Desconstruindo a Terceira Idade e Configurando Novos Modos de Envelhecer

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DESCONSTRUINDO A TERCEIRA IDADE E CONFIGURANDO NOVOS MODOS DE ENVELHECER Saulo Luders Fernandes (Mestre pela Universidade Estadual de Maringá) Eduardo Augusto Tomanik (Docente da Universidade Estadual de Maringá) [email protected] O envelhecimento, como afirma Neri (2006), deve ser compreendido como um processo de desenvolvimento pautado em uma base ontogênica, na origem e no desenvolvimento biológico do organismo. A gênese do processo de vida está baseada na dimensão biológica, sem a qual o sujeito não existiria. O desenvolvimento conceituado como processo não pode ser demarcado com exatidão, afinal ele se determina no momento em que se processa, em que se desenvolve. Definí-lo em períodos biológicos é restringir um processo multidirecional a uma base orgânica, a uma única dimensão. Não se pode delimitar exatamente a linha que separa a esfera biológica da dimensão cultural. O processo de desenvolvimento ou curso de vida está na intersecção destas duas dimensões. Talvez sofremos com o dualismo cartesiano, que segmenta as esferas do conhecimento, deixando os aspectos corporais restritos à biologia, como algo que independe dos parâmetros culturais e sociais. No entanto, são estes parâmetros que atuam como fontes formadoras de conhecimento, de interpretações e representações desse corpo em desenvolvimento. Quando se elege como parâmetro o modelo biológico de desenvolvimento, com ênfase nas características que compartilhamos com outras espécies (nascemos, amadurecemos, nos reproduzimos, declinamos e morremos) constrói-se uma falácia, natural e universal, formado por fases: infância, juventude, pré–maturidade, maturidade e velhice. As fases ou períodos da vida devem ser compreendidos também como construções sociais e não como modelos naturais. O erro não está em investigar e definir tais fases, mas em percebê-las e aceitá-las como naturais, sempre existentes, independentes das relações sociais que as formaram. Uma das funções do pesquisador é investigar a construção social destes processos de desenvolvimento e verificar como esses modelos interferem nas relações sociais, como mecanismos de classificação e segregação social. Em uma perspectiva histórica, de acordo com Magalhães (1987), podemos compreender que a categoria idoso é uma invenção social, assim como, para Ariès (1986), a criança foi um produto da revolução industrial burguesa. O que hoje conhecemos como criança, nos feudos era tratado como um adulto crescido e não se diferenciava deste. Com o advento da revolução burguesa/industrial, passa a ser diferenciado dos outros membros da sociedade, por meio de leis que não permitem que realizem os mesmos afazeres dos mais velhos. A criança hoje ocupa uma posição social, com funções e tarefas específicas de sua faixa etária. Há comportamentos que se tornam esperados para esta nova fase da vida, a infância. A velhice é construída de forma similar. Com a ascensão da burguesia e o advento do capitalismo, ocorre uma mudança no modo de produzir a vida. Os sujeitos, que antes trabalhavam em uma coletividade dentro de feudos passam a fazer parte de uma nova classe, a dos trabalhadores assalariados, que dependem da venda de seu trabalho para a sobrevivência. Para Magalhães (1987) os idosos, que recebiam os cuidados de seus familiares, transformam-se em uma questão pública. A instituição familiar não oferece mais o cuidado necessário a eles. Cabem, então, ao órgão representante do poder burguês, o

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O envelhecimento, como afirma Neri (2006), deve ser compreendido como umprocesso de desenvolvimento pautado em uma base ontogênica, na origem e nodesenvolvimento biológico do organismo. A gênese do processo de vida está baseada nadimensão biológica, sem a qual o sujeito não existiria.

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DESCONSTRUINDOATERCEIRAIDADEECONFIGURANDONOVOS MODOS DE ENVELHECER Saulo Luders Fernandes (Mestre pela Universidade Estadual de Maring) Eduardo Augusto Tomanik (Docente da Universidade Estadual de Maring) [email protected] Oenvelhecimento,comoafirmaNeri(2006),devesercompreendidocomoum processodedesenvolvimentopautadoemumabaseontognica,naorigemeno desenvolvimento biolgico do organismo. A gnese do processo de vida est baseada na dimenso biolgica, sem a qual o sujeito no existiria.Odesenvolvimentoconceituadocomoprocessonopodeserdemarcadocom exatido,afinalelesedeterminanomomentoemqueseprocessa,emquese desenvolve. Defin-lo em perodos biolgicos restringir um processo multidirecional a uma base orgnica, a uma nica dimenso. Nosepodedelimitarexatamentealinhaqueseparaaesferabiolgicada dimenso cultural. O processo de desenvolvimento ou curso de vida est na interseco destasduasdimenses.Talvezsofremoscomodualismocartesiano,quesegmentaas esferas do conhecimento, deixando os aspectos corporais restritos biologia, como algo que independe dos parmetros culturais e sociais. No entanto, so estes parmetros que atuamcomofontesformadorasdeconhecimento,deinterpretaeserepresentaes desse corpo em desenvolvimento. Quando se elege como parmetro o modelo biolgico de desenvolvimento, com nfasenascaractersticasquecompartilhamoscomoutrasespcies(nascemos, amadurecemos,nosreproduzimos,declinamosemorremos)constri-seumafalcia, natural e universal, formado por fases: infncia, juventude, prmaturidade, maturidade e velhice. Asfasesouperodosdavidadevemsercompreendidostambmcomo construessociaisenocomomodelosnaturais.Oerronoesteminvestigare definirtaisfases,masemperceb-laseaceit-lascomonaturais,sempreexistentes, independentes das relaes sociais que as formaram.Umadasfunesdopesquisadorinvestigaraconstruosocialdestes processosdedesenvolvimentoeverificarcomoessesmodelosinterferemnasrelaes sociais, como mecanismos de classificao e segregao social.Emumaperspectivahistrica,deacordocomMagalhes(1987),podemos compreenderqueacategoriaidosoumainvenosocial,assimcomo,paraAris (1986),acrianafoiumprodutodarevoluoindustrialburguesa.Oquehoje conhecemoscomocriana,nosfeudoseratratadocomoumadultocrescidoenose diferenciavadeste.Comoadventodarevoluoburguesa/industrial,passaaser diferenciado dos outros membros da sociedade, por meio de leis que no permitem que realizem os mesmos afazeres dos mais velhos. A criana hoje ocupa uma posio social, com funes e tarefas especficas de sua faixa etria. H comportamentos que se tornam esperados para esta nova fase da vida, a infncia. Avelhiceconstrudadeformasimilar.Comaascensodaburguesiaeo advento do capitalismo, ocorre uma mudana no modo de produzir a vida. Os sujeitos, queantestrabalhavamemumacoletividadedentrodefeudospassamafazerpartede umanovaclasse,adostrabalhadoresassalariados,quedependemdavendadeseu trabalho para a sobrevivncia. Para Magalhes(1987)os idosos, que recebiamos cuidados de seus familiares, transformam-seemumaquestopblica.Ainstituiofamiliarnooferecemaiso cuidadonecessrioaeles.Cabem,ento,aorgorepresentantedopoderburgus,o Estado,queinstituiosdireitoseosdeveresaoscidadospormeiodasleis,assumir responsabilidade e proporcionar os cuidados a estes idosos. O Estado estabelece leis que vo determinar a cronologizao do ciclo vital e por meiodestasimpemexignciasdecomportamentosemodosdeagir,dependendoda idadecronolgicanaqualoindivduoestejaclassificado.Estabelecenormaseregras queirodeterminarcomqualidadeosujeitoingressanaescola,quandoestepode integrar-se ao mercado de trabalho e quando deve sair. Tais normas estatais modificam asrelaessociaisqueosujeitoestabeleceeaformacomoesteseconstricomoser social.ComoafirmaDebert(2007,p.58):trata-sedodomniodoEstadoedaforma comoesteredefineoespaodomsticoefamiliar.Osacontecimentosque, anteriormente,diziamrespeitoesferaprivadafamiliar,passamaservistoscomo problemas de ordem pblica, do Estado. Ovelho,nosmodelosanterioresaocapitalismo,eraoanciorepresentantedo passado,aquelequeguardavaepreservavaamemriasocialdeseupovoesuas tradies. Ele era indispensvel para a perpetuao da comunidade. J em uma sociedade que preza pela produo do lucro, pelo novo, a tecnologia eaproduoemlargaescala,oidosodesqualificado,destitudodesuafunode guardadordamemriasocial.Eles,bemcomosuasexperinciasdopassado,so desprezados,vistascomoinutilidades.Afinal,dequeadiantaosujeito terexperincias se elas no so interessantes para a produo do que valorizado e se ele prprio j no apto para esta produo? A categoria velho ou velhice, na Frana do sculo XIX, de acordo com Peixoto (2007),adquirecontornosestigmatizanteseestereotipadosparacategorizaraqueles sujeitos que estavam fora do mercado por questes cronolgicas (acima da idade para o trabalho produtivo) e que no podiam se sustentar sozinhos, necessitavam da assistncia do Estado para sobreviver.Enquanto os sujeitos de mais idade que apresentavam uma situao econmica estvel eram conceituados como pessoas de idade, ou, idosos. Esta denominaonotrazconsigoumacargadeinvalidezeinutilidade,estesidososso apenaspessoasdemaisidadeenovelhosincapazes.ComopontuaPeixoto(2007, p.71):[...]arepresentaosocialdavelhice,assim,bastantemarcadapelainsero doindividuonoprocessodeproduo.Avelhicedostrabalhadoresestvinculada inutilidade e incapacidade de produzir. Paraopatronatoempresarial,nocompensamaissustentarestesvelhosno mercado de trabalho, uma vez que o salrio pago no compensa o rendimento produzido poreles.Instituem-seascaixasdeaposentadoria,oslimitesdeidadeparaotrabalho assalariado.Afinalidadedetaiscaixaseraaumentaraprodutividadeediminuiros custos da produo. H uma renovao no quadro de trabalhadores, substituindo os no-produtivos pelos mais jovens. Aprincpio,asaposentadoriasnaEuropaenosEstadosUnidos,entre1945a 1960,foraminstitudasparasubstituirsaesfilantrpicas,dirigidaspopulao carente. Eram medidas de ajuda s famlias dos idosos carentes e de proteo aos velhos trabalhadoresquenotinhamcondiodeauto-sustento.Aaposentadoria,comeste carter assistencialista, oferecia uma identidade especfica aos velhos, como aqueles que nopodiamsesustentar,dependentesdafamliaedoEstado.Avelhiceeradefinida comoumafasedepobreza,dedependnciaedeassistencialismo(DeberteSimes, 1994). Osinvestimentosdaclassemdianosfundosdepensesvofazendocomque estes se transformem em agncias financeiras poderosas. Desenvolve-se uma nova faixa econmica que deve ser acompanhada pelo mercado de consumo. O velho que antes era assistidopeloEstadopassaaserumpotencialconsumidorecomisso,constri-seum novo modelo social para o idoso: a terceira idade.Otermoaposentadoria,queantesestavaassociadainvalidez,ganhaum adjetivo a partir da nova classificao; ela passa, agora, a ser denominada aposentadoria ativa. Como afirma Debert (2004 p. 61), os signos do envelhecimento so invertidos e assumem novas designaes; nova juventude, idade do lazer, [...] o asilo passa a ser chamado de centro residencial, o assistente social de animador social. Nestainversodesignos,oenvelhecimentoperdeassuascaractersticas tradicionais, de uma fase de recolhimento, de conservao da cultura e de reelaborao dopassado,paraoretornojuventude.Oprestgiopelonovo,pelojovemquese encontrapresentenodiscursocotidianoecolocadocomoaformaadequadaparao envelhecimento saudvel. O idoso, para viver bem a sua velhice, tem que conservar-se jovem.Encontra-se,aqui,umacontradio:envelhecertornando-sejovem.Abuscada eterna juventude e a negao do processo de envelhecer.Noestamosdefendendoaidiadequetodoidosotemqueficarrecolhidoe apenasapegadoaoseupassado,noinovandoeprocurandoformasdeatualizao.A velhicepodeservivenciadadeformasdiferenciadasedevemserexperienciadastais formasemergentesdoenvelhecer.Queremosenfatizarque,destacarajuventudepara um grupo que no atingir as expectativas e caractersticas do jovem, preconizar uma idia falsa e ideolgica, cujo grande objetivo a manuteno do consumo de uma nova faixa de mercado. Colocar a juventude como parmetro para indivduos que esto passando por um processo de envelhecimento negar a dimenso biolgica que faz parte desse processo. Umidosonotemmaisamesmadisposiofsicaeaestruturabiolgicadeuma criana ou adolescente. Estes se encontram biologicamente, em uma fase de expanso e crescimento; diferente do idoso que est em um processo de desestruturao biolgica.Assim,colocarajuventudecomoparmetro,imporestasexpectativasde comportamentosparaosidosos,negarumprocessodedesenvolvimentoqueest inscrito em uma esfera biolgica.Osespecialistas,comoafirmaFoucault(2006),apresentam-secomoos intelectuais da modernidade ps II Guerra, que congregam os discursos da cincia como verdadeepoder.Elespossuemaautoridadedelegitimaredefinircategoriasde classificao e padres de comportamentos esperados para os indivduos. O discurso do conhecimentopassaaseraprticadaarbitrariedade.Alinguagemdosespecialistas detm os segredos da realidade vivida. Haddad(1986)mostracomoosgerontlogos(classequeabrangeosmdicos, psiclogos,antroplogosassistentessociais,emsumaosestudiososdoprocessode envelhecer), muitas vezes, encorajam os indivduos a adotarem estratgias instrumentais que so pautadas na concepo saudvel de envelhecimento: a preservao do corpo, a busca da juventude, da atividade, da recreao frente ao recolhimento.O curso de vida, que um processo de desenvolvimento criativo e heterogneo, noqualnohumanicaformadeinfncia,deenvelhecimentoouadolescncia, pautado nas especialidades, passa a ser vivenciado como um processo disciplinador, em que todos devem seguir as regras ditadas a partir do conhecimento cientfico para atingir a meta saudvel. Odiscursodosespecialistascorroboracomabusca,ilusriaeconsumista,do envelhecimento como retorno a juventude. O saber cientfico no um mero sistema de tcnicas,masumconhecimentoqueproduznormas,queestabelececritrios,que transforma opes em regras que devem ser seguidas. 1. O percurso da pesquisa Combasenestasdiscusseseestudoshistricos,apresentepesquisatevepor objetivoinvestigarasrepresentaessociaisdeidososribeirinhosparticipantesdo grupo de terceira idade da comunidade investigada. A teoria das representaes sociais porpossibilitaracompreensodosfenmenossociaisapartirdascognies,afetose prticascunhadascompartilhadasnavidacotidianadedeterminadosgrupose comunidades,foiabasetericaquefundamentoueorientouostrabalhosdeanalisese construo dos conhecimento sobre o fenmeno do envelhecimento neste estudo. Asrepresentaessociais,comoafirmaMoscovici(2004),remetemaum conjuntodeconceitos,significadoseexplicaesoriginadasnavidaquotidiana,no contatoentreosindivduoseosgrupossociais.Elaspropiciam,nessasrelaesde contatoecomunicao,aconstruodeteiasdesignificadoscapazesdecriareme explicarem realidade social no plano da efetividade dos fenmenos. Para atingir os objetivos da investigao utilizou-se da metodologia da pesquisa participante.Mtodoquecompreendeaconstruodosabercomoumaproduoque interferenarealidadecotidianadapopulao,equandodesenvolvidasemconjunto (pesquisador/comunidade)auxiliamnacompreensodascontradiespresentesna realidade cotidiana.Osparticipantesdoestudoforam19idosos,sendo17mulherese2homens, membros do grupo de terceira idade da comunidade. O processo de pesquisa iniciou-se comparticipaesquinzenaisdosinvestigadoresnasreuniesdogrupo,comosujeitos integrantesdacomunidade,quepormeiodeseusconhecimentos,emconfrontose discussescomossaberesdosidosos,construramnovasinterpretaeseconcepes sobre o envelhecimento. A idade dos membros do grupo oscila na faixa de 53 a 74, sendo que, com idade inferiora60anos,h2pessoas,umacom53eoutracom58.Amdiadeidadedo grupo de 65,3 anos, levando-se em conta as duas pessoas com idade inferior a 60 anos. Esta mdia de idade equivale, de acordo com dados de Tomanik et al. (1997), a 4,2% do total da populao de Porto Rico. Otempoderesidnciadosidososdogrupodeterceiraidadenosarredoresde PortoRicoedoRioParanvariade2a55anos,sendoquesomenteumaintegrante veio a se estabelecer nacidade h 2 anos, para cuidar do seu pai doente. Com exceo destapessoa,otempomnimoderesidnciadosintegrantesperfaz18anos,comuma mdiade39,7anos.Estedadonosmostraqueosidososdogruposopioneirosda regio na qual se encontra Porto Rico, que foi fundada em 21 de abril de 1964. Nenhumintegrantedogruponasceunacidade,todossoimigrantesdeoutras regies ou municpios. A Regio Sudeste a que apresenta maior nmero de imigrantes, 11membros,sendoque7idosossodoEstadodeSoPaulo,3doEstadodeMinas Gerais e 1 pessoa do Estado do Esprito Santo. A Regio Nordeste perde apenas para o EstadodeSoPaulocom5pessoas.OsEstadosquefazempartedesteagrupamento so: Sergipe, Alagoas, Bahia, Paraba e Pernambuco. O Estado do Paran equipara-se ao de Minas Gerais 3 pessoas do total do grupo. 2. Configurando novos campos de representaes sociais Aanliseinicialfoirealizadaconcomitantenossaparticipaonogrupo.Ela foiestruturadaapartirdeentrevistassemi-dirigidas,realizadasdeformaindividualna casadealgunsmembrosdogrupo.Foramentrevistadas14pessoas,sendoque5no quiseramparticipardoprocessoinicial,totalizando12mulherese2homens.Os integrantes foram escolhidos por meio da tcnica Bola de Neve, na qual se escolhe a primeirapessoaaserentrevistadaeesta,aofinal,indicaoutrapessoadogrupoa participar do processo.Osobjetivosdaanliseinicialerambuscarinformaesarespeitodecomose encontravaarepresentaodogruposobreoenvelhecimento,quaiseramassuas percepes,sentimentosevaloresemrelaoaesteprocesso;etambm,procurar compreender como eles concebiam e avaliavam o grupo de terceira idade, j que trata-se deumapesquisaparticipante,interessanteentendermosadisposiodogrupoea forma como os integrantes percebem o mesmo. Aanliseiniciallevouaconstruodeduascategoriasarespeitoda representaosocialdoenvelhecimentopelosidososdacomunidaderibeirinha.A primeira na qual compreendia a velhice como um processo de vivncia individualizado, pela perda de sua fora de trabalho, no realizavam mais servios comunidade. A vida ficava restrita a questes cotidianas como: limpar a casa, cuidar dos netos, fazer almoo entre outros. Asegundacategoriaapresentavaoidosocomointegrantedogrupodeterceira idade.Nestacategoriarepresentacionalviveravelhicetornar-sejovemnovamente, brincar, divertir-se e viajar. Aproveitar a vida e esquecer aquela idia do velho que fica em casa contando histrias de tempos idos.Ambasascategoriasdemonstrammodelossociaisprontoseformados,oqual bastaosujeitoenquadrar-separareproduzirosvalores,significadosemodosde existnciaatribudosaeles.Oprimeiromodeloconfiguraaconcepodoidosocomo sujeito que se tornou incapaz para a produo capital, e que por esta razo, no tem mais com o que contribuir para a comunidade.Enquanto a segunda categoria, a de terceira idade, realiza a inverso de sentidos esignificadosnavelhice,preconizandocomoauxliodeespecialistasnarea gerontolgica,queoenvelhecersaudvelpauta-senaretomadadajuventude,negando osprocessoscondizentesaestafaixaetriaeestabelecendoummoldeautoritrioaos idosos que no seguirem este padro.Noqueoidosonodevaprocurarnovosmodosdeexistncia,pormse enquadrarem de forma homognea a modelos que se delineiam com traos autoritrios e disciplinadoresrestringirumplanodeexistnciapluralareproduodecpias totalitrias.Taldiscursoautoritrionoserestringeaosdiscursosdosintelectuais especializados,comodiriaFoucault(2006),masderrama-senasmalhasdiscursivasda comunidade, no qual os prprios idosos passam a preconizar este modelo como o ideal e arechaaroutrosquefujamaslinhasdestepadroinstitudopelosaber-poderepelo mercado de consumo. Aanliseinicialfoidevolvidaacomunidadenaformadediscusso,como intuitodesuscitarreflexessobreestesmodelospr-estabelecidosdevivenciada velhice, que por vezes restringem um plano de existncia plural a reproduo de linhas institudas. Durante as reflexes levantamos a importncia dos relatos de vida e das histrias contadas por eles, tentando mostrar como elas retomavam o passado e reconstruam um universojperdido.Contarestashistriasaoutroseraconservaretransmitiras tradies, a cultura e a experincia de vida a outros membros da comunidade. No desenvolvimento destas discusses, vrios dos idosos passaram a perceber-se comooscuidadoresdamemriaculturaldacomunidadeealgumasatividadescomoa culinriaeoscontosdevidapassaramaservalorizadas,jquefaziampartedeum processo de resgate das tradies e das razes daquela populao. Apsadiscussodogruposobreosresultadosdaanliseinicial,tanto investigadoquantoinvestigadoresconseguiramcompreender,deformamaisclara,os temaseproblemasdiscutidos,oquepossibilitoutraarplanosdeaoparapossveis solues dos problemas.Afasedeplanejamentodeumaestratgiadeaoiniciou-secomcerta dificuldade por parte dos investigados. Talvez isto se deva falta de desenvolvimento e planejamento de projetos ou planos de ao por parte dos participantes, que, na maioria das vezes, no elaboravam as atividades que executavam, estas eram sempre propostas por outrem. Quandoperguntamosaelesoquedeviaserfeitoparaaresoluoda problemtica,frasescomoestasapareceram:Ah,noseino,masvocdevesaber. Qual o causo? O que o senhor quiser agente faz, ou pelo menos d uma idia quea gentedesenvolve(Conceio,73anos).Devemosconsiderarqueparagrupos marginalizadosnofcildestituir-sedasamarrasdadominao,asquaisforam construdasaolongodesuaformao.Voltar-separaasuarealidadecomumolhar crticoeemancipadorquepossibiliteavisodascontradiesedasformasde dominao enfrentadas requer tempo e um trabalho de reflexo minucioso a respeito da situao do grupo frente ao seu cotidiano. Ante estes questionamentos, retomamos novamente a discusso sobre o que eles poderiamfazer,ouqualseriaafunodelescomoidosos.Nessadiscusso,eles manifestaramodesejodetrabalharcomalgumacoisaqueenvolvesseashistriasde vida, receitas de culinria, ou histrias de pescador e lendas antigas. Realizamosumasntese dadiscussocomseudesfechonaidiadaformulao de um livro do grupo sobre histrias de vida, contos de pescador e receitas culinrias. A propostaformuladafoideque,acadaencontro,duaspessoascontariamasuahistria para o grupo. Desta forma, no somente as pessoas que contam a histria participariam dolivro,masogrupoestariaenvolvidocomoumtodo.Comoamaioriadogrupono freqentou a escola, os relatos foram gravados pelo pesquisador, que os transcreveu. Oprojetodeformulaodolivrotransformou-seemparteintegrantedos objetivosdapesquisa.Olivrotornou-seoinstrumentopeloqualosidosospuderam refletireconfigurarnoplanodavidacotidianamodosdeexistnciaquefogemaos modelossociaisdisciplinadorespr-estabelecidos,transubstanciandonovoscampos possveis do envelhecer. 3. Consideraes Finais Osrelatosdevidaabrirampossibilidadesparaosidososatuarem,combaseem suasvivnciaseexperincias,comoreconstrutoresdahistria,mostrandoquetal atividade no suprflua ou desnecessria, afinal recuperar o passado e reconstru-lo no presente um trabalho rduo de conservao das tradies e da cultura de um povo. Osidosos,aopartilharemsuasexperinciasnogrupo,mobilizaramemseus companheiros,comonummovimentodeespelho,noqualsevemnavidadooutro, lembranasdetemposidos.Nesteentrelacederecordaesmnemnicas,osidosos trabalharamemconjuntonamontagemdeumquebra-cabea,noqualcadapea figurada como um momento ou um fato que partilharam, procurando atribuir sentidos e significados silhueta que se formaram a cada encaixe e lembrana recordada.Anarraodosidosossobresuashistriasdevidaproporcionoua desestabilizao dos ncleos representacionais presentes e a construo de novas formas de representao da velhice e seus processos.O envelhecimento passou a ser ancorado deformapositiva,comoummomentodereconstituiodopassadoeosidosos passaram a ser objetivados como os guardies da memria social da comunidade.Ao ouvir as vidas narradas percebemos que a histria no limpa e linear como seapresentaescritanosregistrosoficiais.Aoolharparaosintegrantesdogrupode terceiraidadevemosahistriadaquelacomunidadeemcadarostomarcadopelosole moscomsulcosdotrabalhonaroaenasredespuxadasduranteavida.Estesidosos construramopresenteetrabalhamparaatransmissoeconservaodopassadono tempo futuro. O livro sobre histrias de vida atuou como um mecanismo de interveno para a formaoderepresentaesdivergentesdaquelasencontradasanteriormentenogrupo de terceira idade. Este processo de construo de novas formas de representar a velhice configura-se no apenas no interior do grupo, no formato de representaes sociais; ele se revela e se transubstancia nas prticas cotidianas dos idosos, em suas representaes pessoais e nos acontecimentos da vida diria. Eles passam a valorizar os conhecimentos, saberes e crenas que foram constitudos ao longo de sua vida. Osidososatuam,pormeiodesuasreminiscncias,comoarquelogos,que procuram reconstruir sentidos e significados de artefatos que resistiram ao do tempo e que se apresentam, mesmo que desgastados, vivos na realidade presente. O processo de desenvolvimento uma trama de eventos coletivos e experincias individuais que produzem fenmenos heterogneos que no podem ser apreendidos, de formaexata,pornormaseregrasgerais.Oenvelhecimentoconstrudoacada experincia,asuaconstruodependedaconfiguraopluraldasvivnciasdecada indivduo,bemcomodosvaloresqueestestrazemconsigo,juntamentecomsuas condies sociais, seu momento histrico e sua formao cultural. 4. Referncias ARIS, P. Historia social da criana e da famlia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. DEBERT,G.G.,&SIMES,J.Aaposentadoriaeainvenodaterceiraidade(p. 31-48).In DEBERT G. G. (Org.), Antropologia e velhice. Textos didticos. Campinas: IFCH/UNICAMP, 1994. DEBERT,G.G.Areinvenodavelhice:socializaoeprocessosdereprivatizao do envelhecimento. So Paulo: FAPESP, 2004. DEBERT, G. G. (). Antropologia e o estudo dos grupos e das categorias de idade (p. 49-68).InMORAESM.&BARROSL.(Orgs.),Velhiceouterceiraidade?.Riode Janeiro: FGV, 2007. FOUCAULT, M. Microfsica do poder. 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