Desconsideracao Da Personalidade Juridica Inversa

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Desconsideração da Personalidade Jurídica Inversa Fabiana Batista 1 Stephanos Demetriou Stephanou Neto 2 A pessoa jurídica possui autonomia e personalidade jurídica distinta da de seus sócios. O Código Civil de 1916 dispunha expressamente no art. 20: "As pessoas jurídicas tem existência distinta da dos seus membros". O Código Civil, em vigor desde 2003, manteve a orientação. No art. 37, há previsão de que os atos praticados pelos administradores, no exercício da gerência, obrigam a pessoa jurídica. O art. 45, por sua vez, dispõe sobre a existência legal da pessoa jurídica. No art. 985, há menção sobre a aquisição da personalidade jurídica, distinta da pessoa física dos seus sócios. Em suma, a pessoa jurídica não tem seus bens confundidos com o patrimônio particular dos seus sócios. A aquisição da personalidade jurídica tem como marco referencial o registro dos atos constitutivos da sociedade na junta comercial. Nessa esteira de raciocínio, vaticina a doutrina: "Quando uma sociedade, associação ou fundação registra seus atos constitutivos (contrato ou estatuto social) no órgão competente, surge a pessoa jurídica, isto é, um novo sujeito de direito autônomo em relação às pessoas que estão a ela vinculadas, sejam os seus fornecedores de capital (sócios ou acionistas), sejam seus gestores (administradores) ou mesmo seu corpo de trabalhadores". 3 Mister sinalar que uma das condições para a existência de autonomia da pessoa jurídica é justamente a existência de patrimônio próprio, compreendido como as coisas, créditos e débitos – relações jurídicas de conteúdo econômico. Para Orlando Gomes, patrimônio seria a "representação econômica da pessoa". 4 1 Fabiana Batista é advogada (OAB/RS 61.194) e Analista Processual do Ministério Público Federal de Canoas (RS). Em 2009, concluiu o Curso de Especialização em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Previdenciário pela UNIRITTER. 2 Stephanos Demetriou Stephanou Neto é Acadêmico de Ciências Jurídicas e Sociais da UNISINOS e Estagiário de Direito do Ministério público Federal do Município de Canoas (RS). 3 PRADO, Viviane Muller. Organizações das Relações Privadas: uma introdução ao direito privado com métodos de ensino participativos. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 153. 4 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 209.

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Desconsideração da Personalidade Jurídica Inversa

Fabiana Batista1

Stephanos Demetriou Stephanou Neto2

A pessoa jurídica possui autonomia e personalidade jurídica distinta da de seus

sócios. O Código Civil de 1916 dispunha expressamente no art. 20: "As pessoas

jurídicas tem existência distinta da dos seus membros".

O Código Civil, em vigor desde 2003, manteve a orientação. No art. 37, há

previsão de que os atos praticados pelos administradores, no exercício da gerência,

obrigam a pessoa jurídica. O art. 45, por sua vez, dispõe sobre a existência legal da

pessoa jurídica. No art. 985, há menção sobre a aquisição da personalidade jurídica,

distinta da pessoa física dos seus sócios.

Em suma, a pessoa jurídica não tem seus bens confundidos com o patrimônio

particular dos seus sócios. A aquisição da personalidade jurídica tem como marco

referencial o registro dos atos constitutivos da sociedade na junta comercial.

Nessa esteira de raciocínio, vaticina a doutrina:

"Quando uma sociedade, associação ou fundação registra seus atos constitutivos (contrato ou estatuto social) no órgão competente, surge a pessoa jurídica, isto é, um novo sujeito de direito autônomo em relação às pessoas que estão a ela vinculadas, sejam os seus fornecedores de capital (sócios ou acionistas), sejam seus gestores (administradores) ou mesmo seu corpo de trabalhadores".3

Mister sinalar que uma das condições para a existência de autonomia da pessoa

jurídica é justamente a existência de patrimônio próprio, compreendido como as coisas,

créditos e débitos – relações jurídicas de conteúdo econômico. Para Orlando Gomes,

patrimônio seria a "representação econômica da pessoa".4

1 Fabiana Batista é advogada (OAB/RS 61.194) e Analista Processual do Ministério Público Federal de Canoas (RS). Em 2009, concluiu o Curso de Especialização em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Previdenciário pela UNIRITTER.2 Stephanos Demetriou Stephanou Neto é Acadêmico de Ciências Jurídicas e Sociais da UNISINOS e Estagiário de Direito do Ministério público Federal do Município de Canoas (RS). 3 PRADO, Viviane Muller. Organizações das Relações Privadas: uma introdução ao direito privado com métodos de ensino participativos. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 153. 4 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 209.

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Pois bem. Visando a impedir que “a utilização indevida do fim societário se

prestasse como instrumento de fraude de terceiros”5, surgiu o instituto da

desconsideração da personalidade jurídica, tendo como precedente de maior repercussão

o pronunciamento da Corte de Justiça da Inglaterra, em 1897, a respeito do célebre caso

Salomon vs. Salomon & Co.6

Entretanto, a experiência jurídica norte-americana remonta ao precursor caso

Bank of United States vs. Deveaux, no ano de 1809, que somada à influente decisão

inglesa, criou a disregard of legal personality, or legal entity, a fim de, como dito

alhures, corrigir abusos.

"Constatado o fato de que a personalidade jurídica das sociedades servia a pessoas inescrupulosas que praticassem em benefício próprio abuso de direito ou atos fraudulentos por intermédio das pessoas jurídicas, que revestem as sociedades, os tribunais começaram então a desconhecer a pessoa jurídica para responsabilizar os praticantes de tais atos.”7

No direito brasileiro a doutrina foi esposada por Rubens Requião.

"...ora diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos e abusivos."8

5 MADALENO, Rolf. A Disregard e a sua Efetivação no Juízo de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 46.6 "Aaron Salomon havia constituído uma company, em conjunto com outros seis componentes da sua família, e cedido seu fundo de comércio à sociedade que fundara, recebendo em conseqüência vinte mil ações representativas de sua contribuição, enquanto para cada um dos outros membros coube apenas uma ação para a integração do valor da incorporação do fundo de comércio à nova sociedade. Salomon recebeu obrigações garantidas no valor de dez mil libras esterlinas. A sociedade logo em seguida se revelou insolvável. Sendo o seu ativo insuficiente para satisfazer as obrigações garantidas, nada sobrando para os credores quirografários. O liquidante, no interesse dos credores quirografários, sustentou que a atividade da company era atividade de Salomon que usou de artifício para limitar a sua responsabilidade e, em conseqüência, Salomon deveria ser condenado ao pagamento dos débitos da company, devendo a soma investida na liquidação de seu crédito privilegiado, ser destinada à satisfação dos credores da sociedade. O Juízo de primeira instância e depois a Corte acolheram essa pretensão, julgando que a company era exatamente uma atividade fiduciária de Salomon, ou melhor, um seu agent ou trustee, e que ele, na verdade, permanecera como o efetivo proprietário do fundo de comércio. Era a aplicação de um novo entendimento, desconsiderando a personalidade jurídica de que se revestia Salomon & Co. A Casa dos Lordes reformou, unanimemente, esse entendimento, julgando que a company havia sido validamente constituída, no momento em que a lei simplesmente requeria a participação de sete pessoas que haviam criado uma pessoa diversa de si mesmas. Não existia, enfim, responsabilidade pessoal de Aaron Salomon para com os credores de Salomon & Co., e era válido o seu crédito privilegiado." Texto copilado de: CAMPINHO, Sérgio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 64/65.7 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. Rio de Janeiro, 1998, p. 226.8 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. Revista dos Tribunais: São Paulo, nº 410, p. 12/24, 1969.

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Posteriormente, a matéria foi positivada. Em 1990, pelo Código de Defesa do

Consumidor no art. 289, em 1994, na Lei Antitruste, Lei 8884/94, art. 1810; repetindo o

dispositivo do CDC, no art. 4º11 da Lei 9605/98, que dispõe sobre sanções

(administrativas e penais) aplicadas às condutas lesivas ao meio ambiente e, finalmente,

no novo Código Civil, art. 5012. Embora não trate diretamente da questão, o Código

Tributário Nacional, já em 1966, estabeleceu a responsabilidade pessoal daquele que

praticar excesso de poder ou infração legal, na administração da empresa, no art. 13513,

obrigando ao pagamento do imposto devido o seu patrimônio pessoal.

Nelson Nery Júnior ensina, com maestria, que a desconsideração da pessoa

jurídica (disregard of legal personality, or legal entity) consiste:

"...na possibilidade de se ignorar a personalidade jurídica autônoma da entidade moral sempre que esta venha a ser utilizada para fins fraudulentos ou diversos daqueles para os quais foi constituída, permitindo que o credor de obrigação assumida pela pessoa jurídica alcance o patrimônio particular de seus sócios ou administradores para a satisfação de seu crédito".14

Ao contrário do instituto da despersonificação, que aniquila a existência da pessoa

jurídica, com o cancelamento dos atos constitutivos perante o registro, a chamada

desconsideração da pessoa jurídica inversa visa ao afastamento temporário da sua

personalidade, permitindo, aos credores, tão-somente, satisfazerem os seus direitos de

9 “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração de lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocadas por má administração.”10 ”A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”11 ”Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.” 12 “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizada pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”13 ”São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”14 JÚNIOR, Nelson Nery. Código Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 234.

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crédito junto ao patrimônio pessoal do sócio ou administrador responsável pelo ato

abusivo.

"Não se nega, com sua aplicação, a autonomia de personalidade jurídica da sociedade; ao revés, reafirma-se o princípio. Somente não se admite de modo absoluto e inflexível, como forma de abrigar a fraude e o abuso de direito. Não se nulifica a personalidade a qual apenas será episodicamente desconsiderada, isto é, no caso sub judice tão-somente, permanecendo, destarte, válida e eficaz em relação a outros negócios da sociedade."15

Ainda, segundo Judith Martins-Costa:

“A pessoa jurídica como realidade institucional, à semelhança da pessoa natural, acabou por ser transformada em meio de enriquecimento ilícito por alguns indivíduos que a instrumentalizam em benefício de terceiros. (...) mais do que simplesmente interpretar, será necessário criar uma série de enunciados conjugados e complexos para que o julgador estabeleça quais são os fatos necessários para caracterizar o abuso de personalidade e, caso configurado, quais os efeitos que atingirão os bens dos sócios ou administradores da pessoa jurídica.”16

A teoria da desconsideração inversa permite que o juiz não mais leve em

consideração os efeitos da personificação e da autonomia jurídica da sociedade, para

atingir e vincular a responsabilidade dos sócios, com o intuito de impedir a consumação

de fraudes e abusos de direito cometidos por meio da personalidade jurídica, que

causem prejuízos ou danos a terceiros.

Evidentemente, este instituto reveste-se de mecanismo excepcional dentro do

sistema jurídico. Trata-se da superação da separação existente entre o patrimônio da

sociedade e o patrimônio dos sócios. Na desconsideração inversa, portanto, existe a

busca da responsabilidade da sociedade perante ato praticado pelo sócio, coibindo, desta

forma o desvio de bens e invalidando uma postura incompatível com os objetivos

sociais da pessoa jurídica.

Alguns pressupostos para a desconsideração da pessoa jurídica estão consolidados

pela doutrina e jurisprudência, que vinculado ao não cumprimento da obrigação

assumida, ensejam a aplicação do instituto, são eles: o abuso dos administradores da

empresa, caracterizado pelo desvio da finalidade das cláusulas estabelecidas no contrato 15 CAMPINHO, Sérgio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 64.16 MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 58/59.

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social ou nos atos constitutivos da empresa e quando houver uma provocada pela

confusão patrimonial, ainda que mantida a atividade prevista, estatutária ou

contratualmente.

Por desvio de finalidade entende-se:

"A identificação do desvio de finalidade nas atividades da pessoa jurídica deve partir da constatação da efetiva desenvoltura com que a pessoa jurídica produz a circulação de serviços ou de mercadorias por atividade lícita, cumprindo ou não o seu papel social, nos termos dos traços de sua personalidade jurídica. Se a pessoa jurídica se põe a praticar atos ilícitos ou incompatíveis com sua atividade autorizada, bem como se com sua atividade favorece o enriquecimento de seus sócios e sua derrocada administrativa e econômica, dá-se ocasião de o sistema de direito desconsiderar sua personalidade e alcançar o patrimônio das pessoas que se ocultam por detrás de sua existência jurídica.”17

Já sobre confusão patrimonial:

“Também é aplicada a desconsideração nos casos em que houver confusão entre o patrimônio dos sócios e da pessoa jurídica. Essa situação decorre da não separação do patrimônio do sócio e da pessoa jurídica por conveniência da entidade moral. Neste caso, o sócio responde com seu patrimônio para evitar prejuízos aos credores, ressalvada a impenhorabilidade do bem de família e os limites do patrimônio da família." 18

A doutrina acabou desenvolvendo duas teorias explicativas e classificatórias a

respeito da matéria, corroborada pelo STJ19, que são a Teoria Maior e a Teoria Menor.

A Teoria maior possui aceitação mais difundida entre os doutrinadores, sendo,

inclusive a teoria adotada pelo Código Civil vigente. Condicionasse à ocorrência de

fraude ou abuso de direito, além do descumprimento da obrigação.

“...diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos.”20

Por outro lado, na Teoria menor é suficiente que seja demonstrado o

descumprimento da obrigação pela empresa ou sociedade para que ocorra a

17 JÚNIOR, Nelson Nery. Op. Cit. p. 234.

18 Idem.19 RESP 279.273/SP, DJ 29/03/2004, p. 230.20 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2002, p. 752.

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desconsideração, esta foi a teoria adotada pelo Código de Defesa do Consumidor e

pelos Tribunais Trabalhistas.

A nosso ver, acertadamente, o Código de Defesa do Consumidor e a jurisprudência

dispensam a demonstração da fraude no caso concreto para desconsiderar a pessoa

jurídica, tendo em conta principalmente o desequilíbrio da relação jurídica existente

nessas searas do Direito, prevalecendo o caráter objetivo da Teoria Menor.

Em ambas há uma desigualdade entre as partes litigantes. Na relação protegida no

Código de Defesa do Consumidor, temos de um lado a pessoa jurídica e do outro o

consumidor, presumidamente vulnerável diante de qualquer conglomerado econômico.

Enquanto que no Direito do Trabalho, novamente em um dos pólos, a empresa ou

empregador e de outro o empregado, sujeito subordinado e presumidamente

hipossuficiente.

Cumpre salientar que a desconsideração da pessoa jurídica é uma sanção de

responsabilidade civil que não atinge todo e qualquer sócio. Assim, nos termos do

enunciado 0721 da 1ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo CJF, na esteira dos

Projetos de Lei 3401/08 e 4298/08, concluiu-se que a desconsideração, a ser formulada

em requerimento específico, respeitando o nexo de causalidade, deverá atingir o

patrimônio do sócio ou administrador que cometeu o ato abusivo ou do que dele se

beneficiou.

Outrossim, vários enunciados foram formulados nas jornadas subsequentes,

preconizando que nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de

desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (enunciado 146). Cabe

destacar, também, os enunciados 281, 282, 283, 284 e 285, que estabeleceram

parâmetros para a aplicação do instituto22.

21 "Enunciado 07 – Art. 50. Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido".22 "Enunciado 281 – Art. 50. A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica.” “Enunciado 282 – Art. 50. O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica.” "Enunciado 283 – Art. 50. É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada "inversa" para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros."

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A teoria da desconsideração inversa é matéria relativamente nova na doutrina e

jurisprudência brasileira, com maior incidência, embora não exclusivamente, nas

relações de Direito de Família.

A respeito da matéria, colheu-se o seguinte julgado do TJ/RS.

"APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS de terceiro. LOCAÇÃO.DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA. DEMONSTRADO NOS AUTOS, DE ACORDO COM A CERTIDÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA, QUE foi usado o nome da pessoa jurídica para esconder e acobertar a existência de bens pessoais de seus sócios aparentes ou não-aparentes. PENHORA. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME”23

Rolf Madaleno, pioneiro na introdução da matéria, explica.

"É ampla e produtiva a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no Direito de Família, principalmente, frente à diuturna constatação do cônjuge empresário esconder-se sob as vestes da sociedade mercantil nas demandas conjugais. Sob o manto da personalidade jurídica verificam-se constantes fraudes à partilha patrimonial, no casamento e na união estável, assim como sob o véu societário oculta-se o empresário alimentante que guarda esta obrigação com seus filhos, com seu cônjuge ou companheiro, cujo credor não reúne recursos para prover sua subsistência pessoal. Em singular parecer publicado na Revista de Processo, Thereza Alvim acresce que a teoria da desconsideração pode ser aplicada quando houver utilização abusiva da pessoa jurídica, com o intuito de fugir à incidência da lei ou de obrigações contratuais. O direito alimentar decorre de lei, ou de contrato, mas figura certamente, dentre a mais importante das obrigações".24

Dessa maneira, constata-se que na desconsideração inversa, em suma, acontece o

contrário, o juiz não afasta a pessoa jurídica, ao revés, verificando que o sócio se valeu

da pessoa para ocultar bens, atinge o patrimônio desta para alcançar o agente causador

do dano.

“Enunciado 284 – Art. 50. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não-econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica.”“Enunciado 285 – Art. 50. A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica em seu favor."23 TJ/RS – Apelação Cível nº 70026209627.24 MADALENO, Rolf. A Disregard nos Alimentos. IN: http://www.rolfmadaleno.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=33&Itemid=39. Acesso em 04 de abril de 2009.

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