DESCIDA ECOLÓGICA NO RIO URU, HEITORAÍ-GO COMO PRÁTICA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

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DESCIDA ECOLÓGICA NO RIO URU, HEITORAÍ-GO, COMO PRÁTICA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Denis Castilho,UFG- [email protected] Márcia Cristina Hizim Pelá,UFG –[email protected]

Ismael Gonçalves Silva,Colégio Dom Abel – [email protected]

Introdução

É comum, nos dias de hoje, notícias relacionadas à problemática ambiental serem

transmitidas pelos meios de comunicação. Todavia, até que ponto elas realmente se constituem

como formadoras de uma verdadeira consciência ambiental?

A questão é que os problemas ambientais não são de hoje. Entretanto, somente nas últimas

décadas, devido à sua intensificação, os movimentos e instituições ambientais e a própria

sociedade reagem de maneira significativa em favor da causa ambiental.

Ao trabalhar não só a conscientização, mas também a sensibilização das pessoas em

relação à causa ambiental, a Educação Ambiental (EA) possibilita o sujeito a identificar-se como

parte integrante da natureza. Neste sentido a atitude de descer, navegar – trilhar o rio – torna-se

uma prática social que estimula o sentimento de pertencimento dos sujeitos sociais e possibilita

que o cuidado seja a essência de nossas ações.

A partir dessas considerações, as ações relativas à conservação ambiental ganham força e é

neste contexto que se insere o projeto “Descida Ecológica no Rio Uru”, um evento anual que

ocorre desde 2004 no município de Heitoraí-GO que tem como finalidade a conscientização

ambiental - por meio de palestras e diálogos - e a conservação do Rio Uru, por meio da coleta de

lixo e plantio de plantas nativas.

A Educação Ambiental na Contemporaneidade

A modernização do território nacional, a internacionalização do capital e a intensificação

da produção alteraram as relações sócio-ambientais e intensificaram as pressões para a liberação

da comercialização dos recursos naturais que não possuem a capacidade de regeneração

compatível com a capacidade de extração, uma vez que a uniformização dos padrões de consumo

desperta o desejo de “ter” cobrindo o vazio do “ser”. Segundo DIAS (2001, p. 93): “A mídia

mundial, americanizada, projeta a sua cultura para o mundo todo e desperta nas pessoas o desejo de

“ter” aquilo e “ser” assim, sem que as suas condições econômicas, sociais, políticas, culturais e até

ecológicas permitam”.

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A cultura de massa - que prega o consumismo - passa a ser incorporada em diferentes

territórios, gerando e caracterizando a sociedade moderna. Podemos dizer que há o império do

individualismo, da competição. Recorrente a isso, o consumo é estimulado através da criação de

“necessidades desnecessárias”. O atual modo de produção gera intensas degradações ambientais

como também sociais, agravando as condições dignas de moradia, gerando poluição, destruição

de habitats naturais e influenciando, de forma negativa, os mecanismos que sustentam a vida.

Nesse contexto, a intensificação dos problemas ambientais provocou várias discussões

sobre o futuro da Terra. Nesse sentido, a EA além de constituir como uma estratégia de ação para

o enfrentamento destes problemas ambientais, surge para promover a sensibilização e a

conscientização dos sujeitos sociais, estimulando revisão das atitudes, dos paradigmas, da

individualidade, do consumismo desenfreado, enfim, tendo em vista uma sociedade sustentável

“nas quais podemos satisfazer nossas aspirações e nossas necessidades, sem diminuir as chances das

gerações futuras” (CAPRA, 1996 p.36).

Segundo o CONAMA, a EA deve formar e informar o indivíduo, para gerar um cidadão

consciente e crítico que seja capaz de promover um equilíbrio ambiental. A RIO-92 compreende

a EA como um instrumento capaz de promover uma análise dos elementos naturais, visando o

uso racional da natureza.Portanto, podemos sintetizar que a EA é um processo de construção

íntegra entre sujeitos sociais e o ambiente, surgindo com um sentido transformador. Conforme

TOZONI-REIS (2003 p.12):

A EA é mediadora da apropriação, pelos sujeitos, das qualidades e capacidades necessárias à ação transformadora responsável diante do ambiente em que vivem. Podemos dizer que a gênese do processo educativo ambiental é o movimento de fazer-se plenamente humano pela apropriação / transmissão crítica e transformadora da totalidade histórica e concreta da vida dos homens no ambiente.

A sensibilização e/ou conscientização social passa a ser uma ferramenta da EA. Diante das

degradações sócio-ambientais, reforçar o papel ambiental e mostrar a capacidade de todos na

gestão dos recursos naturais passa a ser necessidade vital. A partir de então, é possível promover

uma melhora na qualidade de vida e uma maior integração entre sujeitos sociais e recursos

naturais.

A EA propõe o verdadeiro exercício da cidadania, pautado principalmente nos valores

dignos e éticos e na construção de uma nova maneira de ver o mundo. Segundo CORIOLANO,

A EA se inclui, não como uma proposta de educação salvadora, mas como uma prática a ser pensada a partir do lugar em que vivem as pessoas, com todas as suas contradições. A EA não deve ser entendida como uma disciplina; trata-se de uma perspectiva de ação, de uma mudança de mentalidade, um movimento onde todos os habitantes do planeta devem estar envolvidos é, portanto, um posicionamento

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filosófico-político baseado no princípio de que o bem-estar social e a qualidade de vida dependem da conservação na natureza. (1997, p. 38).

A partir das considerações acima, nota-se a importância da EA diante do contexto atual de

problemática socioambiental.

Localização do Município de Heitoraí-GO e do Rio Uru

O município de Heitoraí pertence à microrregião de Anápolis que integra, por sua vez, a

mesorregião Centro Goiano. A sede municipal localiza-se na latitude sul 15º43’08’’ e na

longitude oeste 49º49’45’’. Dista 123Km de Goiânia e possui uma área de 231Km². De acordo

com o IBGE (2007), possuí uma população de 3.556 habitantes, com 2.468 residindo na área

urbana e 1.088 na área rural. Tem como municípios limítrofes Itapuranga, Uruana, Itaberaí,

Cidade de Goiás e Itaguaru.

Relativo à hidrografia, conforme CASTILHO (2007), o município de Heitoraí é banhado por

diversos córregos, entre eles o do Café, Olaria, Laranjal, Seco, Barreiro, Barreirinha, Vargem,

Fartura, Aroeira, Português, Posses, Campo Alegre e Lajes, os quais são afluentes do Rio Uru .

O Rio Uru pertence à bacia hidrográfica do Rio Tocantins. O nome é proveniente do tupi-

guarani: Uru significa uma "ave galiforme da família dos fasianídeos" do centro-sul e oeste do

Brasil, que viviam em pequenos bandos no chão. Este rio tem sua nascente na divisa dos

municípios de Mossâmedes e Americano do Brasil que, antes de correr na parte norte do

município de Heitoraí, a 500 m da sede, e se constituir no limite com Itapuranga, percorre os

municípios de Itaberaí e Cidade de Goiás. Também banha o município de Uruana e deságua no

rio das Almas, no município de Ceres.

Apesar do município de Heitoraí ter uma pequena área, possui uma significativa

drenagem. Todavia, os desmatamentos aliados ao intenso uso do solo (que provém de décadas de

uso e ocupação) tem afetado essa drenagem. Provavelmente, caso ações em defesa do meio

ambiente não sejam feitas, o quadro de degradação pode se agravar com a intensificação da

ocupação desenfreada. Podemos mencionar a expansão da cana-de-açúcar que, com a reabertura

da indústria sucroalcooleira de Itapuranga, tem alterado a paisagem natural heterogênea da

região pela monocultura da cana-de-açúcar. O uso indiscriminado dos recursos naturais - como

os desmatamentos para plantio, a intensificação dos pivôs, o represamento de veredas, etc,

podem provocar danos irreparáveis ao ecossistema local, influenciando inclusive outras regiões.

Mas as conseqüências já existentes não são causadas apenas pelas indústrias ou fazendas.

A comunidade, de maneira geral, tem responsabilidade acerca dessa problemática. Portanto, é

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preciso reforçar a importância da Educação Ambiental efetiva, demonstrando as maneiras

corretas de uso e ocupação dos diferentes ambientes naturais.

A Descida Ecológica no Rio Uru em Heitoraí-GO como Prática de Educação Ambiental

“A Descida Ecológica no Rio Uru” surgiu como proposta em agosto de 2004, durante o

intervalo de uma reunião de professores do Colégio Estadual Dom Abel, em Heitoraí-GO. A

princípio, lançou-se a idéia de uma descida pelo rio em botes, canoas e caiaques com o intuito de

mostrar – in loco, a situação ambiental do rio. Entre os objetivos da “Descida” destacaram-se:

sensibilizar os participantes quanto à conservação das matas ciliares ainda existentes ao longo do

rio Uru; colher o lixo flutuante, das margens e do leito do rio; despertar a população para a

necessidade da manutenção da qualidade da água do rio; e reforçar a conscientização ambiental

dos participantes e comunidade local em geral.

A I edição foi realizada no dia 09 de outubro de 2004 e contou com a participação de

cerca de 80 pessoas que se dividiram em 22 canoas e dezenas de flutuantes de pequeno porte

como caiaques e bóias. Conforme dados da Secretaria Municipal de Transportes, durante o

trajeto no rio (de aproximadamente 15 km e que durou 9 horas) foram coletadas

aproximadamente 1,5 toneladas de lixo que foi retirado e transportado até o depósito municipal

e, como incentivo, houve uma premiação simbólica da embarcação que conseguiu coletar o

maior volume de lixo.

Além da integração local entre os participantes, nas ruas e escolas do município,

verificou-se uma considerável repercussão, visto que pessoas de diferentes classes sociais

(fazendeiros, chacareiros, alunos, professores, autoridades) demonstraram o reconhecimento da

importância de ações voltadas à conscientização ambiental.

A II Descida ganhou força com participantes de outros municípios e aconteceu em 8 de

outubro de 2005. Na proposta de não tornar o evento como um simples passeio ou festa, a

segunda edição contou com debates de temas referentes ao meio ambiente, sobre as funções

ecológicas do rio e das matas (principalmente as ciliares) e a importância de conservá-los.

Nesta edição, aumentou o número de instituições que apoiaram o evento e de participantes.

Segundo os organizadores foram 110 pessoas em 29 embarcações onde se coletou

aproximadamente uma tonelada de lixo.

A III edição, realizada entres os dias 7 e 11 de outubro de 2006 , ganhou peso com a

participação de núcleos de estudos e pesquisas da UFG e com a realização de espaços de

diálogos, mini-cursos e palestras sobre Meio Ambiente e apropriação do Cerrado. Segundo a

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comissão organizadora contou com a presença de aproximadamente 130 participantes em 36

embarcações.

A integração entre escola – comunidade – universidade fez com que a “Descida” ao aliar

conhecimento (teoria) e realidade (prática) se consolidasse como um evento permanente e de

caráter sócio-educativo e ganhasse força na mobilização das diversas camadas sociais.

A quarta edição realizada em setembro de 2007 e foi enriquecida com mini-cursos sobre

turismo, comportamento, práticas corporais e Educação Ambiental; temas referentes à Cultura,

ao Cerrado e palestra envolvendo o tema central do evento. Conforme a Comissão Organizadora,

foram realizados na quarta edição 5 mini-cursos oferecidos para 203 participantes

(principalmente alunos do Colégio Estadual Dom Abel – Heitoraí-GO) e uma palestra para 150

participantes, realizada em Itapuranga. O trecho percorrido não foi o mesmo dos anos anteriores,

por isso o lixo coletado voltou a ser significativo.

Em trabalho de campo realizado no município de Heitoraí, em junho de 2007, constatou-se

que a “Descida Ecológica” é tida como um movimento positivo em favor da preservação do Rio

Uru. Grande parte dos entrevistados afirmou que a Descida Ecológica tem uma contribuição

positiva em relação à conservação do Rio Uru e de ambientes de suas margens, todavia, essa

contribuição é pontual tendo em vista que ocorre num pequeno trecho do rio Uru e somente

numa única data do ano.

Entretanto, vale ressaltar que os primeiros frutos deste projeto estão sendo colhidos:

consciência ambiental e maior respeito ao meio ambiente. Visto que é perceptível a mudança de

atitude nos acampamentos, balneários e loteamentos localizados nas margens do rio Uru.

Considerações Finais

Intentamos, neste estudo, mostrar a importância da EA frente o atual estágio de degradação

dos ambientes naturais. E que ela, além de estar presente nas escolas, deve também estar no

cotidiano de cada um, ou seja, verifica-se aqui a necessidade de ações e práticas que mobilizem

e/ou envolvam as diversas camadas sociais.

A Descida Ecológica no Rio Uru tem a sua contribuição como Prática de EA, no entanto,

mesmo reconhecendo a sua importância, ressalta-se também alguns pontos negativos e a

necessidade de outras ações. Por exemplo, ainda não há atuações no sentido de recuperação de

nascentes como o plantio de árvores nativas às margens do rio na tentativa de promover uma

revegetação nas áreas onde as matas ciliares foram quase ou totalmente destruídas, e muito

menos, um trabalho de conscientização sobre o lixo na cidade de Heitoraí, já que a mesma se

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encontra próxima ao rio, em uma área de declividade, favorecendo o transporte do lixo e

sedimentos para o leito do rio.

Ainda há muito que ser feito. Promover uma Educação Ambiental diária é fundamental

para que a população se conscientize de seu papel na destinação correta do lixo urbano e na

própria ação perante os ecossistemas. Isso poderia ser feito através de informativos, usando

linguagem de fácil entendimento para atingir todas as camadas sociais.

Os cuidados são diversificados. Também não podemos absolutizar o evento, tendo-o como

uma solução ambiental. Mesmo assim, a atitude de descer o rio - observando-o, coletando lixos,

vendo suas belezas e também sua degradação reforça no participante a responsabilidade

ambiental. É por isso que, mesmo sabendo das limitações, reconhecemos que a Descida

Ecológica tem um importante papel a cumprir. E que, aliás, as ações que ainda não foram

realizadas (mencionadas acima), podem ser desencadeadas pelo evento.

A Descida Ecológica no Rio Uru, sendo uma Prática de Educação Ambiental em Heitoraí e

região, traz consigo uma responsabilidade primordial: realizar no município uma E A que norteie

os princípios ambientais pautados no caráter educativo e preventivo, visando fortalecer os elos

entre a população e os recursos naturais nos quais estão inseridos.

Referências Bibliográficas

CAPRA, F. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1996.

CASTILHO, D. Tempo do espaço, tempo da vida: uma leitura socioespacial de Heitoraí. Goiânia: Ellos, 2007.

CORIOLANO, L. N. M. T. Educação Ambiental dentro e fora da escola. Revista Ciência Geográfica. AGB – n.º 08 p. 36-40: 1997.

DIAS, G. F. Educação Ambiental: princípios e práticas. São Paulo: Gaia, 2001.

LEFF, E. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder. (Trad.: Lúcia Mathilde Endricht Orth). Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

MARTINS, S. V. Recuperação de Matas Ciliares. Viçosa: Aprenda Fácil, 2001.

SEPLAN.Anuário Estatístico de Goiás – 2003, Goiânia: SEPLAN, 2003.

SEPLAN. Anuário Estatístico de Goiás – 2005, Goiânia: SEPLAN, 2005.

TOZONI-REIS, M. F. de C. Pesquisa em educação ambiental na universidade: produção de conhecimentos e ação educativa. In: TALAMONI, J. L. B e SAMPAIO, A. C. Educação

Ambiental: da prática pedagógica a cidadania. São Paulo: Escrituras, 2003.