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DESCONSTRUÇÃO DO LUGAR O aterro da praia da frente do centro histórico de São Sebastião (SP) José FRANCISCO Pompeu Figueiredo de CARVALHO [...] o homem jamais pode prever a totalidade de uma ação técnica. A his- tória mostra que toda aplicação técnica, em suas origens, apresenta efeitos (imprevisíveis e secundários) muito mais desastrosos do que a situação anterior ...(ELLUL, 1968, p. 108) Introdução Este trabalho apresenta para discussão o conceito de “desconstrução”, como um instru- mento analítico que facilita desvelar formas de trabalhar o espaço. Essa palavra, com recorte físico-espacial, carrega a afirmação de que o espaço está em constante transformação. Não há construção sem destruição. Apresenta como estudo de caso o processo de desconstrução da “praia de São Sebastião”, conhecida como a “praia da frente”, junto ao centro histórico da cidade de São Sebastião, no litoral norte paulista. O tema surge a partir de nossa participação no “Concurso Público Nacional de Idéias para a Implantação de uma Marina e Revitalização Urbana do Centro Histórico da Cidade de São Sebastião”. Apesar da região ser conhecida por nós, foi só com olhar mais atento, e com função precípua de conhecer esse espaço para poder trabalhá-lo, é que fomos a ela e começamos, então, a efetivamente entendê-la. No desenrolar dos trabalhos identificou-se a área, objeto do concurso, como sendo um acrescido de marinha da mesma forma que quase toda a área do porto de São Sebastião. Como o centro de São Sebastião e a área portuária da cidade puderam “ganhar terreno” em tão pouco tempo? Em que condições isso se realizou, e por que o estado de abandono atual desses espaços? Da paisagem ao espaço ou da natureza a natureza segunda O trabalho é, ao mesmo tempo, o elemento formador do homem e transformador da natureza. Por ele, então, passamos do espaço natural para o espaço transformado ou, simplesmente, da paisagem ao espaço. A formação do homem está ligada tanto ao espaço natural quanto ao transformado.

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DESCONSTRUÇÃO DO LUGAR O aterro da praia da frente do centro

histórico de São Sebastião (SP)

José FRANCISCOPompeu Figueiredo de CARVALHO

[...] o homem jamais pode prever a totalidade de uma ação técnica. A his-tória mostra que toda aplicação técnica, em suas origens, apresenta efeitos (imprevisíveis e secundários) muito mais desastrosos do que a situação anterior ...(ELLUL, 1968, p. 108)

Introdução

Este trabalho apresenta para discussão o conceito de “desconstrução”, como um instru-mento analítico que facilita desvelar formas de trabalhar o espaço. Essa palavra, com recorte físico-espacial, carrega a afirmação de que o espaço está em constante transformação. Não há construção sem destruição. Apresenta como estudo de caso o processo de desconstrução da “praia de São Sebastião”, conhecida como a “praia da frente”, junto ao centro histórico da cidade de São Sebastião, no litoral norte paulista.

O tema surge a partir de nossa participação no “Concurso Público Nacional de Idéias para a Implantação de uma Marina e Revitalização Urbana do Centro Histórico da Cidade de São Sebastião”.

Apesar da região ser conhecida por nós, foi só com olhar mais atento, e com função precípua de conhecer esse espaço para poder trabalhá-lo, é que fomos a ela e começamos, então, a efetivamente entendê-la. No desenrolar dos trabalhos identificou-se a área, objeto do concurso, como sendo um acrescido de marinha da mesma forma que quase toda a área do porto de São Sebastião.

Como o centro de São Sebastião e a área portuária da cidade puderam “ganhar terreno” em tão pouco tempo? Em que condições isso se realizou, e por que o estado de abandono atual desses espaços?

Da paisagem ao espaço ou da natureza a natureza segunda

O trabalho é, ao mesmo tempo, o elemento formador do homem e transformador da natureza. Por ele, então, passamos do espaço natural para o espaço transformado ou, simplesmente, da paisagem ao espaço. A formação do homem está ligada tanto ao espaço natural quanto ao transformado.

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O trabalho das mãos na paisagem-natureza inaugura a grande caminhada, cada vez mais presente, da “construção”, ao mesmo tempo, do humano e do espaço. Pode-se indagar, na medida em que o que se constrói, ao menos em termos espaciais, nada mais é do que a modificação do espaço existente, se não se trata, então, do que chamamos desconstrução. Somos talhados para a desconstrução espacial e, de tão imbricados estamos com ela, que podemos afirmar não saber fazer nada que não seja desconstruir.

Nos parece que a história humana é “feita“ a partir do trabalho incessante do ho-mem no meio ambiente. “Classicamente” o início da História é considerado como sendo a partir de uma ação ou ato simbólico nesse meio, quando se deixa documentado, por ele, o trabalho social. É incorporado ao meio através do papiro, na madeira, à argila, à pedra etc.. Pode-se perguntar porque só agora, pela sua destruição, dá-se conta da importância desse meio ambiente? Com a desconstrução juntamos o meio ambiente ao homem, e vice-versa, ambos na sua interdependência.

Na sociedade atual, onde o modo capitalista de produção é dominante, produz-se de tudo e tudo o que se produz, direta ou indiretamente, é espaço. Lefèbvre assim se manifesta: “Produzir, afinal de contas, hoje, não é produzir isto ou aquilo, coisas ou obras, é produzir espaço [...]. A mercadoria (o mercado mundial) ocupará o espaço inteiro” (LEFÈBVRE, 1974, p. 253). Não paramos, então, de produzir espaço. Ele é a grande mercadoria. Nesse sentido representa, sobretudo, um “contrato espacial”, pois está totalmente subjugado na produção de mercadorias a ponto dele próprio tornar-se não só mais uma delas, mas a síntese de toda mercadoria. Se o espaço é a grande mercadoria, a força-de-trabalho que o “esculpe” não poderia deixar de ser a mercadoria por excelência!

O trabalho do homem, inicialmente na natureza primeira e em seguida, e por causa dele próprio, num processo contínuo e ininterrupto, criando a natureza segunda, é sinônimo de desconstrução.

Cabe assinalar ainda, na desconstrução espacial, o papel importante e fundamental desempenhado pela técnica. As diversas técnicas aí aplicadas podem significar diferentes estágios de complexidade na desconstrução espacial.

O conceito de desconstrução

A desconstrução espacial pode ser entendida de duas maneiras. Primeiramente como sendo o processo de transformação constante a que o espaço existente está antropicamente submetido - e não poderia ser de outra maneira - seja ele natural ou artificial, e, como outra forma de entendimento, a tarefa ou o esforço de se entender o papel do espaço - ao que chamaríamos de desconstrução espacial também - na análise da evolução e desenvolvimento da humanidade.

As duas formas de entendimento da desconstrução se completam, e se somam para formarem um todo maior de preocupação e de possibilidade do conhecimento dos espaços social e natural-transformado. Pode-se dizer que a primeira forma se aproxima mais da compreensão do quotidiano, do espaço físico a nível prático, operativo e instrumental. Já a

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outra forma significa um esforço teórico de investigação histórica. Assim, prática e teoria somadas compondo referencial ao espaço e as suas transformações e evolução, ao que podemos chamar de praxis espacial, ou, com a desconstrução, uma prática consciente da intervenção do homem na natureza.

O conceito “desconstrução” possui uma grande potencialidade por possibilitar resgatar a totalidade-essência da construção. Ao construir, se destrói uma natureza, natural ou artificial, geralmente, várias vezes desconstruída. A instância da destruição é, no entanto, negligen-ciada, com pouco peso nas decisões, alienando-se de todas as implicações do processo de construção. A evolução deste rico conceito vai de Marx e Engels à contemporaneidade do filósofo Jacques Derrida, do arquiteto italiano Paolo Portoghesi, do arquiteto catalão Antoni Gaudí e do brasileiro João Filgueiras Lima. Esses três arquitetos, de renome internacional, propõem, claramente, a integração da edificação com o meio ambiente do entorno.

Para Marx e Engels (1972) o homem produz (novas) necessidades, como primeiro fato histórico, que são supridas pelo trabalho aplicado na natureza, transformando-a e a ele próprio. Podemos considerar essa “transformação” com o mesmo significado de descons-trução. A própria consciência humana estaria relacionada ao que estava próximo “à mão”, para ser tocada, como já a lembrar o trabalho, quando diz: “Minha consciência é minha relação com aquilo que me rodeia” (MARX; ENGELS, 1972, p. 63, grifado por Marx nos manuscritos). Se toda transformação espacial é, em última análise, desconstrução, pode-se considerá-la como síntese do espaço em movimento, como evolução, capacitando sua análise, pelas partes que a completam.

Entre sociedade e natureza, em desconstrução, as mediações mudam, dialeticamen-te, na medida que ambos se transformam, se condicionam e interagem. A alienação tende a crescer porque os meios passam a fim e cria-se uma razão instrumental, que passa a ter crescente autonomia relativa. Tende-se a esquecê-los tão logo se satisfaz ao utilizá-los. A mão, ícone do trabalho e da técnica, estende-se com a ferramenta e também com a necessi-dade de maior conhecimento pela possibilidade de continuar transformando a natureza. Este passa a ser o mais amplo dos meios de se relacionar com o espaço, num processo incessante de desconstrução. O devir é aumentar a capacidade de desconstruir o espaço, pelo uso da técnica, portanto, reduzindo a existência humana a um pragmatismo utilitário. A ferramenta como extensão do corpo aliena-se do mesmo na medida que avança a divisão do trabalho. Fabricam-se ferramentas para uso de outros e apropriação do seu trabalho e mais-trabalho. A ferramenta, o corpo e o espaço passam a ser mediações de exploração entre os homens. Construções e destruições, ou sejam a desconstrução do mundo, têm ônus e bônus distribu-ídos desigualmente entre os homens.

É necessário conscientizar-se da destruição dos espaços, não se omitindo de res-ponsabilidades. Ao se falar de construção fala-se de desconstrução, resgatando a totalidade destruição-construção da ação antrópica com todas as suas vicissitudes. O novo conhecimento espacial que se deseja através do conceito de desconstrução impõe uma nova consciência social. E essa nova consciência pode começar a vir através de uma nova prática espacial.

Na produção do espaço destrói-se primeiro para em seguida construir, completando a desconstrução. A desconstrução é o processo completo da intervenção espacial, aí incluído

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também o produto acabado. Dessa forma o conceito de desconstrução é mais amplo que o de construção e devemos considerar, então, que não existe construção, mas sim a des-construção espacial. Assim a desconstrução, além de abarcar as implicações decorrentes das modificações no espaço previamente existente, contém também os “imperativos” da nova construção e seus impactos atuais e futuros. Nela conseguimos apreender, então, toda a dinâmica da produção espacial.

O escopo principal do nosso trabalho é colocar em evidência, pela sua importância e singularidade, a “unidade do homem e da natureza” (MARX; ENGELS, 1972, p. 57), ou a “natureza única” (MARX; ENGELS, 1972; GOMES, 1990), onde o homem se mescla com a natureza e se desenvolve, nas suas necessidades, a partir da desconstrução que ele pratica. O homem precisa ter como objetivo maior, inter-relacionar-se em harmonia com a natureza única, cultural, devendo, portanto, ele próprio praticar, uma “desconstrução míni-ma”. A questão, então, é saber de que maneira podemos modificar o espaço de tal forma que tenhamos o mínimo de alterações. Aprendemos com a natureza, ela é nosso modelo e guia e temos a tarefa precípua de conservá-la, entendendo as suas leis, pois elas são imutáveis diante da ação humana.

A questão da desconstrução espacial

O termo desconstrução ajuda a nos tornar conscientes e responsáveis pela “destrui-ção”, pela perda do bem preterido, pelo impacto ambiental e pelo aumento do conhecimento que temos do espaço. Tanto o espaço “natural” quanto o “transformado” vivem ambos em desconstrução permanente. A preocupação com a desconstrução espacial deve existir, ini-cialmente, não só como postura dos agentes envolvidos, todos buscando a harmonia com o espaço existente, mas como direito de fato da sociedade. Esse pressuposto de ação pode levar a uma mudança qualitativa na projetação espacial, enquanto processo maior, obtido por uma somatória de intervenções portadoras de preocupação com a desconstrução espacial. No fundo o que se advoga é que o interesse nos projetos de intervenção espacial possa vir a partir da própria prática projetual em si, e o que ela pode acarretar em termos de preser-vação da riqueza estética da paisagem, e não a partir da constatação de erros sucessivos que cometemos ao destruir nossas paisagens. Como num processo dialético, uma sucessão quantitativa de eventos levando a uma mudança qualitativa no ato de projetar.

Nós não projetamos a paisagem, até hoje, ou raramente fazemos isso. Ela é fruto de “prolongamentos” pontuais, parciais e sucessivos dos “espaços” que a compõem. Nossa consciência dela se dá em nível mais micro de que macro. A necessidade de uma consciência coletiva da paisagem, e de sua continuidade como garantia de qualidade de vida, nos faz desembocar na desconstrução. Cabe a nós saber aplicar convenientemente na paisagem, uma desconstrução melhor adequada.

O novo espaço é ocupado, construído, destruído, transformado, habitado, “salpicado de verde”, sempre trazendo algo de novo e de diferente como o motor das “construções”. O acontecer contínuo entre o existente e o novo, chamamos de espaço desconstruído.

Não se trata de novo tipo de espaço, mas de começar a entender o espaço que nos cerca a todos, de uma maneira mais abrangente. A desconstrução então pode ser entendida

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como uma forma plena e consciente de “trabalhar o espaço”, superando mesmo a divisão rural-urbana preconizada por Marx e Engels (1972, p. 95).

Qualquer quinhão de espaço natural ou artificial a ser transformado deve ser trabalhado a partir de projetos executivos detalhados, de tal sorte que nada, ou quase nada, escape à análise e não se descaracterize o lugar. É fundamental que tenhamos consciência, sobretudo das conseqüências quanto a não conservação do meio ambiente, dos atos que nele praticamos.

Sempre se desconstrói o existente. O novo é o espaço da pseudoconcreticidade se o entendermos como o único alavancador do desenvolvimento urbano. Precisamos “destruí-lo”, enquanto tal, e inaugurarmos a concreticidade do espaço desconstruído. Portanto a desconstrução precisa deixar de ser abstrata ou pseudoconcreta para passar a ser concreta. Pela explicitação da desconstrução, do abstrato ao concreto, como ensejado por Kosik (1995, p. 37).

Entre o antigo e o novo podemos ter três formas de intervenção no espaço: reabilita-ção (sem desconstrução alguma), renovação (com desconstrução mínima) e destruição (com desconstrução máxima). Evitando-se a desconstrução máxima a reabilitação/renovação de espaços estaria presente, mantendo-se parte da história viva do espaço-paisagem do homem. A hipótese que levantamos é que, nas intervenções espaciais, há uma desconstrução muitas vezes, freqüentemente mesmo, alienada, desnecessária e abusiva, normalmente atendendo à rentabilidade econômica, num arranjo espacial duvidoso.

Os espaços para serem adaptados devem ser convenientemente planejados e projeta-dos. Nos desenhos, os traços originais do espaço existente devem ser mantidos, como que a marcar e garantir a documentação da evolução espacial, o que vale dizer, não só pouco desconstruir, mas deixando assinalado o que deve permanecer. Os projetos arquitetônicos devem “pousar no solo”, isto é, relacionar-se criativamente com as peculiaridades dos objetos naturais existentes, por exemplo, o verde e a água devem fazer parte e penetrar os novos espaços. Além disso, o ambiente construído resultante deve ter garantido sua organicidade e integração com o entorno. Entendemos a desconstrução do espaço como possibilidade prática, que se nos apresenta, de intervenção espacial com preocupações socialmente engajadas.

A cada intervenção cabe a “descoberta” consciente sobre o que mudar e de que maneira fazê-lo, mas deve-se atentar, sobretudo, para o que conservar. O novo espaço deve ser organizado a ponto de garantir uma continuidade sem rupturas absolutas. Assim a des-construção mínima pode ser entendida como equilíbrio do movimento espacial?

Leonardo Boff (2001) num interessante artigo publicado na Folha de S. Paulo, in-titulado “Paz como equilíbrio do movimento”, nos faz pensar na dinâmica e metamorfose do espaço. Para ele equilíbrio

é a justa medida entre o mais e o menos, [...] é o ótimo relativo. [...] Pos-sui equilíbrio o movimento que se realiza dentro da justa medida e não é excessivo ou insuficiente. A paz é esse ponto de equilíbrio sutil e sempre em construção. [...] A justa medida é a capacidade de usar potencialidades naturais, sociais e pessoais de tal forma que elas possam durar o mais possível e possam, sem perda, se reproduzir. (BOFF, 2001, p.3)

Termina seu artigo deixando antever que a crise atual é causada pelo pouco equilíbrio

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e pelo excesso de movimento. As transformações, ou os movimentos incessantes a que o espaço está submetido, a ponto de perder-se a história espacial, são fruto da velocidade de acontecimentos a que nós nos submetemos. O que está mudando, além da velocidade da mudança (LE CORBUSIER , 1972, p. 5 e VIRILIO; LOTRINGER, 1984, p. 49), é o espaço que a acompanha.

Destruímos por destruir nossos espaços, mas, obviamente, para ganhar outro uso com o “novo espaço” que se mostra. Muitas vezes deixa-se de discutir se mesmo uma “carcaça” do anterior não merecia ficar de pé.

Se o movimento gera a vida a partir de seu equilíbrio, que papel tem o espaço para sua constituição? O espaço, como a matéria e a energia, faz parte intrínseca da vida: sem ele ela não ocorreria.

Acreditamos que a desconstrução mínima, isto é, aquela que preserva ao máximo o espaço existente dando suporte à vida que aí se desenrola, numa perspectiva de animação da história social, pode ser entendida como equilíbrio do movimento espacial. E que ela possa “durar o mais possível”.

A desconstrução da orla Sebastianense a partir da construção do porto de São Sebastião

O processo de urbanização brasileiro é marcado desde os primórdios pela utilização de suas fronteiras-d’água marítimas. O litoral norte do estado de São Paulo não foge a esta regra. O local escolhido para a fundação da cidade de São Sebastião – um pequeno “promontório”, era um ponto estratégico numa fronteira-d’água. Da praia se avistava toda a ilha da frente e a parte norte e boa parte do sul do canal de São Sebastião. Estava abrigada pelo morro do Araçá do vento que sopra intensamente do sul e se defendia contra possíveis invasores. Isso pode ser constatado no trabalho de Almeida (1959) onde se mostra o papel importante do porto para a província, a tal ponto do vilarejo ser alvo de ataques por grupos de piratas.

Até a terceira década do século passado a cidade ainda tinha seus traços coloniais preservados, numa imagem bucólica e bela que agradava bastante a todos os visitantes, sobretudo a partir do cenário composto com a ilha da frente, não por acaso chamada de bela.

Chama-nos a atenção um fato bastante curioso levantado pelo Relatório da Comissão Geográfica e Geológica (CGG, 1919 ): a rua da praia, em São Sebastião, só possui edifica-ções de frente para o mar, talvez como forma de garantir que nenhum obstáculo dificulte a vista da exuberante paisagem, além do que, era ali que paravam as embarcações. Por outro lado na Ilhabela inúmeros trechos da rua da orla possuem edificações de ambos os lados.

O fato, talvez, mais significativo da importância da praia da frente, onde deverá ser feito o dique de contenção do aterro, foi sua influência no traçado das ruas pioneiras, sobretudo as ruas Expedicionários Brasileiros e Antonio Cândido (CGG, 1919, p. 7). As ruas iniciais do povoado tinham seu traçado acompanhando a linha d´água, descrevendo elas também, sinuosidade semelhante: como se elas fossem um prolongamento do movi-mento e do desenho da água do mar na praia. De um lado, internamente, a concavidade

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propiciava o juntamento do povo e do outro, externamente, a convexidade – como que os desafiando pela amplitude e, talvez, pelo desconhecido - os impelia na direção das águas, ao mar (TUAN,1980, p. 131). Ainda hoje, em São Sebastião, sente-se a importância desse “desenho em curva” das ruas, tornando o simples caminhar por elas bastante agradável não só pela expectativa do inesperado visualmente, mas pela ausência de longas perspectivas.

Mais adiante, naquele mesmo Relatório, o articulista qualifica a vista da orla da praia “tudo enfeixando o mar, que no centro da paisagem causa a impressão de um grande lago entre montanhas” (CGG, 1919, p. 7). “A praia era muito bonita e chegava até o prédio da cadeia: o processo de assoreamento da praia da cidade começa com a construção que foi feito lá atrás”, como nos disse um habitante local referindo-se as sucessivas obras do porto comercial de São Sebastião.

O cenário natural que envolve a área central da cidade merece cuidados especiais pois, pode-se constatar, foi e continua sendo objeto de transformações tanto no mar quanto em terra. Não adianta afirmar que “São Sebastião é um dos lugares mais belos do mundo” (PMSS, 1998), se não há ações que possam sustentar tal atributo e garantir só as transforma-ções mínimas que se fizerem efetivamente necessárias. Desnecessário dizer da importância de se desenvolver cientificamente os conhecimentos espaciais sobre esse lugar.

Embora ainda exuberante e bela a paisagem local, a população de São Sebastião lastima hoje sua degradação, sobretudo, junto à área central da cidade.

Ainda o Relatório de 1919 mostra que, como não havia um local próprio para atra-cação de barcos regulares de passageiros, estes fundeavam ao largo do canal (há relato de um muro, longe da costa, que servia de atracadouro) e os passageiros eram transportados nos braços de “carregadores”. Isto demonstra uma relativa satisfação com relação à função portuária, em se tratando de área de porto natural, mas sem cais interligado à terra firme.

A região é procurada, inicialmente, pelas suas características geográficas naturais: sua paisagem é significativamente marcante. A aldeia e o porto, talvez para os indígenas, eram entendidos de forma una, mas ampla: porção de terra em pequeno promontório que os impelia ao mar, junto a águas calmas, proteção contra os ventos, proximidade com a ilha, panorama agradável além de situar-se junto a dois cursos d’água.

Esse bucolismo o caiçara herda do indígena, ou, melhor dizendo, ele, o caiçara, se forma junto a essa paisagem numa estreita relação com o ambiente. Pode-se afirmar que o mar, a terra e o caiçara são uma só coisa. Ele tem um pé na terra e outro no barco.

O início da vila e até as primeiras décadas do século passado, está mais dentro do que chamamos de “desconstrução engajada do espaço natural”. Esse espaço se vale de uma “técnica” que convive perfeitamente com o meio natural. Mas, atualmente, sua zona costeira está totalmente tecnicizada de tal sorte que se descola do espaço natural, atendendo mais às influências externas da economia do que às necessidades locais. Assim, os interesses de acúmulo de capital é que comandam o desenvolvimento local, desfigurando e descaracte-rizando o espaço do caiçara.

O bucolismo de outrora poderia ainda existir, sobretudo se o projeto de fronteira-d’água - o porto, cais propriamente dito, pátios e acessos – tivesse seguido procedimentos da desconstrução espacial. Nessa linha de raciocínio a “ponte” de acesso ao cais nunca poderia

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ter sido enrocada e, sim, deveria ter usado métodos construtivos que garantissem a livre movimentação das águas e evitando ou minorando a sedimentação de partículas de areia em suspensão. Acreditamos que dessa forma o assoreamento da praia da frente teria sido, se não evitado, no mínimo reduzido a níveis de trabalhabilidade e de convívio satisfatórios. Tal relação com o espaço poderia, assim, ensejar mudanças e transformações elaboradas previamente e que, portanto, fosse do agrado da comunidade.

O porto de São Sebastião é antigo e se vale das características geográficas propícias do canal onde está localizado. Com o crescimento e diversificação da demanda portuária esse espaço sofre transformações que produzem maior envolvimento técnico. Diversas obras pequenas são executadas e desaparecem com o tempo, em função de fatores sejam de falta de interesse em consolidá-las ou de conservação das mesmas ou, a nosso ver sobretudo, pela ausência de planejamento efetivo que pudesse garantir ampliações sucessivas, ensejadas não só pelo avanço técnico das embarcações, mas também como resposta técnica e espacial de ampliação de instalações portuárias.

Ainda no século XIX o porto de São Sebastião chega a ser mais importante que San-tos, talvez pelas características naturais do sítio. A estrada de ferro interligando São Paulo e Rio de Janeiro, e Santos a Jundiaí, vem marcar definitivamente até hoje a predominância do porto de Santos em detrimento do de São Sebastião. A capital do estado e seu porto Santos funcionam como irradiadores para o interland da província dos movimentos de importação/exportação de mercadorias. Posteriormente inúmeras ligações rodoviárias a partir de São Paulo selaram em definitivo o papel de principal porto do Estado.

Apesar dessa preponderância, uma crise do porto de Santos abre a possibilidade de se ampliar o porto de São Sebastião a partir de 1925. Examinando-se um desenho, em pers-pectiva de vôo de pássaro, e fotos de execução do projeto original do porto de São Sebastião, em 1940 (SVOP, 1941, p. 12 e 116), percebe-se que o que se tinha em mente, era a criação de duas baías delimitadas pelo cais, pelo acesso a ele e pela praia da frente, funcionando como um conjunto agradável a ser utilizado tanto por embarcações quanto por banhistas.

Agrega-se, então, ao espaço natural alguns objetos técnicos necessários ao aprimora-mento da função portuária, sem, no entanto, propiciar uma desconstrução sensível do espaço local. Tal intenção, acaba por se viabilizar às avessas: no lugar das baías temos uma amplia-ção portuária através de aterros ao mar. Alarga-se, sobremaneira, a faixa de acesso ao porto através dos acrescidos de marinha, com o intuito não só de se apropriar de área assoreada, cuja formação é causada pela própria obra, mas também de aumentar a área do retroporto.

A parte interna do cais passa a ser assoreada exatamente pelo impedimento da livre movimentação das águas e a conseqüente diminuição da energia que é representada pelo acesso enrocado. Apesar da não existência até hoje de estudos mais acurados, é Silva (1975, p. 21) quem vai assinalar, nesse contexto de assoreamento local, a contra-corrente do rio Juqueriquerê. Para evitar o assoreamento no porto São Sebastião, na parte interna do cais, foi construído, então, ao norte, uma ponta enrocada, o que pode ter contribuído, ainda mais, para o aumento do assoreamento da praia da frente. Trata-se, tal ponta, do enrocamento

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definidor da pequena baía do atracamento das balsas, junto à parte interna do cais original.O projeto inicial do porto se desfigura e inaugura, na sua continuidade, uma política

de aterro da orla. Tal política deve ser ratificada e incrementada com a chegada da Petrobras.

A chegada da Petrobras

A Petrobras foi autorizada a instalar a partir de 1961, na margem oeste do canal de São Sebastião, um terminal de carga e descarga de petróleo e derivados. Na realidade a Petrobras já se encontrava em São Sebastião desde 1957, pelo menos, quando operava transbordo de petróleo, na entrada do canal, de navios grandes para menores que pudessem atracar no porto de Santos. Com o funcionamento do Tebar - Terminal Marítimo Almirante Barroso, ela passa a ter ganho de economia por deixar de pagar duas taxas em portos diferentes, além de se situar numa cidade de menor porte, onde seu mando político pode se desenvolver com maior proeminência. A Petrobras entra, então, para ficar e para dar as cartas!

A preponderância da Petrobras pode ser justificada institucionalmente, pois a adminis-tração do porto é concessão outorgada pelo governo federal ao estadual, e ainda mais, num período de ditadura militar. Portanto, como organismo federal, suas políticas com relação ao destino do espaço do porto local são “predominantes”. Lembremos que o estado de São Paulo, como poder concedido, deve submeter ao governo federal seus planos de expansão portuária, conforme prescrição legal.

Após instalar-se no município passou a ser a mais importante “autoridade” local. Tudo no município gira no seu entorno e nada acontece sem seu aval, pode-se admitir. Alguns prefeitos e vereadores da cidade foram funcionários da Petrobras. O espaço local passa, então, a ser “gerido” por quem mais detinha o poder.

O plano de expansão do porto vira refém da Petrobras, da sua areia argilosa do fundo do canal e do produto dos desmanches de morros, para expandir a área física portuária através dos acrescidos de marinha. Não sobra um quinhão sequer de área em terra. Tudo deve ser conseguido ao mar, a um custo proibitivo. Os diversos projetos de expansão do porto, no geral são em acrescidos de marinha.

A Petrobras chegou a começar a furar rocha da serra do Mar para a armazenagem de petróleo em São Sebastião (YABIKU, 1994, p. 27), oferecendo as pedras das cavernas para enrocamento de expansão do porto. Apesar desse plano de armazenamento de GLP – gás liquefeito de petróleo não ter ido adiante, fruto de intensa movimentação popular na época, ele encontra-se aprovado pelo Consema (antes da existência da legislação que institui a obrigatoriedade dos Eia-Rima) e representa um “trunfo na manga do colete” da Petrobras. Acredita-se que essa política não deva mudar, pois, até recentemente, no site da Petrobras (2001) veiculado pela internet, há a informação que a companhia ainda pretende armazenar GLP em cavernas na cidade de São Sebastião.

Quando a Petrobras anuncia seu desejo de aumento de calado do seu cais, surge o momento que a autoridade portuária não podia “ignorar”.

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O aterro da Praia da Frente

Em 1973, a Petrobras já tinha dragado a entrada sul do canal. Agora ela necessitava aumentar o calado de dois dos seus berços de atracação de navios no Tebar, PP2 no pier norte e PP3 no pier sul, para, mantendo a profundidade adequada, poder receber petroleiros de última geração. Os berços de atracação a terem seus calados aumentados estão situados ambos no lado oeste da área do cais, local esse de menor profundidade por situar-se em porção mais próxima da borda continental.

O Departamento Hidroviário - DH da Secretaria de Transportes do Estado de São Paulo, como autoridade aortuária, há tempos pretendia expandir a área do Porto de São Se-bastião, cais e área de retroporto, atendendo a possível aumento de demanda portuária por indústrias do Vale do Paraíba. Para tanto se pensa em aterrar toda a baía do Araçá. Tal ato foi evitado pela Secretaria de Meio Ambiente com base na recém legislação ambiental que instituiu os Eia-Rima (ofício SMA. 581/87 de 17 ago. 1987 do secretário do Meio Ambiente endereçado ao diretor do Departamento Hidroviário da Secretaria de Transportes do Estado).

Ao pedido de aterro total da baía, que foi negado pela Secretaria de Meio Ambiente segue-se outro, menos ambicioso, que é aceito em parte, pois nele se deixava de aterrar toda a baía. Parece-nos que, nesse sentido, há um acordo tático entre a Petrobras e o Governo do Estado de São Paulo: a parte do aterro que não se viabiliza na baía do Araçá é compensado com o aterro da praia da frente. Um convênio é assinado pactuando-se direitos e obrigações (5 set. 1988).

Em entrevista com Alfredo Mariano Bricks (29 jun. 1999) ele nos informa que as autoridades do porto Dersa – São Sebastião, nome atual do porto de São Sebastião, não estão mais interessadas no crescimento físico da área portuária: “Temos área mais do que o suficiente para o desenvolvimento portuário”. Tal afirmação é importante e faz-nos pen-sar que, face à magnitude das áreas de aterro, proposta pela autoridade portuária e negada pela Secretaria do Meio Ambiente, sua efetiva utilização como área retroportuária seja um pretexto. Essas afirmações deixam antever que apesar da “insistência” da parte do Governo do Estado de São Paulo para que se concretizassem os aterros com o material da Petrobras, essas novas áreas foram produzidas por interesse próprio da Petrobras.

Além disso, em documento recente da Dersa – Desenvolvimento Rodoviário S.A., atual autoridade portuária, há a afirmação de que os aterros em frente à cidade teriam sido executados também por mando da Petrobras. Vejamos:

O diretor do DH entrou em contato com a Diretoria da Petrobras e, na época, conseguiu parar o processo de licitação da dragagem, do transporte e lançamento do material. Atrasou o início de serviço em mais de um ano, até reiniciar o processo por parte do Estado, para fazer o aterro e refazer a licitação. Para a Petrobras baixou o custo da dragagem e o porto ganhou área praticamente pronta, sem despesa nenhuma, tendo custos somente com o transporte e espalhamento do material do morro [...] praticamente um terço do valor da obra. Primeiro foi feito o enrocamento e depois co-meçou o lançamento, que foi na área sul do porto e em três áreas em frente à cidade, mais para atender o volume mínimo que a Petrobras precisaria. Teria que haver uma área para receber um mínimo de volume a ser dragado

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e, como houve problema com o meio ambiente, de se aterrar a baía toda, a opção foi usar a parte da frente da cidade, mas não para funcionar como área portuária (BRICKS, 1994, grifo nosso).

Chega-se a afirmar na época que teria havido uma invenção do retroporto única e exclusivamente para servir como local de bota-fora do material de dragagem do canal, e que o desmanche do morro do Tebar somente foi viabilizado para construir o dique de contenção desse material (MRÓZ, 1987).

Considerações finais

Foi um choque. Onde há pouco ela estava, já não estava mais. Ou talvez ainda estivesse, mas irreconhecível, lentamente mastigada pelas mandí-bulas de um monstro deformante chamado tempo. [...] Tempo Presente ou Tempo Moderno [...]. O choque foi tão terrível que a própria memória do rosto amado parecia estar sendo corroída, a olhos vistos, por varíola, lepra e cupim. Não suportei a visão por mais tempo e fugi daquele lugar, como quem se arrancasse fisicamente de um pesadelo paralisante (PIG-NATARI, 1987).

As transformações paisagísticas das duas comunidades, indígena e caiçara, sobre o meio natural foram na direção da sua preservação, se comparadas às dos outros atores, inseridas num contexto de reprodução, através da renovação e transformação do ambiente paisagístico. Pode-se afirmar, portanto, que essas comunidades são desconstrutoras naturais

QUADRO 2. O aterro da praia da frente: a construção do dique de contenção.

A desconstrução máxima e total da praia da frente está quase completa! O episódio não pode ser evitado pela sociedade organizada de São Sebastião, tal a arrogância dos dirigentes da Petrobras e da Dersa. Mas o fato fica mais grave ainda quando sabemos que na área retroportuária havia espaço para absorver todo o material dragado.Fotografia: STÉFANO, R. L., 1999.

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estudos de Geografia

tendo em vista que impactam, mas não degradam o meio ambiente.As investidas na direção de projetos de ações antrópicas, seja para evitar o asso-

reamento da orla ou para se aprender a conviver com ele, após a consolidação das obras portuárias, como por exemplo a definição de área de mangue com plantio de vegetação junto a foz do córrego do Outeiro, não foram encontradas. Ao contrário, constata-se, além do fraco assoreamento natural causado pela contra-corrente marítima que carrega detritos do rio Juqueriquerê, o assoreamento causado pela ação antrópica das sucessivas obras do porto de São Sebastião, este, sim, significativo.

A construção do porto favorece - e mesmo acelera - o assoreamento a partir do “bloqueio” que a ponte de acesso significa para as correntes marítimas. Portanto, o porto é duplamente negativo para a utilização da praia: seja pela existência do acesso a ele, seja pelo assoreamento causado. Ambos causaram o desaparecimento da praia: como se o porto roubasse, aos poucos, a praia da frente! A linha da costa, assim, passa a ter novo desenho, um novo perfil, seja pela ação antrópica propriamente dita da construção do porto (descons-trução direta), seja pelo assoreamento provocado por estas ações (desconstrução indireta).

O desorganizado e autoritário processo decisório, liderado pelo Governo do Estado de São Paulo e pela Petrobras, viabilizou o aterro da praia. A população sebastianense e os visitantes da cidade perdem um patrimônio inestimável e insubstituível com a desconstrução total da praia da frente do seu centro histórico.

Nas sessões de Audiência Pública (1998) para debate do projeto da Marina, a ser talvez construída na área onde fora a praia da frente, foram trazidos para discussão diversos assuntos, alguns com informações contraditórias, faltando ainda uma avaliação concreta da desconstrução espacial que ocorreu. Na realidade o que prevaleceu foi o pseudo-concreto, para usar a expressão do Kosik. A marina (ou o porto) significa o novo e é esse mesmo novo como pseudo-concreticidade que comanda o processo. A cidade ganhou uma área degradada, que ela não queria, e não sabe como fazer para que os responsáveis arquem com as conseqüências de uma solução efetiva.

Referências

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set. 2001. Opinião, Caderno A, p. 3.BRICKS, Alfredo Mariano. Alfredo Mariano Bricks, fiscal das obras do aterro da Auto-ridade do Porto de São Sebastião: depoimentos [25 set. 1998 e 26 jul. 1999]. Entrevistador José Francisco. São Sebastião, 1998-1999. 2 cassetes sonoros (120 min), estéreo.BRICKS, Alfredo Mariano. Momento histórico: depoimentos, Documentos em Síntese, São Paulo, ano 3, n. 11, p. 46, set. 1994.COMMISSÃO GEOGRÁPHICA E GEOLÓGICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Ex-ploração do Rio Juqueryquerê. 2. ed. São Paulo, 1919.ELLUL, Jacques. A Técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra 1968.GOMES, Horieste. A Produção do espaço geográfico no capitalismo. São Paulo: Con-texto, 1990.

QUADRO 3. Vista aérea do conjunto das áreas aterradas na orla de São Sebastião

O que fora uma ponte de acesso ao porto, em 1940, hoje é um grande espaço conquistado ao mar sem utili-zação alguma e desfigurando a cidade. Neste quadro ainda se nota a antiga “linha da praia” como a separar a mancha urbana, dos terrenos acrescidos de marinha.Fonte: PMSS/IAB-SP, Concurso da Marina, 1998.

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