Desastres e desenvolvimento: o caso do Haiti

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Revista VITAS Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 7, agosto de 2013 Desastres e desenvolvimento: o caso do Haiti Eduardo Fonseca Arraes [email protected] Resumo: O artigo analisa como a degradação ambiental no Haiti aumenta a vulnerabilidade do país aos desastres naturais, como os desastres afetam por sua vez o meio ambiente e por fim como reduzir o risco e construir a resiliência protegendo o meio ambiente e estimulando o uso sustentável dos recursos naturais. É feita uma comparação com a República Dominicana para fins comparativos, pois ambos os países dividem a mesma ilha caribenha mas possuem níveis de proteção ambiental muito diferentes. Abstract The aim of this work is to analyze how natural disasters are intrinsically connected to a country’s development model. I specifically study the case of Haiti and how the historical choices made by humans during the centuries defined Haiti’s present situation concerning vulnerability to disasters. This work begins with a theoretical discussion and presentation of some basic concepts about disasters. Then, a historical analyses of Haiti since the colonial time to present time is provided. In the second chapter I make a comparison between Haiti and its neighbor, the Dominican Republic. In the end I suggest that the only economic model that can change the situation of Haiti, and many other countries, and avoid future disasters is a sustainable one. Palavras-Chave: Haiti; Desastres; Naturais; Desenvolvimento; Econômico; Sustentável; Sustentabilidade; República Dominicana; Terremoto; Meio Ambiente; Redução; Risco; Vulnerabilidade; Socioambiental. Eduardo Fonseca Arraes é formado em Relações Internacionais pela PUC-Rio e possui MBA em Gestão Ambiental. É pesquisador do Centro de Estudo e Pesquisa sobre Desastres (CEPEDE) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Realizou uma pesquisa em âmbito nacional sobre a situação do Brasil frente aos desatres. Já trabalhou na coordenação do projeto de cooperação tripartite Brasil-Cuba-Haiti para a reconstrução do sistema de saúde do Haiti destruído pelo terremoto de 2010.

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ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 7, agosto de 2013

Desastres e desenvolvimento: o caso do Haiti

Eduardo Fonseca Arraes

[email protected]

Resumo:

O artigo analisa como a degradação ambiental no Haiti aumenta a vulnerabilidade do

país aos desastres naturais, como os desastres afetam por sua vez o meio ambiente e por

fim como reduzir o risco e construir a resiliência protegendo o meio ambiente e

estimulando o uso sustentável dos recursos naturais. É feita uma comparação com a

República Dominicana para fins comparativos, pois ambos os países dividem a mesma

ilha caribenha mas possuem níveis de proteção ambiental muito diferentes.

Abstract

The aim of this work is to analyze how natural disasters are intrinsically connected to a

country’s development model. I specifically study the case of Haiti and how the

historical choices made by humans during the centuries defined Haiti’s present

situation concerning vulnerability to disasters.

This work begins with a theoretical discussion and presentation of some basic concepts

about disasters. Then, a historical analyses of Haiti since the colonial time to present

time is provided. In the second chapter I make a comparison between Haiti and its

neighbor, the Dominican Republic. In the end I suggest that the only economic model

that can change the situation of Haiti, and many other countries, and avoid future

disasters is a sustainable one.

Palavras-Chave: Haiti; Desastres; Naturais; Desenvolvimento; Econômico;

Sustentável; Sustentabilidade; República Dominicana; Terremoto; Meio Ambiente;

Redução; Risco; Vulnerabilidade; Socioambiental.

Eduardo Fonseca Arraes é formado em Relações Internacionais pela PUC-Rio e possui MBA em Gestão Ambiental.

É pesquisador do Centro de Estudo e Pesquisa sobre Desastres (CEPEDE) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).

Realizou uma pesquisa em âmbito nacional sobre a situação do Brasil frente aos desatres. Já trabalhou na

coordenação do projeto de cooperação tripartite Brasil-Cuba-Haiti para a reconstrução do sistema de saúde do Haiti

destruído pelo terremoto de 2010.

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Introdução

Buscarei analisar neste trabalho como a degradação ambiental no Haiti aumenta

a vulnerabilidade do país aos desastres naturais, como os desastres afetam por sua vez

o meio ambiente e por fim como reduzir o risco e construir a resiliência protegendo o

meio ambiente e estimulando o uso sustentável dos recusos naturais. Irei analisar

também o caso da República Dominicana para fins comparativos. Ambos os países

dividem a mesma ilha caribenha mas possuem níveis de proteção ambiental muito

diferentes. Por uma questão acadêmica o enfoque deste trabalho será na perspectiva

ambiental, na vulnerabilidade ambiental e a importância do meio ambiente para a

redução do risco e a construção da resiliência. Entretanto deve-se sempre ter em

consideração que o meio ambiente está intrinsecamente interligado ao meio social, à

cultura, à economia e à história, e em alguns momentos será impossível abordar o

assunto sem incluir estes aspectos. Para tratarmos de um assunto complexo como esse

se faz necessário trabalhar quatro conceitos chaves que são muitas vezes

imcompreendidos.

Por isso, no primeiro capítulo do presente trabalho irei trabalhar alguns desses

conceitos como “desastre natural”, “vulnerabilidade socioambiental”, “redução do

risco” e “resiliência”. É importante adiantar que devemos dismistificar a ideia quase

religiosa de que desastres naturais são eventos que nós, seres humanos, não podemos

controlar nem tivemos influência em sua ocorrência. A palavra “natural” imersa no

conceito nos traz uma percepção errônea de que um “desastre natural” é uma fatalidade

da natureza, um evento imutável que iria ocorrer queiramos ou não.

No segundo capítulo irei expor a realidade socioambiental do Haiti. Estudarei

como que um meio-ambiente extremamente degradado somado a um modelo

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econômico não-sustentável gera uma situação de imensa vulnerabilidade frente às

ameaças naturais, criando um ciclo vicioso de contínua degradação ambiental e pobreza

para a maioria da população. Farei uma comparação com a situação da República

Dominicana, país vizinho ao Haiti que ocupa a outra metade da ilha de Hispaniola.

No terceiro capítulo analisarei o terremoto de janeiro de 2010 e os seus impactos

no meio ambiente haitiano assim como no sistema de gestão ambiental do país de forma

geral.

Concluirei o trabalho buscando uma nova proposta para o país onde a

conservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável são as chaves para a

diminuição do risco e da vulnerabilidade aos desastres naturais.

Capítulo 1

1.1. Desastre Natural e Vulnerabilidade Socioambiental.

Um desastre é uma interrupção grave do funcionamento normal de uma

comunidade ou sociedade, cujos efeitos nas pessoas, assim como as perdas e danos

materiais ou ambientais, superam a capacidade de reposta e de recuperação dessa

comunidade ou sociedade.1 Um desastre natural, entretanto, apesar do nome sugerir,

não é natural. Como diz o relatório do Banco Mundial de 2011 entitulado de “Natural

Hazards, UnNatural Disasters” (ou “ameaças naturais, desastres não-naturais”), um

terremoto, chuvas fortes ou furacões são ameaças naturais, fenômenos físicos da

natureza, que podem ou não causar um desastre. O desastre em si não é natural, ele é o

resultado da soma de dois fatores, a exposição (da população e de bens econômicos ao

próprio evento físico) e a “vulnerabilidade socioambiental” que est{ estreitamente

1 NARVÁEZ, Lizardo; LAVELL, Allan; ORTEGA, Gustavo (2009). La gestión del riesgo de desastres: un enfoque

basado en processos. Lima, Comunidade Andina. P. 9-10.

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relacionada com o tipo de desenvolvimento econômico e social de uma determinada

sociedade. O foco desse trabalho será justamente nesse último fator. Logo, um desastre

natural ocorre não pela vontade da natureza mas sim como o resultado de nossas

próprias escolhas enquanto sociedade. Portanto não podemos afirmar que o terremoto

que assolou o Haiti em 2010 matando mais de 200.000 pessoas foi uma fatalidade ou um

acaso do destino, pois o fenômeno físico é natural. Nós, humanos, temos total

responsabilidade pelo ocorrência de um desastre. As sociedades ao longo da história

fazem escolhas que irão gerar maior ou menor vulnerabilidade socioambiental aos

eventos físicos. Logo, as mortes no Haiti não foram inevitáveis, pelo contrário,

poderiam ter sido evitadas ou amenizadas caso o país em questão tivesse outro tipo de

desenvolvimento, se os seres humanos ao longo de sua história tivessem tomado outro

caminho.

A vulnerabilidade socioambietal está inversamente relacionada ao nível de

desenvolvimento econômico, social e proteção ambiental. De maneira geral, quanto

menor o nível de desenvolvimento socioeconômico e menor conservação ambiental e

manejo dos recursos naturais, maior a vulnerabilidade de uma determinada

comunidade frente a uma ameaça natural. Pode-se afirmar que a vulnerabilidade

socioambiental é composta de diversos fatores subjacentes de risco. Alguns exemplos

desses fatores são: falta de acesso a terras produtivas, má distribuição de terras, má

gestão do território e crescimento urbano, falta de infraestrutura como estradas, energia

elétrica, saneamento, pouco acesso à saúde, educação e emprego, desigualdade

econômica e social, moradias em locais de risco como encostas ou beiras de rios, má

governança, corrupção, má gestão das bacias hidrográficas e dos recursos naturais em

geral, degradação ambiental, desflorestamento, perda da biodiversidade, etc.2 Uma

sociedade que apresenta muitos desses fatores subjacentes de risco provavelmente

2 ISDR (2009). Global assessment report on disaster risk reduction. Genebra, Organização das Nações Unidas. P. 89.

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possui baixo nível de desenvolvimento e portanto mais expostas ao risco de desastre.

No capítulo seguinte irei descrever como a degradação ambiental e falta de uma boa

gestão dos recursos naturais no Haiti gerou uma grande vulnerabilidade ambiental aos

desastres ao contrário do que se passou na República Dominicana.

1.2. Redução do Risco de Desastres, Capacidade de enfrentamento e

Resiliência.

Como já exposto na seção anterior, os riscos de desastres não existem em um vácuo.

Se por um lado exigem a presença de ameaças naturais ou físicas, não se realizam sem

condições de vulnerabilidade e não se agravam sem que sejam insuficientes as

capacidades de enfrentamento, com medidas para reduzir as consequências negativas e

potenciais novos riscos a partir do mesmo. As capacidades de enfrentamento também

são reflexos do nível de desenvolvimento de uma determinada sociedade. Logo, os

riscos de desastres se constituem através de processos que se estruturam na dinâmica

do desenvolvimento socioeconômico e da proteção ambiental. É sobre estes processos

que devem se fundamentar os conceitos para redução de riscos de desastres e da

vulnerabilidade, bem como para a construção da resiliência. A redução dos riscos de

desastres deve combinar um conjunto de políticas. Políticas tanto para a prevenção do

desastre quanto para a diminuição das consequências negativas caso ele ocorra. Isto

envolve um conjunto de estratégias para a construção da resiliência que tornem as

sociedades e comunidades capazes de se adaptar, restabelecer, recuperar e reconstituir

após a ocorrência dos desastres, não só retornando a normalidade de sua vida

“cotidiana”, como também em condições ainda mais sustent{veis e seguras do que as

anteriormente existentes.

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Ter uma boa gestão do meio ambiente e conservar os recursos naturais e os

ecossistemas são duas das principais medidas para reduzir o risco de desastres e

aumentar a resiliência. Ecossistemas fornecem diversos serviços ambientais que

beneficiam as pessoas e as economias. Esses serviços podem ser divididos de duas

formas, aqueles fornecedores, seja de comida, água limpa, energia e outros recursos

naturais, e aqueles reguladores, como a mitigação de inundações, prevenção de

deslizamentos, de secas ou controle dos regimes de chuvas e tempestades. Em todo o

globo os ecossistemas tem sido destruídos, degradados ou modificados para gerarem

mais de um tipo de serviço do que de outro, mais comumente para aumentar os

serviços fornecedores em detrimento dos reguladores. Por exemplo, é muito comum

desmatar florestas de encostas de morros e montanhas para dar lugar a agricultura, ou

seja, aumenta-se o fornecimento de alimento mas diminui-se a prevenção de

deslizamentos. Da mesma forma, mangues são destruídos para se tornarem fazendas de

camarão, novamente aumentando o fornecimento de alimento mas diminuindo a

prevenção contra tempestades e tsunamis e aumentando a erosão das costas.3

A destruição dos ecossistemas gera ganhos econômicos de curto prazo e para

uma pequena parcela da população enquanto que a maioria pobre é a mais afetada pela

degradação ambiental. Ou seja, a mudança da distribuição dos serviços ambientais ou

ecossistêmicos gera consequências positivas e negativas de forma desigual. A

degradação dos ecossistemas, portanto, gera mais vulnerabilidade para a maioria da

população que já era mais vulnerável e diminui a resiliência destas mesmas

comunidades aos desastres. Populações rurais pobres que dependem das florestas para

seu sustento perdem produtividade como consequência da desregulação dos regimes

de chuva e degradação do solo devido às mudanças ocorridas nos ecossistemas, neste

caso, as florestas. Comunidades pobres que perdem seu sustento não só estão mais

3 ISDR (2009). Global assessment report on disaster risk reduction. Genebra, Organização das Nações Unidas. P. 17.

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vulneráveis mas também possuem menos resiliência, já que perdem seu meio de renda

e subsistência e não conseguem se recuperar de desastres naturais como secas ou

inundações.4

Se analisarmos não só uma comunidade mas um país inteiro, a situação se torna

mais complexa. Um país pobre com baixo nível de desenvolvimento humano e

econômico como o Haiti, apresenta imensa vulnerabilidade aos desastres naturais, além

de baixa ou quase nenhuma capacidade de enfrentamento e resiliência, dependendo

principalmente de ajuda externa. A degradação ambiental (além de muitos outros

fatores) ao longo da história do Haiti deixou o país extremamente vulnerável aos

desastres e com baixa resiliência. Isso ficou evidente no terretomo de janeiro de 2010 e

nas constantes tempestades, inundações e deslizamentos que ocorrem no país. Irei me

aprofundar mais sobre a degradação ambiental e suas consequências no Haiti no

capítulo seguinte.

Capítulo 2

2.1. Uma descrição do Haiti, de sua economia, sociedade e situação política e os

impactos no meio ambiente.

O Haiti é um pequeno país situado no Caribe que declarou independência da

França em 1º de janeiro de 1804 a partir de uma revolta de escravos. Possui 27.750 Km²

(tamanho similar ao do estado do Alagoas que possui 27.778 Km²)5 e ocupa

aproximadamente um terço da ilha de Hispaniola, se situando em seu lado ocidental.

Possui fronteira terrestre com apenas um país, a República Dominicana, que ocupa o

4 ISDR (2009). Global assessment report on disaster risk reduction. Genebra, Organização das Nações Unidas. P. 106. 5 IBGE. Censo 2010, Informações sobre os estados brasileiros. Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=al>. Acesso em: 02/04/2013

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lado oriental da ilha. Seu território é muito montanhoso com clima tropical e semi-árido

perto da fronteira com a República Dominicana. Possui uma população de 9.801.664

pessoas, tendo uma alta concentração demográfica, aproximadamente 353 habitantes

por quilômetro quadrado (comparo novamente com o estado do Alagoas que possui

tamanho similar mas uma população de 3.120.494, ou seja, 112 habitantes por

quilômetro quadrado)6. Somente na capital Porto Príncipe vivem aproximadamente

2.143.000 pessoas, tornando-a a maior cidade do país. Porto Príncipe não só é a maior

cidade mas também o centro administrativo, econômico e cultural do Haiti. 66% do PIB

e 39% da população estão localizados em Porto Príncipe e seus entornos.7 As línguas

oficiais são o francês e o creole. A população é de maioria negra (95%) com uma minoria

branca e mulata (5%).8

É um dos países mais pobres do mundo e o mais pobre das Américas. Está

classificado na 158º posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações

Unidas, um índice que faz um cálculo a partir do Produto Interno Bruto (PIB), da taxa

de mortalidade infantil e de alfabetização dos países analisados.9 É o 33º país onde mais

morrem mulheres durante o parto e o 42º em mortalidade infantil. Apenas 52,9% da

população é alfabetizada e 18,9% das crianças com menos de 5 anos estão desnutridas.

Possui uma economia frágil, pequena e pouco diversificada. Seu PIB é de apenas 12.52

bilhões de dólares, figurando-se na 147º posição. O maior setor é o de serviços,

representando 50,4% da economia, seguido da agricultura com 38,1% e por último a

indústria com 11,5%. Entretanto possui uma altíssima taxa de desemprego, de 40,6%, o

6 IBGE. Censo 2010, Informações sobre os estados brasileiros. Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=al>. Acesso em: 02/04/2013 7 GOYET, Claude; SARMIENTO, Juan; GRÜNEWALD, François (2011). Response to the Earthquake in Haiti: Lessons

to be learned for the next massive sudden-onset disaster. Washington DC, Organização Pan Americana de Saúde. P.

7. 8 CIA. The World Factbook. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-

factbook/geos/ha.html>. Acesso em: 02/04/2013. 9 PNUD (2011). Human Development Report 2011. New York, Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento. P. 126.

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que significa que 2/3 da população ou está desempregada ou no mercado informal de

trabalho. 80% das pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. O Haiti é também o 7º

país mais desigual do mundo segundo o índice de Gini. As poucas indústrias do país

são têxteis, refino de açúcar, moagem de farinha, cimento e montagem de produtos a

partir de peças importadas, mostrando o quão frágil é o setor. Os produtos agrícolas são

café, manga, cana-de-açúcar, arroz, milho, sorgo e madeira. Produz pouca eletricidade,

com base no carvão vegetal, e não possui reservas de petróleo nem gás natural, tendo

que importar toda a sua demanda. A balança comercial é negativa, tendo exportado

690,3 milhões de dólares e importado 3,275 bilhões de dólares em 2011. As exportações

são basicamente de seus produtos agrícolas.10

Sua situação política atual e histórica também são frágeis. Desde a independência

o país não possui estabilidade política, vivendo períodos de guerras estrangeiras contra

a República Dominicana, guerras civis entre líderes locais, golpes de Estado e ditaduras.

Durante boa parte do século XX foi governado pela ditadura da família Duvalier que

governou de 1957 a 1986. Durante os anos seguintes o país se viu mais uma vez em

situação política conturbada.11 Desde 2004, uma missão de paz da Organização das

Nações Unidas (ONU) foi estabelecida no Haiti para estabilizar a situação política

muito instável desde o golpe militar de 1991. A MINUSTAH (Mission des Nations

Unies pour la Stabilisation en Haïti) tem como mandato apoiar o processo eleitoral,

manter a segurança pública, apoiar as reformas do Estado (Polícia, Justiça e Sistema

Penitenciário), monitorar violações de Direitos Humanos, dentre outras.12

Essa situação econômica, social e política precária durante toda a história do

Haiti teve um grave impacto no meio ambiente nessa metade da ilha de Hispaniola. Ao

10 CIA. The World Factbook. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-

factbook/geos/ha.html>. Acesso em: 02/04/2013. 11 DIAMOND, Jared (2012). Colapso. Rio de Janeiro, Editora Record. P. 407. 12 MINUSTAH. Mandato da MINUSTAH. Disponível em: <http://minustah.org/?page_id=8227>. Acesso em:

02/04/2013.

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longo da história do Haiti desde sua independência, pouco ou nada se fez para proteger

as áreas e os recursos naturais do país que foram explorados intensamente para ganhos

econômicos rápidos e não-sustentáveis para uma pequena parcela da população. Hoje

os principais problemas ambientais do Haiti são o desflorestamento extensivo, erosão

do solo e poluição das fontes de água potáveis. As poucas florestas em pé no país estão

sendo derrubadas para dar lugar a agricultura e para obtenção de combustível.13

Apenas 1% da cobertura original de floresta da metade da ilha onde está localizado o

Haiti está em pé.14

TABELA 1 – DADOS SOCIAIS E AMBIENTAIS

Haiti15 Rep. Dominicana16 Brasil17

PIB 12,52 Bilhões (147º) 98,74 Bilhões (74º) 2,362 trilhões (8º)

PIB per capita 1.300 (209º) 9,600 (116º) 12.000 (103º)

IDH 158º 98º 84º

Mortalidade

infantil

52,44 a cada 1000

nascimentos (41º)

21,3 a cada 1000

nascimentos (91º)

20,5 a cada 1000

nascimentos (93º)

Desnutrição

infantil (abaixo

de 5 anos)

18,9% (39º) 3,4% (101º) 2,2% (110º)

Alfabetização 52,9% da população 87% da população 88,6% da população

Desigualdade

econômica 7º mais desigual 26º mais desigual 16º mais desigual

Desempregro 40,6% (188º) 14,7% (143º) 6,2% (63º)

População

abaixo da linha

da pobreza

80% 34,4% 21,4%

Extensão 4% 41% 62%

13 CIA. The World Factbook. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-

factbook/geos/ha.html>. Acesso em: 02/04/2013. 14 DIAMOND, Jared (2012). Colapso. Rio de Janeiro, Editora Record. P. 397. 15 CIA. The World Factbook. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-

factbook/geos/ha.html>. Acesso em: 02/04/2013. 16 CIA. The World Factbook. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-

factbook/geos/dr.html>. Acesso em: 02/04/2013. 17 CIA. The World Factbook. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-

factbook/geos/br.html>. Acesso em: 02/04/2013.

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florestal18

2.2. Uma Ilha, Duas Realidades.

Irei nesta seção fazer uma comparação entre a situação ambiental em toda a ilha

de Hispaniola mostrando as principais diferenças entre o lado oriental, onde está

localizada a República Dominiacana e o lado ocidental, onde está o Haiti. Em certa

medida posso afirmar que um lado é o oposto do outro e que dessa forma poderemos

compreender melhor a extensão da degradação ambiental do lado haitiano quando

comparado com o lado dominicano.

Primeiro de tudo, a ilha é separada ao meio por uma cadeia de montanhas que

também serviria como a fronteira natural entre os futuros países independentes: Haiti e

República Dominicana. Essa cadeia de montanhas delimitou bastante a geografia entre

os dois lados. As chuvas que atingem a ilha de Hispaniola geralmente vem da direção

leste e é barrada pela cadeia de montanhas. Desse modo, as chuvas caem com mais

frequência no lado dominicano ocasionando maiores taxas de crescimento de plantas.

As montanhas mais altas também estão no lado dominicano e os rios que possuem

nascentes nessas montanhas acabam seguindo seu curso em direção à República

Dominicana. Como resultado dessas características geográficas e metereológicas, o lado

dominicano possui vales amplos, planícies e planaltos com solos mais ricos e densos.

Um dos mais famosos e importantes é o Vale Cibao que é uma das regiões agrícolas

mais importantes do mundo. De maneira quase oposta, o lado haitiano é mais seco por

conta das chuvas que ficam presas no lado dominicano e não recebe os cursos d´água

dos rios originários nas montanhas. O Haiti também possui um território mais

18 FAO (2010).Global Forest Resources Assessment. Roma, Organização das Nações Unidas para Agricultura e

Alimentação. P. 227-228.

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montanhoso, tendo poucas planícies e áreas importantes para o desenvolvimento da

agricultura. O Haiti também tem mais solos calcários, menos espessos e menos férteis

com baixa capacidade de recuperação. Como resultado dessas características naturais

de cada lado da ilha de Hispaniola, as sociedades que ali habitaram responderam e se

relacionaram historicamente de maneiras diferentes com o seu meio ambiente.

Desde a época colonial francesa até a independência e durante o século XX, o

Haiti desenvolveu uma economia agrícola (e em alguns momentos até mais rica que a

dominicana) às custas do seu capital ambiental. Ou seja, para desenvolverem sua

economia, a maior parte das florestas do país foram desmatadas e os solos foram

desgastados devido ao uso intensivo e não sustentável do mesmo.19

Entretanto, não podemos ser deterministas e considerar que apenas os fatores

geográficos determinariam o modelo histórico não-sustentável no Haiti. Há diferenças

sociais e econômicas envolvidas que não entrarei em detalhes neste trabalho. Citarei

apenas um desses fatores que é a diferença na densidade populacional entre os dois

lados da ilha. O Haiti durante muito tempo foi uma das mais ricas e valiosas colônias da

França, um império em ascenção, enquanto que a República Dominicana não era vista

como importante para a Espanha, que era um poder europeu em declínio. Por isso, a

França podia e queria investir na colônia haitiana, desenvolvendo plantações intensivas

baseadas no trabalho de escravos trazidos da África. Como resultado, houve uma

explosão populacional do lado haitiano que não houve no lado dominicano. O tamanho

de cada um dos territórios é muito semelhante, mas a população haitiana era e continua

sendo maior, tendo hoje o dobro da densidade populacional em relação à República

Dominicana.

A combinação entre a alta densidade populacional e características geográficas

desfavoráveis fizeram com que o desmatamento e perda do solo no lado haitiano fosse

19 DIAMOND, Jared (2012). Colapso. Rio de Janeiro, Editora Record. P. 408.

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mais acelerado e mais intenso. Também as terras baixas do Haiti foram quase

completamente desmatadas no século XIX com o intuito de abastecer os navios

negreiros que traziam escravos e retornavam à Europa com madeira.20

Com relação ao histórico de proteção ambiental o lado dominicano também

apresenta melhores resultados do que o haitiano. Na República Dominicana a

preocupação com o meio ambiente começou no século XX. Na segunda metade do

século XIX, o lado dominicano apresentava altos índices de desmatamento e poluição

dos rios devido ao cultivo da cana-de-açúcar e outros produtos rentáveis, assim como

para obtenção de carvão para energia. Entre 1919 e 1930 começa a surgir uma

preocupação ambiental por iniciativa de dois acadêmicos preocupados com os danos à

bacia hidrográfica ao redor da área de Santiago, segunda maior cidade do país. Essa

área foi intensamente pressionada pela agricultura, abertura de estradas e crescimento

populacional. Em 1927 é criada a Reserva Natural Vedado del Yaque, onde a entrada de

pessoas é controlada ou proibida. Mas apenas com a ditadura de Rafael Trujillo que se

iniciou em 1930, a administração governamental passou a se interessar pela proteção

ambiental. O regime de Trujillo expandiu a área do Vedado del Yaque, criou outras

reservas naturais, criou o primeiro Parque Nacional do país, organizou um corpo de

guardas florestais, suprimiu queimadas agrícolas e proibiu o corte de pinheiros nativos

da ilha na área de Costanza, na Cordilheira Central. Em 1937 o governo Trujillo

contratou o serviço de um cientista de Porto Rico para realizar um estudo sobre os

recursos naturais da República Dominicana. Foi descoberto que o potencial da atividade

madereira naquele tempo era de 40 milhões de dólares, muito elevado para a época. O

governo então passou a ser sócio das maiores empresas e a adotar medidas de extração

mais sustentáveis, como deixar árvores maduras em pé, reflorestamento, etc. Na década

de 50 começaram os estudos sobre o potencial hidrelétrico no país para substituir a

20 DIAMOND, Jared (2012). Colapso. Rio de Janeiro, Editora Record. P. 409.

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dependência dos combustíveis fósseis, principalmente o carvão, grande causador do

desflorestamento. A partir daí foram criados mais Parques Nacionais com o objetivo de

proteger as bacias hidrográficas importantes para a geração de energia hidrelétrica. Em

1958 foi convocado o primeiro Congresso Ambiental no país. É evidente que a ditadura

de Trujillo não desenvolveu a proteção ambiental e métodos mais sustentáveis de

produção e extração por motivos altruístas. O governo tinha como principal interesse o

econômico e ganhos pessoais por parte do ditador, que pretendia manter esses ganhos

por muitos anos, algo que não seria possível se continuasse o antigo padrão de

exploração intensiva dos recursos naturais. Entretanto, o resultado foi que enquanto o

lado dominicano conseguiu mudar seu modelo de desenvolvimento, o lado haitiano

não. Após a morte de Trujillo e o fim de seu governo, a proteção ambiental se

enfraqueceu, os madeireiros voltaram a derrubar as florestas e por fim também

derrubaram o governo democraticamente eleito que tentava manter as políticas

ambientais da era Trujillo.

A situação só voltaria a ser positiva para o meio ambiente quando Joaquín

Balaguer assume o poder em 1966. Balaguer, assim como Trujillo, sabia que o país não

poderia adotar um modelo econômico não-sustentável com ganhos de curto prazo.

Reconhecia a urgente necessidade de manter as bacias hidrelétricas florestadas para

assegurar o fornecimento de energia elétrica e para o consumo industrial e doméstico. O

governo Balaguer tomou medidas drásticas como banir os madeireiros comerciais e

fechar todas as serrarias do país. As famílias ricas e poderosas que controlavam esse

setor passaram a explorar regiões mais remotas, de forma ilegal, durante a noite e longe

da vista do público. Como consequência o governo toma uma decisão ainda mais

radical e resolveu transferir a responsabilidade da proteção florestal do Departamento

de Agricultura para as Forças Armadas, além de declarar a atividade madeireira ilegal e

crime contra a segurança do Estado. A guerra estava então declarada ao desmatamento.

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As Forças Armadas passam a fazer voos de reconhecimento e operações militares para

combater o desmatamento. Em 1967, em um dos marcos históricos da história ambiental

dominicana, as Forças Armadas atacam uma serraria clandestina na floresta que

deixaria 12 madeireiros mortos. Durante o segundo mandato de Balaguer na década de

80, as Forças Armadas passaram a expulsar posseiros localizados em florestas e Parques

Nacionais. Muitos foram afetados por essa política, pobres e ricos, e casas e mansões

foram derrubadas nessas áreas. O governo Balaguer também proibiu o uso de fogo na

agricultura e promulgou uma lei que determinava que todo poste de cerca viva deveria

ser de árvore viva e enraizada em vez de madeira morta. Também passou a

desestimular a demanda da população por produtos florestais e reduziu drasticamente

a tradicional produção de carvão ao importar gás da Venezuela, construiu terminais e

infraestrutura para receber esse gás e subsidiou o custo do gás para a população, além

de distribuir gratuitamente fogões e cilindros de propano. Balaguer também expandiu o

sistema de reservas naturais, criou os dois primeiros parques nacionais litorâneos, criou

santuários para baleias, protegeu as terras até 20 metros dos rios e 60 metros da costa,

protegeu pantanais, assinou a Convenção da Rio 92 e proibiu a caça. No setor industrial,

pressionou as indústrias a tratar seus resíduos sólidos e líquidos, implementou medidas

para controlar a poluição do ar e taxou as mineradoras. O governo também vetou

muitos projetos que seriam danosos ao meio ambiente como a construção de estradas,

aeroportos, portos e represas pelo país em áreas consideradas sensíveis e

ambientalmente importante. A sociedade civil se conscientizou bastante em relação às

questões ambientais, levando ao surgimento de muitas Organizações Não-

Governamentais e desenvolvimento do setor Acadêmico que se tornariam

extremamente importantes na conservação ambiental e dos recursos naturais no lado

dominicano da ilha de Hispaniola.21

21 DIAMOND, Jared (2012). Colapso. Rio de Janeiro, Editora Record. P. 407.

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Enquanto que ao longo do século XX a República Dominicana conseguiu criar

um bom sistema de proteção ambiental e buscou um modelo de desenvolvimento

econômico mais sustentável, o Haiti não seguiu o mesmo caminho, pelo contrário.

Durante a maior parte dos anos do governo de Trujillo na República Dominicana (da

década de 30 a 50) o Haiti teve uma sucessão instável de presidentes que pouco ou nada

fizeram em matéria de proteção ambiental. A instabilidade política apenas gerava uma

governança quase inexistente em diversas regiões do país resultando na pouca proteção

ambiental por parte do governo. A população empobrecida e sem apoio de políticas

governamentais de redução da pobreza ou de serviços públicos explorava de forma

não-sustentável os recursos naturais com o objetivo de se sustentarem a curto prazo da

forma como podiam. Em 1957 o Haiti passa a ser controlado por um ditador cruel,

François “Papa Doc” Duvalier, cujo governo foi muito desastroso para a população e o

desenvolvimento do país. Embora mais educado que Trujillo, era também um político

impiedoso que aterrorizou o país com sua polícia secreta. Entretanto, Papa Doc se

diferiu de Trujillo na falta de interesse em modernizar o país ou desenvolver uma

economia industrial. Mesmo que Trujillo tenha sido também um ditador cruel, ele tinha

um objetivo de governo a longo prazo de desenvolver a República Dominicana,

interesse que parece não ter existido em Papa Doc com relação ao Haiti. Papa Doc

governou até 1971 e foi sucedido pelo seu filho, Jean-Claude “Baby Doc”, que foi

forçado ao exílio em 1986 e também nada fez em relação ao desenvolvimento e

modernização do país e proteção ambiental. Como resultado da completa falta de

interesse dos governantes haitianos na proteção ambiental, no final do século XX o

sistema de parques nacionais é composto por míseros quatro parques. Os quatro

parques são pequenos e ameaçados constantemente por camponeses que derrubam

árvores com o intuito de produzir carvão. Enquanto isso o sistema dominicano possui

74 parques abrangendo 32% da área do país, incorporando quase todos os hábitats (é

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relativamenteo o maior e mais completo sistema de parques nacionais da América

Latina).22 Os governantes haitianos também não fizeram quase nada para o

desenvolvimento do país ou redução da pobreza (para não mencionar qualquer

consciência de desenvolvimento sustentável). A consequência disso são os dados e

números alarmantes mencionados no primeiro capítulo sobre as situações econômica e

social do Haiti. A população enfrenta uma situação de pobreza aguda generalizada com

uma economia muito pouco desenvolvida.

IMAGEM 1 - FRONTEIRA ENTRE HAITI (ESQUERDA) E REPÚBLICA DOMINICANA (DIREITA).

Fonte: http://colunas.revistaepoca.globo.com/planeta/2010/01/22/o-colapso-ambiental-e-

a-miseria-do-haiti-estao-interligados/

IMAGEM 2 – FRONTEIRA ENTRE HAITI (ESQUERDA) E REPÚBLICA DOMINICANA (DIREITA)

22 DIAMOND, Jared (2012). Colapso. Rio de Janeiro, Editora Record. P. 401.

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Fonte: http://svs.gsfc.nasa.gov/vis/a000000/a002600/a002640/

2.3. Degradação Ambiental e um Modelo Não-Sustentável geram Vulnerabilidade

Como explicitei na seção anterior, a situação ambiental do Haiti é muito ruim

com apenas 4% de cobertura florestal no território e um sistema de parques nacionais

quase inexistente. A economia não segue um modelo sustentável. A agricultura causa

grande desgaste nos solos e as florestas são queimadas para a produção do carvão,

principal fonte de energia do país. O governo tem uma deficiência crônica para garantir

a efetividade e viabilidade do manejo dos recursos naturais e da terra, a gestão do risco

de desastre e o controle da poluição, seja no meio urbano ou rural.

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Em 20 de janeiro de 2006 foi definido um plano nacional para o meio ambiente,

chamado de Sistema Nacional de Gestão Ambiental, em uma tentativa do atual governo

de mudar a péssima situação ambiental do país. Entretanto, houve pouca

implementação de fato devido a falta de recursos. As atividades do Ministério do Meio

Ambiente ficaram limitadas à implementação de projetos com financiamento externo e

à realização de informações básicas sobre o meio ambiente. Enquanto isso, suas funções

normativas (como estudos de impactos ambientais), inteligência, controle e consultas

públicas receberam pouca atenção.

Com relação aos recursos hídricos a situação também é preocupante. A água é

um recurso natural que tem se tornado escasso devido à erosão das bacias

hidrográficas, à falta de gestão de resíduos sólidos e líquidos que são despejados nos

cursos d’{gua advindos principalmente de moradias sem saneamento e | falta de gestão

integrada dos recursos hídricos. Já se verificou a presença de bactérias nocivas em

diversas fontes de água. E em se tratando de um país que sofreu uma epidemia de

cólera recentemente, o problema se torna mais sério ainda.

As zonas marinhas e costeiras estão em uma situação de declínio avançado.

Ecossistemas como mangues, pântanos e corais estão sendo destruídos como resultado

da sedimentação gerada pela erosão dos cursos d’{gua, da poluição vinda da terra e da

presença humana. A destruição desses ecossistemas reduziu a atividade pesqueira e

aquacultora contribuindo para o aumento da pobreza, além de tornar as regiões

costeiras mais vulneráveis a tempestades e furacões.23

A gestão dos resíduos sólidos é muito ineficiente. Os serviços de limpeza urbana

não conseguem lidar com a quantidade de lixo gerada pelas cidades acarretando a

presença de lixo nas ruas e o que é coletado é levado para lixões onde é feita a queima

23 GOVERNO DA REPÚBLICA DO HAITI (2010). Haiti Earthquake PDNA: Assessment of damage, losses, general

and sectoral needs. Porto Príncipe. P. 50.

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não controlada desse lixo. É normal haver comunidades próximas aos lixões que sofrem

com a poluição do ar como consequência da queima.24

Essa situação ambiental lamentável somada a uma economia pouco

desenvolvida, a pobreza aguda, a um governo fraco, a quase inexistência de serviços

públicos como saúde e educação, a falta de infraestrutura (estradas, ruas, energia

elétrica, saneamento, higiene), a presença de grande parte das moradias em áreas de

risco de deslizamento ou inundação, fazem com que o Haiti seja um país extremamente

vulnerável às ameaças naturais e portanto propenso à ocorrência de desastres de grande

magnitude. O governo por sua vez não tem nenhuma capacidade de resposta a um

desastre, prologando e intesificando ainda mais o impacto do mesmo. Um exemplo

simples e concreto disso foi evidenciado no terremoto de 2010: o país teve enorme

dificuldade de lidar com a grande quantidade de lixo resultante das quedas dos

edifícios e casas, aproximadamente 40 milhões de m³ de detritos e resíduos, o que

fragilizou ainda mais a resposta e recuperação ao desastre.25

A degradação ambiental no Haiti e a falta de vontade ou de capacidade dos

sucessivos governos do país em proteger os recursos naturais e o meio ambiente e de

buscar um modelo econômico sustentável fizeram com que este lado da ilha se tornasse

extremamente vulnerável às ameaças naturais, fazendo do país um recordista em

desastres. Apenas no século XX foram pelo menos 20 desastres de grande proporção.

Apenas no século XXI já ocorrem 4 desastres de grande proporção. Das pequenas ilhas

nações em desenvolvimento (SIDS da sigla em ingês de Small Island Developing States),

24 GOVERNO DA REPÚBLICA DO HAITI (2010). Haiti Earthquake PDNA: Assessment of damage, losses, general

and sectoral needs. Porto Príncipe. P. 51. 25 GOVERNO DA REPÚBLICA DO HAITI (2010). Haiti Earthquake PDNA: Assessment of damage, losses, general

and sectoral needs. Porto Príncipe. P. 11.

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o Haiti é a mais vulnerável a ciclones. Aproximadamente 96% da população do país

vive em constante perigo de pelo menos dois riscos diferentes.26

TABELA 2 - DESASTRES NO HAITI NO SÉCULO XXI.

Evento Impacto no PIB Pessoas afetadas Mortes

2004: Furacão Jeanne 7% 300.000 5.000

2007: Furacões Dean e Noel 2% 194.000 330

2008: Tempestades

tropicais Fay e Gustav e

Furacão Ike

15% 1.000.000 800

2010: Terremoto 100% 2.000.000 222.500

Fonte: Haiti earthquake PDNA: assessment of damages, losses, sectoral and general

needs, publicado pelo governo haitiano, março de 2010.

Novamente comparo a República Dominicana com o Haiti para mostrar como a

degradação ambiental no lado haitiano da ilha gera vulnerabilidade às ameaças

naturais. O furacão Jeanne atingiu com força a ilha de Hispaniola em 2004 causando

destruição por onde passou. Jeanne fez 2700 vítimas no Haiti mas apenas 20 na

República Dominicana. A vegetação preservada na República Dominicana protegeu as

comunidades locais dos ventos e estabilizou o solo evitando deslizamentos, uma das

grandes causas de mortes no Haiti. Os mangues preservados na República Dominicana

também serviram para reduzir o impacto das ondas que atingiram a costa e evitaram a

destruição das comunidades costeiras. A República Dominicana possui mais de 69.000

hectares de mangue preservado enquanto que o Haiti possui um número insignificante.

Ou seja, como explicado no primeiro capítulo, os ecossistemas preservados da

República Dominicana forneceram serviços ambientais que puderam amenizar os

26 GOVERNO DA REPÚBLICA DO HAITI (2010). Haiti Earthquake PDNA: Assessment of damage, losses, general

and sectoral needs. Porto Príncipe. P. 24-25

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impactos do furacão, o que não ocorreu no Haiti devido aos seus ecossistemas

degradados. As mudanças climáticas irão aprofundar ainda mais esses padrões ao

aumentar o número e intensidade das ameaças.27

IMAGEM 3 – CIDADE DE PORTO PRÍNCIPE, CAPITAL DO HAITI

Fonte: fotógrafo Eduardo Fonseca Arraes.

3. O Terremoto de 2010 e as Consequências no Meio Ambiente.

Em 12 de Janeiro de 2010, um terremoto de magnitude 7.3 na escala Richter e

duração de 35 segundos atingiu a capital do país, Porto Príncipe, e cidades no entorno.28

27 PEDUZZI, Pascal (2005). Tropical cyclones: paying a high price for environmental destruction. 18 de janeiro de

2005. Environment & Poverty Times. <http://www.grida.no/files/publications/environment-

times/kobetimes_0203.pdf>. Acesso em 02/04/2013.

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O horário do terremoto foi às 16:53, momento onde grande parte da população estava

nas ruas, o que provavelmente diminuiu o número de mortos. Mesmo assim, o número

foi muito elevado. No caso do Haiti, o país mais pobre das Américas, o terremoto

atingiu a região mais populosa do país cujo desenvolvimento econômico e social é

extremamente baixo.29 Como já foi discutido nos capítulos anteriores, a intensidade do

desastre no Haiti é uma consequência da situação de grande vulnerabilidade do país.

Vulnerabilidade essa causada pelo baixo nível de desenvolvimento, instabilidade

política e grande degradação ambiental. Novamente, neste capítulo assim como nos

anteriores, irei focar na questão ambiental.

O modelo de desenvolvimento adotado historicamente pelo Haiti é o de

predação intensiva de seus ecossistemas. Esse modelo não-sustentável de baixa

proteção ambiental e sem gestão eficiente dos recursos naturais não trouxe riqueza nem

desenvolvimento econômico para o país, pelo contrário. A destruição dos ecossistemas

para ganhos econômicos na verdade não gerou desenvolvimento econômico (apenas

riqueza para um grupo concentrado de pessoas) nem infra-estrutura para lidar com os

eventos extremos da natureza. O baixo nível de desenvolvimento fez com que o país se

tornasse vulnerável, sem capacidade de resposta e com baixa resiliência aos desastres. O

terremoto é um fenômeno físico da natureza cuja ocorrência não pode ser controlada

pelos humanos, entretanto o fenômeno físico sozinho não produz o desastre. O desastre

é o resultado da soma de diversos fatores, muitos deles consequência das atividades e

escolhas humanas.

Na seção anterior descrevi a situação do Haiti com relação à gestão ambiental.

Essa gestão ineficiente foi uma das grandes responsáveis pela ocorrência do desastre

28 USGS. Earthquake Hazards Program. Disponível em:

<http://earthquake.usgs.gov/earthquakes/recenteqsww/Quakes/us2010rja6.php>. Acesso em 02/04/2013. 29 GOYET, Claude; SARMIENTO, Juan; GRÜNEWALD, François (2011). Response to the Earthquake in Haiti:

Lessons to be learned for the next massive sudden-onset disaster. Washington DC, Organização Pan Americana de

Saúde. P. 24.

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advindo do terremoto. As péssimas condições de moradia de Porto Príncipe, assim

como a fragilidade das construções e a localização de muitas delas em áreas de encosta

ou risco, foram fatores decisivos para a intesidade do desastre. A má gestão dos

recursos hídricos e dos resíduos sólidos e líquidos também foram de grande

importância para que o desastre ocorresse. Os serviços de coleta dos resíduos sólidos

não conseguiram dar conta do material gerado pelos escombros e desabamentos. O lixo

que já se acumulava pelas ruas da capital antes do terremoto pioraram a situação e se

somaram aos novos resíduos. Da mesma forma ocorreu com os resíduos líquidos, que

em sua maioria não possuiam tratamento adequado, passaram a se espalhar pela

cidade. Todos esses resíduos sem tratamento e destinamento correto pioraram a

situação de desastre em grande escala, principalmente por espalharem doenças e

atraírem vetores e zoonoses como ratos e mosquitos. A pobreza generalizada e a falta

de serviços governamentais, ambas consequências do modelo não-sustentável, são

chaves para a existência do desastre na magnitude que ocorreu.

Os impactos do terremoto no fragilizado meio ambiente e no ineficiente sistema

de gestão ambiental do Haiti foram tremendos. Primeiro de tudo, o impacto na

governaça ambiental foi profundo. Houve a destruição de muitos prédios e

equipamentos do Ministério do Meio Ambiente e seus parceiros, inclusive a total

desaparição de uma instituição (o Centro Nacional de Informação Geoespacial). Outras

instituições públicas que também realizam trabalhos relacionados com o meio ambiente

foram seriamente afetadas. O risco de erosão aumentou em muitas áreas. Em outras

áreas o mar avançou na costa para o interior e em outras ocorreu o inverso colocando

em risco áreas de corais que emergiram do mar. O desflorestamento no entorno das

cidades afetadas e em áreas afetadas pelo movimento de populações se intensificará

devido ao aumento dos preços do carvão vegetal e madeira para construção. O aumento

do desflorestamento levará à degradação do solo e à perda de serviços e bens

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ambientais como fornecimento de água, diversidade biológica, produtividade do solo,

proteção contra enchentes, erosão e deslizamentos, etc. gerando um ciclo vicioso de

mais pobreza, mais degradação e mais vulnerabilidade aos desastres. As poucas áreas

protegidas do país também serão pressionadas pela procura de madeira e movimento

de populações colocando em risco os frágeis hábitats. O grande aumento de resíduos

sólidos nas cidades que não só bloqueiam o tráfico, movimentação das pessoas e

equipes de ajuda mas também sistemas de drenagem aumentou ainda mais o risco de

enchentes e propagação de doenças. As empresas de remoção de resíduos sólidos já

eram ineficientes antes e ficaram ainda mais com a destruição de parte de suas

estruturas. Estima-se que o terremoto gerou mais de 40 milhões de metros cúbicos de

resíduos. A gestão de resíduos tóxicos e infecciosos também já era problemática antes

do terremoto. Os impactos causados por ele foram um dos primeiros a serem sentidos

devido ao grande aumento de pacientes nos hospitais. Em Porto Príncipe dez hospitais

que realizavam a eliminação do lixo hospitalar foram destruídos e muito desse lixo

perigoso passou a ser queimado ao ar livre. A gestão dos resíduos líquidos também foi

enormemente prejudicada. A situação sanitária já precária piorou ainda mais e a

situação nos campos de desabrigados é ainda mais alarmante. Latrinas e banheiros

químicos foram instalados mas não contam com o tratamento adequado.30

Por fim, a situação ambiental do Haiti já muito fragilizada foi seriamente afetada.

Grandes esforços nunca feito antes deverão ser realizados para não apenas recuperar os

danos causados pelo terremoto de 2010, mas para regenerar o meio ambiente

depredado ao longo de séculos e criar quase que do zero um novo sistema político e

econômico sustentável.

30 GOVERNO DA REPÚBLICA DO HAITI (2010). Haiti Earthquake PDNA: Assessment of damage, losses, general

and sectoral needs. Porto Príncipe. P. 52-54.

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IMAGEM 4 – A VIDA CONTINUA AO LADO DOS ESCOMBROS EM DEZEMBRO DE 2012, DOIS

ANOS APÓS O TERREMOTO.

Fonte: fotógrafo Eduardo Fonseca Arraes

Conclusão - Apenas com uma Alternativa Sustentável

Apresentei ao longo desse artigo que primeiro de tudo, os desastres naturais não

são naturais como o conceito nos leva a crer. Desastres são consequência das ações

humanas e portanto de nossa responsabilidade enquanto que os eventos físicos ocorrem

queiramos ou não. Não podemos impedir que certos fenômenos da natureza ocorram

(como terremotos, tornados, furacões, chuvas ou tsunamis), entretanto cabe a nós

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enquanto sociedade nos preparar para recebê-los. Essa preparação não ocorre somente

no momento de resposta ao fenômeno em questão e em buscas de salvamento ou

resgate. A preparação envolve o próprio desenvolvimento da sociedade. E é justamente

essa a conclusão que exponho nesse trabalho. A única maneira de construir a resilência

e de nos preparar para qualquer fenômeno físico extremo é por meio de um

desenvolvimento econômico que respeite e entenda o meio ambiente no qual a

sociedade em questão está inserida.

A busca pela redução da vulnerabilidade aos desastres nos termos que aqui

apresento não somente trará o claro benefício de reduzir a ocorrência e intensidade dos

desastres, mas também irá construir uma sociedade mais harmônica, igualitária, justa e

próspera. Sociedade essa que constantemente deverá buscar desenvolver-se respeitando

seus ecossistemas, entendendo que sua preservação é essencial para a geração de

riqueza não só para a geração atual mas para as futuras. A riqueza gerada deve retornar

para a população em forma de serviços e infra-estrutura para que se gere o bem-estar e

a segurança geral.

É difícil imaginar que um país tão pobre, desigual, com baixos indicadores de

desenvolvimento socioeconômico e com grande depredação ambiental seja capaz de

enfrentar e mitigar um desastre. Pelo contrário, em um país assim os desastres serão

frequentes e intensos. Nestre trabalho resolvi utilizar o exemplo do Haiti, mas

infelizmente há muitos outros países em situação semelhante ao redor do globo.

Reduzir a vulnerabilidade aos desastres naturais requererá um processo de longuíssimo

prazo de desenvolvimento econômico e social de forma sustentável. Deve-se quebrar o

ciclo vicioso de ganhos econômicos a curto prazo para combater a pobreza que gera

degradação ambiental que por sua vez gera mais fragilidade socio-econômica e que

finalmente gera mais pobreza e desigualdade. Para mudar de ciclo vicioso para ciclo

virtuoso, o Haiti e os demais países em situação similar devem pautar seu

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desenvolvimento econômico na ideia de sustentabilidade, beneficiando os pobres ao

mesmo tempo que protege seus recursos naturais, ou capital natural. Em uma viagem

de trabalho de campo para o Haiti, um colega haitiano otimista me disse que “se teve

algo de bom no terremoto de 2010 é que nos é oferecida a opção de construir tudo de

novo, do zero, da maneira correta”. De fato, o desastre natural de 2011 no Haiti oferece

uma oportunidade para que o país se reconstrua mas sem retornar para a situação

anterior ao desastre. O Haiti deve se reconstruir pensando nesse novo modelo

sustentável. Apenas criando um sistema de gestão e proteção ambiental eficiente,

regenerando os ecossistemas degradados, fortalecendo as instituições estatais,

aumentando a fiscalização às empresas poluidoras, investindo em práticas verdes,

evitando a degradação ambiental, criando um serviço de saúde público universal,

investindo em obras de segurança, higiene, habitação e infra-estrutura para a

população, e buscando um modelo econômico mais igualitário, que a vulnerabilidade

às ameaças naturais serão reduzidas ou eliminadas.