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Revista de Políticas Públicas ISSN: 0104-8740 [email protected] Universidade Federal do Maranhão Brasil Gomes Cardoso, Franci OS DESAFIOS DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DAS CLASSES SUBALTERNAS PARA O ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DA MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL Revista de Políticas Públicas, octubre, 2012, pp. 153-161 Universidade Federal do Maranhão São Luís, Maranhão, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321131651014 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista de Políticas Públicas

ISSN: 0104-8740

[email protected]

Universidade Federal do Maranhão

Brasil

Gomes Cardoso, Franci

OS DESAFIOS DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DAS CLASSES SUBALTERNAS PARA O

ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DA MUNDIALIZAÇÃO DO

CAPITAL

Revista de Políticas Públicas, octubre, 2012, pp. 153-161

Universidade Federal do Maranhão

São Luís, Maranhão, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321131651014

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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

OS DESAFIOS DA ORGANIZAÇÃO pOLíTICA DAS CLASSES SUBALTERNAS PARA OENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDAOES SOCIAIS NO CONTEXTO DA MUNDIALIZAÇÃO DOCAPITAL

Franci Gomes CardosoUniversidade Federal do Maranhão (UFMA)

OS DESAFIOS DA ORGANIZAÇÃO pOLíTICA DAS CLASSES SUBALTERNAS PARA O ENFRENTAMENTODAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DA MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITALResumo: O texto faz uma análise sobre os desafios da organização politica das classes subalternas e dasperspectivas históricas dessas classes para superação de sua condição de subalternidade, em particular parao enfrentamento das desigualdades sociais no contexto atual de mundialização do capital, sob o neoliberalismo.A tese central deste trabalho é a de que, pela essencialidade das desigualdades sociais no capitalismo, e,portanto, pela sua mundialização, só é passivei superá-Ias por meio da luta social mundializada das classessubalternas, no confronto com o capital, para o que é indispensável, embora não suficiente, a organizaçãopolitica dessas classes, na perspectiva de sua emancipação e de toda humanidade. Eis o grande desafio!Palavras-chave: Organização politica, classes subalternas, desigualdades sociais.

THE CHALLENGES OF POLITICAL ORGANIZATION OF THE SUBALTERN CLASSES TO CONFRONTSOCIAL INEQUALlTIES lN THE CONTEXT OF THE GLOBALlZATION OF CAPITALAbstract: Analysis of the challenges of the politicai organization of the subaltern classes in a historical perspectiveof such classes in arder to overcome their subalternity condition particularly to face social inequalities in thecontext of capital globalization under the neoliberalism. The central thesis of this paper is that through theessentiality of social inequalities in capitalism and, thus, through its globalization, it is only possible to overcomethem by the means of the globalized social struggle of the subaltern classes, in the confront with lhe capital, forwhich it is essential but not enough, the politicai organization of such classes in the perspective of theiremancipation and of ali mankind. That is the great challenge!Key words: Politicai organization, subaltern classes, social inequalities.

Recebido em: 05.11.2010. Aprovado em: 16.06.2011.

R. PaI. Públ. I Sãa Luis MA INúmero Especial Ip. 153 162 I Outubro de 2012153

Franci Gomes Cardoso

1 INTRODUÇÃO

Neste texto retomo uma temática sobre a qualtenho acumulado conhecimentos em estudosanteriores e em pesquisas recentes sobre arelação do Serviço Social e a organização dasclasses subalternas. Destaco como produçãofundamental minha tese de doutorado sobre "Oprotagonismo das classes subalternas no Brasilcontemporâneo", a qual deu origem ao meu livropublicado, em 1995, pelas editoras Cortez eEDUFMA, sob o título "Organização das classessubalternas: um desafio para o Serviço Social".Como produção recente, destaco o projeto depesquisa em andamento sobre "O Serviço Sociale a Organização política da classe trabalhadora:os desafios nas transformações contemporâneasda sociedade brasileira", aprovado pelo CNPQpara o período de março/2011 a fevereiro/2014.

Com o resgate e atualização dos resultadosdas referidas produções, pretendo contribuir como debate coletivo, suscitar polêmicas e estimularoutros estudiosos interessados no tema para apermanente verticalização de estudos sobreprocessos concretos de organização das classessubalternas; e para o engajamento nosmovimentos e lutas sociais nas organizaçõesdessas classes para o enfrentamento dasdesigualdades sociais no mundo e no Brasil emparticular.

O mundo contemporâneo é um mundo comuma multiplicidade de organizações e lutas desujeitos históricos e políticos cuja unidadeconstitui-se na prática política, construindoprojetos coletivos numa perspectiva de classe.Esses sujeitos têm em comum a condição dedestituídos de quaisquer meios de produção,além de sua força de trabalho, e dependem parasua sobrevivência da produção direta dos meiosde vida ou da oferta de emprego pelo capital.

Assim, os projetos coletivos construídos naslutas desses sujeitos políticos têm a perspectivade enfrentar as novas formas de exploração docapital sobre o trabalho nas sociedadescapitalistas contemporâneas, onde não se aboliua contradição de classe, mas, pelo contrário, severifica uma crescente afirmação das classes eda luta de classes mundialmente.

A realidade brasileira evidencia, de um lado, aforça econômica e política da classe dominante­representada, em sua maioria, pelas fraçõesligadas às empresas - e, de outro, as classessubalternas, que em seus movimentos eorganizações têm aglutinado assalariados dossetores caracterizados como primário, secundário

e terciário, ou seja, trabalhadores dos setoresprodutivo e improdutivo; os subempregados edesempregados eventuais; os trabalhadores empotencial, não incorporados ao mercado detrabalho; enfim, todos os segmentos que, nãopossuindo os meios de produção, estão sob odomínio econômico, político e ideológico dasclasses que representam o capital.

Entre os estudos já realizados sobre a formaçãodas classes sociais, há alguns pesquisadores quepartem de métodos de interpretação do processoeconômico-social brasileiro, segundo os quais opaís teria alcançado um estágio da sociedadecapitalista onde se configuram, numa divisãodicotômica absoluta, o proletariado e a burguesia.Com essa visão, são inseridas no conjunto doproletariado amplas camadas com posiçõesdiferenciadas, ou mesmo indefinidas, no mundoda produção, descaracterizando, segundo essespesquisadores, os traços essenciais que definemo proletariado como classe.

Por outro lado, ainda no que se relaciona àquestão acima, existem outros estudos que,tendendo a formular o conceito clássico deproletariado, centrado, portanto, apenas nosoperários fabris, excluem do conjunto dostrabalhadores todos aqueles ligados ao setoreconômico improdutivo. Ou seja: os trabalhadoresque não estão ligados diretamente à produçãomaterial são excluídos de qualquer análise, comose não existissem no processo histórico.

A respeito dessas questões, discordodaqueles que excluem os segmentosdesvinculados de uma ação direta na produção,mas entendo que não se pode negar asdiferenciações existentes entre os própriostrabalhadores, quanto à posição que os diversossegmentos ocupam no mundo do trabalho. Ouseja: os trabalhadores não formam uma classehomogênea, tanto no momento objetivo quantona subjetivação da objetividade.

Entretanto, a condição de subaltemidade doconjunto dos trabalhadores, em face do capital,permite uma nova configuração de classe quereúne segmentos diferenciados, de acordo com aconcepção exposta anteriormente.

Entendo que os efeitos práticos provocadospelo modo capitalista de produção não atingemapenas aqueles trabalhadores que estãodiretamente no mundo da produção, isto é, osinseridos no processo de produção material,mas atingem, fundamentalmente, aqueles quenão possuem os meios de produção, querestejam incorporados, ou não, ao mercado detrabalho.

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Portanto, se a propriedade privada dos meiosde produção não é a única fonte de dominação,ela é a fonte primeira a partir da qual emergemas demais fontes de domínio.

A subalternidade desses trabalhadores seexpressa, portanto, pela não propriedade dosmeios de produção material e cultural e,consequentemente, pelos domínios econômico,político e ideológico exercidos pelo capital. Essessão os elementos básicos que caracterizam, domeu ponto de vista, as classes subalternas comouma das classes fundamentais nas sociedadescapitalistas.

É com essa concepção que, neste texto,destaco essas classes, refletindo sobre suasperspectivas históricas de organização e luta parasuperação de sua condição de subaltemidade, emparticular para o enfrentamento das desigualdadessociais no contexto da mundialização do capital.

2 AS DESIGUALDADES SOCIAIS NOCONTEXTO DA MUNDIALIZAÇÃO E CRISEATUAL DO CAPITAL: um grande desafiopara o enfrentamento pelas classessubalternas.

A mundialização do capital tem profundasrepercussões nas condições de vida e de trabalhodos diversos segmentos das classes subalternas,radicalizando as desigualdades sociais que semantêm no mundo contemporâneo globalizadocomo "uma ameaça cada vez maior para o capitale para os capitalistas, em particular nos paísesdo chamado Terceiro Mundo". (LOPES, 2006).Verifica-se, segundo lamamoto (2009, p. 26),

Uma ampla investida ideológica por partedo capital e do Estado voltada para acooptação dos trabalhadores, agoratravestidos em parceiros solidários aosprojetas do capital e do Estado.

Tal investida, segundo a mesma autora,acentua-se por meio da "assistencialização" dapobreza contra o direito ao trabalho, de modotransversal às políticas públicas dirigidas aossegmentos mais pauperizados dos trabalhadores,incidindo de forma marcante na capacidade demobilização e organização desses segmentos.(IAMAMOTO, 2009).

Essa investida ideológica por parte do capitale do Estado é um dos mecanismos utilizados parao enfrentamento da questão social, cujasexpressões pelas desigualdades sociais sãosustentadas pela própria lógica do capital, da quala desigualdade é inerente. Portanto, quaisquer

formas de enfrentamento das desigualdadessociais, na perspectiva de sua superação, só serápossível por meio da luta social mundializada dasclasses subalternas no confronto com o capital,sendo indispensável, embora não suficiente, aorganização política dessas classes.

Para Tonet (2009, p. 108), "a raiz maisprofunda da crise que o mundo vive hoje estánas relações que os homens estabelecem entresi na produção da riqueza material". Com essaafirmação, o autor chama a atenção para o fatode que há uma relação recíproca entre essa raize as outras dimensões da realidade social, bemcomo uma influência recíproca entre todas asdeterminações constitutivas da totalidade social.(TONET, 2009). Ou seja, não se trata de afirmarque a causa imediata de todos os problemasatuais da humanidade está na economia.

Para o mesmo autor,

a crise atual parece ter algo muitodiferente das anteriores. Em primeirolugar, porque se trata de uma crise globale não apenas de determinado local oude setor específico. Em segundo lugar,porque dada a completa mundializaçãodo capital, este não tem mais comodeslocar essa crise dos países centraispara os países periféricos. O mundointeiro está, embora de forma diversaem locais diferentes, engolfado nela.Como resultado disso, essa crise atingehoje as estruturas mais profundas dasociabilidade capitalista. (TONET, 2009,p.108).

A irrupção dessa crise se deu de forma maisacentuada na década de 1970, manifestando-sepela crescente perda de dinheiro por parte doscapitalistas. Em face dessa situação, a saídaencontrada pelo capital para a obtenção doaumento da taxa de lucro foi a intensificação daexploração dos trabalhadores, resultante tantoda mais valia absoluta quanto da mais valiarelativa, ou da combinação de ambas, a partir doprolongamento da jornada de trabalho e daintrodução de novas tecnologias.

Daí, segundo Tonet (2009, p.109),

O surgimento do "loyotismo. e suaarticulação com a forma anterior daprodução chamada "fordismo., aprecarização e a terceirização noâmbito do trabalho, a erosão dosdireitos trabalhistas e sociais, adesregulamentação da economia e detodo o conjunto de privatizações. Tudo

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isso, implicando, pela própria naturezado capitalismo, uma violentíssimaguerra entre os capitalistas, comenormes e desastrosas consequênciaspara os trabalhadores.

o capitalismo brasileiro, em conexão com acrise mundial do capital, aprofunda suascontradições, a partir de 1974, mesmo emcurtos períodos de crescimento especulativo.

A crise, que se inicia nos anos 1970,apresenta, segundo Mandei (1990 apud MOTA,2010), particularidades que se diferenciam dadinâmica de outras crises capitalistas. Trata­se de uma

Crise social do conjunto da sociedadeburguesa, uma crise das relações deprodução capitalistas e de todas asrelações sociais burguesas, que seimbrica com a diminuição durável docrescimento económico capitalista,acentua e agrava os efeitos dasflutuações conjunturais da economia erecebe, por sua vez, novos estímulosdessas flutuações.

Nessa mesma linha de raciocínio, Mészáros(2002 apud MOTA, 2010), caracteriza a crisecontemporânea como crise global de alcancemundial, atingindo todas as nações imperialistasdo planeta, e como uma crise de longa duraçãoe sem saídas a curto ou longo prazo.

Dado o caráter mundial dessa crise, o qual seimprime pela estrutura mundializada docapitalismo, cuja internacionalização se expressapela concentração do capital e descentralizaçãoda produção com abrangência planetária, ela nãopode, segundo Maranhão (2004 apud MOTA,2010)

Ser enfrentada setorialmente ou porcapitalistas individuais, razão pela qualmobiliza a intervenção do Estado e dasorganizações financeiras internacionaisna tentativa de equacioná-Ia.

Nesse processo, a partir dos anos de 1980,o capital busca enfrentar suas própriascontradições por meio de iniciativas quepermitam recompor as suas taxas de lucro, aomesmo tempo em que desenvolvemmecanismos que as legitimem socialmente.Nessa perspectiva, as classes dominantes

Necessitam exercitar-se como classedirigente implementando seu projeto

classista através de uma direçãorestauradora, criando iniciativasconservadoras sob o influxo das ideiasliberais. (MOTA, 2010, p. 16).

Nesse projeto, o Estado tem um papelfundamental favorecendo a produção desuperlucros, inovando práticas ideológicas eprodutivas, seja nos países centrais ou periféricos,patrocinando transformações nos padrões deacumulação e reprodução. (MOTA, 2010).

Na medida em que a crise se aprofunda, ossalários dos trabalhadores tendem a baixar e aexpropriação das terras dos trabalhadores e dosíndios no campo tende a aumentar. Pois o capitalque explora os trabalhadores na indústria é omesmo que expropria e explora os trabalhadoresno campo.

No Brasil, a extrema concentração de rendatem sua causa principal na elevada e crescentemonopolização da economia brasileira por gruposeconômicos de grandes empresas transnacionaisque controlam, de forma individual ou associadosentre si, a quase totalidade das empresasindustriais, financeiras, comerciais, agropecuárias,bem como terras, meios de transporte,comunicação e outros setores essenciais para obem estar da vida humana.

Assim, a formação e o crescimento dos própriosmonopólios nacionais se deram associados aocapital internacional, destituídos de autonomiasobre o setordos meios de produção; em especial,o de máquinas avançadas e de componenteseletrônicos sofisticados. Nesse processo, oscapitalistas brasileiros tiveram como opção paraseu enriquecimento acelerado uma política decolaboração com seus parceiros internacionais.

Desse modo, a concentração de quase todaa riqueza social nas mãos de um número reduzidode grupos de grandes capitalistas nacionais eestrangeiros condena a classe trabalhadora asobreviver com uma parcela insignificante do queproduz, numa situação crescente de exploraçãoe miséria.

O desenvolvimento desigual do mundocapitalista, ou polarização, permite a expansãode uma riqueza e de uma pobreza simultâneasem rapidez e extensão.

Nessa condição de desenvolvimento, milhõesde pessoas são obrigadas a viver em condiçõessubhumanas por não terem acesso aos bensmateriais necessários à sua sobrevivência, taiscomo: alimentação, saúde, habitação, vestuário,saneamento, transporte, dentre outros;enquanto uma minoria concentra em suas mãosum volume cada vez maior da riqueza produzida

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coletivamente pelos trabalhadores, e esbanjaem luxos e bens supérfluos.

Segundo Tonet (2009, p. 112), esse fossoentre a minoria, rica e parasita, e a maioria, pobre,- que produz a riqueza - não seria necessário;pois não é por falta de capacidade de produzirriqueza que a maioria da humanidade se encontranessa situação precária. É exatamente por essacapacidade ter atingido um grau bastante elevadoque a humanidade encontra-se mergulhadanessa contradição. Para ele, a questão decisivaestá na forma concreta de organização daprodução, que é onde já está assinalado o acessoque cada um terá da riqueza.

E, no sistema capitalista, a riqueza éproduzida sob a forma da propriedadeprivada, vale dizer, pela grande maioria,mas é apropriada por uma minoria cujoobjetivo fundamental é - um imperativoimposto pela lógica do capital - obterlucros e não atender as necessidadeshumanas. (TONET, 2009,112).

Em face dessa situação sinteticamenteexposta, em que as desigualdades são umdesafio permanente pela sua essencialidade nocapitalismo, dá-se o processo de constituição daspolíticas sociais mediadas pelo Estado e pelaação das classes sociais organizadas, as quaissão determinadas pelas relações de apropriaçãoldistribuição e dominação/subalternização. Têm,portanto, a sua gênese na relação capitalltrabalho, exercendo sua função na reproduçãoda força de trabalho e do próprio capital.

O Brasil, entretanto, apresenta peculiaridades,no que se refere à relação Estadol capitaisparticularesl trabalho,

Determinadas pelo processo deindustrialização tardia, no qual o Estadoassumiu, prioritariamente, a função deinvestidor e de financiador das condiçõesde reprodução e expansão do capital [...].Como Estado Capitalista, sua ação namanutenção e reprodução da força detrabalho tem se verificado muito mais nodisciplinamento do uso produtivo dotrabalho pelo capital Gomada, condiçõesde trabalho, salário etc.), do que,propriamente, pela oferta de políticassociais. (MOTA, 1989, p.131).

Em contrapartida a essa omissão do Estado,o empresariado patrocina, desde a década de40 do século XX, salários indiretos ao trabalhador,o que se apresenta como projeto colaboracionista

com o Estado. Na realidade, esse patrocínio éfeito para obtenção de vantagens financeiras dosetor público e para transformação dos saláriosindiretos num incremento à produtividade. Nessaperspectiva, "o empresariado assegura, aomesmo tempo, a manutenção do trabalhador, osníveis de produtividade e uma pseudo-autonomiados fundos públicos". (MOTA, 1989, p. 131).

A partir do controle do Estado peloscapitalistas, o capital privado obtém vantagensfinanceiras, econômicas e políticas. Nesseparticular, pode ser observado, no Brasil, umcrescente processo de privatização do Estado,mediante a utilização dos chamados fundospúblicos na esfera privada.

A esse respeito, MOTA (1989, p.132)afirma:

No Brasil ocorre verdadeira inversão dachamada via fiscal para redução dasdesigualdades. Ao invés de o Estado seapropriar de parte do excedente, viataxação de lucros e da riquezapatrimonial, ele abdica de tal receita paraque o empresariado faça a "justiçasocial..

A mesma autora ressalta, ainda, a nãotributação das chamadas despesas operacionaisdas empresas (incluindo os custos dosprogramas sociais) que, contabilizados como tal,devem ser repassados para o produto. Assim, ocidadão paga quando não é sujeito dasocialização dos lucros, pela via fiscal, e quandoadquire as mercadorias. (MOTA, 1989).

É importante destacar que as políticas sociais,enquanto instrumentos de reprodução da relaçãocapital/trabalho, têm que ser encaradas deacordo com o contexto e o momento históricoem que se situam. Seus mecanismos avançame recuam no bojo das lutas sociais e das relaçõesestabelecidas entre o Estado e as classes sociais.

Assim, no contexto atual das transformaçõesda sociedade brasileira, podemos evidenciar queno âmbito das políticas públicas de corte socialas propostas neoliberais repercutem de formaperversa, excluindo um grande contingentepopulacional que já é expropriado de toda ariqueza material e intelectual produzidasocialmente, ou seja, sujeitos históricos que nãousufruem dessa riqueza - amplos segmentosconstituídos pelas classes subalternas -, comos quais o Serviço Social tem uma vinculaçãohistórica, seja no campo da reprodução da forçade trabalho, via política de Assistência, seja nocampo da organização, tendo presente aconexão desses espaços de prática do

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Assistente Social.O projeto neoliberal que se expande pelo

mundo e, por conseguinte, no Brasil, amplia eaprofunda as desigualdades e a pobreza, aomesmo tempo em que retira a possibilidade doEstado de investir em políticas sociais queatendam, minimamente, as demandas dasclasses subalternas para garantia de suasobrevivência. Esse projeto submete asnecessidades sociais aos interesses econômicos,cujo objetivo principal é a maximização dos lucrosdos empresários privados. (CARDOSO, 1995a).

A perspectiva neoliberal de subsunção dasnecessidades sociais aos interesses econômicose, portanto, de redução do tamanho do Estadono atendimento a essas necessidades essenciaisfunda-se na concepção de que não cabe aoEstado a responsabilidade do processo deprovisão social e, sim, à sociedade e à iniciativaempresarial privada. As mudanças no papel doEstado têm, no contexto do neoliberalismo, oobjetivo de permitir a retomada do aumento dolucro das classes dominantes, em especial asdos países centrais.

Ao lado dessa perspectiva e, contraditoria­mente, constitui estratégia do projeto neoliberalimplementado pelo Estado brasileiro nos anos1980, em particular na Constituição Federal de1988, a defesa dos direitos sociais como direi­tos universais, na perspectiva de garantir o aces­so da população aos bens e serviços públicos.

3 A ORGANIZAÇÃO POLiTICA DASCLASSES SUBALTERNAS E O SERViÇOSOCIAL: alguns fundamentos históricosconceituais, perspectivas e desafios.

A partir dos anos 1990, vivencia-se umprocesso de redefinição do Serviço Social,vinculado às lutas e à organização política dasclasses subalternas, que se intensificou, emtodo país, na segunda metade da década de1970, com significativo avanço nos anos 1980.O avanço dos anos 1980 expressou-se, dentreoutras formas, pela atuação profissional emespaços de formação e organização políticasdos trabalhadores: sindicatos, associaçõesprofissionais, movimentos sociais urbanos erurais, entre outros. Nesses espaços e nessasdécadas (1970 e 1980), a perspectiva dotrabalho profissional do Assistente Social erade mobilização social e organização, de modoa contribuir para viabilizar projetos de interessedessa classe na construção de novas relaçõeshegemônicas na sociedade, superando a sua

condição de dominação político-ideológica eeconômica.

Tal perspectiva traduziu-se pela vinculaçãodo projeto ético-político-profissional a umadeterminada perspectiva societária, cujaconstrução exige o fortalecimento de processosemancipatórios das classes subalternas. Trata­se da perspectiva de superação da sociedadecapitalista, tendo como horizonte a emancipaçãohumana.

A tendência atual, a partir de 1990, sobretudoem instituições que operam as políticas sociais,é o redirecionamento da perspectiva demobilização social e organização, no horizonteda emancipação humana para o horizonte dasubalternidade, buscando a legitimação, pelasclasses subalternas, do atual padrão da políticasocial sob a égide do neoliberalismo. Essepadrão privilegia a mercantilização das políticassociais, transferindo para o setor privado asresponsabilidades do Estado quanto às políticaspúblicas, em detrimento do atendimento àsnecessidades como direito, e investe nacooptação das organizações e lutas das classessubalternas pela intensificação de programaseminentemente assistencialistas, mas queatendem, mesmo precariamente, necessidadesprementes das classes subalternas.

É importante ressaltar, nesse contexto dehegemonia do neoliberalismo, o carátercontraditório da atuação profissional doAssistente Social cuja história é um processoorgânico da história da sociedade em que seinsere a profissão; sendo, portanto, determinadapelas contradições inerentes a essa sociedade.Nesse sentido, destacam-se as implicaçõeseconômicas, políticas e sociais decorrentes doavanço do capitalismo no mundo e, emcontraposição, a luta das classes subalternasnorteada pelos ideais emancipatórios dasociedade que repõem a participação comoestratégia da politização das relações sociais ede intervenção crítica dessa classe nomovimento histórico, nos espaços de produçãoe reprodução social. (ABREU, 2002).

Essa é a perspectiva de diferentes organi­zações das classes subalternas; em particu­lar, o movimento dos trabalhadores sem terra(MST), enquanto um espaço de organizaçãoe lutas políticas, o qual representa um dosmais importantes movimentos sociais e políti­cos do Brasil atual, fazendo renascer e res­surgir a luta dos trabalhadores no campo econvertendo-o no centro da luta política e daluta de classes no país.

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OS DESAFIOS DA ORGANIZAÇÃO POLíTICA DAS CLASSES SUBALTERNAS PARA OENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DA MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL

No bojo do movimento contraditório dasociedade, e mesmo nos espaços de formaçãoe de organização política das classes subaltemas,há projetos profissionais e projetos soeietáriosdiferenciados disputando a hegemonia. Quaissão esses projetos, como se dá essa disputa,quais as tendências da inserção do AssistenteSocial nesses espaços e quais os desafios postosao Serviço Social e à classe trabalhadora nocontexto dessa disputa?

Nas instâncias de organização das classessubalternas, o trabalho dos assistentes sociaistende a assumir duas grandes perspectivasteórico-políticas que perpassam os projetosprofissionais e os projetos societários em disputana sociedade brasileira, na atualidade: 1) aperspectiva de superação da sociedadecapitalista, tendo como horizonte a conquista daemancipação humana, passando pelofortalecimento de processos emancipatórios dasclasses subalternas; e 2) a perspectiva demanutenção da ordem capitalista, tendo comoexigência a dominação dessas classes.

Com essas perspectivas, os projetosprofissionais e os projetos societáriosdesenvolvem-se pela ação dos sujeitos dasprofissões e das classes sociais, disputando ahegemonia nos espaços de organização dasclasses subalternas, em particular, e nomovimento social, na sociedade brasileira.Torna-se hegemônica uma ou outra perspectiva,conforme vínculos dos projetos profissionaiscom os projetos societários de emancipaçãohumana, ou de manutenção da ordemcapitalista, e conforme a correlação de forçasna disputa da hegemonia na sociedade.

A questão da hegemonia é central entre aspreocupações de Gramsci (1978), em relaçãoàs possibilidades das classes subalternastornarem-se protagonistas históricas dotadas devontade coletiva própria. Nessa perspectiva, ahegemonia refere-se à capacidade de umadessas classes, que aspire a dirigir o conjuntoda sociedade, em trabalhar os interesses doconjunto dos setores subalternos, em termosde um projeto universal que contemple aorganização e a participação relacionada àpolítica como dimensão pedagógica.

Essa noção de hegemonia tem um cunhocultural que não opera apenas no âmbitointelectual, mas informa toda cotidianidade dossujeitos. Desse modo, participar de formaorganizada da política, numa perspectivapedagógica, é manifestar capacidade de intervirno processo de transformação social e política

de modo consciente.Para Gramsci (1978), a hegemonia tem uma

função eminentemente pedagógica enquantoprocesso de constituição ideológica das classessubalternas, que se realiza tanto para afirmar adireção dessas classes quanto para superar asua condição de subalternidade, construindo umanova ordem social.

Gramsci concebe a constituição da ideologiadas classes subalternas como uma condiçãoessencial para a conquista da hegemonia dasclasses, na medida em que elas conseguemromper com a dominação ideológica das classesadversárias. Esse rompimento não se efetivaindependentemente das transformaçõeseconômicas, mas não há, por outro lado, umadependência absoluta dessas.

A ideologia tem, portanto, um peso decisivona organização da vida social, pois se realiza,concreta e historicamente, resultando domovimento da estrutura social. Para Gramsci(1978), essa manifestação da ideologia, enquantoconcepção de mundo, objetiva-se em grausdiversificados que ele procura demonstrar emsuas reflexões sobre o processo de elaboraçãode uma concepção de mundo crítica e coerente.

Segundo Gramsci (1978), a criação de umanova cultura significa, além de todo um processocrítico e de descobertas originais, a difusão esocialização de verdades já desvendadas paratorná-Ias a base do agir das classes subalternas.

Para Gramsci (1978), o proletariado pode, naperspectiva da revolução, tornar-se classedirigente e dominante na medida em queconsegue criar um sistema de aliança de classes(operários e camponeses) que lhe permitamobilizar, contra o capitalismo e o Estado Burguês,a maioria da população trabalhadora - o quesignifica, na Itália, dadas as reais relações declasses existentes, que o proletariado pode tornar­se classe dirigente e dominante na medida emque consegue obter o consenso das amplasmassas camponesas. Mas, para isso, ou seja, paraconstituir-se como classe hegemônica, Gramsciinsiste em que o proletariado abandone modosde pensar corporativistas e supere interessesimediatistas e particularistas, pois, a partir dessasuperação, vai se desenvolvendo o processo deformação de uma consciência - a consciência declasse - que se manifesta na prática política.

Em Gramsci, a apreensão do grau deautoconsciência, do grau de homogeneidade eorganização alcançado pelos vários grupos sociaisdá-se na análise de correlação de forçasespecificamente políticas, em que os elementos

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REFERÊNCIAS

Universidade Federal do Maranhão· UFMACidade Universitária, Av. dos Portugueses, 1966,BacangaCEP: 65.085-580

-=--:-_. Articulação entre empresas e Estado.Serviço Social e Sociedade, São Paulo, ano 10,1989.

Franci Gomes CardosoAssistente SocialDoutora em Serviço Social pela PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo (PUC-SP)Professora colaboradora do Programa de Pós­Graduação em Políticas Públicas da UniversidadeFederal do Maranhão - UFMAE-mail: [email protected]

MOTA, Ana Elizabete. Redução da pobreza eaumento da desigualdade social: um desafio teórico­político ao Serviço Social brasileiro. ln: . Asideologias da contrarreforma e o serviço social.Recife: Ed. UFPE, 2010.

IAMAMOTO, M. V. O serviço social na cenacontemporânea. ln: Direitos sociais ecompetências profissionais: serviço social esociedade. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.

LOPES, Josefa Batista. A luta contra asdesigualdades sociais no atual contexto damundialização: tendências e perspectivas nomovimento de construção de alternativas. ln:CONGRESSO MUNDIAL DE ESCOLAS DESERViÇO SOCIAL, 33., 2006, Santiago, Chile.Anais... Santiago, Chile: Associação Internacional deEscolas de Serviço social, 2006.

OS DESAFIOS DA ORGANIZAÇÃO POLíTICA DAS CLASSES SUBALTERNAS PARA OENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DA MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL

participado na implementação de políticas TONET, Ivo. Expressões socioculturais da crisepúblicas de corte social, o que está a exigir um capitalista na atualidade. ln: . Direitos sociaisrepensar sistemático da profissão, tanto no que e competências profissionais: serviço social etange ao exercício profissional, quanto à sociedade. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.

formação com destaque às exigências deestudos e pesquisas históricas que aprofundeme atualizem o conhecimento das reais condiçõesde vida e de trabalho a que são submetidas asclasses subalternas nos processos detransformação e desenvolvimento do capitalismono mundo e no Brasil, bem como à necessidadede inserção efetiva em processos de organizaçãoe formação de consciência de classe, elementosnecessários, embora não suficientes, na luta pelaconquista da hegemonia dessas classes.(CARDOSO, 1995b).

ABREU, Marina Maciel. Serviço social e aorganização da cultura: perfis pedagógicos daprática profissional. São Paulo: Cortez, 2002

GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética dahistória. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 3. ed. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 1978.

CARDOSO, Franci Gomes. Políticas públicas eneoliberalismo. Jornal O Debate, São Luís, jun.1995a.

..,--:;_. Organização das classes subalternas: umdesafio para o Serviço Social. São Paulo: CortezEditora; São Luís: EDUFMA,1995b.

R. PaI. Públ. I Sãa Luis MA INúmero Especial Ip. 153 162 I Outubro de 2012161