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CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA EVENTO: Audiência Pública N°: 1865/07 DATA: 25/10/2007 INÍCIO: 09h53min TÉRMINO: 11h47min DURAÇÃO: 01h53min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 01h53min PÁGINAS: 39 QUARTOS: 23 DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO IANE KESTELMAN – Diretora-Executiva da Associação Brasileira do Déficit de Atenção. DANIEL SEGENREICH – Professor e Pesquisador do Grupo de Estudos em Déficit de Atenção da Universidade Federal do Rio de Janeiro. DENISE DE OLIVEIRA ALVES – Coordenadora-Geral de Articulação da Política de Inclusão da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação. SUMÁRIO: Debate sobre o transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade – TDAH e suas conseqüências na vida escolar e social do aluno. OBSERVAÇÕES Houve exibição de imagens.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIAEVENTO: Audiência Pública N°: 1865/07 DATA: 25/10/2007

INÍCIO: 09h53min TÉRMINO: 11h47min DURAÇÃO: 01h53minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 01h53min PÁGINAS: 39 QUARTOS: 23

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃOIANE KESTELMAN – Diretora-Executiva da Associação Brasileira do Déficit de Atenção.DANIEL SEGENREICH – Professor e Pesquisador do Grupo de Estudos em Déficit de Atençãoda Universidade Federal do Rio de Janeiro.DENISE DE OLIVEIRA ALVES – Coordenadora-Geral de Articulação da Política de Inclusão daSecretaria de Educação Especial do Ministério da Educação.

SUMÁRIO: Debate sobre o transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade – TDAH e suasconseqüências na vida escolar e social do aluno.

OBSERVAÇÕESHouve exibição de imagens.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Seguridade Social e FamíliaNúmero: 1865/07 Data: 25/10/2007

O SR. PRESIDENTE (Deputado Alceni Guerra) - Declaro aberta esta reunião

de audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família, convocada nos

termos do requerimento de autoria do Deputado Alceni Guerra, aprovado por esta

Comissão, para discutir o tema “Transtorno do Déficit de Atenção com

Hiperatividade — TDAH e suas conseqüências na vida escolar e social do aluno”.Convido para compor a Mesa a Sra. Iane Kestelman, Diretora-Executiva da

Associação Brasileira do Déficit de Atenção; a Sra. Angela Alfano Campos,

Psicóloga especialista em técnicas e estratégias escolares para portadores de

TDAH; o Sr. Daniel Segenreich, Professor e Pesquisador do Grupo de Estudos em

Déficit de Atenção da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e a Sra. Denise de

Oliveira de Alves, Coordenadora-Geral de Articulação da Política de Inclusão da

Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação.

Comunico aos senhores membros desta Comissão que cada convidado terá

o prazo de 15 minutos para fazer sua exposição, prorrogáveis a juízo desta

Presidência, não podendo ser aparteado. Os Deputados inscritos para interpelar os

convidados poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição, pelo prazo

de 3 minutos, tendo o interpelado igual tempo para responder, facultadas a réplica e

a tréplica pelo mesmo prazo, e não sendo permitido ao orador interpelar quaisquer

dos presentes.

Agora, dando início aos trabalhos, passo a palavra à Sra. Iane Kestelman,

Diretora Executiva da Associação Brasileira do Déficit de Atenção.

A SRA. IANE KESTELMAN - Bom dia. Antes de mais nada, quero agradecer

a oportunidade que nos dá a Comissão de estarmos aqui hoje, todos juntos, em

busca de uma solução efetiva para a questão do TDAH no Brasil. Há muito tempo

esperávamos por uma oportunidade como esta, e portanto gostaríamos de

agradecer especialmente aos familiares e aos portadores de TDAH em Brasília, que

se mobilizaram junto ao Deputado Alceni no sentido de que nós tivéssemos um

espaço para divulgar nossa causa, o trabalho da associação, nossos objetivos, e

especialmente o que é o TDAH, um transtorno tão grave, um transtorno com causas

contornáveis e conseqüências muito sérias, que infelizmente no Brasil ainda é

tratado como uma questão pouco importante, banal, o que traz conseqüências muito

graves para a vida escolar, social e afetiva dos portadores desse transtorno.

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Eu gostaria, se for possível, de passar a palavra ao Dr. Daniel Segenreich,

para que possa iniciar a exposição, porque nós elaboramos uma apresentação em

seqüência.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Alceni Guerra) - A inversão da ordem das

exposições é perfeitamente possível.

Passamos então a palavra ao Dr. Daniel Segenreich.

O SR. DANIEL SERGENREICH - Bom dia a todos. Inicialmente, faço minhas

as palavras da Dra. Iane, e gostaria de agradecer ao Deputado Alceni Guerra a

oportunidade de fazer esta apresentação.

Antecipo que minha apresentação ultrapassa um pouquinho o tempo de 15

minutos concedido aos expositores. Portanto, vou resumir alguns pontos que julgo

menos importantes, passar por eles um pouco mais rapidamente, para que

possamos cumprir o prazo.

(Segue-se exibição de imagens.)

Esse é o nosso grupo de estudos. Acho muito importante apresentá-lo aqui. É

um grupo que tem 10 anos de existência, um grupo multidisciplinar, composto por

médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, até mesmo matemáticos e profissionais da

ciência da computação, todos esforçando-se para dar o melhor tratamento — que é

o tratamento multidisciplinar — ao paciente com déficit de atenção e hiperatividade.

Quando organizei esta palestra, achei que seria mais importante fazer um

breve histórico sobre o estudo do transtorno ao longo desses anos, sobre o quadro

clínico e sua etiologia, o estabelecimento de co-morbidade — já que é

extremamente freqüente que o portador de déficit de atenção e hiperatividade tenha

outros tipos de transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão —, sobre as

conseqüências do transtorno para o indivíduo, as conseqüências do transtorno para

a economia de para uma determinada sociedade e o estado atual do diagnóstico e

do tratamento do déficit de atenção no Brasil. Acho que isso consegue abranger

bastante bem não só os aspectos clínicos como os aspectos práticos do tratamento

tanto público quanto particular do déficit de atenção e hiperatividade no País.

Para quem acha que se trata de algo recente, esta informação pode ser uma

surpresa: houve uma referência já em 1902 sobre um tipo de transtorno com que já

haveria dificuldade de se ficar quieto, de corresponder a determinadas normas. À

época, fazia-se muito uma associação com delinqüência, com deficiência moral,

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coisa em que hoje em dia não se pensa mais, obviamente. Isso foi em 1902. Ao

longo desses 100 anos de estudo isso foi modificando-se bastante, como vou

mostrar no próximo slide.

Então, inicialmente houve esse conceito que descrevemos, de defeito de

conduta moral, em 1902. Isso modificou-se com o tempo, conforme as

necessidades de cada sociedade e o interesse nos estudos tanto da etiologia

quanto do quadro clínico da doença, e é interessante como em alguns momentos,

como em 1940, ou em 1934, fazia-se uma associação direta a uma doença

neurológica, uma desordem pós-encefalite ou uma lesão cerebral mínima. Isso,

repito, veio modificando-se com o tempo. Em 1968 o DSM, que é o manual de

diagnósticos mais utilizado nos Estados Unidos e bastante utilizado em pesquisas

no mundo inteiro, incluiu o transtorno como uma reação hipercinética da infância, ou

seja, um transtorno apenas de hiperatividade, que ocorria apenas em crianças. Com

o passar dos anos, observou-se justamente o contrário; quer dizer, havia a

hiperatividade, mas o que mais comprometia era a desatenção e a impulsividade,

que em 60% ou 70% dos casos chegavam até à vida adulta. Então, hoje em dia

falamos sobre transtornos de atenção ou hiperatividade na infância ou, na forma

residual, no adulto.

Quando se apresenta o quadro clínico do transtorno, os sintomas cardinais

são justamente aqueles que citei: desatenção, hiperatividade e impulsividade. São

três clusters ou grupos de sintomas. Há ainda um grupo de disfunção executiva, que

os psicólogos estudam bastante. Não vou fazer um detalhamento mais sofisticado,

por falta de tempo, mas o importante é saber como é feito o diagnóstico do déficit de

atenção. Não é só a existência dos sintomas, que vou comentar a seguir; há a

existência desses sintomas, mas outros 4 critérios precisam ser contemplados.

Um critério é o início dos sintomas na vida infantil — quer dizer, ninguém tem

déficit de atenção e hiperatividade a partir dos 40 anos de idade; é preciso que o

quadro necessariamente exista na infância, e aí pode persistir até a vida adulta.

Antes, quando se falava no início dos sintomas na vida infantil, o critério mais

restrito era até os 7 anos de idade; hoje em dia consideramos que até os 12 anos de

idade os sintomas podem aparecer.

Outro critério é a universalidade dos sintomas. Eles não podem estar

presentes apenas em uma situação. Precisam estar presentes em várias situações

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diferentes: na escola, no estudo em casa, com os colegas, em família. Não é um

transtorno que vai acontecer apenas no terceiro tempo de Matemática da criança

em determinada escola. Na verdade, ele percorre toda a vida, todos os ambientes

daquela criança.

O terceiro critério é o comprometimento significativo. Se comentarmos só os

sintomas e não investigarmos o comprometimento, a maior parte das pessoas,

inclusive nós aqui presentes, descobrirá que apresenta alguns daqueles sintomas. O

que define um transtorno, principalmente o déficit de atenção, ou uma depressão,

ou uma ansiedade, em psiquiatria, é o grau de comprometimento na vida social, na

vida laborativa, na vida acadêmica, principalmente na criança.

Portanto, ele precisa estar presente e causar comprometimento, e esse

comprometimento precisa ser em vários setores da vida da criança e do

adolescente.

Por fim, verificamos a causa provável dos sintomas. É importante que o déficit

de atenção e hiperatividade seja entendido como um transtorno primário da

atenção. Existem outros transtornos da atenção que não são primários, como na

esquizofrenia, como transtornos de humor, que alteram a atenção secundariamente.

Então, se eu tenho um diagnóstico de esquizofrenia, não posso dizer que, por ter

desatenção, tenho também déficit de atenção e hiperatividade. A esquizofrenia tem,

hierarquicamente, uma importância maior no diagnóstico, e essa desatenção é um

sintoma da esquizofrenia, e não do déficit de atenção. Quer dizer, para eu

considerar que existe déficit de atenção, não posso ter presentes outros transtornos

que sejam hierarquicamente mais graves e mais importantes.

Então, entre os sintomas de desatenção, vou listar os 9 sintomas

pesquisados. Eles precisam ocorrer freqüentemente. Não é uma vez ou outra.

Freqüentemente, isso significa quase todos os dias, em quase todas as situações.

Os portadores deixam de prestar atenção em detalhes, ou fazem erros por

descuido; têm dificuldade de manter a atenção nas tarefas, ou em momentos de

lazer; parecem não escutar quando falam com eles; têm dificuldade de seguir

instruções e deixam as tarefas sem terminar; têm dificuldade para se organizar;

evitam, antipatizam ou relutam em fazer tarefas que exijam um esforço mental

constante ou mais mantido; perdem coisas necessárias; distraem-se com coisas

fora de sua tarefa e esquecem atividades diárias.

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Quer dizer, esses 9 sintomas, muitos de nós vamos olhá-los e dizer: disso aí

eu tenho um pouco. E realmente sempre temos um pouco desses tipos de sintomas,

já que são sintomas bastante comuns. Torna-se um problema e um transtorno

quando isso acontece todos os dias, em diversas situações, o tempo todo e

compromete a pessoa. Isso é o transtorno de déficit de atenção.

Em relação à hiperatividade e à impulsividade, os sintomas são os seguintes:

os portadores agitam as mãos e os pés e mexem-se na cadeira; levantam-se

quando deveriam permanecer sentados; correm e sobem em coisas em demasia,

ou seja, pulam muro, sobem em árvores, e às vezes colocam-se em situações de

imprudência ou de risco; têm dificuldade de ficar em silêncio; comportam-se a mil

por hora, a todo o vapor; falam demais; dão respostas precipitadas antes de

terminarem as perguntas; têm dificuldade para aguardar a vez e interrompem ou

intrometem-se em atividades de que não estavam participando. Esses 3 últimos são

principalmente os sintomas de impulsividade; os anteriores são de hiperatividade.

Como eu disse anteriormente, qualquer indivíduo tem algum grau de

desatenção ou inquietude, diferentemente de outros transtornos em psiquiatria,

onde alguns achados são extremamente específicos e praticamente

patognomônicos. São marcas registradas. Uma alucinação auditiva, um quadro

delirante, ou a pessoa tem, ou não tem; quando tem o problema é porque tem o

transtorno. Quanto ao déficit de atenção e hiperatividade, sempre se tem um pouco

de desatenção, dependendo da situação. Posso trabalhar o dia inteiro e ficar

desatento no final do dia, porque estou exausto, mas isso não significa nem define o

transtorno. O que define o transtorno é o extremo desses sintomas e realmente um

comprometimento maior, qualquer que seja o momento do dia ou a situação por que

a pessoa esteja passando.

Sobre a prevalência, isso aparece como? A primeira prevalência que apontei

aqui foi a prevalência nos Estados Unidos, por ser o país onde os estudos são mais

freqüentes, onde há um volume muito grande de trabalho sobre déficit de atenção:

2% a 5% das crianças, utilizando os critérios do DSM-III e III-R, que são os

diagnósticos anteriores — atualmente já estamos utilizando o DSM-IV, no mundo

inteiro — tinham o transtorno. Quando houve a modificação do critério, englobando

um grupo maior de crianças, principalmente crianças que são só desatentas, que

não necessariamente precisam ter também hiperatividade, essa prevalência

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aumentou um pouquinho, para 7% ou 8%. E no caso de adultos, considerando a

forma residual, como comentei, é de 4% a 5% dos adultos, o que nos Estados

Unidos chegaria a cerca de 12 milhões de pessoas; daí a importância do transtorno.

Isso é 5 a 6 vezes mais do que, por exemplo, a prevalência da esquizofrenia.

No Brasil houve vários estudos. Quero ressaltar o estudo de Rohde, que foi o

primeiro, em 1999. Foi o pioneiro. Ele é o nosso vice-presidente da Associação

Brasileira e atualmente é provavelmente o melhor pesquisador sobre déficit de

atenção no Brasil, com renome internacional. Rohde mostrou, utilizando um critério

mais específico, mais tradicional, uma incidência de 5,8%. Dependendo do critério

utilizado por outros grupos de estudo, isso pode chegar até 32%, se o critério for

muito amplo. O mais comum são os critérios do DSM, que geralmente, em qualquer

parte do mundo, indicam em torno de 5%, 6% de prevalência em crianças.

E qual é a etiologia do déficit de atenção e hiperatividade? Vou resumir um

pouquinho esta parte sobre o coeficiente de herdabilidade, que é o coeficiente do

grau de hereditariedade de um transtorno, quer dizer, no estudo familiar, o quanto

se verifica de herdabilidade. Vemos aqui o coeficiente de herdabilidade da altura.

Todo o mundo sabe que filhos de pais altos geralmente são altos, e filhos de pais

baixos geralmente são baixos. O coeficiente de herdabilidade de altura é próximo de

1, porque é muito direta essa associação. A herdabilidade da esquizofrenia, por

exemplo, é entre 0,6 e 0,8, ou seja, em torno de 0,7. E aí listamos outros

transtornos. O déficit de atenção e hiperatividade, pela soma de todos esses

estudos, teria uma média que se aproximaria da altura e ficaria entre a da

esquizofrenia e a da altura; ou seja, é um coeficiente de herdabilidade importante.

Daí a importância de se estudar cada vez mais a etiologia, os fatores hereditários e

genéticos do déficit de atenção e hiperatividade.

Passemos aos fatores de risco. Este aqui é um slide sobre um assunto em

que tenho um interesse específico, de que gosto muito, e meu doutorado

provavelmente vai ser em genética. Já está bem estabelecido que existem 7 genes

já descritos como possíveis candidatos a genes ao TDAH. O TDAH dos pais é a

parte genética, justamente o que quero estudar. Só que, além da parte genética,

reconhecemos outros fatores importantes, principalmente o baixo peso no

nascimento, a exposição ao álcool e a exposição ao cigarro. Esses são fatores que

podem ser modificados pelos pais. É muito importante que sejam conhecidos,

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justamente para serem implementadas estratégias de controle desses fatores de

risco.

E quando se fala de déficit de atenção, como logo no começo comentei,

fala-se também sobre a probabilidade de co-morbidades. Entre as co-morbidades,

um estudo americano e um estudo holandês, ou seja, em continentes diferentes,

com culturas diferentes, os 2 estudos mostraram prevalência parecida de

co-morbidade.

Co-morbidade, em psiquiatria, é quando há uma outra morbidade psiquiátrica

e os sintomas de uma e de outra são diferentes, e uma não leva à outra

necessariamente. São 2 fenômenos independentes que provavelmente têm uma

correlação genética. Não sabemos todas as correlações, mas uma não leva à outro.

Por isso são co-morbidades: elas co-ocorrem, elas são concorrentes.

Então, no estudo holandês, 78% dos pacientes com déficit de atenção tinham

1 co-morbidade e 33% tinham 2 ou mais co-morbidades. Quando falamos sobre

déficit de atenção, falamos sobre um transtorno que freqüentemente — é muito mais

regra do que exceção — ocorre com outras morbidades psiquiátricas. Daí a

importância do estudo completo do paciente.

Esse é um artigo publicado pelo nosso grupo. Foi o artigo de mestrado da

Dra. Isabela, que trabalha conosco. Ela comparou os achados com os do grupo do

sul do País, em Porto Alegre, mostrando que, na nossa amostra, a co-morbidade

também era alta; que isso era comparável com o grupo do Rio Grande do Sul. Ou

seja, a variabilidade cultural ou local talvez não seja tão grande e, realmente, se

tenha uma fundamentação genética forte.

Este é um gráfico que mostra a comparação entre os perfis de co-morbidade

do Rio de Janeiro e o de Porto Alegre são semelhantes. Isso foi publicado num

jornal europeu. No nosso grupo, o do Rio de Janeiro, no GEDA, há um achado

semelhante: apenas 29% dos nossos pacientes têm apenas déficit de atenção e

71% têm algum outro tipo de co-morbidade, sendo que alguns pacientes têm mais

de uma co-morbidade.

Este também é um estudo de co-morbidade, que chamo de life time, que é a

vida toda do adulto. Trinta e quatro por cento dos homens e 23% das mulheres

tinham apenas TDAH. Entre as co-morbidades mais freqüentes, existe uma

pequena diferença quando analisamos as diferenças entre gêneros. No caso dos

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homens, é mais comum o abuso e a dependência de álcool, além dos transtornos

de substâncias ilícitas; no caso das mulheres, mais ansiedade e transtorno de

ansiedade generalizada.

Vejamos agora o impacto do déficit de atenção como co-morbidade. Este é

um diapositivo que mostra uma comparação entre os pacientes sem TDAH e com

TDAH. Observa-se que os pacientes que têm déficit de atenção e hiperatividade

acabam precisando mais freqüentemente de consultas ambulatoriais, de

internações; apresentam maior quantidade de ferimentos e existem estudos que o

associam à asma. Isso é interessante. Foi um estudo feito por um grupo que estuda

asma em especial e fatores relacionados. Não foi um estudo necessariamente de

pesquisadores sobre déficit de atenção, mas um estudo de pesquisadores de

doenças respiratórias, inclusive asma, que encontraram um achado interessante,

que seria essa correlação entre asma e déficit de atenção e hiperatividade.

Direção de veículos. Esse é um ponto importantíssimo. Todo o trabalho de

Barkley, um dos maiores psicólogos e estudiosos do déficit de atenção hoje, é

voltado ao estudo de utilização de veículos por pacientes com déficit de atenção.

Num estudo feito com mulheres que não têm déficit de atenção e hiperatividade e as

mulheres que têm, olhem a diferença entre, por exemplo, dirigir após bebida,

envolver-se em acidentes e não usar cinto. É interessante que, no caso da mulher,

ter ou não TDAH, não diminui a necessidade ou a procura por colocar o cinto de

segurança, coisa que, entre os homens, é gritante a diferença, mas aumenta muito

a diferença entre envolver-se ou não num determinado acidente. No caso dos

homens, a maior diferença é a utilização de cinto e dirigir após a bebida. Claro,

porque acabei de mostrar que os homens que têm déficit de atenção têm, mais

freqüentemente, problema de dependência e abuso de álcool.

Vejamos o impacto econômico do déficit de atenção sobre as crianças.

Custos médicos gerais. Quando falo de custos médicos, não são custos

médicos psiquiátricos, mas custos médicos gerais. Foi apresentado num periódico

americano que os custos médicos, nos Estados Unidos, de crianças com TDAH são

maiores do que os controles em 503 a 1.343 dólares. Aqui está menos porque estou

comparando com controles, ou seja, pacientes crianças que não têm déficit de

atenção e hiperatividade gastam 503 a 1.343 dólares a menos do que as que têm

déficit de atenção em aspectos médicos de forma geral. Claro que são crianças que

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se envolvem mais em acidentes, acabam sendo mais internadas, precisam de maior

quantidade de consultas ambulatoriais ou mesmo tratamentos medicamentosos.

Com relação aos adultos, esse achado também se repete com valores

diferentes. Aqui estou comparando adultos com déficit de atenção e adultos sem

déficit de atenção. Os que têm déficit de atenção e hiperatividade acabam gastando,

para tratamento e acompanhamento médico, quase 5 vezes mais se comparados

com os pacientes que não têm déficit de atenção e hiperatividade.

Um dos estudos mais importantes sobre farmacoeconomia, o que é

extremamente estudado nos Estados Unidos, foi um estudo de Coorte, ou seja,

acompanhando um grupo de pessoas de forma geral. Foram 2.292 pacientes

adultos que tinham déficit de atenção e hiperatividade, entre 1999 e 2001. Esse

grupo de pesquisa acompanhou, durante 2 anos, um estudo muito caro, quase

2.300 pacientes adultos com déficit de atenção.

Entre os resultados, observou-se que havia maior incidência de asma, como

mostrei anteriormente; de ansiedade, transtorno bipolar, depressão, abuso de álcool

e drogas, de comportamento anti-social e do transtorno de desafio-oposição. Na

comparação, também é um pouco semelhante ao que mostrei antes para crianças.

Em adultos também existe uma diferença grande entre os gastos médicos gerais

entre a pessoa que tem e a que não tem o déficit de atenção — no caso, gastos

médicos ambulatorial, internação com medicamentos e custos totais. Outro

resultado interessante é a falta ao trabalho, um índice de eles chamam de

absenteísmo. Os pacientes com déficit de atenção acabam tendo um índice maior

do que os pacientes que não têm.

O tratamento do déficit de atenção é multimodal e inclui medicação, que é

fundamental para o tratamento dos sintomas cardinais, aqueles sintomas que

apresentei no início. A psicoterapia é importantíssima. Ela foi mal interpretada no

início do transtorno, quando alguns grupos viram que ela não tinha funcionamento

adequado para esses sintomas cardinais. Entretanto, para todos os outros sintomas

de disfunção executiva, dificuldade de organização, de estratégias, a medicação não

tem um resultado bom e a psicoterapia tem um resultado muito melhor.

Estratégias de remediação cognitivas estão dentro dessa psicoterapia que

estou comentando. Seria do tipo cognitivo-comportamental. É uma psicoterapia que

envolve o desenvolvimento da atenção, da memória; o treino de solução de

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problemas e a construção dessas estratégias de planejamento e organização do

tempo do paciente que tem déficit de atenção.

Com relação à medicação, trouxe apenas um eslaide. Não há como falar

sobre medicação e não citar a melhora. Neste eslaide, essas duas escalas aqui, a

Conners e a Segal, que são utilizadas em pesquisas clínicas para avaliar a

quantidade de sintomas do déficit de atenção. Aqui houve, na verdade, uma

comparação placebo e o metilfenidato. Quase 60% dos pacientes melhoraram mais

de 50% na Conners e cerca de 30% tiveram uma melhora maior do que 50% na

Segal. Ou seja, comparando com o placebo, em que não houve melhora ou ela foi

inexpressiva, é muito importante o uso da medicação para solucionar esses

problemas principais, cardinais de manutenção da atenção e de hiperatividade.

Qual a situação atual no Brasil no tratamento do déficit de atenção?

Utilizando os dados que temos das pesquisas no IBGE e da venda de medicação,

consideramos 3,5% de pacientes crianças e apenas 1,5%, ou seja, utilizando uma

prevalência baixa, os estudos mais restritivos, que mais afunilaram o critério do

diagnóstico, mostraram prevalência baixa do transtorno. Mesmo utilizando essa

prevalência baixa, teríamos, dentro do que a gente imagina pelo censo, de 0 a 64

anos de idade, 3.723.607 indivíduos que provavelmente, pelas estatísticas,

deveriam ter o transtorno de déficit de atenção no País.

Foram vendidas 739 mil caixas da medicação, que é a única que tem

indicação em bula para o tratamento do déficit de atenção, que é um

psicoestimulante. Considerando-se 30 ml a dose diária, que é a média por dia — a

dose pode ser entre 20 e 60 ml por dia — dariam 5 caixas por mês, que seriam 50

caixas em 10 meses. Excluindo as crianças ou os adultos que não são tratados

durante as férias, haveria apenas 14.780 indivíduos tratados por ano, menos de 5%

dos pacientes tratados no Brasil, seguindo aquele cálculo que fiz anteriormente.

Quais as conclusões que eu gostaria de demonstrar aqui no final? O TDAH é

um transtorno bem estudado e estabelecido no mundo todo. Hoje em dia, não existe

discussão se existe ou não o transtorno. Isso já está ultrapassado. Há mais de 10

anos que estudamos isso, só no Brasil, e provavelmente há 30 ou 40 anos que é

bem estudado fora. O fator etiológico mais importante é o genético, quer dizer, a

pesquisa em familiares — por isso falo muito sobre TDAH nos adultos — e é

bastante associado a outras morbidades psiquiátricas. Todos os dados comprovam

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maior chance de risco de adicção em homens e de doenças ansiosas e depressivas

em mulheres. Não possui qualquer aspecto benigno, dificultando sempre a vida

acadêmica, laborativa e social.

Quer dizer, aquele pensamento às vezes não adequado de que TDAH pode

estar relacionado à criatividade, a um comportamento hiperativo, é um erro. Seus

portadores são pessoas que seriam interessantes, criativas, inteligentes, apesar de

terem um déficit de atenção, que as acaba prejudicando. Muitas são acima da

média e conseguem expressar sua capacidade, inteligência e potencial, mas com

muito mais esforço.

O tratamento multidisciplinar ajuda a combater esses desfechos negativos? O

tratamento, tanto medicamentoso quanto psicoterápico, tem a função de melhorar

todos esses desfechos, inclusive a prevalência de adicção e de doenças outras,

como ansiedade e depressão.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Alceni Guerra) - Agradeço ao Dr. Daniel

Segenreich a excelente exposição.

Passo a palavra à Dra. Ângela Alfano Campos, psicóloga e especialista em

técnicas e estratégicas escolares para portadores de TDAH.

A SRA. ÂNGELA ALFANO CAMPOS - Bom dia. Gostaria de agradecer à

Comissão esta oportunidade de lutar pela causa do TDAH.

Sou psicóloga. Tenho vínculo com duas instituições: a Universidade Federal

do Rio de Janeiro, na qual faço doutorado, e uma ONG no Rio de Janeiro.

Vou tentar complementar a exposição do Dr. Daniel Segenreich.

Trabalho especialmente com crianças. Por isso, acabo tendo muito contato

com os problemas que acontecem com elas na escola, principalmente, e em relação

ao que chamamos de sintomas secundários.

(Segue-se exibição de imagens.)

O que é isso?

Todos os portadores de TDAH têm sintomas cardinais ou primários, como o

Dr. Daniel Segenreich falou — então, sempre pensamos em desatenção,

hiperatividade e impulsividade. Mas muitos deles, quando não tratados adequada ou

precocemente, quando não inseridos num contexto que os ajude, acabam

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desenvolvendo os sintomas secundários, que podem não aparecer, mas

freqüentemente acabam surgindo. Quais são eles?

Baixa auto-estima. Por quê? Porque essas crianças têm um histórico de

punição muito grande: não conseguem parar quietas, então são o tempo inteiro

repreendidas; não conseguem prestar atenção, então são o tempo todo julgadas.

Isso vai deteriorando sua auto-imagem.

Fácil desistência frente às dificuldades. Se já sei que não presto atenção à

aula, não vou mais me esforçar ou não vou mais nem querer entrar na aula ou na

palestra, quando ficar mais velha.

Deterioração do relacionamento com meus pares. Ninguém me agüenta mais

interrompendo a fala o tempo inteiro; ninguém me agüenta mais me levantando o

tempo todo.

Aborrecimento e frustração na escola, que geram um monte de problemas

que vou mostrar daqui a pouco para V.Exas.

Intolerância a situações monótonas e repetitivas.

Competência comunicativa comprometida. O que é isso? É o que acabei de

falar. Elas não conseguem, nem mesmo na relação entre 2 pessoas, ter êxito,

porque quando estou falando de um assunto, já começam a falar de outro; nem

completei a frase, já estão dando a opinião delas. Aí me sinto invadida, começo a

achar que é egoísmo e a julgar o outro e a relação vai por água abaixo.

Fracasso escolar e rejeição social. O Dr. Daniel Segenreich explicou o que

são co-morbidades. O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade pode

aparecer em co-morbidade com dificuldades de aprendizado. Posso ter uma criança

desatenta e hiperativa e, ao mesmo tempo, com dislexia, dificuldade de ler, ou com

discalculia, dificuldade em lidar com números. Mas não necessariamente porque é

portadora de TDAH ela vai ter dificuldade escolar. Vai ser uma conseqüência do seu

comportamento, mas não por dificuldade em aprender. Apesar disso, V.Exas. vão

verificar daqui a pouco, o índice de fracasso e de evasão escolar é muito grande.

Aumento da incidência de acidentes, principalmente por conta da

impulsividade. Este é um estudo que diz exatamente isso.

Existem outros sintomas que não constam daquela lista inicial que sempre

vemos, como procrastinação, baixa tolerância à frustração, labilidade do humor e

sensação de fracasso, baixa auto-estima e comprometimento das habilidades

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sociais, que têm repercussão enorme na vida de um indivíduo em todos os âmbitos,

seja pessoal ou profissional, portanto é importante ressaltarmos.

Quais são as conseqüências causadas pelo transtorno do déficit de atenção e

hiperatividade? Normalmente, essas pessoas têm menos escolaridade, auto-estima

e habilidades e têm maior incidência em abuso de drogas, isolamento social, co-

morbidades psiquiátricas e acidentes. Além de ter uma maior número de acidentes,

eles são mais graves do que a média.

É justamente por isso que estamos aqui, para tentar diminuir um pouco essas

conseqüências. Se conseguimos dar a esses portadores todo o suporte de que

precisam, toda a ajuda adequada dentro da escola, local em que passam a maior

parte de seu tempo, e em casa, com psicoeducação, alertando a população sobre o

que é isso, ensinando os pais as melhores maneiras de lidar com esse mal,

provavelmente vamos conseguir diminuir esses índices.

Ônus do TDAH nas famílias.

A maioria dos estudos são norte-americanos. Os Estados Unidos são o

grande centro de pesquisas. O TDAH tem impacto enorme no casamento e na

relação entre os pais. Ter um filho portador da doença leva a que haja muito mais

desavença com o parceiro. Pais de portadores de TDAH são de 3 a 5 vezes mais

propensos à separação ou ao divórcio.

Os pais dos portadores costumam ser mais críticos e controladores.

Os norte-americanos fizeram um estudo com medicação. Esta é uma

característica do estudo, que não me cabe explicar aqui. O importante é que o

resultado foi uma melhora nas interações. O que isso quer dizer? Se eu trato

adequadamente o transtorno, consigo melhorar inclusive a relação familiar.

Interação entre irmãos. É de 2 a 4 vezes maior o número de comportamentos

negativos entre irmãos — brigas, comportamentos não muito adaptativos.

Este é um gráfico que mostra a porcentagem de mudanças no trabalho entre

os cuidadores de TDAH. Se tenho um portador de TDAH na minha família, o que

devo fazer para ajudá-lo? Isso é muito comum. A família tem de fazer adaptações

no seu modo de vida para conseguir ajudar essa criança. Por quê? Porque sabemos

que precisam de auxílio constante, de assistência contínua.

Quarenta e quatro por cento desses cuidadores, normalmente pais, são

obrigados a reduzir carga horária de trabalho; 21% fazem alterações no trabalho, no

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cronograma, na maneira como distribuem o trabalho; 14% têm mudanças no tipo de

emprego; 10% param de trabalhar e 11% fazem modificações outras que não estas.

Ônus na vida acadêmica, que falei inicialmente.

Os gastos com educação, já está mais do que comprovado nos Estados

Unidos, é muito maior; mais de 3 bilhões de dólares, em 1995, em escolas públicas;

30% dos portadores repetiram de ano; de 30% a 40% receberam educação

especial.

O que os Estados Unidos entendem por educação especial não é exatamente

o que entende o Brasil. Os portadores de TDAH precisam de uma assistência

especial, mas não de uma escola ou de uma turma voltada especialmente para eles.

Não é isso. Precisam de assistência contínua; precisam ser monitorados, de aula de

apoio, de classe de reforço e de outros tipos de estratégias que podemos usar na

escola para ajudá-los.

Mais de 35% de evasão no ensino médio. Com o tratamento, houve uma

melhora na produtividade acadêmica, na performance dessas crianças. Como o Dr.

Daniel Segenreich mostrou, não estamos tratando adequadamente a maioria

dessas crianças, e vemos que mais informação precisa ser passada. Mais pessoas

precisam conhecer o TDAH. Num estudo de follow-up, um estudo contínuo de 15 anos com meninos

portadores de TDAH, percebeu-se que os portadores de TDAH costumam

completar, em média, 2 anos a menos de vida escolar, se comparados com

meninos não portadores. O que chamamos de mau desempenho escolar? É a performance acadêmica

substancialmente abaixo do esperado para as habilidades cognitivas. Isso quer

dizer que, apesar de não se ter o transtorno do aprendizado e ter-se um QI avaliado

dentro da curva normal da média da população, o meu desempenho é ruim.

Entre 6% a 20% dos portadores de TDAH possuem mau desempenho

escolar, não necessariamente ligado a transtorno do aprendizado — mais uma vez

quero ressaltar isso. Há uma relação entre essas duas variáveis, o transtorno do

déficit de atenção e o desempenho escolar: alunos com TDAH têm maior

necessidade de aulas particulares e mais freqüentemente são encaminhados a

turmas especiais, que são essas turmas de reforço, essas classes com aulas extras.

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Este gráfico mostra o número de repetições, suspensões e expulsões. Todas

as colunas azuis mostram os portadores de TDAH e as colunas vermelhas mostram

as pessoas controladas para o déficit de atenção, pessoas que não possuem o

transtorno. Vejam que o número de repetições é muito maior entre os portadores,

bem assim o número de suspensões e de expulsões.

Experiências precoces de fracasso influenciam a maneira de se comportar

frente a obstáculos no futuro e afetam futuras expectativas quanto ao desempenho.

Mais uma vez ressalto a importância do tratamento precoce e da necessidade de

educação dos professores, desde a educação infantil, para evitar esse tipo de

experiência de fracasso desnecessária. Por isso, é muito importante a capacitação

dos professores, porque sabemos que o ambiente escolar é peça fundamental para

o desenvolvimento saudável de qualquer criança, portadora ou não.

No caso do transtorno do déficit de atenção, o contexto não é capaz de

produzir os sintomas. Vimos a etiologia do transtorno, que não tem a ver com o

meio; contudo, o meio pode exacerbar ou minimizar os efeitos do transtorno. O

papel do professor vai ser dar assistência contínua a essas crianças, tentando

minimizar os sintomas primários e evitar que aqueles secundários, que eu listei,

desenvolvam-se.

Falando um pouco sobre o transtorno de uso de substâncias e o transtorno

do déficit de atenção, hoje em dia já sabemos — há estudos mostrando isso — que,

quanto aos portadores de TDAH, há um início de uso de drogas mais precoce e um

tempo menor para desenvolver o abuso. Quando esse abuso acontece, ocorre em

quantidade maior, comparado ao uso entre a população em geral, além de ser mais

grave, o curso de abuso é mais longo. Eles demoram mais tempo até procurar

tratamento, e as chances de recaída e tempo de uso e abstinência são maiores.

Esse gráfico mostra isso. Das pessoas estudadas que abusavam de

substâncias psicoativas, que tinham transtorno de uso de substância, 25% eram

portadores de TDAH, o que é uma parcela grande.

Assim, foi possível uma idéia geral da importância de atentarmos para esse

transtorno.

Obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Alceni Guerra) - Agradeço à Sra. Ângela

Alfano Campos.

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Passo a palavra à Sra. Iane Kestelman, Diretora Executiva da Associação

Brasileira do Déficit de Atenção.

A SRA. IANE KESTELMAN - Eu vou falar para vocês um pouco sobre o

trabalho da ABDA, apresentar alguns dos nossos objetivos e falar um pouco dessa

relação, do ponto de vista mais dinâmico, de ser portador de TDAH, de ser pai e

mãe de TDAH, de ser parente de TDAH, de estar envolvido com essa questão e do

que isso representa para nós em termos de família e do ônus para a sociedade.Nós somos a Associação Brasileira do Déficit de Atenção. Incluímos 1.400

associados oficiais no Brasil, fora os que participam da associação sem estarem

associados, como o pessoal de Brasília.

A ABDA foi fundada em 1999, motivada pela frustração com a falta de

informações científicas por parte dos profissionais de saúde e de educação, bem

como da população em geral. O nosso Presidente, um médico pesquisador da

UFRJ, juntamente com um paciente, concluíram que no Brasil de fato havia muito

pouca informação, ou nenhuma informação, sobre déficit de atenção. Entenderam

que seria importante fundar a sociedade, a fim de fazer essa divulgação. Também

os motivaram os inícios tardios de tratamento, os tratamentos incorretos e a

desinformação na mídia. Isso é um problema: não há somente a desinformação,

mas a informação errada.

O Dr. Daniel estava dizendo — esta é uma questão com que temos de tomar

muito cuidado — que normalmente as pessoas entendem o déficit de atenção como

um transtorno leve, banal, sem maiores conseqüências. Existe toda uma ideologia

no sentido de que o TDAH é uma doença moderna, da moda, e que são crianças

índigo — não sei se alguém já leu reportagem nesse sentido —, que são mentes

criativas, mentes isso, mentes aquilo. Não há nada disso. O TDAH é uma doença

grave, um transtorno psiquiátrico catalogado pela Organização Mundial de Saúde.

Essa coisa glamourosa é muito perigosa.

O objetivo da ABDA, portanto, é difundir conhecimentos científicos. É

importante ressaltar que sempre enfatizamos o conhecimento científico. Para

falarmos sobre um transtorno, suas conseqüências, a dimensão que ele tem na vida

das pessoas e da sociedade, temos de pesquisar. Nós dizemos que em ciência não

há “achismo”. Nós não achamos coisa alguma. Nós pesquisamos e comprovamos,

senão entramos naquele esquema em que todo mundo acha e ninguém faz nada.

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Outro objetivo é dar apoio aos portadores e aos familiares. Os pais e os

portadores de TDAH, e demais familiares, sabem da dimensão do sofrimento das

famílias. Quando falamos do ponto de vista técnico, científico, enumerando os

sintomas, talvez aqueles que não estão ligados a essa questão não saibam a

dimensão da dor que esse transtorno representa para essas famílias, para essas

crianças e para esses adolescentes.

Capacitar profissionais de saúde e de educação também é um dos nossos

objetivos. É dessa forma que vamos atingir essas crianças.

Quanto à informação científica, como acabei de dizer, ela tem de ser baseada

em evidências, não em “achismos”. Por que a informação científica é necessária?

Porque, quando se passa e divulga-se a informação científica, diminuímos o estigma

e o preconceito, principalmente das crianças. As crianças portadoras de TDAH,

ainda hoje, depois de 10 anos de pesquisa sobre TDAH no Brasil, são consideradas

sem-limites, mal-educadas, desrespeitosas, marginais, desinteressadas. Uma

criança que está “voando” dentro de sala de aula, que está desatenta, não está

conseguindo prestar atenção, não consegue focar, porque tem uma disfunção na

região frontal do cérebro. Ela não escolheu ter isso, nasceu com isso. Ela realmente

“voa”. Numa sala de aula com 40 ou 50 crianças, a criança portadora de TDAH é

tratada da pior maneira possível: é expulsa, perde ponto nas matérias, esquece o

livro e o caderno — a família tem trabalho redobrado na hora de fazer a mochila —,

esquece o que o professor falou, pergunta vinte vezes. Ainda hoje existe um

preconceito muito grande.

Quando essas crianças chegam a nós, elas já chegam muito machucadas.

Elas chegam, como disse a Ângela, com a auto-estima muito baixa, porque elas já

se pensam um transtorno. Eu costumo dizer — e sou psicanalista também — que

ter um transtorno não precisa significar ser um transtorno. Essas crianças podem

portar um transtorno, o transtorno do déficit de atenção, mas não precisam ser um

transtorno para elas, para a sociedade, para a família. Contudo, é o que acontece.

Apresentaram-se pesquisas mostrando o índice de portadores de TDAH que

fazem abuso do uso de drogas. Os senhores não têm noção de como vemos isso

nas clínicas e nas universidades. Isso é um absurdo! Pacientes chegam aos nossos

consultórios, às nossas clínicas, com histórico de abuso de cocaína e de álcool, de

vários acidentes de carro e tentativas de suicídio. Nós os encaminhamos para

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tratamento do alcoolismo e do abuso de drogas, mas, quando percebemos, a

origem é o TDAH. Algumas drogas — e o Dr. Daniel pode corrigir-me, se eu estiver

equivocada, já que S.Sa. é medico e eu não — têm efeito de remédio para o

portador de TDAH. Ele não é medicado, usa a droga e fica muito bem. Um garoto de

12 anos, com vários sintomas, não é tratado; é estigmatizado, alijado do núcleo

social, da escola; vai lá fora, experimenta a droga, tem um “barato” e, ainda por

cima, sente que aquela droga causa nele um efeito secundário de bem-estar, o que

a medicação dará sem oferecer risco de dependência química e efeito colateral. Se

eliminamos o estigma, permitimos o tratamento do TDAH.

É muito comum ouvirmos crianças as portadoras de TDAH dizerem: “Ah,

então eu não sou maluco, eu não sou burro? É isso o que eu tenho?” Nesse

sentido, o diagnóstico é um alívio. Está-se desconstruindo na infância uma história

que vai causar problemas no futuro. Não há chance de isso não acontecer. Se um

portador de TDAH, seja de nível social alto, seja de nível social baixo, não for

tratado e adaptado à escola, haverá conseqüências para a sociedade. Cito um exemplo dessas conseqüências dos estigmas. Em 2004, matéria de

O Globo, jornal de grande circulação no Rio de Janeiro, mostrou que uma escola

recusou-se a refazer a matrícula de uma criança hiperativa, porque realmente ela

causava tumulto na sala de aula. Quem tem filho com TDAH hiperativo sabe como é

difícil controlá-lo. E nós entendemos a preocupação dos professores. De fato, é

muito difícil a situação do professor, que alega que tem de dar aula para 30 crianças

e não pode ficar olhando apenas para um deles.

Não se trata disso. Infelizmente, hoje não houve espaço aqui para

demonstrarmos as estratégias utilizadas em todo o mundo pelos professores — e a

Dra. Ângela é especialista no assunto. Os professores perguntam se terão de

aprender todas as estratégias para cuidar de apenas um aluno. É óbvio que não. Se

se vai utilizar uma estratégia que beneficiará um aluno com déficit de atenção,

imagine o benefício que isso trará para quem tem atenção! Será criada uma

estratégia de aula que contemplará toda a turma e ainda beneficiará quem tem

déficit de atenção. Este é um dos exemplos de estigma.

A sede da ABDA fica no Rio de Janeiro, mas contamos com colaboradores

em todo o País, como associações que se vinculam a nós a fim de desenvolvermos

um trabalho de conscientização, de luta pelo Brasil afora. Temos colaboradores em

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Salvador, Vitória, Belo Horizonte, Passos, no interior de Minas Gerais, São Paulo,

Porto Alegre e Caxias do Sul. Se Deus quiser, teremos também uma associação em

Brasília.

O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade é tratado com

seriedade em todo o mundo. Vou mostrar aos senhores alguns exemplos de

associações como a nossa, caso do Japão e dos Estados Unidos. Inclusive será

realizado nos Estados Unidos uma convenção mundial sobre TDAH, em

Washington, à qual estaremos presentes. Anualmente, essa convenção reúne em

média 2 mil pessoas. E estou falando de pessoas, e não apenas de profissionais.

São médicos, psicólogos, professores, portadores. Esse é o nosso objetivo.

(Segue-se exibição de imagens.)

Vemos aqui a associação americana; essa, a revista publicada por eles,

Attention; vemos aqui a associação belga e a inglesa; essa outra também na

Inglaterra; essa, a associação italiana do déficit de atenção; essa, a mexicana; essa,

a norueguesa; essa, a canadense; e essa, a associação alemã do déficit de

atenção. Temos contato com essas associações e tentamos aprender um pouco

com elas, já que desenvolvem um trabalho muito maior do que o que fazemos aqui. Apenas para ilustrar, como bem disse o Dr. Daniel, os sintomas do TDAH não

são sintomas do comportamento normal. Vamos prestar atenção na seguinte

situação. Os senhores devem ler e ouvir com freqüência na mídia — recentemente

saiu uma matéria enorme, e temos sempre o trabalho de pedir direito de resposta —

que essas crianças não têm problemas neurobiológicos, que na verdade são

crianças mal-assistidas, mal-amadas, cujos pais não deram atenção necessária,

carinho, amor, não estabeleceram limites. Esse é um problema muito sério, porque

já não basta tudo o que uma família de um portador de TDAH sofre para possibilitar

que o filho cresça em condições saudáveis; a mídia, pela falta de informação, ainda

culpa a família, ou seja, responsabilizam-na por uma doença que na verdade é de

origem biológica. Não se trata de aspecto de comportamento normal, não é culpa de

ninguém, da pai ou da mãe. Como disse o Dr. Daniel, o quadro é descrito pelos

médicos desde o séc. XIX. O quadro é o mesmo nas diferentes culturas. Na Índia,

nos Estados Unidos, na Nova Zelândia, na China, aqui no Brasil o quadro clínico é

igual, a prevalência é basicamente a mesma, ou seja, as respostas são as mesmas.

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Estes são alguns de nossos princípios. Acreditamos que os profissionais de

saúde têm, sim, a responsabilidade de diagnosticar e tratar corretamente crianças e

adultos com TDAH, de acordo com as diretrizes da comunidade científica. Por que

ignorar? Depois, vou contar rapidamente um caso aos senhores. Têm de fornecer

ao portador e a seus familiares informações atualizadas acerca da natureza do

TDAH. O professor não sabe, a escola não sabe, a sociedade não sabe. Como

encaminhar o assunto? Vai-se expulsar, suspender, punir. Punimos doença!

Reprovamos crianças que não conseguem aprender, não porque não querem, mas

porque têm problemas. Temos de ter clara a perspectiva do que essas crianças não

podem e do que não querem, a perspectiva da deficiência. Um portador de TDAH,

criança ou adolescente, não faz muitas coisas não porque não quer, mas porque

não consegue. E os professores estão reprovando essas crianças, principalmente

na rede pública de ensino. Sabemos que elas estão saindo da escola e caindo na

marginalidade porque não há a mínima condição de se fazer um diagnóstico, de

saber do que se trata. Também acreditamos ser obrigação dos profissionais de saúde oferecer

tratamento individualizado, levando em consideração os aspectos específicos de

cada portador.E quanto aos educadores? Eles têm a responsabilidade de conhecer os

sintomas. E esse é um dos aspectos que nos traz aqui hoje especialmente. Eles têm

de saber do que se trata, conhecer os sintomas do TDAH, a principal causa de

encaminhamento para serviços especializados da infância e da adolescência.

Encaminha-se a criança para o ambulatório. Ela apresenta uma série de sintomas:

angústia, ansiedade, abuso de substância química. Na verdade, a origem é o TDAH

não tratado. Não vimos que o TDAH carrega uma série de co-morbidades? Apenas

34% dos pacientes de TDAH — e essa porcentagem é muito baixa — apresentam o

TDAH simples, sem a associação com qualquer outra doença. Os outros

apresentam inclusive abuso de substância química. Temos de alertar os familiares e os cuidadores sobre a importância do

tratamento. Se eu sou educadora e não conheço a doença, como vou encaminhar,

como vou tratar? O SR. PRESIDENTE (Deputado Alceni Guerra) - Sra. Iane Kestelman,

permita-me interrompê-la. A TV Câmara está-me chamando para falar ao vivo sobre

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o TDAH. Creio que a divulgação do assunto é tão importante quanto o

acompanhamento da exposição de V.Sa. A SRA. IANE KESTELMAN - Com certeza, nobre Deputado.O SR. PRESIDENTE (Deputado Alceni Guerra) - Peço ao Deputado Eduardo

Barbosa que presida a reunião por 5 minutos.A SRA. IANE KESTELMAN - Muito obrigada, Deputado.

Nós acreditamos também que os portadores de TDAH têm direitos. Esta é

uma das coisas que postulamos na nossa Carta de Princípios: o direito de ser

reconhecido como portador de um transtorno sério especialmente dentro da rede

escolar.

Faço um trabalho maciço dentro das escolas, com as quais tenho um contato

muito grande. Como eu dirijo a associação, tenho contato também com os

colaboradores e sei o que acontece nesses Estados brasileiros, especialmente no

Rio de Janeiro e em São Paulo. Nós vamos às escolas, oferecemos curso de

capacitação. Como profissional, no meu consultório particular, tento conversar com

os pedagogos, os psicopedagogos, os coordenadores, mas não sou ouvida. A coisa

não funciona.

Semana passada, ouvi da direção de uma escola muito conhecida do Rio de

Janeiro, considerada de elite, porque os alunos que freqüentam essa escola são de

famílias abastadas, de artistas e intelectuais, enfim, uma escola realmente muito

boa, o seguinte: “Nós sabemos que isso existe, nós sabemos que você está coberta

de razão, entretanto não somos uma escola inclusiva.” Em todas as escolas — e eu

gostaria de enfatizar isso, porque nós temos aqui uma representante do Ministério

da Educação — isto é ouvido: “Nós não somos uma escola inclusiva.” O que é uma escola inclusiva? É uma escola que segrega, que pega todos os

portadores de TDAH, de síndrome de Down, de dislexia, faz um pacotão, joga num

canto e diz: “Olha, vocês fiquem todos lá, porque vocês têm dificuldades”. Esse é

um discurso perverso. Achamos tão bonito falar em inclusão, mas na verdade nada

acontece. Estou falando isso porque eu ando por este Brasil de Deus, de Porto

Velho ao Rio de Janeiro. E estou falando na condição de mãe de portador. Sou

psicóloga, trabalho com isso no meu consultório, mas tenho dois filhos portadores

de TDAH. Também faço parte de uma camada da sociedade privilegiada, que pôde

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dar aos filhos escolas boas, e foi barra pesada chegar aonde nós chegamos hoje

com os nossos filhos.

Essas crianças precisam ter esse reconhecimento. Se para o meu filho, que

teve uma educação privilegiada, foi um percurso sofrido e doloroso, imaginem o que

é isso para uma criança de Porto Velho, de uma escola onde falamos de TDAH e a

professora pergunta o que é isso! Por isso, elaboramos as cartilhas que todos têm

em mãos — é o mínimo que podemos fazer —, para distribuir Brasil dentro das

escolas Brasil afora.

Falo também sobre o direito ao diagnóstico e ao tratamento, para o

profissional que conhece esse tratamento, porque dentro da rede de saúde os

profissionais não a conhecem. Dizem para os pais das crianças portadoras: “Isso é

uma doença nova, que o povo inventou agora”. Contudo, o primeiro diagnóstico foi

feito em 1902.

Os portadores têm direito de solicitar apoio junto à instituição educacional,

aos familiares, aos cuidadores e às equipes profissionais responsáveis pelo aluno.

Temos um site sobre TDAH — alguns dos senhores o conhecem — bastante

visitado no Brasil inteiro. No site mostramos o mapa do Brasil e indicamos

profissionais cadastrados que conhecem TDAH. Fazemos reportagens, vendemos

livros e vídeos.

A cada dois anos fazemos um congresso internacional. O primeiro foi em

Salvador, o segundo no Rio de Janeiro, quando trouxemos o Dr. Sam Goldstein,

uma das maiores autoridades em déficit de atenção dos Estados Unidos. O último

congresso ocorreu em agosto de 2007, quando trouxemos o Dr. Russel Barkley,

que, com certeza, hoje é a maior autoridade em TDAH, considerado o maior

especialista no mundo. Ele ficou muito surpreso quando descobriu que havia uma

associação nos moldes internacionais. Gostou muito do nosso trabalho e do

congresso. Disse que gostaria de voltar ao Brasil, mas ficou surpreso com o fato de

que a mobilização não é tão grande como no mundo inteiro.

Enfim, realizamos congressos, cursos de capacitação, simpósios para

médicos.

Para concluir, eu gostaria de mostrar o relato de um adolescente com TDAH.

Quando do relato, esse rapaz tinha 16 anos. Hoje vai fazer 23 anos e está cursando

Economia na universidade. Uma professora de Filosofia da Faculdade de Economia

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da PUC do Rio, uma das faculdades de Economia com mais difícil acesso, pediu

aos alunos que fizessem um trabalho cujo tema era “minha vida”. Pediu que cada

um escrevesse em poucas palavras o que tinha sido marcante na sua história de

vida. Evidentemente, esse trabalho valeria nota. Depois, cada um dos alunos iria

discutir, filosoficamente, o sentido de ser, de vida, de experiência.

Esse rapaz disse o seguinte:

“Ele era uma criança levada, que não parava no

lugar e não se concentrava em nada. Diziam que ele era

hiperativo. Mas, espera aí, como podia ser hiperativa uma

criança que, ao jogar ‘videogame’ ou assistir a um jogo do

Flamengo na televisão, ficava horas e horas parado, sem

piscar os olhos? Mal-educado — observem o estigma! —,

sem-limites, capeta, disperso, louco: eram frases que ele

comumente ouvia. Ele sofria com isso, porém sempre se

considerou como os outros, pois tinha uma vida parecida

com a de seus amigos: mesmos hábitos, costumes e

cultura, mas sempre fazendo as coisas muitas vezes sem

pensar — a expressão ‘sem pensar’ denota

impulsividade. Porém, ele não era somente defeitos. Assim como

perdia amigos facilmente, recuperava-os — habilidade

social — com o seu carisma e inteligência — eles são

muito dóceis —, inteligência que incomodava muitos,

pois não o viam estudar, empenhar-se, e mesmo assim

colhia frutos disso, bons resultados. ‘Mas, espera aí, ele

nunca pode ser um bom aluno. Ele só pode estar

colando!’ Eis, então, que ele cresceu. A criança hiperativa,

mal-educada, virou um jovem. Ele agora, mais velho,

sempre teve muitos amigos. Saía, se divertia e jogava

muito bem futebol, algo em que definitivamente se

concentrava e parecia até uma pessoa normal —

observem a auto-estima. Ele era o capitão do seu time na

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escola, exercia toda a sua liderança em quadra e se

orgulhava muito disso. Na sala de aula, parecia que a sua

liderança se tornava algo negativo, fazia-o não ter forças

para estudar, para prestar atenção. Atrapalhava a turma,

desconcentrava os professores e criava muitas

inimizades, inimizades essas que não acreditavam como

ele podia obter bons resultados e as vítimas de sua

tenebrosa atitude sem limites não corresponderem às

expectativas. Ele era o capitão do time. Ele era querido.

Ele era um menino problema. Em sala de aula, ele era

odiado.

Como a sua vida não era feita só de futebol, ele foi

campeão no campo e foi derrotado fora dele. Foi

perseguido como um bandido, sem direito a legítima

defesa, afinal foi pego várias vezes em flagrante com a

sua maligna hiperatividade e sua temível impulsividade.

Orgulhosamente, foi-lhe dado o veredito final.

Como um juiz que dá uma sentença ao réu — o conselho

de classe da escola —, sua reprovação em Matemática

foi ovacionada pelos guardiões da boa conduta e da paz

escolar, e sua conseqüente saída da escola como o início

de um novo ciclo de alegria, sem ele, aquele menino que

jogava bem futebol, somente isso. Ele chorou, perdeu

seus amigos, sua escola. Mais do que tudo isso, perdeu a

sua autoconfiança.

Ele já estava se tornando um adulto e, por meio do

destino, sua mãe conheceu um médico que tratava um tal

de déficit de atenção. Seria tão-somente 445 tipos de

tratamento para curar aquele garoto problema — algo de

que até eu mesmo já estava praticamente convencido

que era. Mandaram-no tomar Ritalina, um remédio ruim,

que tira a fome, mas que lhe daria mais atenção,

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blablablá, algo que ele já estava cansado de ouvir. Ele

tomou a medicação sem crença nenhuma naquilo.

E o tempo foi passando. Ele, vivendo sua vida

numa nova escola, procurando seu lugar no time de

futebol do colégio.

Em 4 anos ele se tornou capitão do time. E mais,

foi campeão vencendo sua ex-escola. Formou-se como

um dos melhores alunos da turma. Passou para a

faculdade que queria, tirando nota 10 na prova de

Matemática, a matéria que o fez passar um dos piores

momentos da sua vida.

Hoje ele está na faculdade. Ele ainda tem muito o

que viver com seu jeito hiperativo, desatento, mas agora

controlado, sem deixar de ser ele mesmo. Ele vai

vivendo, com o intuito de um dia poder mostrar que não

era um bandido, um mal-educado nem um sem-limite. Era

apenas uma pessoa diferente, e, como todas as outras

pessoas diferentes, pode dar certo na vida.

Hoje ele é feliz, tem uma namorada, estuda o que

gosta, tem muitos amigos, sua família se orgulha dele e,

acima de tudo, ele próprio sabe o que tem e vive na sua

realidade. Ele deseja que o que ele sofreu outras

pessoas não sofram um dia. Ele sou eu.”

Ele é meu filho. Meu filho talvez tenha sido uma das maiores razões para eu

estar aqui com os senhores hoje. Se ele não tivesse tido o nosso apoio para

conseguir superar tudo isso — vejam o que ele diz: “Fui tratado como um bandido,

um marginal”; isso dentro de uma instituição de educação da melhor qualidade —,

ele não teria conseguido. Muitos não estão conseguindo hoje, a maioria. Ele agora

está terminando a faculdade de Economia e já foi aprovado para estudar na

Universidade de Berkeley.A direção da escola que o reprovou em Matemática por um ponto disse —

refiro-me ao conselho de classe que questionei se era o Tribunal do Santo Ofício:

“Olha, Iane, você é psicóloga, vai entender. Vai ser bom para ele. Ele vai

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amadurecer com essa reprovação. Além disso, vai aprender a controlar o jeito que

ele tem, de não ficar parado”.

Nessa época eu também não sabia o que era déficit de atenção. Se eu,

psicanalista, profissional da área de saúde mental, não sabia o que era déficit de

atenção, imaginem a maioria da população brasileira! Imaginem o preço que

estamos pagando por isso! O preço é alto, é muito alto, principalmente nas favelas.

Realizamos um trabalho em parceria com a comunidade da Maré, no Estado

do Rio de Janeiro, e verificamos que nas favelas a situação é assustadora. As

crianças saem da escola, não conseguem estudar, não prestam atenção, não

produzem e vão para o tráfico. Não adianta dizer: “Vamos colocar as crianças na

escola!” Vamos colocá-las na escola, mas precisamos mantê-las na escola. Como

vamos manter dentro da sala de aula uma criança que não consegue prestar

atenção?Há um sintoma bem prático que os portadores de TDAH relatam. Meu filho,

um menino com QI médio superior — vejam, menino com QI médio superior, o que

não é freqüente, reprovado —, dizia assim para o médico: “Doutor, eu não sei o que

acontece. Quando eu leio um livro, por exemplo, o livro de História da escola, eu

leio o primeiro parágrafo, o segundo, o terceiro. Quando eu cheguei ao quarto, já

esqueci o que eu li no primeiro”. É possível aprender assim? Não é possível Como

mostrar bons resultados nas provas — afinal de contas, tudo é prova —, se no

quarto parágrafo a criança já esqueceu o que leu no primeiro?

Era basicamente isso o que eu queria dizer para os senhores.

Desculpem-me o entusiasmo, mas quando falo na condição de mãe, eu falo

com paixão, com emoção, porque na verdade o filho dos senhores, todas as

crianças portadoras de TDAH são um pouco nossos filhos também.

Desculpem-me a emoção. (Palmas.)O SR. PRESIDENTE (Deputado Alceni Guerra) - Cumprimento a Dra. Iane

Kestelman não só pela apresentação, mas também por todo o trabalho que vem

desenvolvendo em relação ao assunto.Passo a palavra à última expositora, a Dra. Denise de Oliveira Alves,

Coordenadora-Geral de Articulação da Política de Inclusão, da Secretaria de

Educação Especial do Ministério da Educação. Tem S.Sa. a palavra por 15 minutos.

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Tendo em vista que fomos absolutamente condescendentes com todos os

demais expositores, peço a V.Sa. que seja a mais breve possível.

A SRA. DENISE DE OLIVEIRA ALVES - Bom dia. Não irei mais usar os slides, porque não vejo mais sentido em usá-los. Quero

parabenizar os meus colegas, assim como a mim mesma, pelo fato de ter

participado desta audiência.

Minha fala faz um viés, um desvio, levando em conta naturalmente o lugar de

onde eu falo. Quero dizer que falo também na condição de mãe de um menino com

síndrome de Asperger.

Ao ouvir a exposição da Iane Kestelman, pude fazer um percurso da minha

vida de mãe. Há cerca de 20 anos, sou educadora especial, dedicada aos estudos

da área de deficiência mental. Descubro todos os dias o quão pouco sabemos. Daí

a necessidade de correr atrás do conhecimento de algo tão escorregadio; quanto

mais se tenta aprender, mais ele escorrega entre nossos dedos. Esta é a minha

sensação.

Inicialmente, abordarei a educação inclusiva nestes minutos que me restam,

especialmente esse movimento de inclusão educacional e social, movimento de

âmbito mundial que eclodiu no Brasil e em outros países da década de 90 para cá e

que tem a ver com toda uma mudança de entendimento do ponto de vista

principalmente epistemológico, do ponto de vista cultural, do ponto de vista do

entendimento que se tem sobre a diferença e sobre a deficiência.

Quando se abordam tais aspectos, pensa-se na prática pedagógica em

relação a alunos com necessidades educacionais especiais, sejam elas

relacionadas a um déficit de atenção e hiperatividade, sejam elas relacionadas a

uma dislexia, a uma deficiência mental, a uma deficiência de toda ordem que

imprime nesse aluno um ritmo diferenciado, uma forma diferenciada de lidar com o

saber e que faz com que o professor tenha uma escuta sensível, um olhar

diferenciado, um entendimento sobre a existência de diferentes formas de ensinar e

de aprender, as quais precisam e devem ser acionadas. O aluno tem direito a isso.

Ele tem direito de estar na escola aprendendo, participando e obtendo sucesso e

êxito escolar.

Então, neste momento, é válido ressaltar que a educação especial passa por

um processo de reposicionamento, de ressignificação das suas práticas, da sua

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forma de organização, colocando-se cada vez mais numa perspectiva de

transversalidade. A educação especial hoje é uma modalidade transversal de

ensino, que deve permear todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, desde

a educação infantil até o ensino superior. O que significa isso? Significa que a

educação especial, com o seu corpo de conhecimentos, recursos e estratégias, tem

de ter como perspectiva beneficiar todos os alunos que dela necessitarem no âmbito

do cotidiano escolar.

O momento é de renovação, ainda numa fase de elaboração prévia de um

documento relativo à Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva. V.Exas. podem ter acesso a um texto preliminar que faz parte

de uma página do site do Ministério da Educação, no ícone da Educação Especial,

onde está posta claramente uma concepção de educação especial e o seu papel

enquanto modalidade transversal de ensino.Minha concepção é a de que, no momento em que a educação especial se

organiza no sistema comum de ensino, ela não vai apenas ao encontro do aluno

que tem como foco direto a educação especial nem o beneficia apenas, ela vai

além. Ela tem o foco de atenção nos alunos com deficiência, transtornos globais de

desenvolvimento e altas habilidades de superdotação, contudo, no momento em

que ela impõe ao professor uma revisão da sua prática, um novo encaminhamento

metodológico, uma nova prática avaliativa, naturalmente ela vai ao encontro de

todos esses alunos e até desse professor que, muitas vezes, vinha enfrentando

processos de adoecimento por não conseguir lidar com determinadas situações de

aprendizagem e outras situações em sala de aula, porque seus referenciais de

docência não davam conta delas.A Iane relatou uma história que me fez lembrar outra que, a meu ver, ilustra

perfeitamente o momento em que vivemos. É a história de um menino que repetiu

quatro vezes a primeira série. A professora, todos os dias, punha no quadro o

seguinte: “va,ve,vi,vo,vu; ta,te,ti,to,tu...”, mas ele não conseguia ler. Curiosamente,

após o processo de soletramento, ele levantava o dedinho e perguntava:

“Professora, como se escreve Transamazônica?” E os referencias de docência da

professora não davam conta de entender aquele fenômeno. Ela dizia: “Menino, se

aquiete. Isto são dificuldades ortográficas, e não é agora que tu tens que aprendê-

las, é mais adiante.” E aquilo se repetiu na aula seguinte, com o “va,ve,vi,vo,vu;

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ta,te,ti,to,tu”, e o menino querendo saber como se escrevia paralelepípedo. Então,

não suportando mais aquela situação, a professora aproximou-se dele e perguntou:

“Menino, tu não sabes nem o ‘va,ve,vi,vo,vu’, o que tu queres com essas palavras

tão difíceis?” E ele respondeu: “Professora, a casa onde eu moro é toda forrada de

jornais, e o ‘va,ve,vi,vo,vu’ que tu me ensinas não me está ajudando a ler a minha

casa.” O que isso tem a ver com a temática tratada hoje neste fórum? Na minha

leitura e perspetiva, tem tudo a ver. Aqui não cabe de forma alguma uma intenção

ou sentimento de procurar culpados, ou prejulgamentos, porque eu acho que o

professor, ou o gestor, utiliza as ferramentas de que dispõe, o conhecimento

adquirido na academia e, muitas vezes, referenciais simplistas que não dão conta

da heterogeneidade que envolve os processos de aprendizagem.

Quando se pensa em educação inclusiva, busca-se uma escola acolhedora,

que enxergue e dê conta de toda essa complexidade, uma escola que tem de ir ao

encontro dessa forma diferenciada de lidar com o conhecimento, de um tempo

diferenciado de aprendizagem, de uma forma diferente de processamento.

Onde então se coloca a educação especial? No âmbito organizacional, há na

política uma orientação de que todo aluno, seja ele um aluno com deficiência

mental, sensorial ou física, seja ele um aluno com transtornos globais de

desenvolvimento ou altas habilidades de superdotação, tem de estar primeiro numa

escola comum e regular, participando de um espaço heterogêneo de aprendizagem,

um espaço privilegiado para adquirir conhecimento. Segundo, ele tem de estar lá

não apenas ocupando uma carteira, não apenas nessa “inclusão” — entre aspas —

a que se referiu a Iane, que de inclusão não tem absolutamente nada; ele tem de

estar lá com sentimento de pertencimento, participando, sendo feliz e adquirindo

realmente conhecimentos. Ele tem de ter à sua disposição toda uma sensibilidade.

Só assim ele conseguirá formatar conhecimento e participar das atividades na

escola.

Então, no âmbito organizacional, essa política prevê o atendimento

educacional especializado no turno oposto. O menino não tem que ser retirado da

sala de aula para receber esse atendimento. Antes, utilizava-se esse método, de

retirar o menino para que ele recebesse um atendimento às vezes de saúde, às

vezes de reforço escolar; agora, não queremos que ele seja retirado quando está na

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sala de aula recebendo escolarização. Ele é retirado no turno oposto para receber o

atendimento educacional especializado, quando deverá receber algo diferente da

escolarização e que lhe dará a possibilidade de acessar o currículo.

Fora isso, a educação especial se apresenta como esse corpo de

conhecimentos que deve permear as ações educativas no cotidiano escolar. Se um

aluno com hiperatividade requer uma redução do número de alunos, um trabalho

focalizado no seu déficit de atenção, uma escuta sensível, um encaminhamento e

uma prática metodológica diferenciadas. Acreditamos que a educação especial, com

esse corpo de conhecimento, assumindo o princípio da transversalidade, poderá

operar no interior da escola, em benefício não só desse aluno, mas de toda a

escola.

Investir na formação inicial e continuada dos professores não é importante

apenas porque a formação deve ser constante, perene. Também é preciso repensar

conceitos subjacentes a essa formação. Muitas vezes, o educador entende a

formação como uma coisa pontual e que se dá a priori. Ouvimos muito dizerem que

o professor não está preparado, que a escola não está preparada. Naturalmente,

existe uma preparação a priori, mas o conhecimento se busca o tempo todo. A

continuidade dos processos de formação acontece muitas vezes a partir da

investigação do aluno que está na sala de aula. A política decorre dessa idéia de

que é preciso investir nos processos de formação continuada e também na

formação inicial do professor.

Eu dizia à Profa. Iane Kestelman — acho que ainda vamos conversar muito

— que um material como esta cartilha é fundamental para o professor. Nós

podemos pensar numa interlocução dos professores com os profissionais da saúde,

nos fóruns de discussão, para desenvolvermos ações conjuntas. Este é um

momento propício para pensarmos em todas essas ações. O texto preliminar da

política nacional de educação especial está em pauta e o prazo para sua discussão

foi prorrogado, tendo em vista que existem questões lacunares. No próprio contexto

da formação do professor há uma lacuna. Já estamos até convocando para a

semana que vem outro fórum, com a presença da ANPET, que reúne professores e

pesquisadores na área de educação especial. Não se tem ainda absoluta clareza de

como será a formação em educação especial, não sabemos se ela será

contemplada em todos os cursos de licenciatura nem sabemos como será garantida

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a formação continuada. E ainda há necessidade de explicitar outras questões. Por

exemplo, o que é um centro de atendimento educacional especializado e que apoio

ele pode dar à educação inclusiva? Nesse momento, a interlocução da educação

com a saúde é fundamental. É essa elaboração que vai orientar todo o sistema de

ensino, visando a uma escola acolhedora e que realmente receba todas as pessoas.

Concordo com os colegas de Mesa: a educação inclusiva no Brasil, enquanto

prática pedagógica, ainda está em processo embrionário. Mas, viajando pelo País,

conhecemos experiências bastante exitosas, com alunos portadores de deficiências

graves, deficiências múltiplas. Os sistemas de ensino estão se organizando de

forma a acolher esses alunos e a promover a acessibilidade na escola, para que de

fato a escola seja de todos.

Acho que meu tempo está encerrado. Vou aguardar o momento do debate,

que será muito rico.

Obrigada. (Palmas.)O SR. PRESIDENTE (Deputado Alceni Guerra) - Meus parabéns, Dra.

Ângela, pela sua exposição.Senhoras e senhores, na condição de pediatra, quero dizer que é altíssima

uma prevalência sanitária de saúde de 5%. Eu e o Dr. Eduardo estamos

acostumados a lidar com isso. Até 5%, a prevalência é altíssima. É maior do que a

taxa de evasão escolar no Brasil. O que significa que perdemos mais adultos

absolutamente capacitados por déficit de atenção com hiperatividade do que

perdemos por evasão escolar. Realmente o problema é sério e merece uma

abordagem rápida e eficaz, condizente com a sua urgência.

Fiz questão de trazer o livro do Dr. Horacio Lejarraga, um argentino doutor em

crescimento e desenvolvimento de crianças normais pela Universidade de Londres

que trabalha na Universidade de Buenos Aires. Este seu manual deve tornar-se lei

na Argentina no ano que vem. Nos Estados Unidos, a mesma lei já existe desde

1960, obrigando o sistema de saúde a diagnosticar precocemente todos os

transtornos, todos os déficits psicomotores da criança, para que, com políticas de

prevenção e tratamento, atenue-se o impacto desses déficits na sociedade mundial.

Estou me preparando para apresentar um projeto de lei semelhante no Brasil.

Espero poder incluir nele artigos e parágrafos específicos para TDAH. (Palmas.)Desde já, solicito a colaboração da Profa. Iane Kestelman. Pretendo poder colher

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algum material desse estudo que os senhores fazem para ajudar na elaboração da

lei.

Os senhores serão atendidos no pedido da lei específica, com certeza, e com

a maior brevidade possível. Sei que esse é um grave problema de educação e de

saúde no Brasil.

Um dado que eu desconhecia é que há alta incidência de separação em

casais que têm filhos portadores de TDAH. Eu nunca tinha ouvido um enfoque

dessa natureza. Confesso que tive acesso a informações sobre maior incidência de

adições — adição é uma palavra que não se usa muito no Brasil, mas se usa muito

no mundo e significa vício. Eu já sabia da alta incidência de uso adulto de

psicotrópicos e drogas proibidas pela nossa legislação, causada pelo Transtorno do

Déficit de Atenção com Hiperatividade, mas não tinha ouvido falar em separação de

casais. Vocês realmente têm aprofundado esse estudo. Meus cumprimentos a

todos.

Tem a palavra o Dr. Eduardo Barbosa, para fazer suas indagações aos

expositores.

O SR. DEPUTADO EDUARDO BARBOSA - Sr. Presidente, cumprimento-o

pela iniciativa. Este tema nunca havia sido pautado desta forma na Comissão de

Seguridade Social e Família. E é importante que o seja, porque com certeza haverá

uma discussão mais profunda na Comissão, tendo em vista a iniciativa do Deputado

Alceni Guerra de apresentar uma proposta legislativa nesse sentido. A presença dos

senhores aqui já é o primeiro passo.

Meus cumprimentos aos convidados pela exposição.

Assim como o Deputado Alceni Guerra, eu também sou pediatra. Não só

tivemos a oportunidade de lidar com tal situação em consultório, como também —

médico que fui, por muitos anos, da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

da minha cidade —, presenciamos aquilo que a Sra. Iane relatou: a drástica

expulsão de alunos. Por vezes, é tão complicada a situação que as únicas

instituições que os acolhem não são voltadas a esse tipo de atendimento,

principalmente quando são pessoas pobres, que não têm outros referenciais de

atendimento na saúde e que, expulsas do sistema educacional, não têm alternativa.

Conhecemos muito bem o sofrimento que a senhora mencionou, não só da

pessoa portadora do transtorno, como da família, em especial dos pais. Tive a

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oportunidade de testemunhar casos dramáticos quando eu adotava a prática de

visitar as famílias. Devo dizer que uma coisa é ver uma pessoa com esse problema

no ambiente social ou escolar, onde fica pouco tempo; outra coisa são os pais, que

ficam 24 horas por dia com esse filho. Nessas visitas verificávamos a

desorganização da casa e o comportamento dos pais. Muitas vezes o pai pobre saía

para beber, ia para o boteco, e a mãe agüentava o rojão em casa. Essa mãe não

tem escolha, não tem opção. Há, também, o enfrentamento dos vizinhos, porque é

uma criança que também incomoda os vizinhos. Então, de fato, a criança é rotulada,

o que agrava ainda mais a relação familiar.

Também tive a oportunidade de conhecer casais em que o pai era hiperativo

e perceber como é difícil para a mulher conviver com o marido nessa condição.

A SRA. IANE KESTELMAN - Não trouxemos esses dados porque o espaço

de tempo era curto e achamos que, em face do que os senhores nos propuseram,

não era pertinente trazê-los. Mas temos dados que revelam as dificuldades

conjugais ligadas ao TDAH quando um dos parceiros é portador ou quando os 2 são

— o que às vezes acontece. E, como a carga hereditária também é muito grande,

geralmente os filhos têm TDAH, porque herdaram de um dos pais. Está aí a

dinâmica do caos formada: o pai tem TDAH, o qual passou para o filho. E a

dinâmica é a do caos.O SR. DEPUTADO EDUARDO BARBOSA - O que eu gostaria de focar

nessa introdução que fiz são 2 aspectos. Não sei se o Deputado Alceni concorda

comigo, mas só conheci o Transtorno do Déficit de Atenção, com ou sem

hiperatividade, na prática da profissão, porque a escola também não nos dá essa

formação — pelo menos na minha época não dava. Não sabíamos lidar com esses

pacientes, medicá-los, orientá-los, sequer diagnosticá-los. Eu, pela oportunidade

profissional que tive, lidei com a doença e tive que aprender.

A iniciativa da Associação dos senhores, inclusive, tem caráter educacional

para a maioria dos profissionais médicos. Não falo dos grandes centros, pois nesses

pedimos ajuda aos colegas; falo do interior do Brasil, onde os médicos generalistas

não diagnosticam. Portanto, ficamos com um dilema: o professor não sabe resolver,

busca o profissional da saúde para ajudá-lo, mas ele também não sabe, e o menino

vai para a rua, sem oportunidades, principalmente o menino pobre.

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Dr. Daniel, lidamos aqui com outra problemática seriíssima, qual seja a do

jovem em conflito com a lei. Percebemos que esse estudo também não é feito com

os jovens que vão para a FEBEM, porque não temos uma pesquisa que revele, de

fato, quantos desses jovens infratores apresentam esse quadro de sofrimento.

Alguém foram acolhidos pela rua e ali até valorizados. Aliás, saudavelmente, eles

optaram por aqueles que os acolheram, e a sociedade às vezes inverte esse vetor.

Como eles não são acolhidos por outros ambientes, é lógico que o ambiente da rua

será por eles valorizado, pois lá encontram identidade. Infelizmente, lá encontram a

marginalidade e não voltam à sociedade.

Então, além do processo educacional mencionado, que considero relevante,

se o sistema de saúde é perverso e não consegue fazer esse diagnóstico, até por

falha de formação — temos que admitir isso —, o educador às vezes é o primeiro a

identificar essa característica. Às vezes, a família não sabe identificar, mas se o

educador tiver esse olhar, essa preocupação, talvez possa provocar o sistema.

Sobre o que eu disse à Sra. Denise em relação à proposta de elaboração de

uma política nacional de educação especial, devemos colocar como eixo dessa

política justamente o enfoque da escola, a viabilização desse ambiente escolar. O

foco da política é justamente fazer com que as escolas brasileiras percebam que,

além do papel educador, têm elas a função social de identificar essas diferenças e

criar um ambiente adequado, não só educativo, mas provocador de uma

organização da sociedade, até para o educador denunciar que não pode ficar

isolado ou solitariamente enfrentando questões que demandam a intervenção de

vários profissionais.

Gostaria de aproveitar a presença do Dr. Daniel, pesquisador da

Universidade, para que também pudesse provocar alguém daquele grupo que nos

apresentou — que já está com a pesquisa engatilhada na questão genética, que

acho interessantíssima, pois vai elucidar muitos aspectos da TDAH — e solicitar que

a pesquisa sobre hiperatividade também envolva os jovens em conflito com a lei.

Seria muito importante, inclusive, para que os dados colhidos possam

influenciar os programas de atenção a essas pessoas. É uma sugestão.

Agradeço a presença ao senhor.

Sra. Iane, gostaria que V.Sa. analisasse a possibilidade de nos

correspondermos, porque sou Presidente da Federação Nacional das APAEs e

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temos uma capilaridade de 2 mil instituições, as quais demandam muito da

Federação, em especial as do interior. Podemos, junto com a senhora, ser

desencadeadores de todo esse processo educativo, de elucidação da sociedade,

das famílias que enfrentam a questão.

A SRA. IANE KESTELMAN - Teremos o maior prazer em ajudar e nos

empenharemos ao máximo, porque essa é a nossa paixão. O Deputado falou sobre o interior do País, o qual muito visitamos. Aliás,

conseguimos um vôo que atrasou apenas 2 horas, pois chegamos em Brasília às 2

horas da manhã. Geralmente, pegamos um avião para um determinado lugar e de lá

iniciamos o trajeto da Caravana holliday, como a denominamos, pelo interior,

sacudindo nas vans. Mas essa é a nossa causa, e estamos dispostos a ajudar da

melhor maneira possível.O SR. PRESIDENTE (Deputado Alceni Guerra) - Obrigado, Deputado

Eduardo Barbosa.

Com a palavra o Deputado Henrique Fontana, que é médico, administrador

de empresas e um dos Líderes do Governo nesta Casa.

O SR. DEPUTADO HENRIQUE FONTANA - Bom dia, Sr. Presidente.

Cumprimento o nosso Presidente pela iniciativa de trazer o tema para debate em

nossa Comissão. Se os senhores me permitem uma brincadeira, antes de falar de

forma mais séria, nós Parlamentares enfrentamos um pouco esse problema do

chamado déficit de atenção, em razão dos inúmeros compromissos para os quais

somos chamados durante o dia.

Eu gostaria de ter chegado um pouco mais cedo à reunião; não consegui.

Ainda assim, ouvi parte das exposições.

A reunião de hoje, com a presença dos senhores convidados, Iane, Ângela,

Daniel, Denise e todas as pessoas que estão acompanhando os trabalhos, talvez

seja um dos mais importantes esforços para enfrentarmos o problema do Transtorno

do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Creio que popularizando informações e

tornando conhecida a doença, só assim vamos conseguir criar na sociedade aquilo

que considero fundamental no encaminhamento dos assuntos nesta Casa, a

capacidade de conviver com os diferentes, portanto, o critério da tolerância.

E isso não vale apenas para as questões de saúde, vale inclusive nos

debates de idéias, que é o que tratamos de fazer em uma democracia civilizada.

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Lembro-me de experiências que tive na vida. Hoje, infelizmente, ao me tornar

político, perdi parte do que gostava muito de fazer na vida, na condição de médico

geral comunitário.

Era freqüente convivermos com um paciente e sua família. Por exemplo, há o

suposto diagnóstico escolar — vamos assim chamá-lo — da criança que está

precisando fazer um “eletro”. Chegam para a consulta e logo pedem para fazer um

eletroencefalograma porque a criança é inquieta ou coisa do gênero e que a

professora alega ter dificuldade de aprendizagem. Então, pedem para fazer um

“eletro”.

Na minha época, eu insistia em ouvir a família, para saber como é o dia-a-dia

dos filhos. Mas era uma tarefa árdua convencer a família a não pedir de pronto o

exame de “eletro”. Realmente, é necessário fazermos uma abordagem daquela

situação, para ver o que ocorre na família, o que pode estar acontecendo. Algumas

vezes, quem sabe, pode-se desvendar um diagnóstico mais complexo.

Quanto à referência ao sistema de saúde, devo dizer que cada vez mais deve

haver um vínculo do paciente e de sua família com um determinado grupo de

profissionais — médico, enfermeiros e equipe. Por isso sou apaixonado pelo

Programa Saúde da Família, porque garante esse vínculo. Isso retira do sistema de

saúde a variável da multiplicação dos exames e da não-abordagem, de forma

integral, dos pacientes.

Eu me impressionei muito com a informação do percentual de pessoas que

enfrentam essa dificuldade. Não imaginava que fosse tão freqüente.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Alceni Guerra) - Deputado, enquanto V.Exa.

concedia entrevista, eu me referi a isso dizendo que a prevalência do TDAH é maior

do que a taxa de evasão escolar no Brasil. Perdermos mais adultos absolutamente

incapacitados pelo TDAH do que pela evasão escolar.O SR. DEPUTADO HENRIQUE FONTANA - Exatamente.

Sr. Presidente, gostaria de propor algumas medidas concretas, pois a

caminhada será longa. Depois de me dedicar alguns anos à política, subsidiado pela

formação em saúde, digo que sempre temos de pensar a curto, médio e longo

prazos. Isso nos dá sabedoria para perseverar nos nossos objetivos. Aliás,

cumprimento V.Sa., que nos sensibiliza com a causa que defende.

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Não pude ouvir a Sra. Ângela e o Sr. Daniel, peço desculpas por isso, mas

gostei muito da palestra da Sra. Denise. São 4 pessoas que exercem seu papel na

área de formação e dão o componente de compromisso social com a profissão.

Sugiro aos senhores que nos apresentem iniciativas que estejam ao alcance

do Parlamento. Refiro-me às iniciativas ao nosso alcance porque, às vezes, a

sociedade tem a idéia de que tudo podemos. Encontro amigos que me pedem

alguma coisa e descrevem a circunstância. Procuro dizer que, em relação a

determinado problema, posso contribuir, mas que não pensem que um Deputado

Federal consegue resolver isso ou aquilo isoladamente. Não consegue.

Portanto, os senhores devem nos oferecer uma pauta, a fim de que

possamos analisá-la. Por exemplo, algo evidente para mim é qualificar a formação

dos profissionais de saúde e de educação que atuam no sistema público, para que

possam nos ajudar a fazer o diagnóstico, e, portanto, dar a acolhida necessária e

correta para alunos, pacientes, e assim por diante.

Sr. Presidente, deveríamos solicitar uma audiência com o Ministro da Saúde,

quando for possível, com a participação de Parlamentares e de um grupo de 3 ou 4

representantes, para tentarmos sensibilizar o Ministro no sentido de que verifique,

na estrutura do Ministério da Saúde, o que pode ser feito para resolvermos a

questão. Eu me disponho a auxiliar os senhores nesse sentido.

Cumprimento os senhores e espero que tenham força para continuar a

caminhada. Manifesto o meu compromisso de ajudá-los no que for de meu alcance.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Alceni Guerra) - Obrigado, Deputado

Henrique Fontana.

Indago aos convidados se desejam fazer uso da palavra.

A SRA. IANE KESTELMAN - Gostaria de fazer uma observação final em

relação ao que disse Deputado Henrique Fontana sobre a importância da

capacitação dos professores.A ABDA acredita efetivamente que, por meio da psicoeducação,

combateremos prioritariamente o transtorno.

Sr. Deputado, V.Exa. disse que se deve cumprir etapas em um planejamento.

Diante desse processo, acreditamos que, disseminando informações através dos

professores, dos profissionais de educação, conseguiremos atingir o objetivo final de

oferecer informação à sociedade e aos médicos. No entanto, se o processo não

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começar pelas escolas, ele será interrompido. A grande questão está na área de

Educação: evasão escolar e as suas conseqüências sociais.

Agradeço a todos os portadores a presença. Vamos nos empenhar no

sentido de atender prontamente as demandas apresentadas por vocês. Essa será a

nossa prioridade.

Deixo um abraço para todos. Temos cartilhas e alguns livros sobre TDAH

para vocês.

Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Alceni Guerra) - A Comissão vai reproduzir a

exposição de todos os convidados, que será distribuída aos Secretários de

Educação do Brasil, para que eles distribuam para as Secretarias Municipais de

Educação.

Nada mais havendo a tratar, encerro a presente reunião, antes convocando

reunião ordinária na próxima quarta-feira, dia 31, às 9h30min, neste plenário, para

discutirmos os itens constantes da pauta.

Está encerrada a reunião.

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