

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ao seio mesmo de cada estatuto de ocupação que foi destacada por uma análise tipológica e completada por um estudo de mobilidade recente por tipo de espaço. A tipologia sobre os proprietários atesta que são os mais ricos que são os “segregados” no território. Ocupam os distritos ocidentais parisienses e um corredor que se estende para o oeste até ao sector de Saint-Germain-en-Laye. Tendo em conta o custo elevado do acesso em Paris, os proprietários mais abastados de Ile-de-France estão sobre-representados em todos os bairros. Os de menores posses estão situados a oeste do departamento de Seine-Saint-Denis e nas zonas limítrofes do Vale d' Oise e de Hauts-de-Seine. Reencontram-se também em algumas zonas rurais dispersados a leste de Seine-et-Marne. Esta tipologia confirma o afastamento dos proprietários mais modestos, como o mostraram os trabalhos de Martine Pastor, para as franjas Este e Sul de Seine-et-Marne e de maneira ligeiramente menos marcada para o Sul de Essonne e para o extremo da periferia noroeste da região. Os perfis intermédios estão mais presentes nas cidades novas e no espaço suburbano do Vale d' Oise, Essonne e nas franjas ocidentais de Seine-et-Marne. Ocupam também o sudeste do Seine-Saint-Denis e uma grande parte do Val-de-Marne,Maisons-Alfort e Créteil até aos limites Este do departamento. A geografia social dos proprietários reenvia ao mesmo tempo aos efeitos de distância ao centro (valorização do centro) mas também à oposição do norte/este - sul/oeste, particularmente marcada nos subúrbios, que se sobrepõe, em parte, às diferenças na importância do parque social. Não há correlação entre o grau de riqueza dos proprietários e a importância da propriedade num espaço. A homogeneidade do estatuto residencial dos suburbanos não faz disso um espaço de

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riqueza. Também não há relação entre a riqueza dos proprietários e a importância do parque locativo privado, ainda que nos sectores urbanos de maiores disponibilidades, a propriedade coabita com um sector locativo privado importante onde os níveis de rendimentos dos locatários são mais elevados que noutro lugar. Nota-se em contrapartida, uma relação - inversa – mais significativa mas que continua a ser bastante ténue, entre o grau de riqueza dos proprietários e a importância do parque social. O peso do parque HLM e a distância ao centro participam de dinâmicas sociais e urbanas complexas que concorrem para uma valorização diferenciada dos espaços. A construção de grandes ZUP nos anos 70, depois o desenvolvimento do acesso à propriedade e ao agrupamento familiar tem concorrido para o empobrecimento progressivo do parque social por nivelamento das classes médias querendo por conseguinte aceder à propriedade nas zonas suburbanas. Nos sectores onde o parque social é dominante, o perfil de cidade tem-se gradualmente transformado, corroendo a sua atracção residencial. A mobilidade recente reforça a polarização dos proprietários no território regional através do duplo efeito de um enriquecimento dos proprietários nos espaços mais abastados e de um empobrecimento do perfil nos espaços mais modestos. Há uma muito forte pauperização dos proprietários na zona dos subúrbios a Norte. O leste de Seine-et-Marne especializa-se no acolhimento aos proprietários modestos. A mobilidade confirma a relação inversa entre a distância ao centro e o nível de rendimento dos proprietários, os subúrbios dos eixos oeste-sul/oeste estão contudo melhores que os outros. No sentido oposto, a mobilidade recente acentua o perfil muito abastado dos bairros ocidentais de Paris e as zonas fortemente residenciais do oeste. Tende assim também a reforçar o perfil

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dos proprietários mais abastados dos distritos do leste de Paris, dos subúrbios a sul e a oeste assim como do suburbano oeste-sul-oeste. O resto dos subúrbios a sul e este continua a estar especializado no acolhimento de proprietários modestos (Seine-Amont) a intermediários (Neuilly-Plaisance à Limeil-Brévannes) onde as classes de rendimentos mais elevados estão sub-representadas claramente. A fisionomia geral dos ocupantes do parque HLM-SEM aproxima-se da dos proprietários na aglomeração parisiense, nomeadamente os locatários de mais rendimentos no quadrante oeste-sul-oeste, e aos mais pobres na zona dos subúrbios a norte e a leste. As zonas de pobreza parecem contudo mais dispersas. Os locatários do parque social de Paris são claramente de rendimentos mais elevados que a média, excepto nos bairros 18e e 19e. As cidades novas oferecem uma variedade de situações, os residentes de Saint Quentin-en-Yvelines globalmente melhores que os outros. É a gravidade da pobreza que mais diferencia o povoamento do parque social de uma zona camarária a outra. Ela parece independente da importância da propriedade ou da habitação de aluguer privada. Mas em sectores onde o parque HLM-SEM é muito importante, a pobreza é de maior gravidade no parque social. E, pelo contrário é-o menos claramente nos sectores onde este parque está pouco presente. Em contrapartida, nos espaços intermédios, esta relação é mais ténue. As fortes concentrações de alojamentos sociais tendem por conseguinte a cristalizar mais as populações em dificuldades, quer seja no parque social ou nos outros segmentos do parque habitacional. A mobilidade recente reforça as características da maior parte dos sectores. Acentua a pobreza no parque social dos dois

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sectores mais pobres e tende a enfraquecer nos sectores onde já está sub-representada. Parece que a ocupação do parque social se especializa cada vez mais de acordo com o território. Ao norte e a leste, os ocupantes são mais pobres ou estão próximos do perfil médio regional. Aliás, são melhores mas de acordo com uma tendência de ligação à sua distância ao centro: os melhores ao centro, os que não estão tão bem, estão para a periferia da aglomeração. O perfil regional dos locatários do parque privado está bastante próximo do perfil médio regional do conjunto das famílias. Reencontra-se a oposição entre os extremos de rendimento: um pólo de locatários ricos no centro ocidental da aglomeração, um pólo de locatários pobres nos subúrbios a norte. As classes intermédias ou sobretudo as modestas estão situadas num arco de círculo do norte/este/ sul em redor da pequena coroa, (Hauts-de-Seine, Seine-Saint-Denis e Val-de-Marne) do Vale d’ Oise às franjas ocidentais de Seine-et-Marne, até ao sector de Brétigny-sur-Orge em Essonne. As classes intermédias em melhores situações encontram-se em Yvelines e ao Sul ocidental de Essonne. As cidades novas oferecem situações contrastadas, em que os locatários de melhores posses se situam em Saint-Quentinen- Yvelines (com excepção de Trappes) enquanto que os locatários mais modestos se situam na cidade nova de Evry. É, mais ainda que no parque social, a gravidade relativa da pobreza (decil 1) que diferencia ao máximo a ocupação deste parque segundo os sectores. Os locatários do parque privado são claramente muito mais pobres nos sectores onde o parque social é importante. No sector mais pobre, a pobreza é mesmo muito mais forte no sector de aluguer privado que no parque HLM. O parque privado degradado desempenha o papel de um parque social de facto.

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É no parque de aluguer privado que a mobilidade é mais elevada. Mais da metade dos ocupantes mudaram de casa desde há menos de três anos em média (54%), contra 39% no parque HLM-SEM e 28% entre os proprietários. A mobilidade recente acentua muito claramente a pobreza nos dois sectores mais modestos, situados nos subúrbios a norte essencialmente. Esta acompanha-se, nestes em espaços, de uma empobrecimento nos outros segmentos do parque, o que contribui para a polarização do espaço regional reforçando o pólo “pobre”. A aproximação das tipologias por estatuto de ocupação confirma a maior proximidade dos status dos locatários do sector privado e dos proprietários. A relação é muito forte nos dois extremos da hierarquia social. A proximidade entre as tipologias dos proprietários e dos locatários do parque HLM-SEM é mais marcada na arte superior da hierarquia social o que atesta uma certa exclusão dos mais pobres nestes espaços. A relação entre o perfil dos rendimentos dos ocupantes dos parques de aluguer privados e HLMSEM é menos líquida mas como para os outros status, os extremos opostos não se encontram lado a lado na mesma zona administrativa. Globalmente, é o perfil dos proprietários que é o mais representativo do conjunto das famílias. Esta abordagem comparativa atesta a importância do peso do parque social nos sectores mais pobres independentemente do estatuto de ocupação e atesta igualmente um empobrecimento destes sectores que atravessa todos os segmentos do parque. Em contrapartida o fenómeno de enriquecimento pela concentração acrescida das famílias de melhores condições só relaciona os proprietários. A polarização social do território da região Ille de France opera-se por conseguinte através de todos

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os segmentos do parque na parte baixa da hierarquia nos sectores em dificuldade, e por um enriquecimento das famílias proprietárias nos espaços mais abastados. Mariette Sagot, “Géographie sociale, habitat et mobilité en Ile-de-France”, IAU île de France, Dezembro, 2008. III.6. As solidariedades territoriais Christine Corbillé e Mariette Sagot A partir do final do século XIX, o pai da Sociologia na França, Emile Durkheim, colocou a solidariedade como o princípio organizador da vida social. “Não pode existir sociedade humana sem solidariedade entre os seus membros”. Nascido da vontade de neutralizar os riscos ligados aos riscos da vida - doença, invalidez, perda de rendimento ligado à passagem à reforma… - o sistema de protecção social posto em prática em 1946 marca uma data chave da acção colectiva na França, oferecendo aos indivíduos uma maior segurança na sua existência. Mas este Estado Providência está hoje ameaçado e princípios de solidariedade estão a ser revistos. As tensões entre individualismo e acção colectiva, eficácia económica e solidariedade social exacerbam-se perante os desafios essenciais que devem enfrentar as nossas sociedades. O desafio da crise da sociedade salarial, em primeiro lugar, com o crescimento do desemprego de massa, a instabilidade e a precarização dos empregos, que conduziu a um aumento considerável das populações socialmente desqualificadas e ao mesmo tempo das despesas de solidariedade destinadas a tomá-las a seu cargo. Aí se inserem a subida das desigualdades

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entre gerações, as dificuldades de inserção dos mais jovens contrastando com as condições de carreira mais favoráveis das gerações dos seus pais - as desigualdades de género que continuam a ser fortes na esfera profissional e de todas as formas de discriminação em relação aos imigrantes. Estas dificuldades ganharam forma no território. A crise dos subúrbios que estoirou em França nos anos 80 e despertou depois no Outono 2005, nestes lugares onde se conjugam desemprego, pobreza e imigração, atesta ao mesmo tempo os efeitos da crise salarial, mas também a crise de ressentimentos e de frustrações em relação um modelo de integração que não cumpre as suas promessas. A escola, lugar de todas as esperanças, condensa e exacerba as questões da segregação urbana. Assim, reconsiderar a solidariedade numa procura de assegurar a coesão social, é “realmente reconsiderar o conjunto de relações sociais, que marcam as relações de classe, de gerações, de género, de territórios e de nacionalidades”. Com estes textos quer-se ser uma contribuição sobre os aspectos territoriais da solidariedade. Que se pode dizer da segregação urbana em Ile-de-France? Em que é que o território é portador de desigualdades? Seguidamente, procuremos melhor compreender os desafios, as acções empreendidas e os jogos de actores em termos de ordenamento, de alojamento, de deslocações, de desenvolvimento local, ou ainda a perequação financeira num contexto institucional em plena evolução. Quem faz o quê em matéria de solidariedade e como se articulam as diferentes intervenções, a implicação da sociedade civil, as colectividades públicas, o Estado e até a Europa? Este fragmentar de competências e de responsabilidades não está

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ele a baralhar os quadros da solidariedade? A descentralização aumentou o papel dos presidentes das câmaras municipais nos domínios do ordenamento, do desenvolvimento económico e da habitação, mas conduziu, ao ser assim, à multiplicação de interesses específicos e fragmentação dos poderes locais. A cidade solidária deve encontrar as suas alavancas de acção na ajuda à habitação de populações desfavorecidas, na luta contra a segregação urbana, visando uma certo mix, num desenvolvimento local que beneficia os habitantes. A agregação de câmaras, as parcerias com as empresas e as associações, a formalização por contrato entre os diferentes escalões institucionais em redor de projectos de desenvolvimento federativos são tantos meios para mobilizar a criatividade de uns e dos outros com a finalidade de exercer verdadeiras políticas de solidariedade económica, social e financeira. Christine Corbillé et Mariette Sagot; “Prologue: Les solidarités territoriales”, Cahiers IAU, n. 148, Setembro, 2008 III.7. Que lugar para o território no exercício das solidariedades Brigitte Guigou Compreender Território da excelência e da inovação, a Ile-de-France é também o território dos contrastes onde a riqueza e a pobreza

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vivem lado a lado. É apenas na base de uma compreensão dos mecanismos produtores de desigualdades que interferem e pesam tanto sobre os destinos individuais como sobre a coesão do espaço social das populações desta região que uma acção colectiva solidária pode ser encarada. É necessário afastar-se do revérbero mediático para apreender que a situação de marginalização de certos bairros aumenta de mecanismos que operam à escala da metrópole. As desigualdades levadas pelo território medem-se também em termos de acessibilidade ao emprego, aos serviços e aos equipamentos diversos, e pelos serviços prestados pelos municípios. Nem todas são susceptíveis de “obstruir” o desenvolvimento dos indivíduos, e algumas resultam de escolhas individuais. Perante estas tensões, a solidariedade colectiva exprime-se através de políticas públicas cada vez mais territorializadas. Ela, a solidariedade colectiva, inventa-se com novos meios de expressão, organiza-se em redor de uma pluralidade de actores e exprime-se em diferentes escalas territoriais. E longe de se acantonar-se ao tratamento social, ela integra, além disso, cada vez mais a dimensão social em projectos de desenvolvimento territorial preocupados com o meio ambiente. A crise do Estado providência primeiro, seguidamente a da descentralização, a da construção europeia e a da globalização repuseram em causa o quasi-monopólio do Estado em termos de exercício da solidariedade. As diferentes etapas da descentralização aumentaram as competências dos poderes locais e transformaram a sua maneira de as exercer. São hoje encarregados de uma proporção crescente do que se designa ainda por Estado Providência, e que se refere às políticas de formação, de educação, de transporte ou de cultura que são

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maciçamente o produto, de facto, das autarquias” [Négrier, 2005]. Para fazer face a estas obrigações novas e melhor ter em conta o duplo objectivo de solidariedade e de competitividade dos territórios, as colectividades testam novos modos de intervenção. Mas o exercício da solidariedade entre actores múltiplos e de acordo com escalas diferentes coloca a questão da governança, Da questão social à questão espacial Os fundamentos da solidariedade minados pela erosão dos direitos colectivos e pela precarização Na França, o Estado Providência apoia-se sobre uma concepção da solidariedade “desligada” do território [Castel, 1996]. O Estado Providência é criado no século XX. Funciona sobre a base de um sistema tipo seguros ligado ao emprego, completado à margem por um sistema assistencial (ajuda e acção social). Aí, as solidariedades são fundadas sobre a inscrição do assalariado nos estatutos e nos direitos colectivos. Este último beneficia da protecção social que lhe permite controlar a incerteza do futuro. Neste dispositivo, o Estado desempenha um papel fundamental de mediador e de garante dos direitos dos assalariados. Vela para que a propriedade social, património construído e gerido colectivamente, seja redistribuída sob a forma de serviços públicos e prestações de segurança aos indivíduos (subsídios desemprego, subsídios na doença, reformas, invalidez, rendimento mínimo de inserção …). Este modelo começou a ser posto em causa progressivamente no fim dos Trinta Gloriosos, sob o efeito de uma crise económica. A precariedade difunde-se na esfera do emprego

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(desemprego, tempo parcial, sazonal, trabalhadores pobres…), com possíveis repercussões na esfera pessoal (separação, isolamento, doença, depressão…). Se as categorias desfavorecidas são particularmente vulneráveis, estes processos de “desfiliação ” afectam mais largamente o conjunto das classes médias. Adicionadas às evoluções demográficas, estas transformações contribuem para a erosão dos mecanismos colectivos fundadores da solidariedade. Ao mesmo tempo, nas políticas sociais e redistribuição clássicas, cujo peso no PIB aumenta ao longo dos anos para atingir 31,5% em 2005, não consegue contrariar esta subida da pobreza e das precariedades. A emergência de uma leitura espacial dos problemas sociais e uma acção pública territorializada Estas transformações socioeconómicas assumem forma nos territórios. A questão “bairros em dificuldades” emerge em França, como na Grã-Bretanha, nos anos 1970-1980 [Davy e Al, 2005]. Os problemas socioeconómicos (desemprego, precariedade, delinquência, malogro escolar…), que adquirem uma visibilidade específica em certos bairros, são interpretados progressivamente como sintomas de disfuncionamentos urbanos. O eco mediático “dos motins” de 1981 nos subúrbios de Lyon, depois os do início dos anos 90 vem reforçar esta estigmatização [Baudin e Genestier, 2002]. Nesta “representação espacial da indisposição social” [Chevalier, 2002], os grandes conjuntos desempenham um papel emblemático. A sua imagem “… é carregada de um peso

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social novo, designada como o substrato de problemas sociais inextricavelmente misturados: imigração, pobreza, delinquência…” [Bourdin e Lefeuvre,2002]. A emergência “da crise” dos bairros traduz-se na institucionalização “da política da cidade” que tem por objectivo a luta contra a pobreza localizada. Desde o começo dos anos 80, esta recorre à discriminação positiva, que consiste em dar mais e melhor aos que têm menos. Esta política orienta bairros “sensíveis” definidos por um misto entre critérios socioeconómicos e escolhas políticas. Esta abordagem é transversal e preconiza uma implicação mais forte das políticas temáticas nestes bairros. É contratual e é também de parceria, fundada sobre o compromisso das diferentes componentes do Estado e das autarquias locais, que são, de maneira flutuante de acordo com as épocas e com as preferências dos governos, das câmaras ou das associações entre elas. Nos anos 90, inspirando-se nos princípios das políticas de cidade da França e da Inglaterra, as políticas territoriais da União Europeia visam reduzir os desequilíbrios infra-regionais das regiões com fortes diferenças na riqueza. Tendo em conta as críticas dirigidas ao carácter demasiado “social” da política da cidade, preconizam uma melhor articulação entre competitividade e coesão social, actuando sobre as alavancas económicas (criação de emprego, investimentos em propriedade de empresas…). Apoiam-se também sobre alianças com as autarquias locais, contribuindo para o aumento do papel das cidades e das regiões em França, e mais largamente na Europa [Le Gale,2003]. A descentralização posta em prática no início dos anos 80 também participou desta forte subida do poder das autarquias.

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Diferentes concepções da solidariedade nas políticas territoriais Num contexto caracterizado pela incerteza e pela complexidade das acções dos actores, a acção pública vai assim declinar-se em diferentes escalas e de acordo com modos operacionais variados [Offner,2006]. Favorecer o desenvolvimento local e as lógicas de projecto Para as autarquias, o desafio é melhorar a eficácia, a transversalidade e a coordenação das políticas de solidariedade, se possível em redor de projectos de território. Os actores locais podem recorrer às políticas criadas pela Região, pelo Estado ou pela União Europeia e elaborar projectos de território com parceiros múltiplos para dinamizar um desenvolvimento territorial que beneficie os seus habitantes. Exceder a concepção clássica da solidariedade, unicamente fundada ao social, permite restabelecer a questão do desenvolvimento económico e articulá-lo melhor com a coesão social. Os departamentos apoiam-se sobre as suas competências em matéria de acção social e de inserção (RMI, deficiência, pessoas idosas…) para elaborar políticas de luta contra a exclusão e a precariedade e para integrar as linhas de prevenção dos riscos para as populações vulneráveis. A implicação das regiões aumenta as suas competências em matéria de desenvolvimento económico, de formação e de ordenamento e visa, por exemplo, facilitar a acessibilidade aos pólos de emprego ou, melhor, adaptar a oferta de formação às necessidades económicas… Quanto às associações de

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autarquias, estas têm nomeadamente um papel central a jogar em matéria de equilíbrio social do habitat e da política da cidade para organizar à boa escala a reconstituição da oferta social à sequência das demolições. A multiplicidade dos intervenientes necessita de uma aplicação coerente das acções, enquanto que a diversidade das funções dos territórios exige, particularmente em Ile-de-France, uma adaptação das políticas temáticas. As regiões e os departamentos aplicam políticas territoriais de contratualização para assegurar uma melhor articulação entre as estratégias regionais e territoriais e tentar melhor ter em conta os desafios de coesão e de desenvolvimento económico. Neste domínio, as realidades são contrastadas e evolutivos, e novos modos de intervenção inventam-se diariamente, como o ilustra o pacto para o emprego, a formação e o desenvolvimento económico lançado pela Região Ile-de-France em 2008 no âmbito de uma iniciativa de contratualização plurianual com os seus parceiros locais. O objecto é apoiar projectos de território sobre sectores que compreendem bairros em dificuldades iniciando parcerias múltiplas a fim de reduzir as desigualdades territoriais. Apoiar-se sobre as subdivisões em zonas A subdivisão em zonas é o modo clássico de intervenção da política da cidade. Trata-se de adaptar as políticas sectoriais às necessidades específicas de certos territórios em dificuldades. As zonas de intervenção prioritária são negociadas localmente, de acordo com uma calibragem nacional para a política da cidade, ou são comunitárias para as políticas europeias. A subdivisão em zonas foi objecto de numerosas críticas (falta de

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eficácia, delimitação nos limites de um perímetro, focalização sobre as políticas de territórios em detrimento das trajectórias individuais…). A experiência mostra no entanto que colectividades - Planície Comum ou a comunidade de aglomeração de Mantois por exemplo – souberam utilizá-las, apesar dos seus limites, ao serviço de um projecto de território que articula desenvolvimento e solidariedade. Modernizar os serviços públicos A territorialização é também, desde o fim dos anos 1980, sinónimo de desconcentração. Esta visa então a proximidade com “os utilizadores” [Warin, 1997], uma melhor resposta às suas necessidades e a melhoria do funcionamento da acção pública. Nesta lógica, a solidariedade é concebida como sendo, em certa medida, um benefício secundário da modernização. As administrações territoriais são referidas em primeiro lugar por estas evoluções, via reestruturações organizacionais. Autarquias e bailleurs sociais são fortemente implicados nestes processos de adaptação da oferta de serviços. Há um papel de impulsão e animação [Donzelot e Estèbe, 1994]. Na sequência do acto 2 da descentralização, numerosos departamentos reorganizaram os seus serviços para melhorar o acompanhamento dos públicos em dificuldades e a coordenação da intervenções entre parceiros: aproximação dos serviços responsáveis da luta contra a exclusão numa direcção única da solidariedade, criação “de espaços de solidariedade”, que são lugares de acolhimento do público e de mutualização das ajudas do departamento, harmonização dos perímetros, horários e modalidades de acolhimento dos parceiros, melhor

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articulação das políticas de inserção departamental e comunal (via os contratos de cidades, co-financiamentos…). Diferentes soluções também são testadas pelas Regiões, pelos agrupamentos de autarquias e pelas câmaras. Mobilizar os recursos do bairro Na França, hoje, a acção pública apoia-se pouco sobre a promoção das solidariedades fundadas sobre os recursos dos bairros, ainda que mobilize sempre, sobre um modo largamente encantatório, a noção de participação dos habitantes. Esta concepção da solidariedade é mais difundida nos países anglo-saxões (empowerment). Assenta sobre uma cultura política do diálogo [Bacqué e Fol,2006]. Muito presente inicialmente na política da cidade e de maneira mais episódica depois, a lógica do desenvolvimento social local valoriza os recursos e potencialidades dos bairros, incluindo populares. Ela está ligada aos referentes terceiro-mundistas e autogestionários em voga nos anos 1970-1980. Perante a diluição das relações sociais fundadas sobre o trabalho e dada a ameaça de precarização dos habitantes dos bairros populares, os representantes do povo, os eleitos, e os profissionais franceses fixam-se então como objectivo o de voltar a reconstruir as relações sociais e a apoiar as solidariedades locais. O desafio é então o de facilitar a inserção social dos habitantes, os seus percursos residenciais e profissionais, desenvolvendo ao mesmo tempo relações sociais e convivialidade. Diversas abordagens são utilizadas: co-

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produção da renovação dos alojamentos pelos habitantes, os projectistas e os gestores da cidade do Pequeno Seminário em Marselha [Anselme, 2000]; tomada em mão da manutenção dos espaços comuns e criação da primeira empresa pública de bairro no bairro Alma GARE em Roubaix; criação de associações… [Bachman e Le Guennec,1996]. Esta expansão de associações e redes de solidariedades locais também caracterizou os pimeiros tempo das cidades novas. Permanece registo destas experiências passadas em diligências pontuais e que têm dificuldade em se manter, como a implicação “de centros de redes” para animar o tecido local em bairros em dificuldades. No entanto, as ideias não faltam para solicitar mais à sociedade civil como, por exemplo, criar um conselho de desenvolvimento social envolvendo, para além do grupo das instituições, as associações e os habitantes utentes dos serviços sociais a fim de aproximar estes serviços dos habitantes… Limites e obstáculos à territorialização da acção pública Se as iniciativas das colectividades locais abundam, os obstáculos continuam a ser importantes e as questões numerosos no que respeita, nomeadamente, ao papel do Estado. As diferentes etapas da descentralização conduziram à uma situação confusa – particularmente em Ile-de-France -, marcada por desfasamentos entre a visão racionalista dos textos fundada sobre a ideia de divisão entre blocos de competências e uma situação concreta de concorrência entre instituições e de dificuldades para fazer emergir uma liderança

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coerente. À esta confusão dos papéis acrescentam-se as incertezas sobre os financiamentos: transferências do Estado insuficientes, temor de um desobrigar pela parte do Estado em matéria de solidariedade… As transferências de funções e de despesas do Estado para as autarquias locais fazem-se sem transferências de recursos equivalentes e os mecanismos de perequação são julgados insuficientes perante a extrema disparidade de recursos entre colectividades. Diferentes autores apontam também a situação paradoxal do Estado que se desliga em relação aos mecanismos clássicos de redistribuição e, no mesmo tempo, introduz dispositivos e instrumentos que conduzem à formas de recentralisação ou “de governo à distância ” [Epstein, 2008]. A elaboração de programas nacionais não concertados, a criação de agências nacionais como o Anru e o Acsé, a sistematização do concurso em projectos em vez das contratualizações anteriores não vão no sentido de uma “retoma em mãos do Estado” relativamente ao poder local? Do mesmo modo, quando o programa nacional de renovação urbana (PNRU) faz a escolha de prioritariamente financiar antes de mais nada as demolições-reconstruções num objectivo de mix social dos bairros, não estará a contribuir para difundir uma representação homogénea dos problemas e soluções? Perante esta situação, as autarquias locais têm posições diferentes: algumas agarram os instrumentos para fazer avançar o seu projecto de território, outros aplicam os procedimentos sem uma visão global. Além disso, certas injunções do Estado confundem o jogo da governança local: é o caso por exemplo quando um concurso de projecto nacional, como o foi o das equipas de sucesso educativo ou as casas de emprego, é proposto sem estar fazer referência ao projecto territorial elaborado localmente.

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É também o caso quando o Estado faz do presidente da câmara municipal o seu interlocutor privilegiado, então mesmo que a responsabilidade política do processo é tomada em carga localmente pelo conjunto de organismos locais. Os agrupamentos regionais são os novos actores da governança territorial. Face ao fragmentar dos poderes locais, a lei Chevènement criou a solidariedade entre câmaras l via a fiscalidade e a mutualização dos serviços e dos equipamentos. Assenta na constituição de territórios “à boa escala” para lutar contra a segregação. A sua aplicação respondeu muito desigualmente a este objectivo [Estèbe e Tallandier, 2005]. A questão da escala, ou da pertinência do território relativamente às grandes questões sociais e económicas, é crucial. Ora há consensos para reconhecer a inadequação do números perímetros na Ile de France. Em muitos casos, as lógicas “de clube”, fundadas sobre associações de câmaras por semelhança, gera o efeito oposto ao que é esperado pelo legislador: “os clubes” de câmaras pobres, por exemplo Clichy-sous-Bois/Montfermeil ou Grigny-Viry mutualizam recursos muito insuficientes, o que não resolve em nada a questão das desigualdades. Fora de Ile-de-France, os autores sublinham os riscos de crescimento de desigualdades entre dois regimes de associação entre câmaras [Estèbe e Tallandier,2005; Noyé, 2006]. O regime da zona densa e central, geralmente caracterizado pela existência de uma comunidade de aglomeração socialmente diversificada, joga globalmente o seu papel no exercício da solidariedade. O suburbano caracterizado por um tecido social modesto, a organização institucional conta uma multiplicidade de comunidades de câmaras socialmente homogéneas, o que torna o difícil exercício das solidariedades. Não é, contudo, certo,

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enfim, que a descentralização responda ao conjunto das necessidades em matéria de articulação entre desenvolvimento e a solidariedade. As questões de coesão social e territorial continuam a ser frequentemente marginalizadas nos projectos de desenvolvimento económico das autarquias locais. Os esquemas regionais desenvolvimento económico, por exemplo, alinha-se demasiado frequentemente por um modelo homogéneo, o dos pólos de competitividade, e sobre métodos de acção pública que copiam “o modo de gestão estatal sem se estar a interrogar sobre as finalidades, os critérios ou os beneficiários” [Béhar e Estèbe, 2006]. A falta de conhecimentos territorializados nos diagnósticos, nomeadamente em matéria de trajectórias das populações, de diversidade dos modos de vida, de análise dos sistemas de actores, conduziu também a uma uniformização das soluções retidas [Lelévrier,2004]. Qual é eficácia das políticas de solidariedade territorial? O aparelho estatístico francês tem dificuldade em medir os efeitos territoriais das políticas públicas globais. Laurent Davezies [2004] avalia de maneira aproximativa o peso financeiro das políticas sociais implícitas, as que estão ligadas aos mecanismos clássicos de redistribuição (fiscalidade, protecção social…), à 500 mil milhões de euros para o ano 2002. Comparativamente, a política de cidade “pesa” 1,5 milhar de milhões de euros e os mínimos sociais 11 mil milhões de euros. Os mecanismos clássicos de redistribuição, que são cegos no plano espacial, constituem incontestavelmente principal o instrumento quantitativo de coesão social em França. As políticas de que os

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efeitos territoriais são explícitos e cumulativos - política da cidade ou mínimos sociais, que se dirigem globalmente aos mesmos tipos de territórios - têm por conseguinte um peso financeiro modesto em relação ao conjunto dos rendimentos distribuídos. Feita esta reserva, há no entanto consenso sobre as grandes tendências de evolução: desde os anos 1960, estas políticas globais teriam contribuído largamente para a redução das desigualdades à escala dos grandes territórios (regiões, departamentos). Mas numa escala mais fina, local, a dinâmica inverte-se: as disparidades de rendimentos aumentam [Davezies, 2008]. Dado que as políticas redistributivas implícitas não têm efeito positivo (e poderiam mesmo ter efeitos negativos) sobre as desigualdades à escala fina, parece imperativo por manter as políticas explícitas, orientadas para os pequenos territórios, para lutar contra os efeitos dos processos de segregação que prejudicam pesadamente os que vivem nos bairros mais deserdados das grandes cidades. Parece igualmente importante que se combinem acções centradas sobre locais e acções centradas nas pessoas. As acções que visam “pôr os habitantes em movimento ” [Donzelot, Mével e Wyvekens, 2003], através de apoios às suas trajectórias residenciais e profissionais, de ajudas à mobilidade individual, à luta contra as discriminações… são complementares e mereceriam ser desenvolvidas mais do que o são actualmente em França. Referênciass bibliográficas Anselme, Michel, Du bruit à la parole. La scène politique des cités, éditions de l’Aube, 2000.

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III.7. Ile-de-France à prova das desigualdades e da segregação Mariette Sagot As desigualdades sociais traduzem-se inelutavelmente em desigualdades territoriais. Os mais desenvolvidos tendem a agrupar-se, favorecendo uma bipolarização socioeconómica particularmente marcada no espaço urbano. Ter-se-á tornado um motor de segregação? Quais são o lugar e o futuro dos territórios mistos de Ile de France? Quais são as margens de operação das políticas públicas? A região oferece um mosaico social que impregna de maneira muito diferenciada o território de Ile de France. Os dados sociais entretanto territorializaram-se. O departamento “93”, “o subúrbio” ou “ os bairros em dificuldades” tomam o passo à “ classe operária”; o “16º”, “Neuilly” e “os guetos ricos” [Pinçon e Pinçon-Charlot, 2007] sobre “a burguesia”. Esta focalização sobre os pólos opostos, e antes de tudo sobre territórios emblemáticos da pobreza, deixa na sombra o leque das situações intermédias. A segregação social está ela a aumentar na Ile-de-France? Além disso, não reveste ela um carácter cada vez mais “étnico”? Os motores da diferenciação social do espaço conduzem inelutavelmente a um reforço das situações extremas? Põem os espaços mistos em perigo? Desigualdades mais marcadas no espaço urbano A análise dos rendimentos das famílias, se ela apaga um pouco os aspectos sociais, permite, por outro lado, uma análise um tanto sintética sobre a evolução das desigualdades entre diferentes regiões camarárias. A este respeito, a confirmação é

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sem apelo: as desigualdades de rendimentos reforçaram-se entre as deveras regiões camarárias na região Ile de France desde há vinte anos, e sobretudo no espaço urbano. Uma classificação das câmaras por decil de rendimento - cada grupo de câmaras constituído por 10% dos lares fiscais, dos mais pobres aos mais ricos - mostra que as câmaras se inscrevem numa série contínua de rendimento sem ruptura, se não está à passagem do grupo mais abastado. Em 2005, o rendimento médio das câmaras mais ricas é superior em 46 % ao da classe precedente. Em 1984, a amostragem era menos marcada de um decil a outro e o desvio entre dois últimos decis era mais reduzido (+ 23 %). O leque entre situações extremas abriu-se assim largamente, devido ao facto de uma polarização mais forte da riqueza, mas também, em menor escala, de uma empobrecimento das câmaras mais pobres. A relação entre os rendimentos médios das duas classes extremas passou assim de 1,8 para 3,1. As forças que tendem a abrir o leque dos rendimentos operam a partir dos espaços medianos e acentuam-se com o grau de riqueza. O espaço da pobreza reforçou-se no tecido urbano, contraindo-se mais nos subúrbio do norte e sueste, abandonando em parte os espaços periféricos do Leste seine et- marne, onde vive uma população rural mais idosa. A riqueza ancora-se centro-oeste de Paris e forma um conjunto compacto que se estende pelo espaço suburbano ao oeste.

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A metade dos habitantes de Ile de France vive em espaços “misturados” A Ile-de-France não se resume nos seus extremos. Foi feita uma tipologia sobre o perfil de rendimento das famílias de cada região camarária por referência à distribuição média da região em 2005. Nove classes foram diferenciadas, com base no grupo de regiões camarárias mais pobres, onde os baixos rendimentos sobre-representados, até ao grupo mais abastado, onde são os rendimentos elevados que são mais frequentes. A metade da população da Ille de France vive em bairros de perfil social próximo do perfil médio regional (classes 4,5,6,7). Este mix no âmbito da Ile de France atravessa todo o espaço desta região. E sobretudo os perfis médios a médios elevados são mais frequentes no suburbano. O centro da aglomeração é claramente mais contrastado. A periferia Seine-et-Marne situada para além de 60 Km de Paris reúne uma população rural muito modesta onde domina a classe. Este estado dos lugares confirma as análises de Edmond Préteceille [2003,2006] efectuadas sobre o período 1982-1999 e que mostram que os espaços de perfil social médio misturados não estão de modo nenhum em via de desaparecimento. A região não está envolvida num processo de dualização, mas numa bipolarização dos bairros extremos, com uma oposição cada vez mais marcada entre os bairros de gente mais abastada e os bairros populares atingidos pelo desemprego e pela precariedade. Esta evolução intervêm num contexto em que se reforça a parte mais alta da hierarquia dos espaços: dos espaços médios-misturados para espaços em que predominam rendimentos mais elevados e dos espaços populares para os espaços

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médios-misturados. O espaço dos territórios médios-misturados ter-se-á assim alargado. No entanto, estes territórios mistos fragilizam-se, a subida do desemprego e a flexibilidade dos empregos a não pouparem as classes médias. Nos espaços populares, observa-se uma diferenciação crescente dos bairros, que vai desde os bairros a caminho “da gentrificação ” aos que se encontram apanhados num movimento de empobrecimento social que os afasta sensivelmente do resto dos outros espaços de Ile de France. Estes bairros, onde desempregados, trabalhadores e imigrantes são mais numerosos que noutros lugares, só parcialmente abrangem os bairros classificados como política da cidade. Um reforço moderado da concentração dos imigrantes A segregação é apontada a dedo quando um espaço concentra populações em dificuldades ou como sendo o resultado da imigração. Estas duas dimensões estão muito intrincadas: 40% das pessoas de referência imigrada pertencem ao mundo operário, são empregados de comércio ou ocupam empregos de serviço directo aos particulares. Ainda ontem base operária masculina da indústria e da construção, a imigração tornou-se agora a base indispensável ao funcionamento diário da metrópole parisiense. Os trabalhadores estão agora menos ligados à produção que à distribuição das mercadorias (motoristas, manutenção) ou ao serviço de conservação e de segurança. Esta população imigrada activa feminizou-se: empregadas de casa e amas contribuem para ajudar os habitantes de Ile de France a enfrentarem a vida profissional e familiar. Agentes dos serviços hospitalares e pessoal de

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enfermagem sustentam o funcionamento do nosso sistema de saúde. Os empregos continuam a ser frequentemente pouco qualificados e precários, e esta fraca situação socioeconómica condiciona as localizações residenciais, ainda que não explica tudo. Numa região que reúna quase quatro imigrantes em cada dez que vivem em França, “a segregação étnica” é cada vez mais sentida como um meio de retransmissão da segregação socioeconómica. O que é na verdade? Globalmente, o índice de concentração dos imigrantes tende a aumentar moderadamente em Ile-de-France (0,165 em 1982; 0,170 em 1990; 0,177 em 1999), mas permanece distante da situação de “guetização” dos Estados Unidos. O aumento do número de imigrantes teria podido no entanto acompanhar-se de uma maior dispersão. Os imigrantes representavam 13,3% da população de Ile de France em 1982, 14,7% em 1999 e 16,7% de acordo com as estimativas dos inquéritos de recenseamento Insee para 2005.No seio desta desta população, o grau de concentração dos grupos varia de acordo com o efectivo e o país de nascimento. Os imigrantes turcos, asiáticos e, em menor escala, os imigrantes que provêm do Magrebe (nomeadamente Argelinos e Marroquinos) e do resto da África são os que estão mais agrupados. A evolução da distribuição destas populações no território, neutralizando as evoluções ligadas aos efectivos, mostra uma dispersão crescente dos europeus, nomeadamente dos espanhóis, e dos asiáticos, mas uma tendência a uma maior concentração nos turcos, nos Argelinos, nos Marroquinos e nos africanos com origem fora do Magrebe na década de 1990-1999. No conjunto, a presença das famílias imigradas não originárias de um país da União Europeia reforçou-se nas zonas camarárias onde já estão sobre-representados e progrediu nas câmaras limítrofes,

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acentuando o fenómeno de polarização desta população [Beaufils,2007]. A questão da intereligação entre as dimensões socioeconómicas e “etno-raciais” permanece difícil de deslindar. Aparece, de maneira geral, que os imigrantes estão mais agrupados que os franceses de nascimento, qualquer que seja a categoria social. Este fenómeno é imputável, pelo menos em parte, ao mais fraco efectivo dos imigrantes. Para além deste efeito de dimensão, os imigrantes revelam-se claramente mais concentrados que os Franceses de nascimento nas categorias as mais fracamente qualificadas: o pessoal de serviço directo aos particulares, os inactivos com menos de 60 anos, os trabalhadores não qualificados, empregados de comércio e os artesãos. Pelo contrário, os imigrantes das categorias mais qualificadas de quadros ou profissões liberais aparecem mais dispersos que os seus homólogos, o que, por contra-ponto, revela um mais forte agrupamento destas categorias “francesas de nascimento” no território de Ile de France. Estas diferenças mostram toda a ambiguidade da noção de concentração, que pode ser escolhida ou sofrida. Para os imigrantes menos qualificados, o acesso ao parque social, que é suposto melhorar as suas condições de alojamento a mais menor custo, traduz-se frequentemente, nos factos, por uma marginalização nos bairros de habitat social fracamente “atractivos”. Na falta disso, sobre-representados nos segmentos mais degradados do parque privado, localizados essencialmente nas zonas camarárias de subúrbio do norte e nordeste de Paris. Verifica-se bem, neste caso, uma sobre-concentração de imigrados no território, que vai para além da sua posição social e que resulta da localização do parque que lhes é acessível.

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Da herança do passado ao jogo do mercado A estrutura social do espaço de Ile de France não é nova. Esta resulta de uma combinação de incidências: as que resultam do desenvolvimento económico (a herança histórica da indústria, o recurso à imigração estrangeira, o crescimento do terciário, a mundialização…), as que resultam das políticas públicas (urbanas, de habitação, dos equipamentos, dos transportes, da formação, de redistribuição) e das decisões individuais. A oposição de classes, herdada da sociedade industrial, continua assim a estruturar o espaço, apesar da subida do sector terciário e do retrocesso dos empregos operários. De mesmo, as torres sobredimensionadas, construídas nos subúrbios nos anos 60 para acolher o salariado urbano, formam a armadura de uma parte dos bairros em dificuldades de hoje, da mesma maneira que os antigos bairros de habitat operário. Se a estruturação actual deve muito ao passado, as dinâmicas residenciais articulam-se hoje ao redor de três pólos em constante interacção: o mercado, as preferências dos actores, a intervenção pública. A toda poderosa lógica de do mercado imobiliário tende a dominar o conjunto. A exemplo da mundialização ela é cada vez sentida como “a mão invisível” sobre a qual nenhum controle é possível. A heterogeneidade dos grupos sociais, devido às escolhas individuais, ligados em parte às fases do ciclo de vida (as famílias com crianças não têm as mesmas preferências que os jovens adultos) e às condições de recursos, é em si suficiente para gerar zonas de habitat socialmente caracterizados, sem que possa ser evidenciá-las pela investigação ou o resultado de recusas de uma vizinhança social particular. Perante “a crise dos subúrbios ”, que aparece como o produto do funcionamento global da cidade, os investigadores tentam desmontar os

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processos comportamentais - procura de pertença a um grupo e isolamento dos outros - que se escondem por detrás da valorização dos espaços, e as suas interferências com as políticas públicas. A pertença de grupo como motor da segregação? A questão do motor comportamental da segregação é tema de debate em França. Para Éric Maurin [2004], a investigação generalizada de uma identificação ou pertença a um grupo está na base da criação das fracturas espaciais. Jacques Donzelot [2004] e Marie-Christine Jaillet [2004] consideram que as classes médias quem fogem da coabitação com os mais pobres estão no centro da marginilização dos territórios em dificuldades. Edmond Préteceille constata que são as classes superiores - dirigentes de empresa, profissões liberais, quadros de empresas - que tendem a estar agrupados. “A auto-segregação” dos ricos, que se manifesta por uma exclusividade acrescida dos bairros elegantes aparece como o motor mais estruturante da hierarquização das desigualdades urbanas. Esta forma o primeiro elo de uma cadeia de selecção residencial que se opera pelos preços dos terrenos e da construção. Os espaços valorizados pelos mais ricos associam qualidade do ambiente, do espaço urbano, dos equipamentos, nomeadamente dos estabelecimentos escolares, e um bom serviço pelos transportes. Afastam, pela lógica do mercado, a presença das classes mais modestas. De sítio a sítio desenha-se assim um mapa dos preços imobiliários, reflexo das capacidades financeiras das famílias residentes e da abertura dos territórios que lhes são acessíveis [Préteceille,2006].

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Os trabalhos de Michel Pinçon e Monique Pinçon-Charlot desde há muito tempo que têm mostrado a mobilização das classes mais ricas para defender os seus espaços, conservar o seu “habitus “, preservar-se de qualquer má aliança, através de diversas práticas de pertença comunitária para manter o outro afastado: rallyes, clubes e círculos fechados, mas também associações sob tutela da câmara para preservar o seu tipo de vida. A estas práticas de isolamento,acrescenta-se a recusa de câmaras muito ricas dos subúrbios de aceitarem a lei Solidariedade e Renovação Urbana (SRU) ou a escolha da manutenção de um status quo demográfico para preservar a tranquilidade dos residentes no espaço suburbano. Uma constatação não pode contudo ser perdida de vista: as classes médias - profissões intermédias e empregados, activos ou reformados - estão o mais uniformemente possível repartidas no território e a tendência é para uma maior dispersão, com excepção das profissões intermédias do sector privado. A manutenção do mix social entre as classes médias e classes populares não é, portanto, a panaceia. Acompanha-se de tensões, de movimentos contraditórios e de dificuldades que o aumento do desemprego tende a exacerbar. As estratégias de segregação escolar ilustram bem estas fricções. No entanto, estas estratégias estão longe de ser o privilégio das classes médias e a filtragem social desempenha um papel essencial no acesso “aos bons” estabelecimentos. “Só as famílias dispondo de rendimentos elevados podem habitar na proximidade dos melhores colégios e liceus, o que aparece tanto mais injusto no entender de outros pais quanto estas famílias podem assim acumular as vantagens da qualidade, da proximidade e do isolamento social. Beneficiam para além disso de uma espécie de prémio moral podendo

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publicamente afirmar que enviam os seus filhos para os estabelecimentos do bairro…” [Van Zanten, 2006]. Este tipo de estratégia alimenta a bomba da produção de mais de excelência, reforça as crispações sobre os desafios escolares e, de local em local, fazem a cama da exclusão. De acordo com Marco Oberti, a crispação escolar das classes médias é “sem dúvida, tanto se não mesmo mais, uma resposta às estratégias de compartimentação das classes superiores e ao medo da desqualificação social como é também uma estratégia deliberada de distanciação das classes populares”. Dos seus trabalhos sobre o Hauts-de-Seine resulta que apesar de uma oferta escolar de qualidade, ou mesmo de excelência, nas zonas camarárias mais favorecidas [Oberti, 2006], as classes superiores adoptam os comportamentos mais selectivos e têm mais recursos que as classes médias para a escolarização fora de sector. O parque social, parque e porto da pobreza? O parque HLM está fortemente sobre-representado na maior parte dos bairros em dificuldades da região. O que frequentemente faz rimar bem parque social e segregação urbana. A pobreza é no entanto o destino dos bairros de habitat social. Ela é também extremamente grave nos bairros antigos degradados de Paris e de proche couronne e em bairros mistos de subúrbio [Sagot,2006]. O empobrecimento do parque social, perceptível desde há trinta anos, resulta de uma longa história onde interagem as políticas públicas - a de imigração e da habitação - a subida do desemprego, as estratégias individuais, nomeadamente a vontade de tornar-se proprietário

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e, por fim, a lógica do mercado. A diferenciação social do espaço de Ile de France encontrou uma segundo fôlego nos anos 80 com a expansão da urbanização, a diversificação dos produtos oferecidos a aplicação de mecanismos de ajudas às pessoas. Este contexto de fluidez do mercado imobiliário e de abertura das ofertas permitiu às classes médias terem acesso à propriedade e a um melhor habitat. Abandonaram em grande escala o parque social - que se reduziu progressivamente às famílias mais modestas - para irem povoar o novo habitat suburbano. Este desejo de acesso foi um elemento determinante para o enfraquecimento da coabitação entre classes médias e populares no parque social. Na maior parte dos outros espaços não marcados pelos grandes conjuntos, este mix é e continua a ser forte. O povoamento do parque social varia sensivelmente de acordo com os espaços, em função do contexto urbano e das políticas de atribuição. O leque dos perfis dos ocupantes continua a ser aberto: das classes médias e modestas das câmaras do subúrbio ocidental às categorias mais atingidas pela pobreza, o desemprego, nos grandes conjuntos dos anos 70 onde intervem a Agência nacional de renovação urbana. O parque HLM não acolhe toda a “miséria mundo”. Representa 22,5% dos alojamentos sde Ile de France e aloja um pouco mais de 35% das famílias pobres. Estas também estão também presentes nos HLM como no parque privado de aluguer privado. As famílias imigradas representam em média 22,5% dos ocupantes. Estes repartem-se em partes iguais entre a propriedade, a habitação alugada privado e a habitação social de aluguer, com contudo diferenças segundo as origens. Assim, 49% dos imigrantes vindos de um país da Europa são proprietários enquanto 38% dos que provêm de um país não europeu são locatários de um HLM.[Beaufils,2007].

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As políticas públicas face às tensões desiguais: que margem de acção? Encaminhamo-nos inexoravelmente para uma fragmentação social dos territórios metropolitanos ? As políticas públicas têm elas a dimensão suficiente para se contraporem às tensões geradas pelos mecanismos de desigualdade ? O aumento da incerteza sobre o futuro exacerbou os sentimentos de desigualdades sociais. Desde há vinte anos que as desigualdades parecem no entanto ter evoluído pouco ao seio de 90% das famílias, mas a diferença entre situações extremas - a precariedade dos sem domicílio, os SDF, até ao disparar dos muitíssimo elevados rendimentos - ampliou-se fortemente. Tem-se recentemente assistido à uma explosão muito rendimentos muitíssimo elevados, que tem a ver ao mesmo tempo com o forte crescimento dos rendimentos de património, muito desigualmente repartido, mas também, e é um facto novo em França, e com um rápido aumento das disparidades dos salários. “A França quebra assim com vinte e cinco anos de grande estabilidade na hierarquia dos salários” constata Camille Landais [Landais, 2007]. Permanecendo ao mesmo tempo um país bem mais igualitário que os países anglo-saxões ao olharmos para a distribuição dos rendimentos primários, a França encaminha-se, parece, para aquele modelo. Esta transformação reenvia ao forte desenvolvimento dos mercados financeiros. A distribuição capital-trabalho torna-se cada vez menos favorável aos rendimentos de actividade, enquanto os rendimentos dos capitais móveis, e nomeadamente os dividendos, que são repartidos de forma muitíssimo desigual, têm progredido muito rapidamente e estão a aprofundar cada vez as diferenças na repartição do

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rendimento. O crescimento dos rendimentos muito elevados é uma forte tendência estrutural, independente da evolução das mais-valias (imobiliárias ou no mercado de títulos). É provável, aliás, que as transferências intergeracionais de património acentuem também as desigualdades no futuro. O desafio das desigualdades territoriais tem extremamente a fazer com a habitação que permanece um domínio privilegiado da família. As possibilidades de apoio à família desempenham um papel muito forte sobre as condições e o nível de vida das famílias. Pagamento de caução, ajudas financeiras múltiplas para o aluguer ou para a aquisição, apoio no caso de adversidade, doações são tantas manifestações da solidariedade familiar. Num mundo de percursos profissionais e matrimoniais mais incertos, não ter família torna-se um insucesso. A estes apoios activos acrescentam-se os efeitos das transmissões de património. A progressão da propriedade observada desde há quarenta anos vai- se traduzir por fortes desigualdades nas transmissões, que vão amplificar as disparidades sociais nos anos próximos. Catherine Bonvalet [2008] sublinha, aliás, que a intensificação a concorrência nos espaços centrais, onde as práticas de dupla residência, a procura internacional, as rupturas de união, a instalação de jovens vêm fazer pressão sobre um mercado tenso, marcado pelo retrocesso do pequenos alojamentos de tipo Lei 1948 ou quartos de criada. As desigualdades familiares pesam assim cada vez na colocação dos actores no mercado do imobiliário, na sua capacidade de escolhas e na sua localização. Qual a margem de jogo de que dispõem as políticas públicas para evitar os fenómenos de marginalização ? Num contexto onde o forte crescimento urbano da região já está atrás de nós, a acção sobre a estrutura, por uma melhor dispersão do parque HLM, corre o risco de continuar a ser marginal, a não ser que

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haja um forte investimentos sobre o parque social. No estado actual, as construções equilibram dificilmente as demolições decididas no âmbito da lei SRU. Quanto à obrigação de construir 20% de alojamentos sociais nas câmaras com mais de 1.500 habitantes da aglomeração parisiense, choca-se fortes resistências e também ao preço elevado dos terrenos nas zonas camarárias de melhores níveis de vida. Uma outra opção é intervir a montante sobre a redistribuição dos rendimentos através dos impostos e prestações sociais. O imposto sobre o rendimento continua a ser o instrumento mais redistributivo na França, mas não permite de reduzir as desigualdades de rendimentos que passaram a 30,7% em 2006 contra 36,9% em 1996 [Amar, Laïb, Marical, Mirouse, 2007]. Em 2006, como em 1996, as prestações contribuem mais para a redução das desigualdades que os impostos sobre os rendimentos: as prestações familiares pesaram aí cerca de 28,2%, as ajudas à habitação 16,1% e os mínimos sociais de 13,4%. A tendência actual é contudo para uma nítida diminuição do nível da fiscalidade dos rendimentos e do património a favor dos elevados rendimentos. As prestações, pelo contrário, evoluíram pouco desde há dez anos. O seu ligeiro aumento tem contudo beneficiado os mais modestos. Na falta de contraposição radical à organização social do território, as políticas que visam fazer mais por aqueles que têm menos, e o desenvolvimento local que se expressa em termos de rendimentos, de emprego, de formação e melhorias urbanas são igualmente alavancas susceptíveis de parar os processos de margainalização. Qualquer intervenção local não pode contudo conceber-se sem uma abordagem global solidária, implicando vários actores e de diferentes escalões.

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Referências Bibliográficas Amar, Élise; Laïb, Nadine; Marical, François; Mirouse, Benoît, “1996-2006: dix ans d’évolution du système socio-fiscal” dans France, portrait social, édition 2007, Insee Références, novembre 2007. Beaufils, Sandrine, Les ménages immigrés franciliens et leurs conditions de logement, Iaurif, 2007. Bonvalet, Catherine, “Le rôle de la famille dans les inégalités d’accès au logement”, présentation au colloque “Le rôle du logement dans la reproduction des inégalités sociales”, Lille, 24 janvier 2008. Donzelot, Jacques, “La ville à trois vitesses: relégation, périurbanisation, gentrification”, Esprit, n° 303, mars-avril 2004. Faburel, Guillaume; Gueymard SAndrine, “Vécu environnemental et qualité de vie en région Île-de-France”, rapport intermédiaire, Puca-Medd, janvier 2007. François, Jean-Christophe; Mathian Hélène; Ribardière Antonine; Saint-Julien, Thérèse, Les disparités des revenus des ménages franciliens en 1999, approches intercommunale et infracommunale et évolution des différenciations intercommunales 1990-1999, Dreif, 2003. Jaillet, Marie-Christine, “L’espace périurbain: un univers pour les classes moyennes”, Esprit, n° 303, mars-avril 2004. Landais, Camille, Les hauts revenus en France (1998-2006), une explosion des inégalités, École d’économie de Paris, 2007. Maurin, Éric, Le ghetto français. Enquête sur le séparatisme social, Paris, Le Seuil, 2004. Oberti, Marco, “La différenciation sociale et scolaires de l’espace urbain”, dans L’épreuve des inégalités, sous la direction de Hugues Lagrange, Puf, 2006.

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Pinçon, Michel; Pinçon-Charlot, Monique, Les ghettos du gotha, Seuil, 2007. Préteceille, Edmond, dans “Ségrégation urbaine et politiques publiques en Europe”, Supplément Habitat des Cahiers de l’Iaurif, numéro hors série, avril 2007, p. 34-37. Préteceille, Edmond, “La ségrégation contre la cohésion sociale”, dans L’épreuve des inégalités sous la direction de Hugues Lagrange, p. 195-246, Puf, 2006. Préteceille, Edmond, La division sociale de l’espace francilien. Typologie socioprofessionnelle 1999 et transformation de l’espace résidentiel 1990-1999, Paris, OSC, 2003. Rhein, Catherine, “Le paysage social en Île-de-France”, dans Atlas des Franciliens, tome 3, Population et modes de vie, Insee-Iaurif, 2002. Sagot, Mariette, “Les territoires de pauvreté en Île-de-France. État des lieux”, Note rapide, n° 407, Iaurif, 2006. Sagot, Mariette, “Les territoires de pauvreté en Île-de-France. Typologie des territoires”, Note rapide, n° 408, Iaurif, 2006. Van Zanten, Agnès, “Les choix scolaires dans la banlieue parisienne: défection, prise de parole et évitement de la mixité” dans L’épreuve des inégalités, sous la direction de Hugues Lagrange, Puf, 2006. Mariette Sagot, “L’Ile-de-France à l’épreuve des inégalités et de la ségrégation”, IAU Ile-de-France, n.º 148, Setembro, 2008.

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PARTE IV. A EROSÃO DO ESTADOP PROVIDÊNCIA VISTA ATRAVÉS DO SECTOR DA HABITAÇÃO Fundação Abbé Pierre Introdução Dar conta das dificuldades encontradas por muitas famílias para aceder a um alojamento - ou simplesmente para nele se manterem - é paradoxalmente um exercício difícil no período da crise económica que atravessamos. Embora estas dificuldades sejam exacerbados no contexto actual, a sua resolução não parece estar na ordem do dia; como se a evolução favorável recente de certos índices económicos e os frágeis sinais de retoma que se manifestam fossem mecanicamente reduzir os efeitos da crise do alojamento ao mesmo tempo que as dificuldades do sector imobiliário. Numerosos são os responsáveis políticos, incluindo ao nível mais elevado do Estado, que tendem a minorar os seus efeitos, enquanto a crise do alojamento é bem anterior à crise financeira e seguidamente económica que submergiu o mundo a partir do Verão de 2008; enquanto nem as suas manifestações nem as suas causas foram até agora tratadas. O Conselho de Estado nota de resto num recente relatório7 que “nunca desde há dois séculos, a sociedade francesa conseguiu alojar todos os seus membros em condições inteiramente satisfatórias”.

                                                            7 Conseil d’État, « Droit au logement, droit du logement », Rapport public 2009, La Documentation française, Paris, 2009.

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Com a atenuação da crise económica que se deu no fim do ano de 2009, é a crise do alojamento que parece esquecida, como se a retoma do crescimento a fosse automaticamente resolver. Esquecida a insuficiência crónica da construção em relação às necessidades sociais (excepto para os anos de 2006 e 2007) que criou tensões nos mercados imobiliários e prejudicou em primeiro lugar as famílias mais modestas. Esquecido o desfasamento entre as características da oferta imobiliária e as capacidades financeiras das famílias que provoca temíveis efeitos incluindo para os que pertencem às camadas médias. Esquecidos os sofrimentos daqueles que são obrigados a residir em alojamentos de fraca qualidade ou em bairros degradados, esquecidos aqueles para quem a perspectiva de acesso à propriedade continua a ser uma miragem. Estão, no entanto, vivas também para os 4,5 milhões de habitantes dos bairros sensíveis que residem em territórios à parte na nossa República, territórios estes marcados pela pobreza, pelo desemprego e pelo insucesso escolar8. Estes esquecimentos traduzem de facto uma redução na importância que assume o problema social que representa a habitação enquanto as manifestações do mau alojamento afundam muitíssimas famílias num profundo mal-estar e são frequentemente fontes de sofrimentos silenciosos. Enquanto o alojamento deveria ser um domínio de exercício do voluntarismo político para permitir a cada um de imaginar um                                                             8 O relatório do Observatório Nacional das Zonas Urbanas Sensíveis (Observatoire national des zones urbaines sensibles), tornado público a 30 de Novembro de 2009, sublinha nomeadamente que a pobreza atinge uma pessoa em cada três nestes bairros (12% a nível nacional), que o desemprego provoca fortes estragos (16,9% em média mas 41,7% para os jovens homens de 15 para 24 anos) e que a escola não chega a restaurar a igualdade de oportunidades.

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futuro e “uma vida sem medo numa sociedade tranquila” para utilizar a expressão de Éric Maurin9. Com a crise económica, tudo se passa como se a acção pública fosse mais sensível aos problemas dos agentes do imobiliário que aos milhões de famílias confrontadas com dificuldades para encontrar um alojamento, e às vezes apenas um tecto, ou para fazer face a despesas de alojamento que aumentam mais rapidamente que o rendimento de que dispõem. Se as medidas tomadas para apoiar a actividade da construção são legítimas, não será que para manter um aparelho de produção capaz de produzir 450.000 ou 500.000 alojamentos por ano de que a França tem necessidade, tal abordagem económica não pode ser suficiente se esta não integrar uma dimensão social. Os objectivos de luta contra as exclusões e o reforço da coesão social que tinham irrigado e tinham orientado a política do alojamento nos anos 1990, e ainda parcialmente nestes últimos anos, parecem hoje abandonados. Como prova, o fim do Plano de Coesão Social e o abandono dos seus objectivos plurianuais de construção, enquanto a procura de alojamento social continua a estar a um nível elevado e que os imperativos da aplicação do direito de moradia oponível ao Estado justificariam o seu prolongamento. A partir de agora, a fixação do volume de construção de arrendamento social inscreve-se numa simples perspectiva anual e depende das arbitragens orçamentais. Há aí, incontestavelmente, um desfasamento entre o carácter estrutural e perene da crise do alojamento e a forma como ela é (mal) tratada. À ausência de tomada em consideração do desafio que representa o alojamento acrescenta-se uma falta de ambição

                                                            9 Éric Maurin, La peur du déclassement - une sociologie des récessions, La République des idées, Le Seuil, 2009.

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política e um tratamento segmentado de um problema no entanto essencial. A acreditar nos responsáveis políticos, seria suficiente apoiar a construção, ainda que ela não responda às necessidades sociais, para que toda a gente aí encontre finalmente o que quer, um alojamento à sua medida. Como seria suficiente concentrar os meios de produção de uma oferta social no território aos mercados do imobiliário, tensos, para tratar a crise do imobiliário, onde ela aparece mais aguda. Finalmente, para os nossos governantes, tudo se passa como se as medidas pontuais relativas essencialmente à construção nova e - à margem - ao reordenamento do sector da habitação, fossem de natureza a resolver as dificuldades que aparecem neste campo. Deste ponto de vista, enfrentar a questão da habitação com uma simples Secretaria de Estado, enquanto era desde 2004 (e geralmente desde há uns cinquenta anos) uma responsabilidade ministerial de plena função, constitui uma fonte de apreensão. Como a constitui também a cegueira que consiste em apoiar a construção, mesmo quando esta não responde às necessidades sociais, como é o caso do dispositivo “Scellier”, que contribui para o desenvolvimento de uma oferta de casas privadas para arrendar a valor inacessível às famílias modestas. Os bairros em dificuldade não estão em melhores condições e a Secretaria de Estado responsável pela política da Cidade não chega a promover uma só acção à altura das dificuldades que encontram aqueles que aí vivem. A segurança aparece frequentemente como a única abordagem proposta pelos responsáveis políticos que esquecem o papel do emprego, dos transportes e do alojamento. A subestimação do problema que representa o alojamento e a crença nas virtudes do mercado para favorecer o ajustamento entre a oferta e a procura de alojamento tem conduzido a uma política

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minimalista neste domínio… enquanto sobre outros temas, a crise económica suscitou uma renovação de voluntarismo político e de intervenção do Estado. Os índices económicos mais favoráveis relativos ao crescimento não nos dão um ar de Primavera no domínio da habitação. Muito longe disso. A crise económica gerada pela desregulação do sistema financeiro ainda não acabou de produzir os seus efeitos sociais. Fragiliza os muito numerosos assalariados, faz cair muitos deles na precariedade, torna ainda mais vulneráveis os que já se encontravam nesta situação e priva de perspectiva os que são excluídos do mundo do trabalho, correndo o risco de até poderem perder a própria casa. Se a crise económica não apaga a crise da habitação − e pelo contrário a reforça − é porque atinge um corpo doente, uma sociedade confrontada desde há muitos anos com uma situação particularmente grave, que a Fundação Abbée Pierre qualificou de uma crise do alojamento “sem precedentes”. Não é por conseguinte de surpreender que esta crise contribua para o seu aprofundamento. Este aprofundamento é particularmente manifesto quando o acesso ao alojamento continua a ser um exercício difícil ou mesmo impossível para muitas numerosas famílias, e quando os que a ela acedem não ficam seguros de aí poderem continuar a viver. Isto constitui uma insegurança social essencial e às vezes uma infracção à dignidade das pessoas. É neste sentido que a habitação constitui um problema social incontornável, um problema de sociedade que não é tido em conta pelos responsáveis políticos à altura do desafio que representa. Apanhada entre uma tenaz, entre uma abordagem económica de curto prazo no apoio do mercado imobiliário e uma outra abordagem, a do desenvolvimento sustentável que se inscreve no longo prazo, na duração, a política da habitação parece

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relativamente insensível à questão social, para não dizer que a eliminou ou a reduziu à questão do alojamento. Enquanto há urgência e que a questão da habitação aparece como um desafio central para a sociedade francesa. Se assim é, é porque perduram graves desequilíbrios no funcionamento dos mercados imobiliários e que a garantia que a posse de um tecto concede ou a ocupação duradoura de um alojamento decente está longe de ser assegurada hoje. Enquanto se esperaria da política do alojamento que corrigisse as desigualdades, ela esquece que o funcionamento do sector da habitação as agrava frequentemente. Tudo se passa como se o imperativo de regulação que parece impor-se em certos domínios da actividade económica não tivesse pertinência no sector da habitação, enquanto a dimensão da crise, que sublinha, ano após ano, os relatórios da Fundação sobre o mau estado da habitação apela a uma intervenção política ambiciosa e douradora para poder reduzir seus efeitos. I. A habitação, cadinho das desigualdades: um grave problema social Quando a crise económica agrava os efeitos da crise da habitação A crise económica, de que nem todas as suas consequências sociais são ainda visíveis, reaviva uma crise do alojamento que lhe é bem anterior. Ela acentua os seus efeitos prejudiciais para milhões de famílias e não apenas para as mais modestas. Três dimensões essenciais da crise do alojamento se encontram assim reforçadas no período actual e deveriam mais do que nunca chamar a atenção dos responsáveis políticos. O

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défice de oferta de habitações acessíveis ainda se acentuou mais no período recente e torna cada vez mais difícil o acesso à habitação, não somente das populações mais modestas, mas também das famílias que pertencem às categorias intermediárias e às camadas médias. A segunda dimensão da crise da habitação que igualmente se aprofundou reside na ausência de garantia perante o futuro que deveria dar a posse de uma casa. Doravante, a perspectiva de nela permanecer ou de poder sair para melhorar as suas condições de habitação ou a sua posição residencial já não é mais assegurada. Que ocorra uma perda de emprego, uma redução de recursos ou uma separação conjugal e é a perspectiva de perder a sua casa que imediatamente aparece. Assim, com a crise, aparecem riscos de cair na precariedade residencial para novas pessoas, para novas famílias. Uma solução de alojamento pode ser proposta a alguns, mas para a maior parte − e isto constitui um terceiro facto social essencial − é o deslize inegável para a zona de sombra que constituem as múltiplas formas de habitação precária ou indigna, da utilização de locais que não são destinados à habitação, ao habitat em casa de terceiros, passando mesmo por ocupações de casas, pelo recurso aos parques de campismo ou pela utilização de automóveis ou de camiões como domicílio. Finalmente, a crise económica que atravessamos contribui para reforçar a sensibilidade do alojamento à pobreza e à precariedade. Este reforço não é apenas momentâneo porque se inscreve com efeito num movimento mais profundo de transformação da relação ao trabalho e do questionar as seguranças que lhe estão ligadas. Neste sentido, a crise não pode ser analisada como algo de provisório à espera da retoma, mas como uma evolução do regime económico que

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nos governa10. Deixa de ser, por conseguinte, possível pensar a precariedade, como nós o temos feito durante anos, como um mau momento a passar antes de encontrar um emprego duradouro. A partir de agora, um número crescente de indivíduos instala-se na precariedade que se torna assim um estado permanente11. As desregulações do trabalho que contribuem para fragilizar as protecções que se tinham construído sobre o desenvolvimento do salariado afectam evidentemente o mundo do alojamento e perturba a relação das famílias com o seu alojamento. Dizê-lo sob uma forma representada por imagens, emprego e alojamento não constituem dois mundos separados e estanques; e o ascensor residencial não pode continuar a funcionar como modelo dominante quando o ascensor social está avariado ou mesmo se está a descer. Porque é necessário sublinhar o que é uma evidência para o jovem com um contacto a prazo que não pode apresentar garantias suficientes para adquirir uma casa, ou para aquele que face a uma redução dos seus recursos tem dificuldades em pagar a sua renda, ou para o trabalhador despedido obrigado a vender a sua casa? Porque nem a sociedade, nem os responsáveis da política do alojamento parecem convencidos, como se o alojamento podia continuar a constituir uma ilha de prosperidade quando a crise social se                                                             10 Para retomar as ideias de Robert Castel, “o centro da transformação situa-se em primeiro lugar ao nível da organização do trabalho e traduz-se numa degradação do estatuto profissional. A precariedade desenvolve-se primeiro dentro do emprego e vem implantar-se no desemprego de massa”. 11 Esta tendência tinha sido claramente evidenciada no relatório sobre o estado da habitação de 2006 que consagrava um capítulo ao alojamento dos jovens e mostrava que o que alguns apresentavam como uma passagem por estatutos precários não fazia senão prefigurar um estado que se mantinha duravelmente para as gerações entradas no mercado de trabalho depois de uma vintena de anos.

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alarga e se aprofunda. Não é evidentemente nada assim. Esta situação mede-se melhor quando, com a crise, a irregularidade e a fraqueza dos rendimentos de muito numerosas famílias se conjugam com a retracção da oferta imobiliária e com o aumento contínuo do custo do alojamento para tornar o seu acesso ainda mais difícil e fragilizar aqueles que já têm uma casa. Mede-se também quando as lógicas em vigor na sociedade levam a rejeitar do mundo do trabalho um número sucessivamente crescente de pessoas, sem mesmo estar a conferir-lhes as protecções ligadas ao estatuto de desempregado quando chegam em fim de direito à indemnização. E, num movimento de simetria desconcertante, estas mesmas lógicas contribuem para o rejeitar de alojamento pelos que não têm os meios para a ele aceder, sem que para tanto o sector limitado da habitação os possa acolher. Com o risco de reencontrar nas formas de não-alojamento que a Fundação Abbé Pierre denunciou nos seus precedentes relatórios e pôs no centro da sua campanha de interpelação do inverno 2009-2010.

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O acesso ao alojamento, um exercício cada vez mais arriscado para milhões de famílias A opinião das famílias em relação ao alojamento aparece pelo menos contrastada. Cada vez melhor alojados12, manifestam um sentimento de satisfação relativamente elevado no que diz respeito às suas condições de habitabilidade, mas sentem ao mesmo tempo cada vez mais dificuldades na sua procura para se instalarem ou para mudar de domicílio. Este desfasamento tinha sido destacado pela Fundação Abbé Pierre, a partir de meados dos anos 2000, através de uma sondagem de opinião aos Franceses sobre a situação do alojamento13. Se as famílias estão no seu conjunto satisfeitas (ou bastante satisfeita,s perto de 90%) com suas condições de alojamento, contudo, estas dão sinais de um sentimento muito forte de degradação da situação. Duas em cada três famílias (67% exactamente) davam sinais de que elas ou os seus filhos tinham dificuldades para aceder a uma habitação ou para fazer face aos encargos de reembolso de um empréstimo ou ao pagamento de uma renda. Eram também numerosos a pensar que se tivessem que

                                                            12 Entre 1970 e 2006, a área disponível por pessoa quase duplicou (de 22 m² a 40 m²) e no mesmo período, a parte dos alojamentos incómodos no parque de residências principais passou de 48,6% para 1,3%. Mas esta estimativa do conforto a partir do equipamento sanitário da habitação é insuficiente, como nos mostram os resultados do inquérito de 2006 sobre as condições de vida que indicam que 11,6% das famílias acham que o seu alojamento é húmido e 20,2% ruidoso. 13 A pedido da Fundação Abbé Pierre, o instituto de sondagem TNS Sofres efectuou, em Novembro de 2003, um inquérito sobre a percepção pelas famílias francesas aos problemas ligados ao alojamento. Foram interrogadas 1.000 famílias representativas da população tanto sobre a sua situação pessoal e a do seu ambiente como que sobre as modalidades de aplicação das políticas públicas em matéria de habitação.

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procurar um alojamento, não acederiam a um alojamento da mesma qualidade que aquele que ocupavam. Estas apreciações continuam a ser actuais como o mostra o inquérito realizado a pedido de Nexity14 no início do ano 2009: 80% dos Franceses consideram que é hoje difícil encontrar uma casa, e, entre eles, 37% julgam o acesso à habitação “muito difícil”, com este último número a aumentar 11% em relação a Agosto de 2007. Tais resultados sugerem que as dificuldades emergem primeiro quando uma pessoa ou uma família procura um alojamento e encontra-se então confrontado com o mercado imobiliário e as suas regras particularmente selectivas. Esta situação refere-se anualmente a cerca de três milhões de famílias, quer de compra quer de aluguer, cujos destinos residenciais são evidentemente diferentes. Deve-se acrescentar 1,2 milhão de candidatos a casas sociais à espera de uma resposta, e as numerosas pessoas que vivem à espera de casa mas em situações precárias ou mesmo indignas (alojamento em estruturas ou em casas de terceiros, parques de campismo, formas desnaturadas de habitabilidade) sem estar a poder ter acesso e mesmo sem estar a fazer o pedido. No total, procurar aceder a uma habitação constitui uma experiência largamente partilhada que se efectua em condições difíceis tendo em conta o desfasamento entre, por um lado, as características da oferta imobiliária, uma oferta muito largamente dirigida pelo mercado (é o caso para cerca de 80% dos alojamentos), e, por outro lado, as especificidades de uma procura que está em larga parte fragilizada pelas evoluções económicas e sociais. Esta fragilidade de massa com efeito é de facto levada a perdurar − ou mesmo a agravar-se − dado que o nível de

                                                            14 Inquérito Nexity TNS Sofres: “Les Français, le logement et la crise de l’immobilier”, Janeiro de 2009.

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actividade se deteriorou, e permanecerá fraco, acentuará a dimensão e a duração do desemprego. Mesmo quando o emprego conhece uma melhoria, (mas alguns prevêem uma retoma “sem empregos15”), será geralmente a um nível de qualidade inferior à sua situação anterior, dado que ela corre o risco de assentar sobre empregos ainda mais precários e menos remuneradores. A crise acentua a precariedade e limita a progressão dos rendimentos das famílias modestos Com o aumento do desemprego e com o desenvolvimento da precariedade, o modelo de progresso social que prevalecia ainda nos anos 70 é posto em dura prova. Este modelo, fundado sobre o salariado, articulava-se em redor de um conjunto de dispositivos que asseguravam a redistribuição dos ganhos de produtividade no quadro de mecanismos de negociação colectiva (os acordos de ramo) assim como um nível elevado de protecção social (sistema de reforma, protecção na doença, mínimos sociais, subsídios de desemprego ou de alojamento…). Apesar das suas insuficiências, nomeadamente para os jovens, permitiu a progressão do poder de compra de uma grande parte da população e diminuição das diferenças de rendimentos. E hoje dá-se conta da sua capacidade de amortecer os efeitos da crise. Mas, o processo de redução das desigualdades e aproximação dos níveis de vida16 dos diferentes meios sociais foi bloqueado                                                             15 É nomeadamente o caso do FMI. 16 O nível de vida é igual ao rendimento disponível das famílias (os rendimentos de actividade e do património mais as prestações sociais,

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desde os anos 90 e as diferenças permanecem relativamente estáveis desde esta data. Certamente, o nível de vida das pessoas mais modestas (os 10% que têm mais o mais fraco nível de vida) tem aumentado mais rapidamente que o das outras categorias entre 1996 e 2007, mas esta evolução não contribuiu para uma aproximação significativa dos níveis de vida entre os mais ricos e os mais pobres. Em 2003, 20% das famílias mais ricas dispunham de 40% do rendimento disponível, enquanto a parte do rendimento recebida pelo 20% de menores rendimentos não passava dos 8%17. Os mais ricos têm assim um nível de vida (50 030 €) em média cinco vezes mais elevado que o dos mais pobres (10 080 €), constituído em metade por prestações. Esta disparidade refere-se também à estrutura das despesas de consumo. As famílias mais modestas têm dificuldade em cobrir as suas despesas de consumo corrente (alimentação, alojamento, transportes…) e não dispõem de capacidade de poupança, o que para eles torna improvável a possibilidade de aceder à propriedade. Pelo contrário, os 20% das famílias mais ricas libertam 80% da poupança total das famílias. Nível de vida: uma redução ilusória das desigualdades Os dados gerais relativos às desigualdades não têm em conta os rendimentos de património maioritariamente detidos pelas

                                                                                                                             menos os impostos) dividido pelo número de unidades de consumo das famílias (1 UC para o primeiro adulto da família, de 0,5 UC para as outras pessoas de 14 anos ou mais, e de 0,3 UC para as crianças com menos de 14 anos). 17 “Les inégalités entre ménages dans les comptes nationaux”, Insee Première, n°1265, Novembro de 2009.

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categorias mais abastadas: se estes forem integrados, observa-se que as pessoas mais pobres (primeiro decil dos rendimentos) têm 22 € a mais (+3%) enquanto os mais ricos (último decil) têm 283 € (+9.8%18) a mais. Além disso, a tradução destes números em valor absoluto (em euros) põe claramente à luz o aprofundar das desigualdades: enquanto os mais pobres ganharam 1.360 euros a mais entre 1997 e 2007, os 5% mais ricos ganharam 4.900 euros suplementares! O desvio de nível de vida por conseguinte aprofundou-se de 3.500 euros em dez anos. Fonte: Observatório das desigualdades. Na parte inferior da escala, a pobreza monetária − que estava orientada para a baixa até em 2004 − progride desde então. A taxa de pobreza, que corresponde à proporção de pessoas cujo nível de vida é inferior a um limiar19 fixado em 908 € para

                                                            18 INSEE- CNIS, 2003. 19 De acordo com a abordagem europeia, a pobreza consiste num desvio em relação ao nível de vida mediano (nível de vida tal que metade da população ganha mais, a outra metade menos) e define-se como a impossibilidade de aceder “aos modos de vida correntes numa sociedade”, por conseguinte de atingir uma norma social que depende do nível de vida da sociedade como um todo. Ao nível da União Europeia, o limiar de pobreza é fixado desde 2000 em 60% do rendimento mediano. Esta posição difere da dos Estados Unidos para medir a pobreza na qual se inspira o Alto Comissariado para as Solidariedades Activas para seguir o objectivo de redução da pobreza fixado pelo Presidente da República. Este cálculo consiste em reavaliar o limiar de pobreza de um ano para o outro em função da evolução do custo da vida e não em função da evolução do nível de vida mediano. Esta mudança de modo de cálculo não é neutra dado que leva a não ter em conta os desvios para com o resto da população “desde que os pobres não vejam o seu nível de vida degradar-se e possam continuar a viver” (Alternatives Économiques, n°286, Dezembro de 2009).

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uma pessoa sozinha em 200720, era de 13,4%, o que representa 8 milhões de pessoas pobres na França. Não há nenhuma necessidade, por conseguinte, de nos surpreendermos ao constatar que centenas de milhares de famílias estão em dificuldades para pagar o seu aluguer, não podem aquecer o seu alojamento de maneira conveniente, que quase 10 milhões renunciam a sair de casa para férias por falta de dinheiro. Enquanto na parte superior da escala, os rendimentos e os níveis vida disparam em alta. Estas evoluções que se aceleraram nos períodos recentes inscrevem-se evidentemente em temporalidades de longo prazo. Nota-se assim que a progressão do poder de compra dos salários líquidos foi muito modesta durante os 25 últimos anos (0,8% em média por ano apenas). Este resultado tem causas múltiplas: desenvolvimento da precariedade do emprego (ínterim, contratos a prazo, tempo parcial imposto…), perda dos empregos qualificados na indústria, multiplicação de postos pouco ou não qualificados nos serviços… Esta modéstia da evolução salarial foi afectada fortemente pela crise económica da qual certos efeitos são imediatamente perceptíveis. Enquanto o salário médio por indivíduo no sector comercial não agrícola tinha progredido em termos reais (tendo-se em conta a inflação) de 1,5% em 2007, esta evolução inverteu-se em 2008 (-0,1%) e a contracção deverá ainda ser mais nítida em 2009 (-0,3%) devido à diminuição dos prémios e às horas suplementares21. Estes dados médios escondem aliás uma situação particularmente dramática dos dois milhões de trabalhadores pobres (ou seja, quatro milhões de pessoas contando as

                                                            20 Mas o nível de vida médio das pessoas pobres que era de 743 € em 2007 situava-se claramente abaixo deste limiar. 21 Cf. artigo do jornal Le Monde de 18 de Julho de 2009 “Salaires : quand il n’y a plus de grain à moudre”.

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crianças a cargo). Em 2006, um assalariado em cada dez no sector concorrencial recebia menos de 710 € líquidos por mês. O baixo valor do seu salário tem essencialmente a ver com a insuficiência do tempo trabalhado porque ocupam empregos a tempo parcial ou alternam contratos de curta duração e períodos de desemprego pouco ou não subsidiados. Estas mesmas causas, subemprego e tempo parcial, têm efeitos particularmente pesados para os empregados e trabalhadores não qualificados que representam um assalariado em cada cinco. Têm um nível de vida inferior de um quarto à média dos assalariados22 e 13% deles vivem abaixo do limiar de pobreza, duas vezes mais que a média dos assalariados. A situação é particularmente dramática quando se trata de mulheres a viverem sozinhas ou mães solteiras dado que um quarto delas são pobres (quando elas são empregadas ou operárias não qualificadas). Não nos devemos pois espantar pela existência de uma parte crescente das famílias monoparentais a requerem habitações sociais, HLM, e nos recursos apresentados junto das comissões de mediação encarregadas de aplicar o Direito de moradia oponível ao Estado. Alguns números inquietantes sobre a linha do emprego O número de desempregados passou de 3 milhões para 3,6 milhões entre Junho de 2008 e Junho de 2009, ou seja uma progressão de 571.900 (+18.7%). O aumento é de 42% para os rapazes com menos de 25 anos, vítimas nomeadamente da

                                                            22 “Les employés et ouvriers non qualifiés, un niveau de vie inférieur d’un quart à la moyenne des salariés”, Insee Première, n°1250, Julho de 2009.

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interrupção de numerosos contratos de trabalho temporário23. O número de desempregados que não são subsidiados, nem pelo seguro de desemprego nem pelo regime de solidariedade, aumentou sensivelmente de modo igual: +7,8% no primeiro trimestre de 2009 e +9,6% ao longo de um ano24. Certas previsões referem que 1 milhão de desempregados em 2010 ficarão sem direito a subsídio de desemprego. Evolução do número de beneficiários do RMI: Na sequência da deterioração do mercado trabalho desde meados de 2008, o número de beneficiários do RMI, que tinha continuado a descer até ao fim 2008, começa a aumentar no início 2009 (+1% em três meses). Em 31 de Março de 2009, na França metropolitana e nos DOM, 1,13 milhões de lares recebem o RMI. Evolução do emprego precário25: a taxa de precariedade passou de 11,4% em 2004 para 12,4% em 2007 (era de 8,7% em 1990). Em 2008, 13% dos assalariados ocupam um emprego precário (trabalho a termo fixo, trabalho temporário, contratos com apoios financeiros, estágios), ou seja mais de 2,8 milhões de assalariados. Sobre um fundo de desemprego maciço que atinge mais de um activo em cada dez, a grande maioria dos assalariados - a que correspondem os oito primeiros decis da escala dos rendimentos - vai ter que suportar uma austeridade persistente. Se os mais baixos rendimentos tinham sido poupados

                                                            23 Fonte: Pôle emploi, France métropolitaine, chômeurs de catégories ABC. 24 Estudos e resultados n° 693, “Le nombre d’allocataires du RMI au 31 mars 2009”, Junho de 2009. 25 Fonte: Insee, enquête Emploi 2007.

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relativamente até uma data recente pelos efeitos do aumento daquilo que o salário mínimo regularmente beneficiou26, agora já não é da mesma maneira desde 2007; e a progressão das remunerações mais modestas também deixou de estar assegurada. Na outra extremidade da escala, só os assalariados mais bem pagos viram as suas remunerações progredir, sobretudo os 1% mais bem pagos, que viram os seus salários evoluir de forma acelerada desde há uma quinzena de anos27. Esta evolução à maneira anglo-saxónica é recente e pode explicar o reforço do sentimento “de desqualificação” que sentem as camadas médias das quais os salários se afastam cada vez mais das muito elevadas remunerações e têm o sentimento de se encontrarem próximas das camadas de baixos salários. As políticas de redistribuição tinham, até meados dos anos 90, permitido travar a progressão das desigualdades e os trabalhos dos economistas tinham sublinhado nomeadamente o papel a este respeito da progressividade do imposto sobre o rendimento. Este papel foi em parte destruído pela instauração de um escudo fiscal (bouclier fiscal) limitando a contribuição dos mais elevados rendimentos no esforço de solidariedade nacional. Este dispositivo colocou assim os mais ricos ao abrigo do aumento de futuros contribuições obrigatórias e reforça as desigualdades sociais no seio da sociedade francesa. Esta subida das desigualdades tem necessariamente um impacto em matéria de alojamento e contribui para o

                                                            26 Em seis anos, de 1999 para 2005, o poder de compra do Smic aumentou 15%. A sua progressão é bloqueada desde 2007 aquando da sua revalorização anual por ficar separado da evolução do SMIC. 27 Em média, os proprietários das empresas do CAC 40 receberam em 2007 4,7 milhões de euros ou seja o equivalente a 308 anos de SMIC.

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desenvolvimento das dificuldades que sentem numerosas famílias para aceder a um alojamento ou simplesmente para se manterem naquele em que vivem. A porta estreita do alojamento Enquanto a situação económica das famílias se degrada, as condições de acesso à habitação endurecem-se e a porta que permite aceder a aquisição de casa para morar revela-se mesmo muito estreita. Esta situação tem a ver em primeiro lugar com a contracção da oferta imobiliária, que emana da construção nova ou do parque existente. A crise do sistema bancário e do sector imobiliário com efeito provocou um nítido retrocesso da construção agravando o défice global de casas que se tem aprofundado desde há vinte e cinco anos. Enquanto nos anos de 2006 e 2007 se tinha reencontrado um nível de construção que sensivelmente permitia responder às necessidades consideradas, com respectivamente 421.000 e 435.000 alojamentos postos em construção, a recaída registada em 2008 (368.000) é ainda tanto mais grave quanto ela se prolongou em 2009. O economista Michel Mouillart considera assim que “a insuficiência de construção deveria representar no mínimo 150.000 alojamentos só para os anos 2008 e 2009” levando o défice global que se aprofundou desde há um quarto de século para mais de 900.000 alojamentos. A baixa dos inícios de obras avaliada em 20% num ano no fim do mês de Agosto de 2009 e a baixa dos pedidos de licenças de construção (-18%) prevêem uma diminuição nas entregas de casas durante os dois próximos anos. A contracção da oferta imobiliária atinge igualmente o parque existente, que constitui a principal base de alojamentos

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oferecidos, tanto para venda como para arrendamento. Se a redução do ritmo de aquisição de casas com o propósito de nelas viverem tem a ver com o endurecimento das condições de crédito e com a fragilidade das famílias modestas, candidatas ao acesso à propriedade, esta situação resulta também das incertezas que levam vendedores e compradores potenciais a diferir os seus projectos à espera de uma melhor conjuntura ou muito simplesmente de uma melhor visibilidade do seu futuro. É assim que o nível das aquisições de alojamentos que regularmente tinha aumentado até 2006 e 2007 para se situar em mais de 800.000 transacções caiu para cerca de 500.000 unidades em 2009. Para além desta situação conjuntural, a solução que representa o acesso à propriedade defronta-se com uma dificuldade estrutural que exacerba o projecto “fazer da França um país de proprietários”. A propriedade já está largamente desenvolvida nas categorias sociais mais idosas e mais abastadas e o seu desenvolvimento passa por um aumento do número de proprietários entre as famílias jovens e as famílias modestas. 72,1% das famílias francesas com mais de 65 anos possuem com efeito a sua habitação, contra 12,6% nos menos de 30 anos. Para aceder à propriedade, os novos compradores devem endividar-se sobre períodos cada vez mais longos (18 anos em média em 2009, contra 14 anos em 2001) e consagrar uma parte crescente dos seus rendimentos à realização deste projecto (eram necessário 3 a 3,5 anos de rendimentos para comprar o seu alojamento em 1996, é necessário agora entre 5 e 6 anos de rendimentos, dependendo das regiões). A equação é pois difícil de resolver e sabe-se para onde conduziu o desenvolvimento descontrolado da propriedade nas categorias mais modestas nos Estados Unidos. O responsável por um

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organismo financeiro28 considerava recentemente que um milhão de famílias que se tornaram proprietários entre 2004 e 2008 serão fragilizados em casos de perda de emprego ou de ruptura familiar pela reversão do mercado e pelo alongamento da duração dos empréstimos, e submetidos assim e em certa medida a “[[uma]] dupla penalização: desemprego e desvalorização do património”. Para uma família à procura de um alojamento, a única solução reside frequentemente no sector privado de arrendamento. É certamente a única que permite habitação rapidamente, mesmo que nem sempre seja em boas condições de conforto e de preços. Cerca de metade das pessoas que mudaram de habitação entre 2002 e 2006, depois de uma separação ou de partida do domicílio parental, entraram numa habitação de aluguer privado, o que confirma assim a sua função tradicional de acolhimento29. De facto, os seis milhões de casas de aluguer que constituem este parque permite libertar uma oferta consequente anualmente30, devido à mobilidade existente das famílias. Mas a mobilidade dos arrendatários do parque privado está em baixa desde há dois anos. O mesmo sentimento de expectativa que manifestam os proprietários atinge também os arrendatários o que leva a deferirem os seus projectos de mudança. Consequentemente, o número de alojamentos postos no mercado de aluguer privado passou de cerca de 2 milhões para 1,5 milhão durante os dois últimos                                                             28 Marie-Christine Caffet, directora do desenvolvimento de Crédit Mutuel, Le Monde, 10 de Setembro de 2009. 29 Esta percentagem é estável desde o fim dos anos 1980 e oscila entre 49% e 50% nos ENL, 1992,1996,2002 e 2006. 30 A construção de novos alojamentos locativos mesmo quando é apoiada fortemente por mecanismos de estímulo fiscal permite construir entre 60.000 e 80.000 por ano contribuindo de forma fraca para aumentar a oferta neste segmento do mercado imobiliário.

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anos. A oferta de aluguer privada disponível anualmente diminuiu assim de 500.000 alojamentos, e a contracção atinge sobretudo o alojamento familiar, dado que os estudantes que solicitam muito este sector imobiliário continuaram a movimentar-se. O sector privado de aluguer sobretudo quando se trata de grandes habitações, tornou-se quase inexistente para as famílias num certo número de cidades universitárias. Confrontadas com uma rarefacção da oferta para aluguer, as famílias modestas devem também fazer face a níveis de aluguer particularmente elevados − mesmo se os últimos dados disponíveis manifestam globalmente uma muito ligeira diminuição dos alugueres de sub-locação. Primeira vez desde há numerosos anos (1998), os alugueres dos alojamentos propostos pelo sector privado reduziu-se de 0,8% em média na França31. Se a baixa é ténue, marca uma inversão da tendência registada nestes últimos anos32 (+2,4% em 2005, +2,1% em 2006, +de 2,1% em 2008). Mas esta não é geral: é efectiva em dois terços das cidades com mais de 60.000 habitantes33, os alugueres continuam a progredir nas outras34. E esta baixa aparece variável de acordo com a dimensão dos alojamentos: quase nula para os T0, de 1,9% para os T2 e de 2,4% para os

                                                            31 Fonte: Clameur a partir de uma análise dos arrendamentos concluídos entre Agosto de 2008 e Agosto de 2009. 32 Entre 1999 e 2008, os alugueres dos alojamentos colocados no mercado de arrendamento postos em aluguer após a partida do arrendatário ou a produção nova progrediu de 40%, ou seja duas vezes mais rapidamente que os preços no consumidor que aumentaram de 19,4% sobre o período 33 E nomeadamente o caso de Toulouse (-0,4%), Paris (-0,5%), Montpellier (-1,2%), Marselha (-2,2%), Estrasburgo (-2,4%), Metz (-3,1%), Rennes (-3,7%), Bordéus (-4,2%), Cannes (-4,2%) ou ainda Aix-en-Provence (-6,1%). 34 É assim em Lyono (+0,7%), Lille (+1,1%), Nice (+1,5%), Nantes (+1,8%) ou Boulogne-Billancourt (+6,7%).

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T3. Esta inflexão recente não altera a tendência para o aumento registado pelos alugueres do sector privado. É apoiada fortemente pela mobilidade dado que cada mudança de habitação representa uma ocasião para aumentar os alugueres mais do que o que se pode fazer quando o arrendatário permanece na casa; a progressão dos alugueres é então enquadrada pela aplicação do índice de revisão dos alugueres (IRL). O efeito da mobilidade sobre o aumento dos alugueres é terrível como o mostra o quadro seguinte. A progressão dos alugueres sob o efeito da mobilidade Mudança de proprietário

1997

2000 depois de 3 anos

2003 depois de 6 anos

2006 depois de 9 anos

2009 depois de 12 anos

Aumento em 12

anos

Cada ano 100 112,7 136,9 165,3 198,0 98%

Todos os 3 anos

100 108,3 123,2 140,6 150,6 50,6%

Todos os 6 anos

100 103,4 117,6 129,4 138,6 38,6%

Todos os 12 anos

100 103,4 113,0 124,3 133,1 33,1%

À mudança de locatário, aplica-se a progressão das taxas médias de alugueres (Clamar), em curso de arrendamento, aplica-se o índice de referência dos arrendamentos (IRL). Os alugueres aumentam “naturalmente” 50% em 12 anos quando a duração de ocupação média é de três anos, mas aumentarão apenas 33% se o arrendatário não mudar de habitação no mesmo período. Inversamente, o aluguer aumenta 8% se a habitação muda de ocupante anualmente, o que pode ser o caso para pequenos alojamentos nomeadamente

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quando são alugados por estudantes. A diferença entre o nível dos alugueres dos alojamentos propostos para alugar e o nível das capacidades financeiras das famílias permanece considerável e conduz a que os arrendatários ou os gestores imobiliários façam frequentes entorses à regra em que se quer o montante do aluguer a não exceder um quarto, e muito frequentemente um terço do rendimento dos candidatos a uma habitação de aluguer. As derrogações são tais que um dispositivo como o da Garantia dos Riscos Locativos foi posto em prática pelos parceiros sociais e dirige-se precisamente a estes arrendatários cujas taxas de esforço se situam entre 30 e 50% do total dos seus recursos! Um alojamento nem sempre constitui uma protecção duradoura Aceder a um alojamento não garante aos que conseguiram ultrapassar esta etapa de poderem aí permanecer. Os riscos da vida, as rupturas familiares ou profissionais, a progressão limitada dos rendimentos relativamente ao custo do aluguer geram fragilidades que não têm a ver apenas com as famílias mais pobres, mas sim também com as categorias modestas ou mesmo das camadas médias. Isto representa uma mudança considerável em relação à situação que prevalecia até ao início dos anos 80, durante o período dos Trinta Gloriosos, quando a sociedade estava empenhada num processo contínuo de melhoria do seu poder de compra, estabilidade do emprego e de promoção social (“a sociedade tipo montgolfière” para

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retomar uma metáfora proposta por Alain Lipietz35) tinha a perspectiva de poder aceder ao alojamento e de melhorar progressivamente as suas condições de vida e a sua posição residencial. O alojamento social representava então uma etapa no percurso das jovens famílias e a perspectiva do acesso à propriedade era então largamente aberta. Evidentemente, a situação alterou-se e os percursos − quer sejam profissionais, quer sejam residenciais − já não apresentam mais a mesma linearidade que anteriormente. As rupturas e as bifurcações são mais numerosas e geram uma insegurança residencial nova. A progressão do custo do alojamento fragiliza as famílias O custo do alojamento pesa cada vez mais no orçamento das famílias de que constitui doravante o primeiro item de despesa. Trata-se de uma tendência marcante cujas últimas estatísticas disponíveis mostram que esta continua a verificar-se. O aumento do custo do alojamento conjugado com a fraqueza do poder de solvabilidade dado pelas ajudas pessoais ao alojamento (aliás, cada vez mais limitados ao parque de arrendamento36) contribui para aumentar o esforço financeiro consentido pelas famílias para se alojarem, torna-as mais sensíveis aos riscos da vida e não lhes garante uma segurança duradoura. Contudo, o peso da habitação no orçamento das famílias difere muito de acordo com o seu estatuto e as

                                                            35 Alain Lipietz, La société en sablier, le partage du travail contre la déchirure sociale, a Descoberta, Paris, 1996. 36 Em 2007, dos 5.975.000 beneficiários de uma ajuda pessoal ao alojamento, apenas 565.000 são os que acedem à propriedade (eram ainda 1 milhão no início dos anos 1990).

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evoluções do mercado imobiliário não os afectam a todos da mesma maneira. De acordo com as estatísticas de habitação, a despesa média assumida pelas famílias para a habitação passou de 7.890 € por ano em 2002 para 9.700 € em 2007, conhecendo assim um aumento de 23%, bem superior ao da evolução dos preços no consumidor durante o mesmo período.

Evolução do custo do alojamento

Despesa média em euros

2002 2007 variação

Sector de aluguer privado

6370 8400 +32%

Sector de aluguer social

5300 6200 +17%

Proprietários 9320 11600 +24,5% Conjunto 7890 9700 +23% Se os arrendatários do parque HLM foram menos atingidos que os outros por esta evolução, a diferença com os outros sectores imobiliários aprofundou-se, tornando-lhes mais difícil a saída para o sector privado de aluguer ou para o acesso à propriedade. Geralmente, os arrendatários sofrem quase todos aumentos de rendas − particularmente fortes, quando devem mudar de casa − mas, que não poupam os que permanecem na sua residência dado que, a parte das famílias que não sofre nenhum aumento, atinge um mínimo histórico em 2006 (3,3% e 5,1% em 200737). E quando sofrem um aumento, este

                                                            37 Esta proporção era superior a 25% até 2001 e 20% até 2003. A generalização dos aumentos de aluguer torna-se efectiva partir de 2004.

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geralmente não está relacionado com o índice de referência dos alugueres que deveria, no entanto, ser-lhes aplicado (34,3% das famílias em causa em 2007 contra 24,9% em referência à IRL)38. Se o aumento do custo do alojamento aparece relativamente controlado no sector de aluguer social (mas certos organismos procedem ainda a uma recuperação do período de congelamento dos alugueres em 2000 e 2001), este atinge uma população muito modesta39. O quarto mais pobre da população (a que dispõe de menos de 930 € por unidade de consumo) está com efeito sobre-representado, dado que 44% dos arrendatários pertencem a esta categoria em 2006 enquanto eram apenas 13% em 1973. São estas famílias de rendimentos mais fracos que aumentaram mais fortemente no parque HLM e que são as mais vulneráveis perante o aumento do custo do alojamento. Estas consagram em média 48% dos seus rendimentos para fazer face às suas despesas fixas ou quase (alojamento, água, gás, electricidade, despesas de seguro, de telefone…), enquanto representavam apenas 13% dos seus recursos no início dos anos 1960. Já consequentes no parque social, os aumentos dos alugueres prejudicam sobretudo os arrendatários do sector privado que são os mais numerosos (6,5 milhões de alojamentos em 2007 contra 5,1 milhões para o sector social como um todo). A situação é igualmente difícil para os novos que acedem pela primeira vez à propriedade de uma casa, dado que desde o início dos anos 2000, os preços de aquisição de alojamentos aumentaram muito mais rapidamente que o rendimento

                                                            38 A evolução dos alugueres a longo prazo, dispositivos de revalorização, Contas do Alojamento provisório 2007. 39 Le taux d’effort réel des locataires Hlm, relatório do Conseil Social au Congrès de l’Union Sociale pour l’Habitat, Toulouse, Setembro de 2009.

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disponível das famílias (duas vezes mais rapidamente para as construções novas entre 2000 e 2008, três vezes mais rapidamente para as construções antigas) 40. Todas estas evoluções, relativas, tanto para os arrendatários, como para os novos que acedem à propriedade, contribuíram para o aumento do peso da despesa da habitação no orçamento das famílias. Este aumento está evidentemente ligado à progressão das despesas de reembolso de empréstimo e alugueres, mas é também afectado pelo aumento muito rápido das despesas ligadas à ocupação de uma casa. Estas últimas estão muito fortemente indexadas sobre o preço da energia dado que o peso das despesas de aquecimento representa cerca de 40%. Entre 2001 e 2007, as despesas com os encargos aumentaram de perto de 19%, enquanto no mesmo período os preços no consumidor aumentaram de 12,3% e o subsídio por ajudas pessoais aumentou apenas de 2.8%.41 Os fracos rendimentos das famílias conjugados com uma má qualidade térmica das habitações e a explosão dos custos com energia, conduziram nestes últimos anos ao aumento das situações de mau-alojamento, relacionadas com a “precariedade energética”. Esta manifesta-se nas famílias por dificuldades de ordem financeira (situações de não pagamento, endividamento progressivo, cortes de energia) que alguns procuram evitar através das práticas de auto-restrição ou de privação de aquecimento (para limitar o seu custo) A precariedade energética não deixa de ter consequências sobre

                                                            40 Enquanto os alugueres de mercado do sector privado aumentavam sensivelmente ao mesmo ritmo (respectivamente 46% e 40% durante o mesmo período). Mas estes têm progredido duas vezes mais rapidamente que os preços no consumidor (40% contra 19,4%). 41 Les comptes du logement provisoires 2007.

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as pessoas (desenvolvimento de doenças respiratórias, elevada taxa de mortalidade no Inverno…), mas também sobre a sua vida social (isolamento social), e contribui para além disso para reforçar a degradação dos alojamentos (humidade nomeadamente). A partir dos resultados do Inquérito ao Alojamento de 2006, o Anah identifica 3.400.000 famílias atingidas pela precariedade energética, ou seja, 13% das famílias de França (cuja taxa de esforço energética42 é superior a 10% enquanto é de 5,5% em média). A precariedade energética atinge principalmente as famílias modestas (70% pertencem ao primeiro quartil de nível de vida), as pessoas idosas (55% das famílias atingidas são idosos de mais de 60 anos) e as famílias que habitam os alojamentos do parque privado (que correspondem a 87% das famílias atingidas pela precariedade energética). Sabendo que, para se ter uma visão mais completa, é necessário ter-se também em conta as práticas de restrição ou de privação de aquecimento: o mesmo inquérito do INSEE identifica aproximadamente 300.000 famílias em que a taxa de esforço energética é inferior a 10% − por conseguinte, não tidos em conta nos valores acima − mas, que limitaram o seu consumo e declaram ter sofrido do frio por razões financeiras. Um outro factor essencial do aumento do custo do alojamento para as famílias reside na perda de eficácia das ajudas pessoais ao alojamento. Por um lado, porque dirigem-se a famílias cada vez mais modestas: em 1977, um casal com duas crianças era elegível para beneficiar do APL (ajudas pessoais ao alojamento) para um rendimento inferior a quatro vez o SMIC. Hoje, para esta família, o limiar de exclusão do APL é inferior

                                                            42 As taxas de esforço energético são calculadas relacionando a despesa total em energia com o rendimento total da família.

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a dois SMIC. Para uma pessoa sozinha, passou de 2,4 SMIC para um 1,07 em 2008. A outra razão que explica a perda de eficácia das ajudas pessoais ao alojamento reside na diferença entre os alugueres reais pagados pelos arrendatários e os alugueres tidos em conta para o cálculo das ajudas pessoais ao alojamento. O desvio acumulado de 1991 para 2004 entre o aluguer máximo ou de tecto e o índice dos alugueres INSEE ascende, de acordo com o Tribunal de Contas, a mais de 23%. Sobre o conjunto do parque de aluguer, a parte das ajudas ao alojamento no conjunto das ajudas − cujo aluguer real excede o aluguer tecto − passou de 58% 2001 para 72% em 2007. Esta proporção é de 45% no parque HLM nomeadamente devido à distorção entre a tipologia do parque e as características das famílias nele habitadas43. Não é por conseguinte surpreendente constatar que em França, como na maior parte dos países da Europa, o alojamento constitui hoje o principal item no consumo das famílias. Estas consagram mais de um quarto dos seus recursos para as despesas ligadas à habitação (26% em 2006 contra 14% em 1988). Nem sempre foi assim dado que há vinte e cinco anos, a alimentação como item de despesa estava à cabeça. Se esta mudança reflecte, por vezes, evoluções positivas (melhoria da qualidade do alojamento) está longe de ser anódina porque tem por efeito aumentar a parte das despesas fixas das famílias e de exacerbar assim as tensões sobre o seu poder de compra. Esta evolução é sentida duramente pelas famílias dado que a proporção dos que consideram que o alojamento é uma pesada carga passou de 34% em 1978 para 52% trinta anos depois.

                                                            43 Recherche et prévisions, n°94, Dezembro 2008, citado pelo relatório do Conseil Social de l’USH.

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Não é por conseguinte surpreendente constatar que o sentimento do ter que impor restrições sobre certos itens do seu orçamento nunca foi tão extremo: refere-se a 69% da população em 2008, contra 52% trinta anos mais cedo. Tal percentagem chega para sublinhar que este constrangimento não é o privilégio das categorias mais modestas, mas que se refere incontestavelmente também às camadas médias no seu conjunto. Estar alojado nem sempre protege as famílias mais modestas O custo do alojamento não representa somente uma pesada carga para as famílias, mas constitui também uma fonte de insegurança dado que, com o aumento das despesas obrigatórias ou fixas que gera, reduz as margens de manobra de que dispõem as famílias quando são confrontados com rupturas nas suas vidas e com uma baixa dos seus recursos. A situação é de tal modo tensa que muitas famílias não são somente confrontadas com uma difícil arbitragem entre as suas despesas, mas encontram-se igualmente enfiadas num processo de dívida, cujo fim é, por vezes, trágico quando este se traduz por uma expulsão. Finalmente, perder o seu alojamento é uma perspectiva demasiado frequentemente partilhada quando os valores não pagos de aluguer ou das despesas progridem, quando o número de famílias em sobreendividamento aumenta, quando o encerramento de empresas projecta na incerteza muitos daqueles que tiveram acesso à compra de casa e que esta incerteza vem acrescentar à perda de um emprego, o risco de perder também a sua habitação.

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De facto, mesmo antes de a crise aparecer, numerosos arrendatários tiveram já dificuldades para pagar o seu aluguer ou os seus encargos com a habitação. Em 2006, eram 1,8 milhão de famílias a ter sido confrontadas com tal situação durante os dois anos precedentes (900.000 no parque HLM, ou seja, 20% dos arrendatários e 820.000 no parque privado, ou seja, 15% dos arrendatários). E 565.000 daqueles que tinham recentemente tido acesso à propriedade ou já proprietários encontravam dificuldades idênticas para reembolsar os seus empréstimos ou para pagar as suas despesas; 70.000 deles encontrando-se em situação de incumprimento44. Do mesmo modo, os últimos dados disponíveis relativos aos despejos de aluguer sublinham a sua inquietante progressão. Todos os indicadores que lhes dizem respeito estão com efeito em alta, quer se trate das decisões de justiça que determinam a expulsão (105.271 em 2008, +25% desde 2002), quer dos pedidos de intervenção pública (41.054 em 2008, +7,6% desde 2002) quer de expulsões efectivas com intervenção da força pública (11.294 em 2008, +50% desde 2002). A utilização mais regular da força pública pelos prefeitos corresponde indubitavelmente à vontade do Estado em reduzir a indemnização devida aos proprietários em casos de recusas (o montante destas indemnizações com efeito passou de 78 milhões de euros em 2005, para quase 30 em 2007). A crise faz sentir os seus efeitos no domínio do alojamento, mas estes ocorrem com certo desfasamento, o que levou em certa altura a minimizá-los. Deve-se, no entanto, recear que as manifestações recenseadas até agora não façam mais do que anunciar dificuldades ainda maiores nos próximos meses. É

                                                            44 Portrait social 2008, INSEE.

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pelo menos o que sugerem os observadores de terreno aos quais seria necessário dar um pouco mais de atenção porque são mais reactivos que as estatísticas oficiais. Sublinham eles que os proprietários e arrendatários têm dificuldade em regular os seus alugueres ou as despesas de condomínio a tempo e horas. Sem estar sempre a quantificar o fenómeno, os profissionais do imobiliário percebem-no. É assim que um organismo como o Service Public de la Ville de Paris que gere 110.000 alojamentos, registava, no fim do mês de Setembro de 2009, uma taxa de não pagamentos provisórios de 4%… com um aumento de 15% num ano45. A fragilização dos arrendatários não poupa o sector privado − como o mostra nomeadamente o estudo realizado pela Agência de Informação para o Alojamento em Paris junto das famílias que a consultam − dado que o aluguer representa em média 34% dos seus rendimentos e que 54% consideram o seu orçamento para alojamento “não aceitável”. O fenómeno está igualmente perceptível na província onde os arrendatários regulam os seus pagamentos com um desfasamento crescente. Estas dificuldades atingem também proprietários que atrasam o pagamento das despesas e põem assim, às vezes, em perigo a gestão de condomínios. Finalmente, muitas numerosas famílias confrontadas com uma estagnação do seu poder de compra − ou mesmo com uma diminuição dos seus rendimentos − já não consegue enfrentar as suas despesas, nomeadamente as que são relativas ao alojamento que continua a aumentar. A situação é ainda mais preocupante porque o nível de vida das famílias é muito flutuante. É assim que entre 2003 e 2005, um francês em cada três viu o seu nível de vida evoluir de 30% à alta ou à baixa e

                                                            45 Citado pelo Le Monde, do 14 de Outubro de 2009.

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neste último caso encontrou-se em grande dificuldade46. Sem contar que as despesas são relativamente fixas e geralmente em mensalidades e que os recursos são frequentemente mais aleatórios, o INSEE explicou que os rendimentos dos mais modestos têm dificuldade em cobrir as suas despesas em consumo e que para certas categorias (nomeadamente os jovens e as famílias monoparentais) são as ajudas financeiras recebidas da família que lhes permitem cobrir as suas despesas de consumo47. O risco de um agravamento da situação é ainda tanto mais preocupante, uma vez que com a crise, o sobre-endividamento das famílias explode, os pobres estão cada vez mais pobres e que as camadas médias estão mais fragilizadas. Ao longo dos nove primeiros meses do ano de 2009, o número de dossiers sobre sobre-endividamento apresentados junto do Banco da França aumentou de 17% em relação ao mesmo período de 2008 e a dívida média progrediu fortemente (+13,5%) para se situar em mais de 40.000 € por processo. Esta evolução é particularmente inquietante porque revela que os Franceses têm cada vez mais utilizado o recurso aos créditos renováveis para chegar ao fim do mês. As famílias mais frágeis não parecem, por conseguinte, estar em dificuldade devido a um recurso excessivo ou demasiado fácil ao crédito, mas sim porque são forçadas a uma mobilização desesperada de todas as formas de crédito a curto prazo. O aumento das despesas obrigatórias, na primeira linha das quais se situam as relativas

                                                            46 “Les inégalités entre ménages dans les comptes nationaux”, Insee Première, n°1266, Novembro de 2009. 47 “Les inégalités entre ménages dans les comptes nationaux”, Insee Première, n°1265, Novembro de 2009.

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à habitação, é um dos factores de explicação da degradação da sua situação48. Sobre um fundo de estagnação do poder de compra, do desenvolvimento do emprego precário, de desemprego maciço e da chegada ao fim de direitos de uma parte dos desempregados49, as associações de luta contra a exclusão manifestam uma apreensão crescente. Para além do aumento do número de solicitações, elas notam que novas populações vêm pedir uma ajuda: reformados, trabalhadores pobres, assalariados remunerados a ganhar pelo SMIC, jovens. Acrescentam-se às famílias monoparentais e aos precários que já a solicitavam. Um estudo realizado pela Cruz Vermelha francesa sobre uma quarentena de centros mostrou que mais de 40% das pessoas acolhidas vêm pedir uma ajuda para pagar as suas facturas de energia ou os seus alugueres. Os responsáveis das associações fazem todos a mesma constatação de um agravamento recente da situação que não se traduz nas estatísticas da pobreza: “O número de beneficiários dos bancos alimentares aumentou 16% num ano, e Restos du Coeur informam de um aumento de 13% para 15% do pedido de ajuda e as associações começam a encontrar dificuldades financeiras 50”.

                                                            48 Inquérito do Observatório dos créditos às famílias (OCM) da Federação Bancária Francesa apresentada por Michel Mouillart, Julho de 2009. 49 O que deveria ser o caso de um milhão entre eles em 2010. 50 Union Nationale Interfédérale des Oeuvres et des Organismes Privés Sanitaires et Sociaux (Uniopss), citado pelo Le Monde, de 4 de Dezembro de 2009.

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Entre albergar e alojar, um ponto cego: “a zona cinzenta” do alojamento Entre os que sentem as dificuldades para aceder a um alojamento − e aqueles que neles não podem permanecer porque os seus rendimentos não evoluem ao mesmo ritmo que o custo do alojamento − ou porque conhecem baixas consequentes, compreende-se que o sector do acolhimento seja fortemente solicitado. Este sector, que se tinha estruturado nos anos 1970 para responder a necessidades específicas (as pessoas que têm necessidade de uma ajuda para reencontrar a sua autonomia, os jovens, os trabalhadores migrantes…) e para fazer face perante às necessidades de acolhimento de emergência, conheceu um desenvolvimento rápido desde há uma quinzena de anos. Este é sempre de tal modo solicitado que apesar de seu crescimento, não consegue satisfazer os pedidos daqueles que se apresentam à porta de uma estrutura de acolhimento nomeadamente porque é difícil saírem da sua situação para aceder a um alojamento. Numerosas são as pessoas que não têm então outra escolha que não seja a de recorrer a soluções precárias e mesmo às vezes indignas: alojamento em casa de terceiros, habitat de fortuna, no parque de campismo de maneira permanente, ocupações indevidas, quando não é a rua. Constitui-se assim “um halo” em redor do acolhimento e do alojamento, como existe também “um halo” em torno do emprego, alguns − no entanto, com capacidade para trabalhar − nem estando no desemprego nem ao trabalho, como outros − que procuram arranjar alojamento − não estão nem numa estrutura de acolhimento, nem num alojamento. Uns como os outros correndo o risco então de não serem tidos

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em conta e de não poder aceder, nem a um emprego, nem a um alojamento. Apesar da extensão das suas capacidades de acolher, o sector do acolhimento encontra-se confrontado com necessidades que aumentaram consideravelmente enquanto eles se diversificavam. Este sector, aparece em certa medida alimentado “pela parte inferior”, por todos aqueles a quem as vicissitudes da vida fragilizam e cujo número aumenta neste período de crise. Mas, o sector de acolhimento é também solicitado “pela parte superior” devido ao carácter selectivo do acesso ao alojamento; os “reprovados do mercado imobiliário”, nomeadamente os assalariados mais ou menos precários e de fracos e instáveis recursos, vêm então solicitar as estruturas de alojamento. É certo, diversos planos ou leis − desde o plano de acção reforçado a favor dos sem-abrigo (Parsa) e da lei sobre o Direito de moradia oponível ao Estado em 2007, até à reformulação do dispositivo de alojamento e de acessos ao alojamento em 2009 − insistiram na necessidade de colocar na primeira linha “o alojamento primeiro” e de favorecer as saídas das estruturas para o alojamento. Mas tudo isto corre o risco de se traduzir no alongamento da duração da passagem pelo filtro que conduz ao alojamento enquanto a construção não estiver reorientada para a produção de uma oferta acessível. Deste ponto de vista, não haverá certamente contradição por parte dos responsáveis da política do alojamento ao afirmarem querer privilegiar o acesso ao alojamento das pessoas albergadas ao mesmo tempo que suprimem as obrigações de resultado em matéria de construção de habitações sociais que estavam inscritas no Plano de coesão social como na lei sobre Direito de moradia oponível ao Estado?

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Devido a não poder acolher dignamente todos aqueles que as rupturas fragilizam, a não poder dar a todos os albergados em estruturas as perspectivas de inserção e garantir-lhes por esta via o acesso a um alojamento autónomo, corre-se o risco de se rejeitar na sombra algumas centenas de milhares de pessoas em dificuldade para encontrar um alojamento ou apenas um tecto. Todos os que recorrem a um alojamento na casa de terceiros, são obrigados a viver em parques de campismo, a utilizar o seu automóvel ou o seu camião como domicílio, sobrevivem em casas ocupadas ou em formas de habitação precárias e indignas (habitações de fortuna, construções provisórias, bairros de lata…), recorrem a “soluções” por defeito que servem de válvula quando o alojamento em estrutura está saturado e quando as possibilidades de acesso a um alojamento são demasiado limitadas. Tais situações podem então desenvolver-se, nomeadamente neste período de crise em que muitas famílias tendem para a situação de precariedade, sem, no entanto, que isto seja suficientemente visível para suscitar a atenção dos responsáveis políticos. É por isso que a Fundação Abbé Pierre lançou a sua última campanha de alerta da opinião pública em Dezembro de 2009, sobre este tema “do não-alojamento”. Os trabalhos do INSEE sobre o emprego assim como os de Robert Castel relativos à evolução do trabalho e do desenvolvimento da precariedade51 convidam a dar mais atenção ao desenvolvimento de processos similares no mundo do alojamento. Numa publicação recente, o INSEE mostrou que 770.000 inactivos desejavam trabalhar sem, no entanto,                                                             51 Ver nomeadamente o capítulo “Au-delà du salariat ou en deçà de l’emploi ? L’institutionnalisation du précariat” na sua obra La montée des incertitudes, Limiar, 2009.

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serem considerados como desempregados na acepção da Organização Internacional do Trabalho, seja porque não procuravam trabalho imediatamente, seja porque não estavam imediatamente disponíveis para trabalhar. Estas pessoas formam assim “um halo” ao redor do desemprego52 e constituem um grupo heterogéneo e movente. Mais fundamental, a análise de Robert Castel parte da constatação de duas transformações decisivas no mundo do trabalho. Por um lado, a instalação de um desemprego de massa e além disso a existência incompressível de uma população que está fora do trabalho e, por outro lado, a precarização das relações de trabalho e a inflação de formas de emprego “atípicas” 53. É assim uma espécie de nebulosa que se desenvolveu desde os primeiros empregos ajudados ou subsidiados (TUC ou CES) e é caracterizada pelo estatuto precário das formas de empregos que abrange. A partir da análise desta evolução da relação para com o trabalho, Robert Castel sugere que apareceu “uma zona cinzenta” do emprego a que se deve a existência de um não emprego aparentemente incompressível e a institucionalização de formas de subemprego. Como existe “uma zona cinzenta” do emprego entre desemprego e emprego, existiria “uma zona cinzenta” do alojamento, uma parte invisível representada por todas as formas de habitação que a Fundação Abbé Pierre analisou e

                                                            52 Le « halo » autour du chômage : entre chômage BIT et inactivité, Insee Première, n°1260, Outubro de 2009. 53 Ainda que convenha que sejam definidos não somente em relação ao que é a forma estável do contrato de trabalho (o CDI) quando estas formas atípicas tendem a tornar-se nomeadamente a norma para aceder um emprego (70% dos novos contratos de trabalho).

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agrupou sob o termo “de Não-alojamento54”. A aproximação é evidente e pode ser frutuosa. Obriga a deslocar o olhar e a não concentrar as análises sobre as formas instituídas de resposta em termos de acolhimento e de alojamento. Mas a ter em conta as situações vividas para interpelar as políticas. Tanto quanto existe uma forte mobilidade das pessoas entre acolhimento e alojamento de um lado e as soluções que abrange a noção “de Não-alinhamento” de outro. O recurso ao acolhimento em terceiros, podendo, por exemplo, ser solicitado igualmente por uma pessoa na rua para estar a repousar alguns tempos, como por uma pessoa que espera entrar numa estrutura de acolhimento ou num alojamento, como por aquele que é obrigado a deixar o seu alojamento depois de uma ruptura. Observando as trajectórias daqueles que recorrem a estas diferentes formas de “não-alojamento”, apercebemo-nos que dispuseram muito frequentemente de um alojamento autónomo durante um período da sua vida, mas que não o puderam conservar. É tomando em conta esta “zona cinzenta” do alojamento, pondo em destaque a situação daqueles que a ele recorrem que se contribuirá para construir novas seguranças em matéria de alojamento para os que são os grandes esquecidos da acção pública que se apreende e protege somente quando estão num acolhimento ou num alojamento.

                                                            54 Ver nomeadamente sobre este ponto o capítulo 1 do relatório sobre o l’État du mal-logement en France 2007, “le non-logement : un déni de droit”.

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II. A habitação como reflexo e como gerador de novas desigualdades Numa sociedade onde as desigualdades de rendimentos, de consumo ou de património são profundas, a habitação apresenta-se evidentemente como o seu reflexo, se tivermos em conta as suas características, a sua localização ou o seu valor. Mas, se a habitação é o espelho, ela está também na origem de um crescimento das desigualdades, podendo estar na base de criação de novas desigualdades. É assim quando a subida contínua do custo da habitação afecta as famílias mais modestas que dispõem de fracas possibilidades de arbitragem entre despesas todas elas necessárias e que se encontram a viver com o restante, um resto de miséria, uma vez pagas as despesas fixas obrigatórias e indispensáveis. É igualmente assim quando se examina os destinos residenciais das famílias que não são todos polarizados no acesso à propriedade − o que se coloca como modelo − e aí conduziriam e seria profundamente injusto assentar a segurança face ao futuro sobre a posse de um património cujo valor é repartido muito desigualmente entre as diferentes categorias sociais. O custo do alojamento prejudica sobretudo às famílias mais modestas O aumento do custo do alojamento não tem somente um impacto na reafectação das despesas nos orçamentos familiares. Tem também consequências sobre a disparidade das condições de vida entre as famílias mais abastadas e as mais modestas. Introduz com efeito distorções de poder de compra, as mais pobres fazendo face a constrangimentos

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proporcionalmente mais importantes que aquelas que sofrem as famílias abastadas. O peso crescente do alojamento reduz em proporção a parte do rendimento passível de arbitragem, isto é, dos recursos de que se dispõe uma vez que se fez face às despesas obrigatórias e incontornáveis55. E no total, as famílias mais modestas sofrem não somente de um nível de vida mais fraco, mas dispõem ainda de menos liberdade nas suas arbitragens orçamentais. O aumento do custo do alojamento que temos estado a evocar anteriormente atinge evidentemente o conjunto das famílias desde há cerca de trinta de anos, mas pesa cada vez mais proporcionalmente no orçamento das pessoas de rendimentos modestos e intermédios. As despesas obrigatórias representavam apenas 21% do orçamento das classes médias inferiores em 1979, contra 38% hoje. A progressão foi muito menos acentuada nos elevados rendimentos (+7 pontos apenas), e mais viva, pelo contrário, nas categorias mais pobres, cujo esforço financeiro para fazer face às despesas fixas e incontornáveis duplicou em trinta anos (de 24% para 48%)56. Os trabalhos do Credoc permitem assim mostrar que se todas as famílias consagram em 2005 uma parte mais importante dos seus rendimentos que em 1979 para fazer face às suas despesas obrigatórias, que são essencialmente ligadas

                                                            55 As despesas fixas e incontornáveis são as despesas ligadas ao alojamento e à sua ocupação: alojamento, água, gás, electricidade, despesas de seguro, de telefone, despesas financeiras… As despesas incontornáveis representam as despesas consagradas à alimentação, o transporte, a saúde, à educação. O que resta do rendimento pode ser utilizado com despesas de vestuário, de equipamento doméstico, os lazeres, os feriados… e eventualmente poupar. 56 Les classes moyennes sous pression, Credoc, Consommation et modes de vie, de n°219, de Março de 2009.

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ao alojamento e à sua ocupação, a progressão foi ainda mais forte para quem dispõe de rendimentos mais fracos. Quer isto dizer que para às famílias mais modestas o aumento descontrolado da despesa de alojamento absorve uma boa parte dos rendimentos de transferência (ajudas e subsídios de carácter social) que constituem uma parte importante dos seus recursos e que são supostos corrigir as desigualdades sociais.

O crescimento das despesas fixas incontornáveis é inversamente

proporcional ao rendimento das famílias

Parte das despesas fixas nos recursos das famílias

1979 2005 Variação entre 1979 e 2005

Categorias pobres (decil 1 e 2) 24% 48% +24 pontos Categorias modestas (decis 2 e 3)

22% 46% +24 pontos

Classes médias inferiores (decis 4, 5 e 6)

21% 38% +17 pontos

Classes médias superiores (decis 7 e 8)

20% 32% +12 pontos

Classe abastada (decil 9) 19% 29% +10 pontos Rendimentos altos (decil 10) 20% 27% +7 pontos

Para uma pessoa que dispõe do rendimento mediano (ver o quadro abaixo), ou seja de 1.467 € de recursos mensais, líquidos de impostos, isso significa que lhes restarão 910 € depois de ter pago o aluguer, os encargos do alojamento, a água, o gás, a electricidade, o telefone e os seguros. Quando se acrescenta a estas despesas fixas e obrigatórias, as outras despesas, também elas incontornáveis (alimentação, transporte, educação, saúde), retiram-se 615 €, e então não restam mais do que 294 € para todas as outras despesas (lazeres, saídas, feriados, vestuário, equipamento…) e para

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tentar pôr um pouco de dinheiro de lado. As margens de manobra são, por conseguinte, muito estreitas. São-no mais ainda para os 10% mais pobres para os quais permanecem 80 € por mês uma vez deduzidas as despesas incontornáveis e obrigatórias. No outro extremo da hierarquia de rendimentos os 10% da população mais abastados dispõem de 1.474 € por mês depois de terem feito face a todas despesas fixas e incontornáveis, isto é, mais do que dispõe a metade da população para fazer face ao conjunto das suas despesas. Ou para dizê-lo diferentemente, o que resta para os mais ricos depois de ter feito face às suas despesas fixas e incontornáveis, representa mais que os recursos à disposição de metade do total das famílias para viver e fazer face ao conjunto das suas despesas.

Peso das despesas fixas e incontornáveis no orçamento das famílias

Orçamento dos

10% mais pobres

Orçamento mediano

Orçamento dos 10% mais ricos

Rendimentos 625 € 1 467 € 4 213 € Despesas

obrigatórias 300 € 557 € 1 137 €

Despesas incontornáveis

245 € 615 € 1 601 €

O que resta 80 € 294 € 1 474 €

A progressão do custo do alojamento tem por consequência o efeito de alargar as desigualdades sociais na sociedade francesa e de reforçar a desigual distribuição dos rendimentos.

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É o que mostra um artigo recente57 que sublinha que os países onde a distribuição dos rendimentos é mais igualitária (a Suécia e a Áustria, por exemplo) é menos afectada por estes problemas do que os países onde os recursos das famílias são fortemente polarizados (o Reino Unido, a Irlanda, a Itália ou Portugal). O custo do alojamento reencontra-se assim, mais que nunca, no meio da problemática das desigualdades. Se a relação entre os recursos das famílias mais ricas e mais pobres é em média de 6,7, esta relação passa para 18,4 quando se considera o que resta para as mesmas famílias depois do pagamento das suas despesas fixas e incontornáveis58. Numa quinzena de anos, entre 1992 e 2006, o peso do custo do alojamento sobrecarregou-se consideravelmente para as famílias mais modestas (aqueles que se encontram entre os 20% menos ricos), enquanto permanece relativamente estável para as famílias mais ricas (os que se encontram entre os 20% mais ricos). As taxas de esforço líquidas (que integram as despesas e têm em conta as ajudas ao alojamento) das famílias mais modestas progrediram assim de mais de 17 pontos para aqueles que acedem à propriedade e de mais de 16 pontos para os arrendatários do sector privado. Os que são arrendatários do sector HLM foram mais protegidos dos aumentos, mas a sua taxa de esforço tem progredido, apesar de tudo, de cerca de 6 pontos durante mesmo período.

                                                            57 Governar Bigot, “Le logement pèse de plus en plus dans le budget des ménages européens”, in Le coût du logement, Informations Sociales, n°155, Setembro-Outubro de 2009. 58 Desvios calculados da partir do quadro precedente “o peso das despesas fixas e incontornáveis sobre o orçamento das famílias”.

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Taxa de esforço líquida (despesas compreendidas e após ajudas ao alojamento) seguido o estatuto de ocupação dos alojamentos

Em% Acedendo à

aquisição de casa Arrendatários

Hlm Arrendatários sector privado

Quintil 1

Quintil 5

Quintil 1

Quintil 5

Quintil 1

Quintil 5

1992 32,6 17,9 23,8 12,9 31,9 19,1 2002 38,2 18,2 24,6 14,2 39,3 17,8 2006 50,0 20,7 29,6 15,7 48,2 19,0

Fonte : Tratamento aos Inquéritos à Habiação do INSEE feito por Jean-Claude Driant, da Fondation Abbé Pierre. O quadro seguinte mostra que as famílias suportam em 2006 taxas de esforço tanto mais elevadas quanto os seus rendimentos são fracos. São-no particularmente para os mais modestos que acedem à propriedade (taxas de esforço de 50%), mas são pouco numerosos59, bem como para os que, por falta de encontrar uma habitação no parque HLM, devem recorrer ao sector de aluguer livre (taxas de esforço de 48,2%). Os arrendatários do parque HLM suportam taxas de esforço menos elevadas do que aqueles que estão no sector privado, mas são ainda significativas para as famílias mais modestas (29,6%).

                                                            59 342.000 famílias que pertencem ao primeiro quintil acederam à propriedade entre 2003 e 2006, para um total de 5.140.000 que acede durante este período.

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Taxa de esforço líquida das famílias em 2000 de acordo com o estatuto de ocupação e o nível de vida

Quintil

1 Quintil

2 Quintil

3 Quintil

4 Quintil

5 Proprietários a acederem a casa

50,0 30,9 26,3 24,9 20,7

Arrendatários sector privado

48,2 33,3 29,0 24,6 19,0

Arrendatários 29,6 24,7 22,4 19,0 15,7 Uma maior justiça social consistiria em não prejudicar as famílias mais modestas procurando limitar a sua taxa de esforço ou velando pelo menos para que não seja superior ao das famílias que dispõem de rendimentos superiores. Mas esta abordagem não é suficiente se não se acompanha de uma reflexão sobre o que é que resta às famílias com rendimentos modestos para poderem viver e que deveria, apesar das dificuldades que isso representa, servir de indicador para orientar as políticas de produção de uma oferta nova ou de solvabilização das famílias. A desigualdade dos destinos residenciais Às dificuldades que encontram as famílias para aceder a uma habitação ou para nela se manterem, acrescentam-se agora as que derivam das perspectivas limitadas de mobilidade, para muitos deles. Não que as famílias mais modestas não mudem

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de casa − são pelo menos tão móveis como os outras60 − mas, porque a possibilidade de melhorar a sua situação residencial por ocasião de uma mudança de casa revela-se particularmente fraca. Tudo se passa para eles, como se à avaria do ascensor social, se sobrepunha agora a avaria do ascensor residencial. Vários indicadores, quer se trate da dimensão da procura de mutação ao interior do parque social ou da diferença de aluguer entre o sector HLM e o parque privado, traduzem e explicam esta mobilidade difícil que contribui para acentuar a especialização social das zonas urbanas sensíveis. O que está em causa, é o que se poderia chamar o destino residencial das famílias. Se a dimensão da mobilidade não for indexada sobre o seu nível rendimento (a idade é um factor mais determinante dado que 30% das famílias com menos de trinta anos mudaram de habitação anualmente e num período recente), este orienta as suas trajectórias que não assumem o mesmo caminho e não têm todos o mesmo destino. Procurando-se colocar em destaque esta desigualdade das perspectivas residenciais, reencontra-se aí, aplicada à habitação, uma das cinco recomendações principais da Comissão Stiglitz encarregada de colocar em causa o recurso demasiado exclusivo ao produto interno bruto para medir o progresso económico e social, que preconiza “colocar a tónica sobre a perspectiva das famílias”. Esta ideia da Comissão Stiglitz deveria também ser aplicável à habitação dado que permite revelar uma segmentação essencial que distingue as

                                                            60 Cerca de 7% das famílias que pertencem ao primeiro quintil da distribuição de rendimentos mudaram de alojamento cada ano entre 2003 e 2006, ou seja, tão frequentemente quanto os outros. Isto era menos verdade nos anos 1980 onde a mobilidade era indexada sobre o nível de rendimento e onde se era tanto mais móvel quanto se era rico.

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famílias que têm a capacidade (financeira) de escolher a sua casa o seu lugar de habitação daqueles que não o podem fazer e são levados a viver em formas de habitação desvalorizadas e em bairros depreciados. Uma análise rápida das mudanças de casa recentes (ou seja, de famílias que mudaram de casa nos quatro anos que precedem cada Inquérito sobre a habitação) mostra que o estatuto de ocupação é mais sensível ao nível vida em 2006 do que o era em 1984. Isto é particularmente visível para os proprietários: as famílias mais modestas são cada vez menos os proprietários das suas residências (de 47% em 1984 para 39% em 2006 para as famílias do primeiro quartil da distribuição dos rendimentos), acontecendo o contrário com as famílias mais ricas que são cada vez mais os seus proprietários (de 60% para 76% para os do último quartil). Não é, por conseguinte, surpreendente constatar que as famílias mais modestas são mais frequentemente arrendatárias do parque público ou privado, em 2006 do que o eram há vinte anos: 56% em 2006 contra 41% em 198461. De uma maneira geral, o parque de aluguer privado assumiu o primeiro lugar no acolhimento das famílias móveis, enquanto era o parque em ocupação de propriedade que desempenhava este papel há vinte anos62. Tudo isto reflecte em parte a transformação da estrutura da população pobre: ontem idoso, inactivo e a viver em meio rural e, por conseguinte, mais frequentemente proprietário do

                                                            61 De 16% para 28% no parque Hlm, de 18% para 23% no sector privado, de acordo com Maxime Chodorge, “La paupérisation des locataires Hlm en France depuis vingt ans”, Habitat et société, n°55, Setembro de 2009. 62 36,8% para o locativo privado contra 34,7% para a propriedade em 2006, enquanto estas percentagens eram respectivamente de 30,7% e 33,3% em 1984.

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seu alojamento, hoje jovem, activo e residindo na cidade, é mais frequentemente arrendatário. De facto, a mobilidade no parque HLM tem tendência a reduzir-se a longo prazo, o que reduz as suas capacidades de acolhimento. Enquanto mais de 11% de arrendatários HLM deixava anualmente o parque social nos anos 1980, agora estes não são mais do que 7,5% a fazê-lo anualmente desde 2002. O movimento é incontestável e explica-se nomeadamente pelo envelhecimento da população a habitar em HLM. A geração dos 50-64 anos com efeito nunca teve tanto peso no parque social e ocupa mais de um quarto dos alojamentos em 2006. A baixa da mobilidade corre o risco de resto de se acentuar com a estagnação do rendimento médio dos arrendatários HLM. A análise das famílias móveis sublinha assim que o nível de vida mediano das famílias a habitarem em HLM varia pouco (a rendimento constante) e estagna ao redor de 1.000 € (valor de 2006) desde há duas décadas. Este nível de vida é sensivelmente o das famílias que entraram no parque HLM desde 2002, como daqueles que aí permaneceram. Em contrapartida, o nível de vida das famílias que têm saído é muito claramente superior dado que se situa em 1.310 € em 2006 (ou seja, sensivelmente o nível de vida mediano do conjunto da população, que se situa em 1,380 €). Resulta um movimento de empobrecimento da população que habita em regime HLM63. As perspectivas residenciais não são certamente as mesmas, consoante se é rico ou pobre. A constatação não surpreende, mas o exame das trajectórias das famílias em função do seu                                                             63 Entre 1984 e 2006, o nível de vida mediano das famílias do parque social passou de 89% do nível de vida mediano do conjunto das famílias (970 € contra 1.100 €) para 73% (1 010 € contra 1.310 €).

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nível de rendimento indica desvios consideráveis. Entre 2003 e 2006, entre as famílias mais ricas (as que pertencem ao quinto quintil da distribuição dos rendimentos) que mudaram de alojamento, 6 em 10 tornaram-se proprietários do seu alojamento, enquanto esta perspectiva se refere a menos de uma família em dez de entre os 20% mais pobres. Estes tornaram-se arrendatários em mais de 7 vezes em 10, um pouco mais no sector privado (44%)64 que no parque social (30%). Destino residencial das famílias que têm alterado de alojamento

entre 2003 e 2006 Famílias que mudaram de residência

Propriétários

Arrendatários Hlm

Arrendatários mercado

livre

Outras

Total

As mais pobres

9

30

44

17

100

As mais ricas

60

28

6

100

60

Total das famílias

32

20

39

9

100

Esta diferenciação das trajectórias aprofundou-se regularmente no decorrer das duas últimas décadas como nos mostram os dois quadros seguintes. Nas famílias mais ricas que acediam à propriedade, 38% de entre elas fizeram-no quando mudavam de alojamento entre 1988 e 1992 enquanto o fizeram 60% de entre elas entre 2003 e 2006. Para as famílias mais modestas, quando são móveis é quase sempre para se tornarem

                                                            64 Esta percentagem reflecte também a parte importante dos estudantes na população pobre.

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arrendatários, mais frequentemente no sector privado (de 38% a 44% durante os vinte últimos anos) que no sector HLM (cerca de 30% ao longo de todo o mesmo período). Note-se que são eles que se reencontram o mais frequentemente sob outros estatutos que não os de proprietários e de arrendatários (subalugueres, arrendatários de casas mobiladas, alojados gratuitamente). Destino residencial das famílias mais pobres entre 1988 e 2006

Famílias que mudaram de residência (em%)

Proprietários

Arrend.

Hlm

Arrendatários mercado livre

Outros

Total

1988-1992 14 31 38 17 100 1993-1996 9 31 44 16 100 1999-2002 9 32 43 16 100 2003-2006 9 30 44 17 100

Destino residencial das famílias mais ricas entre 1988 e 2006

Famílias que mudaram de residência (em %).

Propriétários

Arrend. Hlm

Arrendatários mercado

livre

Outros

Total

1988-1992 38 11 42 9 100

1993-1996 45 9 40 6 100

1999-2002 52 7 37 4 100

2003-2006 60 6 28 6 100 O exame das trajectórias das famílias as mais ricas e as mais pobres entre 2003 e 2006 faz, de facto, surgir outras especificidades. Se considerarmos apenas as famílias que já

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estavam constituídas em 200365, constata-se que, enquanto as mais pobres mudam de alojamento, é geralmente para se manterem no mesmo segmento da oferta (28% destas famílias móveis permanecem no sector privado, e 16% no parque HLM). Os fluxos entre segmentos são relativamente limitados, os mais importantes referem-se às mobilidades no parque de aluguer. Os fluxos são três vezes mais importantes do sector privado de aluguer para o parque HLM (166.000 mobilidades neste sentido entre 2003 e 2006), que no outro sentido, no sentido inverso, (56.000 durante o mesmo período), reafirmando assim papel de acolhimento do parque social. Como são mais numerosos a reencontrar um estatuto de arrendatário depois de terem sido proprietários (86.000) do que a passarem do sector privado de aluguer para o regime de proprietários (73.000), estes dados são marcados com o selo de regressão do ponto de vista da hierarquia dos estatutos residenciais e constituem uma das características essenciais da mobilidade das famílias mais modestas. Para os mais ricos, as mobilidades organizam-se de um modo radicalmente diferente. São muito largamente polarizadas pela propriedade que constitui o destino primeiro “das famílias permanentes” (as que já estavam constituídas em 2003). É assim que 3 em cada 10 famílias ricas que mudam de casa passam do sector privado de aluguer para a situação de proprietário e se são já proprietários nessa qualidade permanecem quando mudam de casa. O outro fluxo importante refere-se à mobilidade dentro do sector privado de aluguer

                                                            65 Sem ter em conta as novas famílias que se formaram desde 2003, após a partida do domicílio parental ou uma separação, nomeadamente porque apresentam características específicas: são mais pobres que as famílias já constituídas e integram os estudantes que constituem uma população específica.

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(17%). As trajectórias das famílias mais ricas permitem-lhes por conseguinte geralmente melhorar o seu estatuto residencial ou pelo menos mantê-lo. Se os destinos residenciais são determinados pelo nível do rendimento das famílias, estes destinos têm igualmente uma dimensão geracional evidente. Como se sublinha nas Contas da Habitação, as gerações de famílias nascidas nos anos 1940, adquiriram maciçamente um alojamento na viragem dos anos 80, ou seja num momento favorável marcado por taxas de juro reais negativas, por aumentos importantes do poder de compra e por uma forte inflação que corrói rapidamente os reembolsos dos empréstimos. As gerações de famílias nascidas nos anos 50 participaram igualmente no desenvolvimento do acesso à propriedade nos anos 80. As gerações seguintes, nascidas a partirem dos anos 1960, devem em contrapartida suportar custos associados ao alojamento mais importantes que reduzem, na mesma proporção, as suas perspectivas de acesso à propriedade. Ainda que o número de proprietários tenha aumentado fortemente em cerca de trinta anos, a distribuição da propriedade reflecte sempre a estrutura das idades. É-se tanto mais proprietário quanto mais se é idoso mas − apesar de as medidas adoptadas para favorecer a difusão da propriedade − parece hoje mais difícil para as jovens gerações aceder à propriedade do que o foi para as gerações de ontem. O acesso à propriedade e a constituição de um património como fonte de novas desigualdades Ter uma casa não oferece necessariamente uma protecção duradoira e não permite garantir um futuro protegido para

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todas as famílias. Deste ponto de vista, não é a mesma coisa ser proprietário ou arrendatário. No primeiro caso, o custo de aquisição do bem imobiliário constitui não somente uma despesa de consumo para ter uma habitação, mas é igualmente uma colocação a permitir que se constitua um património. Em comparação, o aluguer é uma despesa sem contrapartida patrimonial. Sendo uma despesa ligada ao alojamento nos dois casos, é difícil colocá-las no mesmo plano. Como é igualmente difícil colocar todos os proprietários no mesmo plano tão desigual é o valor do seu património. De facto, pretender assentar principalmente a segurança perante o futuro na base da propriedade da sua habitação contribuiria inevitavelmente para o reforço das desigualdades. Um tal sistema acabaria, além do mais, por romper com a história da constituição da protecção social em França que se desenvolveu baseando-se no trabalho e assim livrou-se de um sistema onde a protecção perante as incertezas assentava, até se ter criado o sistema de segurança social em 1945, na posse da propriedade. Entre 1988 e 2006, a proporção de proprietários aumentou em França passando de 54% para 57%. Mas, este aumento abrange fortes disparidades em função dos níveis de vida. O acesso à propriedade − e, por aí, às seguranças de que seria portadora − é reservado cada vez mais às famílias mais ricas, enquanto as famílias mais modestas são cada vez mais arrendatárias66. Quase 6 famílias em cada 10 (56%) que pertencem ao 20% de famílias tendo o nível de vida mais baixo, eram arrendatárias em 2006, enquanto esta relação era somente de 4 em cada 10 em 1988. No sentido oposto, o peso dos arrendatários diminuiu do seio dos 20% das famílias que                                                             66 Gabrielle Fack, “L’évolution des inégalités entre ménages face aux dépenses de logement (1988-2006)”, in Le coût du logement, Informations sociales, n°155, Setembro-Outubro de 2009.

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têm o nível de vida mais elevado, passando de 37% para 28% entre estas duas mesmas datas. O movimento é oposto para os proprietários que não acedem a uma casa (ou seja os que acabaram de pagar a sua habitação), a sua proporção reduz-se para as mais modestas famílias (de 33% para 30% sobre o período considerado), mas aumenta para todas as outras classes vida com um aumento particularmente marcado para os mais ricos (de 28% para 48%). No que se refere ao acesso à propriedade, a percentagem de acesso está a baixar em todas as classes de nível de vida, mas cada vez menos à medida que o rendimento aumenta. Em cerca de quase vinte anos, as diferenças de estatutos de ocupação por conseguinte aprofundaram-se claramente. Esta evolução tem evidentemente consequências importantes para o peso das despesas de alojamento suportado pelas diferentes categorias de famílias, como o sublinhámos anteriormente. Também a propriedade quanto a protecção e a segurança que é suposto trazer para quem a adquire é importante, dado que o seu desenvolvimento desigual nas diferentes camadas sociais contribuiria para dela excluir uma parte sem cessar crescente de famílias mais modestas. Enquanto a proporção de proprietários (que acedem ou já a têm) progrediu de 65% para 76% para às famílias mais ricas, esta proporção diminuiu para as famílias mais modestas que passam de 47% para 37% entre 1988 e 2006. A diferença entre estas duas categorias aumentou consideravelmente passando de 18 para 39 pontos.

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Repartição da propriedade em função do nível de rendimento das famílias entre 1988 e 2006

em% Decis 1 e 2

Decis 3 e 4

Decis 5 e 6

Decis 7 e 8

Decis 9 e 10

Proprietários não acedendo à prop.

1988 2006

33 30

29 37

25 36

24 40

28 48

Proprietários acedendoà prop.

1988 2006

14 7

21 14

27 23

33 37

37 28

Total dos proprietários

1988 2006

47 37

50 51

52 59

57 77

65 76

O acesso à propriedade não pode ser considerado como uma segurança tanto quanto pesam sobre quem a adquire encargos de reembolso, nomeadamente em períodos em que as taxas de inflação são fracas. Se o fim do período de reembolso dos empréstimos permite aos proprietários libertarem-se de uma carga financeira, este final do período de empréstimo corre o risco de se dar cada vez mais tarde com o alongamento da duração dos empréstimos que atinge doravante quase vinte anos em média e é, às vezes, muito mais longo para as famílias mais modestas que não podem suportar despesas mensais de reembolso excessivas67. Sem estar a contar que dispositivos ou programas como o Pass-Foncier − que permitem dissociar o reembolso da construção do fundiário para alargar o perímetro de acesso à propriedade nas categorias modestas − contribuem para este alongamento do período de reembolso dos empréstimos, e diferem na mesma proporção o acesso à

                                                            67 Tanto quanto a idade média de acesso à propriedade é relativamente elevada e situa-se num poço mas de 37 anos. Este número relativamente estável nos últimos quinze anos (dados dos ENL 1996,2002 e 2006) sugere que uma parte dos que acedem à propriedade não termina de reembolsar os empréstimos contraídos para aceder à propriedade quando ocorrer a idade da reforma.

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segurança que é suposto trazer a propriedade a quem a adquire ou a tem. Note-se também, como já o sublinhámos num capítulo do relatório sobre o Estado de mau-alojamento em 200968, que o fim do período de reembolso não significa a ausência de qualquer encargo com o alojamento. Nomeadamente porque as despesas de manutenção de um alojamento, e as que podem gerar grandes obras, contribuem muitas vezes para pôr em dificuldade pessoas idosas que dispõem de recursos limitados. Estas despesas podem de facto oporem-se ao desejo que aquelas exprimem maciçamente de quererem envelhecer nas suas casas. Sem estar a falar sequer do facto de que numerosas famílias acedem à propriedade não nesta perspectiva, mas porque não têm às vezes outras escolhas. Quando não há mais do que uma família modesta em três a ser proprietária da sua habitação em 2006, enquanto há mais de 3 em cada quatro nas famílias ricas e que o valor dos patrimónios detidos por uns é completamente diferente do dos outros, será uma ilusão procurar que a segurança assente unicamente na propriedade da cada de habitação. Pensar assim será então contribuir para a promoção de um sistema de protecção particularmente não equitativo. O sector da habitação confrontado com grandes desafios O alargar da crise da habitação ligada à crise económica actual com o aprofundamento das desigualdades no domínio do

                                                            68 “Personnes âgées et logement : le retour de la précarité”, capítulo 1 do relatório 2009 l’État du mal-logement en France.

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alojamento coloca bem em evidência as dificuldades com que se confrontam hoje milhões de famílias. Quatro problemas aparecem assim com uma acuidade específica. Estes constituem um quadro muito sombrio da situação do mau-alojamento actual. Assiste-se inegavelmente um reforço das dificuldades de acesso à habitação que se alargam e referem-se não somente às famílias mais modestas, mas também às que são da competência das categorias intermédias e das camadas médias. Como mostràmos antes, as dificuldades devem estar ligadas à instabilidade e aos fracos níveis dos rendimentos do trabalho assim como à contracção da oferta de imobiliário. Se esta oferta tem, sem dúvida e em parte, um carácter conjuntural, a precariedade essa, reforçada pela crise económica actual − inscreve-se numa tendência de longo prazo e não deixou ainda de produzir efeitos devastadores na sociedade. Um segundo problema essencial reside no aumento contínuo do custo do alojamento que aparece como uma nova fonte de fragilização para muito numerosas famílias a quem amputa uma parte do poder de compra e, para as mais modestas de entre elas, contribui para anular os efeitos dos mecanismos de redistribuição dos quais beneficiam. Este peso crescente das despesas de alojamento no orçamento das famílias prejudica primeiramente as famílias de mais baixos rendimentos, dado que sobrecarrega fortemente as despesas fixas não contornáveis, e deixa-lhes uma fraca capacidade de arbitragem entra despesas todas elas tão indispensáveis umas como as outras. Neste sentido, o alojamento aparece não somente como factor de empobrecimento mas também como uma nova fonte de desigualdade. O terceiro problema que a crise económica actual reactiva e reforça, reside na constituição − à margem do albergar e do

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alojamento - “de uma zona cinzenta” constituída de soluções de habitat precário ou mesmo indigno nas quais centenas de milhares de pessoas são abandonadas ao seu triste destino, dado que a intervenção pública preocupa-se e protege primeiro aqueles que estão nos centro de acolhimento ou num alojamento. Por último, e é agora um problema que aparece com uma acuidade nova, começa-se a medir a profunda desigualdade dos destinos residenciais. Esta desigualdade traduz-se na divergência das trajectórias das famílias mais ricas e mais pobres, uma divergência que provoca um reforço das desigualdades ligadas ao estatuto residencial, uns são protegidos pela sua qualidade de proprietário, os outros conduzidos a permanecerem como arrendatários por vezes em bairros desvalorizados sem estar a poder encarar um futuro protegido e sem poder encarar também proteger-se dos riscos da vida. Estes problemas interdependentes não apareceram por azar e não têm nada a ver com as escolhas individuais das pessoas. Estes problemas resultam de uma insuficiente (para não dizer de uma ausência) de consideração − na esfera do alojamento − das evoluções que marcam a sociedade neste período em que a crise não é não somente conjuntural, mas aparece, para retomar a expressão de Daniel Cohen, como [[uma]]primeira crise da mundialização e que anuncia provavelmente outras69. Mede-se, de acordo com a listagem de problemas expostos, a ilusão − para não dizer a aberração − que consiste em considerar que o alojamento pode ignorar estas evoluções e

                                                            69 Daniel Cohen, professor de Ciências Económicas na École Normale Supérieure, entrevista ao jornal Le Monde, 8 de Dezembro de 2009.

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continuar a funcionar sobre mecanismos que foram forjados há mais de trinta anos com a reforma do financiamento do alojamento de 1977, esta mesma inspirada pelas evoluções que se tinham dado durante o período dos Trinta Gloriosos. Para o dizer de forma brutal, o alojamento é apanhado pela pauperização e a precarização e, ao ignorá-lo, agrava-se ainda mais a situação de milhões de famílias. Se é assim, é porque a construção nova é insuficiente em volume e mal orientada desde há muitos anos. A constatação evolui muito pouco com o tempo: o nível da construção não permitiu, desde há um quarto de século, satisfazer as necessidades sociais e o défice acumulado durante o período situa-se hoje em 900.000 apartamentos (seja entre dois e três anos de construção) de acordo com as estimativas elaboradas por Michel Mouillart. Podemo-nos surpreender que uma tal avaliação não seja levada a sério. Pior: que esta seja ignorada pelos responsáveis políticos pelo sector da Habitação que não reconduzem um importante programa de construção de habitações sociais criado pelo Plano de coesão social em 2005 e reavaliado pela lei sobre o Direito à habitação oponível em 2007. Este défice é, no entanto, uma realidade quando se compara o seu volume estimado ao do “Não-alojamento” que evocamos na primeira parte deste capítulo. Os dois números são sensivelmente da mesma ordem de grandeza. Mostram, para os que deles poderiam duvidar, que a insuficiência na construção prejudica primeiramente as famílias mais modestas e, na extremidade da cadeia, empurram os mais fracos para as soluções de habitação mais precárias. Não é suficiente responder à urgência social, se não somos capazes de levar a construção a um nível suficiente para satisfazer as necessidades e orientá-la de forma a satisfazer a procura. Certamente, estas necessidades exprimem-se com uma

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intensidade variável de acordo com as cidades, e sobre certos territórios podem ser menos urgentes, assim como o mercado pode apresentar sinais de abrandamento. Mas a situação noutras zonas é então ainda mais tensa do que o levariam a pensar as estimativas estabelecidas para o conjunto do território nacional. Pensa-se evidentemente na região Ile-de-France, nas grandes aglomerações, em certas zonas litorais ou transfronteiriças. “Ganhar a batalha da oferta” como afirma o Comité de acompanhamento da aplicação do Direito de moradia oponível ao Estado, supõe que se construa mais onde se prova que há défice e que se construa para todos. À insuficiência da construção acrescenta-se com efeito o problema da sua inadaptação às características da procura social. Não é novo e a Fundação Abbé Pierre evocou-o frequentemente nos seus precedentes relatórios. O desenvolvimento do parque HLM assenta demasiadamente sobre a construção de alojamentos PLS, que são inacessíveis para a quase totalidade dos requerentes, e a construção para aluguer do privado privilegia produtos que beneficiam de vantagens fiscais importantes para níveis de aluguer comparáveis aos do mercado A ajuda pública não tem então nenhuma finalidade social e não permite em nada resolver a crise do alojamento. Pior ainda, ela acentua os efeitos… Quando a despesa pública em prol do alojamento, que representava 35 mil milhões de euros em 2008, é também mal utilizada, a política do alojamento peca então por cinismo dado que não utiliza os meios de que dispõe para satisfazer a procura social e proteger as famílias mais modestas. A isto se acresce o funcionamento cego do mercado que escolhe e orienta as pessoas à procura de alojamento, lhes atribui um estatuto residencial e um lugar na cidade, de modo a reforçar

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as desigualdades sociais e territoriais. Neste caso, a política da habitação peca por defeito dado que adopta em certa medida um “perfil baixo”, e espera da mão invisível do mercado que esta forneça a satisfação das necessidades de alojamentos de todas as famílias, incluindo as mais modestas (para as quais se concede, contudo, a manutenção de um parque de aluguer social que teria vocação para acolher os excluídos do mercado e a existência de soluções de acolhimento à margem). Evidentemente que não é nada assim, mas apesar do aprofundamento dos efeitos da crise do alojamento, apesar do desenvolvimento pelo mercado de mecanismos de exclusão extremamente violentos, uma intervenção reguladora do poder público no domínio do alojamento não parece estar na ordem de trabalhos. A Fundação Abbé Pierre lamenta-o, e tanto mais quanto a situação das famílias mais modestas não melhorará enquanto a oferta de alojamentos, que emana da construção nova ou do parque existente, não for globalmente melhor orientada. Em face de uma tal catástrofe social, acreditar somente nas virtudes do mercado para chegar à sua solução é, pura e simplesmente, uma ilusão a exigir fortes responsabilidades. Fondation Abbé Pierre, L’État du Mal-Logement en France, 15º Relatório Anual, Rapport Annuel, Paris, Fevereiro, 2010 (Capítulo I). Disponível em http://www.fondation-abbe-pierre.fr/publications.php?id=378&filtre=publication_rml

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Com o apoio das instituições:

- Reitoria da Universidade de Coimbra

- Teatro Académico de Gil Vicente

- Caixa Geral dos Depósitos

- Fundação para a Ciência e Tecnologia

AGRADECIMENTOS:

Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC

DOC TAGV / FEUC

2009/2010

A ECONOMIA GLOBAL E OS MUROS DA REPARTIÇÃO DO RENDIMENTO

Textos seleccionados, organizados e traduzidos por:

Júlio Mota, Luís Peres Lopes e Margarida Antunes

Agradecemos à Perfilimagem o empenho havido na realização deste caderno

de textos, dado o reduzido espaço de tempo disponível para a sua edição.

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