DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

228
Universidade Federal do Rio de Janeiro VARIAÇÃO E MUDANÇA NO VOCALISMO POSTÔNICO MEDIAL EM PORTUGUÊS Alessandra de Paula Santos 2015

description

Tese de Doutorado sobre vocalismo postônico medial em português

Transcript of DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

Page 1: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

Universidade Federal do Rio de Janeiro

VARIAÇÃO E MUDANÇA NO VOCALISMO POSTÔNICO MEDIAL EM PORTUGUÊS

Alessandra de Paula Santos

2015

Page 2: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

VARIAÇÃO E MUDANÇA NO VOCALISMO POSTÔNICO MEDIAL EM PORTUGUÊS

Alessandra de Paula Santos

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (Letras Vernáculas) da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão

Rio de Janeiro Fevereiro de 2015

Page 3: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

Variação e mudança no vocalismo postônico medial em português

Alessandra de Paula Santos

Orientadora: Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (Letras Vernáculas), Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Examinada por: _______________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão – Orientadora

_______________________________________________________________ Professor Doutor Dermeval da Hora Oliveira – UFPB

_______________________________________________________________ Professor Doutor José Sueli de Magalhães – UFU

_______________________________________________________________ Professora Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ

________________________________________________________________ Professor Doutor João Antônio de Moraes – UFRJ

________________________________________________________________ Professora Doutora Valéria Neto de Oliveira Monaretto – UFRGS, Suplente

________________________________________________________________ Professora Doutora Danielle Kely Gomes – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro Fevereiro de 2015

Page 4: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2015

De Paula, Alessandra. Variação e mudança no vocalismo postônico medial em

português/ Alessandra de Paula Santos. Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2015.

xx, 208f.: il.; 31 cm. Orientador: Silvia Figueiredo Brandão.

Tese (Doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós Graduação em Letras (Letras Vernáculas), 2015.

Referências Bibliográficas: f. 191-201. 1. Português Brasileiro. 2. Português Europeu. 3. Fonologia. 4.

Sociolinguística. 5. Vocalismo postônico não final. 6. Alteamento. I. Brandão, Silvia Figueiredo. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós Graduação em Letras Vernáculas. III. Título.

Page 5: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

É preciso que haja pessoas com esse ímpitu de

mudar, com esse desejo de mudar, então eu sou

uma delas.

(Estudante carioca, 19 anos)

Page 6: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

Dedico este trabalho a minha orientadora Silvia

Brandão, que fez os caminhos mais difíceis se

tornarem simples e que, no verdadeiro sentido

de orientar, me ajudou a seguir com serenidade,

na pesquisa e na vida.

Page 7: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

Outros agradecimentos

Quero agradecer a Deus e às pessoas que mais estiveram presentes na minha

vida pessoal e acadêmica nos últimos anos, quando estive desenvolvendo este trabalho:

Primeiramente, a minha família, em especial a minha mãe Marta, a principal

responsável por tudo o que sou, meus irmãos Arthur, Gabriela e Andressa, a parceira de

minha jornada, e a meus sobrinhos Amanda e Breno, que iluminam o nosso caminho.

Aos irmãos que eu escolhi, Danielle, Handerson, Lázaro, Maíra, Mariana, Mirla,

Patrícia, Rodrigo Campos e Thiago, em ordem alfabética porque o amor por todos é

imensurável, além do meu querido amigo Vinicius, que, assim como a Danielle, foi uma

companhia inestimável nos congressos inesquecíveis e no dia-a-dia do Doutorado.

A meus grandes amigos, Adriano, Ana Paula, André, Eduardo Barreto,

Emanoele, Fabrícia, Luciana, Rodrigo Schwertner e Wanessa, que transformam cada

momento ao seu lado em um evento inesquecível e fazem muita falta no resto do tempo.

Quero demonstrar minha gratidão a quem muito contribuiu com esta pesquisa:

Professora Maria Antónia Mota, da Universidade de Lisboa, por contribuir

amplamente com minha pesquisa, me acolher e ajudar em todos os aspectos durante

minha estadia em Lisboa.

Professor João Veloso, da Universidade do Porto, e Professoras Rita Marquilhas,

Celeste Rodrigues e Sónia Frota, da Universidade de Lisboa, que me dedicaram seu

tempo e contribuíram amplamente nas discussões sobre o português europeu.

Professora Eliete Silveira, Elaine, Tatiane, Laura, Fernando e Mariana, por

serem os melhores companheiros “lisboetas” que alguém pode ter.

Os queridos amigos e familiares que se esforçaram amplamente e com muito

carinho para conseguir os informantes da pesquisa, Eduardo Barreto e Sharlise, Péricles

e Camila, Eduardo Santos, Maíra e Mirla, Daniele Figueiredo, Gabriela e Maria José.

Meus amigos do coração Adriano e Rodrigo Campos, que prontamente me

ajudaram com a tradução dos resumos.

Por fim, os Professores que muito gentilmente aceitaram o convite para

participar dessa banca, Christina Gomes, Danielle Gomes, Dermeval da Hora, João

Moraes, José Magalhães e Valéria Monaretto e que, com isso, me honram imensamente.

Page 8: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

Esta pesquisa foi realizada com o apoio da

CAPES em estágio de doutorado sanduíche na

Universidade de Lisboa (nov/13-mar/14) e com

bolsa do CNPQ (abr/14-fev/15).

Page 9: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

SINOPSE

Estudo do processo de alteamento das vogais /e/ e /o/

postônicas mediais em português. Análise sincrônica

e diacrônica dos processos de mudança no vocalismo

átono português. Investigação da fala fluminense em

comparação com a fala lisboeta segundo princípios da

Sociolinguística Variacionista e da Fonologia de Uso.

Análise do léxico proparoxítono e interpretação

fonológica do vocalismo postônico medial brasileiro e

europeu com base em correntes teóricas pós-

estruturalistas.

Page 10: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

RESUMO

VARIAÇÃO E MUDANÇA NO VOCALISMO POSTÔNICO MEDIAL EM PORTUGUÊS

Alessandra de Paula Santos

Orientadora: Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras (Letras Vernáculas), Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.

No português brasileiro, o processo de alteamento que atinge as vogais médias átonas implementa-se em contexto postônico medial plenamente no que se refere à vogal posterior (abób/o/ra > abób[u]ra) mas encontra resistência no âmbito da vogal anterior (pêss/e/go > pêss[e]gu ~ pêss[i]gu). Câmara Jr (1977) e Wetzels (1992) defendem a assimetria no processo de neutralização que atinge, de um lado, as médias e altas posteriores /ç, o, u/ e, de outro, as médias anteriores /E, e/, o que acarreta um sistema de quatro fonemas – /i, e, a, u/. Bisol (2003) afirma que processo é simétrico com a flutuação entre dois sistemas, o de cinco vogais – /i e a o u/ – e o de três vogais – /i a u/ – típicos, respectivamente, dos contextos pretônico e postônico final. A pesquisa sociolinguística variacionista investigou o fenômeno nas fala culta e popular do Estado do Rio de Janeiro e da região de Lisboa, comparando amostras levantadas nas décadas de 1970 e 1980 e na primeira década de 2000, nas duas regiões. Os resultados indicam que, na fala fluminense, as vogais médias anteriores e posteriores estão em plena variação com as altas nas duas sincronias. O alteamento é praticamente categórico na fala espontânea de pessoas que estudaram até o Ensino Fundamental, mas é inibido no âmbito de /e/ com o aumento da escolaridade e do monitoramento do discurso, que foi controlado com a aplicação de um questionário e um teste de leitura. A observação pontual dos dados demonstrou que o fenômeno é lexicalmente restrito e pode ser implementado ou refreado no nível individual dos falantes fluminenses. Já na fala lisboeta, a redução das vogais é categórica em [ˆ, u], refletindo a proposta de muitos autores, especialmente Mateus & Andrade (2000), para o português europeu. Os resultados da fala fluminense, conjugados com outras pesquisas, levam à conclusão de que a instabilidade na implementação do alteamento no Brasil só existe no nível fonético, pela variação entre [e] e [i], e a mudança já está prevista no nível subjacente, que apresenta os fonemas /i a u/, à semelhança do contexto postônico final.

Palavras-chave: português brasileiro, português europeu, fonologia, Sociolinguística, vocalismo postônico não final, alteamento.

Page 11: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

ABSTRACT

VARIATION AND CHANGE ON POSTTONIC MEDIAL VOCALISM IN PORTUGUESE

Alessandra de Paula Santos

Supervisor: Prof. Dr. Silvia Figueiredo Brandão

Abstract of the PhD Thesis submitted to the Programa de Pós Graduação em Letras (Letras Vernáculas), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, as part of the requirements for the award of Doctor in Vernacular Letters (Portuguese Language).

In Brazilian Portuguese, the raising process that affects the unstressed mid vowels occurs in a posttonic medial context in relation to the back vowel (abób/o/ra > abób[u]ra), but finds resistance around the front vowel (pêss/e/go > pêss[e]gu ~ pêss[i]gu). Because of such difference, there is no agreement amongst phonologists as to the oppositions between mid and high vowels at phonological level. Câmara Jr. (1977) and Wetzels (1992) support the asymmetry in the neutralization process that affects, on the one hand, the mid-high and high vowels /ç, o, u/ and on the other hand, the mid-high vowels /E, e/, which results in a four-phoneme system – / i, e, a, u /. Bisol (2003) states that the process is symmetrical with a variation between the two systems, the one with five vowels – /i e a o u/ – and the other with three vowels – /i a u/, respectively typical in pretonic and posttonic contexts. The variationist sociolinguistics research investigated the phenomenon within the educated and popular speeches in Rio de Janeiro State and Lisbon region, comparing samples obtained in the 1970s and 1980s, and in the first decade of 2000s in both regions. The results show that within Rio de Janeiro State the mid-high front and back vowels are in variation, with the high vowels in both syncrhony. The raising is virtually categorical in spontaneous speech of people who reached up to primary education, but is inhibited under /e/ depending on the level of education and speech monitoring, which was controlled with a questionnaire and a reading test. A careful observation of the data has shown that the phenomenon is lexically restricted and can be implemented or restrained amongst speakers in Rio de Janeiro State. In the speech of Lisbon, the reduction of vowels is categorical in [ˆ, u], reflecting the proposal of many authors, especially Mateus & Andrade (2000) for European Portuguese. The results concerning the speech in Rio de Janeiro State in conjunction with other researches have lead to the conclusion that the instability in the implementation of raising in Brazil only exists at phonetic level with the variation between [e] and [i] and the change is already foreseen in the underlying level, which features the phonemes /i a u/, similar to the posttonic final context.

Keywords: Brazilian Portuguese, European Portuguese, phonology, sociolinguistics, non final posttonic vocalism; raising.

Page 12: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

RÉSUMÉ

VARIATION ET CHANGEMENT DANS LE VOCALISME POSTTONIQUE MÉDIAL EM PORTUGAIS.

Alessandra de Paula Santos

Directeur de Thèse: Professeur Silvia Figueiredo Brandão

Résumé de la Thèse de Doctorat présentée au Programa de Pós Graduação em

Letras (Letras Vernáculas), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, dans le cadre des exigences en vue de l’obtention du grade de Docteur en Lettres Vernaculaires (Langue Portugaise).

Dans le portugais brésilien, le processus d'élévation qui touche les voyelles moyennes atones est implémenté pleinement dans un contexte post-tonique médial en ce qui concerne la voyelle postérieure (abób/o/ra > abób[u]ra) mais trouve une résistance dans le contexte de la voyelle antérieure (pêss/e/go > pêss[e]gu ~ pêss[i]gu). Câmara Jr (1977) et Wetzels (1992) soutiennent cette asymétrie dans le processus de neutralisation touchant, d'un côté, les voyelles moyennes et hautes postérieures /ç, o, u/ et, d'un autre côté, les voyelles moyennes antérieures /E, e/, ce qui engendre un système à quatre phonèmes – /i, e, a, u/. Bisol (2003) affirme que ce processus est symétrique avec une fluctuation entre deux systèmes, celui de cinq voyelles – /i e a o u/ – et celui de trois voyelles /i a u/ typiques des contextes prétonique et post-tonique final, respectivement. La recherche sociolinguistique variationniste a étudié ce phénomène dans le parler standard et populaire et le parler populaire de l'État de Rio de Janeiro et de la région de Lisbonne, en comparant les échantillons prélevés dans les décennies 1970 et 1980 et dans la première décennie de 2000, dans les deux régions. Les résultats indiquent que, dans le parler de Rio de Janeiro, les voyelles moyennes antérieures et postérieures sont en pleine variation avec les voyelles hautes dans les deux synchronies. L'élévation de ces voyelles est pratiquement catégorique dans le parler familier des personnes ayant étudié jusqu'au niveau Fondamental » (qui équivaut au collège en France) mais inhibée dans le contexte de /e/ au fur et à mesure que le niveau d'éducation et la surveillance du discours augmentent, ce qui a été contrôlé par l'application d'un questionnaire et d'un test de lecture. L'observation ponctuelle des données a montré que ce phénomène est lexicalement restreint et peut être implémenté ou freiné au niveau individuel des locuteurs de Rio de Janeiro.. Par contre, dans le parler de Lisbonne, la réduction des voyelles est catégorique en [ˆ, u], reflétant la proposition de nombreux auteurs, notamment Mateus & Andrade (2000), pour le portugais européen. Les résultats de l’ analyse du parler de Rio de Janeiro, en combinaison avec d'autres recherches, conduisent à une conclusion selon laquelle l'instabilité dans l'implémentation de l'élévation de ces voyelles au Brésil n'existe qu'au niveau phonétique, par la variation entre [e] et [i], et ce changement est déjà prévu dans le niveau sous-jacent, qui présente les phonèmes /i a u/, semblablement au contexte post-tonique final.

Mots-clés: portugais brésilien, portugais européen, phonologie, sociolinguistique, vocalisme post-tonique non final, élévation.

Page 13: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

SUMÁRIO

ÍNDICE DE QUADROS E TABELAS ................................................................. 16

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 21

2. ASPECTOS DO VOCALISMO POSTÔNICO MEDIAL EM PORTUGUÊS .......................................................................................................... 24

2.1 A assimetria no português brasileiro .............................................................. 27

2.1.1 Evidências diacrônicas .................................................................................... 28

2.1.2 Evidências sincrônicas em alguns dialetos .................................................... 36

2.1.3 Na fala fluminense .......................................................................................... 40

2.1.4 Algumas questões ............................................................................................ 42

2.1.4.1 O problema da assimetria ............................................................................ 43

2.1.4.2 A questão da escolaridade ............................................................................ 43

2.2 A aparente regularidade no português europeu ............................................ 45

2.2.1 Entre os séculos XVII e XX ............................................................................ 46

2.2.2 Na atualidade .................................................................................................. 52

3. ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ............................................... 58

3.1 Princípios da Sociolinguística .......................................................................... 59

3.2 Princípios da Fonologia de Uso ........................................................................ 62

3.3 Procedimentos metodológicos .......................................................................... 70

3.3.1 Os corpora de modalidade oral ....................................................................... 73

3.3.1.1 As décadas de 1970 e 1980 ........................................................................... 75

3.3.1.2 A primeira década de 2000 .......................................................................... 77

3.3.2 Questionários e leitura de textos ..................................................................... 78

3.3.3 Variáveis .......................................................................................................... 82

3.3.3.1 A variável dependente .................................................................................. 82

3.3.3.2 Variáveis independentes ............................................................................... 84

3.3.4 Bases da análise qualitativa ............................................................................ 89

Page 14: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

4. ANÁLISE DOS DADOS ..................................................................................... 92

4.1 A variação na fala fluminense .......................................................................... 92

4.1.1 Corpora sociolinguísticos ................................................................................ 92

4.1.1.1 As décadas de 1970 e 1980 ........................................................................... 95

a. PEUL 80 ............................................................................................................... 95

b. APERJ .................................................................................................................. 96

c. NURC ................................................................................................................... 98

d. Análise das amostras dos anos 1970 e 1980 ...................................................... 102

4.1.1.2 A primeira década de 2000 .......................................................................... 106

a. PEUL 2000 ........................................................................................................... 106

b. Corpus Concordância ......................................................................................... 109

c. Análise das amostras dos anos 2000 .................................................................. 111

4.1.1.3 Comparação entre 1970/80 e anos 2000 ..................................................... 120

4.1.2 Questionários e leitura de textos ..................................................................... 126

4.1.2.1 Perguntas ...................................................................................................... 129

4.1.2.2 Figuras .......................................................................................................... 130

4.1.2.3 Leituras ......................................................................................................... 132

4.2. A regularidade na fala lisboeta ....................................................................... 135

4.2.1 A década de 1970: Corpus Português Fundamental ..................................... 136

4.2.2 A primeira década de 2000: Corpus Concordância ....................................... 140

4.2.3 Considerações sobre os corpora ..................................................................... 144

5. ANÁLISE DO LÉXICO ..................................................................................... 145

5.1 Questões de natureza lexical ............................................................................ 145

5.2 Sobre a frequência das proparoxítonas nos corpora ...................................... 150

5.3 Idiossincrasias na implementação do alteamento .......................................... 156

6. DISCUSSÃO TEÓRICA .................................................................................... 165

6.1 Sobre o português europeu ............................................................................... 165

6.2 Sobre o português brasileiro ............................................................................ 175

7. CONCLUSÃO ..................................................................................................... 186

Page 15: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

8. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 191

9. ANEXOS .............................................................................................................. 202

I. Informantes do NURC ........................................................................................ 203

II. Informantes do APERJ ..................................................................................... 204

III. Informantes do PEUL 80 ................................................................................. 205

IV. Informantes do PEUL 2000 ............................................................................. 206

V. Informantes do CONCORDÂNCIA RJ ........................................................... 207

VI. Informantes do CONCORDÂNCIA LIS ........................................................ 208

VII. Informantes do PORTUGUÊS FUNDAMENTAL ...................................... 209

VIII. Informantes do Questionário ........................................................................ 210

IX. Questionário - Perguntas ................................................................................. 211

X. Questionário - Figuras ....................................................................................... 214

XI. Teste de Leitura ................................................................................................ 225

XII. Lista das 134 proparoxítonas com vogal média postônica não final classificadas como pouco usuais. ............................................................................

226 XIII. Lista das 294 proparoxítonas com vogal média postônica não final classificadas como reconhecíveis ou técnicas. ....................................................... 227

Page 16: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

ÍNDICE DE QUADROS E TABELAS

QUADROS:

Quadro 1. O vocalismo do português brasileiro segundo Câmara Jr (1970). .......... 26

Quadro 2. O vocalismo postônico não final do português brasileiro segundo Bisol (2003). .......................................................................................................................

27

Quadro 3. Variantes das vogais /e/ e /o/ postônicas não finais controladas na análise estatística. ......................................................................................................

83

Quadro 4. Variáveis extralinguísticas controladas na análise estatística do português brasileiro. ..................................................................................................

85

Quadro 5. Variáveis linguísticas controladas na análise estatística do português brasileiro. ...................................................................................................................

87

Quadro 6. Realização da variante [e] por informante com nível fundamental de instrução – Década de 1980. .....................................................................................

157

Quadro 7. Dados de realização da vogal média /e/ postônica medial distribuídos pelas variáveis faixa etária X sexo dos falantes com nível médio da década de 2000. ..........................................................................................................................

159

Quadro 8. Realização da variante [e] por informante com nível médio de instrução – Década de 2000. .....................................................................................

160

Quadro 9. Dados de realização da vogal média /e/ postônica medial distribuídos pelas variáveis faixa etária X sexo dos falantes com Ensino Superior da década de 1970. ..........................................................................................................................

162

Quadro 10. Dados de realização da vogal média /e/ postônica medial distribuídos pelas variáveis faixa etária X sexo dos falantes cultos do corpus Concordância RJ – Década de 2000. .....................................................................................................

163

Quadro 11. Realização da variante [i] por informante com nível superior de instrução – Década de 2000. .....................................................................................

164

Quadro 12. Traços distintivos das vogais do português europeu. ........................... 168

Quadro 13. Regras de alternância vocálica [+ac] (acentuado) e [-ac] (não acentuado) no Português Europeu. ...........................................................................

169

Quadro 14. Regra de elevação das vogais átonas (26). ........................................... 170

Quadro 15. A neutralização da vogal postônica não final. ...................................... 178

Quadro 16. O vocalismo românico segundo Clements (1991). ............................... 179

Page 17: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

TABELAS:

Tabela 1. Fator condicionador do alteamento da vogal média anterior postônica medial em corpora de fala culta e popular (NURC e APERJ). ................................

41

Tabela 2. Distribuição das 1414 ocorrências de vogal média postônica medial por corpus sociolinguístico – Décadas de 1970/80. ........................................................

94

Tabela 3. Distribuição das 430 ocorrências de vogal média postônica medial por corpus sociolinguístico – Década de 2000. ..............................................................

94

Tabela 4. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus PEUL 80 (variedade popular) – Década de 1980. ....................................................

95

Tabela 5. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus APERJ (variedade popular) – Década de 70. ...........................................................

97

Tabela 6. Variáveis faixa etária e classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial no corpus APERJ (variedade popular) – Década de 70. .........................................................................................................................

97

Tabela 7. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus NURC (variedade culta) – Década de 70. .................................................................

99

Tabela 8. Variável faixa etária para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 70. .....................................

100

Tabela 9. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 70.......................................

101

Tabela 10. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80. ...........................................................................

102

Tabela 11. Índices gerais da concretização de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80. ................................................................

103

Tabela 12. Variáveis faixa etária e classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Décadas de 1970/80 ..

104

Tabela 13. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus PEUL 2000 (variedade popular) – Década de 2000. ................................................

107

Tabela 14. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais por nível de escolaridade no corpus PEUL 2000 (variedade popular) – Década de 2000. ...........

108

Tabela 15. Índices da variação da vogal média anterior postônica medial por localidade do corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000. ..........................................................................................................................

109

Page 18: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

Tabela 16. Índices da variação da vogal média posterior postônica medial por localidade do corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000. ..........................................................................................................................

109

Tabela 17. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000. ...........................

110

Tabela 18. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais por nível de escolaridade no corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000. ..........................................................................................................................

110

Tabela 19. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Década de 2000. ..................................................................................

111

Tabela 20. Índices gerais da concretização de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Década de 2000. ......................................................................

112

Tabela 21. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais por nível de escolaridade na fala popular fluminense – Década de 2000. ......................

113

Tabela 22. Variáveis faixa etária e classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala popular fluminense – Década de 2000. ..........................................................................................................................

114

Tabela 23. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala popular fluminense – Década de 2000. .............................

114

Tabela 24. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais na fala culta do corpus Concordância RJ – Década de 2000. ........................................................

116

Tabela 25. Variável classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 2000. ....................

116

Tabela 26. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 2000. .................................

117

Tabela 27. Variável faixa etária para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Década de 2000. ..........................................

119

Tabela 28. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Década de 2000. ..........................................

120

Tabela 29. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80. ..........................................................................

122

Tabela 30. Índices da concretização da vogal média anterior postônica medial nos corpora de fala da região metropolitana do Rio de Janeiro (variedades culta e popular) em duas sincronias. .....................................................................................

123

Page 19: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

Tabela 31. Fator condicionador do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – Décadas de 1970/80 e 2000. ..........................................................................................................................

125

Tabela 32. Distribuição das 1292 ocorrências de vogal média postônica medial nos Questionários e na Leitura. .................................................................................

126

Tabela 33. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial em dados de Questionários e Leituras. ...........................................................................

127

Tabela 34. Índices da realização da vogal média posterior postônica medial em dados de Questionários e Leituras. ...........................................................................

128

Tabela 35. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial por nível de escolaridade em respostas a perguntas do Questionário. ............................

129

Tabela 36. Índices da realização da vogal média posterior postônica medial por nível de escolaridade em respostas a perguntas do Questionário. ............................

130

Tabela 37. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial por nível de escolaridade em identificação de figuras do Questionário. .........................

131

Tabela 38. Índices da realização da vogal média posterior postônica medial por nível de escolaridade em identificação de figuras do Questionário. .........................

131

Tabela 39. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial por nível de escolaridade em leituras do Questionário. ...................................................

133

Tabela 40. Índices da realização da vogal média postônica medial /o/ por nível de escolaridade em leituras do Questionário. ................................................................

134

Tabela 41. Distribuição das 140 ocorrências de <e> e <o> postônicos mediais por corpus sociolinguístico da Região Metropolitana de Lisboa. ...................................

135

Tabela 42. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Português Fundamental Lisboa (variedades culta e popular) – Década de 1970. .....

137

Tabela 43. Dados de realização de <e> e <o> postônicos mediais distribuídos pelas variáveis sexo, faixa etária e escolaridade dos falantes do corpus Português Fundamental – Década de 1970. ..............................................................

139

Tabela 44. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Concordância Lisboa (variedades culta e popular) – Década de 2000. ....................

140

Tabela 45. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Concordância Oeiras (variedades culta e popular) – Década de 2000.......................

141

Tabela 46. Dados de realização de <e> e <o> postônicos mediais distribuídos pelas variáveis sexo, faixa etária e escolaridade dos falantes do corpus Concordância Oeiras – Década de 2000. ..................................................................

142

Page 20: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

Tabela 47. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Concordância Cacém (variedades culta e popular) – Década de 2000......................

142

Tabela 48. Dados de realização de <e> e <o> postônicos mediais distribuídos pelas variáveis sexo, faixa etária e escolaridade dos falantes do corpus Concordância Cacém – Década de 2000. .................................................................

143

Tabela 49. Vocábulos com vogal média anterior postônica medial por década de recolha. ......................................................................................................................

151

Tabela 50. Vocábulos com vogal média posterior postônica medial por década de recolha. ......................................................................................................................

152

Page 21: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

1. INTRODUÇÃO

Um dos principais processos de mudança que atingem o sistema fonológico do

português diz respeito à redução das sete vogais, /i e E, a, ç o u/, nos contextos átonos,

fenômeno que, com o passar do tempo, provoca perda de oposições fonológicas entre /i

e E/ e /ç o u/, a depender da posição em relação à sílaba tônica. Trabalhos que focalizam

o português na perspectiva diacrônica demonstram que as vogais médias sofreram

alteamento na sílaba postônica final (sed[i], ced[u]) desde o período medieval, o que

acarretou a redução do sistema para três vogais /i a u/ nessa posição, e que podiam

apresentar ligeiro fechamento na postônica medial (cér/e+/bro, árv/o+/re) antes do século

XVI, segundo alguns autores. Após sua implantação no Brasil, o português seguiu

diferentes caminhos. Na variedade europeia, ao longo dos séculos, o alteamento se

implementou em todo o vocalismo átono, que foi receptivo ainda a um novo segmento

[ˆ], resultante de posteriorização, enquanto o português brasileiro segue até os dias de

hoje apresentando variação entre médias e altas nas posições pretônica e postônica

medial. Dessa forma, comparar as duas variedades na sincronia atual pode contribuir

para compreender os fenômenos variáveis ainda atestados nas vogais do português

brasileiro que já foram estabilizados no português europeu.

Esta pesquisa de doutorado – que se baseia nos princípios teórico-metodológicos

da Sociolinguística Variacionista (LABOV, 1972, 1994; WEINREICH, LABOV &

HERZOG, 2006) e, complementarmente, nos da Fonologia de Uso (BYBEE, 2001,

2002) – investiga o contexto postônico não final na fala culta e na fala popular do

Estado do Rio de Janeiro, em comparação com o português europeu falado na região de

Lisboa. Nessa posição, própria dos vocábulos proparoxítonos, o processo de alteamento

atinge as vogais médias com graus diferentes de produtividade no português brasileiro:

a vogal posterior /o/, como em ép/o/ca, é mais sensível à redução para [u], sendo

praticamente categórico o seu alteamento, enquanto a vogal anterior /e/, como em

núm/e/ro, têm resistido a concretizar-se como [i].

Tal variação tem sido objeto de discussão no que se refere à constituição

fonológica do vocalismo nessa posição e sobre ele convém investigar se a vogal média

/e/ tende ao alteamento e a neutralizar-se com a alta /i/ ou se sua manutenção é estável

Page 22: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

22

em diferentes regiões. Parte-se aqui da hipótese de que os índices de alteamento

aumentam no período dos anos 1970 até os anos 2000, tornando-se produtivo em

quaisquer segmentos da comunidade de fala fluminense e demonstrando que a mudança

se encontra em fase final de implementação.

Em cumprimento ao principal objetivo deste trabalho, investigam-se amostras

sociolinguísticas de fala espontânea dos anos 1970/80 e dos anos 2000, levantadas nas

regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de Lisboa. Além disso, realiza-se uma

análise pontual do léxico levantado nessas amostras, em respeito aos aspectos peculiares

dos vocábulos proparoxítonos, que apresentam o padrão acentual menos produtivo no

português e se relacionam historicamente com o discurso técnico. O trabalho conta

ainda com uma investigação bibliográfica sobre estágios anteriores do vocalismo

postônico medial no Brasil e em Portugal e uma análise de questionários e de um teste

de leitura que foram aplicados a falantes cariocas com o intuito de registrar uma

quantidade maior de ocorrências das proparoxítonas com /e/ e /o/ postônicos mediais.

Por fim, realiza-se uma etapa de interpretação do vocalismo postônico final, através da

conjugação de trabalhos teóricos e empíricos que já abordaram o tema e os resultados

desta pesquisa.

O capítulo 2 retoma a explanação sobre os aspectos do vocalismo átono do

português, em especial a posição postônica medial, apresentando as principais pesquisas

sincrônicas e diacrônicas realizadas sobre o tema. Através da consideração de trabalhos

de cunho diacrônico, observam-se indícios de estágios anteriores do vocalismo do

português, especialmente após o século XVII, no Brasil e em Portugal, nos quais seja

possível vislumbrar a evolução da variação entre vogais médias e altas e a

implementação do alteamento nos últimos séculos, nos dois países.

O capítulo 3 traz os fundamentos teóricos e metodológicos que norteiam este

trabalho. O item 3.1 apresenta o aparato teórico da Sociolinguística Variacionista. O

item 3.2 considera os principais preceitos da Fonologia de Uso, que levarão à reflexão

sobre a constituição lexical das amostras levantadas. O item 3.3 elenca os corpora

sociolinguísticos brasileiros e portugueses considerados na investigação; explica os

métodos utilizados na aplicação dos questionários e da leitura; enumera as variáveis

controladas na análise multivariada; e resume as bases das análises qualitativas

realizadas na tese: a análise pontual dos dados de fala espontânea e a interpretação

Page 23: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

23

teórica do tema.

No capítulo 4, são apresentados os resultados encontrados nas falas fluminense e

lisboeta, nos itens 4.1 e 4.2, respectivamente. Os corpora de fala espontânea de cada

variedade do português são analisados estatisticamente, primeiramente, em cada corpus

levantado e, em seguida, comparando-se os corpora de cada década. O item 4.1 também

apresenta os resultados dos questionários e da leitura aplicados ao falantes cariocas.

O capítulo 5 parte dos princípios da Fonologia de Uso para refletir sobre a

constituição lexical das amostras sociolinguísticas levantadas e a possibilidade de

realizar o controle de types e tokens na fala dos informantes. O item 5.2 controla a

frequência das proparoxítonas levantadas nas entrevistas e suas características lexicais.

Por conta da restrição lexical observada nas amostras, desenvolve-se, no item 5.3, uma

observação pontual das entrevistas, em que se comentam aspectos idiossincráticos dos

falantes fluminenses.

No capítulo 6, empreende-se, por fim, um interpretação teórica do vocalismo

postônico medial em português, tomando-se como base, principalmente, os resultados

encontrados nesta pesquisa e, também, as informações angariadas na investigação

bibliográfica sincrônica e diacrônica sobre o vocalismo do português brasileiro e do

português europeu.

Page 24: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

24

2. ASPECTOS DO VOCALISMO POSTÔNICO MEDIAL EM PORTUGUÊS

Os sete fonemas vocálicos do português apresentam-se plenamente em contexto

tônico, mas sofrem reduções nas posições átonas, observando-se a atuação de um

subsistema em cada contexto de atonicidade, no português brasileiro (doravante PB), e

de um subsistema átono, aparentemente regular, no português europeu (doravante PE).

Essa distinção entre o vocalismo átono brasileiro e o português tem sido alvo de

discussão teórica, pois interessa compreender em que aspectos convergem e divergem

as regras fonológicas que atuam nas duas variedades.

O quadro completo, tônico, das vogais do português é regular e apresenta um

conjunto de sete elementos vocálicos em oposição: /i/, /e/, /E/, /a/, /ç/, /o/ e /u/. Por

outro lado, em vista da menor energia articulatória, a produção das vogais átonas é

enfraquecida e favorece o processo de alteamento – especialmente das vogais médias –

e a gradual perda de oposição dos traços de abertura. Em Portugal, simultaneamente ao

alteamento, atua também um processo de centralização das vogais anteriores.

No PB, os segmentos de articulação tanto anterior quanto posterior são atingidos

pelo alteamento. As vogais médias altas e médias baixas, por exemplo, opõem

significado em c/o/rte e c/ç/rte e em c/e/rco e c/E/rco, vocábulos em que são tônicas,

mas não em contexto pretônico, no qual estão em variação, como em s[o]lar e s[ç]lar e

em g[e]lar e g[E]lar.

Câmara Jr (1970), para quem, nas posições átonas, haveria um processo

gradativo de neutralização das vogais, destaca que a redução máxima das oposições

fonológicas ocorre na última posição do vocábulo. Conforme sintetiza Bisol (2003), os

subsistemas são simplificados com o alteamento gradual das vogais médias – [E, ç] > [e,

o] > [i, u] – que acompanha o enfraquecimento da tonicidade das sílabas pretônicas até

as postônicas, que são as mais fracas. Em poucas palavras, quanto menos tonicidade

tiver a sílaba, mais produtivo será o alteamento e mais simples o sistema vocálico.

No contexto pretônico, a neutralização ocorre com o traço de abertura que

diferencia as vogais médias altas e médias baixas, como se verifica no exemplo

anteriormente comentado. Igualam-se /e, E/ e /o, ç/, o que acarreta, respectivamente, os

arquifonemas /E, O/ (CÂMARA JR, 1970).

Page 25: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

25

O alteamento em sílabas pretônicas tem sido amplamente estudado no meio

acadêmico, segundo diferentes perspectivas teóricas. A concretização desses

arquifonemas como médias abertas ou fechadas está relacionada a fatores

extralinguísticos, como a região do falante, e linguísticos, como o traço de abertura da

vogal em sílaba tônica, em decorrência de harmonização vocálica (BISOL, 1981). Ao

lado da redução fonológica que atinge as médias pretônicas, esse contexto também

apresenta flutuação entre médias e altas, de forma não sistemática.

Quanto às posições postônicas, a átona final geralmente é considerada um

contexto de atonicidade máxima – e, portanto, mais passível de sofrer reduções –

embora, até hoje, os estudos de fonética apresentem diferentes opiniões sobre o caráter

da atonicidade postônica: Câmara Jr. (1977) iguala as sílabas postônicas, final e não

final, em nível de atonicidade, enquanto Leite (1974) defende que a sílaba postônica não

final é a mais átona entre as duas e, portanto, a mais favorável a reduções fonético-

fonológicas, como o apagamento, por exemplo.

Na sílaba final, evidencia-se o contraste de apenas três dos sete fonemas tônicos,

já que este contexto apresenta neutralização dos traços de abertura média e alta. A

distinção entre as vogais /ç, o, u/ e /e, E, i/ é perdida, formando-se os arquifonemas /I/ e

/U/ (CÂMARA JR, 1970). Assim, não opõem significado (cop[o] ~ cop[u]; red[e] ~

red[i]), como acontece na posição tônica.

Nesse contexto, a realização fonética acontece em favor das vogais altas, embora

os dialetos da Região Sul apresentem, ainda, de forma expressiva, as variantes médias

fechadas [e, o]. O trabalho de Vieira (1994) indica que questões de etnia, como a forte

influência de comunidades italianas, alemãs etc., têm retardado a implementação total

do subsistema de três vogais na região. Alguns contextos fonéticos também confirmam

a persistência da vogal média em sílabas átonas finais, não só em dialetos sulistas mas

em todo o PB, como nos casos de sílabas travadas pelas consoantes soantes: carát[e]r,

prót[o]n, móv[E]l.

O processo de alteamento atinge as sílabas postônicas não finais de forma

diversa da que se verifica em sílabas pretônicas e postônicas finais. Nestas posições,

segundo Câmara Jr, os traços de abertura são neutralizados de forma semelhante em

vogais anteriores e posteriores, enquanto nas átonas não finais existe assimetria na

Page 26: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

26

implementação do alteamento no âmbito dos fonemas /e/ e /o/, como se discutirá neste

capítulo.

No que tange às vogais posteriores, os trabalhos sobre o tema apresentam

consenso ao defender a neutralização entre as vogais posteriores, /o, ç, u/, mas

divergem na descrição do que ocorre com as anteriores. Para Câmara Jr, há, na sílaba

postônica não final, quatro fonemas: /i, E, a, U/, pois, para ele, o falante não realiza a

variação vésp[e]ra X *vésp[i]ra, como ocorre entre ép[o]ca ~ ép[u]ca:

Nas vogais médias não-finais depois de vogal tônica (a primeira postônica dos proparoxítonos) há a neutralização entre /o/ e /u/, mas não entre /e/ e /i/. (...) Ao contrário, há distinção entre /e/ e /i/, embora seja difícil encontrar pares opositivos mínimos (mas uma pronúncia */nú’miru/, em vez de /nu’meru/, para número, ou */tè’pedu/, em vez de /tè’pidu/, para tépido, é logo rechaçada). (CÂMARA JR, 1970: 43-44)

Como destaca Bisol (2003), a descrição de Câmara Jr reflete uma situação

assimétrica, que, segundo ela, não é natural, e esta questão levou a autora a postular que,

nessa posição, ora se implementariam cinco vogais – /i e a o u/ –, ora três – /i a u/ –,

típicas, respectivamente, dos contextos pretônico e postônico final.

Em resumo, duas interpretações das oposições fonológicas das vogais do PB

estão representadas nos quadros abaixo. A descrição de Câmara Jr (1970) está exposta

no Quadro 1 e, como não há unanimidade em aceitar sua interpretação das sílabas

postônicas não finais, acrescenta-se, ainda, a proposta de Bisol (2003) no Quadro 2:

Quadro 1. O vocalismo do português brasileiro segundo Câmara Jr (1970).

Tônico Pretônico

/i/ /u/ /e/ /o/ /E/ /ç/ /a/

/i/ /u/

/E/ /O/

/a/

Postônico Não Final Postônico Final

/i/ /U/

/E/

/a/

/I/ /U/

/a/

Page 27: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

27

Quadro 2. O vocalismo postônico não final do português brasileiro segundo Bisol (2003).

Vocalismo Postônico Não Final

/i/ /u/

/E/ /O/

/a/

/I/ /U/

/a/

As discussões sobre o contexto postônico não final serão explicitadas a seguir,

em que se apresentam os principais problemas a serem investigados nesta tese.

2.1 A assimetria no português brasileiro

Até há pouco tempo, antes de recentes estudos sociolinguísticos sobre o contexto

vocálico postônico não final no PB, pouquíssimos autores haviam se dedicado a

interpretar fonologicamente esse contexto vocálico.

No contexto postônico não final, atuariam, segundo Câmara Jr. (ratificado por

Wetzels, 1992), quatro segmentos – /i E a U/, proposta que foi comentada na seção

anterior. A descrição de Câmara Jr, pautada na observação da fala culta carioca, parte,

portanto, do princípio de que, nesse contexto, a série anterior não teria sofrido a redução

máxima verificada na série posterior. Ele afirma que em palavras como vért[e]bra,

cát[e]dra, vésp[e]ra o alteamento de /e/, resultando a articulação [i], não se verifica.

A interpretação do autor não foi desconsiderada até hoje, mas muito se tem

discutido sobre as oposições verdadeiramente em atuação para os falantes brasileiros

nessa posição. Deve-se atentar para o fato de que, para chegar a esse quadro, Câmara Jr.

(1970) tomou por base a variedade culta carioca da década de 401, concluindo, quanto

ao contexto postônico não final, que o processo de alteamento não atinge a vogal /e/.

Mas, em corpora da década de 70 (NURC-RJ e APERJ), uma geração após, já se

verificam várias realizações como cér[i]bro, indíg[i]na e vésp[i]ra (DE PAULA, 2010),

que estão presentes tanto na fala culta quanto na popular e não parecem causar

estranhamento ou ser estigmatizadas.

1 A informação consta da Nota Prévia em Câmara Jr. (1953).

Page 28: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

28

Bisol (2003) discute o caráter assimétrico do quadro mattosiano. Embora este

autor não tenha se preocupado com a instabilidade que tal dessemelhança representa,

Bisol destaca que a língua evita assimetrias e busca a regularização. Neste caso, isso

significa que o processo de alteamento tende a estender-se para a vogal /e/.

A autora afirma ainda que a constituição fisiológica da cavidade bucal pode ser a

explicação deste desequilíbrio. Ela atenta para o fato de que a distância entre os pontos

de articulação de [o] e [u] é menor do que a distância entre a articulação de [e] e [i] – o

que é ratificado por Naro (1973), como se verá adiante. Então, o alteamento de /o/ seria

precursor porque é motivado por uma questão fonética que diferencia o comportamento

das vogais anteriores e das posteriores, mas que não é estável no nível fonológico.

Para Bisol, a instabilidade verificada nas sílabas postônicas não finais só é

possível porque representa uma flutuação entre o quadro de três vogais postônicas finais

e o de cinco vogais pretônicas (descritos por Clements, 1991). Ou seja, nessa sílaba,

atuaria ora o quadro resultante da neutralização em contexto pretônico, ora o resultante

da neutralização em contexto postônico final. A autora aponta, para o português, a

tendência à simplificação em três elementos, /i a u/, o que tornaria o quadro regular.

Nas próximas seções, evidencia-se que a assimetria do contexto postônico não

final (considerada aqui o reflexo de uma instabilidade fonológica, de acordo com Bisol)

pode ser observada em outros estágios do português e ainda vigora na fala culta carioca

e em outros falares brasileiros. Para tanto, recorre-se a trabalhos que focalizaram o

vocalismo do ponto de vista histórico e nos quais se encontraram indícios de não

correspondência do comportamento de vogais médias e altas postônicas não finais

posteriores e anteriores (seção 2.1.1). Além disso, comentam-se os resultados gerais da

pesquisa desenvolvida por De Paula (2010) com base em corpora sociolinguísticos

representativos das variedades culta e popular da fala do Rio de Janeiro (seção 2.1.3) e

comentam-se outros estudos sobre o tema, relativos a outras áreas do país (seção 2.1.2).

2.1.1 Evidências diacrônicas

Observar estágios anteriores da atuação do alteamento das vogais médias em

contexto postônico não final ajudou a compreender a assimetria no processo de

Page 29: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

29

neutralização das vogais anteriores e das posteriores no PB, evidenciada na proposta

mattosiana. A observação de outras fases do vocalismo postônico não final, através dos

trabalhos diacrônicos de Carvalho (1969), Teyssier (1966) e Naro (1973), mostrou que

o processo de alteamento nesse contexto (i) já ocorria em português durante a

colonização do Brasil, mas não estabelecia vogais altas postônicas não finais e, sim,

vogais médias com um grau de oclusão mais acentuado; além de que (ii) era simétrico

nas vogais posteriores e anteriores.

Comparadas às atuais variedades do PB e do PE, que foram contrastadas em

Mateus & Andrade (2000), conclui-se que a assimetria é própria do português

brasileiro, ao menos de acordo com a impressão dos autores de que, aqui, a vogal média

anterior ainda se mantém, enquanto, em Portugal, é evidenciado também o alteamento

(além da posteriorização) de /e/ para [ˆ]. De qualquer forma, essas conclusões não

esclarecem o momento em que a distinção do comportamento de posteriores e anteriores

surge no Brasil. Naro, contudo, sugere uma explicação sobre o caráter da assimetria

que, hipoteticamente, pode justificar sua persistência no sistema do português brasileiro,

como se comenta nesta seção.

Teyssier (1966) e Carvalho (1969), com base nas primeiras gramáticas do

português, postulam que o quadro postônico não final apresentava, no século XVI,

oposição entre as vogais médias (/e/ e /o/) e as altas (/i/ e /u/), como ocorre no contexto

pretônico e não no postônico final.

Carvalho reconstrói o quadro vocálico da “sílaba postônica penúltima dos

proparoxítonos” dos séculos XVI-XVIII, organizado de forma “quadrangular”.

Observe-se que a projeção de Carvalho não estabelece nenhuma assimetria:

E A O

i u

O autor lembra que, com certeza, esse quadro não era o único, mas,

provavelmente, o mais generalizado. Ele prevê três séries de localização (anterior,

central e posterior), com dois elementos em cada um das séries externas e um na série

central; dois graus de abertura (fechado /i u/ e aberto /E O/). Defende a realização de /A/

como [å] (bárbaro, âmago, côncavo); a realização de /E/ como [e] (áspero, íngreme,

Page 30: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

30

sôfrego); a de /O/ como [o] (âncora, árvore, cômodo); e a de /i u/ como [i u] (pânico,

ângulo, capítulo).

Carvalho afirma que o inventário do sistema vocálico tônico e átono dessa época

seria provavelmente idêntico ao do português do século XVIII. Ele baseou-se nos

testemunhos dos gramáticos Fernão de Oliveira (1536) e João de Barros (1540) para

descrever o quadro vocálico do português do século XVI, e nos testemunhos de D. Luís

Caetano de Lima (1736) e Luís António Verney (1746, apud CARVALHO, 1969) para

descrever o quadro do século XVIII.

Carvalho considera, com base em Fernão de Oliveira, que, no século XVI, o

vocalismo do português era semelhante ao apresentado por Luís Caetano de Lima para o

século XVIII, sem alteamento nas sílabas átonas. Fernão de Oliveira distinguiu oito

vogais: “a grande” e “a pequeno”, “e grande” e “e pequeno”, “o grande” e “o pequeno”,

“i” e “u”. A nomenclatura utilizada por ele para “e/o grandes” e “e/o pequenos”

equivale à atual oposição entre “abertos” e “fechados”, respectivamente. O gramático

não se referiu especificamente ao contexto postônico não final, mas, para Carvalho, não

é possível deduzir no texto de sua gramática que [i] e [u] seriam as realizações dos

grafemas <e> e <o> no século XVI, nem mesmo nas sílabas postônicas finais.

Carvalho afirma que o /e/ era realizado fechado, no século XVIII, em

proparoxítonas como áspero e íngreme ou naquelas que apresentassem hiato como em

côdea, gávea, ceníleo. Quanto ao /o/, diz que tal vogal também era fechada em palavras

como árvore e âncora e nos hiatos légoa, égoa. Ele chega a transcrever o trecho em que

Caetano de Lima se refere à realização do /o/ fechado nas sílabas postônicas não finais:

“Algumas vezes sucede ser fechada a vogal o média, porque é breve a tal sílaba, como

em âncora, árvore, átomo, apóstolo, bácoro, cómodo, góndola, pérola, pólvora, rémora,

tábola, têmporas, vésporas, símbolo, sínodo” (apud CARVALHO, 1969: 91).

Para Carvalho, a descrição de Caetano de Lima para as vogais médias em hiato,

no século XVIII, não são completamente confiáveis, pois, dois séculos antes, já havia

indícios da redução dessas proparoxítonas em paroxítonas, por terem contexto

extremamente favorável ao ditongo. Entretanto, quanto às demais proparoxítonas,

Carvalho concorda com a descrição de Lima: a realização seria efetivamente [e o] e não

ainda [´ u] (vogais reduzidas do português europeu contemporâneo). Ele retoma o que

Caetano de Lima cita, na gramática, sobre erros dos portugueses na pronúncia das

Page 31: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

31

vogais do italiano: o gramático reparou que eles pronunciavam [i u] ao invés de [e o]

nas sílabas postônicas finais, mas não faz nenhuma ressalva à pronúncia das médias

postônicas não finais. Para Carvalho, se o erro existisse nessa posição átona, seria de se

esperar que Lima fizesse algum comentário.

São essas as observações de Carvalho que indicam que, até o século XVIII, as

vogais médias postônicas não finais, a anterior e a posterior, não sofriam alteamento em

português, apenas apresentavam igualmente um grau perceptível de fechamento, a ponto

de terem chamado a atenção do gramático Caetano de Lima. Sobre esse século,

Carvalho não faz comentários distintos sobre o PB e o PE.

Teyssier ateve-se à observação do vocalismo do século XVI, dando enfoque a

João de Barros. Como já foi dito, também descreveu um quadro postônico não final

simétrico, semelhante ao pretônico, opondo-se e e o pequenos a i e u. Ele não define,

com precisão, o ponto de articulação do e pequeno. Para o autor, este poderia ser desde

um [e] muito breve até uma vogal semelhante ao [´] do PE moderno (mais recuado). O

vocalismo postônico não final para ele se constituiria por A (central), pelas anteriores /E

i/ e pelas posteriores /O u/:

A

E O

i u

O que se destaca no trabalho de Teyssier é a observação de que a vogal alta

subjacente /i/ não podia ser trocada pela média /e/, pois esse fato pode demonstrar a

oposição entre elas. Ele observa que João de Barros opõe o grupo de proparoxítonas

com i (mędico, próximo, exército) e o grupo com e pequeno (óspede, próspero, gęnero),

pois nunca se encontra *próxemo, ou *óspide. Isso, segundo Teyssier, permite

constituir, teoricamente, o par mínimo curtíssemos X curtíssimos (verbo curtir na 1ª

pessoa do plural do pretérito imperfeito do subjuntivo X superlativo do adjetivo curto

no masculino plural).

As palavras de Teyssier sugerem haver a impossibilidade de /i/ postônico não

final virar [e] no PB atual. De acordo com sua colocação, embora o abaixamento

vocálico em sílabas postônicas não seja produtivo, teoricamente, representaria

Page 32: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

32

agramaticalidade o caso de *próx[e]mo (conforme a descrição do século XVI) ou ainda

de *ínt[e]mo ou *crít[e]co. Tal questionamento significa ponderar se a possibilidade de

passagem de /e/ para [i] (hósp[i]de) legitimaria fonologicamente também o caminho

inverso (troca da vogal alta pela baixa), demonstrando o processo de neutralização entre

as duas vogais.

Naro (1973) é outro autor que defende que /e o/ postônicos apresentavam um

ligeiro alçamento – [eÀ o À] – (diante de pausa) mas que não chegava a configurar vogais

altas como [i u]. Ele comparou as vogais médias no período anterior ao século XVI,

antes, portanto, do povoamento do Brasil, e no século XVI, durante a colonização. Seus

comentários, assim como os de Herculano de Carvalho e Teyssier, confirmam o que se

colocou em (i), no início desta seção: o alteamento em postônicas não finais já ocorria

em português durante a colonização, mas não estabelecia vogais altas e, sim, vogais

médias mais fechadas. Mas é a hipótese em (ii) que ganha destaque no trabalho de Naro:

esse alteamento era simétrico nas vogais posteriores e anteriores. Ele reflete sobre a

configuração da assimetria no quadro de vogais postônicas não finais, iniciada no

português até o século XVIII, e a sua motivação fonética.

Naro comparou três variedades do português (Brasil, Portugal e Ceilão) para

entender o momento em que as diferenças fonéticas que existem atualmente entre elas

foram estabelecidas (fenômeno da deriva). Para tanto, elaborou regras, segundo os

preceitos gerativistas, que pudessem explicar os estágios de mudança na realização das

vogais em cada variedade do português. Quanto às postônicas não finais, assim como os

outros trabalhos aqui investigados, suas regras apontam a existência de um quadro

simétrico no início do século XVI (período da implementação do português em

território brasileiro).

Quando, então, a assimetria se estabeleceria no contexto postônico não final do

português? Para ele, após o século XVI, esse contexto apresentou, tanto no Brasil

quanto em Portugal, alteamento apenas da vogal média posterior (a qual ele chama

“retraída”), o que configurou o quadro de quatro elementos (assimétrico). O fenômeno

de deriva no português colonial inclui, então, a assimetria no processo de alteamento

nas sílabas postônicas não finais e tem respaldo nas regras formuladas por esse autor.

Segundo ele, o processo de mudança (em Portugal e no Brasil) teria acontecido

com a implementação das seguintes regras (1973:51), em especial, 1 e 5:

Page 33: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

33

Portugal: 0’ > 1 > 2 Brasil 0’ > 1 (até 1820) (α’) > 4 > 5 (α’) > 4 > 5

O estágio 0’ é a configuração do português anterior à colonização, que

apresentava, como já foi comentado, na sílaba postônica não final, a realização de /E/ e

/O/ como [eÀ] e [o À], mais fechados, os quais seriam, portanto, simétricos até então. Mas,

a partir daí, o alteamento das átonas anterior /E/ e posterior /O/ aconteceria através de

regras diferentes em cada variedade do português, processadas em contextos e

momentos distintos.

A primeira regra fundamental nesse processo é aquela que implementaria o

alteamento total de /O/, no século XVI, nas sílabas postônicas, iniciando assim a

assimetria entre os contextos anterior e posterior. É a Regra 1 (1973:44):

(1) - baixo → [+ alto] / [+ acentuado] ... ___ ... # #

+ retraído (Leia-se: uma vogal média retraída torna-se alta, isto é, o torna-se u, postônico

dentro da palavra.)

A Regra 1 não é restrita à “posição final de palavra” mas se aplica à “pós-tônica

até o limite de palavra mais próximo”, o que, na concepção de Naro, se confirma na fala

padrão do Rio de Janeiro, em vocábulos como pérola, prólogo e época, nos quais a

pronúncia natural da penúltima vogal é [u] (p. 45). O autor destaca que a regra não se

aplica no Brasil na posição pretônica, onde essa vogal geralmente é [o], exceto em

contextos que promovem harmonização vocálica.

Outra regra proposta por Naro, que é fundamental para este trabalho, estabelece

que o alteamento de /e/ se processou apenas dois séculos depois e não no contexto

postônico não final, ratificando assim a assimetria entre as vogais anteriores e

posteriores no português. A regra 5 (p. 50), implementada até a segunda metade do

século XVIII, em Portugal, e até aproximadamente 1938, no Brasil, prevê o alteamento

de /e/ (“vogal média não retraída”) apenas nas sílabas limítrofes da palavra (início e

fim), mas não se aplica ao contexto medial – e em posição pretônica não inicial

(venerador) e postônica não final (número):

Page 34: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

34

(5) - retraído → [+ alto] / / # # ___

- baixo (Leia-se: uma vogal média não retraída torna-se alta, em início e fim de palavra.)

Naro alega que não se pode afirmar que haja alteamento de e no Brasil em

palavras como número, célebre e tráfego, da mesma forma que ocorre nas sílabas finais.

Para tanto, lembra que as Normas para a Língua Cantada, de 1938 (apud NARO,

1973), preveem a mudança o > u para todas as postônicas, o que inclui as não finais,

mas mostram a mudança e > i apenas em sílabas finais e iniciais, enquanto e não final

postônico é explicitamente um [e]. Ele não confirma esses comentários a respeito da

sílaba postônica não final para Portugal, por falta de fontes históricas equivalentes nessa

região. Assim, não fica evidenciado se a assimetria prevista pela Regra 5 também surgiu

em Portugal ou se, nessa época, o alteamento de /e/ já havia acontecido também na

posição não final.

O autor afirma que a diferença fonética relativamente pequena entre [u] e [o À], na

aplicação da Regra 1, não chegaria a ser muito significativa, mas, paralelamente, o

alteamento no âmbito de /E/ não seria natural devido à maior distância entre [i] e [eÀ].

Tal comentário vai ao encontro do que diz Bisol (2003) sobre a motivação fisiológica da

assimetria nesse quadro: a abertura da cavidade bucal é maior entre [e] e [i] e, portanto,

mais difícil de ser plenamente convertida em fechamento.

Em suma, o ponto importante, levantado por Naro sobre as vogais médias

átonas, é que, para a média posterior se tornar perceptivelmente indistinguível da alta

posterior, é necessário um grau de levantamento menor do que o necessário para fazer a

média anterior tornar-se indistinguível da alta anterior. Um indício claro disso é

verificado por Naro na comparação com outra língua, o espanhol. Os teatrólogos

espanhóis grafavam muitas vezes o [o À] galego com <u>, mas não grafavam o [eÀ] galego

com <i>. Isso demonstra que, diante da vogal desconhecida, os espanhóis associavam

[oÀ] a [u], mas não [eÀ] a [i]. Nas palavras do autor:

Page 35: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

35

O desenvolvimento do português posterior ao século XVI nos três continentes depende do fato de que um grau de levantamento relativamente menor é necessário na série retraída do que na série não-retraída para tornar as vogais médias perceptualmente indistinguíveis das vogais altas. A Isba Ùs§escu, por exemplo, frequentemente transcreve /o/ como [u] mas não /e/ como [i], e a prática dos teatrólogos espanhóis do século XVI é exatamente paralela. [...] Além disso, a diferença fonética relativamente pequena entre [u] e [o+] não chegaria a provocar admoestações. No caso de /e/, por outro lado, uma interpretação paralela não seria natural devido à maior distância entre [i] e [e +] (NARO, 1973:44).

Naro lembra que não necessariamente o uso do grafema <u> indica que a vogal

era plenamente alteada: como o [o À] galego era desconhecido pelos espanhóis e era

ligeiramente mais fechado do que a vogal usada por eles, os teatrólogos utilizavam o

grafema <u>, como ainda utilizam em peças modernas. Da mesma forma, o [eÀ] galego

era ligeiramente mais fechado, mas esses escritores não o associavam à vogal alta,

grafando-o ainda com <e> e demonstrando uma diferença perceptível e natural entre o

grau de abertura que existe entre vogais anteriores (maior) e o que existe entre vogais

posteriores (menor).

Assim, esse aspecto articulatório talvez tenha alguma relação com a assimetria

no processo de neutralização das médias postônicas não finais que ainda ocorre nos dias

de hoje no Brasil (pelo menos até a metade do século XX, de acordo com a análise de

Câmara Jr.). Segundo as considerações de Naro, o processo do alteamento, na qualidade

de um fenômeno fonético-articulatório, se aplicaria igualmente, tanto no âmbito da

vogal anterior /e/ quanto no da posterior /o/, de forma regular e natural. No caso da

primeira vogal, resultaria em um fone intermediário entre [e] e [i] – concretização

levemente alteada que não seria reconhecida pelos falantes como um fone diferente e

muito menos extrapolaria o limite fonológico de /i/. No caso de /o/, a mesma redução na

articulação seria o suficiente para que o falante realizasse [u], plenamente alto, e para

que, como consequência, os limites fonológicos entre os fonemas /o/ e /u/ não

existissem mais, implementando a neutralização entre eles.

Page 36: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

36

2.1.2 Evidências sincrônicas em alguns dialetos

Como visto, as constatações diacrônicas de Naro vão ao encontro do que propõe

Bisol (2003) sobre o vocalismo postônico não final no século atual. Segundo a autora, a

situação assimétrica apontada por Câmara Jr não seria natural na realidade fonológica

das línguas e tenderia a desfazer-se. Para ela, a variação em contexto postônico não

final, também no âmbito de /e/, poderia ser tomada “como indício de que se trata da

mesma regra que atinge a átona final, cujo contexto estaria se ampliando, como se o

sistema estivesse em busca da regularização” (p. 272). Apesar de postular a tendência

em favor de três vogais, /i a u/, a autora ressalta que, nesse contexto, enquanto o

alteamento de /o/ seria altamente produtivo, o processo de mudança de /e/ se processaria

de forma mais lenta, em ambos os casos por conta das questões de natureza fisiológica

já aventadas. Esta poderia ser, portanto, a causa da assimetria que vem perdurando ao

longo do tempo.

Nesta seção, focalizam-se as vogais médias em alguns dialetos do Brasil e, na

seção a seguir, na fala fluminense em particular (foco desta pesquisa), a partir de

trabalhos sociolinguísticos e outros trabalhos sincrônicos, nos quais essas vogais foram

amplamente analisadas. O objetivo desta revisão é que se possa melhor compreender a

assimetria que, segundo sugestão de Câmara Jr, se verificaria, no plano sincrônico, no

contexto postônico não final do PB.

Alguns estudos sobre as vogais médias postônicas não finais foram realizados

fora do Estado do Rio de Janeiro, mas, como são poucos os trabalhos sobre o tema,

ainda não é possível apreciar plenamente a assimetria desse contexto no PB.

Serão aqui apresentadas pesquisas em que estão representados dialetos dos

Estados do Sul, da cidade de Belo Horizonte e de São José do Rio Preto, às quais se

somam alguns trabalhos sobre o apagamento de vogais nessa posição que registram e

discutem a realização das vogais quando preservadas.

Silva (2006) e Magalhães & Silva (2011) chegam a registrar, ao lado do

alteamento, não apenas manutenção das médias na sílaba postônica não final mas

também um expressivo processo de abaixamento de [e] > [E] e [o] > [ç] na cidade de

Sapé, na Paraíba. Magalhães & Silva concluem ser um processo de assimilação

progressiva (c[ç]l[E]ra, ab[ç]b[ç]ra), que embora seja pouco comum no português, está

Page 37: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

37

relacionado com a excepcionalidade das proparoxítonas. Silva atribui o processo ao

estilo formal.

Vieira (1994, 2002, 2009) investigou as vogais médias átonas nas sílabas

postônicas e afirma, em 2002, que a assimetria do dialeto carioca na sílaba postônica

não final não se aplica aos dialetos do Sul. A autora parte da hipótese de que o

vocalismo átono do português é formado por cinco vogais, independentemente de qual

seja a sílaba não acentuada. As diferenças entre essas posições seriam uma questão de

frequência de uso: no Sul, por exemplo, a manutenção das médias seria significativa

tanto na articulação anterior como na posterior. A autora também considera que há

situações em que /o/ pode não altear, como nas palavras cóc[o]ras e ânc[o]ra, enquanto

em outros isso é possível (abób[u]ra, fósf[u]ro). Da mesma forma, haveria contextos em

que /e/ passaria a [i] (núm[i]ro, prót[i]se, cóc[i]gas) e outros em que se manteria

(vésp[e]ra, cát[e]dra, vért[e]bra). Para ela, tais possibilidades parecem indicar que o

ambiente fonético determina a elevação ou não da vogal.

A autora não mudou a sua visão desde 1994, quando, em sua dissertação de

mestrado, encontrou índices de alteamento neutros e semelhantes para ambas as vogais

médias postônicas não finais. A variável posição da sílaba indicou, na postônica não

final das proparoxítonas, peso relativo de .48 para o alteamento de /o/ (56% dos casos) e

de .47 para o alteamento de /e/ (13% dos casos). Vê-se percentualmente que a vogal

posterior tende a altear significativamente mais que a anterior também na Região Sul,

mas, em comparação com as outras posições átonas, os índices indicam que a sílaba

postônica não final atua indiferentemente para as duas.

Vieira afirma que: “conforme os dados estatísticos, a posição átona não-final

tende a portar-se como neutra em relação à elevação da vogal média. Este resultado para

a vogal /o/ é contrário ao descrito pela literatura para esta posição” (VIEIRA, 1994:68).

Em outros momentos, a autora é veemente ao afirmar que a proposta assimétrica

mattosiana não se aplica aos dialetos sulistas, mas admite que existe tendência à

elevação de /o/, comprovada pela literatura e legitimada pela extrema atonicidade da

posição:

Page 38: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

38

Espera-se, portanto, que a posição não final seja favorecedora da elevação de /o/, já que é considerada uma posição com baixíssima tonicidade. Estudos demonstram que dificilmente em posição postônica não-final, a vogal /o/ é realizada com plenitude. Em geral, em palavras do tipo abóbora e fósforo, a vogal /o/ postônica tende a elevar-se e a ser realizada como a labial /u/, mas em palavras como cócoras e fonólogo, esta tendência nem sempre se confirma. (VIEIRA, 1994:68-69)

Vieira (2002) realizou uma nova análise sociolinguística e chegou a resultados

que sugerem que o contexto fonético estaria relacionado ao alteamento na posição

postônica não final. O contexto precedente teria relação com o comportamento variável

de /e/ e /o/: a consoante labial favoreceria a elevação de /o/, segundo ela, provavelmente

por esses elementos compartilharem o traço de labialidade, e as fricativas s/z, o

alteamento de /e/, ao passo que outras consoantes coronais ajudam a preservá-la como

média. Os condicionamentos fonéticos apontados por Vieira, entretanto, no Rio de

Janeiro (DE PAULA, 2010) foram relacionados a determinados vocábulos frequentes na

fala fluminense, como se verá nesta tese, mas, como a manutenção das médias é uma

realidade mais evidente no Sul que no Rio de Janeiro, é provável que se verifiquem,

nessa região, comportamentos variáveis favorecidos por fatores linguísticos.

As pesquisas de Vieira indicam, em todas essas evidências, que o vocalismo

postônico não final dos estados do Sul não se assemelha ao proposto por Câmara Jr.

para o Rio de Janeiro. Nessa região, ele é simétrico e pode promover a neutralização

tanto entre as vogais anteriores /e/ e /i/ quanto entre as posteriores /o/ e /u/, a depender

do contexto fonético, ou ser preservado com ambas as vogais médias, caso não haja

favorecimento.

Bisol (2010), em seu artigo “A Simetria no Sistema Vocálico do Português

Brasileiro”, relaciona o processo fonológico de neutralização à simplicidade e à

simetria. Nesse artigo, que faz uma interpretação teórica do vocalismo átono do PB com

base nos resultados de Vieira (2002), novamente a autora defende que a assimetria

proposta por Câmara Jr para o contexto postônico não final na verdade é reflexo da

flutuação de dois quadros átonos, o de cinco elementos e o de três, que são simétricos.

Ademais, Bisol propõe que o vocalismo átono do português tende a apresentar

sistemas não marcados, que são simétricos e têm pouco elementos. Ao contrário, são

marcados sistemas assimétricos – como o possível quadro de quatro vogais postônicas

não finais – ou com muitos fonemas – como o quadro tônico de sete vogais. O menos

Page 39: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

39

marcado é o quadro de três vogais, /i a u/, que, segundo a autora, é o mais simples e

frequente nas línguas do mundo (2010:50). Ainda assim, admite que a pauta flutuante

simétrica possa manter-se ainda em variação por muito tempo, principalmente por

existirem muitas proparoxítonas “técnicas ou de sentido específico de uso raro na fala

popular” (2010:48). Isso pode ser uma barreira para a mudança efetiva nessa posição.

Com base em Martinet (1964, apud BISOL, 2010), Bisol explica que “dado um

sistema com o mesmo número de fonemas na série posterior e anterior, as margens de

segurança são mais estreitas na série posterior do que na série anterior, o que pode

explicar em parte a diferença de comportamento entre as duas séries” (2010:46). Mais

uma vez, interpretou-se que a diferença no alteamento de /e/ e de /o/ tem respaldo em

um comportamento variável com motivações fonéticas.

Em suma, mesmo admitindo as concessões que possam legitimar a variação e a

instabilidade nesse contexto, para Bisol, caso seja atestada a existência de um quadro de

quatro elementos, ele seria apenas a etapa de um processo em desenvolvimento. Dadas

as motivações apontadas por ela, esta etapa pode persistir por muito tempo, como é o

caso da harmonização vocálica nas silabas pretônicas.

Ribeiro (2007) estudou o fenômeno na cidade de Belo Horizonte propondo um

estudo baseado no léxico, embora tenha realizado paralelamente um controle

sociolinguístico. A autora também verificou um comportamento diferenciado entre a

vogal anterior e a posterior. Observando cada vocábulo proparoxítono pontualmente, ela

concluiu que “o caráter difusionista vem de realizações sempre alçadas como abób[u]ra

ao lado das não alçadas, como vésp[e]ra, ambas cercadas por consoantes oclusivas

bilabiais e a líquida vibrante” (p. 40).

Os casos categóricos encontrados foram de alteamento para a vogal /o/

(búss[u]la, côm[u]do, Justinóp[u]lis, íd[u]lo, semáf[u]ro, símb[u]los e síndr[u]mes) e de

manutenção de /e/ (adúlt[e]ro, câm[e]ra, crisânt[e]mo, gên[e]ro, gên[e]se, óp[e]ra,

pálp[e]bra, paralelepíp[e]do, út[e]ro e vért[e]bras), o que mostra que o alteamento é

produtivo no âmbito de /o/ e encontra resistência em relação a /e/.

Nos casos de variação, a análise sociolinguística empreendida demonstrou serem

favoráveis ao alteamento de /e/ as variáveis indivíduo, formalidade versus

informalidade, velocidade de fala e item lexical. Já para o alteamento de /o/, foram

apontadas como favoráveis indivíduo, item lexical e formalidade versus informalidade.

Page 40: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

40

À exceção da velocidade de fala (que também foi investigada em DE PAULA, 2010)

todas as variáveis selecionadas na análise de Ribeiro têm relação com fatores

extralinguísticos. Isso demonstra a relação estreita entre proparoxítonas, fatores sociais

e discurso.

Ramos (2009) demonstra que, no falar de São José do Rio Preto, o quadro

vocálico em posição postônica não final é de cinco vogais, tendo em vista que o

alçamento das médias apresenta caráter variável. Ela ressalta, entretanto, que se

observam indícios de mudança em progresso no que se refere à média posterior, que

tende a concretizar-se como [u], havendo, portanto, evidências de que se implementaria

nessa posição o quadro de quatro fonemas proposto por Câmara Jr.

No que se relaciona aos grupos de fatores que atuam para o alteamento das

médias em São José do Rio Preto, mostraram-se mais relevantes as variáveis consoante

precedente e consoante seguinte: consoantes com os traços [labial] e [dorsal] são as que

mais favorecem o alçamento da vogal /o/, enquanto as de traço [coronal], bem como /s/

e/ou /z/, consideradas em separado, são as que mais concorrem para o alçamento de /e/,

resultados semelhantes aos obtidos por Vieira (2002).

2.1.3 Na fala fluminense

A primeira etapa desta pesquisa, realizada em trabalho de investigação de

mestrado (DE PAULA, 2010), averiguou a variação na realização das vogais médias em

sílabas postônicas não finais, na fala culta e na fala popular do Estado do Rio de

Janeiro. O objetivo principal era descobrir se a vogal /e/, que tem retido o processo de

neutralização neste quadro, sustentando a assimetria apontada por Câmara Jr, mantém-

se na fala culta e/ou na fala popular fluminense, ou se os dados já indicam, nesta área

geográfica, a mudança sugerida por Bisol para o quadro de três elementos /i a u/.

Os resultados encontrados demonstram divergência no comportamento das duas

vogais, confirmando-se aspectos assimétricos desse contexto fonológico no dialeto

fluminense. A diferença no comportamento de /e/ e /o/ é motivada, em especial, por um

aspecto social, a escolaridade, como se verá detalhadamente nos capítulos a seguir.

Page 41: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

41

A comparação entre o corpus APERJ e o NURC, únicos que apresentaram

variação na realização de /e/, ao contrário do PEUL, que foi categórico no alteamento da

vogal, reforça o que foi apresentado até aqui. Sendo o primeiro representativo da fala

popular e o segundo, da fala culta, foi fundamental contrastar a forma como o

alteamento é implementado, no contexto da vogal anterior, em cada variedade e

observar os fatores que o motivam ou não, justificando a assimetria encontrada na fala

culta. Mas, entre todas as variáveis controladas, a única efetivamente selecionada na

rodada APERJ X NURC foi a escolaridade. A aplicação da regra teve peso relativo de

0.737 entre os falantes com baixa escolaridade (APERJ) e de apenas 0.052 entre os de

nível superior do NURC, conforme exposto na tabela abaixo:

Tabela 1. Fator condicionador do alteamento da vogal média anterior postônica medial em corpora de fala culta e popular (NURC e APERJ).

Variável escolaridade – Corpora NURC e APERJ Fator Oco % P. R.

Ensino Superior 19/87 21,8% 0.052 Até o Primário 229/245 93,5% 0.737

Signif.: 0.000 Input: 0.836 Fonte: DE PAULA (2010:102).

Entre os falantes não cultos, representantes de uma variedade em que pressões

normativas têm menos força, a mudança de /e/ para /i/ parece estar em estágio mais

avançado, implementando o alteamento simetricamente em ambas as vogais médias, o

que comprova tendência à regularização do quadro em três segmentos fonológicos, /i a

u/, e à eliminação da assimetria na fala fluminense.

Concluiu-se que o sistema vocálico átono mais simples, /i a u/, é o preferencial

entre os falantes pouco escolarizados do Rio de Janeiro já nessa época, em

contraposição à proposta mattosiana para o vocalismo postônico não final do PB, que é

assimétrica. No trabalho, fica claro que a simplificação em três vogais tende a estender-

se a todos os falantes do Estado, mas ainda não era uma realidade entre os falantes

cultos antes da década de 70, aqueles que foram alvo da descrição de Câmara Jr.

Entende-se, então, que a assimetria verificada entre os falantes do NURC representa

uma instabilidade transitória e não natural, nos termos de Bisol (2010), motivada por

um fator social, a escolaridade.

Page 42: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

42

Os dados investigados referem-se às décadas de 1970 e 1980, época da recolha

dos corpora NURC, APERJ e PEUL 80. Por isso, faz-se necessária a continuação da

pesquisa, em dados de fala da década atual, início do século XXI, para que se possa

verificar a persistência da assimetria ou a tendência de regularização em três fonemas a

favor das vogais altas. Assim, os resultados encontrados para os corpora de fala

fluminense na pesquisa realizada em 2010 serão rediscutidos com a ampliação dos

corpora considerados. Nas etapas desta tese, haverá a inclusão de dados do Projeto

Concordância RJ e PEUL 2000, recolhidos no início dos anos 2000.

2.1.4 Algumas questões

Colocam-se aqui algumas das principais questões a serem observadas no que

tange à constituição fonológica do vocalismo postônico não final na fala fluminense: o

caráter assimétrico da produção das vogais /e/ e /o/ e suas implicações fonológicas; e a

atuação de um fenômeno social nesse processo: a escolaridade.

2.1.4.1 O problema da assimetria

Os três trabalhos de cunho diacrônico comentados contribuem para melhor

compreender o processo de alteamento que atinge as vogais médias postônicas não

finais na atualidade. Eles demonstram haver, apenas a partir da época colonial,

diferenças de altura entre as médias posterior e anterior postônicas não finais, em função

dos aspectos articulatórios comentados: a percepção do /o/ reduzido seria facilmente

entendido como [u], enquanto a percepção de /e/ reduzido não seria associada a [i].

O trabalho de Naro (1973), em especial, apresentou uma possível origem para a

assimetria da neutralização nesse contexto. Para ele, a vogal média anterior sofreria, na

primeira metade do século XX (1938), alteamento no português, em sílabas iniciais e

finais de palavras, mas não em sílabas átonas não finais e não iniciais. Já a vogal média

posterior sofreria alteamento total, no século XVI, em todas as posições átonas.

Page 43: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

43

Os estudos que buscaram caracterizar o quadro vocálico do português em outras

sincronias e a observação da fala culta e popular do Estado do Rio de Janeiro, assim

como de dialetos de outras regiões do Brasil, demonstraram que as vogais médias /e/ e

/o/ em contexto postônico não final apresentam comportamento divergente quanto à

tendência ao alteamento. Ao longo do tempo, a vogal posterior vem se mostrando mais

suscetível à mudança, enquanto a anterior ainda resiste como média na maioria dos

dialetos, embora também seja sensível ao alçamento. Assim, a depender da variedade,

pode-se ter, em contexto postônico não final, um quadro fonológico simétrico – de

cinco (/i e a o u/) ou três (/i a u/) vogais –, ou um quadro assimétrico de quatro vogais (/i

e a u/), como o possível resultado de um processo de mudança que persistiu na

variedade culta carioca ao menos até a década de 70.

Bisol (2010), que volta a tratar a questão reafirmando a falta de naturalidade de

um quadro assimétrico e postônico, defende que há, em português, flutuação nessa

posição entre duas pautas reduzidas de vogais, aquela com cinco e aquela com três

elementos. Dadas as motivações, fonética e lexical, apontadas por ela, esta etapa pode

persistir por muito tempo, como é o caso da harmonização vocálica nas silabas

pretônicas.

Por tudo isso, mesmo que os dados de fala fluminense na década de 70 tenham

apresentado diferença significativa entre o comportamento de /e/ e /o/, espera-se que,

com o passar do tempo, a assimetria se encerre e o processo de redução se estabeleça a

favor de /i/. Esta hipótese é a que se investigará em dados das duas últimas décadas:

caso o quadro de três elementos ainda não esteja implementado entre os falantes cultos,

espera-se encontrar indícios de novos estágios desse processo de mudança.

2.1.4.2 A questão da escolaridade

A pesquisa sociolinguística realizada por De Paula (2010) demonstrou ser o

nível de escolaridade a variável mais saliente para a compreensão do que ocorre na fala

fluminense: enquanto, na variedade culta, ainda se mantém o quadro assimétrico,

sugerido por Câmara Jr para o Rio de Janeiro da década de 40, na variedade popular,

parece já se ter instaurado o quadro simétrico de três vogais. Não se pode esquecer, no

Page 44: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

44

entanto, de que o percentual de 21% de alteamento de /e/ é expressivo na variedade

culta e, aliado aos índices quase categóricos de alteamento em ambas as vogais na

variedade popular, sugere ser o registro de três vogais o preferencial para o contexto

postônico, seja ele final ou não final, como afirma Bisol.

A mudança para o quadro /i a u/ é, assim, uma tendência na fala fluminense em

geral e já uma realidade na fala popular. Pretende-se debater, sobre essa variedade, uma

hipótese, ainda não comprovada: o vocalismo postônico seria formado por três vogais

no Estado do Rio de Janeiro e, na sílaba não final, apenas a frequência de uso,

diferenciada entre os falantes não cultos e cultos, que de fato preferem manter a média

anterior, legitimaria a variação entre vogais médias e altas por questões normativas.

Para verificá-la, primeiramente será necessário considerar quem é o falante culto

do início do século XXI, foco desta pesquisa, em contraposição ao falante culto da

década de 70 (NURC-RJ), para os quais se encontraram os resultados comentados até

aqui. Com o aumento da oferta de vagas nas universidades e outros fatores que

promoveram a facilitação do ingresso às instituições de ensino públicas e particulares

nas últimas décadas – como o desenvolvimento da economia brasileira, a ampliação do

acesso à informação e aos bens culturais –, hoje os concluintes do Ensino Superior

podem apresentar perfis sociais muito diferentes de quarenta ou cinquenta anos atrás.

Como consequência, a noção de norma culta na sociedade atual não pode ser a

mesma noção do século passado, principalmente no que se refere ao prestígio social, e,

assim, os grupos sociais considerados nas pesquisas como representantes da fala culta e

da fala popular, por apresentarem ou não Ensino Superior, devem ser reavaliados no

contexto no século XXI. Ao mesmo tempo, nos termos de Preti (2003), a escolaridade

promove uma maior aproximação do falante com o texto escrito. No âmbito do tema

investigado neste trabalho, esse fator social pode ser claramente associado às

particularidades do grupo das proparoxítonas no português, que estão especialmente

relacionadas à modalidade escrita formal. Ainda assim, espera-se que a escolaridade do

falante não tenha, na primeira década do século XXI, o mesmo peso sobre a realização

das vogais médias postônicas não finais verificado no século XX, pois acredita-se que a

mudança esteja em fase final de implementação.

Page 45: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

45

2.2 A aparente regularidade no português europeu

A investigação do vocalismo átono do PE demonstra que as vogais postônicas

não finais não podem ser tratadas isoladamente das outras posições átonas, já que o

vocalismo átono dessa variedade atualmente apresenta características similares em todas

as posições, sejam elas pretônicas ou postônicas. Sem fazer afirmações categóricas e

simplistas sobre o vocalismo do PE contemporâneo – principalmente porque são raros

os trabalhos que se propuseram a investigar a variação nas diferentes posições átonas –

é possível atestar, por outro lado, com a observação de diversos trabalhos descritivos

sobre o tema, uma grande similaridade no tratamento dado às vogais átonas,

principalmente nas duas posições postônicas. A sílaba postônica não final, foco desta

investigação, raramente recebe dos autores comentários diferenciados dos da postônica

final. Mesmo quando citadas, não são apontadas características específicas dessa

posição. Em alguns trabalhos, o quadro vocálico não final é atestado apenas com

exemplos que congregam, no mesmo rol, proparoxítonas e paroxítonas.

Em linhas gerais, o PB apresenta ainda expressiva variação na realização das

vogais médias /E, e, ç, o/ em posições átonas, enquanto no atual estágio do PE está

estabilizado o alteamento dessas vogais em [ˆ] e [u] (com raríssimos casos de

manutenção das médias, o que se se concentra principalmente no contexto pretônico),

ao lado de produtivo processo de apagamento. Como dito, de forma geral, os trabalhos

sincrônicos sobre o PE defendem que a redução nos contextos átonos existe hoje

indistintamente em todas as posições e isso pode ser tomado em conjugação com o que

está descrito nos trabalhos diacrônicos para que se compreendam os diferentes

processos de mudança sofridos pelas variedades brasileira e europeia do português após

o século XVI.

O comportamento similar nas sílabas átonas do PE atual é consequência de um

processo de redução vocálica que vem sendo observado desde antes do período colonial

e que, após a implantação do português no Brasil, seguiu diferentes caminhos nas duas

variedades, conforme já comentado. Observar como mudou o sistema do PE nos

últimos séculos auxilia a compreensão do processo de mudança pelo qual o PB passa

atualmente. Além disso, comparar as duas variedades na sincronia atual pode ajudar a

melhor esclarecer os fenômenos variáveis ainda atestados nas vogais do PB que já

Page 46: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

46

foram estabilizados no PE e a refletir se, na primeira variedade, existe tendência de que

os quadros átonos se estabilizem, a exemplo da segunda, ou se a variação pode persistir

por ainda muito tempo.

Neste capítulo, pretende-se dar um passo nesse sentido, buscando compreender

um pouco melhor os fenômenos sofridos pelas vogais átonas portuguesas desde o

período da colonização do Brasil até os dias de hoje. Assim, investigam-se, em

trabalhos de cunho diacrônico, indícios de estágios anteriores do vocalismo do PE, nos

quais seja possível vislumbrar a variação entre vogais médias e altas postônicas mediais

e a fase final de implementação da mudança que tal variedade sofreu.

2.2.1 Entre os séculos XVII e XX

De acordo com o que foi discutido até aqui, é importante lembrar que o

alteamento de /o/ na sílaba postônica não final ocorreu no português já no século XVI,

conforme defende Naro (1973), mas, paralelamente, a resistência de /e/ é observável até

hoje no Brasil (pelo menos no nível fonético, em percentuais relevantes de realização de

[e]), enquanto em Portugal a realização como [ˆ] suplantou a vogal média anterior quase

categoricamente. Por outro lado, Naro não pôde afirmar se houve ou não alteamento da

vogal anterior em período anterior ao século XX em Portugal.

Um dos grandes desafios da investigação dessa mudança é a falta de fontes

posteriores ao século XVI e anteriores ao século XIX que ajudem a delimitar

historicamente quando se iniciou e quando se concluiu a implementação total do

alteamento e da posteriorização de /e/ em Portugal. Se a imprecisão histórica da

regularização da redução das vogais átonas no PE é uma dificuldade para quem se

dedica ao estudo do vocalismo do português, a incógnita é ainda maior quando se trata

da posição postônica não final e da observação de vocábulos proparoxítonos.

Marquilhas (2003a), que tem se dedicado ao estudo de fenômenos do português

em fontes produzidas por mãos inábeis especialmente no período citado, destaca que

Page 47: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

47

está generalizada a convicção de que o caso brasileiro continua uma fonologia que era a portuguesa quinhentista, até porque os crioulos africanos de base portuguesa vêm arrumar-se ao lado do português do Brasil na manifestação do fenómeno da harmonização vocálica e na insubmissão à regra geral da redução. (MARQUILHAS, 2003a:1-2)

Obviamente, a autora está atenta aos progressivos processos de redução que o

PB tem sofrido desde a colonização, mas constata o fato de que ainda hoje é possível

encontrar no Brasil variantes conservadoras do vocalismo átono quinhentista.

Sobre o PE, Marquilhas aborda o processo de alteamento que atinge as sílabas

pretônicas do PE sem negligenciar os demais contextos átonos, que passam pelo mesmo

processo nessa variedade da língua. Ela sublinha e defende quatro fatores fundamentais

para a compreensão das mudanças sofridas pelo vocalismo pretônico, os quais também

ajudam a compreender os contextos postônicos: (i) o português antigo já apresentava

variação na realização das médias pretônicas porque algumas médias podiam se

harmonizar com o timbre alto da vogal seguinte; (ii) a redução geral do vocalismo

pretônico só pôde ser reconhecida com certeza “já está bem andado o século XVIII”

(2003a:2); (iii) “uma redução que hoje se apresenta sistematicamente integrada na do

vocalismo pretónico do português europeu é a das vogais átonas finais (e postónicas, no

caso das formas proparoxítonas)” (2003a:2-3); e (iv) é relevante o número de vocábulos

do PE atual em que as vogais pretônicas não se submetem à regra de redução.

Marquilhas defende que a mudança nas sílabas átonas, inclusive na não final, é o

resultado de uma mudança analógica que teve como estopim o alteamento nas sílabas

átonas finais – fenômeno que já ocorria em época medieval. Para Marquilhas, o item

(iv), a manutenção de vogais médias pretônicas em neologismos no PE, é indício dessa

hipótese, pois esta mudança, segundo a autora, acontece termo a termo e é lenta e

gradual, como já defendeu Kiparsky (1995), a ponto de ainda não alcançar hoje

vocábulos novos inseridos no PE: t[E]l[E]móvel, a contrapartida de t[ˆ]l[ˆ]visão e

t[ˆ]l[ˆ]fone, que já passaram por ele. Tal argumento, entretanto, não pode ser encarado

como um indício, visto que a maioria desses casos envolve formações compostas por

mais de um radical: telemóvel. Tais vocábulos, por serem recentes, ainda podem ser

Page 48: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

48

interpretados dessa forma pelo falante, que lhes atribuiria um acento secundário, ao

contrário do que ocorre com termos já cristalizados, como telefone e televisão2.

De qualquer forma, através da conjugação dos fatos apresentados, Marquilhas

defende que a regularização da redução das átonas no PE ocorreu através de mudança

analógica, num processo em que a harmonização de vogais pretônicas – que, como dito,

era atestado já no português quinhentista – por analogia foi reanalisado como o processo

de elevação próprio das átonas finais e expandido para os outros contextos átonos, entre

eles o postônico não final.

A autora defende que, nos séculos XV e XVI, muitas palavras passaram a

apresentar vogais médias alteadas, fazendo com que coincidissem, então, termos em que

o /i/ pretónico já era subjacente, por motivos diversos, com termos que sofriam

harmonização vocálica. Essa realização inovadora das vogais médias pretônicas,

frequentemente com o traço alto, sincronizou-se articulatoriamente com a realização

alta já consagrada das átonas finais. Marquilhas defende que ambos os fenômenos

foram associados por analogia pelos falantes do PE ao traço prosódico que as duas

sílabas têm em comum: a atonicidade; e as diferentes motivações que o alteamento teve

foram neutralizadas na língua. Nas palavras da autora:

por reanálise do contexto átono final e do pretónico como contextos prosódicos simplesmente não acentuados, com vogais de duração inerentemente breve, puderam simplificar-se as regras que lhes aplicavam processos de elevação. (MARQUILHAS:2003a:5)

Por fim, conclui a autora que a regra de alteamento, previsível no contexto átono

final, foi se estendendo de forma casuística a todas as outras posições não acentuadas:

“O fenómeno ter-se-á então generalizado a todas as inacentuadas, mesmo as postónicas,

mas ao ritmo lento e à escala descontínua da analogia” (2003a:5). Com o termo

postônicas, a autora mais uma vez refere-se especificamente às sílabas postônicas não

finais.

Os motivos que principiaram a posteriorização do /e/ átono são obviamente

ainda mais obscuros que a sua datação. Marquilhas (2003b), entretanto, sugere que um

processo de dissimilação datado em documentos dos séculos XV e XVI (relegíosa,

2 Esta observação foi feita pela Professora Maria Antónia Mota, da Universidade de Lisboa, em contato pessoal.

Page 49: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

49

relegioso, relegiosos, relegioso, rellegiosas) pode ter relação com o surgimento do

schwa [ˆ]. Ela afirma: “Estou aqui a assumir que esta dissimilação se deu apenas no

sentido velar, ganhando a vogal dissimilada o traço [+rec]; terá havido, portanto, a

aplicação de uma regra responsável pela realização de schwa”. Segundo ela,

paralelamente ao alteamento total das médias pretônicas, a dissimilação pôde continuar

agindo porque ocorre através de posteriorização e não de alteamento.

Ainda quanto à posteriorização para [ˆ], Marquilhas (1996) lembra que o schwa

é um som que não tem um correspondente gráfico especial e defende que a dificuldade

de se identificar na escrita a mudança /E, e/ > [ˆ] – ao tempo em que existe uma tradução

alfabética <u> para o alteamento /ç, o/ > [u] – tenha levado os investigadores,

especialmente Teyssier (1982), a concluir que o vocalismo anterior tenha se alteado

mais tardiamente que o posterior. Assim, este autor aponta datas diferentes para o

alteamento de /e/ e /o/ pretônicos: século XVII para /o/ e final do século XVIII para /e/,

proposta semelhante à de Naro.

Marquilhas (1996; 2003b) questiona e rebate a proposta de Teyssier

argumentando com dados produzidos por mãos inábeis (MARQUILHAS, 1996) que

indicam a redução e o possível apagamento de /e/ já no século XVII. Isso anteciparia

para um século antes a atestação do processo de alteamento das pretônicas e postônicas.

Observe-se o que diz Marquilhas (2003b):

O autor deste texto, de proveniência meridional (Portel), parece atribuir isomorfismo a esteragado, por exemplo, e a Caterina. Das duas uma: ou sincopava a pretónica desta última forma, articulando [kα’trinα], ao mesmo tempo que conservava o grupo consonântico de estragado, ou introduzia no grupo consonântico com vibrante, ao soletrá-lo, um [∂] epentético, vogal semelhante ao resultado da elevação do [e] pretónico da segunda sílaba de Caterina. (...) O recurso ao valor alto ou vazio de <e> não se limita todavia à transcrição de sílabas pretónicas. Nas postónicas reencontram-se exemplos paralelos aos mencionados, saídos quer de mão centro-meridional, Cõtera, outeras (Anexos III, Doc. II, Portel), foremos, seremos (Doc. XV, Lisboa), auisaremos (Setúbal), quer de mão setentrional, Coimbera (Doc. V, Vilar - Lamego). Para a posição final, contudo, já só se encontram formas com este emprego do <e> em textos da região centro-meridional: tangere (Doc. XII, Lisboa), martire (Lisboa) e alcasere (Doc. XIV, Alcácer do Sal). (...) Tomadas globalmente, o que estas formas das mãos inábeis parecem atestar é um estado de elevação do vocalismo átono, idêntico ao que hoje se observa nos dialectos do português europeu”3 (MARQUILHAS, 2003b: sem pág./digital)

3 Marquilhas usa o símbolo [∂] para representar [ˆ].

Page 50: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

50

Os dados mostram a epêntese/paragoge da vogal e próxima a -r em todas as

posições átonas: esteragado, outera, tangere. Tais erros, como aponta a autora, podem

indicar a produtividade de uma correspondência vazia ou de um schwa nesses contextos

e ambos os casos são sinais de que o vocalismo anterior já sofria alteamento e queda.

A mudança que Marquilhas justifica como um processo de analogia, Naro

(1973) coloca como a extensão natural, no PE, de algumas regras já existentes antes da

transposição do português para o Brasil. Embora o foco desse autor não sejam os

últimos estágios de mudança sofridos pelo PE, ele propõe algumas mudanças ocorridas

na Europa, mas não no Brasil, após o século XVI. Segundo ele, a Regra 1 – que, como

explicado no item anterior, reduz a vogal posterior em todas as sílabas postônicas no

português – generalizou-se em Portugal para o contexto pretônico, em algum momento

de delimitação imprecisa, estabelecendo a Regra 2 (p.46):

(2) - baixo → [+ alto] // [+ acentuado] ... ––– ... # #

+ retraído (Leia-se: uma vogal média retraída torna-se alta, isto é, o torna-se u, tanto na

posição pretônica quanto na postônica.)

Com base nas considerações de Lindau (1813, apud NARO, 1973), ele sugere o

final do século XVIII e início do XIX como o período possível de implementação dessa

regra no PE. Lindau contrasta, na época citada, dois tipos de vogais médias, as claras e

as escuras, e apresenta exemplos de o tônicos – formóso e pó (form[o]so e p[ç]) –, que

são claros – e o átonos – Dunatu (D[u]nat[u]) –, que são escuros. Para a vogal anterior,

entretanto, ele só apresenta o e escuro no final das palavras, demonstrando que a

redução ainda não havia atingido esse contexto, paralelamente ao contexto posterior.

Sobre a vogal anterior, Naro apresenta regras opcionais para o seu alteamento na

sílaba pretônica. A única que se generalizou, em todos os continentes, segundo ele, foi a

regra α’, que previa a nasalização de /e/ pretônico em início de palavra e posteriormente

perdeu o traço de nasalidade, ocasionando apenas o alteamento como resultado (p. 48):

Page 51: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

51

(4) - retraído → [+ alto] / # # ––––––

- baixo (Leia-se: uma vogal média não-retraída torna-se alta em posição inicial de

palavra.)

Segundo Naro, essa regra era um “uso sistemático” também no Brasil, de acordo

com as Normas de 1938.

As evidências de Naro sobre a mudança da vogal anterior átona no PE após o

século XVI encerram-se na sílaba pretônica. O autor diz que não existem dados

suficientes para tirar conclusões sobre a realização de /e/ em contexto postônico não

final em Portugal, ao contrário do que se encontra sobre o Brasil nas Normas para a

Língua Cantada. Da mesma forma, o autor afirma que as “vogais não-baixas não-

acentuadas” do PE sofreram uma redução geral para [´,uÙ], mas também não se

compromete em explicar as circunstâncias em que essa generalização ocorreu na

Europa.

Embora o período histórico em foco nessa seção não seja claro quanto à variação

vocálica do PE, existem indícios de que as variantes inovadoras [ˆ, u] e mesmo o

apagamento já eram produtivos em todos os contextos átonos desde o século XVII,

segundo as pesquisas de Marquilhas. Por outro lado, o marco indubitável do alteamento

regular das pretônicas /e, o/ seria o final do século XVIII, no testemunho de Teyssier.

Os dados sugerem que a regularização das átonas aconteceu paralelamente nas sílabas

pretônicas e postônicas não finais, mas essa hipótese dificilmente será esclarecida por

conta da escassez de registros de proparoxítonas nas fontes disponíveis. Entretanto,

como se verá a seguir no testemunho de Gonçalves Viana para o final do século XIX,

nesse período ainda coexistiam variantes médias altas na posição átona que aqui se

investiga, assim como em muitos contextos pretônicos. Por mais que não sejam

inquestionáveis, os indícios apontam que a regularização do vocalismo átono português

com a redução das médias a [ˆ, u] ocorreu muito recentemente.

Page 52: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

52

2.2.2 Na atualidade

Como já foi dito, é consensual, nas descrições do sistema fonológico do PE

contemporâneo, que o vocalismo átono dessa variedade apresenta grande regularidade

fonética nas posições não acentuadas, com realização geral de quatro segmentos átonos

– [ˆ, i, å, u] – em qualquer posição, diferentemente do que ocorre no PB. Tal descrição

está claramente exposta em Mateus & Andrade (2000), mas também pode ser

encontrada em outros trabalhos que, eventualmente, especificam a sílaba postônica não

final, focalizada nesta pesquisa.

O trabalho de Mateus & Andrade indica a redução total de /e/ no PE

contemporâneo. Os autores preveem diferenças na concretização de /e/ nos dois

continentes, ao mesmo tempo em que assinalam convergência na concretização de /o/:

Português Europeu Português Brasileiro

[u] pérola [pE@R uuuu l å] [u] pérola [pE@R uuuu l å]

[ˆ] cérebro [s E@R ˆ̂̂̂bRU] [e] cérebro [s E@R eeee bRU]

Em um contexto de ausência de trabalhos sociolinguísticos que investiguem esse

e outros contextos átonos do PE, Mateus (1996c; 2001) apresenta um panorama dos

estudos sobre a língua portuguesa e debate as limitações das descrições feitas até então,

em comparação com outras línguas do mundo, ressaltando a importância do

desenvolvimento de pesquisas que se debrucem sobre o português em suas diversas

variedades. Mateus (2001) faz uma revisão dos estudos fonéticos já realizados sobre o

PE, desde as primeiras descrições fonéticas – atestadas na primeira gramática do

português, de Fernão de Oliveira (1536) – e a primeira descrição em conjunto do

sistema fonético do português – o de Gonçalves Viana (1883). O artigo destaca também

o papel fundamental das gramáticas históricas: “a partir do início do século 20 a

influência dos neogramáticos reconhece-se no surgimento de gramáticas históricas, hoje

clássicas, como as de José Joaquim Nunes e de Edwin Williams4, em que a

fonética/fonologia da língua portuguesa são tratadas na sua evolução histórica”

(2001:58-59). 4 Nunes (1919) e Williams (1938).

Page 53: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

53

Essas fontes foram base para trabalhos mais específicos de fonética ao longo do

século XX, com foco especialmente nos dialetos (que resultaram nos ricos testemunhos

geolinguísticos do PE que existem hoje), seguidos, a partir da década de 50, do

desenvolvimento de um interesse por descrições do português contemporâneo no

âmbito da fonética acústica, e de uma preocupação com a interpretação linguística.

A primeira descrição do sistema fonológico do PE numa perspectiva

estruturalista, segundo Mateus, é de Jorge de Morais Barbosa (1965). No final da

década de 60, começaram a ser desenvolvidos os trabalhos no âmbito da fonologia

gerativa que até hoje estão em destaque nos estudos do PE contemporâneo.

Além de Mateus & Andrade (2000), outros trabalhos, como os de Gonçalves

Viana (1892), Guimarães (1927), Delgado-Martins (1975), Mateus & Delgado-Martins

(1982), Emiliano (2009), Ploae-Hanganu (1981), Barbosa (1988), Rodrigues (2001) –

que contrastou os dialetos de Lisboa e Braga – e Andrade (1996) – especificamente

voltada para o [ˆ], “e mudo” – apresentam descrições fonéticas das vogais portuguesas.

Em todos, é consensual que o vocalismo átono dessa variedade apresenta grande

regularidade fonética nas posições não acentuadas, com realização geral de quatro

segmentos átonos – [ˆ, i, å, u] – em qualquer posição.

Emiliano (2009) apresenta uma proposta de transcrição fonética para o PE

standart, com base na pronúncia culta de Lisboa, apresentando quatro segmentos

átonos, [i, ˆ, å, u], sem diferenciar os contextos átonos. Entretanto, ele exemplifica as

vogais na posição postônica não final: <i>: tráfico [»t Raf i ku] (p. 196); <e>: cárcere

[»kaRs ˆ Rˆ], célere [»s E… ˆ Rˆ], tráfego [»t Raf ˆ gu] (p. 198); <a>: ábaco [»ab åku], álamo

[»a… åm u] (p. 200); <o>: monótono [m u»nçt unu] (p. 201): <u>: lúgubre [»l ugubRˆ] (p.

202); demonstrando assim que sua proposta também se estende para esse contexto

específico.

Ploae-Hanganu (1981) discute aspectos fonéticos do vocalismo português,

revisando as propostas de autores como Lüdke (1952, apud PLOAE-HANGANU,

1981), Barbosa (1965), Viana (1892) e outros, e também faz a sua descrição. A autora

debruça-se brevemente sobre a sílaba postônica não final e prevê quatro vogais para

essa posição, tanto no PE quanto no PB: “Em posição átona não final, mas depois de

acento o número das vogais torna-se mais pequeno tanto no Brasil como no PE. Elas

Page 54: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

54

são quatro: [i, e (´ - para o português de Portugal), α, u]”5 (p. 56). A diferença apontada

entre o quadro das duas variedades, mais uma vez, é a realização de [e] no Brasil e de

[´] em Portugal. Ploae-Hangaru exemplifica com: [α]: sábado [»s abαdu], lâmpada

[»lα)pαdα], plátano [»pl atαnu]; [´]: número [»num ´Ru]; [i]: pálido [»pal i du]; [u]: pérola

[»pERulα].

Barbosa (1988) propôs-se a comparar as descrições para a pronúncia do

português do final do século XIX feitas por Gonçalves Viana (1892 e outros) com a

pronúncia contemporânea (final do século XX). Ao autor interessava comparar os dois

momentos e verificar possíveis evoluções no sistema fonológico ou mudanças na

realização fonética. No âmbito do vocalismo, Barbosa explora amplamente as vogais

pré-acentuadas e menos as pós-acentuadas. Para estas vogais, ele faz comentários sobre

contextos adjacentes específicos, especialmente diante de determinadas consoantes, e

nenhum comentário geral. O autor elenca novas variantes fonéticas, sem acusar

mudanças no sistema.

Ele aponta, para o século XX, variantes com graus de abertura mais fechados

para a postônico diante de l e r (Aníbal, açúcar), além do [a7] descrito por Viana no

século XIX6; aponta também uma variante mais fechada, [ạ], que passou a concorrer

com [a7], nos plurais das formas em -r (açúcares). Já as vogais médias abertas [e7, o7],

indicadas por Viana nas sílabas finais travadas por r (éter, júnior)7 no século XIX,

permanecem nesse contexto, mas se estendem à sílaba postônica não final, ao lado das

variantes [´, u] (éteres, júniores)8. Assim, Barbosa registra as variantes altas que são

reconhecidas na literatura atual, [´, u]. Elas não são atestadas por Viana no final do

século XIX, como se comenta a seguir.

Viana (1892), ao exemplificar um contexto tónico, cita as proparoxítonas célere,

cérebro, Cérbero, as duas últimas transcritas foneticamente: “sérẹbro9, sérbẹro9 (p. 71).

5 O símbolo [´], usado neste e muitos outros trabalhos sobre o PE, foi convencionalmente substituído pelo símbolo [ˆ] nos trabalhos mais recentes e, portanto, ambos representam o mesmo segmento. Já [α] representa a vogal central não baixa [å]. 6 Viana usa o grafema a, sem diacríticos para representá-lo nesse contexto: açúcar (1892:68). 7 Viana usa è e ò para representá-los nessa situação: cạrátèr, cạdávèr (p. 72); ạ@lcuo $l (não há exemplos de proparoxítonas). 8 “[e 7, o 7], que se mantém na mesma posição, em sílaba final (éter, júnior), concorrem com [´, u] em sílaba não final (éteres, júniores), onde, generalizando-se rapidamente, tendem a suplantá-los” (Barbosa, 1988:361).

Page 55: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

55

Também comenta a flexão singular > plural em cạdávèr > cadávẹres (p. 72) e abdómẹn

> abdómẹnes (p. 73). Para a vogal posterior, há apenas um exemplo eventual como os

anteriores, cómmo 9do9 (que indica uma redução maior de /o/ com relação a /e/), e nenhum

comentário específico9 (p. 71).

Assim, além do que apontou Barbosa, a sílaba postônica não final não mereceu

comentário específico de Gonçalves Viana, mas o seu testemunho, através dessas

transcrições, contribui ao apontar variantes não altas para a posição, [ẹ, ọ, o9]. Em outros

contextos átonos, Viana defende realizações como [i] e [u] para as vogais e e o, o que

demonstra que o autor atentou para um timbre perceptivelmente mais aberto nessa

posição. Embora alguns dos exemplos sejam de sílabas postônicas não finais que

derivaram de outras travadas por /R/ ou /N/ (cadáver, abdómen), outros sugerem que as

médias, mesmo se não fossem a realização comum de /e/ e /o/ postônico não final em

fins do século XIX, pelo menos ainda variavam com as vogais altas a ponto de serem

escolhidas para a descrição do autor.

Também é interessante que Viana descreva o grafema e como “a mais variável

das vogaes” (p. 70) e lhe atribua treze valores diferentes (com graus de abertura desde

abertos, é, até altos, i) enquanto o foi diferenciado em apenas seis valores (p. 78). Pode

ser um indício, embora vago, de que as vogais posteriores são mais suscetíveis a

reduções e neutralizações que as anteriores.

Descrever e compreender o vocalismo átono do PE envolve necessariamente

discutir os processos de apagamento sofridos pelas vogais reduzidas, próprias das

posições não acentuadas. A esse respeito, Mateus & Delgado-Martins (1982) iniciam a

discussão sobre o tema destacando que tal processo não é regular e que sua descrição

até o momento não havia sido satisfatoriamente realizada na literatura sobre essa

variedade do português. Elas desenvolvem, então, um teste de percepção a fim de

investigar a debilidade das vogais átonas [´] e [u] na cidade de Lisboa.

A metodologia de estudo desenvolvida pelas autoras demonstra que a percepção

das vogais por falantes portugueses pode ser um fator fundamental para o entendimento

do apagamento das átonas, complementarmente à observação de espectrogramas e

registros gráficos, que frequentemente demonstram uma variação de difícil descrição.

9 Na descrição de Viana, [ẹ, ọ] representam as vogais médias fechadas e o diacrítico em [o 9] indica enfraquecimento ou redução (1892:20).

Page 56: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

56

Elas apontam que trabalhos anteriores já haviam atestado a tendência ao apagamento

das átonas, principalmente nas sílabas finais. Em conformidade com isso, as autoras

atestaram em seu trabalho que 11% das vogais do corpus, em sua maioria [´] e [u], não

foram detectáveis na análise acústica ao mesmo tempo em que esses dois segmentos se

mostram os menos intensos e menos longos entre as vogais orais.

O teste foi constituído de: (i) pares mínimos com alternância entre [´] e [u] em

posição final (tome x tomo) e em posição medial pretônica (decente x docente) em

contextos diante de todas as vogais do português; (ii) pares em que a presença x

ausência da vogal, diante de oclusiva + líquida, acarreta mudança de sentido e de

estrutura silábica (querer x crer, áspero x Aspro); e (iii) o par de palavras

terapia/trapista, a fim de testar se a vogal seria ou não percebida em palavras pouco

conhecidas e que, diferentemente das demais, não apresentam oposição distintiva

mínima entre si.

As autoras ressalvam que a reconstituição dessas vogais, além da realidade

acústica, envolve diversos aspectos do conhecimento linguístico do ouvinte, como por

exemplo a existência de apenas duas opções (decente X docente) ou várias (tome x tomo

x toma x tomem).

Os resultados apontaram que “não é sistemática a confusão perceptiva entre as

vogais átonas [´] e [u] quer se tenha em conta a posição da vogal na palavra (medial ou

final), quer se tenha em conta o contexto fonético (consoantes precedentes)” (p.123-

124). Não só o falante que produziu os estímulos realizou as supressões de forma não

sistemática (estímulos idênticos para vogais diferentes, estímulos diferentes para vogais

diferentes e supressões) como também os ouvintes realizaram trocas entre [´] e [u] em

porcentagens equivalentes, reconstituindo vogais que não ouviram.

As autoras acreditam ter levantado, com esses resultados, um indício em prol da

hipótese de que as vogais [´] e [u] são próximas fonética e fonologicamente. Reforça

essa ideia o fato de [´] e [u] confundirem-se entre si, mas manterem clara oposição

distintiva com a vogal [å].

A presença do par opositivo áspero x Aspro no inventário desse teste de

percepção, tendo sido elencado no mesmo rol dos pares de paroxítonos, demonstra o

tratamento indiferenciado, já comentado aqui, dado a vogais postônicas finais e não

Page 57: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

57

finais pelos investigadores do PE em geral. O caso interessa especificamente ao tema

desta tese pois, ao mesmo tempo, os resultados demonstraram que os falantes

portugueses têm comportamento similar no âmbito das postônicas em geral: em 24

estímulos Aspro, os falantes responderam áspero, recuperando a vogal subjacente e

ratificando a produtividade do apagamento de [´] e a debilidade fonético-fonológica de

tal segmento nessa posição.

Embora seja consensual entre os autores que há regularidade fonética no

vocalismo átono do PE com quatro segmentos fonéticos (ao lado de algumas exceções

em contextos fonéticos específicos), conforme se apresentou aqui, não existe uma

amostra controlada específica que evidencie a realização das vogais médias postônicas

não finais nessa variedade para que se possam constatar as descrições fonéticas

encontradas na literatura. A unanimidade não se reflete no tratamento da estrutura

subjacente da língua e a atual configuração das oposições fonológicas do PE tem sido

alvo de diversas discussões teóricas, que serão apresentadas no capítulo 6, pois o valor

fonológico de [ˆ] é de difícil observação e definição. Observar tais aspectos fonológicos

do PE será importante também para relacioná-los aos aspectos fonológicos do PB.

Page 58: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

58

3. ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

3.1 Princípios da Sociolinguística

A teoria sociolinguística variacionista prevê que a variação é inerente a todas as

línguas e considera a correlação entre fenômenos linguísticos, sociais e estilísticos,

partindo do princípio de que a língua é heterogênea, assim como é heterogênea a

comunidade de fala. Postulada por William Labov, que desenvolveu os principais

preceitos teórico-metodológicos dessa corrente em sua dissertação de mestrado (1962) e

sua tese de doutorado (1966), a Sociolinguística veio a se consolidar como uma vertente

da linguística em 1964, em um congresso realizado na Universidade da Califórnia.

Com o seu advento, a pesquisa linguística deixou de focalizar apenas a estrutura

da língua para observar sua relação com a sociedade que a usa e, assim, interessou-se

pela observação da língua em uso efetivo pela comunidade de fala, investigando-a como

um todo. Para tanto, ela pesquisa fenômenos em variação através do controle de

variantes linguísticas em competição (a variável dependente, opções linguísticas à

disposição do falante) e sua correlação com as variáveis independentes (conjunto de

fatores linguísticos e sociais que atuam simultaneamente, condicionando o uso de uma

variante em determinado contexto).

A sociolinguística prevê o princípio da heterogeneidade ordenada e, portanto,

não refuta o caráter estrutural da língua, mas, ao contrário, postula que os usos

linguísticos em variação apresentam sistematicidade. Com base nesse princípio, a teoria

busca entender a relação entre variação, intrínseca ao sistema, e mudança linguística e

assim as investiga, para descrever, sincrônica e diacronicamente, os processos de

mudança que uma língua sofre.

A sociolinguística revitalizou, então, o enfoque diacrônico, que havia deixado de

ser uma preocupação da escola estruturalista. Toda pesquisa baseada em seus princípios

busca responder aos principais problemas, levantados por Weinreich, Labov & Herzog

(2006, trad.), relativos ao tratamento da mudança: o problema da transição, o do

encaixamento, o dos fatores condicionantes, o da avaliação, e o da implementação da

mudança. Eles surgem da necessidade de compreender o funcionamento da língua

durante um período de transição. Como dizem os autores, “se uma língua tem de ser

Page 59: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

59

estruturada para funcionar eficientemente, como ela funciona enquanto a estrutura

muda?” (2006:87). É por isso que a sociolinguística renega a homogeneidade da

estrutura e considera que a língua está em constante mudança, estruturada pela

heterogeneidade ordenada.

Dados controlados segundo a perspectiva variacionista demonstram que um

processo de mudança não é imediato: duas ou mais variantes permanecem em

competição por um longo período de tempo, até que uma ocupe completamente o

espaço da outra. Essa e muitas outras questões relacionadas com o problema da

transição e com o problema do encaixamento até hoje não estão plenamente

respondidas, mas é fundamental o entendimento de que uma mudança efetiva da

estrutura atinge indiscriminadamente toda a comunidade de fala, não ocorrendo apenas

no nível individual ou familiar. Além disso, um processo de variação e mudança

também nunca é isolado de outros, pelos quais a estrutura da língua passa

simultaneamente. Qualquer mudança estará encaixada no sistema como um todo,

nenhuma acontecerá isoladamente, mas relacionada a outros fenômenos da estrutura da

língua. Por outro lado, para Weinreich, Labov & Herzog, um sistema não se transforma

totalmente, ao contrário, apenas alguns elementos se transformam e de forma gradual.

As variantes em competição podem ser contínuas ou discretas, mas, neste caso, os

índices de frequência apresentam alguma gradação.

Por tudo isso, uma mudança é encaixada na estrutura linguística e também

encaixada na estrutura social, mas o encaixamento social não ocorre sempre da mesma

forma, porque, apesar de os fatores sociais pesarem sobre todo o sistema, os seus

elementos não têm a mesma significação social. Assim, os fenômenos linguísticos são

encaixados de forma desigual na comunidade de fala, principalmente no início e no fim

do processo de mudança, quando fatores sociais podem agir com pouca força. Os

autores consideram que uma mudança se inicia quando um elemento em variação se

propaga em um subgrupo específico da sociedade e se fortalece quando assume um

determinado valor social relacionado a tal grupo. Depois que a mudança está encaixada

no sistema, ela se espalha gradualmente. Essa generalização é lenta, gradual e

frequentemente influenciada por fatores da estrutura social. Por isso, um processo quase

concluído pode apresentar um aumento significativo da consciência social da mudança e

Page 60: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

60

o surgimento de um estereótipo. No fim da implementação da mudança, entretanto, a

forma que se tornou constante é esvaziada de qualquer significação social.

O problema da avaliação é extremamente importante, pois o nível de

consciência social tem relação direta com o desenvolvimento desses processos. Como

bem lembram os autores, “para algumas variáveis, o nível de consciência social é tão

elevado que elas se tornam tópicos salientes em qualquer discussão sobre a fala” (p.

119).

Ainda sobre a atuação de fatores sociais no início de um processo, considera-se

também a impossibilidade de uma variável que estabeleça um estereótipo social,

estilisticamente estratificada, tornar-se uma variável não marcada. O problema dos

fatores condicionantes envolve a delimitação de um conjunto geral de

condicionamentos, linguísticos e sociais, que inclua as mudanças possíveis de acontecer

em determinada língua. Para tanto, a teoria conta com trabalhos de pesquisa que

investiguem de forma detalhada o maior número possível de fenômenos.

Weinreich, Labov & Herzog afirmam, por exemplo, que vários estudos parecem

indicar que, quando um sistema de dois fonemas entra em contato e está em variação

com um sistema de apenas um desses fonemas, a tendência geral é que a mudança

aconteça em favor do sistema de apenas um elemento fonológico. No fenômeno da

redução de vogais átonas no português, já está clara essa tendência, vislumbrada nos

processos de neutralização, entre médias e/ou médias e altas, já concluídos ou em

andamento nas variedades do português. E é por isso que se considera sensata a

proposta de Bisol (2003), já citada, para a simplificação do quadro vocálico aqui

focalizado: estando em concorrência um sistema de cinco fonemas – /i, e, a, o, u/ – e um

sistema de três – /i, a, u/ –, é provável que a concorrência entre cada dois se regularize

em um – /e, i/ > /i/; /o, u/ > /u/ – vencendo o quadro mais simples, de três elementos.

Sobre os condicionamentos sociais que atingem a estrutura linguística, agindo

sobre os processos de mudança, cabe aqui discutir o papel da escolaridade e o grau de

avaliação pelos falantes das variáveis em competição, no que se considera

hipoteticamente ser o estágio final da mudança que atinge o quadro vocálico estudado.

Em Principles of linguistic change (1994), Labov discute métodos de

investigação da mudança linguística, propondo que ela seja estudada em tempo aparente

e em tempo real.

Page 61: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

61

O estudo em tempo aparente consiste na observação de dados de fala

sincrônicos, controlados com base nas faixas etárias, e considera a hipótese de que o

falante estabiliza o seu idioleto durante a juventude, por volta dos 15 anos de idade, e o

mantém por toda a vida. Assim, um falante, por exemplo, de 56 anos, em 2015,

representaria as variantes de sua comunidade de fala em uso há aproximadamente

quarenta anos atrás. Através da comparação com os grupos etários mais novos, seria

então possível visualizar processos de mudança em andamento, ao observar variantes

mais conservadoras e mais inovadoras que estão coexistindo em um mesmo momento

na língua. Essa foi a metodologia explorada na primeira etapa desta pesquisa (DE

PAULA, 2010), através do controle e da análise das faixas etárias em dados recolhidos

nas décadas de 1970 e 1980.

O estudo em tempo real, ao contrário, prevê uma amostra contrastiva entre dois

momentos diferentes, para, com base em índices de frequência, observar se uma

variante está tomando o espaço da(s) outra(s) com o passar do tempo. Com esse

método, pode-se cogitar, com maior ou menor precisão cronológica, o início e/ou o final

de uma mudança.

O estudo em tempo real de longa duração prevê uma investigação a longo prazo

e ela passa pela dificuldade de encontrar e analisar documentos escritos de séculos

passados. Labov levanta as diversas dificuldades enfrentadas pelo pesquisador na

investigação da mudança através dessa estratégia, especialmente nos estudos de fonética

e fonologia anteriores ao século XX, afirmando que a investigação linguística histórica

é “a arte de fazer bom uso de maus dados” (1994:45). Apesar das grandes dificuldades

enfrentadas nesse tipo de estudo, destaca que ele é imprescindível, principalmente para

verificar o momento em que uma variante passa a ser utilizada na língua e o momento

em que desaparece. Para o autor, a investigação a longo prazo também é fundamental

para identificar a regularidade de princípios que sempre atuam na variação e na

implementação da mudança, em diversos momentos da evolução de uma língua.

Embora não existam trabalhos em tempo real de longa duração que tenham

focalizado especialmente as vogais postônicas não finais em português, a investigação

bibliográfica empreendida no capítulo 2 buscou arrolar informações recolhidas de

trabalhos diversos de fonologia histórica, com o objetivo de mapear, da forma mais

Page 62: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

62

clara possível, os estágios de mudança pelos quais esse quadro vocálico passou desde o

período colonial nas duas variedades do português investigadas.

A observação em tempo real de curta duração pode ser empreendida através do

estudo de painel e do estudo de tendência. Segundo Labov, uma distância de

aproximadamente 18 anos, equivalente ao curso de uma geração, é o mínimo necessário

para que se verifiquem comportamentos linguísticos diversos entre duas sincronias, não

só no estudo de tendência, como também no de painel.

No estudo de painel, investiga-se a fala dos mesmos informantes em dois

momentos distintos da vida, o que torna possível (i) obter dados do idioleto de cada

falante em duas faixas etárias diferentes e assim registrar as mudanças ocorridas ou a

estabilidade das variantes investigadas no nível individual e (ii) verificar a possibilidade

de generalizar os resultados encontrados para todo o grupo social.

Já o estudo de tendência compara a fala de informantes em um momento

histórico com a fala de outros informantes em um momento posterior, com base em

dados levantados segundo os mesmos critérios teórico-metodológicos da

Sociolinguística: mantém-se o tipo de entrevista, o recorte geográfico e social dos

informantes, entre outros procedimentos. Assim, os falantes comparados têm o mesmo

perfil social, mas não são as mesmas pessoas e a amostra pode então servir para

verificar alterações no comportamento da comunidade de fala, mostrando se a mudança

está sendo implementada de modo generalizado10.

Nesta tese, empreende-se uma investigação em tempo real de curta duração em

um estudo de tendência que irá comparar as décadas de 1970 e 1980 com os anos 2000,

através do controle de corpora com características teórico-metodológicas semelhantes.

Isso permitirá constatar novos estágios de mudança ou persistência na realização de

vogais médias em sílabas postônicas não finais no âmbito da fala fluminense.

3.2 Princípios da Fonologia de Uso

Como explicam Cristófaro-Silva e Gomes (2004), tanto a Fonologia de Uso de

Bybee (2002, 2003) quanto a Fonologia Probabilística de Pierrehumbert (2001) 10 Para uma explanação mais detalhada a respeito dos estudos de tempo aparente e tempo real e de outros princípios da Sociolinguística aplicados nesta pesquisa, conferir De Paula (2010).

Page 63: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

63

defendem a multirrepresentacionalidade das unidades linguísticas, organizadas segundo

parâmetros específicos. As duas perspectivas relacionam-se com a Teoria dos

Exemplares (Bybee, 2001; Pierrehumbert, 2001), que compartilha os mesmos princípios

básicos.

As autoras fazem um histórico das correntes de estudo fonológicas das últimas

décadas, contrapondo esta visão multirrepresentacional às correntes tradicionais, que

sempre observaram a Fonologia e a Fonética separadamente. Assim, para elas, o

Modelo Fonêmico, o Estruturalismo, a Fonologia Gerativa, a Fonologia Lexical e

Autossegmental e a Teoria da Otimalidade são todas representações tradicionais que,

independentemente de suas particularidades, procuram investigar a gramática

internalizada, o conhecimento implícito do falante e apresentam um modelo de

representação única.

Por outro lado, os modelos mais modernos, vistos em Bybee e Pierrehumbert,

consideram a gradualidade dos processos fonéticos como inerentes ao sistema. Elas

propõem “um modelo em que a variação e a mudança não são externas ao léxico e à

gramática, mas inerentes a eles” (BYBEE, 2002:287)11. Processos de assimilação de

traços entre segmentos contíguos, por exemplo, relacionam-se, de forma gradual, com a

representatividade das unidades linguísticas na gramática.

Anteriormente, a Teoria da Otimalidade buscou explicar os casos de sequências

sonoras não previstas no modelo subjacente, segundo uma proposta de violação de

restrições. Cristófaro-Silva e Gomes a consideram um avanço importante no caminho

do assentimento de que a gramática prevê mais de uma representação fonológica, mas

destacam vários problemas envolvidos nessa teoria, como o caráter inato das restrições,

seu ranqueamento, as representações de input e output, os casos de opacidade e a

questão da variabilidade inerente às línguas (p. 156), questões que notadamente já foram

alvo de críticas e amplamente discutidas no meio linguístico. Tal teoria explica a

variação como resultado de ranqueamentos diferentes para as restrições na gramática de

cada falante, mas esta proposta apenas dá conta da variação entre dialetos e não abarca a

variação intradialetal ou mesmo individual. Além destas questões, as demais propostas

tradicionais, em conjunto, também deixaram alguns problemas em aberto como:

11 “I have proposed a model in which variation and change are not external to the lexicon and grammar but inherent to it” (Bybee, 2002:287).

Page 64: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

64

(i) o problema da representação fonológica (p. 159), que normalmente não

é compatível na relação morfologia-fonologia, pois, muitas vezes, o

modelo de representação é a palavra e, muitas vezes, o morfema,

segundo segmentação morfológica assistemática;

(ii) o problema da implementação lexical (p.160), que envolve os casos

não categóricos em que não fica definido se a regra em questão é

aplicável a todos os itens lexicais ou não;

(iii) o problema da organização das representações fonológicas (p. 160),

que diz respeito à falta de associação e interação entre as formas

linguísticas subjecentes, segundo tais teorias, enquanto é clara e

relevante a relação morfológica e semântica entre as unidades

linguísticas; e

(iv) o problema da potencialidade das regras e restrições (p. 161), pois

tais teorias apresentam regras que nunca foram verificadas nas línguas

naturais, ao tempo em que, se é uma regra postulável, teoricamente,

ela deveria ser encontrada.

Como explicam Cristófaro-Silva e Gomes, as teorias funcionais defendem que o

conhecimento linguístico seja baseado no uso e gerenciado por redes de conexões

probabilisticamente condicionadas – e não o resultado de um mecanismo inato

dissociado da prática da linguagem, conforme preveem as teorias tradicionais. As

autoras renegam também as categorias discretas e destacam o caráter redundante das

representações linguísticas, que são categorizadas de forma gradual. Ou seja, ao invés

de existir apenas uma representação para cada item fonológico, as teorias atuais

propõem um modelo multirrepresentacional, no qual a estabilidade é gerenciada por

índices probabilísticos estabelecidos através do uso por comunidades de fala.

Elas resumem que Bybee (2001) considera as regularidades e similaridades

encontradas no uso como o referencial de armazenagem do material linguístico. Como

consequência, essa perspectiva tem por pressuposto que as palavras e estruturas

sintáticas cristalizadas pelo uso são as unidades linguísticas, e não os morfemas. Elas

formam uma rede de conexões, na qual a ativação de uma palavra também ativa outras

com sequências fonéticas semelhantes.

Page 65: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

65

Esse princípio é compartilhado pelas perspectivas da Fonologia do Uso, da

Teoria dos Exemplares e da Fonologia Probabilística e, embora apresentem

dissemelhanças, todas são consideradas teorias multirrepresentacionais. Segundo esses

modelos, teoricamente, todas as ocorrências de uso são estocadas na gramática, o que

exige mais memória do que preveem as teorias tradicionais. Por outro lado, estudos de

psicologia atuais (apud Bybee 2001) têm demonstrado que a memória humana é muito

mais extensa do que se imaginava antes. Além disso, o armazenamento de todas as

ocorrências é o que permite a formação dos protótipos ou exemplares. Em suma, toda

abstração é resultado da comparação entre as muitas unidades.

Uma característica da rede de conexões entre as palavras é o seu caráter

dinâmico. Ou seja, as unidades não são mais vistas como inatas, mas emergentes dos

movimentos articulatórios e por isso estão em constante atualização.

Consequentemente, as próprias limitações fonotáticas da gramática são definidas pelas

generalizações do léxico.

Segundo os autores que defendem esta teoria, a estocagem do conhecimento

linguístico tem como parâmetro primordial a frequência. Isso e o fato de o trato vocal e

a estocagem neural terem propriedades universais são fatores que explicariam as

semelhanças entre as línguas, e não o inatismo da estrutura, como defendem as teorias

tradicionais.

Na perspectiva funcional de Bybee, o vínculo entre a frequência de tipo e a

frequência de ocorrência – que são intrinsecamente relacionadas – é fundamental para a

mudança linguística e sua compreensão poderá ajudar a solucionar os problemas

herdados das teorias tradicionais.

A frequência de ocorrência, por um lado, faz com que as mudanças

foneticamente motivadas se implementem com maior velocidade em itens mais

frequentes; por outro, ao contrário, nos casos de analogia e generalização fonológica, as

palavras mais frequentes são mais resistentes. Cristófaro-Silva e Gomes exemplificam o

último caso com o fenômeno do plural metafônico em pares como “ovo/ovos” e

“sogro/sogros”, lembrando que, quanto ao segundo vocábulo, a sua baixa frequência

não fornece aos falantes um modelo de aprendizagem para a abertura da vogal no plural

(“s[ç]gros”). Já o primeiro vocábulo é fonte de aprendizagem do plural irregular

(“[ç]vos”) por ser um item lexical altamente frequente.

Page 66: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

66

A frequência de tipo é fundamental na produtividade de padrões estruturais que

servirão de modelo para novas formas. É o caso da primeira conjugação dos verbos em

português, que é altamente frequente no léxico (“comprar”, “falar”, “amar” etc.) e serve

de modelo para as formas emergentes (“deletar”, “xerocar”, “plugar”).

Assim, a Fonologia de Uso prevê que a mudança esteja integrada à estrutura, ao

contrário das primeiras teorias fonológicas que sempre foram alvo de críticas nesse

aspecto. As representações emergem estabelecendo gradualmente mudanças fonéticas e

lexicais na medida em que as ocorrências de uso mudam. Segundo o modelo da

Fonologia de Uso, a mudança é foneticamente gradual e lexicalmente gradual, em

alternativa à proposta neogramática e à da difusão lexical. Este modelo é afim à

proposta laboviana, pois defende que a mudança é inerente à linguagem e prevista na

estrutura da língua.

A proposta geral desta perspectiva teórica, apresentada por Cristófaro-Silva e

Gomes, pode ser aprofundada aqui com a apreciação de Phonology and Language Use

(2001), onde Bybee discute a relação entre o uso das formas linguísticas e o seu

processamento e armazenamento, em especial no nível fonológico, que interessa para

esta pesquisa. Nessa obra, a autora demonstra evidências de que observar e

compreender a estrutura linguística envolve muito mais do que a própria estrutura e,

portanto, sugere que as correntes de estudo atuais, entre elas as fonológicas, necessitam

ampliar a perspectiva sobre a linguagem, considerando que certos padrões, palavras ou

frases podem causar impacto na estrutura.

Sobre isso, Bybee recorre novamente a estudos que consideram aspectos

psicológicos da categorização natural, seja categorização de ordem linguística ou não.

Eles indicam que a forma como o ser humano categoriza as informações não se baseia

na presença ou na ausência de determinadas características, mas na comparação de

características que cada item compartilha com o elemento central de uma categoria que

os une. Os participantes de uma categoria não necessariamente apresentam todas as

propriedades que a caracterizam, mas serão nela mais centrais (mais prototípicos) ou

mais marginais (menos prototípicos) a depender da quantidade de traços que apresentam

em comum com o elemento que melhor a representa, ou seja, o elemento mais central,

determinado pela frequência de uso.

Page 67: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

67

A primeira possibilidade de interpretação comentada, que caracteriza os

elementos pela presença ou não de traços discretos, relaciona-se com teorias fonológicas

anteriores às teorias multirrepresentacionais. Esta perspectiva multirrepresentacional,

mais atual, considera o caráter dinâmico da estrutura. Diz a autora que “a ênfase na

língua sincrônica e estática como objeto de estudo tem dado lugar a uma visão de língua

lenta, gradual, mas inexoravelmente mutável, sob as forças dinâmicas da língua em uso”

(2001:06) 12.

Bybee busca em Lindblom et alii (1984, apud Bybee, 2001) a premissa

fundamental desse processo: a repetição de determinadas propriedades básicas promove

a emergência da estrutura. Ela argumenta com exemplos do léxico e da morfologia,

dizendo que psicolinguistas atestaram que palavras muito frequentes são mais

rapidamente acessadas no processamento mental que palavras de baixa frequência, além

de citar trabalhos nos quais formações morfológicas irregulares demonstraram tendência

a se manter irregulares quando apresentam frequência muito alta (conforme exemplo de

Cristófaro-Silva e Gomes, acima comentado, sobre o plural “ovo/ovos”).

A partir destas considerações iniciais, a autora apresenta alguns princípios

fundamentais do modelo baseado no uso, que podem ser estendidos ao campo da

fonologia e estão resumidos a seguir:

1. A experiência afeta a representação: O uso de formas e padrões afeta suas

representações na memória. Unidades mais frequentes são mais facilmente

acessadas e dificilmente sofrerão alterações por analogia, ao mesmo tempo

em que unidades de baixa frequência podem se enfraquecer e ser perdidas.

2. Representações mentais de unidades linguísticas têm as mesmas

propriedades de representações mentais de outros objetos: O cérebro opera

da mesma forma em diferentes domínios e em nenhum deles as propriedades

de um objeto podem ser dele isoladas, sob pena de este se tornar

irreconhecível.

3. A categorização é baseada em identidade ou similaridade. A categorização

organiza o armazenamento de percepções fonológicas e estas podem ser

12 “(…) the emphasis on the static, synchronic language as the object of study has given way to the view of language as slowly, gradually, but inexorably mutating under the dynamic forces of language use” (Bybee, 2001:06)

Page 68: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

68

igualmente observadas em diferentes situações, como a relação que se pode

estabelecer entre fones similares que figurem em palavras diferentes, seja em

um mesmo contexto ou em contextos diferenciados.

4. Generalizações sobre as formas não são separadas da sua representação

armazenada na mente do falante, mas emergem diretamente das próprias

formas. As generalizações são feitas com base em similaridades fonéticas ou

semânticas entre as unidades e outras formas novas poderão ser produzidas

com base nessas já existentes.

5. A organização lexical fornece generalizações e segmentações em vários

graus de abstração e generalidade. Como os elementos linguísticos surgem

de relações promovidas pelas similaridades, o armazenamento é

extremamente redundante e, assim, os esquemas podem ser verificados com

o mesmo padrão em diferentes graus de generalização.

6. O saber gramatical é um saber procedimental. O conhecimento linguístico,

em geral, é prático e procedimental, visto que o falante consegue produzir

automaticamente uma sentença em sua língua, sem ser capaz de explicar sua

construção ou elencar suas características. A visão tradicional da fonologia

muda a partir desta perspectiva, deixando de ser vista como um sistema

essencialmente abstrato, mas parte de um processo de produção e

interpretação das construções linguísticas.

Bybee defende, também com base em pesquisas de autores como Haiman, que a

repetição promove convenções que ultrapassam o nível individual e ganham força na

representação lexical, criando modelos facilmente acessíveis. Ela cita como exemplo as

respostas-padrão de situações sociais comuns, como um cumprimento ou

agradecimento. A repetição, por outro lado, além de promover emancipações de formas

linguísticas da sua função original, comumente também promove reduções de sentido

das expressões linguísticas, muitas vezes acompanhadas de reduções fonológicas.

Assim, o que Haiman demonstra no nível sintático, Bybee afirma que pode ser aplicado

também na fonologia e isso exige que se investigue a relação entre a repetição de

unidades e a estruturação de padrões fonológicos, inerentes à representação lexical.

Page 69: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

69

Nessa obra, Bybee observa a importância da frequência de tipo e da frequência

de ocorrência, já comentadas, no nível fonológico, e a relação dinâmica entre a

produtividade das formas e os processos de mudança. A frequência de ocorrência tem

dois efeitos opostos na fonologia (assim como na morfologia):

(i) A mudança fonética regular progride mais rapidamente em itens com alta

frequência de ocorrência. É o caso de mudanças sonoras regulares no

inglês, como o exemplo, citado por Bybee, da queda dos segmentos [t] e

[d] depois de consoante, fenômeno que é mais recorrente nas palavras

mais frequentes, como went, just e and.

(ii) Os fenômenos que envolvem padrões fonéticos irregulares são mais

resistentes nas formas mais frequentes, ou seja, mudanças que envolvem

analogia, baseada na análise de outras formas, ocorrem mais facilmente

em itens menos frequentes. Isso ocorre porque os itens irregulares mais

frequentes tornam-se centrais no armazenamento, o que os torna

lexicalmente mais fortes e menos influenciáveis pelo padrão de

regularidade. Já os itens menos comuns são facilmente associáveis às

formais regulares, que são uma referência mais forte que eles. No

português, já se comentou o caso do plural metafônico; em inglês, Bybee

cita a resistência do passado irregular nos verbos keep (>kept) e sleep

(>slept), que são muito frequentes, ao tempo em que a regularização

atinge mais facilmente os casos de weep (>wept), creep (>crept) e leap

(>lept), que tendem a se regularizarem em weeped, creeped e leaped.

Já a frequência de tipo, como foi dito, envolve a produtividade de um padrão

que poderá ser aplicado a novas formas, em diferentes contextos. Quanto mais itens

apresentarem o mesmo esquema, maior será a frequência do tipo e mais forte ele se

tornará. A autora afirma que, no sentido em que a frequência de tipo se baseia no

número de itens diferentes que apresentam um determinado padrão, no nível fonológico

ela pode representar a força de padrões fonotáticos, acentuais etc., no escopo da palavra.

Pode-se concluir que a proposta da Fonologia de Uso para o processo de

mudança fonológica envolve as relações intrínsecas existentes (i) entre a frequência de

Page 70: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

70

uso e a estrutura; e (ii) entre o léxico e sua constituição fonética. Sobre a segunda,

explica-se que, embora Bybee sobreponha a importância do uso ao ambiente fonético,

este não é desconsiderado no processo de armazenamento das formas, pelo contrário, é

fundamental na organização do léxico na estrutura. Afinal, segundo esta perspectiva, é

pelas similaridades de padrões fonológicos – e morfológicos – que o léxico é

armazenado no sistema. Nas palavras de Bybee:

o estudo da difusão da mudança fonética no léxico contribui para um melhor entendimento da natureza e das causas da mudança fonética. Mudanças que afetam as palavras mais frequentes primeiro são o resultado da automatização da produção, a sobreposição e redução comum de gestos articulatórios que surgem com a fluência. (Browman & Goldstein, 1992; Mowrey & Pagliuca, 1995). O forte direcionamento de tais mudanças indica que elas não são o resultado de variação aleatória, mas que elas surgem de processos de redução resultantes da repetição e da automatização da atividade motora. (Bybee, 2002:287)13

No âmbito das vogais postônicas não finais, pode-se considerar, com base no

que foi dito, a possibilidade de a repetição de uma determinada sequência fonética

estabelecer um padrão de mudança ou de resistência das vogais. Da mesma forma, um

esquema fonotático muito produtivo, seja em ocorrências gerais (frequência de

ocorrência) ou em vocábulos diferentes (frequência de tipo), poderia promover o

apagamento da vogal e estabelecer um padrão de mudança e redução acentual para

todas as proparoxítonas.

3.3 Procedimentos metodológicos

A metodologia de pesquisa sociolinguística conta com procedimentos para o

levantamento e o tratamento de dados de fala, os quais buscam controlar, tanto quanto

possível, a complexa relação entre língua e sociedade. O principal foco destes

13 “The study of the diffusion of sound change in the lexicon contributes to a better understanding of the nature and causes of sound change. Changes that affect high-frequency words first are a result of the automation of production, the normal overlap and reduction of articulatory gestures that comes with fluency (Browman & Goldstein, 1992; Mowrey & Pagliuca, 1995). The strong directionality of such changes indicates that they are not the result of random variation, but that they stem from reduction processes resulting from repetition and the normal automation of motor activity” (Bybee, 2002:287).

Page 71: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

71

procedimentos visa minimizar o paradoxo do observador, nos termos de Labov (1972).

Esse problema surge porque a sociolinguística necessita que a língua seja observada em

seu contexto natural, mas o levantamento de dados depende de controle sistemático e é

realizado, principalmente, a partir da observação da fala em entrevistas ou questionários

pré-planejados. Labov lembra que tais dificuldades não são exclusivas da pesquisa

linguística, mas de toda ciência que visa a investigar fenômenos sociais.

O investigador deve estar atento aos cinco axiomas metodológicos que surgem

no levantamento de dados: (i) a alternância de estilo que acompanha as mudanças no

contexto de fala ou no assunto; (ii) o monitoramento do discurso, que pode ser

amenizado durante a entrevista; (iii) a busca pelo vernáculo, quando o falante está

pouco atento à sua fala; (iv) a formalidade do discurso, que, seja maior ou menor, nunca

está completamente neutralizada durante o inquérito; e (v) a procura por bons dados,

com boa quantidade, recolhidos sob os mesmos critérios metodológicos.

Labov estabelece uma divisão entre fala casual (casual speech) e fala

monitorada (careful speech). A fala monitorada é o discurso predominante na

entrevista formal, na situação em que o informante está atento a sua elocução, o

contexto formal. Segundo ele, o grau de espontaneidade e entusiasmo na fala

monitorada pode variar muito, o que nunca chega a configurar sua elocução como

casual. A fala casual, dificilmente encontrada pelo linguista, ocorre em contextos

normais de uso, o contexto informal, quando a preocupação com a fala é mínima. Ainda

que não figure durante o diálogo com o documentador, a fala casual pode ser encontrada

algumas vezes, durante as gravações, por exemplo, quando o informante se dirige a um

familiar, quando atende ao telefone etc.

Ao lado da fala casual e da fala monitorada, entretanto, Labov inclui uma outra

categoria de estilo passível de ser recolhido pelo investigador, que diz respeito aos

momentos em que o falante se encontra tão envolvido emocionalmente com o conteúdo

de seu relato que investe uma atenção mínima à forma como está falando: é a fala

espontânea. Como diz Labov, a fala espontânea “se refere ao padrão usado na fala

excitada, carregada de emoção, quando os constrangimentos de uma situação informal

são abandonados” (p. 111). Dessa maneira, o contexto formal apresenta dois estilos. o

monitorado e o espontâneo, e o contexto informal apresenta sempre o estilo casual.

Page 72: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

72

Segundo o autor, a fala espontânea aparece frequentemente no decorrer do inquérito e

pode ser considerada um correlato da fala usual em contextos formais.

A análise variacionista realizada neste trabalho tem como base entrevistas do

tipo DID (diálogo entre informante e documentador). Nelas, o documentador

encaminha o diálogo, propondo ao informante temas de seu interesse ou de seu

cotidiano, incentivando sempre o envolvimento do falante com o tema, para que a

elocução seja o mais espontânea possível e o paradoxo do observador seja atenuado.

Uma característica que compõe o conjunto de dados analisados nesta tese diz

respeito aos estilos de fala nele representados. Nas entrevistas, há menor preocupação

por parte do falante com a elocução e nelas espera-se encontrar resultados mais

próximos da fala cotidiana. Além disso, será considerado um questionário aplicado para

o levantamento específico de proparoxítonas com vogal média postônica não final.

Neste tipo de levantamento, o indivíduo está mais atento ao seu discurso, já que o

modelo de perguntas e respostas imprime um caráter mais formal à situação de fala.

Além disso, o inquérito conta com trechos de leitura, que, pela especificidade semântica

das proparoxítonas procuradas, muitas vezes foram elaborados com uma linguagem

formal ou até mesmo técnica. Nesse tipo de levantamento, será possível vislumbrar a

realização das vogais estudadas em um situação discursiva em que o falante está mais

atento a sua fala e assim, o confronto entre os corpora permitirá comparar o

comportamento linguístico de indivíduos com perfis sociais semelhantes produzindo

estilos diferentes, a fala espontânea e a fala monitorada.

Na pesquisa sociolinguística, os informantes são escolhidos com base em

critérios bem definidos, propostos por Labov. Eles são selecionados aleatoriamente,

porém organizados de acordo com células controladas socialmente que conjugam

diversas variáveis sociais e caracterizam uma amostra aleatória estratificada. Se o

linguista controlar, por exemplo, homens e mulheres de três faixas etárias diferentes

(faixa 1, 2 e 3), ele deve preencher 6 células: homem – faixa 1; homem – faixa 2;

homem – faixa 3; mulher – faixa 1; mulher – faixa 2 – mulher faixa 3.

A análise de dados sociolinguísticos conta com o pacote de programas

VARBRUL, aqui em sua versão Goldvarb-X, que realiza a análise estatística de dados

através do cruzamento de variáveis sociais e linguísticas. O programa calcula a atuação

das variáveis com relação à aplicação da regra investigada (no caso desta tese, o

Page 73: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

73

alteamento da vogal média), ao relacionar grupos de fatores, incluindo as variáveis uma

por uma, e, depois, selecionar as mais significativas.

Nesse processo, são estabelecidos índices de significância e atribuídos pesos

relativos para cada fator das variáveis independentes consideradas. Quando os fatores de

uma determinada variável têm peso relativo alto, eles são relevantes para a aplicação da

regra e, quanto mais o peso for próximo de 0.00, mais desfavorecedores são os fatores

para a implementação da regra. Quanto maior for a diferença entre os pesos relativos de

uma rodada, melhor será sua significância. As rodadas mais importantes, selecionadas

pelo programa, devem apresentar significância próxima de 0.000.

O programa estabelece também o input de seleção da regra, que equivale à

aplicação geral da variante tomada como referência. Quanto mais alto o input, mais

produtivo é o fenômeno e, quanto mais próximo de 0.000, menos produtivo. Um input

por volta de 0.500 indica a estabilidade entre as variantes em competição.14

3.1.1 Os corpora de modalidade oral

Todos os inquéritos considerados nesta pesquisa para a variedade brasileira do

português foram levantados com base na metodologia sociolinguística e os informantes

de todos os corpora foram controlados segundo os seus princípios. Esses corpora

constituem referências importantes para a pesquisa linguística, pois neles estão

representadas as falas culta e popular do Estado do Rio de Janeiro.

Quanto ao PE, buscou-se considerar uma amostra socialmente comparável à que

foi levantada para a fala fluminense, na cidade e região metropolitana de Lisboa. Isso

não será plenamente possível porque os corpora anteriores a 2008 não são tão

completos quanto seria necessário. Devido à pouca tradição de pesquisas variacionistas

sobre o PE até esse momento, são restritas as amostras de dados disponíveis (a maioria

foi constituída para trabalhos individuais) e os que existem não cumprem estritamente

os critérios metodológicos da sociolinguística variacionista. A partir de 2008,

entretanto, o Projeto Concordância, que reúne dados de variedades portuguesas,

brasileiras e africanas, foi realizado tendo como um de seus objetivos preencher tal 14 Para uma explanação mais detalhada sobre os princípios teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista que baseiam esta pesquisa, conferir DE PAULA (2010).

Page 74: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

74

lacuna nos estudos linguísticos do PE, através da organização de um banco de dados

constituído rigorosamente segundo os critérios sociolinguísticos variacionistas. De

qualquer forma, acredita-se que a recolha realizada será suficiente para cumprir o

objetivo de atestar as principais características das vogais médias postônicas não finais

no PE.

Os primeiros resultados desta pesquisa (DE PAULA, 2010) já haviam

comprovado que o alteamento está plenamente implementado no âmbito da vogal

posterior /o/, que se realizou preferencialmente como [u], desde os anos 70, em todos os

corpora investigados. Por outro lado, nessa época, ele foi menos frequente no âmbito da

média anterior /e/ e, inclusive, a variante [i] foi preterida na fala culta carioca, refletindo

de certa forma a proposta de Câmara Jr (1970). A partir daí, levantaram-se novas

hipóteses para a análise que será realizada nesta tese.

Nesta etapa final, como já foi adiantado na seção 2.1.4, ao comparar os dados

das décadas de 1970 e 1980 com os dos anos 2000, espera-se encontrar um percentual

geral de alteamento das vogais médias postônicas mediais maior entre os falantes dos

anos 2000 do que entre os falantes de 1970/80, como resultado de que os fatores

extralinguísticos, como a escolaridade, que se mostraram em atuação para a manutenção

de /e/ na fala fluminense do século XX, não tenham mais a mesma força atualmente.

Considera-se também que o processo de alteamento de /e/ e /o/ já se encontra

efetivado na variedade portuguesa, sendo assim mais produtivo entre os portugueses do

que entre os brasileiros. Uma vez implementadas as vogais altas, espera-se também

encontrar uma tendência ao cancelamento da vogal entre os falantes europeus, tanto nos

anos 70 quanto nos anos 2000.

Ainda que não seja o foco deste trabalho, o cancelamento também continuará

sendo observado na fala fluminense, considerando-se que esse fenômeno é produtivo

tanto na fala popular quanto na fala culta. Em maior ou menor grau, essa variante

concorre com a manutenção e/ou o alteamento da vogal.

Page 75: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

75

3.3.1.1 As décadas de 1970 e 1980

As entrevistas referentes às décadas de 1970 e 1980 foram selecionadas dos

projetos NURC-RJ (Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro), PEUL 80 (Programa

de Estudos sobre o Uso da Língua) e APERJ (Atlas Etnolinguístico dos Pescadores do

Estado do Rio de Janeiro), para o PB; e do projeto Português Fundamental, para o PE.

O Projeto NURC-RJ tem como objeto de descrição a fala culta da capital do Rio

de Janeiro e as suas primeiras gravações foram realizadas durante a década de 70. Os

informantes são cariocas, têm nível superior completo de escolaridade e estão

distribuídos por três faixas etárias: de 25 a 35 anos; de 36 a 55 anos e 56 anos ou mais.

O acervo é composto, além das entrevistas do tipo DID, por elocuções formais (EF) e

diálogos entre dois informantes (D2). O Projeto conta também com um conjunto de

entrevistas realizadas na década de 90, ocasião em que alguns informantes da primeira

amostra foram recontatados, além de novos falantes terem sido gravados.

Para este trabalho, foram considerados do corpus NURC-RJ 18 inquéritos do

tipo DID gravados na década de 70. Neste conjunto, foi observada uma distribuição

regular de 03 informantes por célula social: faixa etária X sexo (cf. Anexo I). Foram

estudados, então, 09 informantes do sexo masculino e 09 do sexo feminino (03 homens

e 03 mulheres de cada faixa etária).

O Projeto APERJ iniciou-se em 1985, com o objetivo de descrever não só a fala

de pescadores do Estado Rio de Janeiro mas também aspectos culturais das localidades

pesqueiras fluminenses. Esse corpus contou com a aplicação de questionários para

levantamento de dados, a organização de cartas fonéticas e lexicais, além de entrevistas

de elocução livre. Por tudo isso, o Projeto APERJ é considerado um empreendimento de

cunho etnogeolinguístico que conjuga os preceitos da sociolinguística e da geografia

linguística.

O corpus é relativo a informantes apenas do sexo masculino, analfabetos ou

escolarizados até a 4ª série do Ensino Fundamental, que estão distribuídos por três

faixas etárias (18-35 anos, 36-55 anos e 56 anos em diante). Aqui foram consideradas

apenas as entrevistas do tipo DID realizadas com 78 pescadores, naturais de 13

comunidades do Norte e do Noroeste do Estado (cf. Anexo II). Foram selecionados 06

informantes por comunidade, 02 de cada faixa etária. Embora controlados

Page 76: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

76

separadamente a princípio, foram reunidos nesta etapa da pesquisa os falantes

analfabetos e os escolarizados até a 4ª série do Ensino Fundamental, desconsiderando-

se, neste momento, as diferenças na fala que fossem promovidas pelo baixíssimo

contato com o ambiente escolar em contraste com nenhum contato.

O Projeto Censo da Variação Linguística do Estado do Rio de Janeiro hoje é

mais conhecido como PEUL. Teve início em 1980, década em que foram gravados 64

entrevistas do tipo DID com informantes cariocas de vários bairros da Região

Metropolitana do Rio de Janeiro. Duas décadas depois foi levantada a amostra PEUL

2000, que conta com entrevistas de recontatos e de novos informantes. O projeto dispõe

de vários outros corpora, inclusive de dados de fala infantil e de escrita (referente a

textos jornalísticos). Os informantes das entrevistas do tipo DID são organizados por

três faixas etárias (de 15 a 25 anos, de 26 a 49 e de 50 anos em diante), três níveis de

escolaridade (1º e 2º ciclos do Ensino Fundamental e Ensino Médio) e por sexo

(masculino e feminino). Este Projeto conta, atualmente, com um site onde podem ser

consultadas diversas informações sobre a amostra, inclusive as transcrições ortográficas

das entrevistas realizadas.

Nesta tese, foram selecionadas 25 entrevistas do corpus PEUL 80, referentes a

12 informantes do sexo masculino e 13 do sexo feminino. Para a comparação com os

outros corpora, os falantes do PEUL foram considerados em 2 níveis de escolaridade

(até o 2º segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio) e redistribuídos pelas 3

faixas etárias controladas nos outros corpora: de 18 a 36 anos, de 36 a 55 e de 56 anos

em diante (cf. Anexo III).

O Português Fundamental teve início em 1970 com o objetivo de levantar dados

do vocabulário português corrente em situações cotidianas. Essa amostra apresenta

dados de diversas cidades portuguesas, dentre as quais escolheu-se apenas Lisboa para o

levantamento aqui realizado, de forma a serem mais comparáveis aos dados do PEUL

80 e aos do NURC-RJ, recolhidos na mesma época na capital fluminense.

A amostra de Lisboa conta com 35 entrevistas do tipo DID de aproximadamente

04 minutos cada uma. Elas foram produzidas por homens e mulheres, entre 18 e 62

anos, de quatro níveis de escolaridade (primary, middle, high e graduated, conforme

está controlado na amostra, níveis equivalentes a Primário, Ensino Fundamental, Ensino

Médio e Ensino Superior, respectivamente), mas a distribuição dos informantes não é

Page 77: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

77

regular na células sociais, de maneira que muitas delas não são preenchidas (cf. Anexo

VII). Além disso, por conta da brevidade das gravações, das 35 entrevistas investigadas,

apenas 17, menos da metade, apresentaram proparoxítonas com /e/ ou /o/ postônico não

final, o que compromete ainda mais a representatividade social dos dados levantados.

Restaram, então, 07 informantes do sexo feminino e 10 do sexo masculino, dentre os

quais 13 estudaram até o Ensino Médio e 04 têm Ensino Superior completo. O controle

da idade foi organizado com base na divisão em 3 faixas etárias, proposta por Labov,

mas também não será completo, visto que faltam informantes homens da faixa 3.

3.3.1.2 A primeira década de 2000

O corpus Concordância, já comentado, buscou organizar, sob os mesmos

critérios da metodologia laboviana, dados das variedades urbanas portuguesa, brasileira

e africanas do português levantados na primeira década dos anos 2000. Em todas elas,

foram considerados três níveis de escolaridade (2º segmento do Ensino Fundamental,

Ensino Médio e Ensino Superior completo), três faixas etárias (de 18 a 35 anos; de 36 a

55 anos e de 56 anos a 75 anos) e o sexo (masculino e feminino) dos informantes.

As entrevistas da variedade brasileira foram realizadas com falantes nascidos na

cidade do Rio de Janeiro – especificamente no bairro de Copacabana – e na região na

Baixada Fluminense – na cidade de Nova Iguaçu. Existem 36 inquéritos no total, sendo

18 em cada localidade (01 entrevista de Nova Iguaçu foi desconsiderada, por

incompatibilidade na escolaridade do informante NIG C1H, cf. Anexo V).

O levantamento referente a Portugal é composto por 54 gravações, 18 da área de

Oeiras e 18 de Cacém, que pertencem à Região Metropolitana de Lisboa, além de 18

entrevistas relativas a Funchal, na Ilha da Madeira. Destas, serão consideradas apenas as

36 primeiras, que poderão ser comparadas às entrevistas da região metropolitana do Rio

de Janeiro (cf. Anexo VI).

Embora cada grupo de 18 entrevistas abarque regularmente informantes de

ambos os sexos, três faixas etárias e três níveis de escolaridade, como consequência do

pequeno número de proparoxítonas com /e/ e /o/ postônicas mediais encontradas nessas

Page 78: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

78

entrevistas, que têm duração média de 30 minutos, algumas células não estão

representadas nos dados finais.

A amostra PEUL 2000, já apresentada, conta com 16 entrevistas de recontatos

dos anos 80 e 32 entrevistas de novos informantes, incluindo 07 de menores de 18 anos,

que destoam das variáveis aqui controladas. Além disso, das 32 entrevistas, 06 estão

concentradas na mesma célula social.

Aqui serão consideradas apenas as entrevistas novas organizadas de forma a

controlar as variáveis sociais dos outros corpora para que possam ser comparadas a

eles: três faixas etárias (de 18 a 36 anos, de 36 a 55 e de 56 anos em diante), dois níveis

de escolaridade (até 2º segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio) e sexo

(masculino e feminino). Elas equivalem a 12 células sociais, mas, faltando as gravações

de 02 entrevistas, totalizam 10 informantes (cf. Anexo IV).

3.3.2 Questionários e leitura de textos

Além das entrevistas do tipo DID (diálogo entre informante e documentador),

explicitadas acima, o conjunto de dados conta com uma complementação através de um

questionário, composto por perguntas e identificação de figuras, e teste de leitura de

textos.

Esses dados não são estilisticamente comparáveis com os demais, pela

diferenciação da técnica de recolha, que aqui se realiza em formato mais formal e,

inclusive, se vale de uma etapa de leitura, ainda mais artificial que o questionário. Por

outro lado, esta será uma estratégia que permitirá registrar realizações de várias

palavras, que são utilizadas esporadicamente pelos falantes brasileiros, mas que

raramente figuram nos corpora estudados. Além disso, será possível comparar a

realização das proparoxítonas em contextos de uso diversos e, assim, ter mais material

que ajude a refletir sobre a relação entre o fenômeno estudado, o conjunto das palavras

proparoxítonas e a formalidade do discurso.

O objetivo é comparar os resultados obtidos nas entrevistas de tipo DID com um

número maior de itens lexicais proparoxítonos, de frequência de uso mais ou menos alta

na fala espontânea, e, assim, será possível não só ampliar o universo lexical da

Page 79: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

79

investigação, como observar os mesmos vocábulos sendo realizados por falantes de

diferentes perfis sociais, com maior regularidade do que as entrevistas permitem. Por

fim, o contraste entre os dados das entrevistas e do questionário/leitura permitirá

observar a mudança de comportamento dos falantes em situações diversas de

comunicação, mais ou menos formais.

Para o controle dos informantes, foram seguidos os critérios metodológicos da

Sociolinguística. O teste foi aplicado a 18 informantes cariocas (cf. Anexo VIII),

distribuídos por três faixas etárias (18 a 35 anos; de 36 a 55 anos e 56 anos ou mais),

três níveis de escolaridade (até 2º segmento do Ensino Fundamental, Ensino Médio e

Ensino superior) e sexo (masculino e feminino).

O inquéritos tiveram duração média de 30 minutos. Como já foi dito, ele é

composto de três etapas e cada uma apresenta características distintas: (i) um

questionário de perguntas e respostas, (ii) a identificação de figuras e (iii) a leitura de

textos. Considera-se que os dados da etapa (i) são os mais espontâneos, vista a interação

semiespontânea entre o informante e o documentador. Já as respostas de (ii) são mais

objetivas e, nelas, o falante altera o seu estilo de fala com relação a (i), estando mais

atento à palavra selecionada para as respostas. A leitura, naturalmente, é a estratégia

mais formal de recolha de dados e seu estilo se destaca das outras duas, mas permitiu

angariar também proparoxítonas pouco usuais ou técnicas, difíceis de serem obtidas

através de perguntas ou figuras.

A lista abaixo contém os 71 itens proparoxítonos levantados com o questionário

e a leitura, 41 com vogal /e/ e 30 com vogal /o/ postônicas não finais:

Page 80: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

80

Vogal /e/ - 41 itens Vogal /o/ - 30 itens

adúltero gênero prótese abóbora horóscopo alienígena hipótese quilômetro agrícola ídolo almôndega hóspede síntese âncora índole áspero ímpeto sonífero apóstolo mármore bafômetro indígena taxímetro autódromo método bípede íntegro tráfego autônomo monótono câmera mamífero termômetro benévolo pérola cárcere milímetro úlcera biólogo pólvora célebre número útero brócolis própolis centímetro ópera velocípede carnívoro psicólogo cérebro pálpebra véspera catástrofe sambódromo cócegas parâmetro cômodo semáforo fenômeno parêntese diálogo símbolo fôlego pêssego fósforo ufólogo frutífero próspero frívolo víbora

Como foi dito, a escolha desses termos buscou abarcar proparoxítonas

sabidamente usuais na fala coloquial, mas que nem sempre foram encontradas nas

entrevistas ou encontradas em quantidade expressiva. Assim, será possível equilibrar o

número de ocorrências de cada termo no conjunto de cada vogal, /e/ e /o/.

Selecionaram-se mais proparoxítonas com a vogal /e/, por ser aquela que apresenta mais

variação na sua realização e o alvo principal das discussões fonológicas dentro do

fenômeno investigado. foram levantadas de formas diversas – perguntas, figuras e

leituras –, sendo que os vocábulos biólogo, catástrofe, gênero, síntese e véspera foram

alvo de perguntas e também de leitura.

As perguntas focalizaram os itens áspero, bafômetro, fenômeno, fôlego, gênero,

hóspede, mamífero, número, ópera, quilômetro, síntese, sonífero, taxímetro, úlcera,

útero, véspera (17 itens), com /e/; e abóbora, agrícola, âncora, apóstolo, autônomo,

biólogo, carnívoro, catástrofe, cômodo, diálogo, ídolo, monótono, pólvora, própolis e

psicólogo (15 itens), com /o/ (cf. Anexo IX).

Os vocábulos conseguidos com o uso de figuras foram almôndega, câmera,

centímetro, cérebro, cócegas, fôlego, milímetro, pálpebra, parêntese, pêssego,

termômetro, tráfego, velocípede (13 itens), com /e/; e autódromo, brócolis, fósforo,

horóscopo, mármore, pérola, sambódromo, semáforo e símbolo (09 itens), com /o/ (cf.

Anexo X)

Page 81: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

81

Como dito, a etapa de leitura permitiu levantar algumas proparoxítonas que

dificilmente seriam conseguidas através de perguntas ou, principalmente, figuras por

serem termos pouco usuais, que têm sinônimos mais frequentes na fala coloquial e

representarem, muitos deles, ideias abstratas. São as palavras: adúltero, alienígena,

bípede, cárcere, célebre, gênero, hipótese, ímpeto, indígena, íntegro, parâmetros,

próspero, prótese, síntese, véspera (15 itens), com /e/; e benévolo, biólogo, catástrofe,

frívolo, índole, método, ufólogo e víbora (08 itens), com /o/ (cf. Anexo XI).

Para não expor o tema que é foco desta pesquisa e obter o máximo de

naturalidade do informante ao produzir as vogais investigadas, atentou-se para diversos

procedimentos no decorrer das gravações. O principal deles foi o investigador alegar o

interesse em conhecer as palavras usadas naturalmente do dia-a-dia dos cariocas. Para

tanto, incluíram-se, entre as 32 perguntas que focalizam as proparoxítonas, 16

distratores com outros padrões acentuais. Além de alternar com o padrão acentual

predominante no inquérito, os distratores também focalizaram a variação lexical

regional e, assim, foram aproveitados para tirar a atenção de algumas perguntas menos

naturais, ou até muito simples, elaboradas para conseguir os itens desejados. Dessa

forma, perguntas como, por exemplo, Qual é o órgão em que o bebê cresce na barriga

da mãe? (útero) e A, B, C são letras. 1, 2, 3 são o quê? (números) foram alternadas

com perguntas do tipo Como você chama uma pessoa que não gosta de trabalhar? e

Além do feijão preto, como chama aqui no Rio um feijão que é marrom? (cf. Anexo

IX).

Sobre essa etapa da pesquisa, considera-se uma hipótese baseada nos resultados

encontrados por DE PAULA (2010), na observação de dados de /e/ e /o/ postônicos não

finais registrados em sete cartas dos Atlas linguísticos AFeBG e MicroAFERJ, que

também foram elaborados através de questionários. Seus resultados apontaram um

contraste na produção dessas vogais por falantes com pouca escolaridade na fala da

Região Metropolitana do Rio de Janeiro: os falantes não cultos preservaram muito mais

as vogais médias neste formato de levantamento, menos natural, em que permanecem

muito mais atentos ao seu discurso. Assim, espera-se que, em comparação com os

resultados das entrevistas, sejam encontrados percentuais de manutenção das vogais

médias, em especial de /e/, ao menos um pouco maiores na fala dos informantes de

Page 82: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

82

diferentes níveis de escolaridade, inqueridos por questionário e leitura, quando estariam

mais atentos a sua fala do que nos diálogos com o documentador.

3.3.3 Variáveis

No âmbito da vogal posterior /o/, os resultados não permitiram a realização de

análise estatística em nenhum corpus analisado, além do controle dos percentuais. Na

análise variacionista da vogal anterior /e/, o alteamento – /e/ > [i] – foi tomado como

valor de aplicação.

Além disso, o comportamento regular dos falantes portugueses, quando a vogal

não é apagada, não permitiu a realização de uma análise variacionista comparativa com

os corpora brasileiros. Por tudo isso, as considerações que serão feitas a seguir, sobre a

análise aqui empreendida, referem-se especialmente aos dados do PB, enquanto os

dados do PE foram tratados separadamente, com o controle dos índices percentuais.

3.3.3.1. A variável dependente

Foram controladas as variantes [e, i] e apagamento, para a vogal /e/; [o, u] e

apagamento, para a vogal /o/. Nesta análise, foram desconsiderados os 20 casos de

alteração da vogal quando, por exemplo, o falante realizou [a, u], em relação ao fonema

/e/; ou [a, i], em relação ao fonema /o/15.

15 Vogal /e/: “... cinquenta a sessenta centí[mutu] de... de altura...”. (centímetro, APERJ: SFI010-B0); Vogal /o/: “... você não pode cortar uma ár[v iRi]/ Deus me livre não podia nem cortar um galho.... (árvore, CCOP: C1H).

Page 83: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

83

Quadro 3. Variantes das vogais /e/ e /o/ postônicas não finais controladas na análise estatística.

VOGAL ANTERIOR /E/

Variável Exemplos

[e]

... eu não vou muito atrás desses costumes assim, como é,

exó[Z enuS], como se... se costuma dizer hoje em dia, pra falar

um pouquinho mais difícil. (exógenos, NURC70: INQ391-M3)

... ficando de olho naquela/ naquele perí[m et Ru] ali entre o

centro de Nova Iguaçu até o Extra... (perímetro, CNIG: A3M)

[i]

O número setenta... quer dizer... se aquela linha é setenta você

vai fazer uma rede de setenta milí[mi t u]. (milímetro, APERJ:

GUA027-B0)

... é preciso que haja pessoas com esse ím[pi t u] de mudar com

esse desejo de de mudar então eu sou uma delas... (ímpeto,

CCOP: A2H)

[ ]

Saí daqui, sabendo que que eu ia enfrentar e eu fui, eu dei uma

entrevista antes, na nas vés[pRåS] de de de viajar... (vésperas,

PEUL80: Man59am)

... eu fazia um monte de cálculo pra chegar a um determinado

nú[m]... eu boto a máquina pra fazer isso, programa ela pra

fazer...... (número, PEUL2000: T31-Tad)

VOGAL POSTERIOR /O/

[o]

... porque ainda estava muito perto da guerra pra eles, tinha mil

coisas racionadas, de modo que era um horror, as mulheres

eram uma catás[t Rof i] né, assim de mau gosto. (catástrofe,

NURC70: INQ006-H2)

Assim tem gente que tem má ín[dol i]... desde o berço não

adianta mas assim/ eu acho que eh... a gente vive nu/ numa

desigualdade muito grande. (índole, CCOP: A3H)

Page 84: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

84

[u]

Estou achando porque vem muita gente de fora pescar o dourado

e ele é um peixe muito faminto... muito carní[vu]. (carnívoro,

APERJ: ITO035-C1)

Você correr, e brincar, pular, subir em ár[vuRi]. Ter uma

infância mais livre. A minha foi assim. (árvore, PEUL2000: T24-

Adri)

[ ]

Então nós chegamos à conclusão, eu disse pro meu gerente: ou

esse homem é gastrô[mu] ou ele não sabe o que está pedindo.

(gastrônomo - NURC70: INQ103-H2)

... mais desenvolvido, mais limpo mais educado, Florianó[pi S]...

eu acho uma cidade mais civilizada mais... mais limpa mesmo,

mais... (Florianópolis, PEUL2000: T32-Euc)

3.3.3.2 Variáveis independentes

Na análise variacionista aqui empreendida, referente à variedade brasileira,

foram controladas, a princípio, 11 variáveis, sendo 04 extralinguísticas e 07 linguísticas,

conforme explicitado nos quadros 4 e 5, a seguir.

Page 85: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

85

Quadro 4. Variáveis extralinguísticas controladas na análise estatística do português brasileiro.

VARIÁVEIS EXTRALINGUÍSTICAS Fator Variável Corpus do PB

1. Faixa etária Faixa 1 - 18 a 35 anos16 Todos Faixa 2 - 36 a 55 anos Todos Faixa 3 - 56 anos em diante Todos

2. Sexo Masculino Todos

Feminino PEUL/ NURC/ CONCORDÂNCIA

3. Escolaridade

Analfabeto - Sem escolaridade APERJ Ensino Fundamental 1º Ciclo - 4 anos

APERJ/ PEUL/ CONCORDÂNCIA

Ensino Fundamental 2º Ciclo - 8 anos

PEUL/ CONCORDÂNCIA

Ensino Médio - 11 anos PEUL/ CONCORDÂNCIA Ensino Superior - 16 anos NURC

4. Localidade Capital do Estado do RJ

PEUL/ NURC/ CONCORDÂNCIA COPA

Baixada Fluminense CONCORDÂNCIA NIG Norte-Noroeste do Estado do RJ APERJ

5. Década 1970 e 1980 APERJ/ PEUL 80/ NURC

2000 PEUL 2000/ CONCORDÂNCIA

As variáveis extralinguísticas são fundamentais para controlar a distribuição dos

resultados encontrados na comunidade de fala fluminense. Ainda que alguns dos fatores

não atuem claramente sobre a variação na produção das vogais estudadas, ao contrário

da escolaridade, já comentada, controlá-las é fundamental na pesquisa sociolinguística.

A variável localidade, por exemplo, que contrasta as diferentes áreas geográficas

onde vivem os informantes da pesquisa, não apontou quase nenhuma especificidade de

caráter regional, apenas o fato de que os pescadores do Norte-Noroeste (corpus APERJ)

se mostraram um pouco mais conservadores na realização da vogal /e/ postônica não

final do que os falantes não cultos da zona urbana, da capital carioca (corpus PEUL 80),

mas tal diferença não foi muito expressiva (DE PAULA, 2010: 97-98). Na atual etapa

do trabalho, atestar essa aparente unanimidade entre as localidades do Estado estudadas

ou descobrir novos condicionamentos que as diferenciem serão resultados igualmente

fundamentais para a compreensão da fala carioca e da fala fluminense.

16 Um dos informantes considerados do corpus PEUL 80 tem 16 anos (cf. Anexo III).

Page 86: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

86

Da mesma maneira, o fator idade já demonstrou ser determinante em muitos

processos de mudança e sempre é controlado em trabalhos sociolinguísticos para que

seja possível observar se a mudança é perceptível com o passar das gerações. Neste

tema, os primeiros resultados haviam demonstrado que a variação na realização de /e/ é

equilibrada entre os falantes das três faixas no corpus APERJ (DE PAULA, 2010:99) e

no corpus NURC (DE PAULA, 2010:94), neste com uma leve diminuição do

alteamento na passagem da Faixa 3 para a 1, diferença que foi desconsiderada pelo

programa de análise estatística.

Considerar o sexo dos informantes, por sua vez, já demonstrou ser fundamental

em qualquer estudo da mudança, pois diversas vezes ficou provado que os homens e as

mulheres têm papeis fundamentais na implementação da mudança em uma comunidade

de fala por se relacionarem de forma diversa com variantes marcadas ou não marcadas

socialmente.

Outros trabalhos anteriores a respeito do vocalismo postônico não final não

demonstraram haver um comportamento discrepante entre os sexos, mas, nas primeiras

etapas dessa investigação, os pesos relativos indicaram que as mulheres são as

principais responsáveis pelo alteamento da média anterior entre os falantes cultos: 0.686

para as mulheres versus 0.333 para os homens, numa rodada não muito expressiva, de

significância 0.040 (DE PAULA, 2010:95). Tal favorecimento, se comprovado,

refletiria o resultado de muitos trabalhos que observam que, muitas vezes, as mulheres

encabeçam processos de mudança que não sejam socialmente estigmatizados, como é o

caso do alteamento em português. Infelizmente, nesta pesquisa, o controle da variável

sexo é restrito não só porque o projeto APERJ, o maior dos corpora considerados,

apresenta apenas falantes do sexo masculino mas também porque a falta de dados em

muitas entrevistas dificulta a realização de um comparação equilibrada entre os dados

de fala de homens e mulheres.

O conhecimento de outras pesquisas que abordam o alteamento de vogais átonas

no português demonstra a necessidade de que sejam controlados diversos fatores

linguísticos que caracterizam o contexto em que a vogal média postônica não final se

realiza, pois muitos deles comprovadamente favorecem ou desfavorecem a redução e

até o apagamento da vogal em outras sílabas inacentuadas, postônicas finais e

pretônicas. Muitos trabalhos confirmam que a natureza das consoantes contíguas pode

Page 87: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

87

favorecer o espraiamento de características articulatórias (como o ponto de articulação),

ou mesmo o compartilhamento natural de um traço com elas (como a labialidade) pode

favorecer o alteamento da vogal. Paralelamente, o grau de abertura das vogais de sílabas

adjacentes também costuma desencadear um processo de harmonização vocálica.

Assim, desde as primeiras etapas da pesquisa, foram codificadas diversas

características que configuram o contexto fonotático em que se inserem as vogais

médias estudadas. A importância desses fatores justifica que todos sejam igualmente

controlados nesta etapa, embora os resultados anteriores tenham demonstrado que, na

fala fluminense das décadas de 1970 e 1980, todos os condicionamentos contextuais

eram de natureza lexical e não fonética. Ou seja, todas as variáveis linguísticas,

referentes a /e/ e a /o/, estavam presas a algum condicionamento lexical, pois os

contextos fonéticos e morfológicos controlados demonstraram uma relação direta com

vocábulos específicos muito produtivos nos corpora e, assim, muitos fatores

linguísticos se superpuseram, como, por exemplo, a consoante precedente /p/ e a

consoante subsequente /k/ que figuram no vocábulo época.

Em suma, por fidelidade aos procedimentos metodológicos que regem esta

pesquisa, todos os fatores linguísticos serão igualmente codificados nesta etapa e

controlados na análise empreendida com o programa Goldvarb-X.

Quadro 5. Variáveis linguísticas controladas na análise estatística do português brasileiro.

VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS

Variável Vogal /e/ Vogal /o/

Fator Exemplo Fator Exemplo

1. Consoante antecedente

[p] ópera [p] Petrópolis

[t] útero [b] abóbora [tS] hipótese [t] monótono

[d] almôndega [d] índole

[dZ] Alfândega [f] fósforo

[f] tráfego [v] herbívoro [s] úlcera [s] bússola [Z] indígena [k] âncora

[g] córrego [g] polígono

[m] número [m] cômodo [n] gênero [n] gastrônomo [l] fôlego [l] diálogo [R] cérebro [R] pérola

Page 88: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

88

2. Consoante subsequente

[b] pálpebras [p] horóscopo

[t] milímetro [d] método [tS] intérprete [f] catástrofe

[d] paralelepípedo [k] época

[z] hipótese [g] biólogas

[g] alfândega [m] autônomo

[m] vivêssemos [n] pentágono [n] indígena [l] índole [l] Mariângela [R] mármore

[R] víscera

3. Vogal da sílaba antecedente

[i] centímetro [i] ídolo [e] pêssego [E] época

[E] véspera [a] Távola

[a] nádega [ç] monótona

[ç] ópera [o] incômodo

[o] quilômetro [u] bússola [u] úlcera

4. Vogal da sílaba subsequente

[i] célebre [i] Nápoles [å] inúmeras [å] cômoda

[o] (01 oco) milí[m i t o] [u] tômbolos

[u] fenômeno

5. Classe do vocábulo

Substantivo próprio

Aristóteles Teresópolis

Substantivo comum

prótese pérola

Adjetivo célebre autônomo Verbo tivéssemos

6. Posição na palavra

Primeira raiz fôlego cômoda Fora da primeira raiz

centímetro tivéssemos

Petrópolis

7. Classificação lexical

Usual número árvore Pouco usual víscera herbívoro Técnico hidrômetro polígono Antropônimo Mariângela Débora Topônimo Alfândega Mariópolis

Os verbos com o padrão acentual proparoxítono que apresentem vogal média

postônica não final são raros e restritos às vogais anteriores. Foram encontrados 6

formas verbais, da 1ª, da 2ª e da 3ª conjugações, realizados na 1ª pessoa do plural do

pretérito imperfeito do subjuntivo: amássemos, estudássemos, tivéssemos, quiséssemos,

vivêssemos e uníssemos.

Page 89: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

89

Muitas palavras de origem latina ou grega foram formadas por mais de um

radical na história do português, mas passaram a ser reconhecidas como vocábulos de

uma raiz apenas, principalmente pela perda do significado específico de cada morfema e

o surgimento de um sentido novo para o vocábulo composto. Muitas adquiriram o

padrão acentual proparoxítono e algumas compõem o corpus deste trabalho, como, por

exemplo, parâmetro, perímetro, hipótese, sambódromo, diálogo, Pentágono e Nilópolis.

Embora seja difícil determinar quais desses vocábulos ainda são analisados

como composições e quais são processados como um radical acompanhado de afixo, as

vogais do corpus serão codificadas conforme sua posição na palavra: na primeira raiz

ou fora da primeira raiz, seja nos segmentos -metro, -logo, -voro, -nomo, -gono, -pole, -

polis ou no morfema verbal -sse.

A despeito de terem sido desconsiderados na primeira análise todos os fatores

linguísticos investigados que aqui se expuseram, nesta etapa, o fator classificação

lexical continuará sendo observado de perto, tanto na análise estatística quanto na

interpretação fonológica dos resultados, visto que os condicionamentos lexicais

permeiam o universo de dados em que se encontram as vogais médias postônicas não

finais: o grupo dos itens proparoxítonos. Para tanto, os dados serão observados de

acordo com a usualidade, segundo a classificação efetuada por De Paula (2010), que

diferencia desde os itens provenientes do vocabulário familiar e presentes na fala de

todo indivíduo até aqueles que pertencem ao vocabulário adquirido, que inclui

vocábulos proparoxítonos quase sempre ausentes na fala coloquial e muitas vezes

relacionados ao conhecimento da escrita e à fala técnica. O controle de topônimos e

antropônimos, por sua vez, é importante para verificar se a sua frequência aproxima o

seu comportamento de termos originalmente pouco usuais ou técnicos ou de termos

considerados usuais. É o caso de palavras como Alfândega, Távola ou Pentágono.

3.3.4 Bases da análise qualitativa

Além da etapa estatística, será realizada uma análise do comportamento das

proparoxítonas com vogal média postônica não final nas amostras sociolinguísticas

levantadas no Rio de Janeiro. Tendo como base os preceitos da Fonologia de Uso,

Page 90: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

90

interessa principalmente verificar a frequência de determinadas sequências com a vogal

anterior /e/ e a posterior /o/ nesses corpora, observando-se não só comportamentos

idiossincráticos dos falantes como também a distribuição das variantes encontradas

dentro do universo lexical que compõe a pesquisa.

Para a observação da constituição lexical dos dados, realiza-se, primeiramente, a

contabilidade da frequência de ocorrência das proparoxítonas nas amostras de acordo

com a sua distribuição em cada década e a realização fonética das vogais postônicas

mediais. Na etapa seguinte, será feito um levantamento geral das terminações das

proparoxítonas estudadas, que geralmente se repetem em muitos vocábulos, como

consequência das formações morfológicas desses vocábulos.

O objetivo principal desta etapa era controlar a ocorrência dos vocábulos na fala

de cada informante para, enfim, verificar que padrões morfológicos – ou sequências

fonéticas – constituem types para as vogais médias postônicas não finais no português.

Entretanto, não só a restrição lexical dos corpora como também a constatação de que se

observa uma mudança em estágio final, na qual a variação é muitas vezes excepcional,

não permitem uma análise lexical tão profícua quanto se esperava. Por outro lado, a

observação do comportamento individual dos falantes permitirá a compreensão da

constituição lexical desta pesquisa, tanto quanto seja possível.

Na etapa final da pesquisa, por fim, propõe-se uma interpretação fonológica para

a constituição do vocalismo postônico não final. Será discutido o estatuto da assimetria

entre as vogais anteriores e posteriores na fala fluminense, considerando-se as hipóteses

de Câmara Jr. e Bisol e a atuação de fatores sociais e discursivos, já comentados.

Embora a pesquisa parta, prioritariamente, de dados do dialeto fluminense,

pretende-se firmar, com base na comparação com a fala lisboeta, uma proposta teórica

suficientemente abrangente para o PB. Para tanto, espera-se que os resultados de todas

as etapas e a compreensão de fatores sociais e discursivos em atuação confluam para a

compreensão da assimetria na implementação do alteamento, a qual parece resistir no

vocalismo postônico não final, ao menos no âmbito fonético da fala culta espontânea ou

das falas culta e popular monitoradas.

Em conformidade com a primeira etapa desta pesquisa, desenvolvida por De

Paula (2010), sugere-se que a neutralização entre vogais médias e altas postônicas não

finais esteja efetivada no sistema fonológico do PB. Espera-se que, havendo variação

Page 91: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

91

ainda entre médias e altas (em especial na articulação anterior), ela ocorrerá por

questões de norma (culta) e discurso (formal), mas com índices pouco expressivos no

século XXI.

Page 92: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

92

4. ANÁLISE DOS DADOS

Os corpora para o estudo do processo de mudança no âmbito das vogais médias

em sílaba postônica não final realizado nesta tese contabilizam 3276 dados. Eles estão

distribuídos por 166 entrevistas sociolinguísticas e 17 gravações de questionários,

referentes ao PB, e 53 entrevistas sociolinguísticas, referentes ao PE.

4.1 A variação na fala fluminense

Aqui serão apresentados e analisados os dados do PB, referentes à fala

espontânea (corpora sociolinguísticos) e à fala monitorada (questionários/leitura) do

Estado do Rio de Janeiro. Os resultados testificam a variação das vogais médias

postônicas não finais nas variedades de fala culta e popular fluminenses, nas duas

décadas investigadas.

4.1.1 Corpora sociolinguísticos

O conjunto de dados sociolinguísticos refere-se a 166 entrevistas do tipo DID,

que apresentaram um total de 1844 ocorrências de proparoxítonas com vogal média

postônica não final. O universo lexical das entrevistas está composto por 89 diferentes

vocábulos, 43 com /e/ e 46 com /o/ postônicos não finais, os quais estão listados a

seguir. A distribuição desses vocábulos nas entrevistas e outras questões serão

observadas no capítulo 5, em que se discutem os aspectos lexicais do fenômeno

estudado.

Page 93: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

93

Vogal /e/: Vogal /o/:

alfândega número abóbora ídolo almôndega ópera Acrópole incômodo amássemos pálpebra Adrianópolis índole Aristóteles paralelepípedo agrícola Mariópolis câmeras parâmetro âncora mármore centímetro perímetro árvore método célebre pêssego autônomo metrópole cérebro prótese biólogas monótono córrego quilômetro bússola Nápoles estudássemos quiséssemos carnívoro Nilópolis exógenos tivéssemos catálogo pároco fenômeno tráfego catástrofe Pentágono fôlego úlcera cômoda pérola gênero uníssemos cômodo Petrópolis hidrômetro útero cômoro polígono hipótese velocípede Débora psicólogo ímpeto vértebras diálogo sambódromo indígena véspera época semáforo intérprete víscera Florianópolis símbolo inúmeros vivêssemos fósforo sociólogo Mariângela gastrônomo Távola milímetro Heliópolis Teresópolis nádega herbívoro tômbolos

As proparoxítonas com vogal /e/ totalizaram 485 ocorrências e as com vogal /o/,

1359. Os resultados para o vocalismo postônico não final aqui discutidos devem ser,

então, relativizados, considerando-se que a ocorrência da vogal anterior /e/ restringe-se

a 26,3% dos dados.

Os corpora levantados em 1970 e 1980, APERJ, PEUL 80 e NURC, somam

1414 ocorrências, 406 de /e/ e 1008 de vogal /o/. Já as 45 entrevistas referentes aos anos

2000, dos corpora Concordância Copacabana, Concordância Nova Iguaçu e PEUL

2000, apresentaram 430 ocorrências de proparoxítonas com vogal média postônica não

final, 79 com vogal /e/ e 351 com /o/.

Destes totais, foram desconsideradas 20 ocorrências de alteração das vogais

médias, 17 referentes a /o/ e 03 a /e/. Houve 01 caso no corpus NURC (época: [»Epi å]),

12 no corpus APERJ (época: 07 [»Epi kå] e 01 [»Epi å]; árvore: 01 [»a˙vi Ri]; centímetro:

02 [s e)»t Simudu] e 01 [s e)»t Simut u]), 05 no corpus Concordância (época: 04 [»Epi kå];

árvore: 01 [»a:vi Ri]) e 02 no corpus PEUL 2000 (época: 01 [»Epi kå] e 01 [»Epi å]).

Page 94: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

94

As tabelas 2 e 3 abaixo informam a distribuição dos dados em cada corpus

investigado:

Tabela 2. Distribuição das 1414 ocorrências de vogal média postônica medial por corpus sociolinguístico – Décadas de 1970/80.

Corpus Vogal /e/ Vogal /o/

NURC 88 93

Total: 181

APERJ 278 697

Total: 975

PEUL 80 40 218

Total: 258

Tabela 3. Distribuição das 430 ocorrências de vogal média postônica medial por corpus sociolinguístico – Década de 2000.

Corpus Vogal /e/ Vogal /o/ Concordância Copacabana

33 120 Total: 153

Concordância Nova Iguaçu

30 135 Total: 165

PEUL 2000 16 96

Total: 112

Destaca-se que a vogal posterior /o/ é a mais frequente nos dados investigados,

não só no total geral como em cada corpus separadamente, tanto em número de lexemas

quanto em número de ocorrências.

A seguir, apresentam-se os índices de realização das vogais em cada corpus

estudado, organizados de acordo as datas de levantamento (anos 1970/80 e anos 2000).

Essa análise inicial, com base em percentuais, servirá para observar também as

características sociais de cada corpus estudado. Em sequência, conforme os dados

permitem, realizam-se etapas de análise variacionista, especialmente uma análise para o

conjunto de dados das décadas de 1970/80 e outra das amostras da década de 2000. Por

fim, apresenta-se o resultado de uma análise comparativa entre as duas sincronias.

Page 95: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

95

4.1.1.1 As décadas de 1970 e 1980

Os resultados para o Estado do Rio de Janeiro, nas décadas de 1970/80, já foram

parcialmente comentados na seção 2.1.3 desta tese e serão aqui retomados e detalhados

através da observação atenta de cada corpus separadamente. Posteriormente, eles serão

confrontados entre si e com os dados dos anos 2000.

a. PEUL 80

Entre os falantes do PEUL 80, corpus representativo da fala popular, o processo

de redução das vogais médias postônicas mediais foi praticamente categórico, chegando

a não haver um dado de manutenção de /e/:

Tabela 4. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus PEUL 80 (variedade popular) – Década de 1980.

Corpus PEUL 80

Alteamento Manutenção Apagamento Total

Vogal /e/ 39 0 01 40

97,5% 0% 2,5% 100% Exemplo [ » v E S p I R å ] [ » v E S p R å ]

Vogal /o/ 165 02 51 218

75,7% 0,9% 23,4% 100% Exemplo [ a w » t o n u m u ] [ » k o m o d u S ] [ a w » t o m å S ]

Fonte: DE PAULA (2010:98).

Ainda assim, a vogal /o/ mostra-se a mais débil nesses dados, por ser mais

sensível ao apagamento (23,4% dos casos), enquanto a vogal /e/ foi apagada apenas 01

vez (2,5%).

Tudo isso indica que o sistema de 03 elementos vocálicos se encontra

simetricamente implementado entre os falantes não cultos da capital desde a década de

1980 e que a manutenção das médias seja um caso de variação – que foi raro nesta

amostra (02 ocorrências de [o]).

O total de 40 ocorrências de /e/ se distribui em 24 dados no nível fundamental

(no qual se encontrou o único caso de apagamento) e 16 no nível médio. Já o total das

Page 96: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

96

218 ocorrências de /o/ se divide em 108 dados no nível fundamental (dentre as quais

estão 10 casos de apagamento e 01 caso de manutenção) e 110 no nível médio (com 41

casos de apagamento e 01 de manutenção).

A distribuição lexical dos proparoxítonos encontrados entre os falantes desse

corpus, segundo a variável classificação lexical, é de 93,4% de termos usuais e de

6,6% de vocábulos pouco usuais. Ressalta-se ainda que o único caso de cancelamento

de /e/ produzido por esses informantes ocorreu em um vocábulo usual: [»v ESp R å].

Sendo o PEUL 80 um conjunto de dados que apresenta inexpressiva variação no

âmbito do fenômeno estudado – manutenção versus alteamento – este corpus não pôde

ser analisado individualmente em análise variacionista. Somado a outros dados da

mesma sincronia, ele será considerado na análise estatística final.

b. APERJ

Ao observar o comportamento dos informantes do APERJ, vê-se que os

pescadores foram, entre os falantes não cultos dessa época, um pouco mais

conservadores que os falantes da capital. Aqui as vogais médias foram mantidas em 16

dados de /e/ e 25 dados de /o/. É claro, também, que este corpus apresenta muito mais

dados (por terem sido consideradas 78 entrevistas, para que assim fossem cobertas todas

as localidades pesqueiras investigadas pelo Projeto), em comparação com o PEUL 80,

do qual se consideraram 25 inquéritos. A tarefa de observar um fenômeno variável é

mais bem sucedida quanto maior for o número de dados.

É interessante observar que o comportamento das vogais anterior e posterior

também é semelhante nessa amostra, não parecendo haver nenhuma assimetria nos

processos de redução que as atingem:

Page 97: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

97

Tabela 5. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus APERJ (variedade popular) – Década de 70.

Corpus APERJ

Alteamento Manutenção Apagamento Total

Vogal /e/ 229 16 33 278

82,4% 5,8% 11,9% 100% Exemplo [ » n u m I R u ] [ » n u m e R u ] [ » n u m u ]

Vogal /o/ 537 25 135 697

77,1% 3,59% 19,4% 100% Exemplo [ a ˙ » v u R I ] [ a ˙ » v o R I ] [ a ˙ » v I ]

Fonte: DE PAULA (2010:97).

Os baixos índices de manutenção das médias, verificados no corpus APERJ,

também impediu a realização de uma análise variacionista. Entretanto, apresentam-se os

percentuais das variáveis faixa etária e classificação lexical nesse corpus (cf. DE

PAULA:99-101), porque ambas foram pertinentes nos resultados de outras etapas de

análise. Essa foi a única amostra representativa da fala popular que apresentou variação

no âmbito do fenômeno estudado.

Tabela 6. Variáveis faixa etária e classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial no corpus APERJ (variedade popular) – Década de 1970.17

Corpora APERJ Variáveis Fatores Oco Perc.

Faixa Etária Faixa 1 33/36 91,7% Faixa 2 129/137 94,2% Faixa 3 67/72 93,1%

Classificação Lexical

Usual 228/242 94,2% Não usual 01/03 33,3%

A diferença percentual entre as faixas etárias é muito pequena, sendo a faixa 2

um pouco mais propícia ao processo que as demais (94,2%). Considerando também os

casos de cancelamento, a diferença entre as faixas na redução de /e/ mostra-se ainda

menor: 93%, 94,8% e 93,9%, respectivamente para as faixas 1, 2 e 3.

Sendo o alteamento extremamente produtivo entre os falantes não cultos, é

natural que as variáveis, linguísticas e sociais, não demonstrem sistematicidade. Isso

17 Aqui corrigiu-se 01 dado apresentado equivocadamente em De Paula (2010, p. 100, 101 e 112): 01 ocorrência de vocábulo usual do corpus APERJ havia sido contabilizada entre os não usuais.

Page 98: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

98

indica que os resultados sejam uma variação residual, resquícios de um processo de

mudança em etapa final nessa variedade de fala.

É entre os termos usuais e não usuais que se observa a maior diferença. A

maioria absoluta das proparoxítonas empregadas pelos pescadores (98,6%) são usuais,

pertencentes ao vocabulário ativo, que não advêm necessariamente da experiência

escolar. Nos únicos 03 casos de /e/ que fogem a essa regra, indígena e vértebra, os

falantes altearam a vogal em apenas 01 deles: [i )�dZ i Z i nå].

Correlacionando-se os resultados do APERJ com os do PEUL 80, mostra-se

clara a regularidade na fala popular fluminense dos anos 80. Com percentuais muito

baixos de variação entre vogais médias e altas, especialmente no interior do Estado, ou

categóricos a favor das altas, na capital, o processo de redução desses fonemas está

aparentemente implementado entre os falantes que tiveram pouco contato com a escola.

Além disso, o alteamento atinge simetricamente as vogais médias nessa variedade de

fala, distanciando-se da proposta de Câmara Jr (1970), e isso é mais um indício do

possível predomínio do quadro mais simples, de 03 vogais /i, a, u/, já nessa época, em

concordância com Bisol (2003). Os resultados tornam-se mais complexos quando se

observam os dados da variedade culta a eles contemporâneos.

c. NURC

Os falantes cultos do NURC mostraram-se os mais conservadores na realização

das vogais médias postônicas não finais, porque foram menos receptivos aos processos

tanto de apagamento quanto de alteamento, como se expõe na Tabela 7, a seguir. Ainda

assim, mais uma vez a vogal /o/ mostrou-se a mais débil, por ser um pouco mais

sensível ao apagamento e, especialmente, por ser alteada com muita frequência –

embora não categoricamente – enquanto a vogal /e/, inversamente, foi mantida como

média na maioria absoluta dos casos.

Page 99: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

99

Tabela 7. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus NURC (variedade culta) – Década de 1970.

Corpus NURC

Alteamento Manutenção Apagamento Total

Vogal /e/ 19 68 1 88

21,6% 77,3% 1,1% 100% Exemplo [ » v E S p I R å S ] [ » v E ˙ t e bR å S ] [ » v E ˙ bR å S ]

Vogal /o/ 78 9 6 93

83,9% 9,7% 6,4% 100% Exemplo [ a » b ç b U R å ] [ a » b ç b o R å ] [ a » b ç b R å ]

Fonte: DE PAULA (2010:93).

Os termos usuais compõem 80,7% do léxico deste corpus e os não usuais 19,3%.

A concretização das vogais estudadas é quase categórica nesta variedade: as

vogais /e/ e /o/ foram canceladas em apenas 1,1% e 6,4% dos dados, respectivamente.

Quando não apagada, a vogal posterior /o/ sofreu alteamento em 83,9% dos casos,

enquanto a vogal anterior /e/ realizou-se preferencialmente como média, em um total de

77,3% das ocorrências.

Na fala culta, o processo de mudança parece confirmar-se em estágio final para a

vogal /o/, já em 1970, quando a alternância [o] ~ [u] indica um caso de variação em

favor de [u], à semelhança do quadro átono final. Por outro lado, a vogal /e/ tem um

comportamento parecido com o que ocorre na sílaba pretônica, sem alternar com /i/ de

forma regular.

É, portanto, entre os informantes cultos que os resultados indicam uma

assimetria na implementação do alteamento, por resistência da vogal média /e/,

defendida por Câmara Jr (1970). Considerando-se que sua tese de doutorado foi

defendida em 1949 e que o alvo de sua descrição foi a fala culta carioca da década de

194018, suas observações dizem respeito à mesma variedade de fala focalizada pelo

NURC, 30 anos depois.

Por ser o corpus das décadas de 1970/80 o que mais apresentou variação entre

médias e altas, o NURC foi o único que permitiu a análise estatística para a vogal /e/ –

desconsiderando-se o único dado de apagamento da vogal –, análise que foi

detalhadamente exposta em De Paula (2010:94-96). Ainda assim, a variação neste

corpus apresentou 09 dados de manutenção de /o/, em um total de 93, e 19 de 18 A informação está apresentada na Nota Prévia de Câmara Jr. (1953).

Page 100: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

100

alteamento de /e/, em um total de 88. Por isso, a análise foi muito restrita para que se

pudessem confirmar claramente os condicionamentos extralinguísticos e, especialmente,

linguísticos em atuação no corpus. Consequentemente, a significância da rodada final

não foi boa (0.040), conforme se verá adiante na Tabela 9.

Em todos os corpora considerados nesta pesquisa, as variáveis fonéticas

controladas – que haviam sido apontadas por Vieira (1994) como condicionadoras do

alteamento das vogais /e/ e /o/ postônicas mediais na Região Sul – foram relacionadas a

determinados vocábulos muito frequentes na fala fluminense, não só no NURC, como

em todos os corpora representativos da fala do Rio de Janeiro. Uma discussão atenta

das variáveis linguísticas desconsideradas nas análises está exposta em De Paula (2010).

Assim, não levando em conta a maior parte dos condicionamentos linguísticos,

como as características articulatórias dos elementos adjacentes e a classe de palavras,

por exemplo, foram passíveis de análise binomial apenas três variáveis: faixa etária,

sexo e classificação lexical.

(A) Variável não selecionada

As faixas etárias apresentaram índices de alteamento que diminuem

gradualmente nas gerações mais novas (23,1% > 21,9% > 18,8%), mas com diferenças

mínimas, motivo pelo qual a variável faixa etária não foi selecionada pelo programa

(2010:94).

Tabela 8. Variável faixa etária para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 1970.

Corpus NURC Variável Fatores Oco %

Faixa Etária

Faixa 1 3/16 18,8% Faixa 2 7/32 21,9% Faixa 3 9/39 23,1% Total 19/87 100%

Fonte: DE PAULA (2010:94).

Page 101: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

101

(B) Variáveis selecionadas

A tabela abaixo apresenta a rodada final da análise, em que o alteamento foi

tomado como valor de aplicação, frente à manutenção de /e/ (este critério foi adotado

em todas as análises). O sexo e a classificação lexical foram considerados relevantes:

Tabela 9. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 1970.

Corpus NURC Variáveis Fatores Oco % Peso Relativo

Sexo Homem 5/46 10,9% 0.333 Mulher 14/41 34,1% 0.686

Classificação Lexical

Usual 9/59 15,3% 0.407 Não usual 10/28 35,7% 0.688

Signif: 0.040 Input: 0.182 Fonte: DE PAULA (2010:95).

As mulheres mostraram-se as maiores responsáveis pelo alteamento de /e/, sendo

favoráveis ao processo de mudança, embora não intensamente: p. r. de 0.686, referente a

34,1% de casos de alteamento. Os homens, ao contrário, foram os mais conservadores:

p. r. de 0.333 para 10,9% dos casos. É importante destacar que a diferença entre os

sexos encontra-se na faixa dos 20% de produtividade da vogal alta [i].

Os termos não usuais (que agregam os pouco usuais e técnicos) foram os mais

favoráveis ao alteamento (p. r. de 0.688), demonstrando que o processo não é

lexicalmente restrito entre os cultos, que mantêm a vogal média tanto em vocábulos

mais frequentes e comuns quanto naqueles mais restritos ao vocabulário passivo e ao

discurso técnico.

Conclui-se que, por um lado, a assimetria de alguma maneira está presente na

variedade de fala culta carioca ao menos até a década de 70, ratificando Câmara Jr

(1970), mas o alteamento, em 21% das ocorrências de /e/, demonstra a presença da

variação entre médias e altas já nessa época. Considerando Bisol (2003), por outro lado,

pode-se considerar a hipótese da persistência do sistema de 05 vogais, especialmente

quando se observa /e/, com quase 80% de articulação média [e], mas também no âmbito

de /o/, com aproximadamente 10% de realização da média [o]. O sistema mais simples,

de 03 vogais, não pode ser confirmado como regular entre esses falantes nos anos 70.

Page 102: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

102

d. Análise das amostras dos anos 1970 e 1980

Esta etapa observa em conjunto os dados da fala fluminense levantados nas

décadas de 1970 e 1980, contrastando, em análise estatística, as amostras que

apresentaram variação no fenômeno estudado.

A Tabela 10, abaixo, informa os resultados percentuais gerais de realização,

alteamento ou cancelamento das vogais /e/ e /o/ nos corpora APERJ, PEUL e NURC, já

apresentados por De Paula (2010). Os percentuais de alteamento das vogais médias são

muito parecidos nesses dados. No Estado do Rio de Janeiro, como um todo, atestou-se o

predomínio do alteamento, em 70,7% dos casos da vogal anterior /e/ e em 77,4% dos

casos da posterior /o/. Na perspectiva da implementação da mudança para a articulação

alta, o processo parece ser simétrico na comunidade de fala do Estado.

Tabela 10. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80.

Fonte: DE PAULA (2010:89).

Entretanto, em detalhes, vê-se que a realidade é diferente. Em primeiro lugar, os

índices de cancelamento, fenômeno que se apresenta significativamente nos corpora,

mostram-se distintos em contexto anterior e posterior: 8,6% dos dados de /e/ e 19% dos

dados de /o/. Somados aos casos de alteamento, esses dados estão em concorrência com

as vogais médias, que se realizaram em 20,7% das ocorrências da vogal anterior /e/ e

em apenas 3,6% dos casos da posterior /o/.

Assim, observando-se o ponto de vista da resistência à mudança, ou seja, da

manutenção da vogal média, há diferença marcante entre o contexto anterior e o

posterior. Quando retirados das amostras os casos de cancelamento, veem-se apenas os

Corpora PEUL 80, APERJ e NURC Alteamento Manutenção Apagamento Total

Vogal /e/ 287 84 35 406

70,7% 20,7% 8,6% 100% Exemplo [ s e)» t S i m I t U ] [ s e)» t S i m e t U ] [ s e)» t S i m U ]

Vogal /o/ 780 36 192 1008

77,4% 3,6% 19% 100% Exemplo [ » å ) k U R å ] [ » å ) k o R å ] [ » å ) k å ]

Page 103: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

103

dados em que a vogal foi concretizada e, neles, fica clara a assimetria na implementação

do alteamento na fala fluminense:

Tabela 11. Índices gerais da concretização de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80.

Corpora PEUL 80, APERJ e NURC Alteamento Manutenção Total

Vogal /e/ 287 84 371

77,4% 22,6% 100%

Vogal /o/ 780 36 816

95,6% 4,4% 100% Fonte: DE PAULA (2010:90).

A vogal /o/ apresenta 95,6% de alteamento, possivelmente demonstrando a

conclusão do processo nesse contexto, enquanto a vogal /e/ ainda tem resistência de

22,6% (contra 77,4% de alteamento).

Fala culta x Fala popular

Na primeira etapa desta pesquisa, na análise apresentada em síntese na seção

2.1.3 e aqui retomada, a fala fluminense dos anos 70 e 80 foi tratada estatisticamente

através do confronto do corpus de fala culta NURC, da capital fluminense, e do corpus

de fala popular APERJ, do Norte-Noroeste do Estado.

Lembra-se que o corpus NURC foi analisado estatisticamente, na análise

apresentada neste capítulo, o que não foi possível em relação ao APERJ. Já os dados do

PEUL 80 não foram submetidos à análise multivariada, nessa etapa, por serem os únicos

referentes à fala popular da capital e apresentarem comportamento categórico.

É importante destacar novamente que as primeiras tentativas de análise foram

insistentes no controle e na observação das variáveis linguísticas. Muitas rodadas foram

realizadas, com a reunião de fatores no Programa Goldvarb-X, seguidas da exclusão de

quase todas as variáveis linguísticas.

Por fim, lembra-se que, mais uma vez, o tratamento estatístico é desenvolvido

apenas para os casos de concretização da vogal anterior /e/, pois a vogal /o/ quase não

apresenta variação.

Page 104: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

104

(A) Variáveis não selecionadas

Desconsiderando-se os casos categóricos e as variáveis fonéticas, que outra vez

não se mostraram pertinentes para o fenômeno, foram computadas na análise estatística

final a escolaridade, a faixa etária e a classificação lexical. Destas, foram eliminadas

duas: faixa etária e classificação lexical:

Tabela 12. Variáveis faixa etária e classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Décadas de 1970/8019.

Corpora APERJ e NURC Variáveis Fatores Oco Perc.

Faixa Etária Faixa 1 36/52 69,2% Faixa 2 136/169 80,5% Faixa 3 76/111 68,5%

Classificação Lexical

Usual 237/301 78,7% Não usual 11/31 37, 5 %

Fonte: De PAULA (2010:101).

As faixas etárias foram desconsideradas por apresentarem grande semelhança

entre as faixas 1 e 3. Entretanto, quando se observa a distribuição de todos os dados de

vogal /e/ postônica medial recolhidos nos anos 70/80, nas três amostras, vê-se que a

maior parte dos dados, concentram-se na faixa 2 do corpus APERJ (Tabela 6). Nela

estão 137 dos 371 dados, o que condicionou o resultado da variação etária nesta análise

APERJ X NURC, pois, entre os cultos, observa-se um aumento pequeno do alteamento

com a idade (cf. Tabela 8).

Sobre a classificação lexical, para que a análise fosse realizada com sucesso,

foram amalgamados aos termos usuais também os topônimos e antropônimos, e aos

termos não usuais, também aqueles classificados como técnicos. Mesmo que os pesos

relativos (0.544 para termos usuais; 0.163 para não usuais) e a significância (0.000) da

rodada tenham demonstrado que a usualidade dos termos lexicais favorece de alguma

forma o alteamento da vogal, tal grupo de fatores foi preterido pelo programa.

19 Aqui corrigiu-se 01 dado apresentado equivocadamente em De Paula (2010, p. 100, 101 e 112): 01 ocorrência de vocábulo usual do corpus APERJ havia sido contabilizada entre os não usuais.

Page 105: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

105

(B) Variável selecionada

A partir dos resultados, conclui-se que os condicionamentos lexicais, referentes

a um uso maior de termos pouco usuais ou técnicos, têm menos força que a escolaridade

dos falantes, a única variável que foi considerada relevante para a implementação da

regra de alteamento entre os falantes das décadas de 1970/80. Este resultado foi

previamente apresentado na seção 2.1.3, na Tabela 1, que aqui se repete:

Tabela 1. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Décadas de 1970/80.

Corpora APERJ e NURC Variável Fatores Oco % P. R.

Escolaridade Ensino Superior 19/87 21,8% 0.052

De 0 a 4 anos 229/245 93,5% 0.737 Signif.: 0.000 Input: 0.836

Fonte: DE PAULA (2010:102).

O alteamento (valor de aplicação) tem peso relativo de 0.737, na fala popular

(APERJ), e de apenas 0.052, na fala culta (NURC). Isso comprova uma das hipóteses

iniciais, que previa que as vogais médias teriam maior representatividade na fala culta.

Por outro lado, não fica comprovado que proparoxítonos não usuais concorram para a

persistência das vogais médias nesta variedade de fala.

Esperava-se que os vocábulos proparoxítonos não usuais e técnicos, em geral

mais usados pelos falantes cultos, fossem os responsáveis pela inibição do alteamento,

que seria mais produtivo nos vocábulos usuais. Entretanto, como se vê nos resultados do

NURC, os falantes cultos mantiveram a vogal como média não só nas proparoxítonas

menos frequentes, mas ainda mais nas usuais. Igualmente, os não cultos

preferencialmente altearam a vogal, tanto nos termos comuns como nos poucos casos de

vocábulos formais que pronunciaram. Destaca-se, nesse sentido, o comportamento

categórico dos falantes do PEUL 80 ao altear /e/ e /o/.

Page 106: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

106

4.1.1.2 A primeira década de 2000

Nesta etapa, novamente os dados de fala espontânea serão apresentados por

corpus e a relação entre a fala culta e a popular continuará sendo observada, à

semelhança do que foi feito até aqui. Isso dará a base para a análise multivariada

realizada nesta seção.

a. PEUL 2000

Nas entrevistas do corpus PEUL 2000 está registrada, mais uma vez, a fala

popular da capital carioca, agora em dados referentes aos anos 2000. Infelizmente, o

número de ocorrências da vogal anterior /e/ foi muito baixo, apenas 16 casos, o que não

permite uma observação mais ampla da variação encontrada no âmbito desta vogal.

Considerou-se ampliar o número de entrevistas contabilizadas neste corpus, mas

os demais inquéritos não estão distribuídos regularmente pelas células sociais

consideradas. Ao mesmo tempo, o levantamento prévio de ocorrências do fenômeno

investigado nos demais inquéritos mostrou que muitos falantes não haviam produzido

nem um caso de vogal postônica medial, especialmente no âmbito de /e/. Assim,

considerar mais entrevistas no corpus PEUL 2000 teria como consequência acarretar

um desequilíbrio muito grande na representatividade social do conjunto de dados, com

um ganho numérico pequeno.

Para a melhor observação deste corpus, enquanto representativo da fala popular,

ao contrário de analisá-lo separadamente, optou-se por somá-lo aos dados de falantes

não cultos do corpus Concordância e realizar uma análise estatística em conjunto, o que

será apresentado nas próximas seções. Além disso, no próximo capítulo, procede-se a

uma análise lexical em que os dados do PEUL serão focalizados também nos níveis

lexical e individual.

Ao observar os resultados dessa amostra em percentuais, vê-se que o

comportamento dos falantes não foi plenamente categórico na sincronia atual, como

aconteceu na década de 80. As vogais médias agora estão um pouco mais presentes, mas

em apenas 06 ocorrências, 04 de /e/ e 02 de /o/:

Page 107: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

107

Tabela 13. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus PEUL 2000 (variedade popular) – Década de 2000.

Corpus PEUL 2000

Alteamento Manutenção Apagamento Total

Vogal /e/ 11 04 01 16

68,8% 25% 6,2% 100% Exemplo [ » ç p I R å ] [ » f o l e g U ] [ » n u ) m ]

Vogal /o/ 88 02 06 96

91,7% 2,1% 6,2% 100% Exemplo [ » s i ) b U l U ] [ a » b ç b o R å ] [ a » b R ç b å ]

Embora a vogal média [e] apareça um pouco mais expressivamente em índices

percentuais, o seu número de ocorrências nos inquéritos ainda é extremamente baixo. O

que parece ser significativo em índices percentuais é resultado do pequeno número de

vocábulos encontrados no universo de 10 entrevistas.

Já a vogal /o/ confirma-se, neste corpus, como um fonema em neutralização com

/u/, demonstrando a consolidação da mudança desta vogal no período que vai da década

de 1970 até a atualidade. Em 96 dados, a vogal só persistiu como média em 02 (2,1%)

dados e foi majoritariamente reduzida de alguma forma, seja alteada (91,7% dos casos)

ou apagada (6,2%).

Entre os informantes do PEUL 2000, é possível vislumbrar, de forma muito

restrita, algumas diferenças quanto ao nível de escolaridade no comportamento dos

cariocas (Tabela 14). Destaca-se, primeiramente, que os falantes que estudaram até o

nível Fundamental, no máximo, são responsáveis pela maior parte dos dados (11 de 16

ocorrências de /e/; 71 de 96 ocorrências de /o/), pois nesse grupo incluem-se aqueles

com o 1º e o 2º segmento do Ensino Fundamental, que são aproximadamente 2/3 dos

informantes deste corpus.

Page 108: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

108

Tabela 14. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais por nível de escolaridade no corpus PEUL 2000 (variedade popular) – Década de 2000.

Variável Escolaridade – Corpus PEUL 2000 Fatores Alteamento Manutenção Apagamento

Vogal /e/ Fundamental

09/11 02/11 0/11 81,8% 18,2% 0%

Médio 02/05 02/05 01/05 40% 40% 20%

Vogal /o/

Fundamental 64/71 02/71 05/71 90,1% 2,8% 7,1%

Médio 24/25 0/25 01/25 96% 0% 4%

Como se disse, obtiveram-se apenas 16 casos de proparoxítonas com /e/

postônica medial e, entre os falantes com Ensino Médio, foram apenas 05 os casos, o

que impede qualquer afirmação categórica sobre o comportamento desses falantes. Da

mesma forma, no âmbito de /o/, mesmo com o levantamento de quase 100 dados, a

variação na realização da vogal é tão esparsa que impede conclusões sobre as suas

motivações.

Ainda assim, os índices aqui expostos levantam alguns indícios de que neste

corpus os falantes com Ensino Médio têm sido mais conservadores na manutenção da

média /e/. Percentualmente, eles realizaram de forma equânime a variante média e a alta

– 02 ocorrências de cada, ou seja, 40% do total. Já entre os falantes com Ensino

Fundamental, a vogal alta teve muito mais representatividade – 09 casos de [i],

referentes a 81,8% dos dados.

No âmbito de /o/, os únicos 02 casos de conservação da média foram

encontrados entre os falantes com menos escolaridade, o que destoa da hipótese aqui

aventada para /e/. No capítulo a seguir, será discutido o caráter lexical dessas 02

ocorrências do vocábulo abóbora [a�bçboRå], que se concentram na fala do mesmo

informante. De qualquer forma, é clara, neste corpus, a já comentada categoricidade da

realização da vogal posterior /o/ como alta [u].

Page 109: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

109

b. Corpus Concordância

Sobre as amostras do corpus Concordância, observa-se, primeiramente, que os

moradores de Copacabana e os de Nova Iguaçu apresentaram um comportamento geral

muito semelhante. Não houve nenhuma distinção evidente entre os falantes da capital e

os de Nova Iguaçu, nenhum dos grupos se destacou da média geral, como se observa

nas tabelas a seguir. Isso permitirá que os dados de ambas as localidades sejam tratados

conjuntamente.

Tabela 15. Índices da variação da vogal média anterior postônica medial por localidade do corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000.

Corpus Concordância RJ – Vogal /e/ Alteamento Manutenção Apagamento

Copacabana 15/33 15/33 03/33 45,5% 45,5% 9%

Nova Iguaçu 14/30 15/30 01/30 46,7% 50% 3,3%

Total 29/63 30/63 04/63 46% 47,6% 6,4%

Tabela 16. Índices da variação da vogal média posterior postônica medial por localidade do corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000.

Corpus Concordância RJ – Vogal /o/ Alteamento Manutenção Apagamento

Copacabana 113/120 1/120 6/120 94,2% 0,8% 5%

Nova Iguaçu 126/135 3/135 6/135 93,3% 2,2% 4,4%

Total 239/255 4/255 12/255 93,7% 1,6% 4,7%

Os percentuais gerais dessas amostras, retomados na Tabela 17 a seguir,

demonstram um aparente equilíbrio entre a articulação média e a articulação alta na

realização de /e/; ao lado do predomínio absoluto de [u], já esperado, na realização de

/o/.

Page 110: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

110

Tabela 17. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000.

Corpus Concordância RJ Alteamento Manutenção Apagamento Total

Vogal /e/ 29 30 04 63

46% 47,6% 6,4% 100% Exemplo [ p a » R å ) m I t u ] [ p e » R i ) m e t RU ] [ p a R a l e » p i p U ]

Vogal /o/ 239 04 12 255

93,7% 1,6% 4,7% 100% Exemplo [ » i ) d U l I ] [ » k o ) m o d U Z ] [ n i » l ç p I S ]

Enquanto a média posterior se realizou majoritariamente como alta, em 93,7%

dos dados, a média anterior [e] variou de forma perfeitamente equilibrada com a alta,

mantendo-se em 29 ocorrências (46%) e reduzindo-se em 30 (47,6%). Os casos de [i ]

somados aos de apagamento (6,4%), demonstram a tendência um pouco maior da

redução da vogal frente a sua manutenção.

Lembra-se, por outro lado, que esses números do Concordância incluem a fala

popular e a fala culta, a qual já demonstrou merecer ser analisada separadamente. Por

isso, procede-se agora a uma observação específica da variável escolaridade neste

corpus – à semelhança da que foi feita no PEUL 2000. Em sequência, nas próximas

seções, reúnem-se os dois corpora levantados nos anos 2000 para que sejam analisados

estatisticamente os dados de falantes cultos e não cultos.

Tabela 18. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais por nível de escolaridade no corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000.

Variável Escolaridade – Corpus Concordância RJ Fatores Alteamento Manutenção Apagamento

Vogal /e/

Fundamental 03/06 0/06 03/06 50% 0% 50%

Médio 05/15 09/15 01/15 33,3% 60% 6,7%

Superior 21/42 21/42 0/42 50% 50% 0%

Vogal /o/

Fundamental 73/78 0/78 05/78 93,6 0% 6,4

Médio 62/65 01/65 02/65 95,4% 1,5% 3,1%

Superior 104/112 03/112 05/112 92,9% 2,7% 4,5%

Page 111: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

111

As ocorrências de vogais médias aumentam com o nível de escolaridade (0 > 9 >

21 casos de [e]; 0 > 1 > 3 casos de [o]), mas, percentualmente, os falantes que

estudaram até o Ensino Médio altearam um pouco menos a vogal anterior /e/ do que

aqueles com Ensino Superior, realizando a articulação média em 60% dos casos, fato

que chama a atenção. O resultado diverge parcialmente do que era esperado com base

no que foi encontrado nos anos 70/80. Tudo isso demonstra que a atuação da

escolaridade precisa continuar a ser observada com atenção nos corpora estudados,

especialmente quanto ao comportamento dos falantes cultos nos anos 2000.

Como visto, quanto a /e/, o processo de alteamento demonstra ser um fenômeno

em pleno estado de variação com a manutenção da vogal nos anos 2000, variação esta

que será mais bem apreciada na análise multivariada. Por outro lado, o número baixo de

ocorrências de /e/ nos corpora Concordância e PEUL 2000 exige um olhar

extremamente atento sobre os resultados, que serão discutidos a seguir.

c. Análise das amostras dos anos 2000

Nesta seção, são observadas em conjunto e contrastadas em análise estatística as

amostras levantadas nas décadas de 2000. Seus percentuais gerais estão explanados na

tabela a seguir:

Tabela 19. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Década de 2000.

Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Alteamento Manutenção Apagamento Total

Vogal /e/ 40 34 05 79

50,6% 43,1% 6,3% 100%

Exemplos [f e» no)m i nu] [f e» no)m enu] [»»»» nu)S]

Vogal /o/ 327 06 18 351

93,2% 1,7% 5,1% 100%

Exemplos [��:pok�::] [��puk�] [��p�]

Os resultados gerais, mais uma vez, atestam o predomínio do processo de

alteamento, que também é implementado assimetricamente nesses dados, em 93,2% das

Page 112: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

112

ocorrências de /o/ e 50,6% das ocorrências de /e/. Considerando-se apenas os casos de

concretização, que serão contabilizados na análise multivariada de /e/, obtêm-se os

percentuais expostos na tabela a seguir.

Tabela 20. Índices gerais da concretização de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Década de 2000.

Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Alteamento Manutenção Total

Vogal /e/ 40 34 74

54,1% 45,9% 100%

Vogal /o/ 327 06 333

98,2% 1,8% 100%

O tratamento estatístico que aqui será empreendido ajudará a compreender

melhor a atuação da escolaridade na realização das vogais estudadas entre os falantes

dos anos 2000.

Fala popular

Conjugando-se o corpus PEUL 2000 com a parcela de informantes não cultos da

amostra Concordância, que, apresentam o mesmo perfil social que os primeiros, obtém-

se um conjunto maior e mais expressivo de dados de fala popular, ou seja, uma amostra

com as mesmas características sociais e, inclusive, resultados linguísticos semelhantes,

os quais já foram comentados.

A Tabela 21, a seguir, agrega as ocorrências de /e/ e /o/ postônicas mediais

apenas na fala popular dos corpora registrados nos anos 2000:

Page 113: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

113

Tabela 21. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais por nível de escolaridade na fala popular fluminense – Década de 2000.

Fala popular – Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Fatores Alteamento Manutenção Apagamento

Vogal /e/ Fundamental

12/17 02/17 03/17 70,6% 11,8% 17,6%

Médio 07/20 11/20 02/20 35% 55% 10%

Vogal /o/

Fundamental 137/149 02/149 10/149

92% 1,3% 6,7%

Médio 86/90 01/90 03/90 95,6% 1,1% 3,3%

Entre os informantes não cultos dos anos 2000, os termos usuais equivalem a

93,1% das proparoxítonas com /e/ e /o/ realizadas, enquanto os termos pouco usuais ou

técnicos equivalem a 6,9%, 19 casos em 276.

A semelhança percentual no alteamento de /o/ demonstra que a sua

implementação ocorre independentemente do nível de escolaridade do falante e é mais

um indício para a confirmação de que o processo de mudança está concluído na

articulação posterior.

Os casos de concretização de /e/ foram submetidos à análise estatística, a fim de

verificar a existência de outros fatores condicionadores em atuação juntamente com o

nível de escolaridade, mas, como será explicado, os resultados merecem ser

relativizados.

(A) Variáveis não selecionadas

Embora as variáveis faixa etária e classificação lexical tenham apresentado

percentuais interessantes para este estudo, elas foram preteridas pelo programa, assim

como as demais variáveis linguísticas foram rejeitadas, a exemplo das outras análises já

discutidas. Destacam-se aqui os percentuais de alteamento encontrados para essas duas

variáveis, para fins de comparação com as demais análises empreendidas:

Page 114: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

114

Tabela 22. Variáveis faixa etária e classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala popular fluminense – Década de 2000.

Fala popular – Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Variáveis Fatores Oco Perc.

Faixa Etária Faixa 1 05/07 71,4% Faixa 2 05/08 62,5% Faixa 3 09/17 52,9%

Classificação Lexical

Usual 12/21 57,1% Não usual 07/11 63,6 %

Quanto à faixa etária, observou-se um padrão crescente de produtividade do

alteamento entre os falantes mais jovens. Seria possível apontar esse resultado como um

indício da implementação da mudança na fala popular com o passar do tempo,

entretanto, o número de dados em cada faixa é muito baixo para que se possam tirar

conclusões a respeito. Entre as faixas 1 e 2, por exemplo, a diferença percentual é

responsabilidade de apenas 01 ocorrência.

A classificação lexical, que considera a usualidade e a frequência dos vocábulos

proparoxítonos, mais uma vez demonstrou que o processo de alteamento se aplica, na

fala popular fluminense, indiscriminadamente nas proparoxítonas mais frequentes ou

naquelas de uso mais restrito, pouco comuns ou técnicas.

(A) Variável selecionada

Em consonância com as discussões desenvolvidas no âmbito de cada corpus dos

anos 2000 separadamente, o Programa Goldvarb-X apontou, mais uma vez, o nível de

escolaridade como condicionador da aplicação da regra do alteamento, como se vê na

Tabela 23, a seguir:

Tabela 23. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala popular fluminense – Década de 2000.

Fala popular – Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Variável Fatores Oco % P. R.

Escolaridade Fundamental 12/14 85,7% 0.779

Médio 07/18 38,9% 0.273 Signif.: 0.008 Input: 0.629

Page 115: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

115

Os falantes com Ensino Médio mostraram-se desfavoráveis a sua implementação

(p. r. 0.273) e os falantes que estudaram até o Ensino Fundamental, extremamente

favoráveis a ela (p. r. 0.779). Neste grupo, incluíram-se tanto os falantes que concluíram

apenas o 1º segmento do Ensino Fundamental quanto aqueles que concluíram também o

2º segmento. Estes dois grupos de falantes tiveram comportamento quase semelhante e

categórico – mantiveram a vogal média /e/ em apenas 02 casos entre 14.

Por fim, sobre a implementação do alteamento de /e/ na fala popular fluminense

dos anos 2000, destacam-se, dois aspectos que serão discutidos nas próximas etapas da

tese: o provável contraste entre o Ensino Fundamental e Médio e o possível caráter

idiossincrático do comportamento dos falantes com Ensino Médio, o que será observado

no capítulo dedicado à análise lexical.

Fala culta

Nesta etapa, procede-se à análise estatística dos dados de fala culta recolhidos no

corpus Concordância. Obviamente, apenas 42 dados também não podem ser

considerados como representativos de uma variedade de fala e, por isso, devem ser

observados pontualmente. Por outro lado, sendo esta a única amostra sociolinguística

disponível referente à fala culta fluminense dos anos 2000, considerou-se

imprescindível observá-la estatisticamente. Neste caso, desconstruir os resultados das

rodadas estatísticas será um procedimento ainda mais interessante para a compreensão

do fenômeno estudado do que o resultado geral em si.

A tabela a seguir retoma exclusivamente as ocorrências de vogais médias

postônicas não finais na fala culta do corpus Concordância, números já apresentados na

tabela 18. Na amostra desta variedade de fala, os vocábulos usuais correspondem a

88,3% dos dados levantados.

Os falantes cultos também foram praticamente categóricos ao reduzir a vogal

posterior /o/, alteando-a ou apagando-a, como os não cultos, mas foram conservadores

com relação a /e/. Como explicado, no âmbito desta vogal, o processo de alteamento

divide espaço com a manutenção da média:

Page 116: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

116

Tabela 24. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais na fala culta do corpus Concordância RJ – Década de 2000.

Fala culta – Corpus Concordância RJ Alteamento Manutenção Apagamento Total

Vogal /e/ 21 21 0 42

50% 50% 0% 100%

Vogal /o/ 104 03 05 112

92,9% 2,7% 4,5% 43,9%

Com relação à fala culta da década de 70, vê-se que, percentualmente, o

alteamento ganhou espaço nessa variedade de fala no decorrer das últimas décadas na

realização de ambas as vogais médias postônicas mediais. No âmbito da vogal posterior

/o/, a média passou de quase 10% de manutenção para apenas 2,7% (03 dados apenas

em mais de uma centena), à semelhança da variedade popular. Na vogal anterior /e/, a

manutenção da média, que era de mais de 77%, perdeu ainda mais espaço, restando em

exatos 50% dos casos. Tais diferenças serão mais bem observadas nas etapas seguintes.

(A) Variável não selecionada

A classificação lexical foi novamente desconsiderada pelo programa, embora

tenha aparecido como relevante na fala culta dos anos 70. Isso era esperado porque,

mesmo que na década de 70 tenha sido uma variável selecionada pelo Programa, a

realização um pouco maior do alteamento entre os termos não usuais (apenas 35,7%, cf.

Tabela 9), na verdade, demonstra que o léxico mais formal e técnico não condicionava o

comportamento dos falantes cultos naquela época. É o que demonstra também o

resultado dos anos 2000:

Tabela 25. Variável classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 2000.

Fala culta – Corpora Concordância RJ Variável Fatores Oco Perc.

Classificação Lexical

Usual 12/26 46,2% Não usual 09/16 56,2%

Mais uma vez, observa-se entre os cultos a produtiva variação entre a articulação

média e a alta, sem nenhuma restrição quanto à usualidade das proparoxítonas.

Page 117: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

117

(B) Variáveis selecionadas

A única variável que foi considerada relevante para a fala culta nas duas

sincronias foi o sexo dos falantes. Como se vê no resultado apresentado na Tabela 26, a

seguir, as mulheres dos anos 2000 foram menos favoráveis ao alteamento que os

homens:

Tabela 26. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 2000.

Fala culta – Corpus Concordância RJ Variáveis Fatores Oco % Peso Relativo

Sexo Homem 19/27 70,4% 0.768 Mulher 02/15 13,3% 0.104

Faixa Etária Faixa 1 01/09 11,1% 0.064 Faixa 2 04/12 33,3% 0.661 Faixa 3 16/21 76,2% 0.683

Signif: 0.006 Input: 0.462

Além disso, elas se mostraram ainda mais conservadoras do que aquelas da

década de 70. O homens, por outro lado, que haviam realizado o alteamento em apenas

10,9% dos casos em 1970, agora preferiram a variante inovadora em 70,4%. Nesse

contexto, as mulheres aparecem como as responsáveis pela contenção da mudança nos

dias atuais.

Essa variável deve ser observada com atenção na medida em que, vista

superficialmente, aponta uma mudança expressiva no comportamento dos homens

cultos nas últimas décadas e, dessa forma, seria a variável fundamental para a

compreensão do processo de mudança em andamento nessa variedade de fala.

Já a faixa etária, que havia sido preterida na análise da fala culta dos anos 70,

aqui permanece apontando uma produtividade gradual do alteamento com o aumento da

idade, mas agora ainda mais expressivamente. Nos anos 2000, a faixa 3 parece ser

extremamente favorável ao alteamento, a ponto de levar a variável faixa etária a figurar

na rodada final.

Entretanto, sob um olhar pontual, observa-se que a presença da variante [i] na

amostra de fala culta dos anos 2000, na verdade, se concentra em apenas duas

entrevistas da mesma célula social: 15 dos 21 casos de alteamento da amostra foram

Page 118: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

118

realizados pelos homens da faixa 03. Isso desequilibra a representatividade do conjunto

de dados e, consequentemente, os resultados encontrados.

Assim, fica óbvio que o valor quantitativo dos dados condicionou o resultado

qualitativo para a fala culta dos anos 2000 e a produtividade da variante alta nessa

amostra representa um comportamento idiossincrático.

Além disso, o condicionamento desses números também é lexical, visto que os

15 dados de [i] encontrados nessas duas entrevistas equivalem a apenas 04 itens lexicais

diferentes: indígena (07 ocorrências), milímetro (05 oco), quilômetros (02 oco) e

Aristóteles (01 oco). Isso será detalhado na análise lexical.

Fala culta x Fala popular

Na análise desenvolvida a seguir, a implementação do alteamento no âmbito da

vogal /e/ é tratada estatisticamente nas duas amostras nos anos 2000. Consideram-se

apenas os casos de concretização da vogal e o alteamento é tomado como valor de

aplicação.

A análise permite contrastar o comportamento de falantes cultos e não cultos e

melhor compreender a fala fluminense na sincronia atual. Para tanto, não se pode

esquecer de relativizar e observar atentamente os resultados, visto que o número de

dados disponível é pequeno, de apenas 74 ocorrências da vogal estudada.

Os dados foram tratados no Programa Goldvarb-X com o mesmo cuidado

procedimental de análises anteriores. Assim, foram realizadas diversas tentativas de

análise e restaram, na última rodada, novamente, as mesmas quatro variáveis: as

extralinguísticas faixa etária, sexo e escolaridade; e a variável linguística classificação

lexical.

Quanto à escolaridade, após observar que tinham pesos relativos muito parecidos

nas primeiras rodadas, optou-se por unir, em um grupo, os dois segmentos de falantes

com menos escolaridade (1º e 2º segmentos do Ensino Fundamental) e, em outro, os

dois segmentos com mais escolaridade (Ensino Médio e Ensino Superior). Esse

Page 119: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

119

procedimento também está em conformidade com os resultados percentuais encontrados

e já apresentados neste capítulo20.

(A) Variáveis não selecionadas

O classificação lexical não se mostrou importante para a implementação ou a

restrição do alteamento, pois os percentuais de [e] e [i] foram parecidos entre os fatores

desta variável. A vogal [i] teve representação de 59,3% entre os termos pouco usuais

(16 dados de 27) e de 51,1% entre os termos usuais (24 dados de 47).

A faixa etária outra vez não foi relevante na análise estatística final, mas também

demonstrou um aumento gradual do alteamento conforme a idade do falante aumenta,

assim como ocorreu nos corpora de fala culta, tanto no NURC (anos 70), quanto no

Concordância (anos 2000) – neste, entretanto, a variável teve um condicionamento

idiossincrático.

Tabela 27. Variável faixa etária para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Década de 2000.

Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Variável Fatores Oco %

Faixa Etária

Faixa 1 6/16 37,5% Faixa 2 9/20 45% Faixa 3 25/38 65,8% Total 40/74 100%

Além disso, os resultados aqui expostos são referentes às falas popular e culta da

região metropolitana enquanto os outros resultados foram verificados quando se

analisou apenas a fala culta.

(B) Variáveis selecionadas

Sexo e escolaridade dos falantes mostraram-se condicionamentos relevantes na

variação da vogal estudada na fala fluminense dos anos 2000:

20 Uma análise com três escolaridades também foi empreendida e o seu resultado foi muito semelhante à rodada final aqui apresentada, mas com a significância um pouco menor.

Page 120: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

120

Tabela 28. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Década de 2000.

Variáveis Fatores Oco % Peso Relativo

Sexo Homem 29/41 70,7% 0.719

Mulher 11/33 33,3% 0.237

Escolaridade Médio e Superior 28/60 46,7% 0.376

Até Fundamental II 12/14 85,7% 0.897

Signif: 0.000 Input: 0.560

Deve-se considerar que o input da regra é neutro na comunidade em geral e,

assim, a força do peso relativo dos falantes que não chegaram ao Ensino Médio, 0.897,

demonstra que esse é o fator fundamental que determina a aplicação da regra na fala da

Região Metropolitana do Rio de Janeiro nos anos 2000.

Embora possa envolver alguns condicionamentos específicos, a atuação do sexo

para o alteamento da vogal /e/ postônica medial também merece atenção na medida em

que os homens concentram a grande maioria dos casos de alteamento, 70,7% dos dados,

e apresentam o peso relativo de 0.719, que é bastante favorecedor à regra.

De qualquer forma, é imprescindível atentar para o caráter lexical e o idioleto,

pois os mesmos vocábulos se repetem no corpus e muitas vezes na fala do mesmo

informante, muitos deles com comportamento quase categórico ao manter ou altear a

vogal média. Isso pode condicionar tanto a variável sexo quanto a variável escolaridade

e, por isso, uma análise qualitativa será empreendida com detalhes no próximo capítulo.

4.1.1.3 Comparação entre 1970/80 e anos 2000

Os percentuais gerais da realização de vogais médias postônicas mediais na fala

fluminense das décadas de 1970/80, já foram expostos na seção 4.1.1.1, nos dados da

Tabela 10 que aqui se repete:

Page 121: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

121

Tabela 10. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80.

Fonte: DE PAULA (2010:89).

Esses percentuais gerais para a fala do Estado nas décadas de 1970/80

demonstraram que, nessa época, as vogais médias já eram preteridas pelos falantes

fluminenses no contexto átono estudado. Elas foram realizadas em apenas 20,7% e

3,6% dos casos de /e/ e /o/, respectivamente, ao tempo em que o alteamento e o

cancelamento eram os processos que concorriam amplamente na realização fonética

dessas vogais. A observação atenta dos dados ajudou a compreender melhor a natureza

dessa assimetria e sua relação com a escolaridade nos anos 70/80.

A maior parte dos dados apresentados na Tabela 10 foi recolhida nas 78

entrevistas do corpus APERJ, que se refere ao Norte-Noroeste do Estado e representa

975 dados, apenas de falantes do sexo masculino. Entre eles, os falantes analfabetos

foram um pouco mais conservadores do que os de nível primário e os não cultos da

capital. Cogitou-se, nas primeiras etapas desta pesquisa, a hipótese de que essa

diferença fosse atribuída ao caráter mais rural da região, que, na época, poderia ser mais

conservador que a capital.

Na etapa atual da pesquisa, o APERJ não pode ser geograficamente comparado

com os dados dos anos 2000, pois não existe material disponível equivalente, que tenha

sido levantado na mesma região. Assim, não se pode delimitar que tipo de mudanças

sociais sofreram a região Norte-Noroeste e as comunidades de fala onde se levantou o

corpus, especialmente enquanto comunidades pesqueiras, para que se possa compará-las

à situação da capital.

Por tudo isso, e considerando também o desequilíbrio no número de dados, o

confronto que será realizado limita-se à capital fluminense. Relacionam-se, então, de

um lado, apenas os corpora NURC e PEUL 80 – para as décadas de 1970/80 (Tabela

Corpora PEUL 80, APERJ e NURC Alteamento Manutenção Apagamento Total

Vogal /e/ 287 84 35 406

70,7% 20,7% 8,6% 100% Exemplo [ s e)» t S i m I t U ] [ s e)» t S i m e t U ] [ s e)» t S i m U ]

Vogal /o/ 780 36 192 1008

77,4% 3,6% 19% 100% Exemplo [ » å ) k U R å ] [ » å ) k o R å ] [ » å ) k å ]

Page 122: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

122

29) – e, de outro, os corpora Concordância RJ e PEUL 2000 – para os anos 2000

(Tabela 19, aqui retomada)21:

Tabela 29. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80.

Corpora NURC e PEUL 80

Alteamento Manutenção Apagamento Total

Vogal /e/ 58 68 02 128

45,3% 53,1% 1,6% 100%

Exemplo [ » v E S p I R å ] [ » v E ˙ t e bR å S ] [ » v E S p R å ]

Vogal /o/ 243 11 57 311

78,1% 3,6% 18,3% 100%

Exemplo [ a w » t o n u m u ] [ a » b ç b o R å ] [ a w » t o m å S ]

Tabela 19. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Década de 2000.

Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Alteamento Manutenção Apagamento Total

Vogal /e/ 40 34 05 79

50,6% 43,1% 6,3% 100%

Exemplos [f e »»»» no)m i nu] [f e »»»» no)m enu] [»»»» nu)S]

Vogal /o/ 327 06 18 351

93,2% 1,7% 5,1% 100%

Exemplos [��:pok�::] [��puk�] [��p�]

Para compreender esses percentuais comparativos entre os dois períodos, deve-

se lembrar que o conjunto de entrevistas consideradas para as décadas de 1970/80 agora

está mais equilibrado em número de informantes cultos e não cultos do que no conjunto

que inclui o APERJ (Tabela 10). Assim, a manutenção da vogal média /e/ é mais

representativa em percentuais quando se desconsidera o APERJ (20,7% → 53,1%),

porque é a variante mais frequente apenas entre os falantes cultos, conforme já foi

comentado.

Na comparação quantitativa percentual, deve-se pesar também o número de

dados de cada tipo de corpus, popular ou culto, visto que este é o aspecto social que

21 Apenas como teste, realizou-se uma rodada de análise incluindo e também os dados do APERJ, mas os resultados foram muito semelhantes aos encontrados na análise que aqui será apresentada e a significância foi menor.

Page 123: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

123

mais demonstrou influenciar a variação. A proporção de informantes de baixa

escolaridade e o total de seus dados é um pouco maior nos corpora dos anos 2000: nas

primeiras décadas, há 18 falantes cultos do NURC (181 dados) e 25 não cultos do

PEUL 80 (258 dados), enquanto no século atual há 12 falantes cultos do corpus

Concordância (154 dados) e 33 informantes não cultos (276 dados), na soma das duas

localidades investigadas.

Considerando todos esses aspectos, pode-se afirmar que os índices gerais

apontam uma diminuição da manutenção das vogais médias /e/ e /o/ na passagem dos

anos 70 até os anos 2000 na fala fluminense, mas o significado sociolinguístico desses

números no processo de mudança de /e/ é visto com clareza na análise a seguir, que

consegue pesar e relacionar o número de dados com as variáveis sociais.

Com os números das tabelas 19 e 29, constata-se que, de forma geral, o

comportamento da vogal média posterior /o/, em contexto postônico não final, é sempre

regular nos corpora de fala fluminense levantados nesta pesquisa. A articulação média

desta vogal, desde os anos 70, cede lugar para a vogal alta /u/, em decorrência de um

processo de neutralização, nos termos de Câmara Jr (1970). O último indício de sua

resistência na fala espontânea foi encontrado nos falantes cultos da década de 1970,

entre os quais a média posterior havia sido mantida em quase 10% das ocorrências. Já

nos dados atuais, foram levantados apenas 03 casos de manutenção de /o/ na fala culta,

equivalentes ao percentual de apenas 2,7% do total.

Conforme esperado, de nenhuma forma a variação da vogal posterior /o/ foi

passível de análise estatística, restando a análise a ser empreendida no âmbito de /e/.

Lembra-se que foram desconsiderados os casos de apagamento da vogal:

Tabela 30. Índices da concretização da vogal média anterior postônica medial nos corpora de fala da região metropolitana do Rio de Janeiro (variedades culta e popular) em duas sincronias.

Vogal /e/ – Corpora NURC 70, PEUL 80, Concordância RJ e PEUL 2000 Alteamento Manutenção Total

Anos 1970/80 58 68 126

46% 54% 100%

Anos 2000 40 34 74

54,1% 45,9% 100%

Page 124: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

124

A última análise realizada buscou contrastar por meio do Programa Goldvarb-X

todas as amostras aqui consideradas, NURC 70, PEUL 80, Concordância e PEUL 2000.

Os dados do PEUL 80, que ainda não haviam sido tratados estatisticamente, foram

unidos, nesta etapa, aos outros corpora dos anos 70/80 e confrontados com aqueles dos

anos 2000.

Assim como ocorreu em todas as etapas anteriores, as variáveis linguísticas

mostraram-se novamente imprecisas como condicionamentos para a variação entre [e] e

[i] e foram desconsideradas na análise aqui apresentada.

Utilizando-se o código aplicado para cada corpus, reuniram-se em um mesmo

grupo aqueles que foram levantados na mesma época, criando-se, assim, um fator para

cada sincronia: décadas de 1970/80 e década de 2000. O objetivo era investigar

estatisticamente se a passagem do tempo foi relevante e favoreceu o processo de

mudança no âmbito de /e/. Entretanto, mesmo com o perceptível aumento da frequência

do alteamento de /e/ na passagem da década de 1970 para o século XXI, o programa

desconsiderou a diferença entre as duas sincronias na seleção final.

Ele também excluiu quase todas as variáveis sociais controladas, aquelas que

haviam apresentado, nas análises anteriores, algum tipo de condicionamento lexical e/ou

idiossincrático. A única que foi remanescente na análise unificada dos quatro corpora

foi a escolaridade.

(A) Variável selecionada

A regra de alteamento, que aqui continua como valor de aplicação, é

extremamente favorável no âmbito dos falantes que estudaram até o Ensino

Fundamental – p. r. de 0.938 –, beira a neutralidade entre os falantes com Ensino Médio

– p. r. de 0.645 – e é desfavorável entre os falantes que concluíram o Ensino Superior –

p. r. de 0.281:

Page 125: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

125

Tabela 31. Fator condicionador do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – Décadas de 1970/80 e 2000.

Variáveis Fatores Oco % P. R.

Escolaridade

Fundamental 35/37 94,6% 0.938 Médio 23/34 67,6% 0.645

Superior 40/129 85,7% 0.281

Signif: 0.000 Input: 0.535

Dessa maneira, o resultado da análise estatística final confirma os percentuais de

cada um dos corpora que foram separadamente apresentados nesta tese e todas as

análises anteriormente realizadas: quanto mais anos de escolaridade tiver cursado, mais

o falante fluminense detém o processo de alteamento no âmbito da vogal /e/. Ou seja, os

resultados evidenciam que os falantes mais escolarizados, especialmente os cultos,

ainda são os responsáveis pela permanência da vogal média no contexto de articulação

anterior.

De qualquer forma, chama atenção a persistência da vogal média /e/ nos dados

dos anos 2000. Em menor escala no corpus PEUL 2000 e em maior no corpus

Concordância, essa vogal permanece consideravelmente diferenciada do

comportamento de /o/ e da tendência geral de alteamento de médias átonas. Assim,

paralelamente ao componente estatístico, considera-se fundamental discutir mais

atentamente as diferenças diacrônicas no comportamento dos falantes com mais anos de

escolaridade (níveis Médio e Superior), que parecem ser responsáveis por tornar mais

lenta a mudança.

Além de a escolaridade atuar de uma forma geral na comunidade de fala

fluminense, observa-se um condicionamento lexical e idiossincrático no comportamento

de alguns falantes dos anos 2000 que, na realização da vogal média anterior postônica

não final, se destacam do comportamento geral do seu grupo social. É o que se discutirá

no capítulo 5, a seguir.

Page 126: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

126

4.1.2 Questionários e leitura de textos

A aplicação do questionário e da etapa de leitura aos informantes cariocas

totalizou 1292 dados de vocábulos proparoxítonos com vogais médias postônicas

mediais, entre 738 ocorrências de vogal /e/ e 554 de vogal /o/. Infelizmente, uma das

entrevistas foi desconsiderada devido à falta de espontaneidade do interlocutor, que teve

um comportamento extremamente artificial a ponto de silabar grande parte das

proparoxítonas proferidas em todas as etapas. Dessa forma, o total de dados, explanados

na Tabela 32, a seguir, referem-se a 17 gravações:

Tabela 32. Distribuição das 1292 ocorrências de vogal média postônica medial nos Questionários e na Leitura.

Questionários e Leitura

Estratégia Anterior Posterior

Perguntas 279 263

Total: 542

Figuras 202 157

Total: 359

Leitura 257 134

Total: 391

Devido à baixíssima produtividade nos resultados, foram desconsiderados desses

números os 09 casos de cancelamento encontrados na fala popular, 08 referentes a

indivíduos de nível Médio e apenas 01 de nível Fundamental. Também não são

considerados na pesquisa os casos de alteração da vogal: 09 casos de abaixamento da

vogal posterior /o/. Esses dados serão explanados nas próximas seções.

Quanto aos itens lexicais previstos, todos foram encontrados várias vezes, mas

alguns tiveram muito menos produtividade nas respostas do que outros. As palavras

fôlego, gênero, síntese, sonífero, tráfego, catástrofe, monótono e agrícola,

especialmente, foram as mais difíceis de serem obtidas. Pouco lembradas pelos cariocas,

quase sempre essas proparoxítonas foram preteridas diante de sinônimos extremamente

comuns na fala casual, respectivamente ar, tipo (ou estilo, ritmo), resumo, calmante,

movimento (ou fluxo, trânsito), tragédia (ou desastre, calamidade), repetitivo (ou

chato) e rural.

Page 127: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

127

Os resultados encontrados refletem, de forma geral, o que se esperava com base

nos Atlas Linguísticos analisados por De Paula (2010). Os cariocas de todos os níveis

de escolaridade realizaram muito mais a articulação média na concretização de ambas as

vogais, principalmente de /e/:

Tabela 33. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial em dados de Questionários e Leituras.

Questionários e Leitura – Vogal /e/ Estratégia Alteamento Manutenção

Perguntas 141/279 138/279 50,5% 49,5%

Exemplos [�aSpi Ru] [�aSpeRu]

Figuras 92/202 110/202 45,5% 54,5%

Exemplos [t e˙�m o)m i t Ru] [t e˙�m o)m et Ru]

Leitura 98/257 159/257 38,1% 61,9%

Exemplos [�kahs i Ri] [�kahs eRi]

Total 331 407

44,9% 55,1%

Os resultados estão sempre apresentados separadamente por tipo de estratégia de

investigação, visto que o estilo de fala é diferente em cada um. Os percentuais

demonstram isso, já que o conjunto de falantes diminui gradualmente o processo de

alteamento em /e/, conforme aumenta a formalidade do inquérito: 50,5% > 45,5% >

38,1%. Naturalmente, a diferença na etapa de leitura é muito maior, ultrapassa a

neutralidade da faixa dos 50%, alcançando mais de 60% de manutenção da média /e/.

No total geral, a articulação média da vogal anterior /e/ sobrepõe levemente o

alteamento, em 55,1% dos casos.

Já entre os vocábulos com vogal /o/, o processo de alteamento também é

refreado no discurso monitorado, mas ainda é muito mais produtivo em comparação

com a vogal anterior: no total geral, foi realizado em 64,8% dos casos. Ao observar as

três estratégias de investigação, entretanto, vê-se muitas diferenças no comportamento

dos cariocas:

Page 128: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

128

Tabela 34. Índices da realização da vogal média posterior postônica medial em dados de Questionários e Leituras.

Questionários e Leitura – Vogal /o/ Estratégia Alteamento Manutenção

Perguntas 185/263 78/263 70,3% 29,7%

Exemplos [aw�t o)num u] [aw�t o)nom u]

Figuras 114/157 43/157 72,6% 27,4%

Exemplos [�m a:˙m u] [�m a˙m oRi]

Leitura 60/134 74/134 44,8% 55,2%

Exemplos [�i )dul i] [�i )dol i]

Total 359 195

64,8% 35,2%

Apenas nas leituras a mudança da vogal posterior /o/ é refreada pelos falantes,

que altearam a vogal em 44,8%, um percentual equilibrado com a realização da vogal

/e/ nos dados de leitura, 38,1% de alteamento. Nas figuras e perguntas, entretanto, a

formalidade não atinge tanto a tendência de redução de /o/ e o alteamento ainda é a

realização mais frequente dessa vogal. A categoricidade do processo, entretanto, não se

verifica mais como se verificou em todas as entrevistas da década de 2000 e a

formalidade faz os falantes reaverem a variante conservadora, de articulação média, em

quase 30% dos casos, 29,7% nas perguntas e 27,4% nas figuras.

Embora esses dados não possam ser tratados estatisticamente, como as

entrevistas de tipo DID, as variáveis que se mostraram mais pertinentes à variação das

vogais /e/ e /o/ postônicas não finais, nas análises já empreendidas, foram, nesta etapa,

controladas em percentuais, também com o auxílio do Programa Goldvarb-X. São elas a

classificação lexical das proparoxítonas, no nível linguístico, a faixa etária, o sexo e a

escolaridade, no nível extralinguístico.

Os falantes cariocas apresentaram diferença na realização das vogais apenas com

relação à escolaridade e, embora todos mudem de comportamento em contexto formal,

eles não parecem atentar para o caráter mais usual ou mais técnico das proparoxítonas,

tendo comportamento semelhante ao realizar os dois tipos. Observa-se na etapa de

leitura, que todos os falantes são receosos ao se deparar com esse tipo de acento, mesmo

em palavras comuns na fala carioca, como véspera e prótese.

Page 129: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

129

Apresenta-se, a seguir, uma observação do comportamento dos falantes com

diferentes níveis de escolaridade na realização de /e/ e /o/, em cada etapa do

questionário e da leitura. Nas seções a seguir, será possível perceber que o aumento dos

anos de escolaridade dos falantes influenciou muito mais a realização de /e/ que a

realização de /o/.

4.1.2.1 Perguntas

A etapa de 32 perguntas (e 16 distratores) foi a menos formal das três, em que os

informantes não ficaram restritos apenas a respostas objetivas, mas também dialogaram

com o documentador.

Em todos os níveis de escolaridade, os resultados para a vogal anterior /e/

aproximaram-se dos da fala culta nas entrevistas de tipo DID da mesma década. O

alteamento concorre equilibradamente com a manutenção da vogal nas respostas dos

cariocas, mas é preterido entre os falantes cultos:

Tabela 35. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial por nível de escolaridade em respostas a perguntas do Questionário.

Perguntas – Vogal /e/ Variável Fatores Alteamento Manutenção

Escolaridade

Fundamental 41/75 34/75 54,7% 45,3%

Médio 56/105 49/105 53,3% 46,7%

Superior 44/99 55/99 44,4% 55,6%

Há distinção clara entre fala culta e fala popular na realização de /e/, sendo os

cultos os informantes menos passíveis a altear a vogal, enquanto os falantes com Ensino

Médio não divergem muito daqueles com apenas o Fundamental.

Não está nesses percentuais um caso de cancelamento realizado por um

informante com Ensino Médio: frutífera [f Ru�t i f å].

Quanto à vogal posterior, a situação das perguntas não parece influenciar muito

os falantes com menos escolaridade, que mantiveram a vogal /o/ em apenas 17,1% das

Page 130: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

130

respostas. Os falantes com mais escolaridade foram mais conservadores, mas não se

observa diferença entre os de Ensino Médio e Superior:

Tabela 36. Índices da realização da vogal média posterior postônica medial por nível de escolaridade em respostas a perguntas do Questionário.

Perguntas – Vogal /o/ Variável Fatores Alteamento Manutenção

Escolaridade

Fundamental 68/82 14/82 82,9% 17,1%

Médio 60/98 38/98 61,2% 38,8%

Superior 57/83 26/83 68.7% 31.3%

Nesta etapa, e de forma geral nos questionários, vê-se o resgate da variante

conservadora da vogal /o/ postônica medial, à semelhança da vogal anterior. Entretanto,

como se mostra nas seções a seguir, o processo de alteamento da vogal posterior só é

preterido na etapa mais formal, a leitura.

Não foram calculados os 03 casos de cancelamento produzidos por informantes

com Ensino Médio: 01 de pólvora [�pçwvj a] (processo de sândi em “a pólvora e a

espoleta”), 01 de [a�bçbR å] e 01 de carnívoro [ka˙�ni vRu].

4.1.2.2 Figuras

Na etapa de identificação de figuras, a interação com os informantes foi muito

mais rápida e objetiva que na anterior. Eles forneceram quase sempre respostas

objetivas, mais cuidadas e conscientes que as anteriores.

A consequência dessa postura se observa na concretização da vogal /e/. Aqui,

apenas os falantes do segundo nível de escolaridade altearam preferencialmente a vogal,

ainda um pouco mais que na primeira parte da gravação:

Page 131: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

131

Tabela 37. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial por nível de escolaridade em identificação de figuras do Questionário.

Figuras – Vogal /e/ Variável Fatores Alteamento Manutenção

Escolaridade

Fundamental 27/54 27/54 50% 50%

Médio 44/77 33/77 57,1% 42,9%

Superior 21/71 50/71 29,6% 70,4%

O nível Fundamental foi equilibrado ao aplicar o alteamento, alternando entre

[e] e [i] com 50% de ocorrências de cada variante. Os falantes cultos mantiveram a

vogal /e/ em mais de 70% dos casos, 50 em um total de 71.

No âmbito da vogal /o/, o aumento da formalidade não restringiu tanto o

alteamento quanto se observou para a vogal /e/. Apenas os falantes com Ensino

Fundamental diminuíram o percentual de alteamento com relação à fase de perguntas,

os mais escolarizados realizaram percentuais próximos aos da primeira etapa e ainda

foram um pouco menos conservadores:

Tabela 38. Índices da realização da vogal média posterior postônica medial por nível de escolaridade em identificação de figuras do Questionário.

Figuras – Vogal /o/ Variável Fatores Alteamento Manutenção

Escolaridade

Fundamental 31 16

66% 34%

Médio 45 13

77,6% 22,4%

Superior 38 14

73,1% 26,9%

Os falantes com nível fundamental haviam aplicado o alteamento em 83,9% dos

casos e agora aplicaram em apenas 66%. Os demais não corresponderam a essa

tendência: os de Ensino Médio variaram de 61,2% de alteamento para 77,6% e os com

nível Superior, de 68,7% a 73,1%.

Foram desconsideradas, nessa contagem, as 04 ocorrências de apagamento

levantadas nesta etapa: 02 casos de cócegas [�kçSkåS], 01 de horóscopo [ç�RçS] e 01 de

Page 132: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

132

semáforo [s e‚�maf Ru] (um dos casos de cócegas ocorreu no nível de Ensino

Fundamental e os demais no nível Médio).

Também não foram incluídos, no conjunto de dados, 09 casos de comutação de

/o/ por [å], todos produzidos nessa segunda etapa do questionário. Eles referem-se a 01

caso de fósforo [�f çSf åRu], 01 de [s e�maf åRu], 02 de autódromo [aw�t çdRåm u] e 05 de

sambódromo [s å‚ �bçdRå m u]. De 09 ocorrências, 05 concentram-se entre falantes com

Ensino Médio, mas o processo não parece ser condicionado por escolaridade ou

monitoramento do discurso, havendo também 02 casos entre os falantes com menos

anos de escolaridade e 02 casos entre os cultos. Por outro lado, destaca-se a regularidade

das sequências fonéticas em que ele ocorreu, correspondentes aos sufixos -foro e -

dromo, o que indica ser um fenômeno com alguma sistematicidade, talvez de motivação

morfológica.

Os resultados apresentados até agora, a respeito das etapas de perguntas e

figuras, demonstraram que a vogal posterior /o/ é menos atingida pela formalidade do

discurso do que a anterior /e/, quando se trata de resgatar a variante média. Mesmo

assim, a situação de perguntas e respostas favoreceu a articulação média nesse contexto,

a qual já havia desaparecido na fala espontânea. De forma geral, quando aumenta o

monitoramento do discurso, o processo de alteamento é refreado e aumenta o percentual

de manutenção das vogais, mais intensamente no âmbito de /e/, mas também de forma

expressiva no âmbito de /o/.

4.1.2.3 Leituras

A etapa de leitura, obviamente, é a mais artificial das três etapas do inquérito e

não corresponde de nenhuma maneira à fala espontânea, mas sim ao extremo da fala

monitorada. Partindo de um texto de variedade escrita que não foi elaborado pelo

informante, ela serve, entretanto, para testificar um dos níveis mais formais de elocução

e fornecer as variantes escolhidas pelos falantes nesse tipo de situação discursiva.

Pôde-se observar que, ao ler os textos pedidos, quase todos os falantes com

menos escolaridade leram com menos fluidez que os demais, silabaram a maioria das

proparoxítonas e frequentemente se corrigiram. Os outros dois níveis de escolaridade

Page 133: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

133

também tiveram, várias vezes, dificuldade na identificação de proparoxítonas, pausaram

diante desse tipo de acento e se corrigiram com frequência, demonstrando pouca

familiaridade com alguns itens investigados. Por outro lado, alguns dos falantes com

menos escolaridade, muitas vezes, não souberam em que sílaba pousar o acento das

proparoxítonas, mesmo após se corrigirem e apesar do acento gráfico.

Acredita-se serem esses os motivos de os falantes do Ensino Fundamental terem

realizado um percentual de manutenção da média /e/ significativamente maior do que

aqueles com Ensino Médio e Superior. Desconhecendo as palavras apresentadas, o

leitor menos hábil vê-se preso à forma escrita da palavra e, quase sempre, a variantes

conservadoras.

De qualquer forma, esta etapa foi a única em que os informantes de todos os

níveis de escolaridade preteriram o alteamento de /e/:

Tabela 39. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial por nível de escolaridade em leituras.

Leituras – Vogal /e/ Variável Fatores Alteamento Manutenção

Escolaridade

Fundamental 21/70 49/70 30% 70%

Médio 39/89 50/89 43,8% 56,2%

Superior 38/98 60/98 38,8% 61,2%

Além dos índices de alteamento, explanados na tabela acima, um falante do

Ensino Médio apagou a vogal /e/ em 01 ocorrência de vésperas [�vESpRå S], que foi o

único caso desse fenômeno realizado na etapa de leitura.

Observou-se, nas fases de perguntas e identificação de figuras, que o

comportamento de /o/ não mudou radicalmente com a escolaridade, mas foi monitorado

de forma a recuperar significativamente a variante conservadora [o], que não é mais

produtiva na fala espontânea. Paralelamente, constatou-se similaridade na variação entre

os falantes de todos os níveis de escolaridade, com percentuais semelhantes. Nas

figuras, inclusive, o Ensino Superior chegou a ser até um pouco menos conservador que

o Ensino Fundamental. Tudo isso havia demonstrado que o processo de alteamento no

Page 134: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

134

contexto posterior não apresenta mais restrições sociais, ao contrário do que se verificou

para /e/.

Nas leituras, entretanto, finalmente vê-se o monitoramento do discurso

relacionar-se com a escolaridade na manutenção da vogal média posterior. Nesse estilo

de fala investigado, que foi o menos natural, a articulação média foi preferida nos dois

níveis mais altos de escolaridade:

Tabela 40. Índices da realização da vogal média postônica medial /o/ por nível de escolaridade em leituras.

Leituras – Vogal /o/ Variável Fatores Alteamento Manutenção

Escolaridade

Fundamental 21/35 14/35 60% 40%

Médio 22/48 26/48 45,8% 54,2%

Superior 17/51 34 33,3% 66,7%

Também se observa um comportamento muito simétrico entre as vogais /e/ e /o/

postônicas mediais na leitura desses falantes: os percentuais de manutenção das médias

entre os informantes de nível Médio foram de 56,2% para /e/ e de 54,2% para /o/; entre

os falantes de nível superior, os índices foram de 61,2% para /e/ e de 66,7% para /o/.

Os falantes menos escolarizados, entretanto, continuam a demonstrar que a

vogal anterior é mais sensível ao monitoramento do discurso na preservação das médias.

Como dito, ao realizar com muita atenção proparoxítonos incomuns ou desconhecidos

por eles, os falantes de nível fundamental foram extremamente formais ao manter a

vogal /e/ postônica medial em 70% dos casos. Nos vocábulos com /o/ postônico medial,

entretanto, os mesmos informantes foram indiferentes à ortografia e altearam a vogal

em 60% das ocorrências.

Assim, a comparação entre a fala monitorada (questionários e leitura) e a fala

espontânea (entrevistas) do Estado do Rio de Janeiro parece demonstrar que a assimetria

entre a vogal anterior /e/ e a posterior /o/, é uma questão de competição entre variantes

mais ou menos produtivas a depender do perfil do falante e do contexto discursivo.

Mesmo se for desconsiderada a etapa de leitura, que é muito artificial, os resultados dos

questionários e da leitura conjugados com as entrevistas de tipo DID apontam que,

Page 135: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

135

embora nunca deixem de alternar com as altas, ambas as vogais médias [e] e [o] podem

ser escolhidas pelos falantes, especialmente conforme aumenta a sua consciência

normativa, seja pelos anos que passou na escola, seja pela formalidade e pelo

monitoramento do discurso. Igualmente, as variantes altas [i] e [u] são preferidas, quase

categoricamente, quando o falante tem poucos anos de escolaridade e não está muito

atento ao discurso, como na fala espontânea.

4.2 A regularidade na fala lisboeta

Os dados levantados em 53 entrevistas representativas do PE falado na Região

Metropolitana de Lisboa totalizam 140 ocorrências de proparoxítonas com vogal média

postônica não final. A quantidade de 140 dados não permite uma observação

significativa das variáveis sociais, visto que não cobre equilibradamente todas as células

investigadas, mas será suficiente para vislumbrar o comportamento regular dos falantes

quanto à realização das vogais postônicas mediais nos corpora levantados.

Os dados levantados na década de 1970 somam 30 ocorrências das vogais

estudadas e o conjunto de dados da década de 2000 totaliza 110 dados:

Tabela 41. Distribuição das 140 ocorrências de <e> e <o> postônicos mediais22 por corpus sociolinguístico da Região Metropolitana de Lisboa.

Corpus Vogal <e> Vogal <o> Português Fundamental

Lisboa – 1970 24 06

Total: 30 Concordância Oeiras – 2000

39 17 Total: 56

Concordância Cacém – 2000

40 14 Total: 54

Total Geral 140

Há um desequilíbrio entre o número de dados dos anos 70 e dos anos 2000, mas,

como explicado no capítulo 3, o corpus Português Fundamental é a única amostra

sociolinguística disponível para a região na época focalizada.

22 Nesta etapa, convencionou-se representar as vogais em uso no português europeu com os grafemas <e> e <o>. O valor fonológico desses segmentos será discutido no capítulo 6.

Page 136: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

136

A vogal <e> tem 103 ocorrências e a vogal <o>, 37. Sobre isso,

primeiramente, é fundamental observar a diferença entre os universos lexicais das

variedades de fala brasileira e portuguesa, visto que, no Brasil, os vocábulos com /o/

compõem um conjunto de palavras muito maior em número de itens lexicais e total de

ocorrências do que os vocábulos com /e/. Já em Portugal, como se vê na distribuição

lexical a seguir, os itens proparoxítonos com /e/ estão muito mais representados no

vocabulário ativo dos falantes lisboetas. Da mesma forma, muitos dos proparoxítonos

que figuraram na fala da região de Lisboa não estão entre os vocábulos considerados

usuais no Estado do Rio de Janeiro:

Vogal <e> Vogal <o>

abríssemos (01) hipótese (25) abóbora (02) psicólogo (04)

alfândega (02) inúmeros (02) árvore (07) semáforo (01)

acabássemos (01) número (21) autônomos (01)

centímetro (01) parâmetros (01) barítono (01)

cérebro (02) próspero (01) catálogo (01)

disséssemos (02) prótese (03) cómoda (02)

estivéssemos (01) quilômetros (02) época (12)

fenômeno (05) síntese (01) Évora (02)

fôssemos (04) tivéssemos (02) ídolos (01)

gênero (23) véspera (03) método (03)

4.2.1 A década de 1970: Corpus Português Fundamental

Nas 17 entrevistas do corpus Português Fundamental, representativas da fala

lisboeta da década de 1970, foram encontrados 30 dados, sendo 24 ocorrências de <e> e

06 ocorrências de <o>, os quais estão apresentados na Tabela 42, a seguir.

Page 137: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

137

Tabela 42. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Português Fundamental Lisboa (variedades culta e popular) – Década de 1970.

Corpus Português Fundamental Lisboa Alta Média Apagamento Total

Vogal <e> 15 0 09 24

62,5% 0% 37,5% 100% Exemplo [f ˆ »nçm ˆ nU] [i »pçt s]

Vogal <o> 04 0 02 06

66,7% 0% 33,3% 100% Exemplo [»m Et UdU] [ka»t al]

As 30 ocorrências são referentes aos vocábulos: abóbora (02 ocorrências),

árvore (01), catálogo (01), época (01) e método (01), com <o>; estivéssemos (01),

fenômeno (01), gênero (07), hipótese (03), número (08), síntese (01) e véspera (03),

com <e>.

Embora o número de dados encontrados não seja grande, eles conseguem

demonstrar claramente a regularidade da redução das vogais médias postônicas mediais

na fala lisboeta. No âmbito da vogal anterior /e/, dos 24 casos levantados, 15 referem-se

à realização da vogal como alta, entre [ˆ], [I] e [I ], que equivalem a 62,5% dos dados; e

09 referem-se ao apagamento da vogal, uma taxa de 37,5%. Quanto à posterior, dos 06

casos levantados, 04 foram de realização da vogal alta [U] ou [U ], referentes a 66,7%

dos dados, e 02 casos de apagamento, iguais a 33,3% das ocorrências.

Conforme era esperado, a amostra demonstra a extrema redução das vogais

médias na sílaba postônica não final das proparoxítonas na fala lisboeta da década de

1970. No âmbito das duas vogais, o processo de alteamento (e posteriorização, no caso

de [ˆ]23) compete com o apagamento. Assim, as realizações foram extremamente débeis

e muitas vezes apagadas. Além disso, os percentuais foram semelhantes para ambas as

vogais: média de 65% de realização de uma vogal alta, contra uma média de 35% de

cancelamento.

Sobre a produtividade da alta velarizada [ˆ], que é descrita na literatura sobre o

PE como a variante legítima na realização da vogal média anterior /e/ em contexto

átono, lembra-se que nem sempre ela foi identificada na fala dos lisboetas. Em 07 das

23 Nesta seção, e sempre que se faz referência à variedade europeia do PE, quando o alteamento é indicado no âmbito da vogal /e/, considera-se também o processo simultâneo de posteriorização dessa vogal para [ˆ].

Page 138: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

138

15 ocorrências de realização da vogal alta, a posteriorização da vogal anterior não foi

perceptível ao ouvido do investigador. Entre elas, incluem-se os casos de maior

fechamento e brevidade: aqueles em que resta apenas um vestígio da vogal na sílaba e

não em uma realização plena.

Embora a realização da vogal como anterior não esteja prevista na literatura,

essa possibilidade não foge à natureza das vogais postônicas portuguesas, visto que

muitos investigadores, entre os quais Veloso (2012), defendem ser o schwa uma vogal

de extrema debilidade e com ponto de articulação não especificado. Mateus & Andrade

(2000) também registram a variação entre [ˆ] e [i] na realização fonética da vogal

anterior em contextos átonos no PE: “they alternate frequently in European Portuguese

(e. g. pequeno [pˆ ke@nu]/[pi ke@nu] ‘small’, ministro [m ˆ níSt Su]/[m i níSt Su] ‘minister’”

(2000:33). De qualquer forma, não se exclui a possibilidade de o investigador, enquanto

falante brasileiro, não ter sido sensível à posteriorização da vogal anterior nas variantes

mais reduzidas. Por isso, considerando-se a maioria absoluta dos trabalhos sobre o

vocalismo do PE, convenciona-se usar o fone [ˆ] para representar a articulação alta de

<e> na transcrição dos corpora aqui investigados.

Conforme já foi comentado, a falta de dados em muitas células sociais e a

produtividade do alteamento de <e> e <o> nos corpora levantados em Portugal não

permitem que se realizem análises variacionistas sobre o fenômeno aqui focalizado. Até

mesmo o controle percentual é difícil de ser empreendido equilibradamente. Para que se

observe, na medida do possível, a relação entre os casos de vogal alta e apagamento em

sílabas postônicas não finais e as variáveis sociais controladas, apresenta-se, na tabela a

seguir, a distribuição dos dados do Português Fundamental por célula social:

Page 139: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

139

Tabela 43. Dados de realização de <e> e <o> postônicos mediais distribuídos pelas variáveis sexo, faixa etária e escolaridade dos falantes do corpus Português Fundamental – Década de 1970.

Corpus Português Fundamental Lisboa

Vogal <e> Mulher Homem

F1 F2 F3 F1 F2 F3 Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag

Primário 1 2 Fundam. 1 1 2 1

Médio 1 1 1 2 1 3 Superior 2 1 2 1 1

Total 02 06 02 09 05 0

10 14

Vogal <o> Mulher Homem

F1 F2 F3 F1 F2 F3 Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag

Primário Fundam. 1

Médio 2 1 1 Superior 1

Total 0 0 02 09 05 0

02 14 F1 = Faixa etária 1 F2 = Faixa etária 2 F3 = Faixa etária 3 Alt = Alta Apag = Apagamento

Sobre as variáveis sociais, destaca-se, por fim, a dificuldade de observar a

atuação de fatores na variação entre a vogal alta e o apagamento. Nos dados do

Português Fundamental, pôde-se observar apenas que os casos de cancelamento se

concentraram entre os falantes que estudaram até, no máximo, o Ensino Médio: 47,1%

de apagamento de <e> e 40% de <o>; enquanto os falantes com Ensino Superior foram

os que menos apagaram as vogais: 14,3% de cancelamento de <e> e 0% de <o>.

Entretanto, nos demais corpora do PE investigados, não se observou mais nenhum tipo

de condicionamento ligado a esta variável. A restrição do número de dados, nesse

corpus e também nos outros, não permite fazer conjecturas muito específicas sobre a

escolaridade ou qualquer outro aspecto social.

Page 140: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

140

4.2.2 A primeira década de 2000: Corpus Concordância

A Tabela 44, abaixo, congrega os dados das duas localidades investigadas pelo

Projeto Concordância na Região Metropolitana de Lisboa nos anos 2000: Oeiras e

Cacém. Como se verá a seguir, o comportamento dos falantes inquiridos nos dois

lugares não diverge entre si.

Nas 36 entrevistas dessa sincronia, observa-se também a regularidade da redução

de <e> e <o> e a tendência ao seu cancelamento, assim como na fala de 1970. Os

percentuais de cancelamento são significativamente maiores nesses corpora, apontando

um aumento da sua produtividade entre as médias postônicas não finais nas últimas

décadas.

Tabela 44. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Concordância Lisboa (variedades culta e popular) – Década de 2000.

Corpus Concordância Lisboa Alta Média Apagamento Total

Vogal <e> 32 0 47 79

40,5% 0% 59,5 100% Exemplo [»nu)m ˆ RU] [»nu)mRU]

Vogal <o> 16 0 15 31

51,6% 0% 48,4% 100% Exemplo [»i dUl US] [s ˆ »m af RU]

Ao observar separadamente a região de Oeiras, percebe-se que o cancelamento

de <e> e <o> é o processo mais produtivo para os falantes dessa comunidade, os quais

frequentemente também apagam fonemas adjacentes a elas nas sílabas postônicas das

proparoxítonas (para mais discussões a respeito desse fenômeno no corpus em questão,

cf. GOMES, 2012).

Page 141: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

141

Tabela 45. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Concordância Oeiras (variedades culta e popular) – Década de 2000.

Corpus Concordância – Oeiras Alta Média Apagamento Total

Vogal <e> 16 0 23 39

41% 0% 59% 100% Exemplo [i »pçt ˆ s] [»Z e)nU]

Vogal <o> 08 0 09 17

47% 0% 53% 100% Exemplo [»EvURå] [ps i »kçl gU]

O conjunto de dados dessa localidade distribui-se por 19 vocábulos

proparoxítonos diferentes: 11 itens entre as 39 ocorrências de /e/, que são abríssemos

(01), acabássemos (01), alfândega (02), cérebro (02), fôssemos (02), gênero (11),

hipótese (07), inúmeros (02), número (08), tivéssemos (01) e quilômetros (02); e 09

entre os 17 casos de /o/, que são árvore (04), cômoda (02), época (05), Évora (02),

ídolos (01), semáforo (01), método (01) e psicólogo (01).

Os dados desses informantes demonstram que a variação ocorre de forma muito

parecida entre as vogais /e/ e /o/, as quais apresentam percentuais muito semelhantes de

alteamento e apagamento, nas faixas de 40% e 50%, respectivamente.

Como se vê na Tabela 46, da mesma forma que no corpus Português

Fundamental, muitos segmentos sociais não estão presentes nos dados:

Page 142: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

142

Tabela 46. Dados de realização de <e> e <o> postônicos mediais distribuídos pelas variáveis sexo, faixa etária e escolaridade dos falantes do corpus Concordância Oeiras – Década de 2000.

Vogal <e> Mulher Homem

F1 F2 F3 F1 F2 F3

Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag

Primário Fundam. 2 2 2

Médio 2 1 1 3 2 3 3 1 Superior 1 3 4 2 4 3

Total 03 03 08 07 03 15

14 25

Vogal <o> Mulher Homem

F1 F2 F3 F1 F2 F3

Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag

Primário Fundam. 1 1 1 1

Médio 1 1 1 3 Superior 2 1 1 2 1

Total 02 04 02 03 01 05

08 09 F1 = Faixa etária 1 F2 = Faixa etária 2 F3 = Faixa etária 3 Alt = Alta Apag = Apagamento

Na amostra levantada em Cacém, o comportamento das vogais estudadas não é

muito diferente da levantada em Oeiras:

Tabela 47. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Concordância Cacém (variedades culta e popular) – Década de 2000.

Corpus Concordância Cacém

Alta Média Apagamento Total

Vogal <e> 16 0 24 40

40% 0% 60% 100% Exemplo [p�»R�)m ˆ t RUS] [S )̂n »t i )mt US]

Vogal <o> 08 0 06 14

57,1% 0% 42,9% 100% Exemplo [bå»Ri t UnUS] [�pçspRUS]

No âmbito de <e>, o número de ocorrências de cada variante (16 oco de [ˆ] e 24

de [ ]) é praticamente idêntico ao encontrado em Oeiras (16 oco de [ˆ] e 23 de [ ]). No

âmbito de <o>, a variação numérica também é muito semelhante em Cacém (08 oco de

Page 143: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

143

[ˆ]/ 06 oco de [ ]) e Oeiras (08 oco de [ˆ]/ 09 oco de [ ]). No contexto posterior,

percentualmente, os falantes de Cacém realizaram a vogal alta em mais 10% dos casos.

Os 54 dados encontrados distribuem-se por 11 proparoxítonas com /e/,

centímetro (01), disséssemos (02), fenômeno (04), fôssemos (02), gênero (05), hipótese

(15), número (05), tivéssemos (01), parâmetros (01), próspero (01), e prótese (03); e 06

com /o/, psicólogo (03), autônomos (01), época (06), método (01), barítono (01) e

árvore (02).

Socialmente, as variantes encontradas em Cacém estão distribuídas da seguinte

forma:

Tabela 48. Dados de realização de <e> e <o> postônicos mediais distribuídos pelas variáveis sexo, faixa etária e escolaridade dos falantes do corpus Concordância Cacém – Década de 2000.

Vogal <e> Mulher Homem

F1 F2 F3 F1 F2 F3 Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag

Primário Fundam. 1 1 5 3 2 4

Médio 1 2 1 4 2 1 1 Superior 4 4 1 1 1 1

Total 02 10 07 04 08 09

19 21

Vogal <o> Mulher Homem

F1 F2 F3 F1 F2 F3 Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag

Primário Fundam. 1

Médio 1 2 3 1 1 Superior 3 1 1

Total 03 04 04 0 01 02

11 03 F1 = Faixa etária 1 F2 = Faixa etária 2 F3 = Faixa etária 3 Alt = Alta Apag = Apagamento

Obviamente, os resultados aqui apresentados não podem ser generalizados para a

variedade do PE como um todo, visto o pequeno número de dados levantados, mas são

representativos nos corpora investigados. Por fim, considera-se também aqui o que foi

dito sobre os dados de 1970: se por um lado as amostras não permitem vislumbrar a

atuação de variáveis sociais na concretização ou apagamento as vogais estudadas, por

Page 144: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

144

outro, ele demonstra a regularidade da redução desses fonemas na fala das localidade

investigadas.

4.2.3 Considerações sobre os corpora

Na comparação da década de 1970 com os anos 2000, evidencia-se que as

vogais <e> e <o> não só permanecem categoricamente produzidas como altas como

têm sofrido um franco processo de enfraquecimento e queda no contexto postônico

medial. Os percentuais de queda passaram de 37,5% para 59,5%, no âmbito de <e>, e

de 33,3% para 48,4%, no âmbito de <o>, queda um pouco mais expressiva quanto à

vogal anterior.

O apagamento nas amostras do PE apresentam percentuais de realização muito

semelhantes no âmbito de ambas as vogais. A observação diacrônica demonstra que a

variante que se torna mais produtiva com a passagem do tempo, o cancelamento, não

aparenta ter restrição contextual. Isso demonstra uma aparente simetria no

comportamento de <e> e <o> nos corpora selecionados e está de acordo com o que

prevê a literatura sobre o tema. Entretanto, como será apresentado no capítulo 6, a

constituição fonológica das vogais átonas do PE é de difícil definição e passa por muitas

discussões teóricas.

Assim, embora a competição entre os processos de alteamento e cancelamento

não seja o foco desse trabalho, os resultados encontrados nas amostras do PE – mesmo

que ela seja muito reduzida em número de dados e restrita em representatividade social

– demonstram características fundamentais do vocalismo átono dessa variedade da

língua, especialmente na sílaba postônica não final.

Tais propriedades da fala portuguesa na Região Metropolitana de Lisboa

ajudarão não só a refletir sobre a constituição fonológica do vocalismo átono do PE

como a interpretar algumas características do vocalismo do PB no contexto átono

estudado.

Page 145: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

145

5. ANÁLISE DO LÉXICO

5.1 Questões de natureza lexical

Todos os trabalhos que envolvem os vocábulos proparoxítonos consideram o

caráter marcado desse padrão acentual na língua portuguesa, por ele ser o menos

comum no vernáculo. Muitos afirmam, inclusive, que ele não é natural no português

porque se perdeu no latim vulgar e teve uma reentrada tardia na língua, através de

empréstimos eruditos do latim clássico e do grego24. Pelo mesmo motivo, os estudos

atentam para o fato de que as proparoxítonas também são semanticamente peculiares, já

que constituem, em sua maioria, termos técnicos e pouco usuais. Uma quantidade

restrita dessas palavras, entretanto, ganhou espaço no cotidiano dos falantes do

português porque, embora tenham origem erudita assim como as demais, com o passar

do tempo, os conceitos que carregam passaram a fazer parte do dia-a-dia das pessoas. É

o caso, por exemplo, de palavras como lâmpada, matemática, ônibus, óculos, e, entre os

vocábulos aqui investigados, árvore, número, centímetro, psicólogo etc.

No português atual do Brasil, Araújo et alii (2007) apontam a existência do

acento ortográfico proparoxítono em 12% das 150.875 entradas lexicais do Dicionário

Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS & VILLAR, 2001)25. De Paula (2010)

avaliou de acordo com sua usualidade os 3.631 itens desse conjunto que são

foneticamente proparoxítonos e que apresentam /e/ e /o/ postônicos não finais (2010:47-

55): 53 foram classificados como termos usuais – pêssego, época –, 134 como termos

pouco usuais – efêmero, déspota (Anexo XII) –, 294 como termos reconhecíveis e/ou

técnicos – calorímetro, museólogo (Anexo XIII) – e 3.150 como termos em desuso,

restritos e/ou técnicos não reconhecíveis – cecidógeno, monáxono. Essa classificação

foi confrontada com a frequência de vocábulos encontrada por Marques (1996) no

conjunto das entrevistas do corpus NURC-RJ e os resultados foram coerentes,

ratificando a divisão realizada (2010:53-54).

24 Para detalhes sobre esse fenômeno histórico, cf. Collischonn (in Bisol, 2005), Bisol & Magalhães (2004), Lausberg (1981) e Coutinho (1976). 25 Os autores basearam-se na convenção ortográfica, desconsiderando palavras com vogal [i] epentética, como ritmo [» xi tS im u] e contabilizando vocábulos com hiatos postônicos que, na oralidade, já são ditongados, como auréola [aw »REw lå].

Page 146: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

146

Os termos usuais, que se retomam a seguir, são os únicos que fazem parte do

vocabulário ativo de todos os falantes, o conjunto de vocábulos que são adquiridos no

convívio familiar e ocorrem com alta frequência na fala (DE PAULA, 2010:49):

Vogal /e/: Vogal /o/: almôndega milímetro abóbora época áspero número agrícola fósforo bafômetro pêssego âncora horóscopo câmera quilômetro apóstolo ídolo centímetro sonífero árvore incômodo cérebro termômetro autônomo mármore cócega tíquete brócolis monótono cólera tráfego bússola pérola córrego úlcera catálogo própolis fôlego útero cócoras psicólogo frutífero velocímetro cômoda sambódromo gênero velocípede cômodo semáforo hóspede véspera diálogo símbolo mamífero

Os demais itens geralmente são adquiridos pelo falantes através de situações

formais que passam pelo texto escrito, geralmente intrínsecas ao convívio escolar, e

estão retomados nos anexos XII e XIII desta tese.

Como visto nos resultados apresentados no capítulo 4, a pesquisa empreendida

até agora demonstrou que o comportamento das vogais médias na sílaba postônica não

final está relacionado principalmente a fatores sociais e discursivos, enquanto os

condicionamentos fonéticos não puderam ser claramente determinados. Todos esses

aspectos foram discutidos na análise de dados e pôde-se assim observar que, ao menos

no português falado do Estado do Rio de Janeiro, o discurso monitorado e a

escolaridade se relacionam com o conjunto de palavras proparoxítonas.

Paralelamente, a variação entre as vogais médias e altas postônicas não finais

desses vocábulos tem envolvimento intrínseco com a frequência de uso desses termos.

De forma geral, todos os aspectos linguísticos que pareciam demonstrar relação com a

variação no quadro vocálico estudado eram lexicalmente motivados, um resultado da

repetição de itens muito frequentes nos corpora. Na análise dos dados, seguindo-se os

preceitos metodológicos sociolinguísticos e em consonância com muitos trabalhos já

Page 147: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

147

realizados sobre as vogais átonas do português, principalmente em contexto pretônico,

foram controlados todos os contextos fonéticos adjacentes aos fonemas aqui estudados.

Os resultados, entretanto, estavam diretamente ligados à constituição fonotática e à

produtividade dos vocábulos levantados.

A alta frequência da palavra época nos corpora (829 ocorrências), por exemplo,

foi responsável pelo grande número da consoante /p/, em contexto antecedente,

acompanhados de um grande número da consoante /k/, em contexto subsequente.

Assim, os índices encontrados para as variáveis linguísticas, como o ponto ou modo de

articulação das consoantes adjacentes às vogais estudadas, retrataram não um

condicionamento de caráter fonético, mas um comportamento comprometido com

vocábulos que se mostraram mais frequentes nas entrevistas. Da mesma forma, as

variáveis de cunho morfológico, como a classe do vocábulo ou posição da vogal na raiz

ou não, foram condicionadas pela repetição de poucas palavras muito frequentes que

mantêm os mesmos sufixos comuns em proparoxítonas. A alta frequência dos termos

milímetro, centímetro e quilômetro, no âmbito de /e/, e Nilópolis, Petrópolis e

Teresópolis, no âmbito de /o/, que concentram as palavras com a vogal fora do primeiro

radical, por exemplo, condicionou a variável posição da vogal na palavra.

Foram esses os motivos que levaram esta pesquisa a considerar o fenômeno

variável em questão sob outra perspectiva teórica além da Sociolinguística Variacionista

e a refletir também sobre o ponto de vista da Fonologia de Uso e da Teoria dos

Exemplares para o estudo e a interpretação do vocalismo postônico não final.

Nas palavras de Bybee, transcritas na seção 3.2, a Fonologia de Uso propõe “um

modelo em que a variação e a mudança não são externas ao léxico e à gramática, mas

inerentes a eles” (2002:387). Assim, a Teoria de Exemplares considera que o

armazenamento estrutural dos padrões linguísticos ocorre no nível lexical.

Paralelamente, como afirma Cristófaro-Silva, esta proposta “sugere que o detalhe

fonético é crucial no mapeamento e gerenciamento das representações linguísticas. (...)

Efeitos de frequência expressam a organização probabilística do conhecimento

linguístico” (2005:227). Os estudos de caso apresentados por Cristófaro-Silva

demonstram exatamente esses fatores. Segundo o modelo representacional, o léxico é

organizado em redes de conexão que unem as unidades pelas sequências fonéticas – ou

morfológicas – que têm em comum.

Page 148: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

148

O fenômeno que serve de tema a esta tese parece ser um exemplo de mudança

nos termos que as autoras colocam, considerando-se, principalmente, que o grupo dos

vocábulos proparoxítonos é marcado por muitos padrões fonéticos altamente frequentes.

Muitas proparoxítonas têm terminações semelhantes porque um de seus processos de

formação mais comuns prevê a presença de uma segunda raiz, latina ou grega, comum

em termos técnicos (carnívoro, cronômetro). Naturalmente, nesses casos, a sílaba

postônica não final estará nestes elementos morfológicos muito produtivos.

Acredita-se que este aspecto morfológico é mais importante, no caso do

armazenamento das proparoxítonas, do que o contexto fonético que circunda a vogal,

pois frequentemente sobrepõe-se a ele. Por exemplo, observando o conjunto de palavras

petrolífero/frutífero/frigorífero, vê-se que as consoantes em contexto antecedente e

subsequente, respectivamente /f/ e /v/, serão quase sempre constituintes da mesma raiz -

fero26, que se repete em muitas proparoxítonas. Essa raiz também tem equivalente em

grego, -foro, promovendo, o mesmo contexto fonético no âmbito da vogal posterior:

fósforo/semáforo.

Entretanto, a questão da frequência de proparoxítonas está longe de se encerrar

nisso. Ao mesmo tempo em que terminações fonéticas de proparoxítonas são repetidas

em muitos vocábulos frequentes na fala, como centímetro/milímetro/bafômetro, eles são

formalmente marcados em itens menos comuns ou extremamente técnicos, como

parâmetro/diâmetro/pluviômetro. Da mesma forma, a vogal /o/ apresenta sequências

que se popularizaram na fala, em função do cotidiano dos brasileiros, como

psicólogo/astrólogo/catálogo ou Petrópolis/Nilópolis/Teresópolis, mas ainda são

modelos de resistência em vocábulos mais ligados à escrita, como

antropólogo/monólogo/prólogo ou metrópole/acrópole/cosmópole.

Segundo a perspectiva do modelo considerado, a mudança sonora acontece

gradualmente ao mesmo tempo em que as palavras são usadas, sendo implementada a

partir do efeito das palavras mais frequentes (BYBEE, 2002:277). O léxico mais

frequente, ou seja, o mais usual, apresentará um modelo de mudança que será

direcionado para os termos menos frequentes gradualmente, na experiência do uso. Vê-

se, no caso do alteamento de vogais médias na penúltima sílaba das proparoxítonas, a

26 “Levar, trazer, estar com., ter, produzir, causar etc.”, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS & VILLAR, 2001).

Page 149: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

149

possibilidade de os poucos itens mais frequentes encabeçarem a disseminação da

variante inovadora, as vogais altas.

Por outro lado, como continuará a ser discutido neste capítulo, o processo de

mudança investigado encontra-se em etapas finais de implementação e determinar as

suas motivações, tanto na perspectiva variacionista quanto na funcionalista, é

extremamente difícil. Esta hipótese, portanto, não pode ser a única a se considerar a

respeito dos processos de mudança observados nas sílabas átonas das proparoxítonas.

A proposta de Marquilhas (2003) para o PE que foi apresentada no capítulo 2,

por exemplo, relaciona os processos de mudança em todos os contextos átonos para

tentar explicar a regularidade do vocalismo átono dessa variedade da língua. Na sua

interpretação, a mudança das vogais átonas do português foi o resultado de um processo

analógico que teve como base dois fenômenos de redução concomitantes na língua: o

alteamento nas sílabas postônicas finais e a harmonização vocálica nas pretônicas. Nesta

perspectiva, o alteamento nas postônicas não finais é determinado pelos outros

contextos e não promotor do processo. De qualquer maneira, toda interpretação que

considere a neutralização das átonas como um fenômeno de mudança em conjunto deve

observar que a posição postônica não final é, das três, a mais restrita lexicalmente e a

menos produtiva quantitativamente.

As sílabas não finais, portanto, têm uma marca lexical muito clara, além de

serem muito menos prototípicas que as sílabas finais. Seria improvável, então, na

perspectiva da Fonologia de Uso, que sequências fonéticas de proparoxítonas

encabeçassem o processo de neutralização entre médias e altas na hipótese de ele ser

geral no léxico da língua portuguesa. De fato, a mudança nesse contexto é mais tardia

que no contexto final pois é, até os dias de hoje, parcialmente resistente ao alteamento

de /e/, mesmo sendo uma sílaba tão débil acentualmente quanto a átona final – ou ainda

mais débil, pois não há consenso na literatura sobre isso. Há de se considerar, então,

outros aspectos lexicais específicos das proparoxítonas investigadas para a compreensão

da mudança que sofrem. No panorama geral, a sílaba postônica não final é a exceção,

pois a implementação da mudança seria ainda refreada por atuação das restrições sociais

(nível de escolaridade) e discursivas (monitoramento do discurso), já verificadas nesta

pesquisa.

Page 150: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

150

Além de todas as hipóteses teóricas aqui aventadas, a apreciação pontual do

léxico desta pesquisa, que será empreendida a seguir, sugere que a frequência dos

termos proparoxítonos não é regular na comunidade de fala fluminense como um todo.

Ao contrário, sua frequência é marcada no nível individual. Paralelamente, a

produtividade de uma variante ou de outra, muitas vezes, é categórica – ou quase

categórica – na fala individual. Tais características idiossincráticas podem, inclusive, se

afastar do comportamento geral do grupo a que pertence o falante e, assim, a

persistência das variantes médias na fala popular e a implementação das variantes altas

na fala culta sofrem forte influência do comportamento idiossincrático dos falantes.

5.2 Sobre a frequência das proparoxítonas nos corpora

As tabelas 49 e 50, a seguir, elencam todos os vocábulos proparoxítonos com

vogais médias /e/ e /o/ postônicas não finais encontrados nos corpora sociolinguísticos

das décadas de 1970/80 e 2000, segundo a sua frequência de ocorrência geral nas

amostras de fala fluminense:

Page 151: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

151

Tabela 49. Vocábulos com vogal média anterior postônica medial por década de recolha.

Vocábulos com /e/

ANOS 1970/80 ANOS 2000 Total

[e] [i] [ ] [e] [i] [ ] centímetro 2 103 18 123 milímetro 7 85 1 1 5 99 número 23 33 7 16 9 3 91 quilômetro 2 29 2 33 cérebro 13 2 1 1 17 gênero 8 3 1 12 ópera 8 1 1 2 12 indígena 4 7 11 córrego 7 7 pêssego 7 7 véspera 4 1 1 1 7 fenômeno 1 3 1 5 tivéssemos 4 1 5 útero 1 3 1 5 vértebra 3 1 1 5 inúmeros 3 1 4 úlcera 1 2 1 4 almôndega 3 3 fôlego 2 1 3 paralelepípedo 1 2 3 Alfândega 1 1 2 intérprete 1 1 2 hidrômetro 2 2 hipótese 1 1 2 parâmetro 1 1 2 víscera 2 2 amássemos 1 1 Aristóteles 1 1 câmera 1 1 célebre 1 1 estudássemos 1 1 exógeno 1 1 ímpeto 1 1 Mariângela 1 1 nádega 1 1 pálpebra 1 1 perímetro 1 1 prótese 1 1 quiséssemos 1 1 tráfego 1 1 uníssemos 1 1 velocípede 1 1 vivêssemos 1 1 Total 84 287 35 34 40 5 485

Page 152: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

152

Tabela 50. Vocábulos com vogal média posterior postônica medial por década de recolha.

Vocábulos com /o/

ANOS 1970/80 ANOS 2000 Total

[o] [u] [ ] [o] [u] [ ] época 1 540 52 1 231 4 829 árvore 6 31 75 14 3 129 âncora 17 99 3 119 bússola 1 41 14 56 Teresópolis 3 34 2 39 diálogo 1 19 8 28 Nilópolis 19 6 25 abóbora 2 2 4 2 8 4 22 psicólogo 6 1 9 16 Petrópolis 4 4 7 15 índole 5 1 3 9 autônomo 2 1 2 5 cômodo 2 1 1 1 5 fósforo 1 3 1 5 ídolo 1 4 5 método 4 1 5 Távola 2 2 4 catálogo 3 3 catástrofe 1 1 1 3 sociólogo 3 3 agrícola 1 1 2 carnívoro 2 2 incômodo 2 2 monótono 2 2 Nápoles 2 2 pároco 2 2 Pentágono 1 1 2 símbolo 1 1 2 Acrópole 1 1 Adrianópolis 1 1 biólogo 1 1 cômoda 1 1 cômoro 1 1 Débora 1 1 Florianópolis 1 1 gastrônomo 1 1 Heliópolis 1 1 herbívoro 1 1 Mariópolis 1 1 mármore 1 1 metrópole 1 1 pérola 1 1 polígono 1 1 sambódromo 1 1 semáforo 1 1 tômbolo 1 1 Total 36 780 192 6 327 18 1359

Page 153: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

153

Esse panorama geral já consegue demonstrar que, mesmo entre os itens mais

comuns na fala fluminense, a frequência das proparoxítonas estudadas não é equilibrada

nas amostras. O léxico levantado apresenta vários tipos de restrição como por exemplo,

a concentração de todas as ocorrências de milímetro, centímetro, âncora e bússola na

fala dos pescadores do APERJ, ou a presença do topônimo Nilópolis apenas entre os

falantes de Nova Iguaçu. Essas restrições são a marca comum das proparoxítonas

estudadas e, portanto, não podem ser todas detalhadas aqui. Geralmente, o uso maior ou

menor de uma ou outra proparoxítona é motivada pelo cotidiano dos falantes, de acordo

com a região em que vivem, a profissão que exercem etc. Esta análise dará destaque às

particularidades do léxico estudado que se mostraram relevantes para a variação entre as

vogais médias postônicas mediais, especialmente os anos de contato com a escola e o

comportamento idiossincrático de alguns falantes.

Pôde-se observar uma diferença considerável no conjunto de itens lexicais que

ocorreu nas amostras da fala culta e nas da fala popular de uma forma geral. Em todas

as amostras da variedade não culta, os percentuais de ocorrência dos termos usuais foi

de, no mínimo, 93% do conjunto de dados, como no PEUL 80 e 2000, chegando ao

índice de 98,6% no corpus APERJ (1980). Já na fala culta, observou-se um máximo de

88,3% de termos usuais entre os falantes cultos do Concordância (2000) e o mínimo de

80,7% entre os do NURC (1970).

Entretanto, os resultados da análise variacionista demonstraram que, de forma

geral, o processo de alteamento tem sido implementado, na fala popular fluminense,

tanto nas proparoxítonas mais frequentes quanto nas pouco comuns ou técnicas.

Paralelamente, os cultos mantêm consideravelmente a vogal média, tanto em termos

muitos frequentes e comuns quanto naqueles mais restritos ao vocabulário passivo e ao

discurso técnico.

Assim, um olhar geral sobre a comunidade de fala, nas duas sincronias, sugere

que a variação entre a articulação média e a alta não tem nenhuma restrição lexical para

os falantes fluminenses, pelo menos nas últimas décadas do processo de mudança,

embora os falantes cultos sejam um pouco mais afins aos itens lexicais do vocabulário

passivo, que, como se viu no início deste capítulo, está relacionado com o contexto

escolar e, portanto, com as convenções ortográficas. Resta verificar pontualmente o

léxico em questão e o comportamento individual dos falantes a fim de depreender

Page 154: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

154

comportamentos categóricos no escopo de alguns itens ou sequências fonéticas

presentes nas amostras.

Como já foi dito, os itens proparoxítonos encontrados na fala fluminense

apresentam várias terminações que se repetem nos corpora:

Vogal /e/:

centí-metro (123) tivé-ssemos (5) córr-ego (7)27 milí-metro (99) amá-ssemos (1) pêss-ego (7) quilô-metro (33) estudá-ssemos (1) fôl-ego (3) hidrô-metro (2) quisé-ssemos (1) tráf-ego (1) parâ-metro (2) uní-ssemos (1) perí-metro (1) vivê-ssemos (1) hipó-tese (2) pró-tese (1) nú-mero (91) úl-cera28 (4) inú-mero (4) vís-cera (2) almôn-dega29 (3) Alfân-dega (2) ó-pera30 (12) vért-ebra (5) ná-dega (1) vés-pera (7) pálp-ebra (1)

Vogal /o/:

Teresó-polis (39) íd-olo (5) diá-logo (28) Niló-polis (25) símb-olo (2) psicó-logo (16) Petró-polis (15) tômb-olo (1) catá-logo (3) Ná-poles (2) soció-logo (3) Adrianó-polis (1) fós-foro (5) bió-logo (1) Florianó-polis (1) semá-foro (1) Helió-polis (1) ânc-ora (119) Mariópolis (1) carní-voro (2) abób-ora (22) herbí-voro (1) Déb-ora (1) Acró-pole (1) metró-pole (1) autô-nomo (5) cô-modo (5) gastrô-nomo (1) incô-modo (2) búss-ola (56) agríc-ola (2) árv-ore31 (129) pentá-gono (2) Táv-ola (4) márm-ore (1) polí-gono (1) pér-ola (1)

27 A semelhança entre as terminações desses vocábulos é uma coincidência histórica. 28 Do latim, ulce Ùra,um; visce Ùra,um (cf. HOUAISS, 2009). 29 Alfândega e almôndega têm origem no árabe, respectivamente al-fundaq e al-bundqâ, e eventualmente se assemelharam a nádega, do latim vulgar natica (cf. HOUAISS, 2009). 30 Do latim, opus,e Ùris; vespe Ùra,ae (cf. HOUAISS, 2009). 31 Do latim, arbor,is e marmor,is (cf. HOUAISS, 2009).

Page 155: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

155

Entretanto, como se observa nas tabelas 49 e 50, existe uma variação

aparentemente assistemática entre vogais médias e altas no âmbito do mesmo item

lexical ou do grupo de palavras que se assemelham foneticamente. Os dados não

permitem afirmar que pelo menos um item ou sequência é regular na preservação da

vogal postônica medial ou na sua redução porque, principalmente entre os itens mais

frequentes, se observa variação na realização das vogais.

Apenas alguns proparoxítonos apresentam comportamento quase sempre

regular, mas não categórico, no alteamento da vogal postônica não final. É o caso dos

vocábulos indígena, no âmbito de /e/, e fósforo, no âmbito de /o/, que tiveram as vogais

dessa posição sempre reduzidas na fala de pessoas diferentes e, até no questionário e nas

leituras, quase sempre sofreram alteamento.

Sobre os vocábulos que tiveram pouquíssimas ocorrências nas amostras não se

pode chegar a conclusões categóricas. Até mesmo o vocábulo córrego, por exemplo,

que teve 07 realizações, todas com cancelamento da vogal ([�kç˙gu]), na verdade foi

produzido por apenas um informante.

Como já se comentou, a manutenção das vogais médias na sílaba estudada tem

sido cada vez mais residual nas etapas recentes do processo de mudança focalizadas

nesta pesquisa. Segundo a proposta laboviana, determinar padrões de mudança na fase

final de sua implementação é extremamente difícil pois é quando o processo se torna

geral, perdendo suas peculiaridades e restrições. Na análise sociolinguística

variacionista, foi possível observar que apenas a escolaridade ainda mostra alguma força

de retenção do processo, entre as variáveis sociais, enquanto as motivações linguísticas

não são mais claras.

De qualquer forma, ainda que as sequências fonéticas aqui observadas sejam

armazenadas no léxico dos falantes da maneira como preveem a Fonologia de Uso e a

Teoria dos Exemplares, é praticamente impossível registrar muitas dessas unidades na

fala de uma mesma pessoa em uma situação discursiva que seja pouco monitorada,

como uma entrevista sociolinguística.

Por tudo isso, talvez já seja muito tarde para determinar a expansão do processo

de alteamento das vogais postônicas não finais no léxico proparoxítono e ele já esteja

generalizado entre os types mais frequentes da língua, assim como entre os itens mais

excepcionais. Dessa forma, a variação que se observa no âmbito do mesmo vocábulo

Page 156: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

156

seria resultado de alguns casos pontuais de manutenção das médias por razões de norma

e atenção ao discurso, marcadas no nível individual, como se verá a seguir.

5.3 Idiossincrasias na implementação do alteamento

Muitos dos informantes considerados nas amostras têm apresentado

idiossincrasias na realização das vogais postônicas não finais dos proparoxítonos

observados na seção anterior, especialmente no que tange à vogal /e/. Vários itens

lexicais em que se registrou variação na comunidade em geral, foram realizados com

vogal média ou alta de forma categórica, ou quase categórica, no nível individual. Além

disso, como se verá a seguir, essas particularidades de alguns falantes têm sido

determinantes na preservação residual de variantes médias ou na implementação de

variantes altas no grupo social de que fazem parte.

(A) Falantes com nível fundamental de instrução

Como foi amplamente discutido na análise de dados sociolinguísticos, há apenas

um resquício de proparoxítonas com variantes médias [e] e [o] entre os falantes

fluminenses que estudaram no máximo até o 2º segmento do Ensino Fundamental.

Nesse grupo, portanto, o alteamento das médias prevaleceu largamente em todos os

itens lexicais proparoxítonos quando elas são realizadas, uma vez que, frequentemente,

os falantes variam o alteamento da vogal com o seu cancelamento. Ainda assim, é

interessante para a compreensão do fenômeno observar em que situações se encontram

os poucos casos de manutenção das vogais médias anterior e posterior.

Concentram-se na fala dos pescadores do Norte-Noroeste do Estado as poucas

ocorrências de articulação média nos anos 80. Os informantes do APERJ mantiveram

[e] em 16 ocorrências, num total de 278, e [o] em 25 dados, num conjunto de 697. A

observação pontual dos indivíduos que compõem essa amostra demonstra que tal

variação é eventual no grupo como um todo e uma marca individual de alguns falantes.

A distribuição da variante [e] no APERJ por falante está exposta no quadro abaixo, que

não apresenta informações sobre o perfil social do informante. Informa-se também o

Page 157: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

157

número total de ocorrências de /e/ na entrevista, de forma que, os demais casos, foram

realizações de [i] ou [ ]:

Quadro 6. Realização da variante [e] por informante com nível fundamental de instrução – Década de 1980.

Nível Fundamental

/e/ [e] /e/ [e] /e/ [e] /e/ [e]

07

centím[e]tro milím[e]tro milím[e]tro milím[e]tro milím[e]tro

05

milím[e]tro milím[e]tro vísc[e]ras vísc[e]ras

05 quilôm[e]tro quilôm[e]tro

04 núm[e]ro núm[e]ro

35 centím[e]tro 10 milím[e]tro 03 núm[e]ro

Setenta e um informantes altearam categoricamente a vogal, enquanto os 16

casos de [e] se concentram em apenas sete entrevistas. Além disso, na fala de dois

pescadores concentraram-se 09 ocorrências de [e], destoando do comportamento do

grupo: um realizou [e] em 04 de 05 casos; e o outro, em 05 de 07.

Os demais casos foram mais esporádicos. Dois informantes variaram

equilibradamente entre a alta e a média e produziram, cada um, 02 casos de [e]. As

outras únicas 03 ocorrências, milím[e]tro, núm[e]ro e centím[e]tro, foram casos isolados

em uma entrevista inteira, ou seja, cada informante realizou [e] apenas uma vez. No

último exemplo, centím[e]tro, fica claro que a manutenção de [e] é excepcional no

idioleto do informante em questão, pois ele produziu 35 vezes proparoxítonas com /e/

postônico não final, mas só a manteve no exemplo citado. Além disso, 32 das

ocorrências também tinham a terminação –metro, referentes aos vocábulos quilômetro,

milímetro e centímetro e em 31 delas a vogal foi alteada. Situações semelhantes

verificaram-se nas outras entrevistas, demonstrando, portanto, que a manutenção da

média nesses casos isolados não é uma marca do item lexical na comunidade como um

todo, nem uma regra na gramática do indivíduo.

Os 25 casos de [o], ao contrário, estão distribuídos na amostra em itens lexicais

variados, o que indica que a manutenção dessa vogal já na década de 1980 não tinha

nenhum tipo de sistematicidade.

Page 158: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

158

Nas entrevistas com falantes de nível Fundamental da década de 2000, somente

duas pessoas mantiveram a vogal média anterior e, cada uma, em apenas um caso

isolado: uma ocorrência de núm[e]ro e uma, de óp[e]ra.

No âmbito da vogal posterior, o desaparecimento quase total da média se

verifica em todos os níveis de escolaridade. Os dois únicos casos de [o] realizados por

um falante com nível Fundamental aconteceram na mesma entrevista. O informante

realizou a palavra abóbora 14 vezes e, em 02 ocorrências consecutivas manteve a média

– [a�bçboRå] – continuando, em seguida, a altear ou apagar a vogal.

Tudo isso demonstra que é eventual a presença das variantes médias postônicas

mediais entre os falantes que tiveram pouco contato com a escola. De maneira geral,

esses indivíduos foram categóricos ao implementar o alteamento; apenas dois

pescadores da década de 1980 se destacaram da tendência geral ao manter a articulação

média [e] na sua elocução.

(B) Falantes com nível médio de instrução

Os falantes com nível médio da década de 1980 altearam categoricamente a

vogal /e/, mas, nas amostras dos anos 2000, encontraram-se 11 casos de manutenção da

vogal média. Aparentemente, esses informantes apresentam um comportamento mais

próximo ao dos falantes com nível Superior da mesma sincronia do que ao

comportamento daqueles que têm menos anos de escolaridade. De fato, eles variam a

realização da vogal, enquanto os demais falantes não cultos são regulares na

implementação da alta anterior.

Por outro lado, como já foi comentado na análise estatística, o pequeno número

de proparoxítonas encontradas nas entrevistas desses falantes não permite tirar muitas

conclusões sobre essa faixa intermediária de contato com a escola. Na amostra dos anos

80, foram levantados apenas 16 casos de proparoxítonas com /e/ e em todas a vogal foi

alteada. Já nas amostras dos anos 2000, foram encontrados 20 casos de /e/ e neles houve

variação. Estes dados estão expostos no cruzamento abaixo, à exceção de 02 ocorrências

de apagamento, e a partir deles se fará uma apreciação pontual dos itens encontrados:

Page 159: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

159

Quadro 7. Dados de realização da vogal média /e/ postônica medial distribuídos pelas variáveis faixa etária X gênero dos falantes com nível médio da década de 2000.

1 = Faixa etária 1 2 = Faixa etária 2 3 = Faixa etária 3 m = Sexo masculino f = Sexo feminino ∑ = Soma

O quadro acima, produzido com o auxílio do Programa Goldvarb X, expõe as

células sociais controladas nas entrevistas sociolinguísticas. Em negrito, observam-se as

três células que priorizam o alteamento e a única que prioriza a vogal média. Na faixa

etária intermediária (faixa 2), há equilíbrio entre as duas variantes.

Com essas informações é possível verificar que os casos de [e] não estão

equilibradamente distribuídos no grupo de falantes com nível médio, pois 7 das 11

ocorrências èstão entre os informantes da faixa 3 de sexo feminino. Observando-se o

nível individual, esse desequilíbrio fica mais claro. Seis entrevistas apresentaram os 11

casos de manutenção da média [e], conforme se vê no quadro a seguir:

Page 160: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

160

Quadro 8. Realização da variante [e] por informante com nível médio de instrução – Década de 2000.

Nível Médio

/e/ [e] /e/ [e] /e/ [e]

05

hidrôm[e]tro hidrôm[e]tro núm[e]ro núm[e]ro núm[e]ro

04 cér[e]bro núm[e]ro

02 fenôm[e]no

01 út[e]ro 01 fôl[e]go 01 gên[e]ro

Nas outras cinco entrevistas desse nível de escolaridade, os falantes sempre

realizaram [i], mas em um dado único na sua elocução. Somadas a outras três

entrevistas que estão elencadas no quadro, verifica-se que, na fala de oito indivíduos

desse grupo, houve apenas uma única ocorrência de /e/ por entrevista, sendo assim

impossível verificar variação no nível individual.

Sobre as outras três entrevistas, na primeira, o falante foi categórico ao realizar

sempre [e] nos 05 vocábulos proferidos por ele, 02 dados de hidrôm[e]tro e 03 dados de

núm[e]ro; a segunda entrevista apresentou 02 ocorrências de vogal /e/, sendo 01 caso de

fenôm[e]no; e a terceira teve 04 casos de /e/, entre os quais 01 caso de cér[e]bro e 01 de

núm[e]ro.

Em suma, quando se leem os índices percentuais da variação na fala de

indivíduos de nível intermediário de instrução, o conjunto dos informantes parece

conservar a articulação média de maneira semelhante aos falantes com Ensino Superior

dos anos 2000, em aproximadamente metade dos casos. Esse resultado quantitativo,

entretanto, não se pode comprovar porque, no nível individual, veem-se casos quase

sempre únicos de [e] em cada entrevista e apenas um informante, uma mulher da faixa

etária 3, apresentou um comportamento idiossincrático ao manter sempre a vogal média,

em 05 ocorrências. Além disso, a observação atenta das entrevistas demonstra que, o

resultado estatístico geral, que é equilibrado entre manutenção (55%) e redução da

vogal /e/ (45%), é consequência da soma de comportamentos idiossincráticos

contrastantes. Dessa forma, a variação se observou no grupo, mas quase nunca no

indivíduo.

Page 161: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

161

Sobre a vogal /o/ – que, como já foi dito, quase sempre é alteada –, encontraram-

se apenas casos únicos de manutenção por falante, que também realizaram a vogal alta

nos demais vocábulos com vogal posterior. Foram 02 realizações de côm[o]do, na

década de 1980, e 01 caso de ép[o]ca, na década de 2000.

(C) Falantes com nível superior de instrução

Na passagem da década de 1970 para os anos 2000, vê-se uma diminuição

expressiva do percentual de manutenção de /e/ entre os informantes com nível superior.

Os falantes cultos de 1970 preferiam majoritariamente a variante média, em 77,3% dos

casos de /e/. Agora, eles demonstraram variar mais equilibradamente entre a

preservação da média e a mudança para a alta, com uma taxa de 50% de realização de

cada variante.

O comportamento dos falantes cultos destoa do comportamento geral da

comunidade fluminense que, desde os anos 70, já priorizava a redução da vogal anterior,

ainda que de forma variável. Quando observada no nível individual, a resistência de /e/

entre na variedade culta mostra-se ainda mais produtiva, visto que a maior parte dos

casos de alteamento encontrados nos anos 2000 é restrito a poucos informantes desse

nível de escolaridade que destoam do comportamento geral do grupo.

A discussão sobre esse condicionamento idiossincrático foi iniciada no capítulo

de análise de dados e será aqui desenvolvida. Para tanto, será necessário comparar o

comportamento geral dos falantes cultos nos anos 70 e nos anos 2000, para, então,

observar as características mais restritas e individuais.

Como se vê no cruzamento abaixo, entre os falantes cultos da década de 1970,

os percentuais de manutenção de [e] são maiores do que o alteamento para [i] em

praticamente todas as células sociais. Apenas os índices das mulheres da faixa 3 não

seguiram o padrão, mas também não favoreceram a variante inovadora (50% de

manutenção de [e]):

Page 162: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

162

Quadro 9. Dados de realização da vogal média /e/ postônica medial distribuídos pelas variáveis faixa etária X gênero dos falantes com Ensino Superior da década de 1970.

1 = Faixa etária 1 2 = Faixa etária 2 3 = Faixa etária 3 m = Sexo masculino f = Sexo feminino ∑ = Soma

Ao olhar a distribuição desses dados por entrevistas, vê-se que, em quase todos

os casos, na fala da mesma pessoa, há predomínio de /e/ e apenas alguns casos isolados

de [i]. Assim, de forma geral, o comportamento individual dos informantes coincide

com a tendência geral do grupo dos falantes cultos. Apenas um agiu contrariamente aos

demais por altear categoricamente a vogal nas cinco proparoxítonas com /e/:

estudáss[i]mos, núm[i]ro, tivéss[i]mos e 02 casos de indíg[i]na. Esta entrevista foi a

responsável pelo aumento do percentual de alteamento entre as mulheres da faixa etária

3.

A amostra dos falantes de nível superior referente aos anos 70 é mais equilibrada

como representativa da fala culta fluminense do que a amostra do Concordância. Isso

porque o Projeto NURC tem como interesse apenas a fala culta e apresenta sempre dois

ou três informantes por célula, por isso, tem um total de ocorrências maior. No corpus

Concordância, foram levantados apenas 42 dados de fala culta, que não oferecem uma

visão tão ampla quanto a do NURC. Além disso, entre os cultos dos anos 2000,

encontraram-se mais informantes com comportamento divergente dos demais, como se

observará a seguir.

Page 163: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

163

Quadro 10. Dados de realização da vogal média /e/ postônica medial distribuídos pelas variáveis faixa etária X gênero dos falantes cultos do corpus Concordância RJ – Década de 2000.

1 = Faixa etária 1 2 = Faixa etária 2 3 = Faixa etária 3 m = Sexo masculino f = Sexo feminino ∑ = Soma

Como se vê em destaque no cruzamento acima, os falantes do sexo masculino

mais velhos destoam de todos os outros informantes, sendo os únicos que preferem a

vogal alta. O único homem da faixa 2 foi categórico ao altear a vogal, mas só

apresentou 03 dados, 03 ocorrências de núm[i]ro. Já os dois homens da faixa 3 (em

negrito), por outro lado, foram os que mais condicionaram a presença de [i] nos anos

2000. Além de preferirem a variante alta em 83% dos casos de /e/, também

concentraram a maior parte dos dados de alteamento desse corpus, 15 de 21, porque

suas entrevistas foram muito longas.

No quadro abaixo, podem-se observar melhor essas entrevistas. Ele elenca as

ocorrências de [i] na fala culta dos anos 2000, que são as que se diferem do

comportamento geral dessa variedade de fala, separadas por entrevista.

Page 164: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

164

Quadro 11. Realização da variante [i] por informante com nível superior de instrução – Década de 2000.

Nível Superior

/e/ [i] /e/ [i] /e/ [i]

10

milím[i]tros milím[i]tros milím[i]tros milím[i]tros milím[i]tros quilôm[i]tros quilôm[i]tros

08

Aristót[i]les indíg[i]na indíg[i]na indíg[i]na indíg[i]na indíg[i]na indíg[i]na indíg[i]na

03 núm[i]ro núm[i]ro núm[i]ro

06 fenôm[i]no 02 hipót[i]se 02 vésp[i]ra

Um falante realizou sempre a vogal alta, em 07 casos de indíg[i]na e 01 de

Aristót[i]les. O outro alteou a vogal /e/ em 07 dados, 05 de milím[i]tro e 02 de

quilôm[i]tro, e a manteve em 03 dados – intérpr[e]te, tráf[e]go milím[e]tro.

Como se pode observar no cruzamento e no quadro 11, nas demais células

encontram-se apenas mais 03 casos de alteamento, demonstrando que os falantes cultos

dos anos 2000, em geral, continuam conservadores e restringindo a mudança no âmbito

de /e/.

Como visto, os dados de falantes cultos do Concordância apresentou um forte

condicionamento individual, mas é o único corpus sociolinguístico disponível a respeito

dessa variedade de fala nos anos 2000. A mesma situação se observa em outras

amostras aqui consideradas. Por tudo isso, essas reflexões sobre o léxico proparoxítono

com /e/ e /o/ postônicos não finais na fala fluminense não se pretendem afirmativas e

conclusivas, pelo contrário, são o resultado da assistematicidade do léxico

proparoxítono, que, sendo pouco frequente na língua, acumula duas diferentes

excepcionalidades, uma prosódica e outra semântico-lexical: o padrão acentual marcado

e a estreita relação com a escrita e o discurso técnico.

Page 165: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

165

6. DISCUSSÃO TEÓRICA

6.1 Sobre o português europeu

Entres os autores que se propõem a refletir sobre o vocalismo do PE, não existe

consenso quanto aos elementos que constituem o inventário subjacente das vogais

átonas, especialmente no que tange à interpretação do fone [ˆ] e seu estatuto fonológico.

Esse elemento é o que mais recentemente passou a integrar o vocalismo do PE e, da

mesma forma que não é possível determinar com exatidão cronológica o seu

surgimento, a natureza das suas oposições tem sido observada com atenção porque tais

oposições são complexas e nem sempre são atestadas com pares opositivos. Dessa

forma, ainda não é consensual a compreensão de como esse fone integra o quadro de

vogais átonas: se é um alofone contextual de /e, E/ nas sílabas átonas, como defendem

alguns, ou, segundo outra interpretação, se já apresenta o status de um fonema

específico dessas posições.

A interpretação fonológica de Barbosa (1965; 1994) para as vogais átonas do PE

difere da maioria por admitir um número mais expressivo de fonemas nessas posições,

diferenciando também cada sílaba em relação à posição do acento na palavra e

considerando aspectos da estrutura da sílaba, como a qualidade articulatória dos

segmentos adjacentes às vogais.

O autor diferencia as sílabas postônicas e apresenta diferentes propostas para as

vogais átonas postônicas finais e não finais. No âmbito das átonas finais, ele contrasta

duas hipóteses de quadros, uma para as sílabas abertas ou travadas por /S/ e outra para

as sílabas travadas por /L/ ou /R/. As sílabas travadas por /N/, segundo ele, não

produziriam contraste fonológico entre as vogais não acentuadas.

Para o primeiro caso, ele considera a existência de três fonemas, /u a e/ (como

em amo, ama, ame, amos, amas, ames), aos quais acrescenta ainda o que ele descreve

como “alguns sistemas individuais, por influência da grafia” (1994:183): um fonema /i/,

que contrasta júri/júris X jure/jures embora raramente ocorra e frequentemente se

realize como [´] e se apague; e a sequência /jS/, que pode figurar após /a/, como em

amásseis. A descrição mais ampla é então /u a e (i)/.

Page 166: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

166

Para o segundo caso, ele propõe o sistema /u o a e i/, que prevê timbres abertos

para as vogais médias nesse contexto: [u] (fémur, cônsul), [o7] (Vítor, álcool), [a7]

(açúcar, Aníbal), [e7] (caráter, amável), [i] (mártir, útil). Barbosa lembra que não há

distinção entre os timbres abertos e fechados para as vogais /o a e/, que podem se

realizar [o7, ọ] [a7, ạ] e [e7, ẹ] nesse tipo de sílaba32.

Barbosa afirma que a sílaba postônica não final é menos complexa, mas ainda

assim a distingue em dois tipos: uma que se apresenta diante de uma consoante que abre

a sílaba seguinte (partíssemos) e uma que se apresenta diante de vogal (António). O

segundo caso não envolve a pesquisa realizada nesta tese, visto que tal contexto sofre

ditongação.

Sua proposta para a sílaba não final diante de consoante, que aqui interessa

especialmente, no nível estrutural é semelhante à descrição de Câmara Jr para o PB:

Barbosa prevê a existência de quatro segmentos fonológicos nessa posição: /i, a, e, u/. A

descrição de Barbosa não se pauta na redução fonética geral produtiva nessas posições,

mas sim no levantamento e contraste de pares mínimos distintivos e pares análogos (ou

ainda sequências similares, como -timo x -tumo) atestados na estrutura subjacente.

Assim, o autor propõe as oposições /i/ x /e/ x /a/ x /u/ a partir do confronto de pares

como:

/e/ x /i/ déssemos x décimos (par mínimo distintivo)

amássemos x máximos (par análogo)

/i/ x /a/ hipófise x hipófase (par mínimo distintivo)

/a/ x /u/ pétala x fístula (sequências similares: -tala x -tula)

/u/ x /i/ póstumo x ótimo (sequências similares: -tumo x -timo)

/u/ x /e/ átomo x anátema (sequências similares: -tomo x -tema)

/e/ x /a/ hipótese x hipófase (par análogo)

32 Os diacríticos em [o 7, a 7, e 7] e [ọ, ạ, ẹ] indicam, respectivamente, abertura e fechamento das vogais.

Page 167: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

167

Segundo Barbosa (1994),

embora não seja necessário encontrar pares mínimos, ou quase, para provar a individualidade dos fonemas, bastando para o efeito que um timbre não seja facultativamente substituível por outro nem determinado pelo contexto, conforme já se disse, podem ainda assim aproximar-se formas (...) para se verificar o papel distintivo de dois fonemas, /i/ e /e/, tão próximos pelas suas realizações: como se vê pelos exemplos, /e/ é realizado como [´] (e /a/ como [ạ]). (BARBOSA, 1994:185)

Em suma, Barbosa não contrapõe as demais descrições fonéticas das vogais

portuguesas nessas posições, mas diferentemente da maioria, propõe uma interpretação

teórica para o segmento [ˆ], que para ele equivale ao fonema /e/ nessa posição. Isso

explicaria a manutenção de contrastes como déss/e/mos x déc/i/mos nesse contexto,

ainda que, na superfície fonética, a realização desses fonemas seja muito próxima: [ˆ] x

[i].

O trabalho de Mateus & Andrade (2000), conforme comentado no capítulo 2,

descreve o vocalismo átono do PE contemporâneo com base na Geometria de Traços e

na Fonologia Lexical. Para os autores, a qualidade das vogais do PE depende

plenamente do acento da palavra – influência que, segundo eles, ocorre com menor

intensidade no PB (p. 19).

Os autores demonstram teoricamente a relação entre o acento e o quadro de

vogais explicando que a atribuição de traços ocorre em níveis diferentes do léxico. Os

processos de neutralização próprios dos contextos átonos não estão presentes na

representação subjacente, onde o acento ainda não foi atribuído e alguns traços são

especificados apenas na realização fonética. Ou seja, segundo eles, pelo menos alguns

dos segmentos próprios das sílabas átonas não estariam na estrutura profunda, definindo

oposições no sistema fonológico. É o caso dos sons [ˆ] e [å], que seriam, então, apenas

alofones contextuais.

Para descrever em traços as vogais do PE, eles primeiramente defendem a

existência de uma vogal não especificada em PE, no caso /i/. A proposta é baseada,

segundo os autores, na evidência de que “em todas as línguas existe pelo menos um

segmento, geralmente uma vogal, que se comporta assimetricamente em relação aos

outros elementos do sistema. Esta vogal frequentemente é sujeita a neutralização,

Page 168: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

168

epêntese e apagamento33” (2000:31). Assim, em sua descrição, /i/ é a vogal não

marcada na representação lexical: a partir dela as demais vogais se opõem. Seus traços

mínimos estão representados no quadro abaixo, que não inclui [ˆ, å], segmentos

próprios da realização fonética, segundo a interpretação desses autores:

Quadro 12. Traços distintivos das vogais do português europeu.

Vowels i e E a ç o u

[high] - -

[low] + + +

[back] +

[round] + + +

Fonte: Mateus & Andrade (2000:33).

No quadro, estão preenchidos apenas os traços mínimos, não redundantes (as

vogais arredondadas [+round], por exemplo, no sistema do PE, serão sempre posteriores

[+back] e por isso este traço foi deixado em branco).

Eles demonstram que o vocalismo átono apresenta dois graus de abertura, com

três vogais altas – [ˆ, i, u] – e uma vogal média – [å] (p. 20). Em suma, a interpretação é

de que os segmentos [E, e] tônicos (“selo”: [sE¤lu]; “selo”: [se¤lu]) correspondem

foneticamente a [ˆ] nas posições átonas, muitas vezes apagado na fala coloquial

(“selar”: [s ˆ l a¤R] ~ [s l a¤R]), e [ç, o] (“forço”: [fç¤Rs u]; “forço: [fo ¤Rs u]) correspondem a [u]

(“forçar”: [fuRs a¤R]). Eles assim exemplificam o inventário dessas vogais (2000:33):

[i] mirar [m i Ra¤R] dúvida [du¤vi då]

[u] morar [m uRa¤R] pérola [pE¤Rul å]

[u] murar [m uRa¤R] báculo [ba¤kul u]

[å] pagar [påga¤R] ágape [a¤gåpˆ]

[ˆ] pegar [pˆ ga¤R] cérebro [s E¤Rˆ bRu]

33 “(...) in all languages there is at least one segment, usually a vowel, that behaves asymmetrically with respect to the other members of the system. This vowel is often subject to neutralization, epenthesis and deletion”.

Page 169: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

169

Em Mateus (1982), esta interpretação é aprofundada em descrição fonética e

discussão da estrutura subjacente, com base no modelo fonológico gerativo. A autora

apresenta primeiramente os fones que podem figurar em sílaba tônica – [i, e, E, å, a, ç,

o, u] – entre os quais não está incluído [´], único segmento específico de contextos

átonos. A partir deste inventário, a autora estabelece a distinção entre vogais acentuadas

e não acentuadas, propondo uma regra geral de neutralização para os subsistemas [ç, o,

u] e [i, e, E], que se reduzem a [u] e [´], respectivamente. Mateus (1990) propõe regras

gerais de realização das vogais tônicas em contextos átonos, independentes do contexto

adjacente à vogal (o qual promove a maioria dos casos de exceção à regra de redução):

Quadro 13. Regras de alternância vocálica [+ac] (acentuado) e [-ac] (não acentuado) no Português Europeu.

Fonte: Mateus (1990:317).

A autora afirma que o mesmo segmento abstrato é produzido de duas maneiras

diversas, conforme o acento da sílaba em que está: à esquerda, está a forma teórica,

próxima da realização tônica; e, à direita, a realização fonética em sílabas não

acentuadas. Como explica Mateus: “De acordo com as regras (12)-(16), o segmento

abstracto está mais próximo da vogal situada à esquerda da seta (ou seja, da tónica), e

algumas das suas características são alteradas quando se produz a vogal em sílaba átona.

O resultado dessa alteração é a vogal que se encontra à direita da seta” (1990: 318).

Em outras palavras, o trabalho defende a hipótese de que exista apenas um

sistema de vogais fonológicas no PE, aquele vislumbrado na sílaba tônica, que varia

Page 170: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

170

foneticamente, a depender do acento da sílaba. Diferentemente, as descrições

fonológicas do PB, geralmente baseadas em Câmara Jr. (1970), costumam propor,

teoricamente, a existência de quadros vocálicos fonológicos diferenciados em cada

posição átona, como resultados de processos de neutralização das vogais tônicas que

têm níveis diversos em cada posição.

A alternância acentuada > não acentuada, segundo a autora, está relacionada

com a derivação, pois é nesse processo que o acento é atribuído à palavra34. Ela trata

então de regras gerais de derivação das vogais átonas (p. 325), defendendo que os

segmentos que resultam de aplicação de uma regra estão na superfície fonética e não na

estrutura subjacente. Ou seja, as regras se aplicam aos segmentos subjacentes, ou

formas de base – neste caso, às vogais do sistema fonológico – e resultam em

segmentos fonéticos – neste caso, as vogais das sílabas não acentuadas.

No geral, o vocalismo átono sofre regras de elevação (p.328) que tornam as

vogais subjacentes [+altas], no caso de [´] e [u], e [-baixa], no caso de [å]. Mateus as

resume, assim, na regra (26), que também prevê a posteriorização das médias anteriores.

Quadro 14. Regra de elevação das vogais átonas (26). 35

Fonte: Mateus (1990:329).

Na matriz à direita, em que o acento ainda não foi atribuído, α representa a não

especificação dos traços [recuado] e [arredondado] e inclui, assim, todas as vogais que

sofrem redução nas sílabas átonas. A esse respeito, observe-se que ela não inclui as

vogais que já são altas na estrutura subjacente, [i, u].

Em conformidade com o que foi dito no início deste capítulo, as regras propostas

por Mateus são gerais para todas as posições átonas, mas, em determinadas situações

34 Características da derivação e sua relação com as representações subjacente e de superfície das vogais já foram detalhadas em Mateus (1982). 35 O símbolo V congrega os traços distintivos comuns a todas as vogais: [+silábico], [-consonantal], [+soante].

Page 171: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

171

excepcionais, podem não ser aplicadas. É o que, segundo a autora, acontece

principalmente com as vogais pretónicas, que “nem sempre recebem a aplicação das

regras gerais, e por vezes mantêm-se sem alteração, iguais às formas subjacentes (p. e.

[f Ewda¤l])” (1990:330). A partir delas, Mateus lista e descreve todos os contextos em

que as regras não se aplicam (1990:330-331), em defesa das “regularidades das

excepções” (1990:330).

A respeito das distinções entre o PB e o PE, Mateus resume a discussão

defendendo a existência de níveis subjacentes comuns a todas as variedades da língua e

diferentes blocos de regras, que as diferenciam no nível superficial.

Veloso (2005; 2007; 2010; 2012; 2013) discute as propostas de Delgado-Martins

(1994), Mateus (1990) e Mateus & Andrade (2000), argumentando a favor de que [ˆ]

pertence ao inventário fonológico do PE. O autor não refuta completamente as

propostas anteriores, mas apresenta contextos não previstos nessas descrições,

defendendo que [ˆ] é um elemento que integra o sistema do português, ao mesmo tempo

em que é um alofone contextual em alguns casos.

Veloso (2005) concorda com Mateus & Andrade ao afirmar que são

inquestionáveis os pares de palavras que, partilhando a mesma raiz, apresentam um

fonema em posição tônica que, em posição átona, se realiza foneticamente de maneiras

diversas. São casos exemplificados pelo autor como: c/E/go > c[ˆ]gueira; m/e/do >

m[ˆ]droso, que demonstram que os fonemas /e/ e /E/ são realizados foneticamente [e] e

[E], quando tônicos, e [ˆ], quando átonos. Somam-se a esses casos as formas verbais em

que as vogais anteriores também variam quanto ao acento e a realização fonética:

am/e/mos, am/e/is / am[ˆ], am[ˆ]s.

Entretanto, o autor chama a atenção para vários casos nos quais essa comparação

morfofonológica é impossível e, assim, não permitem associar [ˆ] aos fonemas /e/ e /E/.

São as formas clíticas átonas, como que, de, te, se, lhe, e os nomes com tema em [ˆ]

átono, nom[ˆ]. Ele admite a possibilidade de [ˆ] ser associado a /e/ e /E/ também nesses

casos, com a realização alta e centralizada das vogais anteriores em sílaba átona, à

semelhança de tantos outros casos. Entretanto, para Veloso, essa conjectura não tem o

Page 172: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

172

respaldo de palavras morfologicamente aparentadas que permitam a comparação citada

acima e a confirmação da hipótese de [ˆ] ser apenas um alofone contextual átono.

Veloso propõe, então, a existência de um /ˆ/ fonológico que corresponderia ao [ˆ]

encontrado nos casos das formas clíticas e dos nomes em [ˆ]. Para ele, “a aceitação

desse item do inventário fonológico teórico do PEC36 forneceria uma maior adequação

explicativa às descrições fonológicas do português no tocante à representação lexical

das palavras em apreço” (2005:628). Na defesa dessa posição, o autor retoma Barbosa

(1994) lembrando que este, embora não proponha a existência de um /ˆ/ teórico,

descrevendo-o como /e/, reconhece a diferença entre os casos em que seu valor é

fonético e os casos em que o seu valor é fonemático.

Veloso (2007) diferencia os vocábulos em que [ˆ] é epentético ou resultante de

redução vocálica em contextos átonos, nos quais não haveria uma referência subjacente

/ˆ/, de outros casos em que ele é a realização de um /ˆ/ subjacente: os já citados casos de

clíticos átonos e nomes em [ˆ]. Para estabelecer essa distinção, o autor compara esses

casos com a vogal /u/, lembrando que o [u] átono algumas vezes é a realização fonética

de /o/ e /ç/ em sílabas inacentuadas, mas outras vezes equivale à realização de um /u/

subjacente, por exemplo, na derivação f/u/ro > f[u]rinho.

O autor elenca outros argumentos para a defesa de que o segmento pertence à

estrutura subjacente. Em primeiro lugar, ele é exigido pela estrutura da sílaba, às custas

de sua boa formação fonotática, como no caso dos monossílabos: de [dˆ], por exemplo.

Em segundo lugar, esse fone estabelece distinção lexical, como nos pares parte [»paRt ˆ]

x parto [»paRt u] e de [dˆ] x da [da]. Além disso, ele pode exercer uma função

gramatical: na distinção de gênero de alguns nomes, como infante [�»få)t ˆ] x infanta

[�»f å)t å]; ou, como um morfema único, correspondendo a uma vogal temática (ou

marcador de gênero ou classe, a depender da interpretação), nos exemplos já citados de

substantivos e adjetivos terminados em [ˆ]: quente [»ke)t ˆ]. Nestes contextos, [e, E] não

aparecem, apenas o schwa.

Veloso situa esses casos na categoria s-schwa (stable schwa) proposta por

Oostendorp (1998, apud VELOSO, 2007), que – diferentemente do [ˆ] epentético 36 Português europeu continental.

Page 173: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

173

(epenthetic schwa ou e-schwa) e do [ˆ] resultado de redução vocálica (vowel reduction-

schwa ou r-schwa) – pertence à estrutura subjacente da língua. O s-schwa é atestado por

Oostendorp em outras línguas, como o francês, e admitido por Veloso no inventário

fonológico do PE.

Veloso propõe uma interpretação teórica dos processos de mudança ocorridos no

sistema vocálico átono do PE que inclui os elementos /ˆ/ e /å/, exclusivos dos contextos

átonos. O autor baseia-se na Fonologia dos Elementos para explicar, principalmente, o

estabelecimento de novas vogais centrais no inventário fonológico dessa variedade do

português.

Segundo essa proposta, as vogais /i, a, u/, os conhecidos vértices do triângulo

vocálico, são os fonemas vocálicos prototípicos e universais, presentes em todas as

línguas do mundo. Eles equivalem teoricamente às vogais em estado simples ou puro –

[i] = {I}, [a] = {A}, [u] = {U} – e correspondem a três propriedades vocálicas

fundamentais: a anterioridade/palatalidade: {I}; a sonoridade/abertura: {A}; e a

labialidade: {U}. As vogais puras, combinadas, dão origem a todas as outras,

denominadas vogais complexas.

As vogais complexas /e, E/ /ç, o/ variam em abertura a depender do elemento

cabeça da combinação ser a vogal baixa {A} ou uma das altas {I}, {U} (VELOSO,

2012:237). Já as vogais /ˆ, å/, como resultado da redução sofrida pelas vogais em

contexto átono, equivaleriam à perda gradual ou total dos elementos {I, A, U}. O

segmento /ˆ/ resulta da perda total desses elementos, abertura, palatalidade e

labialidade, e por isso é um elemento não marcado, ou vogal vazia, no PE, como já

defenderam outros investigadores (2012:239). Já o /å/ resulta da perda de uma

ocorrência de {A}, restando assim em posição intermediária entre /a/ e /ˆ/ (2012:241):

/a/={A, A} /å/={A, @} /ˆ/={ }(={@, @})

Nas matrizes acima, @ significa a ausência de um elemento, neste caso, de um

grau de abertura. Em suma, Veloso (2012; 2013) defende que as vogais centrais átonas

do PE, /å/ e /ˆ/, no geral, se caracterizam por um processo denominado descoloração,

que é a perda de {I} e {U}, e pela perda gradual de {A}, que é a abertura.

Veloso (2013) detalha ainda mais sua proposta ao comparar /ˆ/ e /u/ e relatar um

processo de mudança fonológica assimétrica sofrida pelas vogais anteriores e

Page 174: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

174

posteriores. Segundo ele, enquanto as médias anteriores sofrem a referida descoloração

ao se tornarem átonas, as médias posteriores sofrem um reforço de coloração, por

reforçarem sua labialidade – {U}. Assim, verificam-se três processos distintos na

redução vocálica do PE (2013:666):

(i) perda ou atenuação de {A} (/a/ > /å/ e /e, E/ > /ˆ/);

(ii) apagamento total de {I} (/e, E/ > /ˆ/);

(iii) reforço de {U} (/o, ç/ > /u/).

O autor descreve, por fim, dois movimentos distintos na redução das vogais do

PE, relativos aos vértices do triângulo vocálico (2013:668):

(i) uma movimentação centrífuga, no caso das recuadas (/o, ç/ > /u/);

(ii) e uma movimentação centrípeta, nos casos das palatais e da central

baixa (/a/ > /å/ e /e, E/ > /ˆ/).

Discutir o estatuto fonológico das vogais átonas do PE contemporâneo é

fundamental para compreender o atual estágio do processo de mudança vivido no

quadro de vogais átonas do PB. De tudo o que foi apresentado nessa seção, destacam-se

duas principais propostas de interpretação para o vocalismo átono do PE

contemporâneo.

A primeira proposta, vislumbrada nos trabalhos de Mateus & Andrade (1982;

1990; 2000), defende que as vogais reduzidas do PE são apenas variantes posicionais

dos fonemas tônicos e, assim, o inventário fonológico do PE atual seria ainda

considerado semelhante ao inventário fonológico do PB atual. Segundo essa

interpretação, as diferenças entre as duas variedades residem na superfície fonética, por

ter o PB uma gama maior de variação das vogais átonas (ou sofrer menos influência do

acento da palavra), enquanto o PE é mais regular na sua produção (ou sofre maior

influência do acento).

A segunda interpretação, amplamente detalhada na pesquisa de Veloso, prevê

contextos morfológicos em que [ˆ] estaria integrado à estrutura subjacente do PE,

demonstrando assim o estabelecimento de uma mudança fonológica nessa variedade do

Page 175: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

175

português. O segmento /ˆ/ seria, nessa visão, um elemento separador entre a variedade

brasileira e a variedade europeia do português: a primeira, mais conservadora, sofre um

aumento gradual do alteamento das vogais médias e baixas que ainda não é regular em

alguns contextos; a segunda, mais inovadora, é regular na realização de vogais altas em

todas as sílabas átonas e receptiva a um novo segmento de articulação central no seu

inventário fonológico.

6.2 Sobre o português brasileiro

As informações sobre o vocalismo átono do português posteriores ao século

XVI, amplamente discutidas no capítulo 2 desta tese, sugerem que as variedades

brasileira e europeia têm sofrido processos de mudança diferentes desde o período de

colonização. Sobre este estágio, da implementação do português no Brasil, várias fontes

indicam que todo o vocalismo postônico já apresentava redução das vogais médias: elas

se realizavam com pelo menos um grau de redução, [eÀ o À], como defendem os principais

autores para a sílaba postônica não final; e já sofriam até mesmo alteamento total, [i u],

desde o período medieval, o que é consenso sobre a postônica final entre a maioria dos

pesquisadores.

A partir de então, cada variedade tem seguido caminhos diferentes. Na visão de

Naro (1973), é improvável que o português falado no Brasil tenha sido influenciado

pelas evoluções que ocorreram na Europa. Ele destaca fatores que, na sua opinião,

impediram que as mudanças do PE posteriores ao século XVI alcançassem o português

falado além-mar (no Brasil e no Ceilão). De um lado, havia a questão da distância

geográfica, de outro, o número relativamente pequeno de portugueses presentes nesses

territórios, que não poderia servir como veículo de mudança. Além disso, a pronúncia

europeia não constituiu um padrão de prestígio no novo mundo, ao contrário da sintaxe

e outros níveis da gramática, hipótese que Naro defende com base em peças populares

produzidas nas colônias desde o século XVI.

Independentemente dos motivos que deram início ao distanciamento entre as

duas variedades, é fato que o PB tem passado por processos que até hoje envolvem

variação entre vogais átonas médias e altas, ainda que de forma assistemática, em todas

Page 176: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

176

as sílabas átonas, enquanto o PE passou a priorizar as vogais altas em todos os

contextos átonos e a promover produtivamente o seu cancelamento, além de iniciar, em

época imprecisa, um processo regular de posteriorização das vogais médias anteriores já

reduzidas. Ao mesmo tempo, cabe destacar que, desde o português arcaico

(GONÇALVES & RAMOS, 1985) até a sincronia atual, a língua portuguesa mantém de

forma praticamente invariável sete fonemas vocálicos na sílaba tônica em todas as suas

variedades de fala37, de maneira que as discussões fonológicas pairam apenas sobre as

reduções fonéticas – e possivelmente fonológicas – que são produtivas nos contextos

átonos.

Assim, o debate sobre Brasil e Portugal ainda compartilharem ou não a mesma

gramática é muito mais amplo do que sugere o tema aqui estudado. Ele tem sido

amplamente proposto nos estudos sintáticos, que devem ser conjugados com as

pesquisas sobre os diferentes níveis da gramática para o desenvolvimento da discussão.

Sobre a fonologia das vogais do português, é necessário compreender, primeiramente, a

natureza dos processos de neutralização que criam subsistemas vocálicos nos contextos

átonos.

Mateus & Andrade (2000), com base na Fonologia Lexical, consideram que as

vogais em sílabas átonas são apenas alofones contextuais dos fonemas tônicos: no PE,

eles seriam [i ˆ å u]; no PB, todas as vogais estariam em variação. Eles se baseiam em

processos derivacionais como comprovação de que as sete vogais subjacentes do

português só sofrem perda de traços distintivos após a atribuição do acento, e, assim,

alteram suas qualidades articulatórias quando se tornam átonas (cf. item 6.1).

Câmara Jr. (1970, 1977), sob a perspectiva clássica do Estruturalismo, entende

que a possibilidade de alternância entre duas vogais átonas, em um contexto específico,

que nunca prejudica a gramaticalidade do vocábulo, demonstra a perda de oposição

entre tais vogais nesse contexto específico. Ele se baseia em pares mínimos distintivos

para a comprovação da existência de arquifonemas vocálicos posicionais em cada sílaba

átona do PB, resultantes de diferentes neutralizações entre /i e E/ e /ç o u/ (cf. capítulo

2).

37 Alguns autores incluem no inventário de fonemas vocálicos tônicos a realização [å], que, no PE, seria opositiva em algumas conjugações verbais (cant[a]mos x cant[å]mos).

Page 177: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

177

Para uma interpretação do vocalismo postônico não final do PB, em comparação

com o do PE, cabe ainda considerar duas argumentações contrárias às de Mateus &

Andrade e de Câmara Jr, respectivamente, a de Veloso (2005 e outros) e a de Bisol

(2003). Lembra-se, ainda, que entender tal contexto acentual no PE implica considerar

como um todo o vocalismo átono dessa variedade.

A pesquisa de Veloso (2005 e outros), sobre o estatuto de [ˆ] no PE, contribui

amplamente para o estudo do vocalismo postônico não final no PB. Ele também

considera os preceitos da Fonologia Lexical e não contradiz os argumentos de Mateus &

Andrade, mas acrescenta que, além dos contextos em que é um alofone de /E e/, o [ˆ]

também é um fonema no PE, nas situações em que não existe um fonema equivalente

tônico, mas ele cumpre função morfológica e estabelece oposição com outras vogais.

Principalmente devido à existência de poucos trabalhos empíricos e teóricos

sobre as vogais do PE atual, esta pesquisa não pode tirar conclusões sobre os fonemas

subjacentes dessa variedade. Se [ˆ] chegar a ser comprovado como um elemento de

valor fonológico, haverá evidência suficiente de que os sistemas fonológicos do PE e do

PB estão apartados. Mesmo sem essa confirmação, entretanto, com base em tudo o que

foi aqui discutido na pesquisa bibliográfica, sincrônica e diacrônica, e na análise de

dados do PE das últimas décadas, é possível admitir, com alguma segurança, que as

duas variedades são distintas, pelo menos, no nível superficial, no âmbito das sílabas

átonas.

Em Portugal, são indiscutíveis (i) a implementação do alteamento, tanto de /e/

quanto de /o/; (ii) a simultânea posteriorização de /e/; e (iii) a produtividade do

apagamento vocálico. Em suma, a língua apresenta grande regularidade na redução das

vogais médias e é sensível a um novo processo de mudança, a posteriorização de /e/,

que admite uma variante única dessa variedade, o [ˆ]. Já no Brasil, persiste o processo

de implementação do alteamento das vogais médias átonas /e/ e /o/, mas ele continua

em variação com a manutenção da abertura média dessas vogais, como já ocorria no

português quinhentista, embora com configurações diferentes.

Conclui-se, assim, a comparação entre as vogais postônicas mediais do PB e do

PE. Embora não se possam verificar todas as etapas da mudança que os separaram nos

últimos três séculos, ficam claras as diferenças contemporâneas entre as duas

variedades, pelo menos no nível superficial. A discussão que segue aqui em aberto diz

Page 178: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

178

respeito ao caráter fonológico da variação entre médias e altas postônicas mediais no

Brasil e à interpretação da assimetria na implementação do processo de mudança

estudado.

Como discutido no capítulo 2, Câmara Jr defende que, na sílaba postônica não

final, existe neutralização entre as vogais posteriores /O/ e /u/, mas não entre as

anteriores /E/ e /i/. Segundo ele, uma pronúncia como núm[i]ro é rechaçada pelos

falantes brasileiros.

O trabalho de Wetzels (1992), com base em teoria proposta por Clements

(1991), corrobora a visão de Câmara Jr para as sílabas átonas do português. Segundo

ele, a neutralização das vogais acontece com o desligamento de um traço de abertura da

árvore em determinado contexto. Além disso, para o autor, a labialidade é um traço

fonológico que está previsto na posição postônica não final, participando da estrutura

das vogais posteriores. Dessa forma, o desligamento do traço de abertura, ou seja, a

neutralização entre a articulação média e a alta, só é efetuado com a presença do traço

[labial]:

Quadro 15. A neutralização da vogal postônica não final.

X

[+ vocoid] Domain: stress foot

[+open2] [labial]

Fonte: Wetzels (1992:27).

As dúvidas a respeito da interpretação do vocalismo postônico não final sugerida

por Câmara Jr advêm, de um lado, (i) da ausência de pares mínimos que comprovem as

oposições fonológicas nessa posição, ao contrário do que ocorre nas demais sílabas

átonas; e, de outro, (ii) da excepcionalidade de processos de neutralização assimétricos

no sistema da língua.

Esses dois aspectos relacionam-se com características das sílabas postônicas não

finais que foram amplamente investigadas na pesquisa sociolinguística empreendida

Page 179: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

179

nesta tese. Primeiramente, a baixa produtividade do padrão acentual proparoxítono no

português é a causa da inexistência de pares mínimos nessa posição. Em segundo lugar,

o valor social atribuído às vogais médias nessa sílaba é, provavelmente, uma

consequência da estreita relação entre as palavras proparoxítonas e a escrita, o que tem

sido uma força de resistência à mudança, especialmente para /e/.

Os resultados desta pesquisa levaram à compreensão de que a assimetria

constatada por Câmara Jr não passa de uma característica da variedade de fala culta

carioca, que foi o foco do seu trabalho. Assim, não se pode negar a existência da

assimetria, mas tudo indica que ela ocorra na implementação das variantes altas entre os

falantes fluminenses, mas não no sistema da língua. De qualquer forma, é necessário

admitir que a diferença de comportamento das vogais anteriores e posteriores postônicas

não finais no PB estão presentes em todos os resultados estatísticos encontrados. Por

isso, o problema da assimetria continuará a ser discutido neste capítulo.

Bisol (2003) também se apoia na Teoria Autossegmental e na Geometria de

Traços e, com base em Clements, propõe que o vocalismo do português constitui um

modelo estruturado em camadas organizadas hierarquicamente, cada uma representando

um traço de abertura ([aberto 1], [aberto 2], [aberto 3]. Ele será positivo ou negativo de

acordo com a natureza da vogal (alta, média fechada, média aberta e baixa). A anulação

de uma ou mais camadas acarretará neutralização entre essas classes de vogais.

Segundo Clements, as línguas românicas apresentam um registro de 3 vogais,

um registro de 5 e um registro de 7, sendo os dois primeiros resultantes da anulação dos

traços [aberto 3] e/ou [aberto 2], expostos a seguir:

Quadro 16. O vocalismo românico segundo Clements (1991).

abertura i/u e/o EEEE/çççç a

aberto 1 - - - +

aberto 2 - + + +

aberto 3 - - + +

Fonte: Bisol (2003:276).

Page 180: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

180

Como dito no capítulo 2, em contraposição a Wetzels e Câmara Jr, Bisol explica

a neutralização das vogais postônicas não finais sem a especificação do traço labial.

Nesta tese, da mesma forma, toma-se como base a proposta simétrica de Bisol para a

interpretação das oposições/neutralizações entre as vogais átonas nesse contexto.

Entretanto, com base nos resultados da fala fluminense das últimas décadas, em

comparação com outras regiões do país, considera-se que a discussão sobre o fenômeno

no âmbito do PB atual é uma questão principalmente de ponto de vista fonético – e não

fonológico, como coloca a autora.

Para Bisol, o que explica a instabilidade das sílabas postônicas não finais é uma

flutuação entre o quadro de três e o de cinco vogais descritos por Clements que, no

Brasil, estão em atuação na sílaba postônica final e na pretônica, respectivamente. De

fato, os resultados dos trabalhos sociolinguísticos que focalizaram a fala da Região Sul

do Brasil e também a fala culta do Estado do Rio de Janeiro indicam uma produtiva

resistência das vogais médias anteriores entre esses falantes (e também das posteriores,

nos falares do Sul), à semelhança do contexto pretônico. Pesquisas no Estado da Paraíba

também registram a possibilidade de abaixamento das médias por harmonização

vocálica. Por outro lado, vários aspectos demonstram que a presença dessas vogais entre

tais falantes é um caso de variação fonética, à semelhança do contexto átono final, e não

de oposição, como ocorre no contexto pretônico, o que se discute a seguir.

Em primeiro lugar, mesmo entre os falantes citados, que mantêm

produtivamente a articulação média, existem consideráveis percentuais de alteamento

dessas vogais, o que comprova que a opção pela vogal alta é uma alternativa que

também faz parte da sua gramática.

Paralela a essa evidência, a conjugação de diversos resultados para os falantes

fluminenses que tiveram pouco contato com a escola (no máximo o 2º segmento do

Ensino Fundamental) corrobora que o sistema de três fonemas /i a u/ postônicos não

finais é uma realidade na fala popular do Rio de Janeiro, desde a década de 1980 até os

dias atuais.

Além de tudo, o olhar atento sobre os aspectos da variação existente nesse

Estado demonstra que cada vez se torna mais difícil determinar os condicionamentos

linguísticos e sociais para a troca de [e] por [i] nesse contexto, o que, ao que parece,

resulta de um processo de mudança que se encontra em fase final de implementação.

Page 181: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

181

Nesse sentido, a atuação da escolaridade (condicionamento social), que é a

variável mais expressiva nesse fenômeno, tornou-se menos clara na observação dos

anos 2000. O input da regra do alteamento entre os falantes cultos passou de 0.182, na

década de 1970, para 0.462, na década de 2000, demonstrando que a implementação das

vogais altas se ampliou na variedade de fala culta. Por outro lado, quando observados de

forma pontual, os dados demonstraram que, diversas vezes, características individuais

do falante escolarizado na realização das vogais se sobrepõem ao comportamento do

segmento de que faz parte.

Ao mesmo tempo, os fatores fonéticos só se mostraram relevantes para o

alteamento das vogais médias (condicionamento linguístico) quando foram motivados

pela frequência superabundante de alguns itens lexicais específicos. Confirmou-se que o

fenômeno estudado limita-se a um universo lexical muito restrito, que não permite a

legítima atuação de variáveis fonéticas e morfológicas, como se observa nas sílabas

pretônicas, por exemplo. Por outro lado, contrariamente ao que se esperava, os itens

muito frequentes não restringem a escolha por uma ou outra variante à disposição do

falante, pelo menos nas últimas etapas da mudança, aqui observadas.

Em outras palavras, o controle da frequência das proparoxítonas demonstrou que

apenas pouquíssimos itens muito comuns – nesta pesquisa somente árvore, época e

número – podem ser observados nas células sociais como um todo. Outros vocábulos

muito comuns na fala – como quilômetro e abóbora – e os itens menos frequentes não

puderam ser observados com regularidade, visto que não figuram em várias entrevistas

ou corpora em quantidade numérica que permita algum tipo de comparação. Nesse

sentido, não houve frequência de types e tokens na mesma entrevista suficiente para

testar a hipótese lexical da Fonologia de Uso. Ao mesmo tempo, os itens mais

frequentes também não apareceram restringindo o uso de uma ou outra variante, como a

princípio se cogitou.

Entretanto, acredita-se igualmente que a mudança aqui investigada já passou por

etapas de implementação motivadas pelo léxico proparoxítono em uso e que ela hoje

está em uma fase conclusiva que não apresenta mais restrição lexical. Primeiramente, é

fato que todos os aspectos linguísticos das palavras observadas estão atrelados a itens

lexicais específicos ou raízes muito frequentes no conjunto das proparoxítonas, de

maneira que não se diferenciam condicionamentos linguísticos e condicionamentos

Page 182: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

182

lexicais. Por exemplo, a presença de oclusivas adjacentes à vogal postônica medial /o/ é

diretamente relacionada ao vocábulo época, assim como a ocorrência da vogal /e/ fora

da primeira raiz é responsabilidade, principalmente, do morfema –metro.

Não se pode esquecer também que a vogal /o/, que não apresenta quase nenhuma

restrição à mudança, é expressivamente mais frequente que a vogal /e/, tanto em número

de types quanto de tokens, embora nada a respeito da frequência de uso possa ser

comprovado.

Soma-se a isso a constatação de que a variação entre médias e altas observada no

âmbito de /e/ está relacionada ao nível individual. Ou seja, mesmo em um grupo que

privilegia a variante inovadora – a vogal alta –, existem poucos indivíduos que se

afastam do comportamento geral, optando sempre, ou quase sempre, pela variante

conservadora – a vogal média. É o caso de alguns pescadores do corpus APERJ e de

alguns falantes com nível médio de instrução que integram a fala popular do corpus

Concordância-RJ. Igualmente, já se encontram nos anos 2000 indivíduos com um

comportamento extremamente inovador, mesmo que pertençam a um grupo responsável

por restringir a implementação da mudança. É o caso de alguns falantes cultos do

corpus Concordância-RJ.

Conforme propõem Weinreich, Labov & Herzog, com base nas considerações de

Hermann Paul (1880, apud WEINREICH, LABOV & HERZOG, 2006), quando o “uso

linguístico” é objeto de uma pesquisa, ele é o produto do trabalho do linguista de

comparar idioletos. Eles entendem que o uso linguístico não tem nenhum limite

determinado, apenas aquele que o pesquisador lhe impõe através do agrupamento de

falantes, um recorte que, de alguma forma, será arbitrário. Ao mesmo tempo, a

consideração do idioleto é a única maneira de chegar à gramática.

Segundo reflexões de Paul, “uma comparação das línguas individuais (...)

produz uma certa ‘média’, que determina o que é realmente normal na língua – o ‘uso

linguístico’” (p. 41). Acredita-se que, em consonância com essa ideia, esta pesquisa

examinou detalhadamente a variação entre vogais médias e altas no Rio de Janeiro, em

especial, na fala dos informantes mais escolarizados, nos quais a competição entre [e] e

[i] ainda é comum. Os dados gerais dos anos 2000 indicam que as duas variantes estão

em equilibro entre os falantes de nível médio e superior de instrução, mas, o

comportamento idiossincrático de vários deles indica que, na fala de muitos, a mudança

Page 183: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

183

para [i] se evidencia, mesmo na fala culta, ao mesmo tempo em que, na fala de alguns,

se verifica a resistência da variante conservadora [e].

Os autores entendem que uma mudança no uso linguístico ocorre através da

soma de “uma série de (...) mudanças de idioletos que se movem numa mesma direção”

(2006:43). Tal visão parece ser bastante evidente para o fenômeno que aqui investigado.

O recorte metodológico que divide os falantes em cultos e não cultos sugere que um dos

grupos de falantes é resistente ao alteamento da vogal /e/, mas, ao considerar a

realização desse fonema no nível individual, vê-se que a maioria dos falantes que

compõem a comunidade de fala fluminense já implementa a redução da vogal.

Sobre as diferenças entre as vogais médias anteriores e posteriores, lembra-se

que, na opinião de Bisol, a língua evita qualquer tipo de assimetria e, nesse caso, tende a

regularizar-se em três elementos /i a u/. O vocalismo postônico não final, segundo ela,

só apresenta diferença entre os contextos de articulação anterior e posterior por conta de

uma motivação fonética da cavidade bucal, já que a distância entre os pontos de

articulação de [o] e [u] é menor do que a distância entre a articulação de [e] e [i].

A explicação de Bisol, que também coincide com o que diz Naro, pode ser

conjugada com os resultados da pesquisa realizada no Estado do Rio de Janeiro. Os

dados demonstram que a opção pela vogal média, principalmente [e], apresenta algum

tipo de consciência, possivelmente motivada pela memória ortográfica das

proparoxítonas. Isso porque os falantes que mais produzem [e] são os que têm mais

tempo de escolaridade. Além disso, o controle de situações de fala monitorada

demonstrou que, quanto maior a atenção dedicada ao seu discurso, mais o falante opta

pela vogal média [e].

Mollica & Braga (2004) constatam a relação entre grau de percepção de uma

variante e seu valor social: segundo elas, quanto menos percebida é uma variante,

menor é a sua estigmatização. Os condicionamentos comentados quase não foram

observados no âmbito da vogais posteriores. A série posterior apresentou realização alta

quase categoricamente em todos os corpora sociolinguísticos investigados neste

trabalho. A mudança nesse contexto demonstrou estar plenamente implementada, pois

não foi sensível a nenhum condicionamento social ou linguístico investigado. Apenas

na década de 1970 observou-se um resquício das vogais médias posteriores, na faixa de

Page 184: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

184

10% dos dados realizados pelos falantes cultos cariocas. Nos anos 2000, até mesmo eles

reduziram categoricamente a vogal posterior.

Todos esses resultados indicam que, teoricamente, a vogal /e/ teria uma

articulação mais perceptível e consciente para os falantes fluminenses. Esses indícios,

conjugados aos comentários de Bisol e de Naro sobre as diferenças articulatórias entre

as vogais anteriores e posteriores, talvez possam ser confirmados também para todos os

falantes brasileiros, mas devem ser comprovados com mais pesquisas sobre o tema nas

diversas regiões do país.

Embora as diferenças entre /e/ e /o/ reflitam a assimetria defendida por Câmara

Jr, deve-se considerar, mais uma vez, que o contraste no comportamento das duas

vogais ocorre apenas no plano fonético. Isso fica comprovado no teste de leitura.

Embora tivessem diferentes níveis de escolaridade, em situação de extrema atenção ao

discurso, todos os falantes recuperaram a variante média [o], em percentuais próximos

aos encontrados para a fala culta na realização de /e/: 40%, 54,2% e 66,7%,

respectivamente, para os níveis de escolaridade fundamental, médio e superior.

Por tudo isso, além da atuação da escolaridade e de alguns comportamentos

idiossincráticos, a assimetria não se verifica nos corpora. O contraste de estilos

diferentes mostrou que o monitoramento do discurso pode aumentar a percepção das

vogais, inclusive das posteriores, e, assim, a média anterior [e] e a posterior [o] podem

ser igualmente conservadas nos contextos mais formais. Ao mesmo tempo, na fala

pouco escolarizada não monitorada, o alteamento da vogal anterior está plenamente

implementado desde os anos 80, sem nenhuma assimetria com a vogal posterior.

Conclui-se, com base nos resultados da investigação sociolinguística realizada

neste trabalho, que o alteamento das vogais médias átonas se encontra implementado na

posição postônica não final tanto no PE quanto no PB. O processo acarretou a mudança

para o quadro de três vogais /i a u/, que já era produtivo no contexto postônico final

antes da implantação do português no Brasil. Em Portugal, isso se comprova

plenamente, pois o processo já estava generalizado, tanto na posição aqui focalizada,

como nos demais contextos átonos, desde o século XVIII, em que também já se

registrava a posteriorização de /e/, segundo Marquilhas. Essa variedade, ao que parece,

segue em evolução, haja vista os produtivos índices de apagamento que ocorreram na

amostra aqui considerada. No Brasil, atesta-se a persistência de variantes conservadoras

Page 185: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

185

no nível fonético, especialmente no âmbito da vogal anterior, que, embora seja mais

resistente ao alteamento, se encontra em plena variação com a alta, em diversas regiões

e variedades de fala brasileiras.

Page 186: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

186

7. CONCLUSÃO

A literatura sobre o vocalismo do português demonstra que o português

brasileiro e o europeu são receptivos a processos de mudança distintos quando as vogais

estão em contextos átonos. Embora as duas variedades tenham compartilhado desde o

período colonial a tendência de alteamento das vogais médias átonas, o PE certamente

já assimilou esse processo, havendo atualmente raríssimos resquícios de vogais médias

nas posições não acentuadas, segundo os autores investigados. Paralelamente, o Brasil

segue mantendo uma produtiva variação entre os diferentes graus de abertura em todas

as posições átonas. Nas pretônicas, a harmonização vocálica é um fenômeno variável

desde o período colonial até hoje, enquanto nas postônicas o processo de alteamento se

implementa a passos lentos na posição postônica medial e, mesmo nas postônicas finais,

não é regular.

A investigação aqui empreendida em trabalhos de cunho diacrônico apontou

indícios de que as variantes inovadoras no vocalismo do PE, [ˆ, u], e mesmo o

apagamento já eram produtivos em todos os contextos átonos desde o século XVII mas,

por outro lado, em fins do século XIX, vogais médias ainda variavam com as vogais

altas a ponto de serem escolhidas para a descrição de Viana (1892). As fontes históricas

dos últimos séculos sobre Portugal não são claras, mas indícios apontam que a

regularização do vocalismo átono português com a redução das médias /e o/ para [ˆ, u]

ocorreu muito recentemente, segundo Marquilhas (2003a; 2003b).

No Brasil, a posição átona que mais apresenta discussão teórica é a postônica

medial, que é o foco desta pesquisa. Para Naro (1973), a partir do século XVI, esse

contexto apresentou alteamento da vogal média posterior e não da anterior, o que

configurou o quadro assimétrico de quatro vogais na variedade brasileira. Tal

característica é defendida pelo principal teórico sobre os aspectos fonológicos do PB

contemporâneo, Câmara Jr (1970). Por outro lado, Bisol (2003, 2010) também estudou

amplamente o tema, sob a perspectiva de correntes pós-estruturalistas, e defende a

simetria do processo de mudança vocálica verificado no Brasil. Para ela, o sistema

apresenta somente duas configurações, um quadro de cinco vogais e um quadro de três,

que estão em flutuação na posição postônica não final com tendência à regularização em

três segmentos /i a u/.

Page 187: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

187

As diferenças fonéticas entre as duas variedades do português são evidentes,

mas, no que tange ao nível fonológico, resta verificar se o sistema vocálico no PB e no

PE já apresentam configurações diferentes e quais são suas características. É possível

refletir sobre duas visões diferentes a respeito disso: a de Mateus & Andrade (2000)

defende que o PB e o PE tenham configurações fonologicamente semelhantes com

diferenças na realização fonética. A segunda, desenvolvida por Veloso (2005 e outros),

afirma que a vogal [ˆ] é um elemento integrante do vocalismo português e substituiu a

vogal média anterior /e/, que ainda resiste na variedade brasileira. Nesta perspectiva, as

duas variedades se diferenciam no nível subjacente.

A pesquisa sociolinguística aqui empreendida, confirma, através da apreciação

dos dados de Lisboa, a redução generalizada do vocalismo átono português desde a

década de 1970 até os dias de hoje. No atual estágio, está estabilizado o alteamento das

vogais médias átonas portuguesas em [ˆ u], ao lado de produtivo processo de

apagamento que tem se tornado cada vez mais frequente, segundo os resultados

comparativos entre os corpora de 1970 e 2000.

A análise de dados de falantes brasileiros do Estado do Rio de Janeiro

demonstra a regularidade do quadro de três vogais [i a u] no contexto postônico medial,

desde os anos 1980, entre os falantes pouco escolarizados. Com percentuais muitos

baixos de variação entre vogais médias e altas, o processo de alteamento está

implementado entre eles, de forma simétrica entre as duas vogais.

Por outro lado, entre os falantes mais escolarizados, o processo confirma-se

para a vogal /o/ já em 1970, quando a manutenção da média era muito pouco produtiva,

e também nos anos 2000, em que a realização foi quase sempre [u]. Por outro lado, a

articulação média [e] ainda resiste variando com [i] nos anos 2000, entre os falantes

com nível de instrução médio ou superior.

Isso demonstra a atuação da escolaridade no fenômeno estudado, a única

variável que se mostrou condicionadora do processo de alteamento, em todas as análises

sociolinguísticas realizadas. O confronto de todas as amostras de 1970/80 e 2000

demonstrou que a regra de alteamento é extremamente favorável entre os falantes que

têm apenas o nível fundamental, com peso relativo de 0.938, é quase neutra entre os

falantes de nível médio, peso relativo de 0.645, e é desfavorável entre os falantes com

nível superior de escolaridade, peso relativo de 0.281.

Page 188: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

188

Sobre a assimetria, pode-se concluir, por um lado, que esteja de alguma maneira

presente entre os falantes mais escolarizados, mas, por outro lado, o alteamento é

produtivo também entre eles, desde a década de 1970.

Interessa destacar também o comportamento dos falantes com nível de instrução

intermediário, para os quais os resultados dos anos 2000 divergem parcialmente do que

era esperado a partir do que foi encontrado nas décadas de 1970/80. Na variedade de

fala popular, esse grupo se diferenciou daquele com apenas o nível Fundamental porque

alguns informantes apresentam o comportamento idiossincrático de preservar /e/,

enquanto os menos escolarizados sempre implementam a mudança para [i].

Simultaneamente à atuação da escolaridade na comunidade de fala fluminense,

observa-se um condicionamento lexical e idiossincrático no comportamento de vários

falantes fluminenses que se destacam do comportamento geral do seu grupo. A

observação pontual dos dados levantados demonstrou que o léxico proparoxítono, em

que se verifica o fenômeno estudado, é restrito em cada entrevista levantada. Muitas

vezes o inquérito apresenta somente um ou dois vocábulos diferentes, mesmo quando há

muita repetição deles. Paralelamente, diversos falantes apresentam comportamento

categórico, ou quase categórico, ao sempre altear ou manter a vogal /e/ nos vocábulos

que realizaram.

É por esses motivos que se considera fundamental para o estudo do alteamento

em sílabas postônicas mediais investigar a relação entre a frequência dos itens lexicais e

a implementação da mudança, visto que é intrínseca a relação entre os fatores

linguísticos tradicionalmente controlados na pesquisa sociolinguística e os vocábulos

proparoxítonos encontrados nos corpora. Embora não se tenha obtido sucesso ao

associar a escolha de variantes a determinados itens lexicais mais ou menos frequentes,

como previa uma das hipóteses iniciais baseada na Fonologia de Uso, considera-se que

isso tenha ocorrido em estágios anteriores de implementação da mudança e, hoje, as

variantes altas já estejam difundidas em todo o léxico proparoxítono, como, de fato, são

produtivas em todos os vocábulos levantados. Essa também é a hipótese defendida por

Marquilhas (1996, 2003) para o PE.

Através do controle de questionários e leituras, viu-se, nesta pesquisa, o resgate

notável das variantes médias [e] e [o] em todos os segmentos da comunidade de fala

carioca. O discurso monitorado provocou a realização das vogais médias em grupos

Page 189: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

189

sociais nos quais já haviam desaparecido na fala espontânea. A comparação entre as

etapas de perguntas e respostas, identificação de figuras e leitura de texto mostrou que,

conforme aumenta o monitoramento do discurso, mais o processo de alteamento é

refreado, principalmente na realização de /e/, mas também de forma expressiva na

realização de /o/. Nesse sentido, a etapa de leitura foi a única em que os informantes de

todos os níveis de escolaridade preteriram o alteamento de /e/. A recuperação de ambas

as vogais em estilos formais, inclusive na fala popular, demonstra que a assimetria entre

elas não é fonológica. Ao contrário, considerando-se os demais resultados deste

trabalho, conclui-se que o comportamento de /e/ só se diferencia do comportamento de

/o/ na fala espontânea quando há atuação da escolaridade do falante, um fator que é

social e não fonológico.

A pesquisa desenvolvida nesta tese de doutorado pôde contribuir para os estudos

fonológicos sobre o vocalismo átono do português ao proceder ao exame minucioso do

contexto átono mais difícil de ser observado na língua portuguesa. O levantamento

laborioso de proparoxítonas com vogais /e/ e /o/ na sílaba postônica não final levou à

investigação da variação e da implementação do alteamento na posição átona menos

frequente na língua, que também é a mais negligenciada nos trabalhos sincrônicos e

diacrônicos, especialmente pela raridade com que tais vocábulos figuram nos corpora

de pesquisa, principalmente nos históricos. Ao mesmo tempo, o tratamento do tema sob

diversos aspectos que lhe são peculiares permitiu que o fenômeno em questão fosse

analisado sob diversas perspectivas, teóricas e empíricas.

A conjugação dos resultados encontrados na fala espontânea e na fala

monitorada do Rio de Janeiro, através de análise estatística e lexical, demonstrou que as

variantes médias [e o] e altas [i u] estão em variação na fala fluminense, mas

fonologicamente verifica-se a redução do quadro para /i a u/. Pode-se concluir que a

assimetria entre as vogais /e/ e /o/ postônicas mediais, percebida por Câmara Jr na fala

carioca da década de 1940, embora seja aparentemente uma distinção de nível

fonológico, na verdade é uma questão de competição entre variantes fonéticas que são

mais ou menos produtivas a depender da influência da escolaridade, do perfil

idiossincrático do falante e do contexto discursivo. Por isso, talvez a afirmação de

Câmara Jr de que a realização [�nu)mi Ru] é rechaçada pelos falantes seja a constatação

de um valor social atribuído à variante [i] pelos falantes cultos cariocas de 1940, que

Page 190: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

190

foram o alvo de seu estudo. Nos dias atuais, muitas ocorrências de [�nu)mi Ru] foram

registradas na fala espontânea e monitorada de falantes cultos da Região Metropolitana

do Rio de Janeiro.

Sobre as oposições fonológicas entre PB e PE, não se podem apresentar

comentários conclusivos visto que há falta de trabalhos empíricos sobre o fenômeno no

PE e o tema ainda é objeto de ampla discussão entre os principais linguistas que

investigam essa variedade da língua, especialmente sobre o valor fonológico de [ˆ].

No nível fonético, entretanto, fica claro que as duas variedades divergem

amplamente na concretização das vogais átonas, entre elas as postônicas mediais, que

aqui foram focalizadas. A observação do nível superficial da língua demonstra que

Brasil e Portugal sofrem processos fonético-fonológicos diferentes e tendem a se afastar

cada vez mais com o passar do tempo. Em Portugal, são quase categóricos o alteamento

de /e/ e de /o/ e a simultânea posteriorização de /e/; além disso, a variedade europeia é

cada vez mais receptiva ao apagamento vocálico. No Brasil, persiste em implementação

o processo de alteamento no contexto postônico: ele já está generalizado na posição

final (embora ainda varie com as médias em poucas regiões do país e nas sílabas

travadas) e amplia cada vez mais a sua produtividade no âmbito da vogal /e/ na posição

não final, o único segmento que ainda apresenta resistência a ele nesse contexto.

Nesse sentido, é apenas questão de tempo até que diferentes processos fonético-

fonológicos sejam incorporados à gramática de cada variedade e, ainda que alguns deles

possam ser refreados em etapas futuras da língua, possibilidade que prevê a teoria

laboviana da Variação e Mudança, dificilmente o tempo manterá próximos os trajetos

de mudança das vogais átonas nas duas variedades.

Page 191: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

191

8. BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, F. da S. C. Micro Atlas Fonético do Estado do Rio de Janeiro: uma

contribuição para o conhecimento dos falares fluminenses. 2 v. Rio de Janeiro:

Faculdade de Letras/UFRJ. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas. 2008.

AMARAL, M. P. A síncope em proparoxítonas: uma regra variável. In: BISOL, L &

BRESCANCINI, C. (org). Fonologia e variação: recortes do português brasileiro.

Porto Alegre: EDIPUCRS. 2002. 99-126.

ANDRADE, A. Reflexões sobre o 'e mudo' em português europeu. In: Duarte, I. &

Leiria, I. (eds.) Proceedings of the I International Congress on Portuguese. [Abril

1994]. Vol III. Lisbon: UL, Colibri/APL, 1996a. 303-344.

ANDRADE, E. Temas de Fonologia. Lisboa: Colibri. 1992b.

ARAÚJO, G. A.; VIARO, M. E.; GUIMARÃES FILHO, Z. O.; OLIVEIRA, L. As

proparoxítonas e o sistema acentual do português. In: ARAUJO, G. A.. (Org.). O acento

em português: abordagens fonológicas. 1 ed. São Paulo: Parábola. 2007. 37-60.

BARBOSA, J. M. Introdução ao Estudo da Fonologia e Morfologia do Português.

Coimbra: Livraria Almedina, 1994.

______. Notas sobre a pronúncia portuguesa nos últimos cem anos. In: Revista Biblos.

Vol. LXIV. Coimbra: Biblos, 1988.

______. Etudes de Phonologie Portugaise. 2ª ed. Évora: Universidade de Évora.

1983[1965]. 105-133.

BARBOSA, J. S. Grammatica philosophica da língua portuguesa ou princípios de

grammatica geral aplicados à nossa lingoagem. Lisboa, 1822. (disponível em

http://bibdig.biblioteca.unesp.br/handle/10/6903).

BARROS, J. Grammatica da língua portuguesa. Olyssipone: Lodouicum Rotorigiu,

1540. (Disponível em http://purl.pt/index/geral/aut/PT/12867.html).

Page 192: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

192

BATTISTI, E. & VIEIRA, M. J. B. O sistema vocálico do português. In: BISOL, L.

(org) Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 4. ed. Porto Alegre:

EDIPUCRS. 2005. 171-206.

BISOL, L. A Simetria no Sistema Vocálico do Português Brasileiro. In: Linguística, v.

5. 2010. 41-52.

______. A neutralização das átonas. Revista D.E.L.T.A, 19 (2). 2003. 267-276.

______. org. Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 4. ed. Porto

Alegre: EDIPUCRS. 2005.

______. Harmonia vocálica: uma regra variável. Tese (Doutorado em Linguística) –

Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 1981.

______ & BRESCANCINI, C. (org) Fonologia e variação: recortes do português

brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2002.

______ & MAGALHÃES, J. S. A redução vocálica no português brasileiro: avaliação

via restrições. Revista da ABRALIN, III (1-2). 2004. 195-216.

BRANDÃO, S. F. O pescador do município de Campos: universo e linguagem. Rio de

Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas. 1988.

______. & SANTOS, A. P. O comportamento das vogais médias postônicas não finais

na fala fluminense. In: HORA, Dermeval da (org.). Vogais: no ponto mais oriental das

Américas. João Pessoa: Idéia. 2009. 101-110.

______ & SANTOS, A. P. Vogais médias postônicas não finais nas falas culta e popular

do Rio de Janeiro. Comunicação apresentada no XV Congresso Internacional da

Associação de Linguística e Filologia da America Latina (ALFAL). Montevidéu,

Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad de la

República, 18-21 ago. 2008.

BYBEE, J. Word frequency and context of use in the lexical diffusion of phonetically

conditioned sound change. In: Language Variation and Change, 14. Cambridge:

Cambridge University Press. 2002. 261-290.

Page 193: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

193

______. Phonology and Language Use. Cambridge: Cambridge University Press. 2001.

CAGLIARI, L. Da importância da prosódia na descrição de fatos gramaticais. In: R.

Ilari (org.) Gramática do Português Falado vol. II. Campinas: Ed. Unicamp. 1992. 39-

64.

CALLOU, D. & LEITE, Y. Iniciação à fonética e à fonologia. Rio de Janeiro: Zahar.

2003.

CAMARA Jr., J. M. Para o estudo da fonêmica portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão.

1977[1953].

______. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes. 1970.

CARDEIRA, Esperança. O Essencial sobre a história do Português. Lisboa: Editorial

Caminho. 2006.

CARDOSO, S. A. M. O apagamento das postônicas não finais: um fenômeno atemporal

e atópico? In: Castilho, A.; Torres Morais, M. A.; Lopes, R.; Cyrino, S. Descrição,

história e aquisição. São Paulo : Fontes/FAPESP. 2007. 207-215.

CARVALHO, J. H. Nota sobre o vocalismo antigo português: valor dos grafemas e e o

em sílaba átona. In: ______. Estudos Linguísticos. Coimbra: Atlântica, v. 2. 1969. 75-

103.

CHOMSKY, N. & HALLE, M. The Sound Pattern of English. New York: Harper and

How. 1968.

CLEMENTS, G. N. Vowel height assimilation in Bantu languages. In: HUB-BARD, K.

(Ed.). BLS 17S: Proceedings of the Special Session on African Languages Structures.

Berkeley Linguistic Society. Berkeley: University of California. 1991. 25-64.

COLLISCHONN, G. A sílaba em português. In: BISOL, L. (org.) Introdução a estudos

de fonologia do português brasileiro. 4. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2005. 101-133.

______. O acento em português. In: BISOL, L. (org.) Introdução a estudos de fonologia

do português brasileiro. 4. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2005. 135-169.

Page 194: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

194

COUTINHO, I. L. Gramática histórica. 7.ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico. 1976.

CRISTÓFARO-SILVA, T. Fonologia probabilística: estudos de caso do português

brasileiro. Lingua(gem). Macapá, v. 2, n.2. 2005. 223-248.

______.; GOMES, C. Representações múltiplas e organização do componente

linguístico. Fórum Linguístico (UFSC), v. 4. Florianópolis. 2004. 147-177.

CRYSTAL, David. Dicionário de Linguística e Fonética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

2000.

CUNHA, C. Conservação e inovação no português do Brasil. Revista O eixo e a roda.

Belo Horizonte, v.5. 1986. 199-230.

DA HORA, D; COLLISCHONN, G. Teoria Linguística: fonologia e outros temas. João

Pessoa: Universitária/UFPB. 2003.

DE PAULA, A. Vogais médias postônicas não finais no Rio de Janeiro: produtividade

lexical e processo de alteamento. In: MAGALHÃES, J. S. (org.) Fonologia –

Linguística in Focus 10. Uberlândia: EDUFU. 2014a. 205-228.

______. A variação de vogais médias postônicas não finais no Rio de Janeiro em

comparação diacrônica com o português europeu. In: Anais da XXV Jornada Nacional

do GELNE. Natal: EDUFRN. 2014b. CD-ROM.

______. Análise acústica das vogais médias postônicas não finais: alteamento e

velocidade de fala. In: Seung Hwa, L. (org.) Vogais além de Belo Horizonte. Belo

Horizonte: FALE/UFMG. 2012. 219-229.

______. Vogais médias postônicas não finais na fala do Estado do Rio de Janeiro. Rio

de Janeiro: UFRJ/ FL. Dissertação de Mestrado. 2010.

______. Vogais médias postônicas não finais na fala culta carioca. In: DA HORA, D.

(org.) Anais – VI Congresso Internacional da ABRALIN, v. 2. João Pessoa: Ideia. 2009.

______. As vogais médias postônicas não finais em corpora de perfis sócio e

geolinguísticos. In: Revista Estudos Linguísticos, v.38 (1). São Paulo. CD-ROM. 2008.

35-46.

Page 195: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

195

______.; BRANDÃO, S. F. Assimetria do quadro vocálico em contexto postônico não

final: aspectos diacrônicos e realidades sincrônicas. In: Signum: Estudos de Linguagem,

v. 15. Londrina: Editora UEL. 2012a. 129-149.

______.; BRANDÃO, S. F. Sobre vogais médias em posição postônica não final na fala

popular do Rio de Janeiro. In: Letras de Hoje – Vogais: Teoria e Uso, v. 47, nº 3. Porto

Alegre: EDIPUCRS. 2012b. 275-282.

______.; GOMES, D. K. Processos de redução no contexto postônico não final:

alteamento e síncope na fala do Rio de Janeiro. In: Anais – II Congresso Internacional

de Dialetologia e Sociolinguística (II CIDS) São Luís: EDUFMA. 2012. 861-879.

DELGADO-MARTINS, M. R. Relação fonética-fonologia: a propósito do

sistema vocálico do português. In: DUARTE & LEIRIA (eds). Actas do Congresso

Internacional sobre o Português. Lisboa: APL/Colibri. 1994. 311-325.

______. Vogais e Consoantes do Português: Estatística de Ocorrência, Duração e

Intensidade. In: Boletim de Filologia. XXIV (1-4) 1975. 1-11.

EMILIANO, A. Fonética do Português Europeu: Descrição e Transcrição. Lisboa:

Guimarães Editores. 2009.

GOMES, Danielle. Síncope em proparoxítonas: um estudo contrastivo entre o

português brasileiro e o português europeu. Rio de Janeiro: FL/UFRJ. Tese de

Doutorado em Língua Portuguesa. 2012.

GONÇALVES, E.; RAMOS, M. A. A Lírica galego-portuguesa: textos escolhidos.

2.ed. Lisboa: Editorial Comunicação, 1985.

GUIMARÃES, L. O. Fonética portuguesa: compêndio da ortologia nacional. Coimbra:

Coimbra Editora, 1927.

GUY, G. R. & ZILLES, A. Sociolinguística Quantitativa. Instrumental de Análise. São

Paulo: Parábola. 2007.

HOUAISS, A. Houaiss Eletrônico. São Paulo: Objetiva. 2009. Digital.

Page 196: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

196

_______. & VILLAR, M. Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva. 2001.

HUBER, J. Gramática do Português Antigo. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian. 2006 [Trad. Altportugiesisches Elementarbuch, 1933].

KIPARSKY, Paul. The Phonological Basis of Sound Change. In: Goldsmith, J. A. (ed.).

The Handbook of Phonological Theory. Cambridge: Mss., Blackwell. 1995. 640-670.

LABOV, W. Principles of linguistic change. Oxford: Blackwell Publishers. vol. 1.

1994.

______. Sociolinguistic patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania. 1972.

LAUSBERG, H. Linguística românica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2a. ed.

1981.

LAVER, J. Principles of Phonetics. Cambridge: Cambridge University Press. 1994.

431-449; 511-546.

LEHISTE, I. Suprasegmentals. Cambridge: MIT Press. 1970.

LEITE, Y. Portuguese stress and related rules. Austin: University of Texas. Tese de

Doutorado em Linguística. 1974.

LIMA, L. C. Orthographia da lingua portugueza. Lisboa: Occidental. 1736.

LIMA, L. G. Atlas Fonético do entorno da Baía de Guanabara-AFeBG. Rio de Janeiro:

Faculdade de Letras/UFRJ. 2 v. Dissertação de Mestrado em Letras Vernáculas. 2006.

MAGALHÃES, J. S. O plano multidimensional do acento na Teoria da Otimidade.

Porto Alegre: PUCRS. Tese de Doutorado em Letras. 2004.

______. & SILVA, A. P. Ainda as proparoxítonas: apagamento e preservação da vogal

postônica não final. In: DA HORA, D. & NEGRÃO, E. V. (orgs.). Estudos da

linguagem: Casamento entre temas e perspectivas. João Pessoa: Ideia/Ed. Universitária.

2011. 197-212.

MARQUES, M. H. D. O Vocabulário da Fala Carioca. Rio de Janeiro: Faculdade de

Letras/UFRJ, vol I, II e VIII. 1996.

Page 197: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

197

MARQUILHAS, Rita. Mudança analógica e elevação das vogais pretónicas. Digital.

2003a. [Published in: CASTRO, I. & DUARTE, I. (org.). Razões e emoção. Miscelânea

de estudos em homenagem a Maria Helena Mira Mateus, 2. Lisboa: Imprensa

Nacional-Casa da Moeda. 2003. 7-18]

______. A língua portuguesa no século XVIII: cronologia de fenómenos fonológicos e

sintácticos que caracterizavam o Português Europeu da época. Congresso sobre ‘O

Século das Luzes’: a língua portuguesa no século XVIII. Berlim, Humboldt

Universidade de Berlim. Abril, 2003b. Digital.

______. A Faculdade das Letras - Leitura e escrita em Portugal no século XVII.

Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 1996.

MASSINI-CAGLIARI, G. Cantigas de amigo: do poético ao linguístico – um estudo do

percurso histórico da acentuação em português. Campinas: IEL/UNICAMP. Tese de

Doutorado em Linguística. 1995.

______ . Sobre a natureza fonética do acento em português. Revista D.E.L.T.A 9(2).

1993. 195-216.

MATEUS, M. H. M. A investigação em fonologia do português. In: DELTA [online].

vol.17. 2001. 57-79.

______. O português: caminhos da investigação. In: Duarte, I & Leiria, I. (eds.) Lisboa:

1996c. 07-22.

______. Fonética, Fonologia e Morfologia do Português. Lisboa, Universidade Aberta.

1990.

______. Aspectos da fonologia portuguesa. Lisboa: Centro de Estudos Filológicos. 2.

ed. 1982[1975].

______ & ANDRADE E. The phonology of portuguese. Oxford: University Press.

2000.

______. & DELGADO-MARTINS, M. R. Contribuição para o estudo das vogais

átonas [ˆ] e [u] no português europeu. In: Biblos 58. Coimbra, 1982. 111-128.

Page 198: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

198

MATZENAUER, C. L. O sistema vocálico do português. In: BISOL, L. (org)

Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 4. ed. Porto Alegre:

EDIPUCRS. 2005. 11-81.

MOLLICA, M. C. & BRAGA, M. L. (orgs.). Introdução à sociolinguística: o

tratamento da variação. São Paulo: Contexto. 2004.

NARO, A. J. A. História do e e do o em português: um estudo de deriva linguística. In:

______. Estudos diacrônicos . Petrópolis: Vozes. 1973. 9-51.

NUNES, J. J. Compêndio de gramática histórica portuguesa. 5.ed. Lisboa:

Clássica. 1945[1919].

OLIVEIRA, F. Grammatica da lingoagem portuguesa. Lisboa: Germam Galharde.

1536. (disponível em http://purl.pt/120).

ORSINI, Mônica Tavares. A acústica das vogais orais no dialeto carioca: a voz

feminina. Rio de Janeiro, UFRJ / FL. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.

1995.

PIERREHUMBERT, J. Exemplar dynamics: Word frequency, lenition and contrast. In:

BYBEE, J.; HOPPER, P. (Eds.). Frequency and the emergency of linguistic structure.

Amsterdam: John Benjamins, 2001. 137-157.

PLOAE-HANGANU, M. Português Contemporâneo – Fonologia; Vocabulário.

Bucuresti. 1981.

PRETI, D. (Org.) Léxico na língua oral e na escrita. São Paulo: Humanitas. 2003.

QUEDNAU, Laura Rosane. O acento do Latim ao Português Arcaico. Porto Alegre:

PUC-RS. Tese de Doutorado em Letras. 2000.

RÉVAH, I. S. L’ évolution de la prononciation au Portugal et au Brésil du

XVIe siècle à nos jours. Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Língua Falada no

Teatro. Rio de Janeiro, MEC. 1958. 387-399.

Page 199: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

199

______. Comment et jusqu’à quel point les parlers brésiliens permettent-ils de

reconstituer le système phonétique des parlers portugais des XVIe.-XVIIe. siècles? III

Colóquio Internacional de Estudos Luso-brasileiros, Lisboa, 1957. /Actas.../ v. I. Lisboa.

1959. 271-291.

RAMOS, A. P. Descrição das vogais postônicas não-finais na variedade do noroeste

paulista. 175f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Biociências, Letras e Ciências

Exatas/Universidade Estadual Paulista São José do Rio Preto, 2009.

RIBEIRO, D. F. S. Alçamento de vogais postônicas não finais no português de Belo

Horizonte – Minas Gerais: uma abordagem difusionista. Belo Horizonte: FL - PUC-

Minas. Dissertação de Mestrado. 2007.

RODRIGUES, C. Lisboa e Braga: Fonologia e Variação. Lisboa: FCG/ FCT.

2003[2001].

SILVA, A. P. (2006). Supressão da vogal átona postônica não-final: uma tendência das

proparoxítonas na língua portuguesa com evidências no falar sapeense. João Pessoa:

UFPB. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.

SILVA NETO, S. Fontes do latim vulgar: o Appendix Probi. 3.ª ed. Rio de Janeiro:

Livraria Acadêmica. 1956.

TEYSSIER, P. História da Língua Portuguesa. Lisboa, Sá da Costa Editora.

1982[1980].

______. La prononciation des voyelles portugaises au XVIe. siècle d’après le système

orthografique de João de Barros. Segondo Convegno Italiano di Studi Filologici e

Storici Portoguesi e Brasiliani. /Atti.../ Napoli: Instituto Universitario Orientale, 1966.

127-198.

VELOSO, J. Redução do vocalismo átono do português europeu contemporâneo:

Assimetria dos elementos de tonalidade e interação entre diversos tipos de redução

vocálica. XXVII ENAPL. Textos Selecionados. Coimbra: APL, 2013. 655-672. [CD-

ROM]

Page 200: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

200

______. Vogais centrais do português europeu contemporâneo: Uma proposta de análise

à luz da fonologia dos elementos. In: Letras de Hoje, Vol. 47 - nº 3, 2012. 234-243.

______. Central, epenthetic, unmarked vowels and schwas: A brief outline of some

essential differences. In: Linguística: Revista de Estudos Linguísticos da Universidade

do Porto, Vol. 5 - nº 1, 2010. 193-213.

______. Schwa in European Portuguese: The Phonological Status of [ˆ]. In: CROUZET,

O.; ANGOUJARD, J.-P. (Eds.). Actes des/Proceedings of JEL’2007. Schwa(s). 5.èmes

Journées d’Etudes Linguistiques. Nantes: Université de Nantes, 2007. 55-60.

______. Considerações sobre o estatuto fonológico de [ˆ] em português. Revista da

Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Línguas e Literaturas. XXII. 2005.

621-632.

VIANA, A. R. G. Estudos de fonética portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da

Moeda. 1973.

______. Exposição da pronúncia normal portuguesa para uso de nacionais e

estrangeiros. Lisboa: Imprensa Nacional. 1892.

______. Essai de phonétique et de phonologie de la langue portugaise d’après le dialecte

actuel de Lisbonne. In: Boletim de Filologia, n. 7. 1941[1883]. 161- 243.

VIARO, M. E.; GUIMARÃES FILHO, Z. O.; MARIANO, L.; SANTOS, A. P. A

matemática do português. Revista Discutindo Língua Portuguesa, São Paulo: Escala, 01

dez. 2006. 42-47.

VIEIRA, M. J. B. As vogais médias átonas nas três capitais do sul do país. In: BISOL,

L.; COLLISCHONN, G. (Org.). Português do sul do Brasil: variação fonológica. v.1.

Porto Alegre: Ed. da PUCRS. 2009. 50-72.

______. As vogais médias postônicas: uma análise variacionista. In: BISOL, L &

BRESCANCINI, C. (org) Fonologia e variação: recortes do português brasileiro.

Porto Alegre: EDIPUCRS. 2002. 127-159.

Page 201: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

201

______. Neutralização das vogais médias postônicas. Porto Alegre: UFRGS/ Instituto

de Letras. Dissertação de Mestrado em Letras: Língua Portuguesa. 1994.

WEINREICH U.; LABOV, W.; HERZOG, M. I. Fundamentos empíricos para uma

teoria da mudança linguística. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Parábola. 2006 [1968].

WETZELS, W. L. Mid Vowel Neutralisation in Brazilian Portuguese. In: Cadernos de

Estudos Linguísticos, 23. Campinas: UNICAMP. 1992. 19-55.

WILLIAMS, E. B. Do Latim ao Português. Fonologia e Morfologia Históricas da

Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 4ª ed. 1986 [trad. From Latin to

Portuguese, 1938].

Page 202: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

ANEXOS

Page 203: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

203

ANEXO I

INFORMANTES NURC

HOMEM MULHER

FAIXA 1 (25-35 anos)

035H1 084M1

063H1 099M1

104H1 133M1

FAIXA 2 (36-55 anos)

006H2 140M2

103H2 162M2

130H2 346M2

FAIXA 3 (56 em diante)

075H3 229M3

151H3 347M3

354H3 391M3

H = Homem M = Mulher 1 = Faixa 1 2 = Faixa 2 3 = Faixa 3

Page 204: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

204

ANEXO II

INFORMANTES APERJ

LOCALIDADE FAIXA 1

(até 35 anos) FAIXA 2

(36-55 anos) FAIXA 3

(56 em diante)

Atafona 020A1 149A1 119B1 150B1 024C1 120C0

B. de Itabapoana 080A0 156A0 015B0 123B0 081C0 155C0

Cambuci 041A1 154A1 043B0 044B1 040C0 096C1

Farol de S. Tomé 062A1 063A1 065B1 121B1 064C1 146C0

Gargaú 085A1 086A1 083A1 159B1 084C1 124C1

Guaxindiba 029A1 090A1 027B0 088B1 031C0 089C1

Itaocara 097A1 098A1 037B1 099B1 035C1 100C0

Itaperuna 101A1 102A1 001B1 004B0 003C0 103C0

Macaé 168A1 169A1 170B1 171B1 107C0 110C1

Ponta Grossa 053A0 054A0 055B1 152B0 056B0 057C0

São Benedito 061A1 129A1 059B0 068B1 128C0 142C0

São Fidélis 012A1 095A1 009B0 010B0 008C0 093C0

São João da Barra 072A1 073A1 070B0 078B1 022C0 076C1

1 = Primário 2 = Analfabeto A = Faixa 1 B = Faixa 2 C = Faixa 3

Page 205: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

205

ANEXO III

INFORMANTES PEUL 80

FAIXA 1 (até 35 anos)

FAIXA 2 (36-55 anos)

FAIXA 3 (56 em diante)

Primário

HOMEM CarB-16am Seb-39am

Jan-56am Cid-57am

Sam-18am Edu-41am Man-59am Dal-71am

MULHER

Sue-24af

Ire-52af Lei-25af

Joa-27af

Ginásio

HOMEM Jae-30am CarS-62am

MULHER Dor-44af Nad-57af

Glo-48af Lin-59af Hel-62af

Médio HOMEM

Pit -25am Wil-51am

Dav-31am

MULHER Ana-18af Eve-42af Mgl-53af

a = Anos m = Masculino f = Feminino

Page 206: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

206

ANEXO IV

INFORMANTES PEUL 2000

Ensino Fundamental Ensino Médio

Homem Mulher Homem Mulher

FAIXA 1

(até 35 anos) T06 - Ale T08 - Cri T13 - Gla

FAIXA 2

(36-55 anos) T26 - Man T18 - Luc T31 - Tad T24 - Adri

FAIXA 3

(56 em diante) T29 - Ram T30 - Mar T32 - Euc

Page 207: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

207

ANEXO V

INFORMANTES CONCORDÂNCIA COPACABANA

Nível Fundamental Nível Médio Nível Superior

Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher

FAIXA 1

(até 35 anos) COP A1H

COP A1M

COP A2H

COP A2M

COP A3H

COP A3M

FAIXA 2

(36-55 anos) COP B1H

COP B1M

COP B2H

Comp

COP B2M

COP B3H

COP B3M

FAIXA 3

(56 em diante) COP C1H

COP C1M

COP C2H

COP C2M

COP C3H

COP C3M

INFORMANTES CONCORDÂNCIA NOVA IGUAÇU

Nível Fundamental Nível Médio Nível Superior

Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher

FAIXA 1

(até 35 anos) NIG A1H

NIG A1M

NIG A2H

NIG A2Mb

NIG A3H

NIG A3M

FAIXA 2

(36-55 anos) NIG B1H

NIG B1M

NIG B2H

NIG B2M NIG B3H

NIG B3M

FAIXA 3

(56 em diante)

NIG C1M

NIG C2H

NIG C2M NIG C3H

NIG C3M

COP = Copacabana NIG: Nova Iguaçu A = Faixa 1 B = Faixa 2 C = Faixa 3 1 = Fundamental 2 = Médio 3 = Superior

H = Homem M = Mulher

Page 208: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

208

ANEXO VI

INFORMANTES CONCORDÂNCIA CACÉM

Nível Fundamental Nível Médio Nível Superior

Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher

FAIXA 1

(até 35 anos) CAC A1Ha

CAC A1Ma

CAC A2Ha

CAC A2Ma

CAC A3H

CAC A3M

FAIXA 2

(36-55 anos) CAC B1H

CAC B1M

CAC B2Ha

CAC B2M

CAC B3H

CAC B3M

FAIXA 3

(56 em diante) CAC C1Ha

CAC C1M

CAC C2H

CAC C2Ma

CAC C3Ha

CAC C3M

CAC = Cacém OEI: Oeiras A = Faixa 1 B = Faixa 2 C = Faixa 3 1 = Fundamental 2 = Médio 3 = Superior

H = Homem M = Mulher

INFORMANTES CONCORDÂNCIA OEIRAS

Nível Fundamental Nível Médio Nível Superior

Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher

FAIXA 1

(até 35 anos) OEI A1H

OEI A1M

OEI A2H

OEI A2M

OEI A3H

OEI A3M

FAIXA 2

(36-55 anos) OEI B1H

OEI B1M OEI B2H

OEI B2M OEI B3H

OEI B3M

FAIXA 3

(56 em diante) OEI C1H

OEI C1M OEI C2H

OEI C2M OEI C3H

OEI C3M

Page 209: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

209

ANEXO VII

INFORMANTES DO CORPUS PORTUGUÊS FUNDAMENTAL

MULHER HOMEM FAIXA 1

(até 35 anos)

FAIXA 2 (36-55 anos)

FAIXA 3 (56 em diante)

FAIXA 1 (até 35 anos)

FAIXA 2 (36-55 anos)

FAIXA 3 (56 em diante)

Primário H34-0476

Ginásio M51-467 H28-1212 H53-965 H39-883

Médio M31-053 M18-485

M50-653 M57-1009 H33-1325 H25-1308 H31-0776

H43-990

Superior M42-479 M62-1338 H33-1264 H49-296

Page 210: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

210

ANEXO VIII

INFORMANTES DO QUESTIONÁRIO/LEITURA

MULHER HOMEM

FAIXA 1 (até 35 anos)

FAIXA 2 (36-55 anos)

FAIXA 3 (56 em diante)

FAIXA 1 (até 35 anos)

FAIXA 2 (36-55 anos)

FAIXA 3 (56 em diante)

Fund. A1M28a A2M38a A3M62a A1H35a A2H48a A3H63a

Médio B1M33a B2M43a B3M61 B1H24a B2H53a B3H59a

Sup. C1M22a C2M39a C3M57a C1H29a C2H39a C3H59a

H = Homem M = Mulher a = Anos 1 = Faixa 1 2 = Faixa 2 3 = Faixa 3 A = Fundamental B = Médio C = Superior

Page 211: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

211

ANEXO IX

Questionário para levantamento de léxico – Perguntas (Composto por 32 proparoxítonas e 16 termos distratores)

a. Quando um time de futebol vence todos os jogos, dizemos que ele é o quê?

1. Qual é o apelido do jogador Ronaldo? Ronaldinho ou Ronaldo ____ ? [Fenômeno]

2. Para ficar muito tempo debaixo d’água temos que fazer o que para não engolir água? (Quando corremos muito e começamos a ficar cansados e ofegantes, respirando forte, falamos que estamos como? Sem __________ ?) [Fôlego]

b. O que você diz para se referir ao dia anterior a ontem?

3. Qual o nome da pessoa que fica no hotel por algum tempo? [Hóspede]

4. Como se chama o tipo de animal que pode gerar seus filhotes e amamentar? (Animais tipo cachorro, gato, vaca...) [Mamífero]

c. Como se chama a pessoa que tem os olhos voltados para direções diferentes?

5. Como se chama aquele espetáculo de teatro que tem música clássica e cantores que cantam em tons muito altos? [Ópera]

6. Qual a medida que se usa para medir a distância de um lugar para outro? De uma cidade para a outra? (Também é usada para medir a velocidade.) [Quilômetro]

d. Qual é o nome de um legume que é uma raiz dura de casca escura, que comemos em bolo, frita ou cozida com manteiga?

7. Qual o nome do aparelho que mede o preço da corrida no táxi? [Taxímetro]

8. Como chamamos aquela grave ferida que dá no estômago? (Quem tem essa ferida não pode comer alimentos ácidos.) [Úlcera]

e. Como se chama a pessoa que deixam as suas contas penduradas?

9. Qual é o órgão em que o bebê cresce na barriga da mãe? [Útero]

10. Como chamamos o tipo de material usado no campo para cultivar alimentos e cuidar da terra? (A área em que existem muitas indústrias é chamada de industrial. E a área que tem muitas plantações? É uma área o quê? A área quem muita indústria é chamada de zona industrial, e a área onde se pratica a agricultura é chamada de zona ________.) [Agrícola]

f. Como vocês diz aqui para aquela pessoa que não gosta de gastar seu dinheiro e, às vezes, até passa dificuldades para não gastar?

11. Qual é a peça usada pelos marinheiros para fixar a embarcação? (Peça que se joga na água para o barco não sair do lugar.) [Âncora]

12. A última ceia retrata Jesus e seus ___________. (Que palavra usamos para nomear os homens que acompanhavam Jesus? Discípulos ou __________.) [Apóstolos]

g. O que as mulheres usam no rosto pra ficar mais coradinha?

13. Qual o nome da profissão da pessoa que trabalha por conta própria? [Autônomo]

Page 212: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

212

14. Como se chama a pessoa que trabalha com natureza e que conhece a fisiologia das plantas, animais, bactérias? Que estuda várias formas de vida? (Profissional formado em biologia.) [Biologia]

h. Quando o tempo fecha e parece que vai chover, como ficam as nuvens?

15. Qual é o tipo de animal que come carne? (Se de um lado temos animais que só comem plantas, de outro temos os __________.) [Carnívoro]

16. Que nome damos para um acontecimento muito ruim e trágico, que acarreta muitas mortes ou um grande prejuízo? Podemos dizer que houve uma grande tragédia ou uma ___________? (E quando é um fenômeno da natureza, como um terremoto, furacão que mata muitas pessoas. É uma __________.) [Catástrofe]

i. A madrinha do seu filho é sua o quê?

17. Que nome se dá a uma conversa entre duas pessoas? (Por exemplo, dizemos que entre pai e filho deve haver ___________.) [Diálogo]

18. O que o artista é para o seu fã? (Quando uma pessoa admira muito uma celebridade, dizemos que a celebridade é seu ________.) [Ídolo]

j. Como se chama o marido que a mulher passa para trás com outro homem?

19. A rotina é considerada chata quando é muito repetitiva. Isso acontece porque o dia-a-dia se torna __________. (E quando a vida está muito chata, repetitiva, sem graça, porque não acontece nada de novo, você diz que o dia-a-dia está __________?) [Monótono]

20. Qual o material utilizado para fazer balas de revólver e armas explosivas, como a granada? [Pólvora]

k. Além do feijão preto, tem também um tipo de feijão marrom. Qual é o nome dele?

21. Como se chama o profissional que cuida dos problemas emocionais das pessoas? (Aquele que apenas escuta o paciente que faz de análise.) [Psicólogo]

22. Quando uma superfície é assim escorregadia, sem nada que prenda, nós dizemos que é uma superfície lisa. E quando é o contrário? Quando o material é grosso, como se diz? (Por exemplo, uma folha de papel é lisa e uma lixa de parede é ________.) [Áspera]

l. Como é que vocês chama aquela pessoa que não gosta de trabalhar?

23. Qual é o aparelho que o policial usa pra saber se o motorista está bêbado? [Bafômetro]

24. Qual remédio se dá para uma pessoa dormir? (E um remédio mais forte que o calmante, pra pessoa dormir na hora? Normalmente se vê esse remédio em filme, alguém colocando escondido na bebida de outra pessoa.) [Sonífero]

m. Como você chama o que as mulheres usam para prender o cabelo?

25. Como se chama uma árvore que pode dar frutos? [Frutífera]

26. Você conhece um remédio muito usado na garganta pra curar rouquidão que é produzido pelas abelhas? (Um que tem o gosto amargo...) [Própolis]

n. Qual é a bolinha que nasce no olho, fica vermelha e incha?

Page 213: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

213

27. Como chamamos o dia antes de algum acontecimento, por exemplo, o dia antes de uma festa? (Como se chama o dia antes do Natal?) [Véspera]

28. Quando diminuímos um texto grande para dizê-lo com menos palavras fazemos o que? (É um resumo ou uma __________./ Ou quando temos que contar uma história muito longa que aconteceu, mas em pouco tempo, dizemos que vamos fazer uma __________.) [Síntese]

o. Como você chama o brinquedo feito de varetas cobertas de papel que se empina no vento por meio de uma linha?

29. Rock, MPB, samba, rap são o quê? (E se você não gosta de um deles, você diz: “eu não gosto desse __________.) [Gênero]

30. “A, B, C” são letras, “1, 2, 3” são o quê? __________. [Números]

p. Qual é aquele inseto que pica a gente para chupar o sangue?

31. Qual é o legume que tem uma cor laranja e costumam preparar com carne seca? [Abóbora]

32. Como chamamos cada uma das partes da casa? (Se uma casa tem uma sala, dois quartos, uma cozinha e um banheiro, dizemos que tem 5 ___________.) [Cômodo]

Page 214: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

214

ANEXO X

Questionário para levantamento de léxico – Figuras (Composto por 22 proparoxítonas)

[Fôlego]

[Almôndega]

Page 215: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

215

[Cérebro]

[Cócegas]

Page 216: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

216

[Pálpebra]

[Parênteses]

Vende-se casa

(3 quartos) em

Campo Grande.

Page 217: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

217

[Pêssego]

[Termômetro]

Page 218: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

218

[Autódromo]

[Brócolis]

Page 219: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

219

[Fósforo]

[Mármore]

(Como se chama a pedra usada para fazer pias? / O granito é a opção mais barata de qual pedra?)

Page 220: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

220

[Pérola]

[Semáforo]

Page 221: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

221

[Tráfego]

(No horário de rush o _____________ de veículos é mais intenso.)

[Símbolo]

A pomba branca é considerada o ____________ da paz.

Page 222: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

222

[Sambódromo]

[Câmera]

Page 223: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

223

[Centímetro/Milímetro]

[Velocípede]

Page 224: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

224

[Horóscopo]

Page 225: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

225

ANEXO XI

Teste de Leitura – Textos (Composto por 23 proparoxítonas)

1.

Músicas para a Formatura

Escolher as músicas para tocar na festa foi a parte mais difícil para os organizadores. Cada pessoa queria ouvir um [gênero] musical diferente e quem gostava de um tipo de música não gostava de vários outros. Só mesmo nas [vésperas] da formatura a comissão encontrou um [método] de resolver o problema. Os alunos conseguiram fazer uma [síntese] do gosto musical da turma pedindo que cada pessoa escolhesse 5 músicas diferentes para tocar na festa. 2. Naquela família ninguém era [íntegro]. O irmão mais velho sempre foi [adúltero], e a menina, desde novinha tinha má [índole], era uma verdadeira [víbora]. 3. Os [ufólogos] sérios sabem que o [ímpeto] da humanidade para encontrar sociedades [alienígenas] pode se transformar em um pesadelo. Quem sabe se não seria uma verdadeira [catástrofe] caso isso um dia acontecesse realmente? 4. De acordo com os [biólogos], há vários [parâmetros] que delimitam o local onde uma espécie pode viver, como a sua forma de locomoção: se é [bípede], por exemplo, há possibilidade de habitar fora de florestas. 5. A cidade é o [cárcere] de toda a cultura [indígena]. 6. Esse rapaz tem um coração [benévolo], é um profissional [célebre] e terá um futuro [próspero] na profissão. 7. Nunca considerei a [hipótese] de colocar alguma [prótese] de silicone. Além de achar muito perigoso, o motivo é [frívolo].

Page 226: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

226

ANEXO XII

Lista das 134 proparoxítonas com vogal média postônica não final classificadas como pouco usuais.

Vogal /e/:

Vogal /o/:

aborígene exúbere ômega abóboda gastrônomo sexólogo adúltero fenômeno ópera agrônomo geólogo sociólogo alfândega fotossíntese pálpebra análogo gólgota távola álgebra frigorífero pândega antídoto gôndola têmpora alienígena fúnebre pândego arqueólogo herbívoro teólogo alucinógeno gasômetro parâmetro astrólogo hipódromo ufólogo antevéspera gênese parêntese astrônomo homófobo uníssono bípede hétero perímetro átomo índole unívoco cancerígeno hipótese petrolífero átono limítrofe ventríloquo cânfora ícone pluviômetro autódromo madrepérola víbora cárcere ímpeto presbítero barítono malévolo xenófobo cátedra indígena próspero benévolo método célebre infrutífero prótese biólogo metrópole célere íngreme púbere cânone monólogo colágeno íntegra quadrúpede carnívoro numerólogo congênere íntegro síndrome catástrofe parábola críquete intérprete síntese déspota pároco crisântemo intrínseco sôfrego diácono pentágono cronômetro inúmero taxímetro equívoco polígono diâmetro lêvedo trôpego êxodo pólvora dolorífero líbero vértebra filósofo prólogo efêmero mísero víscera fonoaudiólogo quasímodo energúmeno nádega víveres frívolo recíproca exógeno nêspera frutívoro recíproco extrínseco olhômetro futurólogo sêmola Total: 73 Total: 61

Page 227: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

227

ANEXO XIII

Lista das 294 proparoxítonas com vogal média postônica não final classificadas como reconhecíveis ou técnicas.

Vogal /e/:

Vogal /o/:

abóbeda fluxômetro abólboda grandíloco acelerômetro fossípede aerófobo grandíloquo acidômetro fragífero áfono hematófobo adaptômetro freqüencímetro africanólogo hematólogo aerômetro freqüenciômetro alcoólogo hidrófobo aerotaxímetro geomagnetífero alergólogo hipérbole aférese geômetra alíquota hispanófono afrômetro glicômetro americanófobo hispanólogo agrômeno gotímetro americófobo homófono agrômetro gradiômetro anêmona homólogo andrógeno grafômetro antropófobo hortícola antítese gramômetro antropólogo ideólogo ardífero gravímetro apícola inequívoco ardômetro hidrômetro apócope insetívoro arquipresbítero hóspeda ápode insetólogo audímetro impúbere apóstrofe italianófobo audiômetro insetífero apóstrofo japonólogo autogênese interferômetro aracnólogo kartódromo bêbeda lutífero arborícola lexicólogo bêbedo luxímetro astrófobo lusófobo bibliogênese machímetro audiólogo lusófone biogênese melífero bacteriólogo lusófono borrachífero metalífero bibliófobo mandrágora calorífero metátese bibliólogo megalópole calorímetro mímesis bioclimatólogo meteorobiólogo cancerógeno multímetro bioecólogo meteorólogo capacímetro multípede biófobo metodólogo centípede noctífero biometeorólogo metrólogo ciclômetro odômetro biossociólogo metrônomo colorímetro odontômetro biunívoco microbiólogo condutímetro odorífero brasilólogo monópode condutômetro oftalmômetro brócolos museólogo cônega oleômetro bumbódromo musicófobo cônego olfatômetro canífobo musicólogo cordômetro oscilômetro canódromo necrópole cornífero parasitífero cardiólogo neuroendocrinólogo craniômetro parquímetro cartódromo neurofarmacólogo cristalífero patógeno cavernícola nutrólogo curvímetro póstero cinófobo oceanólogo

Page 228: DePaula-2015-Variação e Mudança No Vocalismo Postônico Medial Em Português

228

Vogal /e/:

Vogal /o/:

decímetro potenciômetro claustrófobo octópode densímetro profundímetro cometólogo odontólogo desconfiômetro prolífero comunicólogo oftalmólogo diamantífero pulsímetro comunistólogo orquidólogo dinâmetro pulsômetro craniólogo ovniólogo discômetro pulverímetro criminólogo oxítona dorsífero refletômetro cristólogo oxítono dosímetro respirômetro crudívoro paleontólogo dulcífero rugífero dermatófobo palíndromo durômetro salífero descômodo parapsicólogo ecômetro sanguífero desertícola paroxítona embriogênese sonômetro diabetólogo paroxítono epíteto subgênero dialectólogo pécora equilátero subvéspero dialetólogo pedófobo eqüípede tenebrífero dogmatólogo pedólogo ergômetro tensiômetro dulcícola petrólogo esclerômetro úbere ecólogo petrópolis espermatogênese úmero embriólogo planetólogo espirômetro urinômetro endocrinólogo pneumólogo espumífero vaporífero enzimólogo podólogo estrabismômetro végeto epílogo polífono evaporímetro velífero epistemólogo proparoxítona evaporômetro ventígeno epístola proparoxítono famígero véspero eqüíssono psicobiólogo fasímetro vinífero etnólogo psicofarmacólogo florífero voltímetro etnomusicólogo psicossociólogo fluviômetro voltômetro etruscólogo publícola fluxímetro zoogênese exobiólogo síncope Total: 134 farmacólogo tabacófobo fobófobo tabacólogo fonófobo teatrólogo fonólogo tecnólogo fraseólogo teófobo gastrólogo toxicólogo geobiólogo velódromo ginecófobo vermívoro ginecólogo vinícola grafólogo virólogo gramaticólogo vitimólogo gramatólogo vôngole graminívoro zoólogo Total: 160