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Assunto Especial – Doutrina A Legitimidade da Desaposentação e a Polêmica Restituição dos Valores do Benefício Desaposentação e Despensão: Aspectos Controvertidos OSCAR VALENTE CARDOSO Juiz Federal Substituto do JEF Cível de Lages/SC, Mestre em Direito e Relações Internacionais pela UFSC, Especialista em Direito Público, em Direito Constitucional, em Direito Processual Civil, em Comércio Internacional e em Planejamento e Gestão Estratégica, Pós-Graduando em Direito Previdenciário, Professor da Escola Superior da Magistratura Federal de Santa Catarina (Esmafesc). RESUMO: O artigo trata de dois institutos recentes e polêmicos no Direito Previdenciário brasileiro: a desaposentação e a despensão. Ambos não possuem previsão legal expressa, o que gera inseguran- ça jurídica e decisões judiciais contraditórias sobre questões similares. Especificamente, abordam-se os aspectos práticos da possibilidade – ou não – da desaposentação e da despensão, e a necessida- de ou dispensa de devolução dos valores recebidos, entre outras situações relacionadas aos temas. PALAVRAS-CHAVE: Desaposentação; devolução de valores; despensão. SUMÁRIO: Introdução; 1 Desaposentação: noções básicas; 1.1 Conceito e diferenciações; 1.2 Direito ou impedimento?; 1.3 Devolução dos valores recebidos: condição ou dispensa?; 1.4 Reaposentação; 1.5 Desaposentação e decadência; 1.6 Valor da causa e competência; 2 Despensão; Conclusões; Referências. INTRODUÇÃO Apesar de ainda não existir uniformidade nas decisões judiciais sobre a desaposentação, outra tese surge na esteira desta, envolvendo a revisão de benefício para produzir reflexos sobre a pensão por morte. Pretende-se, neste artigo, examinar as características principais da de- saposentação e a interpretação conferida pelos Tribunais e Turmas Recur- sais para, na sequência, analisar o instituto da despensão. 1 DESAPOSENTAÇÃO: NOÇÕES BÁSICAS 1.1 CONCEITO E DIFERENCIAÇÕES A desaposentação, como a própria denominação indica, consiste na abdicação da aposentadoria, com a concessão de nova, aproveitando o

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Assunto Especial – Doutrina

A Legitimidade da Desaposentação e a Polêmica Restituição dos Valores do Benefício

Desaposentação e Despensão: Aspectos Controvertidos

OSCAR VALENTE CARDOSOJuiz Federal Substituto do JEF Cível de Lages/SC, Mestre em Direito e Relações Internacionais pela UFSC, Especialista em Direito Público, em Direito Constitucional, em Direito Processual Civil, em Comércio Internacional e em Planejamento e Gestão Estratégica, Pós-Graduando em Direito Previdenciário, Professor da Escola Superior da Magistratura Federal de Santa Catarina (Esmafesc).

RESUMO: O artigo trata de dois institutos recentes e polêmicos no Direito Previdenciário brasileiro: a desaposentação e a despensão. Ambos não possuem previsão legal expressa, o que gera inseguran-ça jurídica e decisões judiciais contraditórias sobre questões similares. Especificamente, abordam-se os aspectos práticos da possibilidade – ou não – da desaposentação e da despensão, e a necessida-de ou dispensa de devolução dos valores recebidos, entre outras situações relacionadas aos temas.

PALAVRAS-CHAVE: Desaposentação; devolução de valores; despensão.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Desaposentação: noções básicas; 1.1 Conceito e diferenciações; 1.2 Direito ou impedimento?; 1.3 Devolução dos valores recebidos: condição ou dispensa?; 1.4 Reaposentação; 1.5 Desaposentação e decadência; 1.6 Valor da causa e competência; 2 Despensão; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃO

Apesar de ainda não existir uniformidade nas decisões judiciais sobre a desaposentação, outra tese surge na esteira desta, envolvendo a revisão de benefício para produzir reflexos sobre a pensão por morte.

Pretende-se, neste artigo, examinar as características principais da de-saposentação e a interpretação conferida pelos Tribunais e Turmas Recur-sais para, na sequência, analisar o instituto da despensão.

1 DESAPOSENTAÇÃO: NOÇÕES BÁSICAS

1.1 CONCEITO E DIFERENCIAÇÕES

A desaposentação, como a própria denominação indica, consiste na abdicação da aposentadoria, com a concessão de nova, aproveitando o

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tempo de contribuição e os salários-de-contribuição posteriores ao início do benefício do qual se abre mão.

Para Fábio Zambitte Ibrahim, é “[...] a reversão do ato que transmudou o segurado em inativo, encerrando, por consequência, a aposentadoria”1. Na definição de Wladimir Novaes Martinez, “[...] é uma renúncia às men-salidades da aposentação, sem prejuízo do tempo de serviço ou do tempo de contribuição, per se irrenunciáveis, seguida ou não da volta ao trabalho, [...]”2. Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari conceituam como “[...] o ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário”3.

Não se confunde com a renúncia à aposentadoria, que é simplesmen-te o pedido de encerramento do benefício, sem o interesse na concessão de outro. A desaposentação envolve necessariamente o pedido de cance-lamento de uma aposentadoria para a concessão de outra, mais favorável, ou seja, a substituição de uma aposentadoria por outra; pode abranger a inserção de tempo de contribuição posterior ao início da aposentadoria em vigor ou apenas o aumento da idade (e redução de expectativa de sobrevi-da), que importa em ampliação do fator previdenciário e da renda mensal. Entretanto, alguns Tribunais não distinguem os dois institutos, utilizando as expressões desaposentação e renúncia para designar a primeira.

Diferenciando os dois conceitos, o TRF da 4ª Região decidiu:

[...] 1. A natureza patrimonial dos direitos previdenciários autoriza a deli-mitação das parcelas a serem executadas, nas hipóteses em que, no curso da demanda judicial cognitiva, o segurado teve deferido outro benefício, cuja renda mensal é superior à do amparo concedido em juízo, porquanto a execução tem por finalidade a concretização do direito tutelado jurisdi-cionalmente, dentro dos limites da res judicata, no interesse do credor, não havendo de se falar em renúncia ao amparo postulado judicialmente, por-quanto a concessão desse, quando do segundo requerimento administrativo, era mera probabilidade, não sendo então exigível outra conduta do segurado que não a de retornar ou permanecer laborando, quando já teria implemen-tado os requisitos para a jubilação. 2. Circunstância diversa é aquela do jubi-lado que pretende a desaposentação para o fim de obter nova aposentadoria mais vantajosa, em face da inclusão dos salários-de-contribuição referentes ao período de retorno/manutenção nas lides laborais, o que fez não porque não teve escolha, mas tão-somente porque assim o desejava, ensejando-se a

1 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação: um caminho para a melhor aposentadoria. Niterói: Impetus, 2005. p. 34.

2 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 46.3 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 11. ed.

Florianópolis: Conceito Editorial, 2009. p. 570-571.

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aplicação de solução diversa daquela que vem sendo empregada nas deman-das que versam sobre desaposentação, qual seja, devolução das prestações recebidas, o que representaria o esvaziamento da pretensão em executar o título judicial, não se cogitando da aplicação do art. 18, § 2º, da Lei de Bene-fícios. (AC 2008.71.99.005321-3/RS, 6ª T., Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, J. 17.06.2009, DE 14.07.2009)

Também distinguindo a renúncia da desaposentação, cita-se acórdão do TRF da 3ª Região: “[...] Desaposentação não constitui renúncia a bene-fício previdenciário. Segurado não pretende recusar a aposentadoria, com a desoneração do ente autárquico, mas sim, substituir o seu benefício por outro mais vantajoso” (Ap-Reex 200861830113990, 8ª T., Relª Juíza Fed. Marianina Galante, J. 21.03.2011, DJ 31.03.2011, p. 1304).

1.2 DIREITO OU IMPEDIMENTO?

Duas controvérsias principais envolvem o instituto: (a) a possibilidade – ou não – de desaposentação; (b) e necessidade – ou não – de devolução dos valores recebidos.

No primeiro aspecto, a discussão envolve a existência de impedi-mento legal para a desaposentação, considerando que a aposentadoria não pode ser reversível.

Nesse sentido, o art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 prevê que

o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que perma-necer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus à prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando em-pregado.

Entende-se que, após o ato de aposentação, não existe possibilidade de retorno ao regime como beneficiário (com as citadas exceções), mas apenas como contribuinte do RGPS, logo, esse ato é irreversível. De forma similar, o art. 181-B do Decreto nº 3.048/1999 dispõe que “as aposentado-rias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela Previdên-cia Social, na forma deste regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis”.

Também se menciona que, com fundamento no princípio da legali-dade (administrativa), a falta de previsão expressa permitindo a desaposen-tação é um obstáculo à sua admissão.

Sobre o assunto, o Enunciado nº 70 das Turmas Recursais do Rio de Janeiro dispõe que “é inviável a desaposentação no Regime Geral da Previdência Social para fins de aproveitamento do tempo de contribuição anterior para uma nova aposentadoria neste mesmo regime”.

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Há quem afirme ainda que a aposentadoria é uma relação jurídica bilateral, entre o segurado e a Previdência Social, motivo pelo qual a des-constituição do ato deve ser condicionada à aceitação das duas partes.

Ademais, a desaposentação pode violar o princípio tempus regit ac-tum, que se aplica ao Direito Previdenciário, e consiste na aplicação da lei sobre os fatos realizados (ou consumados) durante a sua vigência. Em consequência, a norma não pode atingir fatos anteriores ao início de sua entrada em vigor (irretroatividade), tampouco aqueles praticados depois da revogação (ultra-atividade ou pós-atividade). A aplicação do tempus regit actum importa na observância da norma vigente na data em que o segurado alcançou o direito ao benefício. A permissão da desaposentação permite que um segurado aposentado por determinadas regras possa abrir mão dela com o objetivo exclusivo de se aposentar conforme regras mais favoráveis que posteriormente entraram em vigor.

Também é argumento contrário a ocorrência de burla ao fator previ-denciário, pois o segurado pode se aposentar e manter o benefício até que o fator lhe seja favorável (igual ou superior a 1), seja pelo recolhimento posterior de contribuições, seja apenas pelo aumento de sua idade. Isso leva a outra questão: o pagamento posterior de contribuições é requisito imprescindível – ou não – para a desaposentação? Não necessariamente, tendo em vista que, conforme já afirmado, o fator previdenciário pode ser ampliado não apenas pelas contribuições, mas também em virtude da idade do segurado.

Por outro lado, sustenta-se que a aposentadoria é um ato voluntário, logo, o segurado pode também espontaneamente abdicá-lo. Ademais, men-ciona-se que a vedação à renúncia é uma medida que protege o segurado, logo, não pode ser interpretada no sentido de prejudicá-lo.

O princípio da legalidade também é utilizado como argumento, pois o que não é expressamente proibido por lei é permitido aos particulares.

Para Marina Vasques Duarte, a vedação do decreto é ilegal:[...] quando proíbe o segurado de renunciar à aposentadoria para percebi-mento de outra mais vantajosa, porquanto inexiste previsão semelhante na lei, tratando-se de direito patrimonial disponível. Neste sentido, a instituição previdenciária não pode contrapor-se à renúncia pra compelir o segurado a continuar aposentado, [...].4

A autorização da desaposentação pode gerar o seguinte problema (normalmente não abordado por quem a defende): quantas desaposenta-ções são permitidas para o mesmo segurado? Apenas uma, ou mais? Sendo

4 DUARTE, Marina Vasques. Direito previdenciário. 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p. 129.

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possível mais de uma, o segurado pode se desaposentar indefinidamente, em quantas oportunidades tiver interesse, ou isso deve ser limitado a um número máximo? No direito civil, a renúncia é um ato irrevogável, ou seja, uma vez realizado, não se admite a “renúncia da renúncia”; porém, con-siderando que é concedido um novo benefício, não há impedimento legal para a renúncia a ele, e sucessivamente para outros benefícios concedidos após novas desaposentações. Entretanto, isso pode criar situações abusi-vas, com o uso abusivo do instituto (desaposentações mensais, anuais, etc.), sendo recomendável a fixação (por lei, ou mesmo a uniformização pelos Tribunais) de limites objetivos para sua utilização pelos segurados do RGPS.

1.3 DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS: CONDIÇÃO OU DISPENSA?A segunda questão principal diz respeito aos efeitos da desaposen-

tação, ou seja, se o segurado retorna à situação jurídica anterior à aposen-tadoria, e deve restituir a quantia recebida (ex tunc), ou se incidem apenas a partir do pedido, não havendo necessidade de devolver o que auferiu durante a fruição do benefício (ex nunc).

Para quem defende a primeira posição, a indenização dos valores re-cebidos também é imprescindível para a preservação do equilíbrio atuarial do sistema previdenciário, pois o INSS efetuou o pagamento do benefício durante determinado período, e não há no sistema previsão para, posterior-mente, se conceder novo benefício (e em valor maior) para o aposentado.

Na opinião de Wladimir Novaes Martinez, a desaposentação exige a devolução dos valores recebidos:

[...] restituindo-se o que for atuarialmente necessário para a manutenção do equilíbrio financeiro dos regimes envolvidos com o aproveitamento do pe-ríodo anterior ou no mesmo regime de Previdência Social, sempre que a situação do segurado melhorar e isso não causar prejuízo a terceiros.5

Já quem sustenta o segundo entendimento entende que, se não houve ilegalidade na concessão do benefício, não há motivo para o reembolso dos valores. Ainda, afirma-se que não ocorre prejuízo ao equilíbrio atuarial, tendo em vista que as contribuições posteriores à aposentadoria não são projetadas pelo sistema.

Para Fábio Zambitte Ibrahim:

A desaposentação não prejudica o equilíbrio atuarial do sistema, pois as co-tizações posteriores à aquisição do benefício são atuarialmente imprevistas, não sendo levadas em consideração para a fixação dos requisitos de elegi-

5 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Op. cit., p. 46.

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bilidade do benefício. Se o segurado continua vertendo contribuições após a obtenção do benefício, não há igualmente vedação atuarial à sua revisão, obedecendo-se assim as premissas jurídicas e atuariais a que se deve subme-ter a hermenêutica previdenciária.6

Nas Turmas Recursais, prevalece a concepção de ser possível a desa-posentação, desde que o segurado restitua os valores recebidos. Nesse sen-tido, há julgados da 1ª Turma Recursal de Goiás7, da 1ª Turma Recursal do Rio de Janeiro8, da 2ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul9 e da 2ª Turma Recursal de Santa Catarina10.

Nos termos da Súmula nº 3 das Turmas Recursais do Rio Grande do Sul, “o tempo de serviço prestado após a aposentação somente poderá ser contado para concessão de nova aposentadoria se houver renúncia ao be-nefício ou desaposentação, com restituição de todos valores já recebidos”.

A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, ao apreciar o caso, decidiu ser admissível a desaposenta-ção, mas condicionou-a ao retorno dos valores à Previdência Social:

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL – DESAPOSENTAÇÃO – NE-CESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS PROVENTOS JÁ RECEBIDOS

1. A desaposentação, isto é, a desvinculação voluntária de aposentadoria já concedida e usufruída, somente é possível mediante devolução dos proven-tos já recebidos.

6 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 14. ed. Niterói: Impetus, 2009. p. 724. Ainda: “[...] É defensável o entendimento de que não há a necessidade da devolução destas parcelas, pois, não havendo irregularidade na concessão do benefício recebido, não há o que ser restituído” (CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Op. cit., p. 573).

7 “PREVIDENCIÁRIO – DESAPOSENTAÇÃO – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES DO STJ – RECURSO PROVIDO.” (Processo nº 298333020074013, Relª Juíza Fed. Maria Divina Vitória, J. 29.05.2007, DJ 18.06.2007)

8 “PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO – PEDIDO DE ALTERAÇÃO DA DIB DE SEU BENEFÍCIO – ENTENDIMENTO DO STJ PERMITE A RENÚNCIA DE BENEFÍCIO A QUALQUER TEMPO – DESAPOSENTAÇÃO – DEVIDA COMPENSAÇÃO DOS VALORES PAGOS A TÍTULO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, DE 12.07.2006 A 06.09.2006 – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA REFORMADA – RECURSO PROVIDO.” (Processo nº 20075151002174101, Rel. Juiz Fed. Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, J. 10.06.2009)

9 “PREVIDENCIÁRIO – DESAPOSENTAÇÃO – NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS PROVENTOS JÁ RECEBIDOS – 1. A desaposentação, isto é, a desvinculação voluntária de aposentadoria já concedida e usufruída, somente é possível mediante a devolução dos proventos já recebidos. 2. Recurso do INSS provido.” (Processo nº 200771600043770, Rel. Juíza Fed. Jacqueline Michels Bilhalva, J. 20.01.2010)

10 “CANCELAMENTO OU DESISTÊNCIA OU DESAPOSENTAÇÃO OU RENÚNCIA OU ABDICAÇÃO DE APOSENTADORIA – Em síntese, o que em realidade quer o autor é o cancelamento de seu benefício atual (aposentadoria por tempo de serviço) e a concessão de outro benefício (nova aposentadoria por tempo de serviço), com o aproveitamento do tempo laborado (contribuições feitas) durante o período em que usufruiu a aposentadoria. Pretensão vedada pela lei. Todavia, embora seja direito do segurado desaposentar-se e contar o tempo em que esteve aposentado para cálculo de outro benefício do Regime Geral de Previdência Social, é necessária a devolução aos cofres da Autarquia Previdenciária dos valores recebidos a título de amparo e concomitantes ao novo tempo.” (Processo nº 200872510056215, Rel. Juiz Fed. Ivori Luís da Silva Scheffer, J. 17.09.2009)

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2. Pedido de uniformização apresentado pela parte autora improvido. (Pe-dido de Uniformização nº 200872580022929, Relª Juíza Fed. Jacqueline Michels Bilhalva, J. 08.04.2010, DJ 11.06.2010)11

Em seu voto, a Relatora diferencia a renúncia da desaposentação e de-fende que, enquanto a primeira não envolve o aproveitamento de tempo e de salários-de-contribuição para novo benefício (logo, não depende do desfazi-mento da concessão e é dispensada da restituição), a segunda exige a devolu-ção dos valores recebidos, porque importa no uso de tempo e salários-de-con-tribuição posteriores para a concessão de nova aposentadoria, o que resulta no desfazimento do ato da primeira concessão e a produção de efeitos ex tunc.

Nos Tribunais Regionais Federais, atualmente, prevalece a possibi-lidade de desaposentação, mas não há consenso quanto à restituição – ou não – dos valores recebidos durante a aposentadoria.

Com o entendimento de ser necessária a devolução, há julgados dos TRFs da 3ª Região12, da 4ª Região13 e da 5ª Região14.

Desobrigando o retorno da quantia recebida, existem acórdãos dos TRFs da 2ª Região:

11 No mesmo sentido: “PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL – DESAPOSENTAÇÃO – EFEITOS EX TUNC – NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES JÁ RECEBIDOS – DECISÃO RECORRIDA ALINHADA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA TNU – IMPROVIMENTO – 1. Cabe pedido de uniformização quando demonstrado que o acórdão recorrido contraria jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça. 2. A Turma Nacional de Uniformização já firmou o entendimento de que é possível a desaposentação desde que haja a devolução dos proventos já recebidos. Precedentes: 2007.83.00.50.5010-3 e 2007.72.55.00.0054-0. 3. Pedido de uniformização conhecido e não provido” (Pedido de Uniformização nº 200872580022693, Rel. Juiz Fed. José Antônio Savaris, J. 08.02.2010, DJ 23.03.2010). Ainda: “PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA – PREVIDENCIÁRIO – DESAPOSENTAÇÃO – EFEITOS EX TUNC – NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES JÁ RECEBIDOS – DECISÃO RECORRIDA ALINHADA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA TNU – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO – 1. Cabe pedido de uniformização quando demonstrado que o acórdão recorrido contraria jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça. 2. A possibilidade de renúncia à aposentadoria deve estar condicionada à devolução dos proventos já recebidos, pela preservação do próprio sistema previdenciário e seus princípios norteadores. Precedentes no PU 2007.83.00.50.5010-3 e 2007.72.55.00.0054-3, ambos desta TNU. 3. Incidente conhecido e não provido” (Pedido de Uniformização nº 200672550064068, Relª Juíza Fed. Rosana Noya Alves Weibel Kaufmann, J. 02.12.2010, DJ 08.07.2011).

12 “[...] Em razão da solidariedade e da igualdade entre aqueles que trabalharam e contribuíram por períodos iguais, o direito à ‘desaposentação’ apenas pode ser exercitado mediante a devolução dos valores anteriormente percebidos a título do benefício que será cessado” (AC 201003990399439, 7ª T., Rel. Juiz Fed. Carlos Francisco, J. 04.07.2011, DJ 20.07.2011, p. 1521). Ainda: AC 201061830032739, 8ª T., Relª Juíza Fed. Márcia Hoffmann, J. 20.06.2011, DJ 30.06.2011, p. 1384; AC 200861830121079, 7ª T., Rel. Juiz Fed. Carlos Francisco, J. 06.06.2011, DJ 24.06.2011, p. 399; AC 200961830098724, 8ª T., Rel. Juíza Fed. Marianina Galante, J. 23.05.2011, DJ 02.06.2011, p. 1922.

13 AC 0001719-75.2009.404.7009/PR, 6ª T., Rel. Des. Fed. Celso Kipper, J. 26.05.2010, DE 02.06.2010; AC 2009.70.03.000836-5/PR, 6ª T., Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, J. 26.05.2010, DE 02.06.2010; AC 2008.72.04.001801-0/SC, 5ª T., Rel. Des. Fed. Rômulo Pizzolatti, J. 25.05.2010, DE 31.05.2010; Ap-Reex 2004.71.00.027222-8/RS, 3ª T., Relª Desª Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, J. 12.01.2010, DE 24.02.2010; Ap-Reex 2008.70.01.005002-5/PR, T.S., Rel. Juiz Fed. Eduardo Tonetto Picarelli, J. 09.12.2009, DE 17.12.2009.

14 “[...] I – Para utilização do tempo de serviço e respectivas contribuições levadas a efeito após a aposentadoria originária, impõe-se a desaposentação do segurado, em relação a esta, e a devolução de todos os valores percebidos, sob pena de manifesto prejuízo ao sistema previdenciário, para, só então, ser concedido novo benefício com a totalidade do tempo de contribuição” (AC 00042072820104058500, 5ª T., Relª Des. Fed. Danielle de Andrade e Silva Cavalcanti, J. 12.04.2011, DJe 28.04.2011, p. 436). Do mesmo modo: AC 200984000050355, 4ª T., Relª Desª Fed. Margarida Cantarelli, J. 18.01.2011, DJe 20.01.2011, p. 663.

16 ......................................................................................................... RSP Nº 44 – Set-Out/2011 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

[...]

III – Não há previsão legal expressa quanto à desaposentação no Direito brasileiro. Assim, a inexistência de dispositivo legal que proíba a renúncia ao benefício previdenciário legalmente concedido deve ser considerada como possibilidade para a revogação do benefício a pedido do segurado.

IV – Não havendo irregularidade na concessão do benefício, não há que se falar em obrigatoriedade de devolução de importâncias percebidas. Não se cogita, também, de cumular benefícios; finda uma aposentadoria pela re-núncia, outra terá início, não havendo justificativa aceitável para que se im-ponha ao segurado a obrigação de restituir quaisquer valores ao Erário. (Ap--Reex 494243/RJ, 1ª Turma Especializada, Rel. Juiz Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, J. 22.02.2011, DJ 03.03.2011, p. 109)15

Há decisões, nesse sentido, no TRF da 5ª Região16.

Cita-se, ainda, uma terceira posição, que sustenta a devolução dos valores apenas quando o segurado pretende a inclusão de tempo e de con-tribuições pagas após a concessão da aposentadoria objeto de desaposenta-ção. Nessa direção, há acórdãos do TRF da 3ª Região17.

Com raciocínio similar (mas invertendo a ordem), o mesmo TRF da 3ª Região já decidiu que a desaposentação só exige o retorno da quantia recebida caso o segurado pretenda reaproveitar as contribuições utilizadas na aposentadoria que recebia:

[...]

III – Admitindo-se o direito de renúncia à aposentadoria anteriormente con-cedida à parte autora, as contribuições vertidas até a data do requerimento de tal benesse somente poderiam ser aproveitadas no cálculo do novo bene-fício de aposentadoria por tempo de contribuição mediante a restituição de forma imediata dos proventos de aposentadoria já percebidos, posto que tal providência é necessária para se igualar à situação do segurado que decidiu continuar a trabalhar sem se aposentar, com vista a obter um melhor coefi-ciente de aposentadoria. (AC 201061830018093, 10ª T., Rel. Juiz Fed. David Muniz, J. 26.07.2011, DJ 03.08.2011, p. 1799)

15 Também: AC 505057/RJ, 1ª T.Esp., Rel. Juiz Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, J. 22.02.2011, DJ 03,03,2011, p. 59-60.

16 “[...] 4. O ato de renúncia opera efeito ex nunc, sem obrigação de devolução das quantias recebidas, pois enquanto esteve aposentado, o segurado fez jus legalmente aos seus proventos, além de sua natureza alimentar” (AC 00069123520104058100, 2ª T., Rel. Des. Fed. Paulo Gadelha, J. 23.11.2010, DJe 02.12.2010, p. 585).

17 “[...] Frise-se, ainda, que a devolução dos valores é medida que se impõe quando se pretende utilizar, também, no cálculo do novo benefício, o tempo e contribuições vertidas à Previdência Social imediatamente após a concessão da aposentadoria que se pretende renunciar” (AC 201061830101774, 10ª T., Relª Juíza Fed. Diva Malerbi, J. 05.07.2011, DJ 13.07.2011, p. 2077). Também: AC 201061830115888, 10ª T., Relª Juíza Fed. Diva Malerbi, J. 05.07.2011, DJ 13.07.2011, p. 2054.

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Também existem precedentes permitindo a desaposentação sem a devolução dos valores recebidos, quando o segurado pretende se aposentar em outro regime previdenciário, diverso do RGPS. No Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

[...]

3. Quando a desaposentação ocorre para que seja possível futura jubila-ção em regime de previdência distinto do geral, a renúncia à aposentadoria se opera sem a necessidade de devolução dos valores percebidos a título de amparo no regime geral, mormente tendo em vista a edição da Lei nº 9.796/1999, regulamentada pelo Decreto nº 3.112/1999, que disciplinou a compensação entre os sistemas previdenciários. (AC 200871050019524, T.S., Rel. Juiz Fed. Eduardo Tonetto Picarelli, J. 23.02.2010, DE 08.03.2010)18

Em sentido contrário à desaposentação (mesmo que com o reembolso dos valores recebidos), existem precedentes dos Tribunais Regionais Fede-rais da 1ª Região19, da 3ª Região20, da 4ª Região21 e da 5ª Região22.

18 No mesmo Tribunal: AC 200271000360315, 6ª T., Rel. Des. Fed. Victor Luiz dos Santos Laus, J. 27.06.2007, DE 13.07.2007. Na 1ª Turma Recursal do Mato Grosso: “ADMINISTRATIVO – TRABALHADOR APOSENTADO SOB O REGIME GERAL DE PREVIDENCIA – RENUNCIA – APROVACÃO EM CONCURSO PÚBLICO – INTERESSE EM APOSENTAR-SE SOB O REGIME PREVIDENCIARIO ESTADUAL – POSSIBILIDADE – I – O art. 96, inciso III, da Lei nº 8.213/1991 impede a utilização do mesmo tempo de serviço para obtenção de benefícios simultâneos em sistemas distintos, e não da renúncia a uma aposentadoria e concessão de certidão de tempo de serviço para obtenção de aposentadoria estatutária” (Processo nº 200536009109668, Rel. Juiz Fed. Raphael Cazelli de Almeida Carvalho, J. 30.07.2007, DJ 02.08.2007).

19 “PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO – DESAPOSENTAÇÃO – ATIVIDADE REMUNERADA EXERCIDA APÓS A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO – RENÚNCIA – RECÁLCULO DA RMI – OBTENÇÃO DE APOSENTADORIA MAIS VANTAJOSA – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – 1. A renúncia à aposentadoria previdenciária com o objetivo de sua majoração, para que sejam consideradas novas contribuições vertidas após a concessão do benefício, encontra óbice no ordenamento jurídico e afronta a garantia do ato jurídico perfeito [...].” (AC 200638000338620, 1ª T., Rel. Juiz Fed. Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, J. 26.01.2011, DJ 15.03.2011, p. 18)

20 “[...] Sua postulação é condicional e consubstancia pseudoabandono de beneplácito, já que pretende a continuidade de todos efeitos legais advindos da primígena aposentação, os quais serão suportados pela Administração Pública. O art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 obsta, expressamente, ao aposentado que tornar à ativa, a concessão de outros favores que não a reabilitação profissional e o salário-família (Lei nº 9.528/1997. Ainda, art. 181-B, Decreto nº 3.048/1999, incluído pelo Decreto nº 3.265/1999). Ad argumentandum, ainda que admitida a viabilidade da desaposentação, condição sine qua non para validade da proposta seria a devolução de tudo que se recebeu enquanto durou a aposentadoria” (AC 201061830078405, 8ª T., Relª Juíza Fed. Vera Jucovsky, J. 06.06.2011, DJ 16.06.2011, p. 1509). Ainda: AC 200961140061208, 8ª T., Relª Juíza Fed. Vera Jucovsky, J. 06.06.2011, DJ 16.06.2011, p. 1503; Ap-Reex 200861830091130, 9ª T., Relª Juíza Fed. Lucia Ursaia, J. 13.12.2010, DJ 16.06.2011, p. 694.

21 “PREVIDENCIÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO – MESCLAGEM DE BENEFÍCIOS DISTINTOS E INACUMULÁVEIS – IMPOSSIBILIDADE – 1. Deferida a aposentadoria, resta configurado ato jurídico perfeito, de modo que não se pode pretender o desfazimento unilateral para nova fruição no mesmo regime. 2. É vedado mesclar aposentadorias inacumuláveis, retirando de cada uma apenas as vantagens (atrasados do benefício concedido na via judicial e manutenção da renda mensal superior da aposentadoria concedida na via administrativa), pois tal procedimento importaria em desaposentação e reaposentação, o que é vedado [...].” (AC 200871150005845, T.S., Rel. Juiz Fed. Guilherme Pinho Machado, J. 11.02.2009, DE 25.02.2009)

22 “Previdenciário. Pedido de desaposentação e nova aposentadoria. Impossibilidade. Inteligência do § 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/1991. Contribuição que não gera benefícios exceto salário-família e reabilitação profissional. Apelo improvido.” (AMS 200681000179228, 4ª T., Rel. Des. Fed. Lazaro Guimarães, J. 27.05.2008, DJ 07.07.2008, p. 847)

18 ......................................................................................................... RSP Nº 44 – Set-Out/2011 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

As 5ª e 6ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça (competentes para decidir questões de Direito Previdenciário) firmaram o entendimento de que é possível a desaposentação, e não há necessidade de se devolver a quantia recebida na aposentadoria:

[...]

3. Possível a renúncia à aposentadoria, pois direito disponível, ainda que para a obtenção de outro benefício, mais vantajoso. (AgRg-REsp 1180890/RS, 6ª T., Rel. Min. Conv. Celso Limongi, J. 21.09.2010, DJe 11.10.2010)23

Sobre a dispensa da restituição:

PREVIDENCIÁRIO – RENÚNCIA À APOSENTADORIA – DEVOLUÇÃO DE VALORES – DESNECESSIDADE

1. A renúncia à aposentadoria, para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não importa em devolução dos valores percebidos, “pois enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos” (REsp 692.628/DF, 6ª T., Rel. Min. Nilson Naves, DJU 05.09.2005). Precedentes de ambas as Tur-mas componentes da 3ª Seção.

2. Recurso especial provido. (REsp 1113682/SC, 5ª T., Rel. p/o Ac. Min. Jorge Mussi, J. 23.02.2010, DJe 26.04.2010)24

O Supremo Tribunal Federal começou a decidir o assunto, no julga-mento do RE 381367, em 16.09.2010. O Relator Ministro Marco Aurélio deu provimento ao recurso (dos segurados) e decidiu ser possível a desa-posentação, sob o fundamento principal de que o art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 não pode ser interpretado no sentido de vedá-la, sob pena de contrariar o art. 201 da Constituição.

O julgamento foi interrompido por pedido de vista do Ministro Dias Toffoli, e até o dia 15.08.2011 não havia sido retomado.

23 No mesmo sentido, na 5ª Turma: “PREVIDENCIÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO PROPORCIONAL – RENÚNCIA – MUDANÇA PARA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO COM PROVENTOS INTEGRAIS – POSSIBILIDADE – PRECEDENTE DO STJ – DIREITO DISPONÍVEL – BENEFÍCIO PLEITEADO MAIS VANTAJOSO QUE O ATUAL – ART. 18, § 2º, DA LEI Nº 8.213/1991 – CONSTITUCIONALIDADE DISCUTIDA EM SEDE DE CONTROLE CONCRETO NO STF – AUSÊNCIA DE EFEITOS ERGA OMNES – ALEGADA OFENSA À CLÁSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (CF, ART. 97) – NÃO OCORRÊNCIA – AGRAVO IMPROVIDO” (AgRg-Ag 1121999/PE, 5ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, J. 20.04.2010, DJe 10.05.2010). Cita-se outro julgado da 6ª Turma: “[...] 2. O entendimento desta Corte Superior de Justiça é no sentido de se admitir a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário que se encontra o segurado” (AgRg-REsp 1196222/RJ, 6ª T., Rel. Min. Conv. Haroldo Rodrigues, J. 14.09.2010, DJe 11.10.2010).

24 Nesse julgado, houve voto vencido do Relator originário, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que entendeu haver a necessidade de se conferir efeitos ex tunc à desaposentação.

RSP Nº 44 – Set-Out/2011 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ........................................................................................................... 19

1.4 REAPOSENTAÇÃO

Outra situação, pouco enfrentada pela doutrina, é a denominada “re-aposentação”, que ocorre quando o segurado efetua um pedido de aposen-tadoria ao INSS que é negado, pleiteia-o judicialmente e, antes de o Judi-ciário decidir definitivamente sobre o assunto, formula novo requerimento administrativo que é deferido.

Por exemplo: (a) o segurado requereu aposentadoria por tempo de contribuição ao INSS em 07.12.2007, que foi negado por falta de tempo de contribuição, pois foram reconhecidos 33 anos e 2 meses; (b) em 10.02.2008 foi apresentado em Juizado Especial Federal o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição referente a essa DER, com a inclusão de tempo especial; (c) considerando que o segurado continuou recolhendo contribuições ao RGPS, requereu novamente o benefício de forma administrativa em 08.04.2010, que lhe foi concedido, com 35 anos e 3 meses de tempo de contribuição; (d) em 10.12.2010 transitou em julgado seu pedido judicial, e o INSS foi condenado a conceder a aposentadoria por tempo de contribuição, com 36 anos reconhecidos no processo.

O segurado pode escolher o benefício que pretende manter, ou obrigatoriamente deve permanecer com a aposentadoria concedida em primeiro lugar, ou seja, a administrativa (abrindo mão da judicial)? Em caso positivo para a primeira parte da questão, caso opte pelo benefí-cio deferido pelo Judiciário, desde a DER de 07.12.2007, o segurado precisa devolver os valores que recebeu administrativamente a partir de 08.04.2010? Ou podem ser descontados dos valores devidos no processo judicial?

Apreciando a questão, o TRF da 4ª Região entendeu ser possível a opção, abatendo os valores recebidos em virtude do segundo benefício, concedido administrativamente:

PREVIDENCIÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – DESAPOSENTAÇÃO – SEMELHANÇA – IMPOSSIBILIDADE – DEVER DE OPTAR ENTRE DUAS APOSENTADORIA – VEDADA A EXECUÇÃO DE PARCELAS EM ATRASO DE UMA COM TERMO AD QUEM NA DIB DA OUTRA

1. Tratando-se de reaposentação, ou seja, quando legalmente se é aposen-tado entre datas, obtendo, todavia, novo benefício, a partir do segundo re-querimento, com o cômputo do tempo posterior à DER, a determinação do ordenamento jurídico é a sua vedada, nos termos do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/1991.

2. Cabe ao segurado optar entre a aposentadoria por tempo de serviço pro-porcional, concedida na sentença exequenda, e a aposentadoria por tem-

20 ......................................................................................................... RSP Nº 44 – Set-Out/2011 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

po de contribuição proporcional, com maior RMI, concedida administra-tivamente. (AC 2009.71.99.000709-8/RS, T.S., Rel. Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, J. 25.03.2009, DE 06.04.2009)25

Logo, a reaposentação não se confunde com a desaposentação, e é permitida sem a devolução dos valores recebidos, mas sim com a sua com-pensação com os valores devidos em decorrência do benefício escolhido pelo segurado.

1.5 DESAPOSENTAÇÃO E DECADÊNCIA

Também é polêmica a incidência – ou não – de prazo decadencial para a desaposentação, com diversos questionamentos sobre o tema: existe prazo decadencial para a desaposentação, ou a relação se renova men-salmente, com o recebimento da aposentadoria, e não há decadência? A desaposentação atinge o valor mensal do benefício ou o ato de concessão?

Prevalece o entendimento de que não há prazo decadencial para a desaposentação, tendo em vista que não se trata da revisão do ato de apo-sentadoria, e sim de seu desfazimento. Nesse sentido existem precedentes nos TRFs da 2ª Região26, da 3ª Região27, da 4ª Região28 e da 5ª Região29.

25 Extrai-se do voto do Relator: “Ao final, o exequente deve optar, definitivamente, entre: (a) apenas receber o benefício administrativo, estando completamente vedada a percepção de valores referentes ao benefício judicial e, desse modo, desistindo da presente execução, com a extinção da mesma e a sua condenação em honorários pelo princípio da causalidade ou (b) perceber apenas o benefício concedido judicialmente, o que lhe permite a execução da condenação e o seu prosseguimento, sem, contudo, jamais o acumular com o benefício administrativo, cujos valores já percebidos pelo segurado deverão ser abatidos dos valores da execução (ou seja, serão devolvidos)”.

26 “PREVIDENCIÁRIO – AGRAVO INTERNO – DECADÊNCIA – INOCORRÊNCIA – DESAPOSENTAÇÃO – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – DEVOLUÇÃO DE IMPORTÂNCIAS RECEBIDAS – NÃO OBRIGATORIEDADE – JUROS DE MORA – INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.960/2009 AOS PROCESSOS EM ANDAMENTO – RECURSO DO INSS DESPROVIDO – I – Preliminarmente não merece acolhida a alegação do INSS quanto à decadência do direito do autor, com base no art. 103 da Lei n° 8.213/1991, pois não se trata de revisão de benefício previdenciário, mas de renúncia de um benefício para que seja concedido outro mais favorável ao autor.” (Ap-RE 200950010054971, 1ª T.Esp., Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, J. 22.02.2011, DJ 03.03.2011, p. 109)

27 “[...] A decadência, de que trata o art. 103 da Lei nº 8.213/1991 (com a redação que lhe foi dada pelas Leis nºs 9.587/1997, 9.711/1998 e 10.839/2004), incide sobre a revisão de benefícios concedidos após a vigência de tais normas, não abrangendo a renúncia ao benefício anteriormente concedido” (AC 201003990399439, 7ª T., Rel. Juiz Federal Carlos Francisco, J. 04.07.2011, DJ 20.07.2011, p. 1521). Ainda: AC 201103990120371, 8ª T., Relª Juíza Fed. Vera Jucovsky, J. 06.06.2011, DJ 16.06.2011, p. 1489.

28 “PREVIDENCIÁRIO – DESAPOSENTAÇÃO – PARA RECEBIMENTO DE NOVA APOSENTADORIA – POSSIBILIDADE – DECADÊNCIA – INAPLICABILIDADE – AUSÊNCIA DE NORMA IMPEDITIVA DA DESAPOSENTAÇÃO – NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DO MONTANTE RECEBIDO NA VIGÊNCIA DO BENEFÍCIO ANTERIOR – SENTENÇA DECLARATÓRIA – 1. O prazo decadencial aplica-se nas situações em que o segurado visa à revisão do ato de concessão do benefício. A desaposentação não consiste na revisão desse ato, mas no seu desfazimento, tendo em vista tratar-se de direito patrimonial personalíssimo disponível. Assim, não há prazo decadencial para a desaposentação.” (AC 0007941-42.2011.404.9999/RS, 6ª T., Rel. Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, J. 20.07.2011, DE 26.07.2011)

29 “[...] O instituto da decadência não se aplica ao presente caso, uma vez que o objetivo pretendido pelo autor não se encaixa na hipótese de revisão de benefício. A desaposentação implica a concessão de um novo benefício que em nada se confunde com o seu antecessor.” (AC 00048629720104058500, 2ª T., Rel. Des. Fed. Sérgio Murilo Wanderley Queiroga, J. 26.04.2011, DJe 30.06.2011, p. 232)

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Seguindo essa concepção, há acórdãos das 1ª e 3ª Turmas Recursais de São Paulo30.

O Superior Tribunal de Justiça ainda não pacificou a questão. Há diversas decisões monocráticas mencionando, em tese, a possibilidade de aplicação do prazo decadencial à desaposentação (mas afastam no caso prático, com fundamento na data da concessão do benefício):

[...] Alega negativa de prestação jurisdicional, decadência do direito de re-visão ao ato de indeferimento do benefício de aposentadoria por tempo de serviço e vedação à desaposentação.

[...]

No tocante à decadência, o art. 103, caput, da Lei nº 8.213/1991, em sua redação original dispunha que, in verbis:

[...]

Tratando-se a decadência de instituto de direito material, alcançará somente os benefícios previdenciários concedidos após o advento da referida Medida Provisória. (REsp 1247784/RS, decisão monocrática, Rel. Des. Conv. Adilson Vieira Macabu, J. 13.05.2011, DJe 18.05.2011)31

Portanto, na prática ainda não há padronização sobre a incidência ou o afastamento do prazo decadencial aos pedidos de desaposentação, mas predomina a sua inaplicabilidade, por não se tratar de ato de revisão.

1.6 VALOR DA CAUSA E COMPETÊNCIA

Outro tema relacionado com a desaposentação é o valor que deve ser atribuído ao pedido judicial e, consequentemente, a competência para processá-lo e julgá-lo.

Lembra-se que, nos Juizados Especiais Federais Cíveis, a competên-cia é absoluta nas causas com valor de até 60 salários-mínimos, indepen-dentemente de seu objeto ou de sua dificuldade, ou da complexidade da matéria. Há apenas restrições qualitativas previstas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259/2001, entre os quais se destacam o mandado de segurança, as ações coletivas (sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais

30 Conforme decidiu a 1ª T.R.: “[...] Esclareço que não há que se falar em aplicação da decadência prevista no art. 103 da Lei nº 8.213/1991, pois a demanda envolve cancelamento e concessão de novo benefício, e não a revisão” (Processo nº 00077714020104036311, Rel. Juiz Fed. Leonardo Safi de Melo, J. 04.04.2011, DJ 13.04.2011). Na 3ª T.R., “[...] a r. sentença atacada é de todo nula, eis que não é possível se falar em decadência, já que o objeto não é a revisão do benefício” (Processo nº 00095858220084036303, Relª Juíza Fed. Anita Villani, J. 26.05.2011, DJ 06.06.2011).

31 Igualmente: REsp 1247920/RS, decisão monocrática, Rel. Min. Gilson Dipp, J. 28.04.2011, DJe 03.05.2011; REsp 1241879/RS, decisão monocrática, Rel. Des. Conv. Haroldo Rodrigues, J. 21.03.2011, DJe 29.03.2011.

22 ......................................................................................................... RSP Nº 44 – Set-Out/2011 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

homogêneos) e os pedidos de anulação ou cancelamento de ato adminis-trativo federal, salvo aqueles de natureza previdenciária ou de lançamento fiscal.

Consequentemente, a menos que o segurado impetre mandado de segurança para ver reconhecido seu direito líquido e certo ao desfazimento de sua aposentadoria, o pedido de desaposentação será de competência do JEF Cível, caso o valor da causa não supere os 60 salários-mínimos.

Entretanto, como se fixa o valor da causa na ação de desaposentação?

O art. 258 do CPC prevê que “a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato”. Em regra, “[...] o valor da causa deve corresponder à vantagem econômica que se quer obter com o processo”32.

Interpretando a aplicação dessa regra sobre a desaposentação, a 2ª Turma Recursal de Santa Catarina entende que os JEF Cíveis não são competentes, pois o valor da causa deve refletir o valor recebido pelo apo-sentado, por se entender que é o montante a ser restituído ao INSS:

[...] Em que pese não ter sido arguida em sede de preliminar, deve ser reco-nhecida ex officio a incompetência absoluta dos Juizados Especiais em razão do real valor da causa.

Em processos que versam sobre pedido de “desaposentação” e a concessão de novo benefício, uma das principais discussões é a respeito da necessidade de devolução dos valores já recebidos pelo segurado.

No caso em análise, um dos tópicos do recurso apresentado pelo INSS é justamente a necessidade do recorrido “devolver todos os valores recebidos decorrentes da aposentadoria que quer ver cancelada”.

Assim, entre outras questões, também deve ser dirimido no presente feito se o recorrido deve ou não devolver os valores percebidos desde a DER (26.02.1997, RMI de R$ 614,45 – CCON6).

Portanto, se acolhida a pretensão do INSS, o recorrido terá que devolver valor muito superior a 60SM. De outro lado, se for acolhida a pretensão do recorrido, estaremos, em verdade, diante de um provimento jurisdicional que declara a inexistência de um débito superior a 60SM.

Destarte, por qualquer ângulo que se analise a presente demanda, resta cris-talino que o montante econômico controvertido supera, em muito, o valor de alçada dos JEFs. (Processo nº 200772550000563, Rel. Juiz Federal Fernando Zandoná, J. 26.04.2007)33

32 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. I, 2005. p. 329.

33 Igualmente: “[...] No entanto, o JEF é incompetente para a apreciação da causa (art. 3º da Lei nº 10.259/2001), pois o proveito econômico estimado, seja do INSS, de repetir os valores pagos, seja da

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A 1ª Turma Recursal de Santa Catarina possui julgados nos quais, além do valor correspondente ao benefício recebido, acrescenta ao valor da causa o montante do novo benefício pleiteado, acrescido de 12 parce-las vincendas (Processo nº 200772520040595, Rel. Juiz Fed. Andrei Pitten Velloso, J. 28.01.2009).

Assim também já decidiu a 1ª Turma Recursal do Paraná:

PROCESSO – COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO VALOR – VALOR DA CAUSA – DESAPOSENTAÇÃO – EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO

1. Conforme o disposto no art. 3º da Lei nº 10.259/2001, o limite legal da competência para processamento de feitos perante o Juizado Espe-cial Federal é restrito a 60 salários mínimos vigentes ao ajuizamento da ação.

2. Nas hipóteses em que se busca o desfazimento da aposentadoria com a concessão de nova, sem a necessidade de se restituir os valores já recebidos a título do benefício ainda em vigor, o valor da causa não se limita ao cál-culo das parcelas referentes à nova aposentadoria pretendida. Vai mais além e deve englobar o outro pedido cumulado ou pressuposto: a dispensa da devolução de quaisquer valores ao INSS.

3. Por aplicação do art. 259, II, do CPC, a dispensa de devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria deve ser somada à pretensão condenató-ria, para fins de fixação do valor da causa.

4. Precedente desta 1ª Turma no sentido de que

“O valor da causa deve-se pautar pelo proveito econômico pretendi-do pelo demandante. No caso presente, corresponde a todos os pe-didos formulados pelo autor, ou seja, engloba as diferenças vencidas mais 12 vincendas do benefício que se quer majorar, mais o valor cobrado pelo INSS em virtude do pagamento a maior.” (Processo nº 2008.70.66.001579-2, Relª Juíza Fed. Luciane Merlin Clève Kravetz, J. 29.04.2010)

(Processo nº 200970500132002, Rel. Juiz Fed. Erivaldo Ribeiro dos Santos, J. 17.06.2010)

Nos Tribunais Regionais Federais predomina o entendimento de que o valor da causa deve ser fixado levando em consideração as diferenças en-tre o valor do benefício que a parte recebeu e aquele que pretende auferir,

parte-autora, de não devolver os que recebeu, supera o equivalente a sessenta salários-mínimos na data de ajuizamento da presente ação (13.12.2010)” (Processo nº 201072560052388, Relª Juíza Fed. Ana Cristina Monteiro de Andrade Silva, J. 25.05.2011).

24 ......................................................................................................... RSP Nº 44 – Set-Out/2011 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

após a desaposentação. Nesse sentido há julgados dos TRFs da 2ª Região34, da 3ª Região35, da 4ª Região36 e da 5ª Região37.

Portanto, existe uma diferença considerável na interpretação dos Tri-bunais Regionais Federais e das Turmas Recursais, podendo, em uma mes-ma situação, haver entendimento diferenciado sobre o valor da causa e, consequentemente, da competência.

Conforme o STF decidiu no RE 590409/SP, conflito de competência entre Juizado Especial Federal e Vara Federal deve ser julgado pelo res-pectivo Tribunal Regional Federal, e não pelo Superior Tribunal de Justiça (aplicando-se o mesmo raciocínio à Justiça Estadual, devendo os conflitos serem decididos pelo Tribunal de Justiça). Logo, inevitavelmente prevalece-rá o entendimento do TRF.

2 DESPENSÃO

A despensão é, basicamente, o pedido de desaposentação formulado pelo dependente sucessor que recebe a pensão por morte do segurado. Ou seja, é a desaposentação pleiteada após o falecimento do segurado apo-sentado, para que seus reflexos incidam sobre o benefício subsequente de pensão por morte.

Além das duas controvérsias principais que envolvem a desaposen-tação (cabimento e devolução de valores pagos pelo RGPS), a despensão

34 “PREVIDENCIÁRIO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – VALOR DA CAUSA – DESAPOSENTAÇÃO – COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL – I – Para se determinar o valor da causa, deve-se utilizar o critério estabelecido pelo art. 260 do CPC, somando-se apenas as prestações vincendas, já que inexistem prestações vencidas. II – Em se tratando de pedido de desaposentação para fins de obtenção de benefício mais vantajoso, correspondendo o valor da causa à diferença entre o valor atual e o pretendido, multiplicada por doze, esse valor invariavelmente resulta em montante inferior a 60 salários mínimos previstos como teto de alçada para os Juizados Especiais Federais, razão pela qual deve ser mantida a decisão agravada. III – Agravo de instrumento desprovido.” (AG 201102010045988, 1ª T.Esp., Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, J. 28.06.2011, DJ 08.07.2011, p. 82). Do mesmo modo: Ag 201002010176598, 2ª T.Esp., Relª Desª Fed. Liliane Roriz, J. 28.06.2011, DJ 05.07.2011, p. 54.

35 “[...] No caso vertente, o pedido é de substituição de uma aposentadoria por outra mais vantajosa. A vantagem econômica, portanto, equivale à diferença entre a renda mensal atual da aposentadoria em vigor e a renda mensal inicial da nova aposentadoria, que pretende obter” (AI 201003000134172, 8ª T., Relª Juíza Fed. Márcia Hoffmann, J. 24.01.2011, DJ 03.02.2011, p. 909). Igualmente: AI 201003000150359, 9ª T., Relª Juíza Fed. Mônica Nobre, J. 06.12.2010, DJ 10.12.2010, p. 732.

36 “PROCESSUAL CIVIL – VALOR DA CAUSA – AÇÃO DE DESAPOSENTAÇÃO – Tendo o autor ajuizado ação ordinária postulando a renúncia ao benefício de aposentadoria que vem percebendo para garantir a concessão de outro benefício, o proveito econômico pretendido diz respeito às diferenças entre o benefício que o autor vem percebendo e o que pretende seja concedido na esfera judicial” (AG 0003774-06.2011.404.0000/RS, 6ª T., Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, J. 18.05,2011, DE 25.05.2011). Ainda: Ag 200904000394388, 6ª T., Rel. Juiz Fed. Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, J. 27.01.2010, DE 05.02.2010.

37 “[...] 4. Diferentemente da hipótese de concessão de benefício, nas ações em que se pretende a mudança do benefício, não se deve considerar, no cálculo do valor da causa, a parcela vincenda em sua integralidade, mas a diferença entre o valor do benefício atual e o pretendido. Precedente da eg. 4ª Turma deste Tribunal.” (AC 200885000049508, 1ª T., Rel. Des. Fed. Rogério Fialho Moreira, J. 15.10.2009, DJe 19.11.2009)

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conta com um problema adicional: a legitimidade do(a) pensionista para requerer a desaposentação do segurado falecido.

Reconhecendo a legitimidade da sucessão do segurado falecido para pleitear a revisão de seu benefício previdenciário existem julgados dos TRFs da 1ª Região38, da 3ª Região39, da 4ª Região40 e da 5ª Região41.

Todavia, a despensão não se restringe à revisão de benefício do se-gurado falecido, com o pagamento de eventuais valores devidos aos su-cessores. Trata-se do cancelamento da aposentadoria do segurado para a concessão de outra, mais benéfica, e a produção de seus reflexos sobre o cálculo da pensão por morte, igualmente revisando-a.

Portanto, deve ser enfrentada esta questão: a desaposentação é um direito personalíssimo ou pode ser requerida pelos sucessores (especialmen-te os dependentes, com direito à pensão por morte) do segurado falecido?

Negando pedido de despensão, por entender ser a desaposentação um direito personalíssimo do segurado, cita-se precedente da 1ª Turma Re-cursal do Paraná:

PREVIDENCIÁRIO – DESAPOSENTAÇÃO REQUERIDA POR DEPENDENTE – IMPOSSIBILIDADE – DIREITO PERSONALÍSSIMO

1. Os dependentes de segurado que gozava de aposentadoria em vida não detém legitimidade para requerer a desaposentação do benefício de titulari-dade do instituidor da pensão.

38 “[...] Com efeito, tratando-se de demanda referente à revisão de benefício de segurado falecido, a legitimidade ativa ad causam pertence ao espólio ou à universalidade dos herdeiros e sucessores do de cujus e não ao cônjuge supérstite, uma vez que é vedado pleitear, em nome próprio, direito alheio, nos termos dos arts. 6º e 12 do CPC.” (AC 200538000026223, 2ª T., Rel. Des. Fed. Francisco de Assis Betti, J. 01.12.2010, DJ 20.01.2011, p. 76)

39 “[...] I – A autora, na qualidade de pensionista do falecido segurado, tem legitimidade ativa para propor ação em nome próprio a fim de pleitear a revisão da renda mensal da aposentadoria por tempo de contribuição pertencente ao segurado finado, com reflexos no benefício de que é titular, visto que tal direito integra-se ao patrimônio do morto e transfere-se aos sucessores, por seu caráter econômico e não personalíssimo.” (AC 200961190124214, 10ª T., Rel. Juiz Fed. David Diniz, J. 18.01.2011, DJ 26.01.2011, p. 2718)

40 “[...] 1. O espólio da pensionista da dependente habilitada à pensão por morte tem legitimidade ativa para propor ação em nome próprio a fim de pleitear determinada forma de reajuste da aposentadoria por tempo de serviço pertencente ao segurado finado, com reflexos da pensão da mãe falecida, visto que tal direito integra--se ao patrimônio do morto e transfere-se aos sucessores, por seu caráter econômico e não personalíssimo. Inteligência do art. 112 da Lei nº 8.213/1991 em consonância com os princípios da solidariedade, proteção social dos riscos e moralidade, sob pena do enriquecimento injustificado da Autarquia Previdenciária. Precedentes do STJ e desta Corte.” (AC 200571000289427, 6ª T., Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, J. 28.04.2010, DE 06.05.2010)

41 “PROCESSO CIVIL – PREVIDENCIÁRIO – REVISÃO – APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO – DIREITO PERSONALISSIMO – ILEGITIMIDADE ATIVA – NÃO CONFIGURAÇÃO – ART. 112 DA LEI Nº 8.213/1991 – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL A CONTAR DO ÚLTIMO AJUIZAMENTO DE AÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – INTERRUPÇÃO – PRAZO RECOMEÇA A CONTAR PELA METADE – APELAÇÃO IMPROVIDA – 1. A revisão pleiteada, sendo um direito incorporado ao benefício originário e não gozado pelo seu beneficiário, deve ser transmitido aos seus herdeiros.” (AC 200881000131101, 1ª T., Rel. Des. Fed. Emiliano Zapata Leitão, J. 24.02.2011, DJe 04.03.2011, p. 52)

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2. Ainda que diante da possibilidade de usufruir de benefício mais vantajoso, o titular da pensão por morte não pode dispor de benefício que a precedeu e que foi plenamente gozado pelo falecido aposentado até quando de seu óbito.

3. Hipótese distinta daquela em que o pensionista, imputando ilegalida-de na concessão da aposentadoria, busca a mera revisão do ato conces-sório, o qual gera reflexos negativos na pensão morte de sua titularida-de. (Processo nº 200970500206198, Rel. Juiz Fed. José Antônio Savaris, J. 02.09.2010)42

O TRF da 4ª Região também já apreciou a questão, com conclusões similares em suas 5ª e 6ª Turmas:

PREVIDENCIÁRIO – VIÚVA – PENSIONISTA – RENÚNCIA AO BENEFÍCIO ORIGINÁRIO DA PENSÃO – DIREITO PERSONALÍSSIMO – ILEGITIMIDA-DE DE PARTE

1. A renúncia a um direito, todavia, deve ser exercida pelo próprio titular desse direito, não podendo praticar-se ato de tal repercussão jurídica nem mesmo por procurador, a não ser que munido de poderes especiais.

2. O direito à aposentadoria do segurado falecido, está completamente con-sumado, não podendo mais ser renunciado por outrem.

3. Não colocado à apreciação do INSS pedido de desaposentação do segu-rado antes do falecimento, e não decorrendo o pedido de revisão por des-cumprimento de disposição legal, não há como admitir-se a renúncia post mortem. (Ap-Reex 5005499-28.2010.404.7000, 6ª T., Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, J. 06.04.2011, DE 07.04.2011)43

Assim, nos escassos precedentes encontrados, o pedido de despensão não é acolhido, por se considerar que a desaposentação é um ato persona-

42 Igualmente, da mesma T.R.: Processo nº 200970500206009, Rel. Juiz Federal Erivaldo Ribeiro dos Santos, J. 02.09.2010.

43 No mesmo TRF: “[...] A renúncia a um direito, todavia, deve ser exercida pelo próprio titular desse direito, não podendo praticar-se ato de tal repercussão jurídica nem mesmo por procurador, a não ser que munido de poderes especiais (Código Civil de 2002, art. 661, § 1º; Código de Processo Civil, art. 38, caput). Ora, tendo falecido o marido da autora, é evidente que seu direito à aposentadoria está completamente consumado, não podendo mais ser renunciado, menos ainda por outrem. O que a autora recebe não é a aposentadoria do marido, mas sim pensão por morte dele. Assim, agiu com inteiro acerto a juíza da causa, ao reconhecer a ilegitimidade ativa da autora” (AC 200970000035901/PR, 5ª T., decisão monocrática, Rel. Des. Fed. Rômulo Pizzolatti, J. 01.03.2010, DE 05.03.2010). Ainda, cita-se decisão anterior: “PREVIDENCIÁRIO – RENÚNCIA A BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PARA RECEBIMENTO DE NOVO BENEFÍCIO – 1. Tratando-se o benefício previdenciário de um direito patrimonial, de caráter disponível, é passível de renúncia. 2. No caso concreto, porém, embora a autora pretenda renunciar a benefício próprio, para o cálculo de novo pensionamento seria necessário um novo cálculo da aposentadoria que era percebida pelo falecido, considerando-se uma fictícia renúncia àquele benefício. 3. Consabido que o direito à aposentadoria tem, em regra, caráter personalíssimo, e, portanto, só ao próprio titular do benefício cabe requerer a benesse, implicando, a concessão de nova pensão, a renúncia à aposentadoria especial que o de cujus percebia e a concessão de outro benefício que não foi por ele postulado, a autora não tem legitimidade para o pedido” (AC 200970990021380/PR, 6ª T., Rel. Des. Fed. Celso Kipper, J. 11.11.2009, DE 23.11.2009).

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líssimo do segurado, e não se permite que, se não manifestou expressamen-te sua vontade nesse sentido, seus sucessores apresentem o requerimento após o óbito.

CONCLUSÕES

Como visto, a desaposentação é o ato de abdicação da aposenta-doria, com a concessão de novo benefício. É diferente da renúncia à apo-sentadoria, que consiste no pedido de encerramento do benefício, sem o interesse na concessão de outro.

Abordaram-se duas questões polêmicas sobre o tema: (a) a possibi-lidade – ou não – de desaposentação; (b) e a necessidade – ou não – de devolução dos valores recebidos.

Viu-se que prevalece a possibilidade de o segurado se desaposentar, porém ainda não existe uma delimitação da quantidade de desaposentações possíveis.

Quanto ao segundo aspecto, não existe uniformização nos Tribunais e nas Turmas Recursais, apesar de haver precedentes das duas Turmas com-petentes do STJ dispensando a restituição.

Já a despensão é o pedido de desaposentação feito pelo dependente sucessor que recebe a pensão por morte do segurado. Ou seja, é o cance-lamento da aposentadoria do segurado para a concessão de outra, mais be-néfica, e a produção de seus reflexos sobre o cálculo da pensão por morte, com sua revisão.

Destacou-se que a despensão pressupõe os dois debates sobre a de-saposentação (legalidade e restituição dos valores recebidos), acrescentada por outra questão, qual seja a legitimidade do(a) pensionista em pleitear o cancelamento da aposentadoria do segurado falecido, seguido da conces-são de uma nova.

Tanto a desaposentação quanto a despensão não possuem previsão legal expressa, o que gera insegurança jurídica e decisões judiciais contra-ditórias sobre questões similares.

Mesmo sem a devida padronização para a desaposentação, ainda está no início a discussão sobre a despensão, que envolve, além das diver-gências sobre o cabimento e a devolução dos valores pagos, o problema da legitimidade ativa ad causam do dependente que recebe a pensão por morte.

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REFERÊNCIASCÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. I, 2005.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 11. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009.

DUARTE, Marina Vasques. Direito previdenciário. 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 14. ed. Niterói: Impe-tus, 2009.

______. Desaposentação: um caminho para a melhor aposentadoria. Niterói: Impetus, 2005.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011.

Assunto Especial – Doutrina

A Legitimidade da Desaposentação e a Polêmica Restituição dos Valores do Benefício

Desaposentação Através de Mandado de Segurança

CÁSSIA BERTASSONE DA SILVAEspecialista em Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera/Uniderp, Advogada Associada no Escritório Ramos-Araújo Ad-vogados.

RESUMO: Objetiva-se demonstrar que a concessão da desaposentação, cumulada com nova apo-sentadoria, pode ser melhor satisfeita por meio da ação especial de mandado de segurança, tendo em vista a existência de prova pré-constituída documental, ausência de necessidade de dilação probatória, e insistente negativa da Autarquia Previdenciária que resulta em um direito líquido e certo ao impetrante.

PALAVRAS-CHAVE: Desaposentação; mandado; segurança.

ABSTRACT: The objective is to demonstrate that the award of desaposentação, combined with new retirement, can be better met through the special action of injunction in view of the existence of pre--made documentary proof, no evidence of necessity of grace, and persistent negative Authority of Social Security which results in a clear legal right to the complainant.

KEYWORDS: Desaposentação; warrant; security.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Desaposentação; 1.1 Do direito à desaposentação; 1.2 Da desnecessidade de previsão legal; 1.3 Da viabilidade atuarial; 1.4 Da ausência de violação ao princípio da isonomia; 1.5 Da possibilidade de desfazimento do ato concessório da aposentadoria; 1.6 Da ausência de obri-gatoriedade na restituição dos valores percebidos anteriormente à desaposentação; 2 Do mandado de segurança; 2.1 Requisitos do mandado de segurança; 3 Mandado de segurança para garantir a desaposentação; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Atualmente, nos Juizados Especiais Federais do Espírito Santo, uma ação de desaposentação demanda pelo menos dois anos apenas para se proferir uma sentença. Os inúmeros mecanismos processuais para garantir celeridade processual, tais como tramitação preferencial de idosos e tutela antecipada, já não demonstram efetividade diante da sobrecarga dos Juiza-dos Especiais. É fato comprovado pela prática da advocacia que as ações da

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Justiça comum nos ritos ordinários acabam por resultar em um provimento jurisdicional mais célere que nos Juizados Especiais.

Contudo, perante o Juizado Especial Federal, a competência para jul-gar causas dessa natureza com valor da causa até sessenta salários-mínimos é absoluta, não havendo como se optar por uma tramitação perante a Justiça Federal comum.

Entretanto, especificamente tratando-se de desaposentação, a prova é pré-constituída, ou seja, puramente documental apresentada com a petição inicial. Em regra, não há oitiva de testemunhas, nem prova pericial, daí, pois, a possibilidade de impetração de um mandado de segurança.

A Autarquia Previdenciária negará o pedido de desaposentação. Com a negativa surge o direito líquido e certo do impetrante, e a restrição injusti-ficada imposta pela Autarquia.

Assim, um processo que pelo Juizado Especial demandaria pelo me-nos dois anos apenas em primeira instância, com a impetração de um man-dado de segurança se resume em dois anos, aproximadamente, até o trân-sito em julgado.

A justificativa para a análise que se seguirá é simples: a imensa maio-ria do segurados que possuem direito a desaposentação já são idosos e não podem aguardar uma tutela jurisdicional a ser prestada somente cinco anos após o ajuizamento de sua ação. Eles necessitam de urgência e o rito espe-cial do mandado de segurança pode lhes garantir esta celeridade.

1 DESAPOSENTAÇÃO

1.1 DO DIREITO À DESAPOSENTAÇÃO

A aposentadoria constitui direito personalíssimo, sob o qual não se admite transação ou transferência a terceiros. Contudo, isso não significa que ela seja um direito indisponível do segurado. Conforme explica Roberto Luis Luchi Demo, “a aposentadoria, a par de ser um direito personalíssimo [...], é ontologicamente direito disponível, por isso direito subjetivo e patri-monial decorrente da relação jurídico-previdenciária”1.

Assim, o instituto da desaposentação seria essa desistência ou renún-cia expressa do segurado à aposentadoria concedida.

1 DEMO, Roberto Luiz Luchi. Aposentadoria. Direito disponível. Desaposentação. Indenização ao sistema previdenciário. Revista de Previdência Social, n. 263, a. XXVI, p. 887, out. 2002.

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De acordo com Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari: “[...] a desaposentação é o direito do segurado ao retorno à ativida-de remunerada, com desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário”2.

Na Carta Magna não há vedação à desaposentação. Na legislação específica da Previdência Social tampouco existe dispositivo proibitivo da renúncia aos direitos previdenciários. Existe apenas um ditame no decreto regulamentador, o que se pode afirmar inconstitucional, posto que limita direito quando a lei não o fez. É patente que um decreto, norma subsidiá- ria que é, não pode restringir a aquisição de um direito do aposentado, prejudicando-o.

O que prevalece no sistema previdenciário brasileiro é a ausência de norma proibitiva, tanto no tocante à desaposentação quanto no que tange à nova contagem de tempo referente ao período utilizado na aposentadoria renunciada.

No caso, por ausência de expressa proibição legal, subsiste a permis-são, posto que a limitação da liberdade individual deve ser tratada explici-tamente, não podendo ser reduzida ou diminuída por omissão.

Alguns princípios basilares do Estado brasileiro também coadunam com o instituto da desaposentação. A exemplo, entendimento de Felipe Epaminondas de Carvalho, que explica que o instituto da desaposentação objetiva “uma melhor aposentadoria do cidadão para que este benefício previdenciário se aproxime, ao máximo, dos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, refletindo o bem-estar social”3.

O objetivo principal da desaposentação é possibilitar a aquisição de benefícios mais vantajosos no mesmo ou em outro regime previdenciário.

Isso acontece pela continuidade laborativa do segurado aposentado que, em virtude das contribuições vertidas após a aposentação, pretende obter novo benefício em condições melhores, em função do novo tempo contributivo.

Não se trata, portanto, de tentativa de cumulação de benefícios, e sim do cancelamento de uma aposentadoria e o posterior início de outra, ambas baseadas em contribuição do segurado.

2 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 7. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 509.

3 CARVALHO, Felipe Epaminondas de. Desaposentenção: uma luz no fim do túnel. Disponível em: <http://:www.forense.com.br/Artigos/Autor/FelipeCarvalho/desaposen-tacao.html>. Acesso em: 12 abr. 2011.

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1.2 DA DESNECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL

A ausência de previsão legal e a vedação estipulada no art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 não é óbice para a concretização do direito à desaposentação. A Autarquia Federal, por vezes, tenta invocar o princípio da legalidade para repudiar a desaposentação. Contudo, muito embora à Administração Pública somente seja possível fazer o que a lei determina, ao administrado tudo é possível, desde que não vedado por lei.

O princípio da legalidade, na mesma medida em que consiste em uma prerrogativa do Poder Público, impondo os ditames legais aos admi-nistrados, traduz-se em evidente restrição, pois a Administração Pública so-mente poderá impor as restrições que estejam efetivamente previstas em lei.

Neste sentido, Di Pietro resume dizendo que “em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo [como um regulamento], conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei”4.

A vedação no sentido da impossibilidade da desaposentação é que deveria constar expressamente em lei. A sua autorização é presumida, des-de que não sejam violados outros preceitos legais ou constitucionais. No caso, não se vislumbra qualquer empecilho expresso no ordenamento jurí-dico pátrio.

Igualmente posiciona-se Hamilton Antônio Coelho, ao afirmar que:

Não bastasse, invocar o princípio da legalidade para deixar de reconhecer um direito público individual [à desaposentação] é relegar a um segundo plano os interesses do administrado; é elevar o referido princípio a um pa-tamar que não ostenta o de sobrepor os direitos e garantias fundamentais outorgados pelo soberano Poder Constituinte de 1988 ao cidadão brasileiro, como, exempli gratia, o de que “ninguém será obrigado afazer alguma coisa senão em virtude de lei”, inscrito no inciso II do art. 5º da Lei Maior da Fe-deração Brasileira.5

Nesse passo, inexistindo no nosso ordenamento jurídico vigente lei que proíba o desfazimento de aposentadoria regularmente deferida, impos-sível cogitar de indeferimento por conveniência e oportunidade da adminis-tração ou mesmo em razão de ausência de autorização legal, pois a renún-cia de um direito que integrou o patrimônio de seu titular não clama por ilógicos e injurídicos pressupostos.

4 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 68.5 COELHO, Hamilton Antônio. Desaposentação: um novo instituto?. Revista do Tribunal de Contas do Estado de

Minas Gerais, n. 1, a. XVIII, 2000. Disponível em: <http://200.236.186.67:8080/tribunal_contas/2000/01/-sumario?next=5>. Acesso em: 10 dez. 2010.

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Da mesma forma manifesta-se o Judiciário, em repulsa à alegada au-sência de permissivo legal à desaposentação:

Ilegítima e ilegal a recusa do INSS em acolher o requerimento de renúncia à aposentadoria formulado pelo autor. Se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, não está o autor impe-dido pela lei de renunciar a um beneficio previdenciário. Por outro lado, a administração está adstrita a agir dentro dos estritos critérios da legalidade, dentre outros (art. 37 da CF). Assim, somente dispositivo legal expresso po-deria impedir o autor de exercer seu direito de renúncia. Não há óbice algum a que o autor renuncie legitimamente ao benefício que lhe foi concedido e tenha reconhecido a seu favor o direito à iniciativa privada nos moldes de sua postulação.6

Conforme expressamente reconhece Di Pietro, a extinção do ato administrativo pode ocorrer pela renúncia, extinguindo-se “os efeitos do ato porque o próprio beneficiário abriu mão de uma vantagem de que desfrutava”7. Aduz Hely Lopes Meirelles, reconhecendo a possibilidade de renúncia, que a “exigência de permissivo legal expresso somente surge quando se trata de abdicação por parte da própria Administração Pública, e não do administrado”8.

Não se pode alegar ausência de previsão legal para o exercício das prerrogativas inerentes à liberdade da pessoa humana, pois cabe a esta, desde que perfeitamente capaz, julgar a condição mais adequada para sua vida, de ativo ou inativo, aposentado ou não aposentado. O princípio da dignidade da pessoa humana repulsa tamanha falta de bom senso, sendo por si só fundamento para a reversibilidade plena do benefício.

Por fim, acerca do impedimento constante no § 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/1991, sua constitucionalidade já está sendo alvo de discussão pe-rante o Supremo Tribunal Federal, com manifestação expressa do Ministro Marco Aurélio, conforme recentemente divulgado:

É triste, mas é isso mesmo: o trabalhador alcança a aposentadoria, mas não pode usufruir do ócio com dignidade, sem decesso no padrão de vida. Ele retorna à atividade e, o fazendo, torna-se segurado obrigatório. Ele está com-pelido por lei a contribuir, mas contribui para nada, ou melhor dizendo, para muito pouco: para fazer apenas jus ao salário-família e à reabilitação. A disciplina e a remessa à lei são para a fixação de parâmetros, desde que não

6 Brasil. São Paulo, Vara da Justiça Federal em Campinas. Direito à desaposentação. Renúncia à aposentadoria por tempo de serviço, para utilização do período em contagem recíproca. Ação ordinária. Processo nº 92.0604427-3. Elidio Ramires vs. INSS. Juiz Nelson Bernardes de Souza. Sentença de 6 de abril de 1993. LTr – Revista da Previdência Social, v. 204, a. XXI, p. 116, nov. 1997.

7 DI PIETRO, Maria Sylvia. Op. cit., p. 68.8 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros. p. 153.

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se mitigue o que é garantido constitucionalmente. O segurado tem, em patri-mônio, o direito à satisfação da aposentadoria tal como calculada no ato da jubilação. E, retornando ao trabalho, volta a estar filiado e a contribuir, sem que se possa cogitar de limitação sob o ângulo de benefícios. Por isso, não se coaduna com o disposto no art. 201 da Constituição Federal a limitação do § 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/1991 que, em última análise, implica nefasto desequilíbrio na equação ditada pelo Diploma Maior.9

O posicionamento do Ministro Marco Aurélio já demonstra entendi-mento a ser adotado pelo Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o que dispõe o § 11 do art. 201 da Constituição Federal, em que “os ganhos ha-bituais do empregado, a qualquer titulo, serão incorporados ao salário para efeitos de contribuição previdenciária e consequentemente repercussão em benefício, nos casos e forma da lei”10.

O Ministro Marco Aurélio afirmou que, assim como o trabalhador que, após aposentado, retorna à atividade tem ônus de contribuir, a Previ-dência Social tem o dever de, em contrapartida, assegurar-lhe os benefícios próprios, levando em consideração as novas contribuições feitas, para que ele possa voltar ao ócio com dignidade, a partir de novo cálculo. Nas pala-vras do Ministro Marco Aurélio,

essa conclusão não resulta na necessidade de declarar-se inconstitucional o § 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/1991, mas emprestar-lhe alcance consen-tâneo com a Carta Federal, ou seja, no sentido de afastar a duplicidade de benefício, mas não o novo cálculo de parcela previdenciária que deva ser satisfeita.11

Portanto, demonstra-se, mais uma vez, a ausência de impedimento ao segurado aposentado do seu direito à desaposentação.

1.3 DA VIABILIDADE ATUARIAL

Outra argumentação da Autarquia Federal para negar o direito do segurado à desaposentação é a inexistência de viabilidade atuarial. Con-tudo, tal argumento também não prospera. Isso porque o segurado já goza de benefício jubilado dentro das regras vigentes, atuarialmente definidas, presumindo-se que, nesse momento, o sistema previdenciário somente fará desembolsos frente a esse beneficiário, sem o recebimento de qualquer co-tização, essa já feita durante o período passado.

9 Notícia publicada no site do STF, em 16 de setembro de 2010, intitulada: “Suspenso julgamento sobre recálculo de benefício de aposentadas que voltaram a trabalhar”. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=161743&caixaBusca=N>. Acesso em: 10 dez. 2010.

10 Idem.11 Idem.

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Todavia, caso o beneficiário continue a trabalhar e contribuir, essa nova cotização gerará excedente atuarialmente imprevisto, que certamente poderia ser utilizado para a obtenção de novo benefício, abrindo-se mão do anterior de modo a utilizar-se do tempo de contribuição passado. Daí vem o espírito da desaposentação, que é a renúncia do benefício anterior em prol de outro melhor.

Não há que se falar em princípio da solidariedade, no qual o aposen-tado que volta a trabalhar contribuiu sem que haja nenhuma contrapresta-ção do sistema previdenciário em razão disso. A receita imprevista acresci-da ao sistema previdenciário deverá ser revertida ao aposentado empregado caso assim deseje, com a concessão de novo benefício, nos termos do art. 201, § 11, da Constituição Federal.

1.4 DA AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Outra questão a se ressaltar é a inexistência de violação ao princípio da isonomia frente aos segurados que adiaram a aposentadoria até alcançar o benefício pleno.

Fato é que o sistema previdenciário público brasileiro é financiado pelo regime de repartição simples, além de adotar planos de benefícios que seguem, em regra, a dinâmica do benefício definido, no qual a prestação não tem correlação exata com as contribuições.

Ademais, um segurado por, voluntariamente, postergar sua aposen-tadoria por tempo indefinido, por questões pessoais, nem por isso poderia impor tal adiamento para todos os seus pares, sob a alegação de violação ao princípio da isonomia. Seria também evidente absurdo declarar que todos devam, necessariamente, receber o benefício de aposentadoria automatica-mente, ao preencher os requisitos legais.

Sempre haverá segurados que terão condições mais vantajosas que outros, e o sistema previdenciário brasileiro possui exemplos dos mais va-riados: segurados com recolhimentos elevados em período fora da média de cálculo de salário-de-benefício frente a outros com recolhimentos elevados justamente dentro do período básico de cálculo; ou o segurado que falece após 20 anos de contribuição, mas já com a qualidade de segurado perdida, frente aos dependentes do segurado que somente exerceu a atividade por um único dia, falecendo devido a um acidente de qualquer natureza.

Dentro de uma complexa rede de proteção social, é inevitável que alguns venham a ter vantagens maiores que outros. A ideia é que algum grau de justiça formal deva existir dentro de qualquer sistema, isto é, a apli-cação das normas de modo idêntico para todos – algo inerente à ideia de

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legalidade. Mesmo que eventualmente algumas regras sejam injustas em situações particulares, melhor é aplicá-las uniformemente para todos, pois a imprevisibilidade das regras seria injustiça maior.

Ainda que um segurado venha a obter uma vantagem maior frente a outro, na situação inicialmente apontada, não há como apontar tal circuns-tância como impedimento à desaposentação. A possibilidade jurídica existe para todos, e não se pode impedir para pretensão legítima sob a alegação de que outrem não seria beneficiado por sua inércia. É da essência do Direito não amparar aqueles que permanecem inertes. Dormientibus non succurrit jus.

Não se podem negar pretensões legítimas de uma pessoa sob a alega-ção de vantagem sobre as demais, sob pena de denegar a prestação jurisdi-cional na maioria das lides apresentadas em juízo.

Por fim, tal situação não é um impedimento à desaposentação, mas sim um argumento extra para a urgente necessidade de regulamentação da matéria, permitindo que todos possam se beneficiar sem depender da ini-ciativa individual frente ao Judiciário. O argumento aqui apresentado im-plicaria negar prestações legítimas sob alegação de que nem todos vão ao Judiciário.

1.5 DA POSSIBILIDADE DE DESFAZIMENTO DO ATO CONCESSÓRIO DA APOSENTADORIA

A desaposentação e concessão de nova aposentadoria também não violam o ato jurídico perfeito, que não poderia ser alterado unilateralmente.

Sem dúvida, a questão previdenciária é abarcada por tal conclusão, já que a garantia ao ato jurídico perfeito que materializa a aposentadoria tem claro propósito de assegurar a manutenção da prestação devida ao segura-do, em razão de seu mister durante anos.

A denegação das prerrogativas do ato jurídico perfeito certamente contraria a segurança jurídica, valor adotado pelo ordenamento pátrio e evidentemente internalizado na Lei Maior, por meio de diversas garantias externadas em todo seu texto.

O aposentado ver-se-ia em situação de eterna insegurança jurídica caso seu benefício pudesse ser revisto a qualquer momento, em especial quando da revisão dos requisitos de elegibilidade previdenciários, os quais são frequentemente alterados, em virtude de questões atuariais.

Todavia, como ensina Wladimir Novaes Martinez, ressaltando a via-bilidade da desaposentação:

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[...] O ordenamento jurídico se subordina à Carta Magna, e esta assegura a liberdade de trabalho, vale dizer, a de permanecer prestando serviços ou não (até depois da aposentação). Deste postulado fundamental deflui a liberdade de escolher o instante de se aposentar ou não fazê-lo. Ausente essa diretriz, o benefício previdenciário deixa de ser libertador do homem para se tornar o seu cárcere.12

Sem embargo da necessária garantia ao ato jurídico perfeito e ao di-reito adquirido, não podem tais prerrogativas constitucionais compor impe-dimentos ao livre exercício do direito. A normatização constitucional visa, com tais preceitos, a assegurar que direitos não sejam violados, e não limitar a fruição dos mesmos. O entendimento em contrário viola frontalmente o que se busca na Lei Maior.

Segurança jurídica, de modo algum, significa a imutabilidade das re-lações sobre as quais há a incidência da norma jurídica, mas sim a garantia da preservação do direito, o qual pode ser objeto de renúncia por parte de seu titular em prol de situação mais benéfica.

Sem dúvida, o ato jurídico perfeito, à semelhança do direito adquiri-do, é uma garantia individual, mas a vedação constitucional à sua exclusão não impede o acerto de relações jurídicas no sentido da melhor adequação aos princípios fundamentais da Carta Magna pátria.

Nunca é demais lembrar que a Constituição adota como objetivo fundamental a construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3º), o que certamente restaria prejudicado com a existência tranquila de regra que permita tamanho desrespeito aos direitos dos segurados, sem a menor legi-timidade para tanto.

O entendimento da Carta Magna presume a análise teleológica de seus dispositivos, sendo a mera aplicação literal das regras constitucionais algo demasiadamente incompleto, pois o preceito legal nunca reproduzirá com perfeição a norma jurídica, a qual somente será alcançada com as fer-ramentas fornecidas pela hermenêutica jurídica. Interpretar-se uma garantia constitucional em contrariedade àqueles que seriam os beneficiários de tal garantia é evidente equívoco.

Como afirmou o Relator, Juiz Araken Marins, não obstante a louvável vedação a priori da reversibilidade do benefício como proteção dada ao segurado, “há que se distinguir a renúncia pura e simples, da renúncia que possui, também, a natureza de opção e que permite ao segurado obter uma vantagem em sua fonte de sobrevivência”13.

12 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 82.13 Brasil. TRT 5ª R., AC 133529/CE, 98.05.09283-6.

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Isto é, desde que a renúncia tenha objetivos que se coadunam com o ideal previdenciário, não há razão técnica ou legal para impedimento.

Nesse sentido, decidiu-se que a renúncia à aposentadoria “não im-plica renúncia ao próprio tempo de serviço que serviu de base para a con-cessão do benefício, pois se trata de direito incorporado ao patrimônio do trabalhador, que dele pode usufruir dentro dos limites legais”14.

Enfim, as garantias constitucionais, entre elas a inviolabilidade do ato jurídico perfeito, têm como destinatários os indivíduos que delas possam usufruir em seu proveito, sendo distorção flagrante da norma constitucional qualquer tentativa de utilizá-la em sentido contrário aos interesses daqueles que são objeto de sua proteção.

1.6 DA AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE NA RESTITUIÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS ANTERIORMENTE À DESAPOSENTAÇÃO

É bom que se destaque ainda que não há que se falar em restituição dos valores recebidos anteriormente à desaposentação.

Para o adequado deslinde da questão é bom que se evidencie as duas espécies de desaposentação, isto é, aquela feita no mesmo regime previden-ciário e outra resultante do intento de averbação de tempo de contribuição em outro regime previdenciário.

Naturalmente, como o segurado visa ao benefício posterior, somente agregará ao cálculo o tempo de contribuição obtido a posteriori, sem inva-lidar o passado. A desaposentação não se confunde com a anulação do ato concessório do benefício, por isso não há que se falar em efeito retroativo do mesmo, cabendo tão somente sua eficácia ex nunc.

A exigência da restituição de valores recebidos dentro do mesmo re-gime previdenciário implica obrigação desarrazoada, pois se assemelha ao tratamento dado em caso de ilegalidade na obtenção da prestação previ-denciária, o que obviamente não é o caso. O benefício antigo, enquanto em vigência, era legal e devido.

A desaposentação em mesmo regime previdenciário é, em verdade, um mero recálculo do valor da prestação em razão das novas cotizações do segurado.

Ressalta-se ainda a irrepetibilidade das verbas alimentares, segundo o qual se enquadra os benefícios previdenciários, conforme pacificamente reconhece a jurisprudência.

14 Brasil. TRT 5ª R., AC 0404738-1, 6ª T., Rel. Juiz Wellington Mendes de Almeida, DJ 16.09.1998, p. 156.

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2 DO MANDADO DE SEGURANÇA

O mandado de segurança é ação constitucional prevista no art. 5º, LXIX e LXX, com vistas a garantir a efetivação dos direitos e interesses indi-viduais e coletivos diante do arbítrio estatal. Atualmente é regulado pelos ditames da Lei nº 12.016/2009, possuindo ainda aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Em linhas gerais, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder Público.

Assim, pode-se extrair que o mandado de segurança representa ga-rantia posta à disposição do cidadão para a proteção das suas liberdades em face do arbítrio estatal.

2.1 REQUISITOS DO MANDADO DE SEGURANÇA

O primeiro requisito é o ato da autoridade da qual emanou a suposta lesão a direito do impetrante. Isso porque o remédio constitucional não é adequado para impugnar lei em tese (Súmula nº 266 do STF), haja vista não consistir em meio de controle abstrato de normas.

Hely Lopes Meirelles definiu lapidarmente o ato de autoridade, ao afirmar que ele corresponde a toda manifestação ou omissão do Poder Pú-blico ou de seus delegados, no desempenho de suas funções e que traz em si alguma carga de decisão, e não apenas mera execução.

O sentido amplo do vocábulo “autoridade” para fins de impetração é revelado pelo art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.016/2009, que dispõe no sentido de que

equiparam-se às autoridades para fins desta lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoa jurídica ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do Poder Público, somente no que disser respeito a essas atri-buições.

O segundo requisito do mandado de segurança é a existência de di-reito líquido e certo, ou seja, aquele que se mostra claro e passível de de-monstração por documentos.

Direito líquido e certo, portanto, é aquele cuja existência se reputa in-dene de dúvidas, porquanto passível de ser demonstrada documentalmente pela prova pré-constituída que deve, salvo exceções contidas no art. 6º,

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§ 1º, da Lei nº 12.016/2009, acompanhar a petição inicial. Haverá direito líquido e certo quando os fatos aduzidos na inicial puderem ser comprova-dos por documentos independentemente da complexidade das questões.

O último requisito é a ilegalidade ou abuso do poder. Considera-se ilegal o ato praticado em contrariedade com o direito. Dentro desse concei-to, deve-se entender abrangida a inconstitucionalidade, eis que não só os atos que ofendem a lei, mas também aqueles que contrariam a Constituição podem ser objeto de controle por meio do mandado de segurança.

Verifica-se a ilegalidade ou o abuso de poder quando haja lei que impeça a prática do ato de autoridade ou a determine, no caso de omissão; quando o ato de autoridade é praticado com usurpação de competência ou, ainda, quando não observar os princípios insculpidos no art. 37 da Consti-tuição Federal, quais sejam: legalidade, isonomia, moralidade, publicidade e eficiência, conforme ensina Elpídio Donizetti15.

Por fim, destaca-se que a ilegalidade ou o abuso de poder consti-tuem condição específica da ação de mandado de segurança. Mas, não é a existência da ilegalidade ou abuso de poder em si a condição específica da ação, mas sim a possibilidade de se evidenciar dita ilegalidade desde logo por meio de prova documental pré-constituída, tal como ocorre com o direito líquido e certo.

Com efeito, a contrariedade ao direito deve ser demonstrada de plano por meio de prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probató-ria, sob pena de o feito ser extinto sem resolução do mérito.

3 MANDADO DE SEGURANÇA PARA GARANTIR A DESAPOSENTAÇÃO

Postos tais argumentos, para que surja o direito à impetração do man-dado de segurança, faz-se necessário primeiro a negativa da Autarquia Fe-deral. A Autarquia Federal negará o pedido de desaposentação sob qual-quer dos fundamentos insustentáveis anteriormente demonstrados. Com essa negativa surge o direito líquido e certo do segurado aposentado.

Contudo, este necessita ainda da prova documental que subsidiará o seu pedido. O segurado precisa provar: que é aposentado (juntando carta de concessão e memória de cálculo, bem como o extrato do último pagamento do benefício); e que, mesmo após a aposentação, continuou trabalhando e vertendo contribuições ao INSS (junta-se, por exemplo, a carteira de traba-lho assinada após a aposentação e extratos de salários-de-contribuição após a aposentação).

15 DONIZETTI, Elpídio. Ações constitucionais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 27.

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Caso o impetrante pretenda que, no mesmo ato que lhe conceda a de-saposentação, também lhe seja concedida a nova aposentadoria calculada sobre todos os períodos contributivos, principalmente após a antiga aposen-tação, faz-se necessário provar de início que faz jus ao novo benefício, jun-tando inclusive simulação de concessão da nova aposentadoria, calculada com base nos salários-de-contribuição vertidos após a antiga aposentação, demonstrando assim que o novo benefício lhe será mais benéfico do que o antigo.

De posse da negativa da Autarquia Federal e dos documentos su-prarrelacionados, o segurado aposentado terá prazo de 120 dias para im-petrar o mandado de segurança, conforme determina o art. 23 da Lei nº 12.016/2009.

Importante destacar que, muito embora a negativa venha por deci-são do chefe da agência do INSS local, o mandado de segurança deve ser impetrado contra o gerente executivo do INSS, conforme regimento interno aprovado pela Portaria nº 296, de 9 de dezembro de 2009, do Ministério da Previdência Social, indicando em seu art. 167, I, alínea a, que às gerências executivas compete, entre outras atribuições, “supervisionar as agências da Previdência Social sob sua jurisdição, nas atividades de reconhecimento inicial, manutenção, recurso e revisão de direitos aos recebimentos de be-nefícios previdenciários e assistenciais”.

Isso porque a autoridade coatora para fins de mandado de segurança é aquela que pratica o ato ou que tenha poderes para anulá-lo. No caso, é o gerente executivo a autoridade competente para deferimento, indeferimen-to, suspensão e cancelamento do benefício.

Impetrado o mandado de segurança, o juiz determinará a oitiva da autoridade coatora, para que preste esclarecimentos, bem como a Procura-doria Federal e o Ministério Público Federal, tudo conforme determina o art. 7º da Lei nº 12.016/2009.

O impetrante, por vezes já idoso, fará jus à tramitação prioritária do processo, nos termos do art. 71 da Lei nº 10.741/2003, e ainda poderá requerer liminar para concessão da nova aposentadoria, caso se trate de desaposentação no mesmo regime previdenciário, tendo em vista eventual prejuízo que estará sofrendo com a diferença entre o seu atual benefício e o benefício futuro, levando-se em consideração, ainda, que o impetrante, caso possua idade avançada e problemas de saúde, provavelmente não verá o resultado final da ação.

A antecipação do provimento jurisdicional, nesse caso, resultará na efetividade da ação ao segurado, que provavelmente não mais possui tempo

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para esperar o trânsito em julgado, lembrando-se, ainda, que se trata de ver-ba de natureza alimentar que demanda iminente decisão jurisdicional para garantir a dignidade ao segurado para usufruir do ócio sem prejuízo de seu sustento ou de sua família.

O mandado de segurança, por sua própria natureza e nos termos da legislação, seguirá percurso processual mais ágil que os procedimentos ordinários, ou mesmo os de competência dos juizados, pois possui prova pré-constituída, e os prazos para manifestações das partes são reduzidos, destacando, ainda, prazo para o próprio juiz proferir decisão.

Assim, resta claro que, em alguns casos, a ação especial do mandado de segurança serve melhor aos segurados do que as ações de rito ordinário ou dos Juizados Especiais. No caso da desaposentação, conseguindo o impe-trante toda a documentação para subsidiar o seu pedido, o mandado de segu-rança é, sem dúvida, a arma processual mais eficaz para garantir o seu direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme visto, o instituto da desaposentação é pacífico em nosso ordenamento, o segurado aposentado que tiver vertido contribuição ao sis-tema previdenciário após a sua aposentação terá direito líquido e certo à desaposentação.

Contudo, a busca por tal direito, diante da sobrecarga do sistema ju-diciário, se torna enfadonha, e o detentor de tal direito, por vezes, nem verá o resultado final de sua busca.

As atuais armas processuais para garantir celeridade aos processos não mais repercutem da forma como foram idealizadas, tramitação especial ao idoso e tutela antecipada em um Juizado Especial Federal já não resultam em efetividade.

As varas comuns estão menos sobrecarregadas do que os Juizados Es-peciais Federais, principalmente devido à competência absoluta destes para julgar ações com valores inferiores a sessenta salários-mínimos.

Assim, ao segurado aposentado que precisa com urgência de sua de-saposentação, o mandado de segurança é sua melhor opção. Contudo, nes-se caso, a negativa da Autarquia Federal é necessária para que surja o direito líquido e certo do impetrante.

Entretanto, tal fato é superado pela tramitação especial do mandado de segurança, especificamente tratando-se de desaposentação, pois a prova é pré-constituída, ou seja, puramente documental, apresentada com a peti-ção inicial, não havendo necessidade de oitiva de testemunhas.

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Por isso a imensa maioria do segurados que possuem direito à desa-posentação já podem comemorar, pois por meio do mandado de segurança a tutela jurisdicional será eficaz e célere.

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