DESDOBRAMENTOS DA QUESTÃO AGRÁRIA NO PONTAL … · bem compreendido se não for analisado como um...
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DESDOBRAMENTOS DA QUESTÃO AGRÁRIA NO PONTAL DO PARANAPANEMA
Munir Jorge Felício Universidade do Oeste Paulista - UNOESTE
[email protected] Resumo Esse texto é parte constituinte de um projeto de pesquisa que se desenvolve tendo como base empírica a Região do Pontal do Paranapanema – SP. Ele participa das discussões sobre a complexidade da questão agrária visando compreendê-la como questão estrutural gerada pelo avanço do capital na agricultura. A partir do desenvolvimento regional almeja estudar e compreender de que maneira o capital vem se expandindo e se apropriando dos recursos naturais da referida região, sendo a terra o principal deles e, por outro lado, analisar as estratégias do campesinato que se desenvolve dentro do sistema capitalista sem ser parte dele e, contraditoriamente, também sendo parte dele. Palavras-chave: Campesinato. Questão agrária. Agronegócio. Introdução O campesinato e o capital constituem os dois elementos da questão agrária que, ao se
renovarem simultânea e contraditoriamente, interferem nas relações sociais pela disputa
territorial e pelo debate dos significados. Do lado do capital a predominância da
produtividade com a hegemonia do agronegócio considerado por seus teóricos como
forma superior de produção agrícola. Do lado do campesinato a sua recriação por meio
da luta pela terra e pela Reforma Agrária resgatando a milenar herança camponesa de
fazer agricultura.
Analisar esses desdobramentos a partir da Região do Pontal do Paranapanema exige
duplo esforço: decifrar a nova dinâmica da questão agrária que se expressa por meio do
avanço contraditório do capitalismo na agricultura da região e, a partir dessa
compreensão, incentivar os processos de transformações sociais para que o
desenvolvimento regional priorize as dimensões humanas e ambientais e não apenas das
dimensões exclusivamente econômicas e produtivas.
O avanço do capital canavieiro com seu modelo de desenvolvimento territorial
denominado agronegócio sucroalcooleiro nas terras do Pontal do Paranapanema é mais
bem compreendido se não for analisado como um caso isolado e nem explicado numa
única direção. Dito de outra maneira, o avanço do capital canavieiro não pode ser
compreendido somente pela produtividade agropecuária como não deve ser entendido
apenas pelos intensos conflitos fundiários.
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Na medida em que é ampliada a compreensão em escala regional exige-se ampliar
simultaneamente a reflexão sobre os acontecimentos em escala global, uma vez que a
totalidade propicia ampliar a compreensão demonstrando nuances que só conseguem
chamar a atenção se forem vistas como parte de algo maior, a exemplo das análises de
Martins (1993) sobre o desencontro provocado com a chegada do estranho: Para compreender corretamente o tema, entendo que é necessário trabalhar com uma concepção de amplitude de espaço maior do que aquela envolvida em cada conflito fundiário e em cada enfrentamento tribal. Do mesmo modo, é necessário trabalhar com uma dimensão de tempo mais dilatada do que aquela que encerra um acontecimento singular. Os casos isolados não revelam a verdadeira natureza do processo histórico, que tem hoje índios e camponeses como sujeitos fundamentais. São eles as únicas forças que têm levantado barreiras e dificuldades à constituição de um modelo de capitalismo rendista no país, base de uma organização política autoritária, antidemocrática (MARTINS, 1993, p. 71. Grifos no original).
Por ser o campesinato a principal força que tem colocado barreiras diante do avanço do
capital na agricultura e, porque as análises de casos isolados não revelam a verdadeira
natureza do processo histórico é que o estudo da realidade regional do Pontal do
Paranapanema tem possibilidade em ampliar a compreensão sobre as políticas
emancipatórias como geradoras de autonomia para o campesinato de um lado, e, as
políticas compensatórias como geradoras de subordinação e atrelamento do
campesinato, de outro. A perspectiva do campesinato entre sua autonomia ou seu
atrelamento ao capital constitui o cerne da questão agrária como um dos principais
problemas do mundo globalizado como explicitam as análises de Malagodi (2011) e
Fernandes (2011), entre outros. Essa perspectiva faz parte da complexidade da questão
agrária como foi estudada por Felício (2011), cujas análises demonstram que a
complexidade desenvolvida pelos pesquisadores com diversas abordagens são resultado
de suas intencionalidades e diferentes leituras teóricas que conflitam-se política e
cientificamente, por construírem significados distintos da questão agrária.
Rosa Luxemburg e Karl Kautsky
As análises Kaustky (1986) e Rosa Luxemburg (1985) são seminais para o estudo da
questão agrária por conter as principais temáticas que tratam dos inúmeros
desdobramentos do avanço do capitalismo na agricultura. Kautsky ao tentar entender o
desenvolvimento da indústria e do comércio (1986, p. 18) verificou a demanda por
novos produtos e percebeu que a penetração deles geravam diversas alterações no
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intercâmbio cidade-campo, entre indústria e agricultura criando transformações nas
condições e nas relações de produção. Essas transformações ao atingir o campesinato
implicavam na gradativa perda do controle dos seus meios de produção. A supressão do
“primitivo comunismo fundiário” surgiu quando “tornou-se necesário estabelecer a
propriedade plena, partilhar a pastagem comunitária, suspender o uso comunitário do
solo e a obrigatoriedade do afolhamento, acabar com a dispersão dos lotes cultiváveis
[...]” (KAUTSKY, 1986, p. 33-34).
Para Kautsky a questão agrária é questão estrutural no capitalismo por serem
irreconciliáveis as perspectivas do campesinato e a do capital mediante as
transformações provocadas pelo avanço do sistema capitalista na agricultura. Ele
procurou refletir sobre as alterações nas aldeias camponesas e, examinar todas as transformações que sofre a agricultura nas várias fases do modo de produção capitalista. Devemos verificar se o capital se apodera da agricultura, como o faz, se a revoluciona, se torna insustentável as velhas formas de produção e propriedade e se acarreta ou não a necessidade de novas formas (1986, p.15).
Esses esforços de Kautsky contribuem com o nosso método de análise tendo no debate
paradigmático a proposição para compreender como se desenvolvem as duas formas de
fazer agricultura. Elas obedecem a lógicas distintas, tanto na ocupação do território,
quanto na implantação de relações sociais. A mão de obra numa é assalariada e na outra
é familiar. Apesar da supremacia técnica ser um fator indispensável do grande
estabelecimento permitindo até a eliminação de mão-de-obra, fazendo com que ele
expluse “ quantos camponeses quiser que uma parte destes voltará sempre a ressuscitar
como pequeno rendeiros” (KAUTSKY, 1986, p. 145). “Daí conclui-se que não se deve
pensar, de forma alguma, que a pequena propriedade fundiária se encontra em fase de
desaparecimento na sociedade atual, ou que será desalojada completamente pelo
latifúndio” (p. 147). Pois,
não chegou a se verificar aquele rápido desaparecimento do pequeno estabelecimento, fato que se esperava ou temia acontecer no continente, conforme sucedera na Inglaterra depois da maciça e triunfal entrada do grande estabelecimento capitalista a partir dos anos 50. Verifica-se, pelo contrário, aqui e acolá, a tendência de certa multiplicação do número de estabelecimentos com pequenas dimensões territoriais (KAUTSKY, 1986, p. 121).
A persistência do campesinato ainda provoca inquietações, como desafiou as
interpretações de Kautsky, que, com seus recursos científicos e seus instrumentos
metodológicos, construiu interpretações e significados possíveis. Para ele, processou de
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1840 a 1899 “enorme revolução econômica” provocando alterações das mais diversas,
alterando as relações sociais e as ocupações territoriais.
As indústrias produziram ferramentas agrícolas com maior sofisticação tecnológica
substituindo aquelas produzidas nas oficinas dos artesãos. “As túnicas e as peles de
animais foram substituídas por roupas de pano, os sapatos de palha pelas botas de couro
e assim por diante” (KAUTSKY, 1986, p. 18). Com isso o camponês passou “a
depender do mercado que a ele se revelava mais caprichoso e imprevisível que o tempo”
(p. 19).
Para explicar a agricultura capitalista e as alterações implementadas por ela, Kautsky
(1986, p. 23-33) mostrou que o campesinato sob o feudalismo se consolidava na
propriedade comunitária do solo e no sistema auto-suficiente das aldeias. Nelas impera
a lei do afolhamento exigindo à concordância dos aldeões, em plantar na mesma época a
cultura determinada pela comunidade.
Assim um dos três afolhamentos ficava descansando, enquanto no outro, se plantava
grão do inverno e no terceiro, o de verão. O sistema de três rotações, com florestas e
pastagens, não necessitava de abastecimento externo. De modo que cada produção
costumava sempre corresponder um número máximo de pessoas sustentadas por uma
faixa determinada de terra. Esse equilíbrio foi rompido com o desenvolvimento da
indústria, do comércio e, por conseguinte, da urbanização, como explica Kautsky: Agora surgia, todavia, um mercado caracterizado por necessidades variáveis; desenvolvia-se, assim, a desigualdade entre os companheiros da mesma aldeia, dos quais alguns só produziam em suas terras o suficiente para o próprio uso, enquanto outros produziam quantidades excedentes. [...] A transferência para esse modo de produção exigia que se acabasse com a forma de compromisso existente entre o comunismo do solo e a propriedade particular que o modo de produção medieval representava; tornou-se necessário estabelecer a propriedade plena, partilhar a pastagem comunitária, suspender o uso comunitário do solo e a obrigatoriedade do afolhamento (Kautsky, 1986, p. 33).
Essas alterações introduzidas pela agricultura capitalista provocaram mudanças de toda
ordem na agricultura camponesa, uma vez que, a agricultura capitalista consegue
fornecer adubos e, por conseguinte, tem potencial para majorar a produção e, assim,
atender as demandas do mercado. O mercado só existe em função da cidade e é na
cidade que as indústrias atraem as pessoas formando uma reserva da força de trabalho.
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Essas pessoas por trabalharem nas indústrias não têm tempo de plantar seus alimentos,
que, por sua vez, serão melhores produzidos pela agricultura capitalista.
Dentre as alterações introduzidas pela agricultura capitalista provocadas pelas mudanças
na agricultura camponesa concebe Luxemburg (1985) que essa consiste na principal
força que tenta colocar obstáculos diante do avanço do capital, explicando que “em
função de sua natureza e de sua forma de existência, o capital não admite nenhuma
limitação” (LUXEMBURG, 1985, p. 245). As ocupações de terras, os acampamentos e
as manifestações dos movimentos socioterritoriais na Região do Pontal do
Paranapanema são algumas das barreiras que o campesinato tem erguido como forma de
limitar o avanço do capitalismo. Em outro texto, Luxemburg (1985) explica a
necessidade do capital em incluir novos territórios para a obtenção de matéria-prima,
auxiliando a compreensão sobre o avanço do capital canavieiro nas terras do Pontal para
a produção do etanol que atende necessidades sociais:
Uma das condições prévias indispensáveis ao processo de acumulação, no referente a sua elasticidade e sua capacidade súbita de ampliação, é a rápida inclusão de novos territórios de matérias-primas, de proporções ilimitadas, a fim de poder enfrentar tanto as vicissitudes e interrupções eventuais no abastecimento de matérias-primas por parte dos antigos fornecedores, quanto as ampliações súbitas das necessidades sociais (LUXEMBURG, 1985, p. 246).
O capital esquadrinha o mundo inteiro para apropriação das forças produtivas:
No condizente à sua forma de atuar e às leis que a regem, a produção capitalista é considerada, no mundo inteiro e desde o inicio, o próprio depósito dos tesouros das forças produtivas. Em sua ânsia de apropriação das forças produtivas com vistas à exploração, o capital esquadrinha o mundo inteiro, procura obter meios de produção, em qualquer lugar e os tira ou os adquire de todas as culturas dos mais diversos níveis, bem como de qualquer forma social (LUXEMBURG, 1985, p. 245-246).
Para Luxemburg o comércio mundial “é por princípio uma condição histórica de
existência do capitalismo, comércio este que, nas condições concretas existentes, é, por
natureza, uma troca que se verifica entre as formas de produção capitalistas e as não-
capitalistas” (LUXEMBURG, 1985, p.247). A condição para desenvolver esse comércio
mundial necessita de todos os tipos de terra e de clima. Na verdade, Tem de poder dispor de forma ilimitada de toda a força de trabalho do globo inteiro, para com ela pôr em movimento todas as forças produtivas da face da Terra, na medida em que os limites da produção da mais-valia o permitam. Essa força de trabalho o capital encontra, no entanto, geralmente presa a condições de produção arcaicas, pré-capitalistas, das quais precisa ser previamente “libertada”, para que possa engajar-se no exército ativo do capital. Esse desatrelamento da força de trabalho de suas relações sociais primitivas e sua absorção pelo sistema assalariado capitalista é uma das
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condições históricas indispensáveis do capitalismo (LUXEMBURG, 1985, p. 249).
O capital não só não admite nenhuma limitação como procura se expandir por meio do
atrelamento de todas as forças produtivas. Esse atrelamento pode ser verificado por
meio do avanço do capital canavieiro nas terras do Pontal, quanto a inclusão de novos
territórios de matérias-primas por meio do arrendamento de parte dos lotes dos
assentamentos de Reforma Agrária. A penetração do capital propicia a) a produção da
matéria-prima para o etanol, para atender as necessidades sociais; b) a mão de obra farta
e barata a disposição do capital canavieiro e, com ela, c) a produção de mais-valia,
dispondo de forma ilimitada de toda a força de trabalho, apossando-se diretamente das
principais fontes de forças produtivas.
As análises de Luxemburg (1985, p. 251-264) visavam elucidar as razões da luta do
capital contra a economia natural, pois, segundo ela, “o capitalismo vem ao mundo e se
desenvolve historicamente em meio social não-capitalista” e o processo capitalista de
acumulação se desenvolve em três fases: “a luta do capital contra a economia natural, a
luta contra a economia mercantil e a concorrência do capital no cenário mundial, em
luta pelas condições restantes de acumulação”. Ela explica que Na acumulação primitiva, ou seja, nos primórdios históricos do capitalismo na Europa, em fins da Idade Média, bem como pelo século XIX adentro, a encampação do pequeno estabelecimento agrícola pelo grande constitui, na Inglaterra e no continente, o meio mais importante para a transformação maciça dos meios de produção e da força de trabalho em capital.[...] Esperar pelo resultados do processo secular de desagregação dessas regiões de economia natural, até que este resultasse na alienação, pelo comércio, dos meios principais de produção, significaria, para o capital, o mesmo que renunciar totalmente às forças de produção desses territórios. Isso explica por que o capitalismo considera de vital importância a apropriação violenta dos principais meios de produção em terras coloniais (LUXEMBURG, 1985, p. 254)
As análises de Luxemburg (1985) sobre a ação do capital inglês pode contribuir para
ampliar a compreensão sobre a ação do capital canavieiro no Pontal do Paranapanema.
Afirma Luxemburg: “é natural: para o capital inglês não havia nenhum interesse em
manter viva a comunidade indiana e apoiá-la economicamente; pelo contrário,
interessava-lhe apenas destruí-la e arrancar-lhe os meios de produção” (LUXEMBURG,
1985, p. 258). Não serão essas também as razões do avanço do agronegócio
sucroalcooleiro sobre os territórios do Pontal?
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Constitui exatamente esse o meio para o capital apropriar-se de mais valia, uma vez que
ele não tem interesse na produção de mercadorias, de commodities e sim de valor, como
explica Luxemburg afirmando que “a produção capitalista não é uma produção voltada
para fins de consumo, mas para a produção de valor” (LUXEMBURG, 1985, p. 14).
Ao analisar o processo global da produção capitalista Luxemburg (1985) demonstra que
a acumulação do capital não é resultado da produção de mercadorias, mas apropriação
de mais-valia. Segundo ela “a fabricação de mercadorias não é o objetivo do produtor
capitalista; é apenas um meio para a apropriação de mais-valia” (LUXEMBURG, 1985,
p. 12). E “o objetivo e mola propulsora da produção capitalista não é simplesmente a
mais-valia, em qualquer quantidade, em uma única apropriação, mas a obtenção
ilimitada de mais-valia, em um crescimento incessante, em quantidades sempre
maiores” (LUXEMBURG, 1985, p. 12).
Na sociedade capitalista se fabricam “produtos cuja perspectiva de realização seja certa,
isto é, que possam ser trocados por dinheiro” (LUXEMBURG, 1985, p. 9). Mesmo por
que, “no modo de produção capitalista, as necessidades de consumo da sociedade não
constituem, em absoluto, motivo propulsor da produção” (p.12). E, os alimentos de
primeira necessidade fazem parte das necessidades de consumo da sociedade. A
moagem da cana e a produção do etanol como mercadoria por meio da qual, depois da
venda, o lucro vai para o bolso do capitalista como retorno daquele capital que foi
adiantado para a produção de mais-valia. Por conseguinte, “é a produção de mais-valia
na sociedade capitalista que faz da reprodução das necessidades vitais um moto-
perpétuo” (LUXEMBURG, 1985, p. 13).
Luxemburg tentava compreender o capital como um processo que engendra e reproduz
relações não capitalistas de produção como condição para a apropriação de mais-valia,
pois,
enquanto se apresentar sob a forma de mercadoria, a mais-valia será inútil para o capitalista. Depois de produzida, portanto, ela precisa ser realizada ou transformada em sua forma pura de valor, ou seja, em dinheiro. Para que isso ocorra e o capitalista possa apropriar-se da mais-valia em forma de dinheiro, é necessário também que todo o seu capital adiantado abandone a forma de mercadoria, retornando ao capitalista sob forma de dinheiro. Somente então, quando se consegue que a mercadoria toda, em seu conjunto, seja alienada por dinheiro correspondente a seu valor, é que se alcança o objetivo da produção (LUXEMBURG, 1985, p. 12).
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O objetivo da produção capitalista consiste na formação de um novo capital-dinheiro,
que remunere o capital adiantado para a produção de mercadoria, garantindo assim sua
reprodução, como explica Luxemburg, A produção capitalista não é uma produção voltada para fins de consumo, mas para a produção de valor. As relações de valor dominam totalmente o processo de produção, assim como o de reprodução. Produção capitalista não é produção de objetos de consumo, nem de mercadorias simplesmente, mas uma produção de mais-valia (1985, p. 14).
O questionamento que impulsionava a pesquisa de Luxemburg (1985) era o mesmo que
estava em Marx: “como é possível haver acumulação geral ou formação de um novo
capital-dinheiro junto à classe capitalista?” (p. 345). Para Luxemburg “o esquema
marxista da reprodução ampliada não consegue explicar-nos, pois, o processo de
acumulação da maneira como ele realmente ocorre e como se impõe historicamente” (p.
239). A acumulação capitalista exige um mercado suplementar em outros extratos e
nação não-capitalista, como possibilidade de obter um novo capital-dinheiro diferente
daquele que circula, no rodízio passando do bolso do capitalista para o bolso do
proletariado e vice-versa:
A questão é, pois, a seguinte: O capital social total obtém constantemente e sob a forma de dinheiro um lucro total que, para fins de acumulação total, é obrigado a crescer constantemente. Como poderá crescer, então, essa soma, se as partes constituintes nada mais fazem senão um rodízio, passando de um bolso para outro? (LUEXEMBURG, 1985, p. 344).
Essa inovação é questão imprescindível para acumulação do capital por duas razões:
primeira porque “acumular capital não significa apenas produzir quantidades cada vez
maiores de mercadorias; significa antes transformar quantidades cada vez maiores de
mercadorias em dinheiro” (LUXEMBURG, 1985, p. 343) e, segundo que “jamais
houve, nem mesmo existe hoje, país algum em que só haja produção capitalista, ou só
existam capitalistas e trabalhadores assalariados” (LUXEMBURG, 1985, p. 338).
Portanto, a produção capitalista de relações não-capitalistas de produção atende ao
“próprio caráter da produção capitalista que exclui, além do mais, a produção dos meios
de produção que se restrinja ao modo capitalista” (p. 245). Luxemburg enfatiza que: O papel que representou para a alimentação da grande massa operária industrial da Europa (ou seja, que essa alimentação representou como elemento do capital variável) o abastecimento camponês de cereais – do cereal que fora produzido de modo não-capitalista – para perceber quanto a acumulação capitalista está vinculada efetivamente, no tocante aos respectivos elementos materiais, a círculos não-capitalistas (LUXEMBURG, 1985, p. 245).
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Para o agronegócio canavieiro, a região do Pontal do Paranapanema reúne as quatro
condições, com as quais a produção e a reprodução capitalistas se desenrolam
continuamente, nos termos explicitados por Luxemburg:
Primeira condição: a produção tem de gerar mais-valia, já que a mais-valia é a forma elementar e única sob a qual é possível haver aumento de produção em termos capitalistas. [...] Segunda condição: para que a mais-valia destinada à ampliação da reprodução possa ser apropriada, é necessário que ela, uma vez satisfeita a primeira condição, se realize, assumindo a forma de dinheiro. [...] Terceira condição: suposto que a realização da mais-valia tenha dado certo e que parte desta tenha passado para o capital objetivando a acumulação, é necessário que o novo capital assuma inicialmente a forma produtiva, ou seja, a forma de meios de produção inanimados e mão-de-obra. [...] Quarta condição: é necessário que a fração de capital trocada pela mão-de-obra assuma a forma de meios de consumo pessoal para os operários. Essa condição nos leva novamente ao mercado de produtos de consumo e ao mercado de trabalho. [...]. A massa adicional de mercadorias, que representa o novo capital e a nova mais-valia, tem de ser realizada, tem de ser transformada em dinheiro. Somente quando isso se realiza é que se verifica, de fato, a reprodução ampliada em termos capitalistas (LUXEMBURG, 1985, p. 16).
As pesquisas que estão em desenvolvimento no Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos
de Reforma Agrária – NERA- indicam que parte do campesinato na Região do Pontal
do Paranapanema permanece lutando contra o capital como a única e a mais importante
forma para defender seu território, e parte do campesinato está sendo integrado ao
agronegócio canavieiro. A luta contra o capital se desenvolve quando os movimentos
socioterritoriais “interpõem diversas barreiras a sua acumulação” (LUXEMBURG,
1985, p. 255) como mobilizações, ocupações de terras, a montagem dos acampamentos
demonstrando a urgente necessidade do Brasil fazer a Reforma Agrária. A luta pela
Reforma Agrária foi o motivo do encontro das lideranças dos movimentos
socioterritoriais que ocorreu em Brasília nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2012. Ocasião
em que foi lançado um manifesto em defesa da Reforma Agrária, do desenvolvimento
rural com o fim das desigualdades, da produção e acesso a alimentos saudáveis, da
agroecológica e da garantia e ampliação de direitos sociais aos trabalhadores rurais. O
encontro de dirigentes das entidades mais representativas do campo no Brasil é
considerado "um momento histórico, um espaço qualificado, com dirigentes das
principais organizações do campo que esperam a adesão e o compromisso com este
processo".
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Martins; Malagodi e Bernstein
Entre as análises sobre a expansão capitalista na agricultura brasileira, destaca as de
Martins (1979), por ele ter utilizado as contribuições de Luxemburg (1985), quando
estudou a vinculação efetiva da acumulação capitalista a partir de relações não-
capitalistas de produção no regime do colonato na formação das fazendas de café, em
que há a conversão da renda-em-trabalho em capital. E, ele levanta a hipótese: de que o capitalismo, na sua expansão, não só redefine antigas relações, subordinando-as à reprodução do capital, mas também engendra relações não-capitalistas igual e contraditoriamente necessárias a essa reprodução. Marx já havia demonstrado que o capital preserva, redefinindo e subordinando, relações pré-capitalistas. [...] A produção capitalista de relações não-capitalistas de produção expressa não apenas uma forma de reprodução ampliada do capital, mas também a reprodução ampliada das contradições do capitalismo – o movimento contraditório não só de subordinação de relações pré-capitalistas, mas também de criação de relações antagônicas e subordinadas não-capitalistas (MARTINS, 1979, p. 19-21).
Em Expropriação e Violência Martins (1991) procura diferenciar exploração e
expropriação, sendo o primeiro o que o capital faz para extrair mais-valia da classe
operária e o segundo o que o capital faz para extrai a renda fundiária do campesinato.
Para ele o “trabalhador da fábrica e o lavrador do campo vivem, em face do capital,
processos sociais diferentes, porque se defrontam com o capital de modos diferentes”
(MARTINS, 1991, p. 14). E mais, “o quadro clássico do capitalismo nos mostra que o
capital se expandindo à custa da expropriação e da proletarização dos trabalhadores do
campo, uma coisa produzindo necessariamente a outra” (p. 18). Isso também pode
ajudar a compreender o que o capital canavieiro está produzindo na Região do Pontal do
Paranapanema.
As análises de Martins (1999) trazem contribuições significativas pelas construções de
significados de caráter sociológico de grande importância, em que pese, todavia,
determinadas insistências no que se refere a: a) o passado com peso e força que o torna
determinante; b) em suas obras ele não indica as fontes de onde extraiu informações de
grande impacto o que enfraquece o argumento quando, se citada a fonte, o fortaleceria;
c) suas generalizações possuem abrangências demasiadas não contribuindo para a
construção do princípio de inteligibilidade.
Ao tratar do Clientelismo e Corrupção no Brasil contemporâneo as análises de Martins
(1999) podem contribuir para ampliar a compreensão do desenvolvimento regional da
Região do Pontal quando ele afirma que:
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Não é, predominantemente ou exclusivamente, na força dos movimentos sociais que está o centro dinâmico das mudanças políticas no Brasil, [...] mas nas contradições e debilidades que a modernização introduziu na dominação oligárquica. Aí sim, na ação sobre essas fragilidades é que os movimentos sociais têm conseguido propor e, até, introduzir suas demandas na agenda política do Estado brasileiro (MARTINS, 1999, p. 21).
Estudando as ações dos movimentos socioterritoriais tornam-se importante verificar
quais são as contradições e debilidades presentes na Região do Pontal do
Paranapanema? Pois sobre essas fragilidades, de acordo com as análises de Martins
(1999), é que os movimentos socioterritoriais podem propor e introduzir suas demandas
na agenda política. O campesinato introduzirá suas demandas na agenda política se
conseguir demonstrar que “interesses monetaristas e financeiros não podem abrir espaço
para políticas com efeitos sociais, na perspectiva da distribuição de renda, da melhoria
das condições de vida e trabalho no campo, e da segurança e soberania alimentar” como
esclarece Malagodi (2011, p. 53).
Acrescentem-se às reflexões de Malagodi as ponderações de Bernstein (2011) ao
analisar a dinâmica de produção e reprodução no cenário da economia política da
mudança agrária, ao afirmar que em 1750, o campesinato sustentava uma população
mundial de cerca de 770 milhões de indivíduos. Essa população mundial triplicou num
intervalo histórico de dois séculos. Em 1950, “a população mundial aumentara para 2,5
bilhões de indivíduos” (BERNSTEIN, 2011, p. 6). Meio século depois, em 2000, a
população mundial atinge 6 bilhões de habitantes. Portanto, a produção mundial de
alimentos, precisou acompanhar, de alguma maneira, o aumento da população mundial
que num intervalo de dois séculos e meio saltou de 770 milhões para 6 bilhões de
indivíduos. Diante dessas constatações Bernstein (2011) infere que: Assim, uma parte do quadro mais amplo é o crescimento da produção de alimentos e da população mundial, principalmente desde a década de 1950. Ambos são aspectos do desenvolvimento do capitalismo e da economia mundial por ele criada. Outra parte do quadro é a imensa desigualdade global de renda e de segurança do sustento da família, de qualidade e expectativa de vida, bem como a produtividade. Embora se produza mais do que o suficiente para alimentar adequadamente toda a população do mundo, muitos passam fome durante boa parte ou quase todo tempo. (BERNSTEIN, 2011, p. 6-7; 19).
Como essas constatações podem auxiliar nas análises construídas diante da realidade da
agricultura desenvolvida no Pontal? Qual o significado dela na participação no
comércio mundial de produção de mercadorias agrícolas, considerando que a produção
de um produtor norte-americano é duas mil vezes maior que a de um africano, como
demonstrou Bernstein (2011, p. 19)?
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Descobrir, questionar e analisar os possíveis liames causais entre o avanço do capital
canavieiro do agronegócio na Região do Pontal do Paranapanema e o recuo dos
movimentos socioterritoriais é um dos objetivos desse projeto. Verificar se o avanço do
capital proporcionou “a diminuição no número de ocupações de terra e acampamentos, as
dissensões dos movimentos socioterritoriais, os processos de mobilização de família que
se concentram nas cidades, a conciliação da vida no acampamento com outras atividades”
como apresentado por Origuéla na sua monografia (ORIGUÉLA, 2011, p. 63).
Conclusão Por ser o campesinato a principal força que tem colocado barreiras diante do avanço do
capital na agricultura e, porque as análises de casos isolados não revelam a verdadeira
natureza do processo histórico é que o estudo da realidade regional do Pontal do
Paranapanema tem possibilidade em ampliar a compreensão sobre as políticas
emancipatórias como geradoras de autonomia para o campesinato de um lado, e, as
políticas compensatórias como geradoras de subordinação e atrelamento do
campesinato, de outro.
Os modelos que tem no capital seu núcleo norteador priorizam a produtividade e
defendem a hipótese segundo a qual as transformações sociais são imprescindíveis,
impulsionadas e dirigidas pelo desenvolvimento tecnológico. Para esses modelos as
políticas compensatórias, visam proporcionar acesso aos recursos financeiros e
tecnológicos para impulsionar a integração do campesinato ao capital impulsionando o
desenvolvimento do agronegócio.
Os modelos que tem no campesinato seu núcleo norteador priorizam a autonomia do
campesinato e o seu modo propositivo “milenar” de fazer agricultura. Defendem a
hipótese segundo a qual as transformações sociais resultam da luta de classes, da qual o
desenvolvimento tecnológico é mola propulsora. Para esses modelos as políticas
emancipatórias, na medida em que são desenvolvidas, almejam fortalecer e ampliar a
independência do campesinato na luta por autonomia e contra o capital impulsionando o
desenvolvimento da agricultura familiar camponesa.
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