DEPARTAMENTO DE DIREITO - Universidade Autónoma...Ao Subcomissário Nuno Ferreira do Comando...
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DEPARTAMENTO DE DIREITO
MESTRADO EM DIREITO
Especialidade em Ciecircncias Juriacutedico-Criminais
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL
EM PORTUGAL ATEacute 2012
Mestrando Leonel Madaiacutel dos Santos
Orientador Juiz Desembargador Carlos Alberto Gameiro Campos Lobo
Lisboa ndash Novembro 2013
1
Dedico este estudo agrave minha esposa Lurdes e agrave minha filha
Beatriz pelo esforccedilo compreensatildeo e paciecircncia que sempre
demonstraram ao longo desta minha vida acadeacutemica
Aos meus pais pelo apoio prestado no momento certo
o qual me catapultou para o ensino superior
Agrave minha irmatilde Ceacuteu Madaiacutel
pela ajuda crucial nas traduccedilotildees
Aos meus colegas e chefe de serviccedilo os quais muitas
vezes ficaram sobrecarregados de trabalho em
prol de meu projeto pessoal nunca demonstrando
qualquer mau estar pelo sucedido
Sem estes magniacuteficos seres humanos nunca teria alcanccedilado
este patamar por muito que me esforccedilar-se
Obrigado a todos
Um bem haja
2
AGRADECIMENTOS
Para realizar este trabalho contei com o apoio de diversas entidades oficiais e
pessoas individuais das quais destaco o meu orientador Juiz Desembargador Carlos
Alberto Gameiro Campos Lobo o qual aceitou este desafio desde o primeiro momento e
me acompanhou ao longo da elaboraccedilatildeo de todo este trabalho com muita paciecircncia e
sapiecircncia
Ao Professor Doutor Fernando Silva ao Professor Doutor Maacuterio Ferreira Monte e
ao Mestre Carlos Casimiro (Procurador do Ministeacuterio Puacuteblico) os quais mesmo natildeo sendo
os orientadores desta dissertaccedilatildeo sempre se mostraram disponiacuteveis para indicar
bibliografia para consulta
Ao Subcomissaacuterio Nuno Ferreira do Comando Metropolitano de Lisboa da Poliacutecia
de Seguranccedila Puacuteblica agrave Dra Alexandra Ribeiro Psicoacuteloga em estaacutegio na PSP e agrave Dra
Soacutenia Sousa Pereira Jurista da Comissatildeo Nacional de Proteccedilatildeo de Dados pela
disponibilizaccedilatildeo de material bibliograacutefico
Agradeccedilo ainda agrave Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila concretamente agrave Divisatildeo dos
Julgados de Paz e da Mediaccedilatildeo ndash Gabinete para a Resoluccedilatildeo de Litiacutegios o qual colocou agrave
minha disposiccedilatildeo toda a informaccedilatildeo solicitada
Agrave biblioteca da Universidade Autoacutenoma de Lisboa a qual me permitiu o acesso agrave
informaccedilatildeo que possui sobre o tema em questatildeo
3
RESUMO
O trabalho realizado e aqui apresentado visa explorar um dos meios de Resoluccedilatildeo
Alternativa de Litiacutegios em mateacuteria penal - a Mediaccedilatildeo Penal
Exploraacutemos o conceito que define o estatuto do mediador penal e a sua posiccedilatildeo
face agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica a admissibilidade na utilizaccedilatildeo do termo ldquopartesrdquo em
Mediaccedilatildeo Penal o caraacutecter voluntaacuterio e confidencial das sessotildees de mediaccedilatildeo e as
consequecircncias do cumprimento e incumprimento do acordo firmado
Neste estudo analisaacutemos a Lei vigente de forma criacutetica e apontamos lacunas que
deveratildeo ser discutidas pelo poder legislativo de forma a tornar a Mediaccedilatildeo Penal numa
alternativa eficaz ao sistema tradicional sem que este se demita da sua funccedilatildeo
Propusemo-nos ainda a efetuar uma viagem histoacuterica percorrendo a evoluccedilatildeo da
mediaccedilatildeo Penal em Portugal desde o surgimento passando pelos vaacuterios avanccedilos e recuos
e pelas visotildees das vaacuterias instituiccedilotildees envolvidas na aplicaccedilatildeo da Justiccedila Penal ateacute ao ano
de 2012
Recorremos a dados estatiacutesticos fornecidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da
Justiccedila de forma a apresentar um panorama do recurso agrave Mediaccedilatildeo Penal entre 2008 e
2012 em Portugal Atraveacutes destes nuacutemeros chegamos agrave conclusatildeo da taxa de sucesso e de
insucesso desta ferramenta juriacutedica e aos crimes de maior incidecircncia
Entendemos que a Mediaccedilatildeo Penal poderaacute ser uma excelente alternativa aos
Tribunais para resolver contendas em pequenos crimes nos quais ofensor e ofendido
estejam dispostos a sentarem-se agrave mesma mesa a discutir o problema sempre mediados por
uma figura imparcial e idoacutenea e em que a verdade a honestidade e o arrependimento
sejam valores que alicerccedilam todo o processo
Palavras-Chave Mediaccedilatildeo Penal Justiccedila Restaurativa Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
Direito
4
ABSTRACT
The elaboration of this work pretends to explore the sources to the alternative
dispute resolution in criminal matters -The Penal Mediation
We explore the concept to define the status to penal mediator and his public
administration position the admissibility use to ldquopiecesrdquo term in Penal Mediation the
volunteer and confidential character of mediation sessions and the accomplishment and
failure of the signed agreement consequences
In this study we examined in a critical way the governing law and we denounce
fails to be discussed by legislative power This way we pretend to make the Penal
Mediation as a serious alternative to the traditional system without it ever resign from
their function
We propose to ourselves to make an historical retrospective through the Portuguese
Penal Mediation evolution since his emergence through the various advances and retreats
and through the vary institutions visions involves in the Penal Justice application since
2012
We use the statistics provided by the ldquoDireccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedilardquo
pretending to show a retrospective of Penal Mediation use between 2008 and 2012 in
Portugal Through this numbers we elaborate the conclusion of the success rate and failure
of this legal tool and the higher incidence of crimes
We conclude that the Penal Mediation can be an excellent alternative to courts to
solve disputes in small crimes in which the offender and offended are willing to sit at the
same table to discuss the problem always mediated by an impartial and suitable figure and
where truth honesty and repentance are values that underpin the entire process
Keywords Criminal Mediation Restorative Justice Alternative Dispute Resolution law
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INDICE GERAL
LISTA DE ABREVIATURAS helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 7
INTRODUCcedilAtildeOhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 8
CAPIacuteTULO I ndash JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL helliphelliphellip 10
11 ndash Justiccedila Restaurativa e Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 10
12 ndash Partes em Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 17
13 - O Mediador helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 20
14 - O Acordo helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 25
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphellip 33
CAPIacuteTULO II ndash ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO helliphellip 36
CAPIacuteTULO III ndash ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL hellip 48
CONCLUSAtildeOhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 53
BIBLIOGRAFIAhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 55
ANEXOShelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 58
Lei nordm 212007 de 12 de junho helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 59
Portaria nordm 68-A de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 64
Portaria nordm 68-B de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 67
Portaria nordm 68-C de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 71
6
LISTA DE ABREVIATURAS
APAV ndash Associaccedilatildeo Portuguesa de Apoio agrave Viacutetima
CC ndash Coacutedigo Civil
CP ndash Coacutedigo Penal
CPP ndash Coacutedigo de Processo Penal
CRP ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
CSM ndash Conselho Superior de Magistratura
CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil
DL ndash Decreto-Lei
DR ndash Diaacuterio da Repuacuteblica
GRAL ndash Gabinete de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico
OA ndash Ordem dos Advogados
PJ ndash Poliacutecia Judiciaacuteria
PSP ndash Poliacutecia de Seguranccedila Puacuteblica
SMMP ndash Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico
SMP ndash Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
RAL ndash Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
7
INTRODUCcedilAtildeO
Diariamente os Oacutergatildeos de Poliacutecia Criminal (OPC) e os Tribunais satildeo ldquoinundadosrdquo
de denuacutencias sobre alegados crimes que ocorreram Na sua maioria estas denuacutencias natildeo
passam disso mesmo de meras denuacutencias e rdquo morremrdquo no Ministeacuterio Puacuteblico (MP) dado
que natildeo satildeo respeitados os tracircmites para o processo seguir o seu normal percurso dando
origem ao seu inevitaacutevel arquivamento
O cidadatildeo em determinados casos sente que a mera denuacutencia aos OPCrsquos ou a sua
presenccedila eacute suficiente para se precaver de incidentes futuros eou para fazer cessar a
ameaccedila
Em meios rurais o facto de algueacutem ser chamado ao posto policial para prestar
declaraccedilotildees ou a presenccedila da autoridade policial na sua residecircncia por exemplo para
efeitos de notificaccedilatildeo eacute bastante constrangedor e cumpre uma missatildeo de prevenccedilatildeo
passiva da pequena criminalidade
Na pequena criminalidade grande parte das viacutetimas natildeo apresenta denuacutencia ou
demonstra uma intenccedilatildeo inicial de prosseguir com o processo para os tribunais mas nunca
se constitui assistente ou simplesmente desiste da denuacutencia
Baseando-me numa simples perceccedilatildeo pessoal julgo que o fator econoacutemico eacute
bastante desmotivador assim como o fator temporal ou seja o tempo que o processo
demora ateacute ser proferida uma decisatildeo Para que o fator dissuasor seja eficaz eacute necessaacuterio
que entre a praacutetica do facto e a sua puniccedilatildeo decorra um tempo aceitaacutevel o que natildeo estaacute a
acontecer
Eacute necessaacuterio tambeacutem que economicamente o cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes
natildeo tenha custos superiores ao por si espectaacutevel O facto de se ter de deslocar inuacutemeras
vezes aos OPCrsquos ao seu advogado e aos tribunais acarreta custos monetaacuterios e temporais
que poderatildeo natildeo compensar relativamente agraves vantagens que teraacute se simplesmente
ldquoesquecerrdquo o sucedido
8
A tiacutetulo de exemplo poderemos falar em furto simples injuacuterias difamaccedilatildeo etc
Neste tipo de crimes a viacutetima pretenderaacute que o ldquodelinquenterdquo seja punido mesmo que com
uma mera advertecircncia ou um pedido de desculpas mas sempre num curto espaccedilo de
tempo Se o espaccedilo temporal decorrido for grande a viacutetima tenderaacute a esquecer o assunto e
desistir do processo Natildeo adiantaraacute o infrator pedir desculpas agrave viacutetima por palavras
indevidamente proferidas 3 anos depois de a accedilatildeo ter decorrido e apoacutes ter obrigado a
viacutetima a inuacutemeras deslocaccedilotildees aos oacutergatildeos competentes e aos custos daiacute decorrentes
Os tribunais tecircm um avolumar de processos com pequenos delitos os quais tornam
a Justiccedila morosa acarretando custos elevadiacutessimos para o Estado Com o aliviar deste
volume de processos eacute possiacutevel que os tribunais se tornem mais ceacuteleres para os processos
de crimes mais relevantes dignificando a imagem da Justiccedila
Assim pretendemos com este trabalho de investigaccedilatildeo analisar a mediaccedilatildeo em
Processo Penal como alternativa ao cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes e dissecar a Lei
vigente a fim de apurar se eacute suficientemente motivadora e eficaz para se recorrer a este tipo
de procedimento em alternativa aos Tribunais ditos tradicionais garantindo sempre a
defesa do arguido e da Justiccedila e afianccedilando a eficaacutecia do Coacutedigo Penal
9
CAPIacuteTULO I
JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL
11 ndash Justiccedila restaurativa e mediaccedilatildeo penal
Para podermos perscrutar acerca da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal em Portugal e o
seu preacutestimo para a justiccedila teremos de a enquadrar num outro conceito ndash o de justiccedila
restaurativa e distinguir esta da justiccedila retributiva
De referir que o conceito de justiccedila restaurativa eacute mais restrito do que o conceito de
mediaccedilatildeo dado que se confina agrave aacuterea criminal enquanto que a mediaccedilatildeo se aplica a uma
panoacuteplia de aacutereas de vaacuterios ramos do Direito1 Assim balizamos tambeacutem o conceito de
mediaccedilatildeo apenas para analisarmos o prisma da mediaccedilatildeo na aacuterea penal
ldquoTem sido algumas vezes referido que a mediaccedilatildeo eacute um conceito
europeu enquanto a justiccedila restaurativa eacute um conceito anglo-
americanordquo2
Pretende-se que a justiccedila restaurativa seja assente num modelo de justiccedila informal
que apela agrave colaboraccedilatildeo e agrave reintegraccedilatildeo em alternativa agrave coerccedilatildeo
Por oposiccedilatildeo agrave justiccedila retributiva com a justiccedila restaurativa pretende-se
restabelecer a paz social de forma ceacutelere permitindo a todos os cidadatildeos uma participaccedilatildeo
ativa na administraccedilatildeo da justiccedila
1 David Miers manifesta uma visatildeo mais abrangente sobre este conceito ldquoO conceito de justiccedila restaurativa eacute
mais restrito do que o conceito de mediaccedilatildeo uma vez que se confina agrave aacuterea criminal Mas eacute mais amplo pelo
facto de contemplar uma variedade de possiacuteveis respostas por parte do infractor que nada tecircm que ver com
mediaccedilatildeo como sejam a indemnizaccedilatildeo determinada pelo tribunal ou a prestaccedilatildeo de trabalho tendente agrave
reparaccedilatildeo quer como medida de diversatildeo quer como parte de um acordo integrado na sentenccedila com uma
entidade estatal O conceito de mediaccedilatildeo eacute mais amplo do que o de justiccedila restaurativa uma vez que abrange
conflitos em contextos natildeo criminais Eacute no entanto mais restrito porquanto em contexto criminal se centra
apenas nas relaccedilotildees estabelecidas entre viacutetima e infractor em sede de mediaccedilatildeo Mesmo aqui pode ser ainda
mais restrito caso abranja apenas a mediaccedilatildeo directa e natildeo a indirectardquo in APAV ndash Projecto Dikecirc [Em
linha] Lisboa 2003 [Consult 06 ago 2013] Disponiacutevel em wwwapavpt p 52 2 MIERS op cit p 52
10
A esquematizaccedilatildeo da diferenccedila entre a justiccedila retributiva e a justiccedila restaurativa foi
desenvolvida entre outros por Howard Zehr (1990) a qual aqui reproduzimos
Justiccedila Retributiva Justiccedila Restaurativa O crime eacute definido como violaccedilatildeo ao Estado O crime eacute definido como a violaccedilatildeo de uma pessoa por
outra
Foca-se no estabelecimento da culpa e no passado Foca-se na resoluccedilatildeo do problema nas responsabilidades
nas obrigaccedilotildees e no futuro
Relaccedilatildeo adversarial e processo normativo Diaacutelogo e negociaccedilatildeo normativa
Imposiccedilatildeo da dor para punir e dissuadirprevenir Restituiccedilatildeo como um meio de restauraccedilatildeo para ambas as
partes objetivo de reconciliarrestaurar
Justiccedila definida pelo propoacutesito e pelo processo regras de
direito
Justiccedila definida como relacionamento correto julgada
pelo resultado
A natureza interpessoal e conflitual do crime obscurecida
reprimida conflito opotildee individuo e Estado
Crime reconhecido como um conflito interpessoal valor
do conflito eacute reconhecido
Um prejuiacutezo social eacute substituiacutedo por outro Focaliza a reparaccedilatildeo do prejuiacutezo social
Comunidade eacute deixada agrave margem sendo representada
abstratamente pelo Estado
Comunidade eacute facilitadora no processo restaurador
Encorajamento aos valores competitivos e individualistas Encorajamento a valores de reciprocidade
Accedilotildees direcionadas do Estado para o ofensor - viacutetima
ignorada - ofensor passivo
Reconhecimento da participaccedilatildeo da viacutetima e do ofensor no
problemasoluccedilatildeo ndash direitosdeveres da viacutetima
reconhecidos ndash ofensor encorajado a assumir a
responsabilidade
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida como o
cumprimento da puniccedilatildeo
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida no entendimento
do impacto da sua accedilatildeo e na ajuda para determinar a
melhor maneira de consertar seus erros
O crime eacute definido puramente em termos legais
desprovido de aspetos morais sociais econoacutemicos ou
poliacuteticos
O crime eacute entendido como parte de um contexto-moral
econoacutemico e poliacutetico
Estado e sociedade em abstrato como credores da ldquodiacutevidardquo Viacutetima particular como credora da ldquodiacutevidardquo
Reaccedilatildeo baseada no comportamento passado do ofensor Reaccedilatildeo baseada nas consequecircncias prejudiciais do
comportamento do ofensor
Estigma de crime irremoviacutevel Estigma de resoluccedilatildeo do crime por meio de accedilotildees
restaurativas
Natildeo se encoraja o perdatildeo e o arrependimento Possibilidade para o perdatildeo e arrependimento
Participaccedilatildeo dependente de procuradores profissionais Envolvimento direto dos participantes
Fonte Howard Zehr (1985)3
A justiccedila restaurativa baseia-se em valores de respeito entre ldquopartesrdquo procura
estimular a participaccedilatildeo ativa de ambas no processo e da descentralizaccedilatildeo na
administraccedilatildeo da justiccedila penal O saber manter-se em silecircncio e escutar o outro eacute uma
demonstraccedilatildeo de respeito por este A proacutepria definiccedilatildeo do termo diaacutelogo - ldquoDiscussatildeo ou
negociaccedilatildeo entre duas ou mais partes geralmente com vista a um acordo4rdquo - define o
objetivo da mediaccedilatildeo sempre com vista a um entendimento entre as partes atraveacutes do uso
da palavra de amenas discussotildees e trocas de argumentos O termo diaacutelogo ldquovem do grego
diaacutelogos διά = atraveacutes e λογόι = palavra conhecimento pelo latim dialogus5rdquo
3 ARCOS ndash Estudos de Arbitragem Mediaccedilatildeo e Negociaccedilatildeo Vol 4 [Em linha] Brasil 2012 [consult 12 de
dez 2012] Disponiacutevel em httpwwwarcosorgbr 4 PRIBERAM [Em linha] Lisboa 2012 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwpriberampt
5 WIKIPEacuteDIA [Em linha] Lisboa 2013 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpptwikipediaorg
11
Na justiccedila retributiva o arguido e a viacutetima satildeo muitas vezes colocados agrave margem
do processo ficando o discurso delegado nos seus advogados tornando-o impessoal Ao
serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diaacutelogo o discurso torna-se pessoal levando
a que estes iniciem um processo de empenhamento na resoluccedilatildeo do mesmo A viacutetima teraacute
oportunidade de expor os seus sentimentos os seus medos e as suas necessidades o que a
iraacute fortalecer ao niacutevel emocional sentindo que algueacutem se interessa pelos seus sentimentos
e emoccedilotildees Estas satildeo reconhecidas consideradas e algueacutem lhes oferece uma possibilidade
de soluccedilatildeo do problema que apresentam Por seu lado o arguido teraacute tambeacutem a
oportunidade de expor as razotildees e as motivaccedilotildees que o levaram a praticar aquele ato iliacutecito
Atraveacutes do uso da palavra teraacute oportunidade de assumir a responsabilidade pelas suas
accedilotildees e de se justificar eou redimir perante a viacutetima e perante a sociedade
O facto de tanto a viacutetima como o arguido terem a oportunidade de falar e serem
escutados poderaacute ser suficiente para que deste diaacutelogo se extraia um ldquoacordordquo que
coloque termo ao processo Por vezes a viacutetima fica satisfeita com uma assunccedilatildeo de
responsabilidade e um pedido de desculpas por parte do arguido o que se poderaacute obter
apenas atraveacutes do diaacutelogo entre ambos A mediaccedilatildeo assume particular relevacircncia nos casos
em que se verifica algum tipo de dano psicoloacutegico ou moral As viacutetimas sentem-se
verdadeiramente compensadas ao serem capazes de se expressar num ambiente sereno ao
sentirem a diferenccedila de comportamento do agressor e ao ouvi-lo assumir e verbalizar o seu
erro e o seu compromisso para o futuro
Devemos primar pela aplicaccedilatildeo de medidas natildeo privativas da liberdade e aceites
pela sociedade e pelas partes como sendo suficientes para a sanaccedilatildeo do problema e pela
reposiccedilatildeo da paz social Montesquieu jaacute apregoava que ldquo Toda a pena que natildeo deriva de
absoluta necessidade eacute tiracircnicardquo6 e Cesare Beccaria defendia que o fim das penas ldquonatildeo eacute
outro senatildeo o de impedir o reacuteu de fazer novos danos aos seus concidadatildeos e de dissuadir
os outros de fazer o mesmo Devem assim escolher-se as penas e o meacutetodo de infligi-las
de tal maneira que observadas as devidas proporccedilotildees se produziraacute um efeito mais eficaz
e mais duradouro sobre o espiacuterito dos homens e menos torturante sobre o corpo do
reacuteurdquo7
6 BECCARIA Cesare ndash Dos delitos e das penas 3ordf Ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian ndash 2009 p 64
7 Ibidem p85
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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em Portugal Lisboa ISCTE-IUL 2009 53 f Dissertaccedilatildeo de mestrado em sociologia
Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal Oficial das Comunidades
Europeias Nordm L 821 (22-03-01)
FERREIRA Francisco Amado ndash Justiccedila Restaurativa Natureza Finalidades e
Instrumentos Coimbra Coimbra Editora - 2006
Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3798-3801
Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4267-4274
LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de
Justiccedila Coimbra Coimbra Editora - 2008 ISBN 978-972-32-1606-6
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- 2010 ISBN 978-972-40-4341-8
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O papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penal Revista do
Ministeacuterio Puacuteblico Nordm 112 Out-Dez 2007
Portaria nordm 68-A2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(2) - 634-
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(5)
Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(5) - 634-
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PRIBERAM ndash Dicionaacuterio online [Em linha] Lisboa 2012 [Consult 14 ago 2013]
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SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo
setembro - 2000
SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 1ordf ed Lisboa Verbo 1997
ISBN 972-22-1828-X
SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo 2001
VARGAS Luacutecia Dias ndash Julgados de Paz e Mediaccedilatildeo Uma nova face da justiccedila
Coimbra Almedina 2006 ISBN 972-40-2891-7
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57
ANEXOS
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LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
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PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
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PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
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PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
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Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
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DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
1
Dedico este estudo agrave minha esposa Lurdes e agrave minha filha
Beatriz pelo esforccedilo compreensatildeo e paciecircncia que sempre
demonstraram ao longo desta minha vida acadeacutemica
Aos meus pais pelo apoio prestado no momento certo
o qual me catapultou para o ensino superior
Agrave minha irmatilde Ceacuteu Madaiacutel
pela ajuda crucial nas traduccedilotildees
Aos meus colegas e chefe de serviccedilo os quais muitas
vezes ficaram sobrecarregados de trabalho em
prol de meu projeto pessoal nunca demonstrando
qualquer mau estar pelo sucedido
Sem estes magniacuteficos seres humanos nunca teria alcanccedilado
este patamar por muito que me esforccedilar-se
Obrigado a todos
Um bem haja
2
AGRADECIMENTOS
Para realizar este trabalho contei com o apoio de diversas entidades oficiais e
pessoas individuais das quais destaco o meu orientador Juiz Desembargador Carlos
Alberto Gameiro Campos Lobo o qual aceitou este desafio desde o primeiro momento e
me acompanhou ao longo da elaboraccedilatildeo de todo este trabalho com muita paciecircncia e
sapiecircncia
Ao Professor Doutor Fernando Silva ao Professor Doutor Maacuterio Ferreira Monte e
ao Mestre Carlos Casimiro (Procurador do Ministeacuterio Puacuteblico) os quais mesmo natildeo sendo
os orientadores desta dissertaccedilatildeo sempre se mostraram disponiacuteveis para indicar
bibliografia para consulta
Ao Subcomissaacuterio Nuno Ferreira do Comando Metropolitano de Lisboa da Poliacutecia
de Seguranccedila Puacuteblica agrave Dra Alexandra Ribeiro Psicoacuteloga em estaacutegio na PSP e agrave Dra
Soacutenia Sousa Pereira Jurista da Comissatildeo Nacional de Proteccedilatildeo de Dados pela
disponibilizaccedilatildeo de material bibliograacutefico
Agradeccedilo ainda agrave Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila concretamente agrave Divisatildeo dos
Julgados de Paz e da Mediaccedilatildeo ndash Gabinete para a Resoluccedilatildeo de Litiacutegios o qual colocou agrave
minha disposiccedilatildeo toda a informaccedilatildeo solicitada
Agrave biblioteca da Universidade Autoacutenoma de Lisboa a qual me permitiu o acesso agrave
informaccedilatildeo que possui sobre o tema em questatildeo
3
RESUMO
O trabalho realizado e aqui apresentado visa explorar um dos meios de Resoluccedilatildeo
Alternativa de Litiacutegios em mateacuteria penal - a Mediaccedilatildeo Penal
Exploraacutemos o conceito que define o estatuto do mediador penal e a sua posiccedilatildeo
face agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica a admissibilidade na utilizaccedilatildeo do termo ldquopartesrdquo em
Mediaccedilatildeo Penal o caraacutecter voluntaacuterio e confidencial das sessotildees de mediaccedilatildeo e as
consequecircncias do cumprimento e incumprimento do acordo firmado
Neste estudo analisaacutemos a Lei vigente de forma criacutetica e apontamos lacunas que
deveratildeo ser discutidas pelo poder legislativo de forma a tornar a Mediaccedilatildeo Penal numa
alternativa eficaz ao sistema tradicional sem que este se demita da sua funccedilatildeo
Propusemo-nos ainda a efetuar uma viagem histoacuterica percorrendo a evoluccedilatildeo da
mediaccedilatildeo Penal em Portugal desde o surgimento passando pelos vaacuterios avanccedilos e recuos
e pelas visotildees das vaacuterias instituiccedilotildees envolvidas na aplicaccedilatildeo da Justiccedila Penal ateacute ao ano
de 2012
Recorremos a dados estatiacutesticos fornecidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da
Justiccedila de forma a apresentar um panorama do recurso agrave Mediaccedilatildeo Penal entre 2008 e
2012 em Portugal Atraveacutes destes nuacutemeros chegamos agrave conclusatildeo da taxa de sucesso e de
insucesso desta ferramenta juriacutedica e aos crimes de maior incidecircncia
Entendemos que a Mediaccedilatildeo Penal poderaacute ser uma excelente alternativa aos
Tribunais para resolver contendas em pequenos crimes nos quais ofensor e ofendido
estejam dispostos a sentarem-se agrave mesma mesa a discutir o problema sempre mediados por
uma figura imparcial e idoacutenea e em que a verdade a honestidade e o arrependimento
sejam valores que alicerccedilam todo o processo
Palavras-Chave Mediaccedilatildeo Penal Justiccedila Restaurativa Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
Direito
4
ABSTRACT
The elaboration of this work pretends to explore the sources to the alternative
dispute resolution in criminal matters -The Penal Mediation
We explore the concept to define the status to penal mediator and his public
administration position the admissibility use to ldquopiecesrdquo term in Penal Mediation the
volunteer and confidential character of mediation sessions and the accomplishment and
failure of the signed agreement consequences
In this study we examined in a critical way the governing law and we denounce
fails to be discussed by legislative power This way we pretend to make the Penal
Mediation as a serious alternative to the traditional system without it ever resign from
their function
We propose to ourselves to make an historical retrospective through the Portuguese
Penal Mediation evolution since his emergence through the various advances and retreats
and through the vary institutions visions involves in the Penal Justice application since
2012
We use the statistics provided by the ldquoDireccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedilardquo
pretending to show a retrospective of Penal Mediation use between 2008 and 2012 in
Portugal Through this numbers we elaborate the conclusion of the success rate and failure
of this legal tool and the higher incidence of crimes
We conclude that the Penal Mediation can be an excellent alternative to courts to
solve disputes in small crimes in which the offender and offended are willing to sit at the
same table to discuss the problem always mediated by an impartial and suitable figure and
where truth honesty and repentance are values that underpin the entire process
Keywords Criminal Mediation Restorative Justice Alternative Dispute Resolution law
5
INDICE GERAL
LISTA DE ABREVIATURAS helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 7
INTRODUCcedilAtildeOhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 8
CAPIacuteTULO I ndash JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL helliphelliphellip 10
11 ndash Justiccedila Restaurativa e Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 10
12 ndash Partes em Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 17
13 - O Mediador helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 20
14 - O Acordo helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 25
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphellip 33
CAPIacuteTULO II ndash ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO helliphellip 36
CAPIacuteTULO III ndash ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL hellip 48
CONCLUSAtildeOhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 53
BIBLIOGRAFIAhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 55
ANEXOShelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 58
Lei nordm 212007 de 12 de junho helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 59
Portaria nordm 68-A de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 64
Portaria nordm 68-B de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 67
Portaria nordm 68-C de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 71
6
LISTA DE ABREVIATURAS
APAV ndash Associaccedilatildeo Portuguesa de Apoio agrave Viacutetima
CC ndash Coacutedigo Civil
CP ndash Coacutedigo Penal
CPP ndash Coacutedigo de Processo Penal
CRP ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
CSM ndash Conselho Superior de Magistratura
CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil
DL ndash Decreto-Lei
DR ndash Diaacuterio da Repuacuteblica
GRAL ndash Gabinete de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico
OA ndash Ordem dos Advogados
PJ ndash Poliacutecia Judiciaacuteria
PSP ndash Poliacutecia de Seguranccedila Puacuteblica
SMMP ndash Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico
SMP ndash Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
RAL ndash Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
7
INTRODUCcedilAtildeO
Diariamente os Oacutergatildeos de Poliacutecia Criminal (OPC) e os Tribunais satildeo ldquoinundadosrdquo
de denuacutencias sobre alegados crimes que ocorreram Na sua maioria estas denuacutencias natildeo
passam disso mesmo de meras denuacutencias e rdquo morremrdquo no Ministeacuterio Puacuteblico (MP) dado
que natildeo satildeo respeitados os tracircmites para o processo seguir o seu normal percurso dando
origem ao seu inevitaacutevel arquivamento
O cidadatildeo em determinados casos sente que a mera denuacutencia aos OPCrsquos ou a sua
presenccedila eacute suficiente para se precaver de incidentes futuros eou para fazer cessar a
ameaccedila
Em meios rurais o facto de algueacutem ser chamado ao posto policial para prestar
declaraccedilotildees ou a presenccedila da autoridade policial na sua residecircncia por exemplo para
efeitos de notificaccedilatildeo eacute bastante constrangedor e cumpre uma missatildeo de prevenccedilatildeo
passiva da pequena criminalidade
Na pequena criminalidade grande parte das viacutetimas natildeo apresenta denuacutencia ou
demonstra uma intenccedilatildeo inicial de prosseguir com o processo para os tribunais mas nunca
se constitui assistente ou simplesmente desiste da denuacutencia
Baseando-me numa simples perceccedilatildeo pessoal julgo que o fator econoacutemico eacute
bastante desmotivador assim como o fator temporal ou seja o tempo que o processo
demora ateacute ser proferida uma decisatildeo Para que o fator dissuasor seja eficaz eacute necessaacuterio
que entre a praacutetica do facto e a sua puniccedilatildeo decorra um tempo aceitaacutevel o que natildeo estaacute a
acontecer
Eacute necessaacuterio tambeacutem que economicamente o cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes
natildeo tenha custos superiores ao por si espectaacutevel O facto de se ter de deslocar inuacutemeras
vezes aos OPCrsquos ao seu advogado e aos tribunais acarreta custos monetaacuterios e temporais
que poderatildeo natildeo compensar relativamente agraves vantagens que teraacute se simplesmente
ldquoesquecerrdquo o sucedido
8
A tiacutetulo de exemplo poderemos falar em furto simples injuacuterias difamaccedilatildeo etc
Neste tipo de crimes a viacutetima pretenderaacute que o ldquodelinquenterdquo seja punido mesmo que com
uma mera advertecircncia ou um pedido de desculpas mas sempre num curto espaccedilo de
tempo Se o espaccedilo temporal decorrido for grande a viacutetima tenderaacute a esquecer o assunto e
desistir do processo Natildeo adiantaraacute o infrator pedir desculpas agrave viacutetima por palavras
indevidamente proferidas 3 anos depois de a accedilatildeo ter decorrido e apoacutes ter obrigado a
viacutetima a inuacutemeras deslocaccedilotildees aos oacutergatildeos competentes e aos custos daiacute decorrentes
Os tribunais tecircm um avolumar de processos com pequenos delitos os quais tornam
a Justiccedila morosa acarretando custos elevadiacutessimos para o Estado Com o aliviar deste
volume de processos eacute possiacutevel que os tribunais se tornem mais ceacuteleres para os processos
de crimes mais relevantes dignificando a imagem da Justiccedila
Assim pretendemos com este trabalho de investigaccedilatildeo analisar a mediaccedilatildeo em
Processo Penal como alternativa ao cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes e dissecar a Lei
vigente a fim de apurar se eacute suficientemente motivadora e eficaz para se recorrer a este tipo
de procedimento em alternativa aos Tribunais ditos tradicionais garantindo sempre a
defesa do arguido e da Justiccedila e afianccedilando a eficaacutecia do Coacutedigo Penal
9
CAPIacuteTULO I
JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL
11 ndash Justiccedila restaurativa e mediaccedilatildeo penal
Para podermos perscrutar acerca da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal em Portugal e o
seu preacutestimo para a justiccedila teremos de a enquadrar num outro conceito ndash o de justiccedila
restaurativa e distinguir esta da justiccedila retributiva
De referir que o conceito de justiccedila restaurativa eacute mais restrito do que o conceito de
mediaccedilatildeo dado que se confina agrave aacuterea criminal enquanto que a mediaccedilatildeo se aplica a uma
panoacuteplia de aacutereas de vaacuterios ramos do Direito1 Assim balizamos tambeacutem o conceito de
mediaccedilatildeo apenas para analisarmos o prisma da mediaccedilatildeo na aacuterea penal
ldquoTem sido algumas vezes referido que a mediaccedilatildeo eacute um conceito
europeu enquanto a justiccedila restaurativa eacute um conceito anglo-
americanordquo2
Pretende-se que a justiccedila restaurativa seja assente num modelo de justiccedila informal
que apela agrave colaboraccedilatildeo e agrave reintegraccedilatildeo em alternativa agrave coerccedilatildeo
Por oposiccedilatildeo agrave justiccedila retributiva com a justiccedila restaurativa pretende-se
restabelecer a paz social de forma ceacutelere permitindo a todos os cidadatildeos uma participaccedilatildeo
ativa na administraccedilatildeo da justiccedila
1 David Miers manifesta uma visatildeo mais abrangente sobre este conceito ldquoO conceito de justiccedila restaurativa eacute
mais restrito do que o conceito de mediaccedilatildeo uma vez que se confina agrave aacuterea criminal Mas eacute mais amplo pelo
facto de contemplar uma variedade de possiacuteveis respostas por parte do infractor que nada tecircm que ver com
mediaccedilatildeo como sejam a indemnizaccedilatildeo determinada pelo tribunal ou a prestaccedilatildeo de trabalho tendente agrave
reparaccedilatildeo quer como medida de diversatildeo quer como parte de um acordo integrado na sentenccedila com uma
entidade estatal O conceito de mediaccedilatildeo eacute mais amplo do que o de justiccedila restaurativa uma vez que abrange
conflitos em contextos natildeo criminais Eacute no entanto mais restrito porquanto em contexto criminal se centra
apenas nas relaccedilotildees estabelecidas entre viacutetima e infractor em sede de mediaccedilatildeo Mesmo aqui pode ser ainda
mais restrito caso abranja apenas a mediaccedilatildeo directa e natildeo a indirectardquo in APAV ndash Projecto Dikecirc [Em
linha] Lisboa 2003 [Consult 06 ago 2013] Disponiacutevel em wwwapavpt p 52 2 MIERS op cit p 52
10
A esquematizaccedilatildeo da diferenccedila entre a justiccedila retributiva e a justiccedila restaurativa foi
desenvolvida entre outros por Howard Zehr (1990) a qual aqui reproduzimos
Justiccedila Retributiva Justiccedila Restaurativa O crime eacute definido como violaccedilatildeo ao Estado O crime eacute definido como a violaccedilatildeo de uma pessoa por
outra
Foca-se no estabelecimento da culpa e no passado Foca-se na resoluccedilatildeo do problema nas responsabilidades
nas obrigaccedilotildees e no futuro
Relaccedilatildeo adversarial e processo normativo Diaacutelogo e negociaccedilatildeo normativa
Imposiccedilatildeo da dor para punir e dissuadirprevenir Restituiccedilatildeo como um meio de restauraccedilatildeo para ambas as
partes objetivo de reconciliarrestaurar
Justiccedila definida pelo propoacutesito e pelo processo regras de
direito
Justiccedila definida como relacionamento correto julgada
pelo resultado
A natureza interpessoal e conflitual do crime obscurecida
reprimida conflito opotildee individuo e Estado
Crime reconhecido como um conflito interpessoal valor
do conflito eacute reconhecido
Um prejuiacutezo social eacute substituiacutedo por outro Focaliza a reparaccedilatildeo do prejuiacutezo social
Comunidade eacute deixada agrave margem sendo representada
abstratamente pelo Estado
Comunidade eacute facilitadora no processo restaurador
Encorajamento aos valores competitivos e individualistas Encorajamento a valores de reciprocidade
Accedilotildees direcionadas do Estado para o ofensor - viacutetima
ignorada - ofensor passivo
Reconhecimento da participaccedilatildeo da viacutetima e do ofensor no
problemasoluccedilatildeo ndash direitosdeveres da viacutetima
reconhecidos ndash ofensor encorajado a assumir a
responsabilidade
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida como o
cumprimento da puniccedilatildeo
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida no entendimento
do impacto da sua accedilatildeo e na ajuda para determinar a
melhor maneira de consertar seus erros
O crime eacute definido puramente em termos legais
desprovido de aspetos morais sociais econoacutemicos ou
poliacuteticos
O crime eacute entendido como parte de um contexto-moral
econoacutemico e poliacutetico
Estado e sociedade em abstrato como credores da ldquodiacutevidardquo Viacutetima particular como credora da ldquodiacutevidardquo
Reaccedilatildeo baseada no comportamento passado do ofensor Reaccedilatildeo baseada nas consequecircncias prejudiciais do
comportamento do ofensor
Estigma de crime irremoviacutevel Estigma de resoluccedilatildeo do crime por meio de accedilotildees
restaurativas
Natildeo se encoraja o perdatildeo e o arrependimento Possibilidade para o perdatildeo e arrependimento
Participaccedilatildeo dependente de procuradores profissionais Envolvimento direto dos participantes
Fonte Howard Zehr (1985)3
A justiccedila restaurativa baseia-se em valores de respeito entre ldquopartesrdquo procura
estimular a participaccedilatildeo ativa de ambas no processo e da descentralizaccedilatildeo na
administraccedilatildeo da justiccedila penal O saber manter-se em silecircncio e escutar o outro eacute uma
demonstraccedilatildeo de respeito por este A proacutepria definiccedilatildeo do termo diaacutelogo - ldquoDiscussatildeo ou
negociaccedilatildeo entre duas ou mais partes geralmente com vista a um acordo4rdquo - define o
objetivo da mediaccedilatildeo sempre com vista a um entendimento entre as partes atraveacutes do uso
da palavra de amenas discussotildees e trocas de argumentos O termo diaacutelogo ldquovem do grego
diaacutelogos διά = atraveacutes e λογόι = palavra conhecimento pelo latim dialogus5rdquo
3 ARCOS ndash Estudos de Arbitragem Mediaccedilatildeo e Negociaccedilatildeo Vol 4 [Em linha] Brasil 2012 [consult 12 de
dez 2012] Disponiacutevel em httpwwwarcosorgbr 4 PRIBERAM [Em linha] Lisboa 2012 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwpriberampt
5 WIKIPEacuteDIA [Em linha] Lisboa 2013 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpptwikipediaorg
11
Na justiccedila retributiva o arguido e a viacutetima satildeo muitas vezes colocados agrave margem
do processo ficando o discurso delegado nos seus advogados tornando-o impessoal Ao
serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diaacutelogo o discurso torna-se pessoal levando
a que estes iniciem um processo de empenhamento na resoluccedilatildeo do mesmo A viacutetima teraacute
oportunidade de expor os seus sentimentos os seus medos e as suas necessidades o que a
iraacute fortalecer ao niacutevel emocional sentindo que algueacutem se interessa pelos seus sentimentos
e emoccedilotildees Estas satildeo reconhecidas consideradas e algueacutem lhes oferece uma possibilidade
de soluccedilatildeo do problema que apresentam Por seu lado o arguido teraacute tambeacutem a
oportunidade de expor as razotildees e as motivaccedilotildees que o levaram a praticar aquele ato iliacutecito
Atraveacutes do uso da palavra teraacute oportunidade de assumir a responsabilidade pelas suas
accedilotildees e de se justificar eou redimir perante a viacutetima e perante a sociedade
O facto de tanto a viacutetima como o arguido terem a oportunidade de falar e serem
escutados poderaacute ser suficiente para que deste diaacutelogo se extraia um ldquoacordordquo que
coloque termo ao processo Por vezes a viacutetima fica satisfeita com uma assunccedilatildeo de
responsabilidade e um pedido de desculpas por parte do arguido o que se poderaacute obter
apenas atraveacutes do diaacutelogo entre ambos A mediaccedilatildeo assume particular relevacircncia nos casos
em que se verifica algum tipo de dano psicoloacutegico ou moral As viacutetimas sentem-se
verdadeiramente compensadas ao serem capazes de se expressar num ambiente sereno ao
sentirem a diferenccedila de comportamento do agressor e ao ouvi-lo assumir e verbalizar o seu
erro e o seu compromisso para o futuro
Devemos primar pela aplicaccedilatildeo de medidas natildeo privativas da liberdade e aceites
pela sociedade e pelas partes como sendo suficientes para a sanaccedilatildeo do problema e pela
reposiccedilatildeo da paz social Montesquieu jaacute apregoava que ldquo Toda a pena que natildeo deriva de
absoluta necessidade eacute tiracircnicardquo6 e Cesare Beccaria defendia que o fim das penas ldquonatildeo eacute
outro senatildeo o de impedir o reacuteu de fazer novos danos aos seus concidadatildeos e de dissuadir
os outros de fazer o mesmo Devem assim escolher-se as penas e o meacutetodo de infligi-las
de tal maneira que observadas as devidas proporccedilotildees se produziraacute um efeito mais eficaz
e mais duradouro sobre o espiacuterito dos homens e menos torturante sobre o corpo do
reacuteurdquo7
6 BECCARIA Cesare ndash Dos delitos e das penas 3ordf Ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian ndash 2009 p 64
7 Ibidem p85
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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(3)
Portaria nordm 68-B2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(3) - 634-
(5)
Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(5) - 634-
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ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
61
62
63
PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
64
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PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
67
68
69
70
PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
71
72
73
74
75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
2
AGRADECIMENTOS
Para realizar este trabalho contei com o apoio de diversas entidades oficiais e
pessoas individuais das quais destaco o meu orientador Juiz Desembargador Carlos
Alberto Gameiro Campos Lobo o qual aceitou este desafio desde o primeiro momento e
me acompanhou ao longo da elaboraccedilatildeo de todo este trabalho com muita paciecircncia e
sapiecircncia
Ao Professor Doutor Fernando Silva ao Professor Doutor Maacuterio Ferreira Monte e
ao Mestre Carlos Casimiro (Procurador do Ministeacuterio Puacuteblico) os quais mesmo natildeo sendo
os orientadores desta dissertaccedilatildeo sempre se mostraram disponiacuteveis para indicar
bibliografia para consulta
Ao Subcomissaacuterio Nuno Ferreira do Comando Metropolitano de Lisboa da Poliacutecia
de Seguranccedila Puacuteblica agrave Dra Alexandra Ribeiro Psicoacuteloga em estaacutegio na PSP e agrave Dra
Soacutenia Sousa Pereira Jurista da Comissatildeo Nacional de Proteccedilatildeo de Dados pela
disponibilizaccedilatildeo de material bibliograacutefico
Agradeccedilo ainda agrave Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila concretamente agrave Divisatildeo dos
Julgados de Paz e da Mediaccedilatildeo ndash Gabinete para a Resoluccedilatildeo de Litiacutegios o qual colocou agrave
minha disposiccedilatildeo toda a informaccedilatildeo solicitada
Agrave biblioteca da Universidade Autoacutenoma de Lisboa a qual me permitiu o acesso agrave
informaccedilatildeo que possui sobre o tema em questatildeo
3
RESUMO
O trabalho realizado e aqui apresentado visa explorar um dos meios de Resoluccedilatildeo
Alternativa de Litiacutegios em mateacuteria penal - a Mediaccedilatildeo Penal
Exploraacutemos o conceito que define o estatuto do mediador penal e a sua posiccedilatildeo
face agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica a admissibilidade na utilizaccedilatildeo do termo ldquopartesrdquo em
Mediaccedilatildeo Penal o caraacutecter voluntaacuterio e confidencial das sessotildees de mediaccedilatildeo e as
consequecircncias do cumprimento e incumprimento do acordo firmado
Neste estudo analisaacutemos a Lei vigente de forma criacutetica e apontamos lacunas que
deveratildeo ser discutidas pelo poder legislativo de forma a tornar a Mediaccedilatildeo Penal numa
alternativa eficaz ao sistema tradicional sem que este se demita da sua funccedilatildeo
Propusemo-nos ainda a efetuar uma viagem histoacuterica percorrendo a evoluccedilatildeo da
mediaccedilatildeo Penal em Portugal desde o surgimento passando pelos vaacuterios avanccedilos e recuos
e pelas visotildees das vaacuterias instituiccedilotildees envolvidas na aplicaccedilatildeo da Justiccedila Penal ateacute ao ano
de 2012
Recorremos a dados estatiacutesticos fornecidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da
Justiccedila de forma a apresentar um panorama do recurso agrave Mediaccedilatildeo Penal entre 2008 e
2012 em Portugal Atraveacutes destes nuacutemeros chegamos agrave conclusatildeo da taxa de sucesso e de
insucesso desta ferramenta juriacutedica e aos crimes de maior incidecircncia
Entendemos que a Mediaccedilatildeo Penal poderaacute ser uma excelente alternativa aos
Tribunais para resolver contendas em pequenos crimes nos quais ofensor e ofendido
estejam dispostos a sentarem-se agrave mesma mesa a discutir o problema sempre mediados por
uma figura imparcial e idoacutenea e em que a verdade a honestidade e o arrependimento
sejam valores que alicerccedilam todo o processo
Palavras-Chave Mediaccedilatildeo Penal Justiccedila Restaurativa Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
Direito
4
ABSTRACT
The elaboration of this work pretends to explore the sources to the alternative
dispute resolution in criminal matters -The Penal Mediation
We explore the concept to define the status to penal mediator and his public
administration position the admissibility use to ldquopiecesrdquo term in Penal Mediation the
volunteer and confidential character of mediation sessions and the accomplishment and
failure of the signed agreement consequences
In this study we examined in a critical way the governing law and we denounce
fails to be discussed by legislative power This way we pretend to make the Penal
Mediation as a serious alternative to the traditional system without it ever resign from
their function
We propose to ourselves to make an historical retrospective through the Portuguese
Penal Mediation evolution since his emergence through the various advances and retreats
and through the vary institutions visions involves in the Penal Justice application since
2012
We use the statistics provided by the ldquoDireccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedilardquo
pretending to show a retrospective of Penal Mediation use between 2008 and 2012 in
Portugal Through this numbers we elaborate the conclusion of the success rate and failure
of this legal tool and the higher incidence of crimes
We conclude that the Penal Mediation can be an excellent alternative to courts to
solve disputes in small crimes in which the offender and offended are willing to sit at the
same table to discuss the problem always mediated by an impartial and suitable figure and
where truth honesty and repentance are values that underpin the entire process
Keywords Criminal Mediation Restorative Justice Alternative Dispute Resolution law
5
INDICE GERAL
LISTA DE ABREVIATURAS helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 7
INTRODUCcedilAtildeOhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 8
CAPIacuteTULO I ndash JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL helliphelliphellip 10
11 ndash Justiccedila Restaurativa e Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 10
12 ndash Partes em Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 17
13 - O Mediador helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 20
14 - O Acordo helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 25
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphellip 33
CAPIacuteTULO II ndash ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO helliphellip 36
CAPIacuteTULO III ndash ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL hellip 48
CONCLUSAtildeOhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 53
BIBLIOGRAFIAhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 55
ANEXOShelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 58
Lei nordm 212007 de 12 de junho helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 59
Portaria nordm 68-A de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 64
Portaria nordm 68-B de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 67
Portaria nordm 68-C de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 71
6
LISTA DE ABREVIATURAS
APAV ndash Associaccedilatildeo Portuguesa de Apoio agrave Viacutetima
CC ndash Coacutedigo Civil
CP ndash Coacutedigo Penal
CPP ndash Coacutedigo de Processo Penal
CRP ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
CSM ndash Conselho Superior de Magistratura
CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil
DL ndash Decreto-Lei
DR ndash Diaacuterio da Repuacuteblica
GRAL ndash Gabinete de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico
OA ndash Ordem dos Advogados
PJ ndash Poliacutecia Judiciaacuteria
PSP ndash Poliacutecia de Seguranccedila Puacuteblica
SMMP ndash Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico
SMP ndash Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
RAL ndash Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
7
INTRODUCcedilAtildeO
Diariamente os Oacutergatildeos de Poliacutecia Criminal (OPC) e os Tribunais satildeo ldquoinundadosrdquo
de denuacutencias sobre alegados crimes que ocorreram Na sua maioria estas denuacutencias natildeo
passam disso mesmo de meras denuacutencias e rdquo morremrdquo no Ministeacuterio Puacuteblico (MP) dado
que natildeo satildeo respeitados os tracircmites para o processo seguir o seu normal percurso dando
origem ao seu inevitaacutevel arquivamento
O cidadatildeo em determinados casos sente que a mera denuacutencia aos OPCrsquos ou a sua
presenccedila eacute suficiente para se precaver de incidentes futuros eou para fazer cessar a
ameaccedila
Em meios rurais o facto de algueacutem ser chamado ao posto policial para prestar
declaraccedilotildees ou a presenccedila da autoridade policial na sua residecircncia por exemplo para
efeitos de notificaccedilatildeo eacute bastante constrangedor e cumpre uma missatildeo de prevenccedilatildeo
passiva da pequena criminalidade
Na pequena criminalidade grande parte das viacutetimas natildeo apresenta denuacutencia ou
demonstra uma intenccedilatildeo inicial de prosseguir com o processo para os tribunais mas nunca
se constitui assistente ou simplesmente desiste da denuacutencia
Baseando-me numa simples perceccedilatildeo pessoal julgo que o fator econoacutemico eacute
bastante desmotivador assim como o fator temporal ou seja o tempo que o processo
demora ateacute ser proferida uma decisatildeo Para que o fator dissuasor seja eficaz eacute necessaacuterio
que entre a praacutetica do facto e a sua puniccedilatildeo decorra um tempo aceitaacutevel o que natildeo estaacute a
acontecer
Eacute necessaacuterio tambeacutem que economicamente o cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes
natildeo tenha custos superiores ao por si espectaacutevel O facto de se ter de deslocar inuacutemeras
vezes aos OPCrsquos ao seu advogado e aos tribunais acarreta custos monetaacuterios e temporais
que poderatildeo natildeo compensar relativamente agraves vantagens que teraacute se simplesmente
ldquoesquecerrdquo o sucedido
8
A tiacutetulo de exemplo poderemos falar em furto simples injuacuterias difamaccedilatildeo etc
Neste tipo de crimes a viacutetima pretenderaacute que o ldquodelinquenterdquo seja punido mesmo que com
uma mera advertecircncia ou um pedido de desculpas mas sempre num curto espaccedilo de
tempo Se o espaccedilo temporal decorrido for grande a viacutetima tenderaacute a esquecer o assunto e
desistir do processo Natildeo adiantaraacute o infrator pedir desculpas agrave viacutetima por palavras
indevidamente proferidas 3 anos depois de a accedilatildeo ter decorrido e apoacutes ter obrigado a
viacutetima a inuacutemeras deslocaccedilotildees aos oacutergatildeos competentes e aos custos daiacute decorrentes
Os tribunais tecircm um avolumar de processos com pequenos delitos os quais tornam
a Justiccedila morosa acarretando custos elevadiacutessimos para o Estado Com o aliviar deste
volume de processos eacute possiacutevel que os tribunais se tornem mais ceacuteleres para os processos
de crimes mais relevantes dignificando a imagem da Justiccedila
Assim pretendemos com este trabalho de investigaccedilatildeo analisar a mediaccedilatildeo em
Processo Penal como alternativa ao cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes e dissecar a Lei
vigente a fim de apurar se eacute suficientemente motivadora e eficaz para se recorrer a este tipo
de procedimento em alternativa aos Tribunais ditos tradicionais garantindo sempre a
defesa do arguido e da Justiccedila e afianccedilando a eficaacutecia do Coacutedigo Penal
9
CAPIacuteTULO I
JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL
11 ndash Justiccedila restaurativa e mediaccedilatildeo penal
Para podermos perscrutar acerca da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal em Portugal e o
seu preacutestimo para a justiccedila teremos de a enquadrar num outro conceito ndash o de justiccedila
restaurativa e distinguir esta da justiccedila retributiva
De referir que o conceito de justiccedila restaurativa eacute mais restrito do que o conceito de
mediaccedilatildeo dado que se confina agrave aacuterea criminal enquanto que a mediaccedilatildeo se aplica a uma
panoacuteplia de aacutereas de vaacuterios ramos do Direito1 Assim balizamos tambeacutem o conceito de
mediaccedilatildeo apenas para analisarmos o prisma da mediaccedilatildeo na aacuterea penal
ldquoTem sido algumas vezes referido que a mediaccedilatildeo eacute um conceito
europeu enquanto a justiccedila restaurativa eacute um conceito anglo-
americanordquo2
Pretende-se que a justiccedila restaurativa seja assente num modelo de justiccedila informal
que apela agrave colaboraccedilatildeo e agrave reintegraccedilatildeo em alternativa agrave coerccedilatildeo
Por oposiccedilatildeo agrave justiccedila retributiva com a justiccedila restaurativa pretende-se
restabelecer a paz social de forma ceacutelere permitindo a todos os cidadatildeos uma participaccedilatildeo
ativa na administraccedilatildeo da justiccedila
1 David Miers manifesta uma visatildeo mais abrangente sobre este conceito ldquoO conceito de justiccedila restaurativa eacute
mais restrito do que o conceito de mediaccedilatildeo uma vez que se confina agrave aacuterea criminal Mas eacute mais amplo pelo
facto de contemplar uma variedade de possiacuteveis respostas por parte do infractor que nada tecircm que ver com
mediaccedilatildeo como sejam a indemnizaccedilatildeo determinada pelo tribunal ou a prestaccedilatildeo de trabalho tendente agrave
reparaccedilatildeo quer como medida de diversatildeo quer como parte de um acordo integrado na sentenccedila com uma
entidade estatal O conceito de mediaccedilatildeo eacute mais amplo do que o de justiccedila restaurativa uma vez que abrange
conflitos em contextos natildeo criminais Eacute no entanto mais restrito porquanto em contexto criminal se centra
apenas nas relaccedilotildees estabelecidas entre viacutetima e infractor em sede de mediaccedilatildeo Mesmo aqui pode ser ainda
mais restrito caso abranja apenas a mediaccedilatildeo directa e natildeo a indirectardquo in APAV ndash Projecto Dikecirc [Em
linha] Lisboa 2003 [Consult 06 ago 2013] Disponiacutevel em wwwapavpt p 52 2 MIERS op cit p 52
10
A esquematizaccedilatildeo da diferenccedila entre a justiccedila retributiva e a justiccedila restaurativa foi
desenvolvida entre outros por Howard Zehr (1990) a qual aqui reproduzimos
Justiccedila Retributiva Justiccedila Restaurativa O crime eacute definido como violaccedilatildeo ao Estado O crime eacute definido como a violaccedilatildeo de uma pessoa por
outra
Foca-se no estabelecimento da culpa e no passado Foca-se na resoluccedilatildeo do problema nas responsabilidades
nas obrigaccedilotildees e no futuro
Relaccedilatildeo adversarial e processo normativo Diaacutelogo e negociaccedilatildeo normativa
Imposiccedilatildeo da dor para punir e dissuadirprevenir Restituiccedilatildeo como um meio de restauraccedilatildeo para ambas as
partes objetivo de reconciliarrestaurar
Justiccedila definida pelo propoacutesito e pelo processo regras de
direito
Justiccedila definida como relacionamento correto julgada
pelo resultado
A natureza interpessoal e conflitual do crime obscurecida
reprimida conflito opotildee individuo e Estado
Crime reconhecido como um conflito interpessoal valor
do conflito eacute reconhecido
Um prejuiacutezo social eacute substituiacutedo por outro Focaliza a reparaccedilatildeo do prejuiacutezo social
Comunidade eacute deixada agrave margem sendo representada
abstratamente pelo Estado
Comunidade eacute facilitadora no processo restaurador
Encorajamento aos valores competitivos e individualistas Encorajamento a valores de reciprocidade
Accedilotildees direcionadas do Estado para o ofensor - viacutetima
ignorada - ofensor passivo
Reconhecimento da participaccedilatildeo da viacutetima e do ofensor no
problemasoluccedilatildeo ndash direitosdeveres da viacutetima
reconhecidos ndash ofensor encorajado a assumir a
responsabilidade
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida como o
cumprimento da puniccedilatildeo
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida no entendimento
do impacto da sua accedilatildeo e na ajuda para determinar a
melhor maneira de consertar seus erros
O crime eacute definido puramente em termos legais
desprovido de aspetos morais sociais econoacutemicos ou
poliacuteticos
O crime eacute entendido como parte de um contexto-moral
econoacutemico e poliacutetico
Estado e sociedade em abstrato como credores da ldquodiacutevidardquo Viacutetima particular como credora da ldquodiacutevidardquo
Reaccedilatildeo baseada no comportamento passado do ofensor Reaccedilatildeo baseada nas consequecircncias prejudiciais do
comportamento do ofensor
Estigma de crime irremoviacutevel Estigma de resoluccedilatildeo do crime por meio de accedilotildees
restaurativas
Natildeo se encoraja o perdatildeo e o arrependimento Possibilidade para o perdatildeo e arrependimento
Participaccedilatildeo dependente de procuradores profissionais Envolvimento direto dos participantes
Fonte Howard Zehr (1985)3
A justiccedila restaurativa baseia-se em valores de respeito entre ldquopartesrdquo procura
estimular a participaccedilatildeo ativa de ambas no processo e da descentralizaccedilatildeo na
administraccedilatildeo da justiccedila penal O saber manter-se em silecircncio e escutar o outro eacute uma
demonstraccedilatildeo de respeito por este A proacutepria definiccedilatildeo do termo diaacutelogo - ldquoDiscussatildeo ou
negociaccedilatildeo entre duas ou mais partes geralmente com vista a um acordo4rdquo - define o
objetivo da mediaccedilatildeo sempre com vista a um entendimento entre as partes atraveacutes do uso
da palavra de amenas discussotildees e trocas de argumentos O termo diaacutelogo ldquovem do grego
diaacutelogos διά = atraveacutes e λογόι = palavra conhecimento pelo latim dialogus5rdquo
3 ARCOS ndash Estudos de Arbitragem Mediaccedilatildeo e Negociaccedilatildeo Vol 4 [Em linha] Brasil 2012 [consult 12 de
dez 2012] Disponiacutevel em httpwwwarcosorgbr 4 PRIBERAM [Em linha] Lisboa 2012 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwpriberampt
5 WIKIPEacuteDIA [Em linha] Lisboa 2013 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpptwikipediaorg
11
Na justiccedila retributiva o arguido e a viacutetima satildeo muitas vezes colocados agrave margem
do processo ficando o discurso delegado nos seus advogados tornando-o impessoal Ao
serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diaacutelogo o discurso torna-se pessoal levando
a que estes iniciem um processo de empenhamento na resoluccedilatildeo do mesmo A viacutetima teraacute
oportunidade de expor os seus sentimentos os seus medos e as suas necessidades o que a
iraacute fortalecer ao niacutevel emocional sentindo que algueacutem se interessa pelos seus sentimentos
e emoccedilotildees Estas satildeo reconhecidas consideradas e algueacutem lhes oferece uma possibilidade
de soluccedilatildeo do problema que apresentam Por seu lado o arguido teraacute tambeacutem a
oportunidade de expor as razotildees e as motivaccedilotildees que o levaram a praticar aquele ato iliacutecito
Atraveacutes do uso da palavra teraacute oportunidade de assumir a responsabilidade pelas suas
accedilotildees e de se justificar eou redimir perante a viacutetima e perante a sociedade
O facto de tanto a viacutetima como o arguido terem a oportunidade de falar e serem
escutados poderaacute ser suficiente para que deste diaacutelogo se extraia um ldquoacordordquo que
coloque termo ao processo Por vezes a viacutetima fica satisfeita com uma assunccedilatildeo de
responsabilidade e um pedido de desculpas por parte do arguido o que se poderaacute obter
apenas atraveacutes do diaacutelogo entre ambos A mediaccedilatildeo assume particular relevacircncia nos casos
em que se verifica algum tipo de dano psicoloacutegico ou moral As viacutetimas sentem-se
verdadeiramente compensadas ao serem capazes de se expressar num ambiente sereno ao
sentirem a diferenccedila de comportamento do agressor e ao ouvi-lo assumir e verbalizar o seu
erro e o seu compromisso para o futuro
Devemos primar pela aplicaccedilatildeo de medidas natildeo privativas da liberdade e aceites
pela sociedade e pelas partes como sendo suficientes para a sanaccedilatildeo do problema e pela
reposiccedilatildeo da paz social Montesquieu jaacute apregoava que ldquo Toda a pena que natildeo deriva de
absoluta necessidade eacute tiracircnicardquo6 e Cesare Beccaria defendia que o fim das penas ldquonatildeo eacute
outro senatildeo o de impedir o reacuteu de fazer novos danos aos seus concidadatildeos e de dissuadir
os outros de fazer o mesmo Devem assim escolher-se as penas e o meacutetodo de infligi-las
de tal maneira que observadas as devidas proporccedilotildees se produziraacute um efeito mais eficaz
e mais duradouro sobre o espiacuterito dos homens e menos torturante sobre o corpo do
reacuteurdquo7
6 BECCARIA Cesare ndash Dos delitos e das penas 3ordf Ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian ndash 2009 p 64
7 Ibidem p85
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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(3)
Portaria nordm 68-B2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(3) - 634-
(5)
Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(5) - 634-
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ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
61
62
63
PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
64
65
66
PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
67
68
69
70
PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
71
72
73
74
75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
3
RESUMO
O trabalho realizado e aqui apresentado visa explorar um dos meios de Resoluccedilatildeo
Alternativa de Litiacutegios em mateacuteria penal - a Mediaccedilatildeo Penal
Exploraacutemos o conceito que define o estatuto do mediador penal e a sua posiccedilatildeo
face agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica a admissibilidade na utilizaccedilatildeo do termo ldquopartesrdquo em
Mediaccedilatildeo Penal o caraacutecter voluntaacuterio e confidencial das sessotildees de mediaccedilatildeo e as
consequecircncias do cumprimento e incumprimento do acordo firmado
Neste estudo analisaacutemos a Lei vigente de forma criacutetica e apontamos lacunas que
deveratildeo ser discutidas pelo poder legislativo de forma a tornar a Mediaccedilatildeo Penal numa
alternativa eficaz ao sistema tradicional sem que este se demita da sua funccedilatildeo
Propusemo-nos ainda a efetuar uma viagem histoacuterica percorrendo a evoluccedilatildeo da
mediaccedilatildeo Penal em Portugal desde o surgimento passando pelos vaacuterios avanccedilos e recuos
e pelas visotildees das vaacuterias instituiccedilotildees envolvidas na aplicaccedilatildeo da Justiccedila Penal ateacute ao ano
de 2012
Recorremos a dados estatiacutesticos fornecidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da
Justiccedila de forma a apresentar um panorama do recurso agrave Mediaccedilatildeo Penal entre 2008 e
2012 em Portugal Atraveacutes destes nuacutemeros chegamos agrave conclusatildeo da taxa de sucesso e de
insucesso desta ferramenta juriacutedica e aos crimes de maior incidecircncia
Entendemos que a Mediaccedilatildeo Penal poderaacute ser uma excelente alternativa aos
Tribunais para resolver contendas em pequenos crimes nos quais ofensor e ofendido
estejam dispostos a sentarem-se agrave mesma mesa a discutir o problema sempre mediados por
uma figura imparcial e idoacutenea e em que a verdade a honestidade e o arrependimento
sejam valores que alicerccedilam todo o processo
Palavras-Chave Mediaccedilatildeo Penal Justiccedila Restaurativa Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
Direito
4
ABSTRACT
The elaboration of this work pretends to explore the sources to the alternative
dispute resolution in criminal matters -The Penal Mediation
We explore the concept to define the status to penal mediator and his public
administration position the admissibility use to ldquopiecesrdquo term in Penal Mediation the
volunteer and confidential character of mediation sessions and the accomplishment and
failure of the signed agreement consequences
In this study we examined in a critical way the governing law and we denounce
fails to be discussed by legislative power This way we pretend to make the Penal
Mediation as a serious alternative to the traditional system without it ever resign from
their function
We propose to ourselves to make an historical retrospective through the Portuguese
Penal Mediation evolution since his emergence through the various advances and retreats
and through the vary institutions visions involves in the Penal Justice application since
2012
We use the statistics provided by the ldquoDireccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedilardquo
pretending to show a retrospective of Penal Mediation use between 2008 and 2012 in
Portugal Through this numbers we elaborate the conclusion of the success rate and failure
of this legal tool and the higher incidence of crimes
We conclude that the Penal Mediation can be an excellent alternative to courts to
solve disputes in small crimes in which the offender and offended are willing to sit at the
same table to discuss the problem always mediated by an impartial and suitable figure and
where truth honesty and repentance are values that underpin the entire process
Keywords Criminal Mediation Restorative Justice Alternative Dispute Resolution law
5
INDICE GERAL
LISTA DE ABREVIATURAS helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 7
INTRODUCcedilAtildeOhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 8
CAPIacuteTULO I ndash JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL helliphelliphellip 10
11 ndash Justiccedila Restaurativa e Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 10
12 ndash Partes em Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 17
13 - O Mediador helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 20
14 - O Acordo helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 25
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphellip 33
CAPIacuteTULO II ndash ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO helliphellip 36
CAPIacuteTULO III ndash ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL hellip 48
CONCLUSAtildeOhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 53
BIBLIOGRAFIAhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 55
ANEXOShelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 58
Lei nordm 212007 de 12 de junho helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 59
Portaria nordm 68-A de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 64
Portaria nordm 68-B de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 67
Portaria nordm 68-C de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 71
6
LISTA DE ABREVIATURAS
APAV ndash Associaccedilatildeo Portuguesa de Apoio agrave Viacutetima
CC ndash Coacutedigo Civil
CP ndash Coacutedigo Penal
CPP ndash Coacutedigo de Processo Penal
CRP ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
CSM ndash Conselho Superior de Magistratura
CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil
DL ndash Decreto-Lei
DR ndash Diaacuterio da Repuacuteblica
GRAL ndash Gabinete de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico
OA ndash Ordem dos Advogados
PJ ndash Poliacutecia Judiciaacuteria
PSP ndash Poliacutecia de Seguranccedila Puacuteblica
SMMP ndash Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico
SMP ndash Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
RAL ndash Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
7
INTRODUCcedilAtildeO
Diariamente os Oacutergatildeos de Poliacutecia Criminal (OPC) e os Tribunais satildeo ldquoinundadosrdquo
de denuacutencias sobre alegados crimes que ocorreram Na sua maioria estas denuacutencias natildeo
passam disso mesmo de meras denuacutencias e rdquo morremrdquo no Ministeacuterio Puacuteblico (MP) dado
que natildeo satildeo respeitados os tracircmites para o processo seguir o seu normal percurso dando
origem ao seu inevitaacutevel arquivamento
O cidadatildeo em determinados casos sente que a mera denuacutencia aos OPCrsquos ou a sua
presenccedila eacute suficiente para se precaver de incidentes futuros eou para fazer cessar a
ameaccedila
Em meios rurais o facto de algueacutem ser chamado ao posto policial para prestar
declaraccedilotildees ou a presenccedila da autoridade policial na sua residecircncia por exemplo para
efeitos de notificaccedilatildeo eacute bastante constrangedor e cumpre uma missatildeo de prevenccedilatildeo
passiva da pequena criminalidade
Na pequena criminalidade grande parte das viacutetimas natildeo apresenta denuacutencia ou
demonstra uma intenccedilatildeo inicial de prosseguir com o processo para os tribunais mas nunca
se constitui assistente ou simplesmente desiste da denuacutencia
Baseando-me numa simples perceccedilatildeo pessoal julgo que o fator econoacutemico eacute
bastante desmotivador assim como o fator temporal ou seja o tempo que o processo
demora ateacute ser proferida uma decisatildeo Para que o fator dissuasor seja eficaz eacute necessaacuterio
que entre a praacutetica do facto e a sua puniccedilatildeo decorra um tempo aceitaacutevel o que natildeo estaacute a
acontecer
Eacute necessaacuterio tambeacutem que economicamente o cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes
natildeo tenha custos superiores ao por si espectaacutevel O facto de se ter de deslocar inuacutemeras
vezes aos OPCrsquos ao seu advogado e aos tribunais acarreta custos monetaacuterios e temporais
que poderatildeo natildeo compensar relativamente agraves vantagens que teraacute se simplesmente
ldquoesquecerrdquo o sucedido
8
A tiacutetulo de exemplo poderemos falar em furto simples injuacuterias difamaccedilatildeo etc
Neste tipo de crimes a viacutetima pretenderaacute que o ldquodelinquenterdquo seja punido mesmo que com
uma mera advertecircncia ou um pedido de desculpas mas sempre num curto espaccedilo de
tempo Se o espaccedilo temporal decorrido for grande a viacutetima tenderaacute a esquecer o assunto e
desistir do processo Natildeo adiantaraacute o infrator pedir desculpas agrave viacutetima por palavras
indevidamente proferidas 3 anos depois de a accedilatildeo ter decorrido e apoacutes ter obrigado a
viacutetima a inuacutemeras deslocaccedilotildees aos oacutergatildeos competentes e aos custos daiacute decorrentes
Os tribunais tecircm um avolumar de processos com pequenos delitos os quais tornam
a Justiccedila morosa acarretando custos elevadiacutessimos para o Estado Com o aliviar deste
volume de processos eacute possiacutevel que os tribunais se tornem mais ceacuteleres para os processos
de crimes mais relevantes dignificando a imagem da Justiccedila
Assim pretendemos com este trabalho de investigaccedilatildeo analisar a mediaccedilatildeo em
Processo Penal como alternativa ao cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes e dissecar a Lei
vigente a fim de apurar se eacute suficientemente motivadora e eficaz para se recorrer a este tipo
de procedimento em alternativa aos Tribunais ditos tradicionais garantindo sempre a
defesa do arguido e da Justiccedila e afianccedilando a eficaacutecia do Coacutedigo Penal
9
CAPIacuteTULO I
JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL
11 ndash Justiccedila restaurativa e mediaccedilatildeo penal
Para podermos perscrutar acerca da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal em Portugal e o
seu preacutestimo para a justiccedila teremos de a enquadrar num outro conceito ndash o de justiccedila
restaurativa e distinguir esta da justiccedila retributiva
De referir que o conceito de justiccedila restaurativa eacute mais restrito do que o conceito de
mediaccedilatildeo dado que se confina agrave aacuterea criminal enquanto que a mediaccedilatildeo se aplica a uma
panoacuteplia de aacutereas de vaacuterios ramos do Direito1 Assim balizamos tambeacutem o conceito de
mediaccedilatildeo apenas para analisarmos o prisma da mediaccedilatildeo na aacuterea penal
ldquoTem sido algumas vezes referido que a mediaccedilatildeo eacute um conceito
europeu enquanto a justiccedila restaurativa eacute um conceito anglo-
americanordquo2
Pretende-se que a justiccedila restaurativa seja assente num modelo de justiccedila informal
que apela agrave colaboraccedilatildeo e agrave reintegraccedilatildeo em alternativa agrave coerccedilatildeo
Por oposiccedilatildeo agrave justiccedila retributiva com a justiccedila restaurativa pretende-se
restabelecer a paz social de forma ceacutelere permitindo a todos os cidadatildeos uma participaccedilatildeo
ativa na administraccedilatildeo da justiccedila
1 David Miers manifesta uma visatildeo mais abrangente sobre este conceito ldquoO conceito de justiccedila restaurativa eacute
mais restrito do que o conceito de mediaccedilatildeo uma vez que se confina agrave aacuterea criminal Mas eacute mais amplo pelo
facto de contemplar uma variedade de possiacuteveis respostas por parte do infractor que nada tecircm que ver com
mediaccedilatildeo como sejam a indemnizaccedilatildeo determinada pelo tribunal ou a prestaccedilatildeo de trabalho tendente agrave
reparaccedilatildeo quer como medida de diversatildeo quer como parte de um acordo integrado na sentenccedila com uma
entidade estatal O conceito de mediaccedilatildeo eacute mais amplo do que o de justiccedila restaurativa uma vez que abrange
conflitos em contextos natildeo criminais Eacute no entanto mais restrito porquanto em contexto criminal se centra
apenas nas relaccedilotildees estabelecidas entre viacutetima e infractor em sede de mediaccedilatildeo Mesmo aqui pode ser ainda
mais restrito caso abranja apenas a mediaccedilatildeo directa e natildeo a indirectardquo in APAV ndash Projecto Dikecirc [Em
linha] Lisboa 2003 [Consult 06 ago 2013] Disponiacutevel em wwwapavpt p 52 2 MIERS op cit p 52
10
A esquematizaccedilatildeo da diferenccedila entre a justiccedila retributiva e a justiccedila restaurativa foi
desenvolvida entre outros por Howard Zehr (1990) a qual aqui reproduzimos
Justiccedila Retributiva Justiccedila Restaurativa O crime eacute definido como violaccedilatildeo ao Estado O crime eacute definido como a violaccedilatildeo de uma pessoa por
outra
Foca-se no estabelecimento da culpa e no passado Foca-se na resoluccedilatildeo do problema nas responsabilidades
nas obrigaccedilotildees e no futuro
Relaccedilatildeo adversarial e processo normativo Diaacutelogo e negociaccedilatildeo normativa
Imposiccedilatildeo da dor para punir e dissuadirprevenir Restituiccedilatildeo como um meio de restauraccedilatildeo para ambas as
partes objetivo de reconciliarrestaurar
Justiccedila definida pelo propoacutesito e pelo processo regras de
direito
Justiccedila definida como relacionamento correto julgada
pelo resultado
A natureza interpessoal e conflitual do crime obscurecida
reprimida conflito opotildee individuo e Estado
Crime reconhecido como um conflito interpessoal valor
do conflito eacute reconhecido
Um prejuiacutezo social eacute substituiacutedo por outro Focaliza a reparaccedilatildeo do prejuiacutezo social
Comunidade eacute deixada agrave margem sendo representada
abstratamente pelo Estado
Comunidade eacute facilitadora no processo restaurador
Encorajamento aos valores competitivos e individualistas Encorajamento a valores de reciprocidade
Accedilotildees direcionadas do Estado para o ofensor - viacutetima
ignorada - ofensor passivo
Reconhecimento da participaccedilatildeo da viacutetima e do ofensor no
problemasoluccedilatildeo ndash direitosdeveres da viacutetima
reconhecidos ndash ofensor encorajado a assumir a
responsabilidade
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida como o
cumprimento da puniccedilatildeo
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida no entendimento
do impacto da sua accedilatildeo e na ajuda para determinar a
melhor maneira de consertar seus erros
O crime eacute definido puramente em termos legais
desprovido de aspetos morais sociais econoacutemicos ou
poliacuteticos
O crime eacute entendido como parte de um contexto-moral
econoacutemico e poliacutetico
Estado e sociedade em abstrato como credores da ldquodiacutevidardquo Viacutetima particular como credora da ldquodiacutevidardquo
Reaccedilatildeo baseada no comportamento passado do ofensor Reaccedilatildeo baseada nas consequecircncias prejudiciais do
comportamento do ofensor
Estigma de crime irremoviacutevel Estigma de resoluccedilatildeo do crime por meio de accedilotildees
restaurativas
Natildeo se encoraja o perdatildeo e o arrependimento Possibilidade para o perdatildeo e arrependimento
Participaccedilatildeo dependente de procuradores profissionais Envolvimento direto dos participantes
Fonte Howard Zehr (1985)3
A justiccedila restaurativa baseia-se em valores de respeito entre ldquopartesrdquo procura
estimular a participaccedilatildeo ativa de ambas no processo e da descentralizaccedilatildeo na
administraccedilatildeo da justiccedila penal O saber manter-se em silecircncio e escutar o outro eacute uma
demonstraccedilatildeo de respeito por este A proacutepria definiccedilatildeo do termo diaacutelogo - ldquoDiscussatildeo ou
negociaccedilatildeo entre duas ou mais partes geralmente com vista a um acordo4rdquo - define o
objetivo da mediaccedilatildeo sempre com vista a um entendimento entre as partes atraveacutes do uso
da palavra de amenas discussotildees e trocas de argumentos O termo diaacutelogo ldquovem do grego
diaacutelogos διά = atraveacutes e λογόι = palavra conhecimento pelo latim dialogus5rdquo
3 ARCOS ndash Estudos de Arbitragem Mediaccedilatildeo e Negociaccedilatildeo Vol 4 [Em linha] Brasil 2012 [consult 12 de
dez 2012] Disponiacutevel em httpwwwarcosorgbr 4 PRIBERAM [Em linha] Lisboa 2012 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwpriberampt
5 WIKIPEacuteDIA [Em linha] Lisboa 2013 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpptwikipediaorg
11
Na justiccedila retributiva o arguido e a viacutetima satildeo muitas vezes colocados agrave margem
do processo ficando o discurso delegado nos seus advogados tornando-o impessoal Ao
serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diaacutelogo o discurso torna-se pessoal levando
a que estes iniciem um processo de empenhamento na resoluccedilatildeo do mesmo A viacutetima teraacute
oportunidade de expor os seus sentimentos os seus medos e as suas necessidades o que a
iraacute fortalecer ao niacutevel emocional sentindo que algueacutem se interessa pelos seus sentimentos
e emoccedilotildees Estas satildeo reconhecidas consideradas e algueacutem lhes oferece uma possibilidade
de soluccedilatildeo do problema que apresentam Por seu lado o arguido teraacute tambeacutem a
oportunidade de expor as razotildees e as motivaccedilotildees que o levaram a praticar aquele ato iliacutecito
Atraveacutes do uso da palavra teraacute oportunidade de assumir a responsabilidade pelas suas
accedilotildees e de se justificar eou redimir perante a viacutetima e perante a sociedade
O facto de tanto a viacutetima como o arguido terem a oportunidade de falar e serem
escutados poderaacute ser suficiente para que deste diaacutelogo se extraia um ldquoacordordquo que
coloque termo ao processo Por vezes a viacutetima fica satisfeita com uma assunccedilatildeo de
responsabilidade e um pedido de desculpas por parte do arguido o que se poderaacute obter
apenas atraveacutes do diaacutelogo entre ambos A mediaccedilatildeo assume particular relevacircncia nos casos
em que se verifica algum tipo de dano psicoloacutegico ou moral As viacutetimas sentem-se
verdadeiramente compensadas ao serem capazes de se expressar num ambiente sereno ao
sentirem a diferenccedila de comportamento do agressor e ao ouvi-lo assumir e verbalizar o seu
erro e o seu compromisso para o futuro
Devemos primar pela aplicaccedilatildeo de medidas natildeo privativas da liberdade e aceites
pela sociedade e pelas partes como sendo suficientes para a sanaccedilatildeo do problema e pela
reposiccedilatildeo da paz social Montesquieu jaacute apregoava que ldquo Toda a pena que natildeo deriva de
absoluta necessidade eacute tiracircnicardquo6 e Cesare Beccaria defendia que o fim das penas ldquonatildeo eacute
outro senatildeo o de impedir o reacuteu de fazer novos danos aos seus concidadatildeos e de dissuadir
os outros de fazer o mesmo Devem assim escolher-se as penas e o meacutetodo de infligi-las
de tal maneira que observadas as devidas proporccedilotildees se produziraacute um efeito mais eficaz
e mais duradouro sobre o espiacuterito dos homens e menos torturante sobre o corpo do
reacuteurdquo7
6 BECCARIA Cesare ndash Dos delitos e das penas 3ordf Ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian ndash 2009 p 64
7 Ibidem p85
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
61
62
63
PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
64
65
66
PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
67
68
69
70
PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
71
72
73
74
75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
4
ABSTRACT
The elaboration of this work pretends to explore the sources to the alternative
dispute resolution in criminal matters -The Penal Mediation
We explore the concept to define the status to penal mediator and his public
administration position the admissibility use to ldquopiecesrdquo term in Penal Mediation the
volunteer and confidential character of mediation sessions and the accomplishment and
failure of the signed agreement consequences
In this study we examined in a critical way the governing law and we denounce
fails to be discussed by legislative power This way we pretend to make the Penal
Mediation as a serious alternative to the traditional system without it ever resign from
their function
We propose to ourselves to make an historical retrospective through the Portuguese
Penal Mediation evolution since his emergence through the various advances and retreats
and through the vary institutions visions involves in the Penal Justice application since
2012
We use the statistics provided by the ldquoDireccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedilardquo
pretending to show a retrospective of Penal Mediation use between 2008 and 2012 in
Portugal Through this numbers we elaborate the conclusion of the success rate and failure
of this legal tool and the higher incidence of crimes
We conclude that the Penal Mediation can be an excellent alternative to courts to
solve disputes in small crimes in which the offender and offended are willing to sit at the
same table to discuss the problem always mediated by an impartial and suitable figure and
where truth honesty and repentance are values that underpin the entire process
Keywords Criminal Mediation Restorative Justice Alternative Dispute Resolution law
5
INDICE GERAL
LISTA DE ABREVIATURAS helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 7
INTRODUCcedilAtildeOhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 8
CAPIacuteTULO I ndash JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL helliphelliphellip 10
11 ndash Justiccedila Restaurativa e Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 10
12 ndash Partes em Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 17
13 - O Mediador helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 20
14 - O Acordo helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 25
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphellip 33
CAPIacuteTULO II ndash ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO helliphellip 36
CAPIacuteTULO III ndash ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL hellip 48
CONCLUSAtildeOhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 53
BIBLIOGRAFIAhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 55
ANEXOShelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 58
Lei nordm 212007 de 12 de junho helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 59
Portaria nordm 68-A de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 64
Portaria nordm 68-B de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 67
Portaria nordm 68-C de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 71
6
LISTA DE ABREVIATURAS
APAV ndash Associaccedilatildeo Portuguesa de Apoio agrave Viacutetima
CC ndash Coacutedigo Civil
CP ndash Coacutedigo Penal
CPP ndash Coacutedigo de Processo Penal
CRP ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
CSM ndash Conselho Superior de Magistratura
CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil
DL ndash Decreto-Lei
DR ndash Diaacuterio da Repuacuteblica
GRAL ndash Gabinete de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico
OA ndash Ordem dos Advogados
PJ ndash Poliacutecia Judiciaacuteria
PSP ndash Poliacutecia de Seguranccedila Puacuteblica
SMMP ndash Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico
SMP ndash Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
RAL ndash Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
7
INTRODUCcedilAtildeO
Diariamente os Oacutergatildeos de Poliacutecia Criminal (OPC) e os Tribunais satildeo ldquoinundadosrdquo
de denuacutencias sobre alegados crimes que ocorreram Na sua maioria estas denuacutencias natildeo
passam disso mesmo de meras denuacutencias e rdquo morremrdquo no Ministeacuterio Puacuteblico (MP) dado
que natildeo satildeo respeitados os tracircmites para o processo seguir o seu normal percurso dando
origem ao seu inevitaacutevel arquivamento
O cidadatildeo em determinados casos sente que a mera denuacutencia aos OPCrsquos ou a sua
presenccedila eacute suficiente para se precaver de incidentes futuros eou para fazer cessar a
ameaccedila
Em meios rurais o facto de algueacutem ser chamado ao posto policial para prestar
declaraccedilotildees ou a presenccedila da autoridade policial na sua residecircncia por exemplo para
efeitos de notificaccedilatildeo eacute bastante constrangedor e cumpre uma missatildeo de prevenccedilatildeo
passiva da pequena criminalidade
Na pequena criminalidade grande parte das viacutetimas natildeo apresenta denuacutencia ou
demonstra uma intenccedilatildeo inicial de prosseguir com o processo para os tribunais mas nunca
se constitui assistente ou simplesmente desiste da denuacutencia
Baseando-me numa simples perceccedilatildeo pessoal julgo que o fator econoacutemico eacute
bastante desmotivador assim como o fator temporal ou seja o tempo que o processo
demora ateacute ser proferida uma decisatildeo Para que o fator dissuasor seja eficaz eacute necessaacuterio
que entre a praacutetica do facto e a sua puniccedilatildeo decorra um tempo aceitaacutevel o que natildeo estaacute a
acontecer
Eacute necessaacuterio tambeacutem que economicamente o cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes
natildeo tenha custos superiores ao por si espectaacutevel O facto de se ter de deslocar inuacutemeras
vezes aos OPCrsquos ao seu advogado e aos tribunais acarreta custos monetaacuterios e temporais
que poderatildeo natildeo compensar relativamente agraves vantagens que teraacute se simplesmente
ldquoesquecerrdquo o sucedido
8
A tiacutetulo de exemplo poderemos falar em furto simples injuacuterias difamaccedilatildeo etc
Neste tipo de crimes a viacutetima pretenderaacute que o ldquodelinquenterdquo seja punido mesmo que com
uma mera advertecircncia ou um pedido de desculpas mas sempre num curto espaccedilo de
tempo Se o espaccedilo temporal decorrido for grande a viacutetima tenderaacute a esquecer o assunto e
desistir do processo Natildeo adiantaraacute o infrator pedir desculpas agrave viacutetima por palavras
indevidamente proferidas 3 anos depois de a accedilatildeo ter decorrido e apoacutes ter obrigado a
viacutetima a inuacutemeras deslocaccedilotildees aos oacutergatildeos competentes e aos custos daiacute decorrentes
Os tribunais tecircm um avolumar de processos com pequenos delitos os quais tornam
a Justiccedila morosa acarretando custos elevadiacutessimos para o Estado Com o aliviar deste
volume de processos eacute possiacutevel que os tribunais se tornem mais ceacuteleres para os processos
de crimes mais relevantes dignificando a imagem da Justiccedila
Assim pretendemos com este trabalho de investigaccedilatildeo analisar a mediaccedilatildeo em
Processo Penal como alternativa ao cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes e dissecar a Lei
vigente a fim de apurar se eacute suficientemente motivadora e eficaz para se recorrer a este tipo
de procedimento em alternativa aos Tribunais ditos tradicionais garantindo sempre a
defesa do arguido e da Justiccedila e afianccedilando a eficaacutecia do Coacutedigo Penal
9
CAPIacuteTULO I
JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL
11 ndash Justiccedila restaurativa e mediaccedilatildeo penal
Para podermos perscrutar acerca da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal em Portugal e o
seu preacutestimo para a justiccedila teremos de a enquadrar num outro conceito ndash o de justiccedila
restaurativa e distinguir esta da justiccedila retributiva
De referir que o conceito de justiccedila restaurativa eacute mais restrito do que o conceito de
mediaccedilatildeo dado que se confina agrave aacuterea criminal enquanto que a mediaccedilatildeo se aplica a uma
panoacuteplia de aacutereas de vaacuterios ramos do Direito1 Assim balizamos tambeacutem o conceito de
mediaccedilatildeo apenas para analisarmos o prisma da mediaccedilatildeo na aacuterea penal
ldquoTem sido algumas vezes referido que a mediaccedilatildeo eacute um conceito
europeu enquanto a justiccedila restaurativa eacute um conceito anglo-
americanordquo2
Pretende-se que a justiccedila restaurativa seja assente num modelo de justiccedila informal
que apela agrave colaboraccedilatildeo e agrave reintegraccedilatildeo em alternativa agrave coerccedilatildeo
Por oposiccedilatildeo agrave justiccedila retributiva com a justiccedila restaurativa pretende-se
restabelecer a paz social de forma ceacutelere permitindo a todos os cidadatildeos uma participaccedilatildeo
ativa na administraccedilatildeo da justiccedila
1 David Miers manifesta uma visatildeo mais abrangente sobre este conceito ldquoO conceito de justiccedila restaurativa eacute
mais restrito do que o conceito de mediaccedilatildeo uma vez que se confina agrave aacuterea criminal Mas eacute mais amplo pelo
facto de contemplar uma variedade de possiacuteveis respostas por parte do infractor que nada tecircm que ver com
mediaccedilatildeo como sejam a indemnizaccedilatildeo determinada pelo tribunal ou a prestaccedilatildeo de trabalho tendente agrave
reparaccedilatildeo quer como medida de diversatildeo quer como parte de um acordo integrado na sentenccedila com uma
entidade estatal O conceito de mediaccedilatildeo eacute mais amplo do que o de justiccedila restaurativa uma vez que abrange
conflitos em contextos natildeo criminais Eacute no entanto mais restrito porquanto em contexto criminal se centra
apenas nas relaccedilotildees estabelecidas entre viacutetima e infractor em sede de mediaccedilatildeo Mesmo aqui pode ser ainda
mais restrito caso abranja apenas a mediaccedilatildeo directa e natildeo a indirectardquo in APAV ndash Projecto Dikecirc [Em
linha] Lisboa 2003 [Consult 06 ago 2013] Disponiacutevel em wwwapavpt p 52 2 MIERS op cit p 52
10
A esquematizaccedilatildeo da diferenccedila entre a justiccedila retributiva e a justiccedila restaurativa foi
desenvolvida entre outros por Howard Zehr (1990) a qual aqui reproduzimos
Justiccedila Retributiva Justiccedila Restaurativa O crime eacute definido como violaccedilatildeo ao Estado O crime eacute definido como a violaccedilatildeo de uma pessoa por
outra
Foca-se no estabelecimento da culpa e no passado Foca-se na resoluccedilatildeo do problema nas responsabilidades
nas obrigaccedilotildees e no futuro
Relaccedilatildeo adversarial e processo normativo Diaacutelogo e negociaccedilatildeo normativa
Imposiccedilatildeo da dor para punir e dissuadirprevenir Restituiccedilatildeo como um meio de restauraccedilatildeo para ambas as
partes objetivo de reconciliarrestaurar
Justiccedila definida pelo propoacutesito e pelo processo regras de
direito
Justiccedila definida como relacionamento correto julgada
pelo resultado
A natureza interpessoal e conflitual do crime obscurecida
reprimida conflito opotildee individuo e Estado
Crime reconhecido como um conflito interpessoal valor
do conflito eacute reconhecido
Um prejuiacutezo social eacute substituiacutedo por outro Focaliza a reparaccedilatildeo do prejuiacutezo social
Comunidade eacute deixada agrave margem sendo representada
abstratamente pelo Estado
Comunidade eacute facilitadora no processo restaurador
Encorajamento aos valores competitivos e individualistas Encorajamento a valores de reciprocidade
Accedilotildees direcionadas do Estado para o ofensor - viacutetima
ignorada - ofensor passivo
Reconhecimento da participaccedilatildeo da viacutetima e do ofensor no
problemasoluccedilatildeo ndash direitosdeveres da viacutetima
reconhecidos ndash ofensor encorajado a assumir a
responsabilidade
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida como o
cumprimento da puniccedilatildeo
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida no entendimento
do impacto da sua accedilatildeo e na ajuda para determinar a
melhor maneira de consertar seus erros
O crime eacute definido puramente em termos legais
desprovido de aspetos morais sociais econoacutemicos ou
poliacuteticos
O crime eacute entendido como parte de um contexto-moral
econoacutemico e poliacutetico
Estado e sociedade em abstrato como credores da ldquodiacutevidardquo Viacutetima particular como credora da ldquodiacutevidardquo
Reaccedilatildeo baseada no comportamento passado do ofensor Reaccedilatildeo baseada nas consequecircncias prejudiciais do
comportamento do ofensor
Estigma de crime irremoviacutevel Estigma de resoluccedilatildeo do crime por meio de accedilotildees
restaurativas
Natildeo se encoraja o perdatildeo e o arrependimento Possibilidade para o perdatildeo e arrependimento
Participaccedilatildeo dependente de procuradores profissionais Envolvimento direto dos participantes
Fonte Howard Zehr (1985)3
A justiccedila restaurativa baseia-se em valores de respeito entre ldquopartesrdquo procura
estimular a participaccedilatildeo ativa de ambas no processo e da descentralizaccedilatildeo na
administraccedilatildeo da justiccedila penal O saber manter-se em silecircncio e escutar o outro eacute uma
demonstraccedilatildeo de respeito por este A proacutepria definiccedilatildeo do termo diaacutelogo - ldquoDiscussatildeo ou
negociaccedilatildeo entre duas ou mais partes geralmente com vista a um acordo4rdquo - define o
objetivo da mediaccedilatildeo sempre com vista a um entendimento entre as partes atraveacutes do uso
da palavra de amenas discussotildees e trocas de argumentos O termo diaacutelogo ldquovem do grego
diaacutelogos διά = atraveacutes e λογόι = palavra conhecimento pelo latim dialogus5rdquo
3 ARCOS ndash Estudos de Arbitragem Mediaccedilatildeo e Negociaccedilatildeo Vol 4 [Em linha] Brasil 2012 [consult 12 de
dez 2012] Disponiacutevel em httpwwwarcosorgbr 4 PRIBERAM [Em linha] Lisboa 2012 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwpriberampt
5 WIKIPEacuteDIA [Em linha] Lisboa 2013 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpptwikipediaorg
11
Na justiccedila retributiva o arguido e a viacutetima satildeo muitas vezes colocados agrave margem
do processo ficando o discurso delegado nos seus advogados tornando-o impessoal Ao
serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diaacutelogo o discurso torna-se pessoal levando
a que estes iniciem um processo de empenhamento na resoluccedilatildeo do mesmo A viacutetima teraacute
oportunidade de expor os seus sentimentos os seus medos e as suas necessidades o que a
iraacute fortalecer ao niacutevel emocional sentindo que algueacutem se interessa pelos seus sentimentos
e emoccedilotildees Estas satildeo reconhecidas consideradas e algueacutem lhes oferece uma possibilidade
de soluccedilatildeo do problema que apresentam Por seu lado o arguido teraacute tambeacutem a
oportunidade de expor as razotildees e as motivaccedilotildees que o levaram a praticar aquele ato iliacutecito
Atraveacutes do uso da palavra teraacute oportunidade de assumir a responsabilidade pelas suas
accedilotildees e de se justificar eou redimir perante a viacutetima e perante a sociedade
O facto de tanto a viacutetima como o arguido terem a oportunidade de falar e serem
escutados poderaacute ser suficiente para que deste diaacutelogo se extraia um ldquoacordordquo que
coloque termo ao processo Por vezes a viacutetima fica satisfeita com uma assunccedilatildeo de
responsabilidade e um pedido de desculpas por parte do arguido o que se poderaacute obter
apenas atraveacutes do diaacutelogo entre ambos A mediaccedilatildeo assume particular relevacircncia nos casos
em que se verifica algum tipo de dano psicoloacutegico ou moral As viacutetimas sentem-se
verdadeiramente compensadas ao serem capazes de se expressar num ambiente sereno ao
sentirem a diferenccedila de comportamento do agressor e ao ouvi-lo assumir e verbalizar o seu
erro e o seu compromisso para o futuro
Devemos primar pela aplicaccedilatildeo de medidas natildeo privativas da liberdade e aceites
pela sociedade e pelas partes como sendo suficientes para a sanaccedilatildeo do problema e pela
reposiccedilatildeo da paz social Montesquieu jaacute apregoava que ldquo Toda a pena que natildeo deriva de
absoluta necessidade eacute tiracircnicardquo6 e Cesare Beccaria defendia que o fim das penas ldquonatildeo eacute
outro senatildeo o de impedir o reacuteu de fazer novos danos aos seus concidadatildeos e de dissuadir
os outros de fazer o mesmo Devem assim escolher-se as penas e o meacutetodo de infligi-las
de tal maneira que observadas as devidas proporccedilotildees se produziraacute um efeito mais eficaz
e mais duradouro sobre o espiacuterito dos homens e menos torturante sobre o corpo do
reacuteurdquo7
6 BECCARIA Cesare ndash Dos delitos e das penas 3ordf Ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian ndash 2009 p 64
7 Ibidem p85
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
61
62
63
PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
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PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
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PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
71
72
73
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75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
5
INDICE GERAL
LISTA DE ABREVIATURAS helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 7
INTRODUCcedilAtildeOhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 8
CAPIacuteTULO I ndash JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL helliphelliphellip 10
11 ndash Justiccedila Restaurativa e Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 10
12 ndash Partes em Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 17
13 - O Mediador helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 20
14 - O Acordo helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 25
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal helliphelliphelliphellip 33
CAPIacuteTULO II ndash ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO helliphellip 36
CAPIacuteTULO III ndash ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL hellip 48
CONCLUSAtildeOhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 53
BIBLIOGRAFIAhelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 55
ANEXOShelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 58
Lei nordm 212007 de 12 de junho helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 59
Portaria nordm 68-A de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 64
Portaria nordm 68-B de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 67
Portaria nordm 68-C de 2008 helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip 71
6
LISTA DE ABREVIATURAS
APAV ndash Associaccedilatildeo Portuguesa de Apoio agrave Viacutetima
CC ndash Coacutedigo Civil
CP ndash Coacutedigo Penal
CPP ndash Coacutedigo de Processo Penal
CRP ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
CSM ndash Conselho Superior de Magistratura
CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil
DL ndash Decreto-Lei
DR ndash Diaacuterio da Repuacuteblica
GRAL ndash Gabinete de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico
OA ndash Ordem dos Advogados
PJ ndash Poliacutecia Judiciaacuteria
PSP ndash Poliacutecia de Seguranccedila Puacuteblica
SMMP ndash Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico
SMP ndash Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
RAL ndash Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
7
INTRODUCcedilAtildeO
Diariamente os Oacutergatildeos de Poliacutecia Criminal (OPC) e os Tribunais satildeo ldquoinundadosrdquo
de denuacutencias sobre alegados crimes que ocorreram Na sua maioria estas denuacutencias natildeo
passam disso mesmo de meras denuacutencias e rdquo morremrdquo no Ministeacuterio Puacuteblico (MP) dado
que natildeo satildeo respeitados os tracircmites para o processo seguir o seu normal percurso dando
origem ao seu inevitaacutevel arquivamento
O cidadatildeo em determinados casos sente que a mera denuacutencia aos OPCrsquos ou a sua
presenccedila eacute suficiente para se precaver de incidentes futuros eou para fazer cessar a
ameaccedila
Em meios rurais o facto de algueacutem ser chamado ao posto policial para prestar
declaraccedilotildees ou a presenccedila da autoridade policial na sua residecircncia por exemplo para
efeitos de notificaccedilatildeo eacute bastante constrangedor e cumpre uma missatildeo de prevenccedilatildeo
passiva da pequena criminalidade
Na pequena criminalidade grande parte das viacutetimas natildeo apresenta denuacutencia ou
demonstra uma intenccedilatildeo inicial de prosseguir com o processo para os tribunais mas nunca
se constitui assistente ou simplesmente desiste da denuacutencia
Baseando-me numa simples perceccedilatildeo pessoal julgo que o fator econoacutemico eacute
bastante desmotivador assim como o fator temporal ou seja o tempo que o processo
demora ateacute ser proferida uma decisatildeo Para que o fator dissuasor seja eficaz eacute necessaacuterio
que entre a praacutetica do facto e a sua puniccedilatildeo decorra um tempo aceitaacutevel o que natildeo estaacute a
acontecer
Eacute necessaacuterio tambeacutem que economicamente o cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes
natildeo tenha custos superiores ao por si espectaacutevel O facto de se ter de deslocar inuacutemeras
vezes aos OPCrsquos ao seu advogado e aos tribunais acarreta custos monetaacuterios e temporais
que poderatildeo natildeo compensar relativamente agraves vantagens que teraacute se simplesmente
ldquoesquecerrdquo o sucedido
8
A tiacutetulo de exemplo poderemos falar em furto simples injuacuterias difamaccedilatildeo etc
Neste tipo de crimes a viacutetima pretenderaacute que o ldquodelinquenterdquo seja punido mesmo que com
uma mera advertecircncia ou um pedido de desculpas mas sempre num curto espaccedilo de
tempo Se o espaccedilo temporal decorrido for grande a viacutetima tenderaacute a esquecer o assunto e
desistir do processo Natildeo adiantaraacute o infrator pedir desculpas agrave viacutetima por palavras
indevidamente proferidas 3 anos depois de a accedilatildeo ter decorrido e apoacutes ter obrigado a
viacutetima a inuacutemeras deslocaccedilotildees aos oacutergatildeos competentes e aos custos daiacute decorrentes
Os tribunais tecircm um avolumar de processos com pequenos delitos os quais tornam
a Justiccedila morosa acarretando custos elevadiacutessimos para o Estado Com o aliviar deste
volume de processos eacute possiacutevel que os tribunais se tornem mais ceacuteleres para os processos
de crimes mais relevantes dignificando a imagem da Justiccedila
Assim pretendemos com este trabalho de investigaccedilatildeo analisar a mediaccedilatildeo em
Processo Penal como alternativa ao cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes e dissecar a Lei
vigente a fim de apurar se eacute suficientemente motivadora e eficaz para se recorrer a este tipo
de procedimento em alternativa aos Tribunais ditos tradicionais garantindo sempre a
defesa do arguido e da Justiccedila e afianccedilando a eficaacutecia do Coacutedigo Penal
9
CAPIacuteTULO I
JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL
11 ndash Justiccedila restaurativa e mediaccedilatildeo penal
Para podermos perscrutar acerca da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal em Portugal e o
seu preacutestimo para a justiccedila teremos de a enquadrar num outro conceito ndash o de justiccedila
restaurativa e distinguir esta da justiccedila retributiva
De referir que o conceito de justiccedila restaurativa eacute mais restrito do que o conceito de
mediaccedilatildeo dado que se confina agrave aacuterea criminal enquanto que a mediaccedilatildeo se aplica a uma
panoacuteplia de aacutereas de vaacuterios ramos do Direito1 Assim balizamos tambeacutem o conceito de
mediaccedilatildeo apenas para analisarmos o prisma da mediaccedilatildeo na aacuterea penal
ldquoTem sido algumas vezes referido que a mediaccedilatildeo eacute um conceito
europeu enquanto a justiccedila restaurativa eacute um conceito anglo-
americanordquo2
Pretende-se que a justiccedila restaurativa seja assente num modelo de justiccedila informal
que apela agrave colaboraccedilatildeo e agrave reintegraccedilatildeo em alternativa agrave coerccedilatildeo
Por oposiccedilatildeo agrave justiccedila retributiva com a justiccedila restaurativa pretende-se
restabelecer a paz social de forma ceacutelere permitindo a todos os cidadatildeos uma participaccedilatildeo
ativa na administraccedilatildeo da justiccedila
1 David Miers manifesta uma visatildeo mais abrangente sobre este conceito ldquoO conceito de justiccedila restaurativa eacute
mais restrito do que o conceito de mediaccedilatildeo uma vez que se confina agrave aacuterea criminal Mas eacute mais amplo pelo
facto de contemplar uma variedade de possiacuteveis respostas por parte do infractor que nada tecircm que ver com
mediaccedilatildeo como sejam a indemnizaccedilatildeo determinada pelo tribunal ou a prestaccedilatildeo de trabalho tendente agrave
reparaccedilatildeo quer como medida de diversatildeo quer como parte de um acordo integrado na sentenccedila com uma
entidade estatal O conceito de mediaccedilatildeo eacute mais amplo do que o de justiccedila restaurativa uma vez que abrange
conflitos em contextos natildeo criminais Eacute no entanto mais restrito porquanto em contexto criminal se centra
apenas nas relaccedilotildees estabelecidas entre viacutetima e infractor em sede de mediaccedilatildeo Mesmo aqui pode ser ainda
mais restrito caso abranja apenas a mediaccedilatildeo directa e natildeo a indirectardquo in APAV ndash Projecto Dikecirc [Em
linha] Lisboa 2003 [Consult 06 ago 2013] Disponiacutevel em wwwapavpt p 52 2 MIERS op cit p 52
10
A esquematizaccedilatildeo da diferenccedila entre a justiccedila retributiva e a justiccedila restaurativa foi
desenvolvida entre outros por Howard Zehr (1990) a qual aqui reproduzimos
Justiccedila Retributiva Justiccedila Restaurativa O crime eacute definido como violaccedilatildeo ao Estado O crime eacute definido como a violaccedilatildeo de uma pessoa por
outra
Foca-se no estabelecimento da culpa e no passado Foca-se na resoluccedilatildeo do problema nas responsabilidades
nas obrigaccedilotildees e no futuro
Relaccedilatildeo adversarial e processo normativo Diaacutelogo e negociaccedilatildeo normativa
Imposiccedilatildeo da dor para punir e dissuadirprevenir Restituiccedilatildeo como um meio de restauraccedilatildeo para ambas as
partes objetivo de reconciliarrestaurar
Justiccedila definida pelo propoacutesito e pelo processo regras de
direito
Justiccedila definida como relacionamento correto julgada
pelo resultado
A natureza interpessoal e conflitual do crime obscurecida
reprimida conflito opotildee individuo e Estado
Crime reconhecido como um conflito interpessoal valor
do conflito eacute reconhecido
Um prejuiacutezo social eacute substituiacutedo por outro Focaliza a reparaccedilatildeo do prejuiacutezo social
Comunidade eacute deixada agrave margem sendo representada
abstratamente pelo Estado
Comunidade eacute facilitadora no processo restaurador
Encorajamento aos valores competitivos e individualistas Encorajamento a valores de reciprocidade
Accedilotildees direcionadas do Estado para o ofensor - viacutetima
ignorada - ofensor passivo
Reconhecimento da participaccedilatildeo da viacutetima e do ofensor no
problemasoluccedilatildeo ndash direitosdeveres da viacutetima
reconhecidos ndash ofensor encorajado a assumir a
responsabilidade
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida como o
cumprimento da puniccedilatildeo
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida no entendimento
do impacto da sua accedilatildeo e na ajuda para determinar a
melhor maneira de consertar seus erros
O crime eacute definido puramente em termos legais
desprovido de aspetos morais sociais econoacutemicos ou
poliacuteticos
O crime eacute entendido como parte de um contexto-moral
econoacutemico e poliacutetico
Estado e sociedade em abstrato como credores da ldquodiacutevidardquo Viacutetima particular como credora da ldquodiacutevidardquo
Reaccedilatildeo baseada no comportamento passado do ofensor Reaccedilatildeo baseada nas consequecircncias prejudiciais do
comportamento do ofensor
Estigma de crime irremoviacutevel Estigma de resoluccedilatildeo do crime por meio de accedilotildees
restaurativas
Natildeo se encoraja o perdatildeo e o arrependimento Possibilidade para o perdatildeo e arrependimento
Participaccedilatildeo dependente de procuradores profissionais Envolvimento direto dos participantes
Fonte Howard Zehr (1985)3
A justiccedila restaurativa baseia-se em valores de respeito entre ldquopartesrdquo procura
estimular a participaccedilatildeo ativa de ambas no processo e da descentralizaccedilatildeo na
administraccedilatildeo da justiccedila penal O saber manter-se em silecircncio e escutar o outro eacute uma
demonstraccedilatildeo de respeito por este A proacutepria definiccedilatildeo do termo diaacutelogo - ldquoDiscussatildeo ou
negociaccedilatildeo entre duas ou mais partes geralmente com vista a um acordo4rdquo - define o
objetivo da mediaccedilatildeo sempre com vista a um entendimento entre as partes atraveacutes do uso
da palavra de amenas discussotildees e trocas de argumentos O termo diaacutelogo ldquovem do grego
diaacutelogos διά = atraveacutes e λογόι = palavra conhecimento pelo latim dialogus5rdquo
3 ARCOS ndash Estudos de Arbitragem Mediaccedilatildeo e Negociaccedilatildeo Vol 4 [Em linha] Brasil 2012 [consult 12 de
dez 2012] Disponiacutevel em httpwwwarcosorgbr 4 PRIBERAM [Em linha] Lisboa 2012 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwpriberampt
5 WIKIPEacuteDIA [Em linha] Lisboa 2013 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpptwikipediaorg
11
Na justiccedila retributiva o arguido e a viacutetima satildeo muitas vezes colocados agrave margem
do processo ficando o discurso delegado nos seus advogados tornando-o impessoal Ao
serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diaacutelogo o discurso torna-se pessoal levando
a que estes iniciem um processo de empenhamento na resoluccedilatildeo do mesmo A viacutetima teraacute
oportunidade de expor os seus sentimentos os seus medos e as suas necessidades o que a
iraacute fortalecer ao niacutevel emocional sentindo que algueacutem se interessa pelos seus sentimentos
e emoccedilotildees Estas satildeo reconhecidas consideradas e algueacutem lhes oferece uma possibilidade
de soluccedilatildeo do problema que apresentam Por seu lado o arguido teraacute tambeacutem a
oportunidade de expor as razotildees e as motivaccedilotildees que o levaram a praticar aquele ato iliacutecito
Atraveacutes do uso da palavra teraacute oportunidade de assumir a responsabilidade pelas suas
accedilotildees e de se justificar eou redimir perante a viacutetima e perante a sociedade
O facto de tanto a viacutetima como o arguido terem a oportunidade de falar e serem
escutados poderaacute ser suficiente para que deste diaacutelogo se extraia um ldquoacordordquo que
coloque termo ao processo Por vezes a viacutetima fica satisfeita com uma assunccedilatildeo de
responsabilidade e um pedido de desculpas por parte do arguido o que se poderaacute obter
apenas atraveacutes do diaacutelogo entre ambos A mediaccedilatildeo assume particular relevacircncia nos casos
em que se verifica algum tipo de dano psicoloacutegico ou moral As viacutetimas sentem-se
verdadeiramente compensadas ao serem capazes de se expressar num ambiente sereno ao
sentirem a diferenccedila de comportamento do agressor e ao ouvi-lo assumir e verbalizar o seu
erro e o seu compromisso para o futuro
Devemos primar pela aplicaccedilatildeo de medidas natildeo privativas da liberdade e aceites
pela sociedade e pelas partes como sendo suficientes para a sanaccedilatildeo do problema e pela
reposiccedilatildeo da paz social Montesquieu jaacute apregoava que ldquo Toda a pena que natildeo deriva de
absoluta necessidade eacute tiracircnicardquo6 e Cesare Beccaria defendia que o fim das penas ldquonatildeo eacute
outro senatildeo o de impedir o reacuteu de fazer novos danos aos seus concidadatildeos e de dissuadir
os outros de fazer o mesmo Devem assim escolher-se as penas e o meacutetodo de infligi-las
de tal maneira que observadas as devidas proporccedilotildees se produziraacute um efeito mais eficaz
e mais duradouro sobre o espiacuterito dos homens e menos torturante sobre o corpo do
reacuteurdquo7
6 BECCARIA Cesare ndash Dos delitos e das penas 3ordf Ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian ndash 2009 p 64
7 Ibidem p85
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
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PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
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PORTARIA Nordm 68-C 2008
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Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
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DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
6
LISTA DE ABREVIATURAS
APAV ndash Associaccedilatildeo Portuguesa de Apoio agrave Viacutetima
CC ndash Coacutedigo Civil
CP ndash Coacutedigo Penal
CPP ndash Coacutedigo de Processo Penal
CRP ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
CSM ndash Conselho Superior de Magistratura
CPC ndash Coacutedigo de Processo Civil
DL ndash Decreto-Lei
DR ndash Diaacuterio da Repuacuteblica
GRAL ndash Gabinete de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico
OA ndash Ordem dos Advogados
PJ ndash Poliacutecia Judiciaacuteria
PSP ndash Poliacutecia de Seguranccedila Puacuteblica
SMMP ndash Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico
SMP ndash Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
RAL ndash Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios
7
INTRODUCcedilAtildeO
Diariamente os Oacutergatildeos de Poliacutecia Criminal (OPC) e os Tribunais satildeo ldquoinundadosrdquo
de denuacutencias sobre alegados crimes que ocorreram Na sua maioria estas denuacutencias natildeo
passam disso mesmo de meras denuacutencias e rdquo morremrdquo no Ministeacuterio Puacuteblico (MP) dado
que natildeo satildeo respeitados os tracircmites para o processo seguir o seu normal percurso dando
origem ao seu inevitaacutevel arquivamento
O cidadatildeo em determinados casos sente que a mera denuacutencia aos OPCrsquos ou a sua
presenccedila eacute suficiente para se precaver de incidentes futuros eou para fazer cessar a
ameaccedila
Em meios rurais o facto de algueacutem ser chamado ao posto policial para prestar
declaraccedilotildees ou a presenccedila da autoridade policial na sua residecircncia por exemplo para
efeitos de notificaccedilatildeo eacute bastante constrangedor e cumpre uma missatildeo de prevenccedilatildeo
passiva da pequena criminalidade
Na pequena criminalidade grande parte das viacutetimas natildeo apresenta denuacutencia ou
demonstra uma intenccedilatildeo inicial de prosseguir com o processo para os tribunais mas nunca
se constitui assistente ou simplesmente desiste da denuacutencia
Baseando-me numa simples perceccedilatildeo pessoal julgo que o fator econoacutemico eacute
bastante desmotivador assim como o fator temporal ou seja o tempo que o processo
demora ateacute ser proferida uma decisatildeo Para que o fator dissuasor seja eficaz eacute necessaacuterio
que entre a praacutetica do facto e a sua puniccedilatildeo decorra um tempo aceitaacutevel o que natildeo estaacute a
acontecer
Eacute necessaacuterio tambeacutem que economicamente o cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes
natildeo tenha custos superiores ao por si espectaacutevel O facto de se ter de deslocar inuacutemeras
vezes aos OPCrsquos ao seu advogado e aos tribunais acarreta custos monetaacuterios e temporais
que poderatildeo natildeo compensar relativamente agraves vantagens que teraacute se simplesmente
ldquoesquecerrdquo o sucedido
8
A tiacutetulo de exemplo poderemos falar em furto simples injuacuterias difamaccedilatildeo etc
Neste tipo de crimes a viacutetima pretenderaacute que o ldquodelinquenterdquo seja punido mesmo que com
uma mera advertecircncia ou um pedido de desculpas mas sempre num curto espaccedilo de
tempo Se o espaccedilo temporal decorrido for grande a viacutetima tenderaacute a esquecer o assunto e
desistir do processo Natildeo adiantaraacute o infrator pedir desculpas agrave viacutetima por palavras
indevidamente proferidas 3 anos depois de a accedilatildeo ter decorrido e apoacutes ter obrigado a
viacutetima a inuacutemeras deslocaccedilotildees aos oacutergatildeos competentes e aos custos daiacute decorrentes
Os tribunais tecircm um avolumar de processos com pequenos delitos os quais tornam
a Justiccedila morosa acarretando custos elevadiacutessimos para o Estado Com o aliviar deste
volume de processos eacute possiacutevel que os tribunais se tornem mais ceacuteleres para os processos
de crimes mais relevantes dignificando a imagem da Justiccedila
Assim pretendemos com este trabalho de investigaccedilatildeo analisar a mediaccedilatildeo em
Processo Penal como alternativa ao cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes e dissecar a Lei
vigente a fim de apurar se eacute suficientemente motivadora e eficaz para se recorrer a este tipo
de procedimento em alternativa aos Tribunais ditos tradicionais garantindo sempre a
defesa do arguido e da Justiccedila e afianccedilando a eficaacutecia do Coacutedigo Penal
9
CAPIacuteTULO I
JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL
11 ndash Justiccedila restaurativa e mediaccedilatildeo penal
Para podermos perscrutar acerca da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal em Portugal e o
seu preacutestimo para a justiccedila teremos de a enquadrar num outro conceito ndash o de justiccedila
restaurativa e distinguir esta da justiccedila retributiva
De referir que o conceito de justiccedila restaurativa eacute mais restrito do que o conceito de
mediaccedilatildeo dado que se confina agrave aacuterea criminal enquanto que a mediaccedilatildeo se aplica a uma
panoacuteplia de aacutereas de vaacuterios ramos do Direito1 Assim balizamos tambeacutem o conceito de
mediaccedilatildeo apenas para analisarmos o prisma da mediaccedilatildeo na aacuterea penal
ldquoTem sido algumas vezes referido que a mediaccedilatildeo eacute um conceito
europeu enquanto a justiccedila restaurativa eacute um conceito anglo-
americanordquo2
Pretende-se que a justiccedila restaurativa seja assente num modelo de justiccedila informal
que apela agrave colaboraccedilatildeo e agrave reintegraccedilatildeo em alternativa agrave coerccedilatildeo
Por oposiccedilatildeo agrave justiccedila retributiva com a justiccedila restaurativa pretende-se
restabelecer a paz social de forma ceacutelere permitindo a todos os cidadatildeos uma participaccedilatildeo
ativa na administraccedilatildeo da justiccedila
1 David Miers manifesta uma visatildeo mais abrangente sobre este conceito ldquoO conceito de justiccedila restaurativa eacute
mais restrito do que o conceito de mediaccedilatildeo uma vez que se confina agrave aacuterea criminal Mas eacute mais amplo pelo
facto de contemplar uma variedade de possiacuteveis respostas por parte do infractor que nada tecircm que ver com
mediaccedilatildeo como sejam a indemnizaccedilatildeo determinada pelo tribunal ou a prestaccedilatildeo de trabalho tendente agrave
reparaccedilatildeo quer como medida de diversatildeo quer como parte de um acordo integrado na sentenccedila com uma
entidade estatal O conceito de mediaccedilatildeo eacute mais amplo do que o de justiccedila restaurativa uma vez que abrange
conflitos em contextos natildeo criminais Eacute no entanto mais restrito porquanto em contexto criminal se centra
apenas nas relaccedilotildees estabelecidas entre viacutetima e infractor em sede de mediaccedilatildeo Mesmo aqui pode ser ainda
mais restrito caso abranja apenas a mediaccedilatildeo directa e natildeo a indirectardquo in APAV ndash Projecto Dikecirc [Em
linha] Lisboa 2003 [Consult 06 ago 2013] Disponiacutevel em wwwapavpt p 52 2 MIERS op cit p 52
10
A esquematizaccedilatildeo da diferenccedila entre a justiccedila retributiva e a justiccedila restaurativa foi
desenvolvida entre outros por Howard Zehr (1990) a qual aqui reproduzimos
Justiccedila Retributiva Justiccedila Restaurativa O crime eacute definido como violaccedilatildeo ao Estado O crime eacute definido como a violaccedilatildeo de uma pessoa por
outra
Foca-se no estabelecimento da culpa e no passado Foca-se na resoluccedilatildeo do problema nas responsabilidades
nas obrigaccedilotildees e no futuro
Relaccedilatildeo adversarial e processo normativo Diaacutelogo e negociaccedilatildeo normativa
Imposiccedilatildeo da dor para punir e dissuadirprevenir Restituiccedilatildeo como um meio de restauraccedilatildeo para ambas as
partes objetivo de reconciliarrestaurar
Justiccedila definida pelo propoacutesito e pelo processo regras de
direito
Justiccedila definida como relacionamento correto julgada
pelo resultado
A natureza interpessoal e conflitual do crime obscurecida
reprimida conflito opotildee individuo e Estado
Crime reconhecido como um conflito interpessoal valor
do conflito eacute reconhecido
Um prejuiacutezo social eacute substituiacutedo por outro Focaliza a reparaccedilatildeo do prejuiacutezo social
Comunidade eacute deixada agrave margem sendo representada
abstratamente pelo Estado
Comunidade eacute facilitadora no processo restaurador
Encorajamento aos valores competitivos e individualistas Encorajamento a valores de reciprocidade
Accedilotildees direcionadas do Estado para o ofensor - viacutetima
ignorada - ofensor passivo
Reconhecimento da participaccedilatildeo da viacutetima e do ofensor no
problemasoluccedilatildeo ndash direitosdeveres da viacutetima
reconhecidos ndash ofensor encorajado a assumir a
responsabilidade
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida como o
cumprimento da puniccedilatildeo
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida no entendimento
do impacto da sua accedilatildeo e na ajuda para determinar a
melhor maneira de consertar seus erros
O crime eacute definido puramente em termos legais
desprovido de aspetos morais sociais econoacutemicos ou
poliacuteticos
O crime eacute entendido como parte de um contexto-moral
econoacutemico e poliacutetico
Estado e sociedade em abstrato como credores da ldquodiacutevidardquo Viacutetima particular como credora da ldquodiacutevidardquo
Reaccedilatildeo baseada no comportamento passado do ofensor Reaccedilatildeo baseada nas consequecircncias prejudiciais do
comportamento do ofensor
Estigma de crime irremoviacutevel Estigma de resoluccedilatildeo do crime por meio de accedilotildees
restaurativas
Natildeo se encoraja o perdatildeo e o arrependimento Possibilidade para o perdatildeo e arrependimento
Participaccedilatildeo dependente de procuradores profissionais Envolvimento direto dos participantes
Fonte Howard Zehr (1985)3
A justiccedila restaurativa baseia-se em valores de respeito entre ldquopartesrdquo procura
estimular a participaccedilatildeo ativa de ambas no processo e da descentralizaccedilatildeo na
administraccedilatildeo da justiccedila penal O saber manter-se em silecircncio e escutar o outro eacute uma
demonstraccedilatildeo de respeito por este A proacutepria definiccedilatildeo do termo diaacutelogo - ldquoDiscussatildeo ou
negociaccedilatildeo entre duas ou mais partes geralmente com vista a um acordo4rdquo - define o
objetivo da mediaccedilatildeo sempre com vista a um entendimento entre as partes atraveacutes do uso
da palavra de amenas discussotildees e trocas de argumentos O termo diaacutelogo ldquovem do grego
diaacutelogos διά = atraveacutes e λογόι = palavra conhecimento pelo latim dialogus5rdquo
3 ARCOS ndash Estudos de Arbitragem Mediaccedilatildeo e Negociaccedilatildeo Vol 4 [Em linha] Brasil 2012 [consult 12 de
dez 2012] Disponiacutevel em httpwwwarcosorgbr 4 PRIBERAM [Em linha] Lisboa 2012 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwpriberampt
5 WIKIPEacuteDIA [Em linha] Lisboa 2013 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpptwikipediaorg
11
Na justiccedila retributiva o arguido e a viacutetima satildeo muitas vezes colocados agrave margem
do processo ficando o discurso delegado nos seus advogados tornando-o impessoal Ao
serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diaacutelogo o discurso torna-se pessoal levando
a que estes iniciem um processo de empenhamento na resoluccedilatildeo do mesmo A viacutetima teraacute
oportunidade de expor os seus sentimentos os seus medos e as suas necessidades o que a
iraacute fortalecer ao niacutevel emocional sentindo que algueacutem se interessa pelos seus sentimentos
e emoccedilotildees Estas satildeo reconhecidas consideradas e algueacutem lhes oferece uma possibilidade
de soluccedilatildeo do problema que apresentam Por seu lado o arguido teraacute tambeacutem a
oportunidade de expor as razotildees e as motivaccedilotildees que o levaram a praticar aquele ato iliacutecito
Atraveacutes do uso da palavra teraacute oportunidade de assumir a responsabilidade pelas suas
accedilotildees e de se justificar eou redimir perante a viacutetima e perante a sociedade
O facto de tanto a viacutetima como o arguido terem a oportunidade de falar e serem
escutados poderaacute ser suficiente para que deste diaacutelogo se extraia um ldquoacordordquo que
coloque termo ao processo Por vezes a viacutetima fica satisfeita com uma assunccedilatildeo de
responsabilidade e um pedido de desculpas por parte do arguido o que se poderaacute obter
apenas atraveacutes do diaacutelogo entre ambos A mediaccedilatildeo assume particular relevacircncia nos casos
em que se verifica algum tipo de dano psicoloacutegico ou moral As viacutetimas sentem-se
verdadeiramente compensadas ao serem capazes de se expressar num ambiente sereno ao
sentirem a diferenccedila de comportamento do agressor e ao ouvi-lo assumir e verbalizar o seu
erro e o seu compromisso para o futuro
Devemos primar pela aplicaccedilatildeo de medidas natildeo privativas da liberdade e aceites
pela sociedade e pelas partes como sendo suficientes para a sanaccedilatildeo do problema e pela
reposiccedilatildeo da paz social Montesquieu jaacute apregoava que ldquo Toda a pena que natildeo deriva de
absoluta necessidade eacute tiracircnicardquo6 e Cesare Beccaria defendia que o fim das penas ldquonatildeo eacute
outro senatildeo o de impedir o reacuteu de fazer novos danos aos seus concidadatildeos e de dissuadir
os outros de fazer o mesmo Devem assim escolher-se as penas e o meacutetodo de infligi-las
de tal maneira que observadas as devidas proporccedilotildees se produziraacute um efeito mais eficaz
e mais duradouro sobre o espiacuterito dos homens e menos torturante sobre o corpo do
reacuteurdquo7
6 BECCARIA Cesare ndash Dos delitos e das penas 3ordf Ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian ndash 2009 p 64
7 Ibidem p85
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
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PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
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Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
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DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
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DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
7
INTRODUCcedilAtildeO
Diariamente os Oacutergatildeos de Poliacutecia Criminal (OPC) e os Tribunais satildeo ldquoinundadosrdquo
de denuacutencias sobre alegados crimes que ocorreram Na sua maioria estas denuacutencias natildeo
passam disso mesmo de meras denuacutencias e rdquo morremrdquo no Ministeacuterio Puacuteblico (MP) dado
que natildeo satildeo respeitados os tracircmites para o processo seguir o seu normal percurso dando
origem ao seu inevitaacutevel arquivamento
O cidadatildeo em determinados casos sente que a mera denuacutencia aos OPCrsquos ou a sua
presenccedila eacute suficiente para se precaver de incidentes futuros eou para fazer cessar a
ameaccedila
Em meios rurais o facto de algueacutem ser chamado ao posto policial para prestar
declaraccedilotildees ou a presenccedila da autoridade policial na sua residecircncia por exemplo para
efeitos de notificaccedilatildeo eacute bastante constrangedor e cumpre uma missatildeo de prevenccedilatildeo
passiva da pequena criminalidade
Na pequena criminalidade grande parte das viacutetimas natildeo apresenta denuacutencia ou
demonstra uma intenccedilatildeo inicial de prosseguir com o processo para os tribunais mas nunca
se constitui assistente ou simplesmente desiste da denuacutencia
Baseando-me numa simples perceccedilatildeo pessoal julgo que o fator econoacutemico eacute
bastante desmotivador assim como o fator temporal ou seja o tempo que o processo
demora ateacute ser proferida uma decisatildeo Para que o fator dissuasor seja eficaz eacute necessaacuterio
que entre a praacutetica do facto e a sua puniccedilatildeo decorra um tempo aceitaacutevel o que natildeo estaacute a
acontecer
Eacute necessaacuterio tambeacutem que economicamente o cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes
natildeo tenha custos superiores ao por si espectaacutevel O facto de se ter de deslocar inuacutemeras
vezes aos OPCrsquos ao seu advogado e aos tribunais acarreta custos monetaacuterios e temporais
que poderatildeo natildeo compensar relativamente agraves vantagens que teraacute se simplesmente
ldquoesquecerrdquo o sucedido
8
A tiacutetulo de exemplo poderemos falar em furto simples injuacuterias difamaccedilatildeo etc
Neste tipo de crimes a viacutetima pretenderaacute que o ldquodelinquenterdquo seja punido mesmo que com
uma mera advertecircncia ou um pedido de desculpas mas sempre num curto espaccedilo de
tempo Se o espaccedilo temporal decorrido for grande a viacutetima tenderaacute a esquecer o assunto e
desistir do processo Natildeo adiantaraacute o infrator pedir desculpas agrave viacutetima por palavras
indevidamente proferidas 3 anos depois de a accedilatildeo ter decorrido e apoacutes ter obrigado a
viacutetima a inuacutemeras deslocaccedilotildees aos oacutergatildeos competentes e aos custos daiacute decorrentes
Os tribunais tecircm um avolumar de processos com pequenos delitos os quais tornam
a Justiccedila morosa acarretando custos elevadiacutessimos para o Estado Com o aliviar deste
volume de processos eacute possiacutevel que os tribunais se tornem mais ceacuteleres para os processos
de crimes mais relevantes dignificando a imagem da Justiccedila
Assim pretendemos com este trabalho de investigaccedilatildeo analisar a mediaccedilatildeo em
Processo Penal como alternativa ao cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes e dissecar a Lei
vigente a fim de apurar se eacute suficientemente motivadora e eficaz para se recorrer a este tipo
de procedimento em alternativa aos Tribunais ditos tradicionais garantindo sempre a
defesa do arguido e da Justiccedila e afianccedilando a eficaacutecia do Coacutedigo Penal
9
CAPIacuteTULO I
JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL
11 ndash Justiccedila restaurativa e mediaccedilatildeo penal
Para podermos perscrutar acerca da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal em Portugal e o
seu preacutestimo para a justiccedila teremos de a enquadrar num outro conceito ndash o de justiccedila
restaurativa e distinguir esta da justiccedila retributiva
De referir que o conceito de justiccedila restaurativa eacute mais restrito do que o conceito de
mediaccedilatildeo dado que se confina agrave aacuterea criminal enquanto que a mediaccedilatildeo se aplica a uma
panoacuteplia de aacutereas de vaacuterios ramos do Direito1 Assim balizamos tambeacutem o conceito de
mediaccedilatildeo apenas para analisarmos o prisma da mediaccedilatildeo na aacuterea penal
ldquoTem sido algumas vezes referido que a mediaccedilatildeo eacute um conceito
europeu enquanto a justiccedila restaurativa eacute um conceito anglo-
americanordquo2
Pretende-se que a justiccedila restaurativa seja assente num modelo de justiccedila informal
que apela agrave colaboraccedilatildeo e agrave reintegraccedilatildeo em alternativa agrave coerccedilatildeo
Por oposiccedilatildeo agrave justiccedila retributiva com a justiccedila restaurativa pretende-se
restabelecer a paz social de forma ceacutelere permitindo a todos os cidadatildeos uma participaccedilatildeo
ativa na administraccedilatildeo da justiccedila
1 David Miers manifesta uma visatildeo mais abrangente sobre este conceito ldquoO conceito de justiccedila restaurativa eacute
mais restrito do que o conceito de mediaccedilatildeo uma vez que se confina agrave aacuterea criminal Mas eacute mais amplo pelo
facto de contemplar uma variedade de possiacuteveis respostas por parte do infractor que nada tecircm que ver com
mediaccedilatildeo como sejam a indemnizaccedilatildeo determinada pelo tribunal ou a prestaccedilatildeo de trabalho tendente agrave
reparaccedilatildeo quer como medida de diversatildeo quer como parte de um acordo integrado na sentenccedila com uma
entidade estatal O conceito de mediaccedilatildeo eacute mais amplo do que o de justiccedila restaurativa uma vez que abrange
conflitos em contextos natildeo criminais Eacute no entanto mais restrito porquanto em contexto criminal se centra
apenas nas relaccedilotildees estabelecidas entre viacutetima e infractor em sede de mediaccedilatildeo Mesmo aqui pode ser ainda
mais restrito caso abranja apenas a mediaccedilatildeo directa e natildeo a indirectardquo in APAV ndash Projecto Dikecirc [Em
linha] Lisboa 2003 [Consult 06 ago 2013] Disponiacutevel em wwwapavpt p 52 2 MIERS op cit p 52
10
A esquematizaccedilatildeo da diferenccedila entre a justiccedila retributiva e a justiccedila restaurativa foi
desenvolvida entre outros por Howard Zehr (1990) a qual aqui reproduzimos
Justiccedila Retributiva Justiccedila Restaurativa O crime eacute definido como violaccedilatildeo ao Estado O crime eacute definido como a violaccedilatildeo de uma pessoa por
outra
Foca-se no estabelecimento da culpa e no passado Foca-se na resoluccedilatildeo do problema nas responsabilidades
nas obrigaccedilotildees e no futuro
Relaccedilatildeo adversarial e processo normativo Diaacutelogo e negociaccedilatildeo normativa
Imposiccedilatildeo da dor para punir e dissuadirprevenir Restituiccedilatildeo como um meio de restauraccedilatildeo para ambas as
partes objetivo de reconciliarrestaurar
Justiccedila definida pelo propoacutesito e pelo processo regras de
direito
Justiccedila definida como relacionamento correto julgada
pelo resultado
A natureza interpessoal e conflitual do crime obscurecida
reprimida conflito opotildee individuo e Estado
Crime reconhecido como um conflito interpessoal valor
do conflito eacute reconhecido
Um prejuiacutezo social eacute substituiacutedo por outro Focaliza a reparaccedilatildeo do prejuiacutezo social
Comunidade eacute deixada agrave margem sendo representada
abstratamente pelo Estado
Comunidade eacute facilitadora no processo restaurador
Encorajamento aos valores competitivos e individualistas Encorajamento a valores de reciprocidade
Accedilotildees direcionadas do Estado para o ofensor - viacutetima
ignorada - ofensor passivo
Reconhecimento da participaccedilatildeo da viacutetima e do ofensor no
problemasoluccedilatildeo ndash direitosdeveres da viacutetima
reconhecidos ndash ofensor encorajado a assumir a
responsabilidade
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida como o
cumprimento da puniccedilatildeo
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida no entendimento
do impacto da sua accedilatildeo e na ajuda para determinar a
melhor maneira de consertar seus erros
O crime eacute definido puramente em termos legais
desprovido de aspetos morais sociais econoacutemicos ou
poliacuteticos
O crime eacute entendido como parte de um contexto-moral
econoacutemico e poliacutetico
Estado e sociedade em abstrato como credores da ldquodiacutevidardquo Viacutetima particular como credora da ldquodiacutevidardquo
Reaccedilatildeo baseada no comportamento passado do ofensor Reaccedilatildeo baseada nas consequecircncias prejudiciais do
comportamento do ofensor
Estigma de crime irremoviacutevel Estigma de resoluccedilatildeo do crime por meio de accedilotildees
restaurativas
Natildeo se encoraja o perdatildeo e o arrependimento Possibilidade para o perdatildeo e arrependimento
Participaccedilatildeo dependente de procuradores profissionais Envolvimento direto dos participantes
Fonte Howard Zehr (1985)3
A justiccedila restaurativa baseia-se em valores de respeito entre ldquopartesrdquo procura
estimular a participaccedilatildeo ativa de ambas no processo e da descentralizaccedilatildeo na
administraccedilatildeo da justiccedila penal O saber manter-se em silecircncio e escutar o outro eacute uma
demonstraccedilatildeo de respeito por este A proacutepria definiccedilatildeo do termo diaacutelogo - ldquoDiscussatildeo ou
negociaccedilatildeo entre duas ou mais partes geralmente com vista a um acordo4rdquo - define o
objetivo da mediaccedilatildeo sempre com vista a um entendimento entre as partes atraveacutes do uso
da palavra de amenas discussotildees e trocas de argumentos O termo diaacutelogo ldquovem do grego
diaacutelogos διά = atraveacutes e λογόι = palavra conhecimento pelo latim dialogus5rdquo
3 ARCOS ndash Estudos de Arbitragem Mediaccedilatildeo e Negociaccedilatildeo Vol 4 [Em linha] Brasil 2012 [consult 12 de
dez 2012] Disponiacutevel em httpwwwarcosorgbr 4 PRIBERAM [Em linha] Lisboa 2012 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwpriberampt
5 WIKIPEacuteDIA [Em linha] Lisboa 2013 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpptwikipediaorg
11
Na justiccedila retributiva o arguido e a viacutetima satildeo muitas vezes colocados agrave margem
do processo ficando o discurso delegado nos seus advogados tornando-o impessoal Ao
serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diaacutelogo o discurso torna-se pessoal levando
a que estes iniciem um processo de empenhamento na resoluccedilatildeo do mesmo A viacutetima teraacute
oportunidade de expor os seus sentimentos os seus medos e as suas necessidades o que a
iraacute fortalecer ao niacutevel emocional sentindo que algueacutem se interessa pelos seus sentimentos
e emoccedilotildees Estas satildeo reconhecidas consideradas e algueacutem lhes oferece uma possibilidade
de soluccedilatildeo do problema que apresentam Por seu lado o arguido teraacute tambeacutem a
oportunidade de expor as razotildees e as motivaccedilotildees que o levaram a praticar aquele ato iliacutecito
Atraveacutes do uso da palavra teraacute oportunidade de assumir a responsabilidade pelas suas
accedilotildees e de se justificar eou redimir perante a viacutetima e perante a sociedade
O facto de tanto a viacutetima como o arguido terem a oportunidade de falar e serem
escutados poderaacute ser suficiente para que deste diaacutelogo se extraia um ldquoacordordquo que
coloque termo ao processo Por vezes a viacutetima fica satisfeita com uma assunccedilatildeo de
responsabilidade e um pedido de desculpas por parte do arguido o que se poderaacute obter
apenas atraveacutes do diaacutelogo entre ambos A mediaccedilatildeo assume particular relevacircncia nos casos
em que se verifica algum tipo de dano psicoloacutegico ou moral As viacutetimas sentem-se
verdadeiramente compensadas ao serem capazes de se expressar num ambiente sereno ao
sentirem a diferenccedila de comportamento do agressor e ao ouvi-lo assumir e verbalizar o seu
erro e o seu compromisso para o futuro
Devemos primar pela aplicaccedilatildeo de medidas natildeo privativas da liberdade e aceites
pela sociedade e pelas partes como sendo suficientes para a sanaccedilatildeo do problema e pela
reposiccedilatildeo da paz social Montesquieu jaacute apregoava que ldquo Toda a pena que natildeo deriva de
absoluta necessidade eacute tiracircnicardquo6 e Cesare Beccaria defendia que o fim das penas ldquonatildeo eacute
outro senatildeo o de impedir o reacuteu de fazer novos danos aos seus concidadatildeos e de dissuadir
os outros de fazer o mesmo Devem assim escolher-se as penas e o meacutetodo de infligi-las
de tal maneira que observadas as devidas proporccedilotildees se produziraacute um efeito mais eficaz
e mais duradouro sobre o espiacuterito dos homens e menos torturante sobre o corpo do
reacuteurdquo7
6 BECCARIA Cesare ndash Dos delitos e das penas 3ordf Ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian ndash 2009 p 64
7 Ibidem p85
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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ANEXOS
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LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
61
62
63
PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
64
65
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PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
67
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PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
71
72
73
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75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
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DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
8
A tiacutetulo de exemplo poderemos falar em furto simples injuacuterias difamaccedilatildeo etc
Neste tipo de crimes a viacutetima pretenderaacute que o ldquodelinquenterdquo seja punido mesmo que com
uma mera advertecircncia ou um pedido de desculpas mas sempre num curto espaccedilo de
tempo Se o espaccedilo temporal decorrido for grande a viacutetima tenderaacute a esquecer o assunto e
desistir do processo Natildeo adiantaraacute o infrator pedir desculpas agrave viacutetima por palavras
indevidamente proferidas 3 anos depois de a accedilatildeo ter decorrido e apoacutes ter obrigado a
viacutetima a inuacutemeras deslocaccedilotildees aos oacutergatildeos competentes e aos custos daiacute decorrentes
Os tribunais tecircm um avolumar de processos com pequenos delitos os quais tornam
a Justiccedila morosa acarretando custos elevadiacutessimos para o Estado Com o aliviar deste
volume de processos eacute possiacutevel que os tribunais se tornem mais ceacuteleres para os processos
de crimes mais relevantes dignificando a imagem da Justiccedila
Assim pretendemos com este trabalho de investigaccedilatildeo analisar a mediaccedilatildeo em
Processo Penal como alternativa ao cidadatildeo viacutetima deste tipo de crimes e dissecar a Lei
vigente a fim de apurar se eacute suficientemente motivadora e eficaz para se recorrer a este tipo
de procedimento em alternativa aos Tribunais ditos tradicionais garantindo sempre a
defesa do arguido e da Justiccedila e afianccedilando a eficaacutecia do Coacutedigo Penal
9
CAPIacuteTULO I
JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL
11 ndash Justiccedila restaurativa e mediaccedilatildeo penal
Para podermos perscrutar acerca da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal em Portugal e o
seu preacutestimo para a justiccedila teremos de a enquadrar num outro conceito ndash o de justiccedila
restaurativa e distinguir esta da justiccedila retributiva
De referir que o conceito de justiccedila restaurativa eacute mais restrito do que o conceito de
mediaccedilatildeo dado que se confina agrave aacuterea criminal enquanto que a mediaccedilatildeo se aplica a uma
panoacuteplia de aacutereas de vaacuterios ramos do Direito1 Assim balizamos tambeacutem o conceito de
mediaccedilatildeo apenas para analisarmos o prisma da mediaccedilatildeo na aacuterea penal
ldquoTem sido algumas vezes referido que a mediaccedilatildeo eacute um conceito
europeu enquanto a justiccedila restaurativa eacute um conceito anglo-
americanordquo2
Pretende-se que a justiccedila restaurativa seja assente num modelo de justiccedila informal
que apela agrave colaboraccedilatildeo e agrave reintegraccedilatildeo em alternativa agrave coerccedilatildeo
Por oposiccedilatildeo agrave justiccedila retributiva com a justiccedila restaurativa pretende-se
restabelecer a paz social de forma ceacutelere permitindo a todos os cidadatildeos uma participaccedilatildeo
ativa na administraccedilatildeo da justiccedila
1 David Miers manifesta uma visatildeo mais abrangente sobre este conceito ldquoO conceito de justiccedila restaurativa eacute
mais restrito do que o conceito de mediaccedilatildeo uma vez que se confina agrave aacuterea criminal Mas eacute mais amplo pelo
facto de contemplar uma variedade de possiacuteveis respostas por parte do infractor que nada tecircm que ver com
mediaccedilatildeo como sejam a indemnizaccedilatildeo determinada pelo tribunal ou a prestaccedilatildeo de trabalho tendente agrave
reparaccedilatildeo quer como medida de diversatildeo quer como parte de um acordo integrado na sentenccedila com uma
entidade estatal O conceito de mediaccedilatildeo eacute mais amplo do que o de justiccedila restaurativa uma vez que abrange
conflitos em contextos natildeo criminais Eacute no entanto mais restrito porquanto em contexto criminal se centra
apenas nas relaccedilotildees estabelecidas entre viacutetima e infractor em sede de mediaccedilatildeo Mesmo aqui pode ser ainda
mais restrito caso abranja apenas a mediaccedilatildeo directa e natildeo a indirectardquo in APAV ndash Projecto Dikecirc [Em
linha] Lisboa 2003 [Consult 06 ago 2013] Disponiacutevel em wwwapavpt p 52 2 MIERS op cit p 52
10
A esquematizaccedilatildeo da diferenccedila entre a justiccedila retributiva e a justiccedila restaurativa foi
desenvolvida entre outros por Howard Zehr (1990) a qual aqui reproduzimos
Justiccedila Retributiva Justiccedila Restaurativa O crime eacute definido como violaccedilatildeo ao Estado O crime eacute definido como a violaccedilatildeo de uma pessoa por
outra
Foca-se no estabelecimento da culpa e no passado Foca-se na resoluccedilatildeo do problema nas responsabilidades
nas obrigaccedilotildees e no futuro
Relaccedilatildeo adversarial e processo normativo Diaacutelogo e negociaccedilatildeo normativa
Imposiccedilatildeo da dor para punir e dissuadirprevenir Restituiccedilatildeo como um meio de restauraccedilatildeo para ambas as
partes objetivo de reconciliarrestaurar
Justiccedila definida pelo propoacutesito e pelo processo regras de
direito
Justiccedila definida como relacionamento correto julgada
pelo resultado
A natureza interpessoal e conflitual do crime obscurecida
reprimida conflito opotildee individuo e Estado
Crime reconhecido como um conflito interpessoal valor
do conflito eacute reconhecido
Um prejuiacutezo social eacute substituiacutedo por outro Focaliza a reparaccedilatildeo do prejuiacutezo social
Comunidade eacute deixada agrave margem sendo representada
abstratamente pelo Estado
Comunidade eacute facilitadora no processo restaurador
Encorajamento aos valores competitivos e individualistas Encorajamento a valores de reciprocidade
Accedilotildees direcionadas do Estado para o ofensor - viacutetima
ignorada - ofensor passivo
Reconhecimento da participaccedilatildeo da viacutetima e do ofensor no
problemasoluccedilatildeo ndash direitosdeveres da viacutetima
reconhecidos ndash ofensor encorajado a assumir a
responsabilidade
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida como o
cumprimento da puniccedilatildeo
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida no entendimento
do impacto da sua accedilatildeo e na ajuda para determinar a
melhor maneira de consertar seus erros
O crime eacute definido puramente em termos legais
desprovido de aspetos morais sociais econoacutemicos ou
poliacuteticos
O crime eacute entendido como parte de um contexto-moral
econoacutemico e poliacutetico
Estado e sociedade em abstrato como credores da ldquodiacutevidardquo Viacutetima particular como credora da ldquodiacutevidardquo
Reaccedilatildeo baseada no comportamento passado do ofensor Reaccedilatildeo baseada nas consequecircncias prejudiciais do
comportamento do ofensor
Estigma de crime irremoviacutevel Estigma de resoluccedilatildeo do crime por meio de accedilotildees
restaurativas
Natildeo se encoraja o perdatildeo e o arrependimento Possibilidade para o perdatildeo e arrependimento
Participaccedilatildeo dependente de procuradores profissionais Envolvimento direto dos participantes
Fonte Howard Zehr (1985)3
A justiccedila restaurativa baseia-se em valores de respeito entre ldquopartesrdquo procura
estimular a participaccedilatildeo ativa de ambas no processo e da descentralizaccedilatildeo na
administraccedilatildeo da justiccedila penal O saber manter-se em silecircncio e escutar o outro eacute uma
demonstraccedilatildeo de respeito por este A proacutepria definiccedilatildeo do termo diaacutelogo - ldquoDiscussatildeo ou
negociaccedilatildeo entre duas ou mais partes geralmente com vista a um acordo4rdquo - define o
objetivo da mediaccedilatildeo sempre com vista a um entendimento entre as partes atraveacutes do uso
da palavra de amenas discussotildees e trocas de argumentos O termo diaacutelogo ldquovem do grego
diaacutelogos διά = atraveacutes e λογόι = palavra conhecimento pelo latim dialogus5rdquo
3 ARCOS ndash Estudos de Arbitragem Mediaccedilatildeo e Negociaccedilatildeo Vol 4 [Em linha] Brasil 2012 [consult 12 de
dez 2012] Disponiacutevel em httpwwwarcosorgbr 4 PRIBERAM [Em linha] Lisboa 2012 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwpriberampt
5 WIKIPEacuteDIA [Em linha] Lisboa 2013 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpptwikipediaorg
11
Na justiccedila retributiva o arguido e a viacutetima satildeo muitas vezes colocados agrave margem
do processo ficando o discurso delegado nos seus advogados tornando-o impessoal Ao
serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diaacutelogo o discurso torna-se pessoal levando
a que estes iniciem um processo de empenhamento na resoluccedilatildeo do mesmo A viacutetima teraacute
oportunidade de expor os seus sentimentos os seus medos e as suas necessidades o que a
iraacute fortalecer ao niacutevel emocional sentindo que algueacutem se interessa pelos seus sentimentos
e emoccedilotildees Estas satildeo reconhecidas consideradas e algueacutem lhes oferece uma possibilidade
de soluccedilatildeo do problema que apresentam Por seu lado o arguido teraacute tambeacutem a
oportunidade de expor as razotildees e as motivaccedilotildees que o levaram a praticar aquele ato iliacutecito
Atraveacutes do uso da palavra teraacute oportunidade de assumir a responsabilidade pelas suas
accedilotildees e de se justificar eou redimir perante a viacutetima e perante a sociedade
O facto de tanto a viacutetima como o arguido terem a oportunidade de falar e serem
escutados poderaacute ser suficiente para que deste diaacutelogo se extraia um ldquoacordordquo que
coloque termo ao processo Por vezes a viacutetima fica satisfeita com uma assunccedilatildeo de
responsabilidade e um pedido de desculpas por parte do arguido o que se poderaacute obter
apenas atraveacutes do diaacutelogo entre ambos A mediaccedilatildeo assume particular relevacircncia nos casos
em que se verifica algum tipo de dano psicoloacutegico ou moral As viacutetimas sentem-se
verdadeiramente compensadas ao serem capazes de se expressar num ambiente sereno ao
sentirem a diferenccedila de comportamento do agressor e ao ouvi-lo assumir e verbalizar o seu
erro e o seu compromisso para o futuro
Devemos primar pela aplicaccedilatildeo de medidas natildeo privativas da liberdade e aceites
pela sociedade e pelas partes como sendo suficientes para a sanaccedilatildeo do problema e pela
reposiccedilatildeo da paz social Montesquieu jaacute apregoava que ldquo Toda a pena que natildeo deriva de
absoluta necessidade eacute tiracircnicardquo6 e Cesare Beccaria defendia que o fim das penas ldquonatildeo eacute
outro senatildeo o de impedir o reacuteu de fazer novos danos aos seus concidadatildeos e de dissuadir
os outros de fazer o mesmo Devem assim escolher-se as penas e o meacutetodo de infligi-las
de tal maneira que observadas as devidas proporccedilotildees se produziraacute um efeito mais eficaz
e mais duradouro sobre o espiacuterito dos homens e menos torturante sobre o corpo do
reacuteurdquo7
6 BECCARIA Cesare ndash Dos delitos e das penas 3ordf Ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian ndash 2009 p 64
7 Ibidem p85
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
61
62
63
PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
64
65
66
PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
67
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69
70
PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
71
72
73
74
75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
9
CAPIacuteTULO I
JUSTICcedilA RESTAURATIVA E MEDIACcedilAtildeO PENAL
11 ndash Justiccedila restaurativa e mediaccedilatildeo penal
Para podermos perscrutar acerca da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal em Portugal e o
seu preacutestimo para a justiccedila teremos de a enquadrar num outro conceito ndash o de justiccedila
restaurativa e distinguir esta da justiccedila retributiva
De referir que o conceito de justiccedila restaurativa eacute mais restrito do que o conceito de
mediaccedilatildeo dado que se confina agrave aacuterea criminal enquanto que a mediaccedilatildeo se aplica a uma
panoacuteplia de aacutereas de vaacuterios ramos do Direito1 Assim balizamos tambeacutem o conceito de
mediaccedilatildeo apenas para analisarmos o prisma da mediaccedilatildeo na aacuterea penal
ldquoTem sido algumas vezes referido que a mediaccedilatildeo eacute um conceito
europeu enquanto a justiccedila restaurativa eacute um conceito anglo-
americanordquo2
Pretende-se que a justiccedila restaurativa seja assente num modelo de justiccedila informal
que apela agrave colaboraccedilatildeo e agrave reintegraccedilatildeo em alternativa agrave coerccedilatildeo
Por oposiccedilatildeo agrave justiccedila retributiva com a justiccedila restaurativa pretende-se
restabelecer a paz social de forma ceacutelere permitindo a todos os cidadatildeos uma participaccedilatildeo
ativa na administraccedilatildeo da justiccedila
1 David Miers manifesta uma visatildeo mais abrangente sobre este conceito ldquoO conceito de justiccedila restaurativa eacute
mais restrito do que o conceito de mediaccedilatildeo uma vez que se confina agrave aacuterea criminal Mas eacute mais amplo pelo
facto de contemplar uma variedade de possiacuteveis respostas por parte do infractor que nada tecircm que ver com
mediaccedilatildeo como sejam a indemnizaccedilatildeo determinada pelo tribunal ou a prestaccedilatildeo de trabalho tendente agrave
reparaccedilatildeo quer como medida de diversatildeo quer como parte de um acordo integrado na sentenccedila com uma
entidade estatal O conceito de mediaccedilatildeo eacute mais amplo do que o de justiccedila restaurativa uma vez que abrange
conflitos em contextos natildeo criminais Eacute no entanto mais restrito porquanto em contexto criminal se centra
apenas nas relaccedilotildees estabelecidas entre viacutetima e infractor em sede de mediaccedilatildeo Mesmo aqui pode ser ainda
mais restrito caso abranja apenas a mediaccedilatildeo directa e natildeo a indirectardquo in APAV ndash Projecto Dikecirc [Em
linha] Lisboa 2003 [Consult 06 ago 2013] Disponiacutevel em wwwapavpt p 52 2 MIERS op cit p 52
10
A esquematizaccedilatildeo da diferenccedila entre a justiccedila retributiva e a justiccedila restaurativa foi
desenvolvida entre outros por Howard Zehr (1990) a qual aqui reproduzimos
Justiccedila Retributiva Justiccedila Restaurativa O crime eacute definido como violaccedilatildeo ao Estado O crime eacute definido como a violaccedilatildeo de uma pessoa por
outra
Foca-se no estabelecimento da culpa e no passado Foca-se na resoluccedilatildeo do problema nas responsabilidades
nas obrigaccedilotildees e no futuro
Relaccedilatildeo adversarial e processo normativo Diaacutelogo e negociaccedilatildeo normativa
Imposiccedilatildeo da dor para punir e dissuadirprevenir Restituiccedilatildeo como um meio de restauraccedilatildeo para ambas as
partes objetivo de reconciliarrestaurar
Justiccedila definida pelo propoacutesito e pelo processo regras de
direito
Justiccedila definida como relacionamento correto julgada
pelo resultado
A natureza interpessoal e conflitual do crime obscurecida
reprimida conflito opotildee individuo e Estado
Crime reconhecido como um conflito interpessoal valor
do conflito eacute reconhecido
Um prejuiacutezo social eacute substituiacutedo por outro Focaliza a reparaccedilatildeo do prejuiacutezo social
Comunidade eacute deixada agrave margem sendo representada
abstratamente pelo Estado
Comunidade eacute facilitadora no processo restaurador
Encorajamento aos valores competitivos e individualistas Encorajamento a valores de reciprocidade
Accedilotildees direcionadas do Estado para o ofensor - viacutetima
ignorada - ofensor passivo
Reconhecimento da participaccedilatildeo da viacutetima e do ofensor no
problemasoluccedilatildeo ndash direitosdeveres da viacutetima
reconhecidos ndash ofensor encorajado a assumir a
responsabilidade
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida como o
cumprimento da puniccedilatildeo
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida no entendimento
do impacto da sua accedilatildeo e na ajuda para determinar a
melhor maneira de consertar seus erros
O crime eacute definido puramente em termos legais
desprovido de aspetos morais sociais econoacutemicos ou
poliacuteticos
O crime eacute entendido como parte de um contexto-moral
econoacutemico e poliacutetico
Estado e sociedade em abstrato como credores da ldquodiacutevidardquo Viacutetima particular como credora da ldquodiacutevidardquo
Reaccedilatildeo baseada no comportamento passado do ofensor Reaccedilatildeo baseada nas consequecircncias prejudiciais do
comportamento do ofensor
Estigma de crime irremoviacutevel Estigma de resoluccedilatildeo do crime por meio de accedilotildees
restaurativas
Natildeo se encoraja o perdatildeo e o arrependimento Possibilidade para o perdatildeo e arrependimento
Participaccedilatildeo dependente de procuradores profissionais Envolvimento direto dos participantes
Fonte Howard Zehr (1985)3
A justiccedila restaurativa baseia-se em valores de respeito entre ldquopartesrdquo procura
estimular a participaccedilatildeo ativa de ambas no processo e da descentralizaccedilatildeo na
administraccedilatildeo da justiccedila penal O saber manter-se em silecircncio e escutar o outro eacute uma
demonstraccedilatildeo de respeito por este A proacutepria definiccedilatildeo do termo diaacutelogo - ldquoDiscussatildeo ou
negociaccedilatildeo entre duas ou mais partes geralmente com vista a um acordo4rdquo - define o
objetivo da mediaccedilatildeo sempre com vista a um entendimento entre as partes atraveacutes do uso
da palavra de amenas discussotildees e trocas de argumentos O termo diaacutelogo ldquovem do grego
diaacutelogos διά = atraveacutes e λογόι = palavra conhecimento pelo latim dialogus5rdquo
3 ARCOS ndash Estudos de Arbitragem Mediaccedilatildeo e Negociaccedilatildeo Vol 4 [Em linha] Brasil 2012 [consult 12 de
dez 2012] Disponiacutevel em httpwwwarcosorgbr 4 PRIBERAM [Em linha] Lisboa 2012 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwpriberampt
5 WIKIPEacuteDIA [Em linha] Lisboa 2013 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpptwikipediaorg
11
Na justiccedila retributiva o arguido e a viacutetima satildeo muitas vezes colocados agrave margem
do processo ficando o discurso delegado nos seus advogados tornando-o impessoal Ao
serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diaacutelogo o discurso torna-se pessoal levando
a que estes iniciem um processo de empenhamento na resoluccedilatildeo do mesmo A viacutetima teraacute
oportunidade de expor os seus sentimentos os seus medos e as suas necessidades o que a
iraacute fortalecer ao niacutevel emocional sentindo que algueacutem se interessa pelos seus sentimentos
e emoccedilotildees Estas satildeo reconhecidas consideradas e algueacutem lhes oferece uma possibilidade
de soluccedilatildeo do problema que apresentam Por seu lado o arguido teraacute tambeacutem a
oportunidade de expor as razotildees e as motivaccedilotildees que o levaram a praticar aquele ato iliacutecito
Atraveacutes do uso da palavra teraacute oportunidade de assumir a responsabilidade pelas suas
accedilotildees e de se justificar eou redimir perante a viacutetima e perante a sociedade
O facto de tanto a viacutetima como o arguido terem a oportunidade de falar e serem
escutados poderaacute ser suficiente para que deste diaacutelogo se extraia um ldquoacordordquo que
coloque termo ao processo Por vezes a viacutetima fica satisfeita com uma assunccedilatildeo de
responsabilidade e um pedido de desculpas por parte do arguido o que se poderaacute obter
apenas atraveacutes do diaacutelogo entre ambos A mediaccedilatildeo assume particular relevacircncia nos casos
em que se verifica algum tipo de dano psicoloacutegico ou moral As viacutetimas sentem-se
verdadeiramente compensadas ao serem capazes de se expressar num ambiente sereno ao
sentirem a diferenccedila de comportamento do agressor e ao ouvi-lo assumir e verbalizar o seu
erro e o seu compromisso para o futuro
Devemos primar pela aplicaccedilatildeo de medidas natildeo privativas da liberdade e aceites
pela sociedade e pelas partes como sendo suficientes para a sanaccedilatildeo do problema e pela
reposiccedilatildeo da paz social Montesquieu jaacute apregoava que ldquo Toda a pena que natildeo deriva de
absoluta necessidade eacute tiracircnicardquo6 e Cesare Beccaria defendia que o fim das penas ldquonatildeo eacute
outro senatildeo o de impedir o reacuteu de fazer novos danos aos seus concidadatildeos e de dissuadir
os outros de fazer o mesmo Devem assim escolher-se as penas e o meacutetodo de infligi-las
de tal maneira que observadas as devidas proporccedilotildees se produziraacute um efeito mais eficaz
e mais duradouro sobre o espiacuterito dos homens e menos torturante sobre o corpo do
reacuteurdquo7
6 BECCARIA Cesare ndash Dos delitos e das penas 3ordf Ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian ndash 2009 p 64
7 Ibidem p85
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
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Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
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A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
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Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
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Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
61
62
63
PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
64
65
66
PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
67
68
69
70
PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
71
72
73
74
75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
10
A esquematizaccedilatildeo da diferenccedila entre a justiccedila retributiva e a justiccedila restaurativa foi
desenvolvida entre outros por Howard Zehr (1990) a qual aqui reproduzimos
Justiccedila Retributiva Justiccedila Restaurativa O crime eacute definido como violaccedilatildeo ao Estado O crime eacute definido como a violaccedilatildeo de uma pessoa por
outra
Foca-se no estabelecimento da culpa e no passado Foca-se na resoluccedilatildeo do problema nas responsabilidades
nas obrigaccedilotildees e no futuro
Relaccedilatildeo adversarial e processo normativo Diaacutelogo e negociaccedilatildeo normativa
Imposiccedilatildeo da dor para punir e dissuadirprevenir Restituiccedilatildeo como um meio de restauraccedilatildeo para ambas as
partes objetivo de reconciliarrestaurar
Justiccedila definida pelo propoacutesito e pelo processo regras de
direito
Justiccedila definida como relacionamento correto julgada
pelo resultado
A natureza interpessoal e conflitual do crime obscurecida
reprimida conflito opotildee individuo e Estado
Crime reconhecido como um conflito interpessoal valor
do conflito eacute reconhecido
Um prejuiacutezo social eacute substituiacutedo por outro Focaliza a reparaccedilatildeo do prejuiacutezo social
Comunidade eacute deixada agrave margem sendo representada
abstratamente pelo Estado
Comunidade eacute facilitadora no processo restaurador
Encorajamento aos valores competitivos e individualistas Encorajamento a valores de reciprocidade
Accedilotildees direcionadas do Estado para o ofensor - viacutetima
ignorada - ofensor passivo
Reconhecimento da participaccedilatildeo da viacutetima e do ofensor no
problemasoluccedilatildeo ndash direitosdeveres da viacutetima
reconhecidos ndash ofensor encorajado a assumir a
responsabilidade
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida como o
cumprimento da puniccedilatildeo
Responsabilizaccedilatildeo do ofensor eacute definida no entendimento
do impacto da sua accedilatildeo e na ajuda para determinar a
melhor maneira de consertar seus erros
O crime eacute definido puramente em termos legais
desprovido de aspetos morais sociais econoacutemicos ou
poliacuteticos
O crime eacute entendido como parte de um contexto-moral
econoacutemico e poliacutetico
Estado e sociedade em abstrato como credores da ldquodiacutevidardquo Viacutetima particular como credora da ldquodiacutevidardquo
Reaccedilatildeo baseada no comportamento passado do ofensor Reaccedilatildeo baseada nas consequecircncias prejudiciais do
comportamento do ofensor
Estigma de crime irremoviacutevel Estigma de resoluccedilatildeo do crime por meio de accedilotildees
restaurativas
Natildeo se encoraja o perdatildeo e o arrependimento Possibilidade para o perdatildeo e arrependimento
Participaccedilatildeo dependente de procuradores profissionais Envolvimento direto dos participantes
Fonte Howard Zehr (1985)3
A justiccedila restaurativa baseia-se em valores de respeito entre ldquopartesrdquo procura
estimular a participaccedilatildeo ativa de ambas no processo e da descentralizaccedilatildeo na
administraccedilatildeo da justiccedila penal O saber manter-se em silecircncio e escutar o outro eacute uma
demonstraccedilatildeo de respeito por este A proacutepria definiccedilatildeo do termo diaacutelogo - ldquoDiscussatildeo ou
negociaccedilatildeo entre duas ou mais partes geralmente com vista a um acordo4rdquo - define o
objetivo da mediaccedilatildeo sempre com vista a um entendimento entre as partes atraveacutes do uso
da palavra de amenas discussotildees e trocas de argumentos O termo diaacutelogo ldquovem do grego
diaacutelogos διά = atraveacutes e λογόι = palavra conhecimento pelo latim dialogus5rdquo
3 ARCOS ndash Estudos de Arbitragem Mediaccedilatildeo e Negociaccedilatildeo Vol 4 [Em linha] Brasil 2012 [consult 12 de
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5 WIKIPEacuteDIA [Em linha] Lisboa 2013 [consult 14 de ago 2013] Disponiacutevel em httpptwikipediaorg
11
Na justiccedila retributiva o arguido e a viacutetima satildeo muitas vezes colocados agrave margem
do processo ficando o discurso delegado nos seus advogados tornando-o impessoal Ao
serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diaacutelogo o discurso torna-se pessoal levando
a que estes iniciem um processo de empenhamento na resoluccedilatildeo do mesmo A viacutetima teraacute
oportunidade de expor os seus sentimentos os seus medos e as suas necessidades o que a
iraacute fortalecer ao niacutevel emocional sentindo que algueacutem se interessa pelos seus sentimentos
e emoccedilotildees Estas satildeo reconhecidas consideradas e algueacutem lhes oferece uma possibilidade
de soluccedilatildeo do problema que apresentam Por seu lado o arguido teraacute tambeacutem a
oportunidade de expor as razotildees e as motivaccedilotildees que o levaram a praticar aquele ato iliacutecito
Atraveacutes do uso da palavra teraacute oportunidade de assumir a responsabilidade pelas suas
accedilotildees e de se justificar eou redimir perante a viacutetima e perante a sociedade
O facto de tanto a viacutetima como o arguido terem a oportunidade de falar e serem
escutados poderaacute ser suficiente para que deste diaacutelogo se extraia um ldquoacordordquo que
coloque termo ao processo Por vezes a viacutetima fica satisfeita com uma assunccedilatildeo de
responsabilidade e um pedido de desculpas por parte do arguido o que se poderaacute obter
apenas atraveacutes do diaacutelogo entre ambos A mediaccedilatildeo assume particular relevacircncia nos casos
em que se verifica algum tipo de dano psicoloacutegico ou moral As viacutetimas sentem-se
verdadeiramente compensadas ao serem capazes de se expressar num ambiente sereno ao
sentirem a diferenccedila de comportamento do agressor e ao ouvi-lo assumir e verbalizar o seu
erro e o seu compromisso para o futuro
Devemos primar pela aplicaccedilatildeo de medidas natildeo privativas da liberdade e aceites
pela sociedade e pelas partes como sendo suficientes para a sanaccedilatildeo do problema e pela
reposiccedilatildeo da paz social Montesquieu jaacute apregoava que ldquo Toda a pena que natildeo deriva de
absoluta necessidade eacute tiracircnicardquo6 e Cesare Beccaria defendia que o fim das penas ldquonatildeo eacute
outro senatildeo o de impedir o reacuteu de fazer novos danos aos seus concidadatildeos e de dissuadir
os outros de fazer o mesmo Devem assim escolher-se as penas e o meacutetodo de infligi-las
de tal maneira que observadas as devidas proporccedilotildees se produziraacute um efeito mais eficaz
e mais duradouro sobre o espiacuterito dos homens e menos torturante sobre o corpo do
reacuteurdquo7
6 BECCARIA Cesare ndash Dos delitos e das penas 3ordf Ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian ndash 2009 p 64
7 Ibidem p85
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
61
62
63
PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
64
65
66
PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
67
68
69
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PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
71
72
73
74
75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
11
Na justiccedila retributiva o arguido e a viacutetima satildeo muitas vezes colocados agrave margem
do processo ficando o discurso delegado nos seus advogados tornando-o impessoal Ao
serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diaacutelogo o discurso torna-se pessoal levando
a que estes iniciem um processo de empenhamento na resoluccedilatildeo do mesmo A viacutetima teraacute
oportunidade de expor os seus sentimentos os seus medos e as suas necessidades o que a
iraacute fortalecer ao niacutevel emocional sentindo que algueacutem se interessa pelos seus sentimentos
e emoccedilotildees Estas satildeo reconhecidas consideradas e algueacutem lhes oferece uma possibilidade
de soluccedilatildeo do problema que apresentam Por seu lado o arguido teraacute tambeacutem a
oportunidade de expor as razotildees e as motivaccedilotildees que o levaram a praticar aquele ato iliacutecito
Atraveacutes do uso da palavra teraacute oportunidade de assumir a responsabilidade pelas suas
accedilotildees e de se justificar eou redimir perante a viacutetima e perante a sociedade
O facto de tanto a viacutetima como o arguido terem a oportunidade de falar e serem
escutados poderaacute ser suficiente para que deste diaacutelogo se extraia um ldquoacordordquo que
coloque termo ao processo Por vezes a viacutetima fica satisfeita com uma assunccedilatildeo de
responsabilidade e um pedido de desculpas por parte do arguido o que se poderaacute obter
apenas atraveacutes do diaacutelogo entre ambos A mediaccedilatildeo assume particular relevacircncia nos casos
em que se verifica algum tipo de dano psicoloacutegico ou moral As viacutetimas sentem-se
verdadeiramente compensadas ao serem capazes de se expressar num ambiente sereno ao
sentirem a diferenccedila de comportamento do agressor e ao ouvi-lo assumir e verbalizar o seu
erro e o seu compromisso para o futuro
Devemos primar pela aplicaccedilatildeo de medidas natildeo privativas da liberdade e aceites
pela sociedade e pelas partes como sendo suficientes para a sanaccedilatildeo do problema e pela
reposiccedilatildeo da paz social Montesquieu jaacute apregoava que ldquo Toda a pena que natildeo deriva de
absoluta necessidade eacute tiracircnicardquo6 e Cesare Beccaria defendia que o fim das penas ldquonatildeo eacute
outro senatildeo o de impedir o reacuteu de fazer novos danos aos seus concidadatildeos e de dissuadir
os outros de fazer o mesmo Devem assim escolher-se as penas e o meacutetodo de infligi-las
de tal maneira que observadas as devidas proporccedilotildees se produziraacute um efeito mais eficaz
e mais duradouro sobre o espiacuterito dos homens e menos torturante sobre o corpo do
reacuteurdquo7
6 BECCARIA Cesare ndash Dos delitos e das penas 3ordf Ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian ndash 2009 p 64
7 Ibidem p85
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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O papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penal Revista do
Ministeacuterio Puacuteblico Nordm 112 Out-Dez 2007
Portaria nordm 68-A2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(2) - 634-
(3)
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57
ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
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PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
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PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
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PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
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75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
12
Mais recentemente Germano Marques da Silva utiliza a expressatildeo ldquotodo o castigo
que vaacute aleacutem do indispensaacutevel para conservar esses laccedilos (da sociabilidade) eacute
desnecessaacuterio logo injustordquo8
Natildeo perfilhamos a ideia defendida por alguns autores de que a mediaccedilatildeo penal
poderaacute ser uma forma de ldquoprivatizar o Direito Penalrdquo9 e que corremos o risco de ldquoo nosso
seacuteculo ficar para a Histoacuteria (hellip) como aquele em que a viacutetima passa de desprezada
excrescecircncia a deacutespota esclarecidardquo10
Consideramos que determinados conflitos
abrangidos por esta forma de RAL podem ser sanados sem a intervenccedilatildeo direta do
Tribunal podendo aligeirar a carga processual econoacutemica e os atrasos na administraccedilatildeo da
Justiccedila A satisfaccedilatildeo para as partes envolvidas eacute maior uma vez que sentem a justiccedila mais
perto de si
Conveacutem ainda exaltar o valor preventivo da mediaccedilatildeo a qual se revela com uma
justiccedila horizontal e natildeo vertical oferecendo elementos restaurativos e convidando os
cidadatildeos a participarem ativamente da realizaccedilatildeo da justiccedila
Partilha desta opiniatildeo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
tomando uma atidude proacute-mediaccedilatildeo nos seus arestos11
ou as Naccedilotildees Unidas atraveacutes da
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo nordm 4034
de 29 novembro de 1985
Nesta declaraccedilatildeo a ONU defende a aplicaccedilatildeo de mecanismos informais quando
adequados agrave resoluccedilatildeo de conflitos
ldquo7 Os meios extrajudiciaacuterios de soluccedilatildeo de diferendos incluindo a
mediaccedilatildeo a arbitragem e as praacuteticas de direito consuetudinaacuterio ou as
praacuteticas autoacutectones de justiccedila devem ser utilizados quando se revelem
8 SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo ndash 2001 p 182
9 LEITE Andreacute Lamas ndash A Mediaccedilatildeo Penal de Adultos Um Novo ldquoParadigmardquo de Justiccedila Coimbra
Coimbra Editora ndash 2008 p 15 10
Ibidem 11
THEO Gavrielideacutes ndash Restorative Justice Are We There Yet Responding to the Home Officersquos
Consultation Questions in LEITE op cit p 14
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
61
62
63
PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
64
65
66
PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
67
68
69
70
PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
71
72
73
74
75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
13
adequados para facilitar a conciliaccedilatildeo e obter a reparaccedilatildeo em favor das
viacutetimasrdquo12
Entre outras Recomendaccedilotildees e Resoluccedilotildees destacamos a que consideramos ser a
pedra angular que impulsionou a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em Processo Penal em
Portugal falamos da Decisatildeo-Quadro nordm2001220JAI do Conselho da Uniatildeo Europeia a
qual determinou com caraacutecter vinculativo a implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo em mateacuteria penal
em todos os Estados-Membros ateacute 22 de marccedilo de 200613
O termo mediaccedilatildeo em latim mediatio tem origem no termo mediari que significa
estar no meio intervir colocar-se entre duas partes ou de medius que significa meio14
A mediaccedilatildeo no seu conceito amplo ldquoeacute uma modalidade extrajudicial de resoluccedilatildeo
de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio e de natureza natildeo
contenciosa em que as partes com a sua participaccedilatildeo ativa e direta satildeo auxiliadas por
um mediador a encontrar por si proacuteprias uma soluccedilatildeo negociada e amigaacutevel para o
conflito que as opotildeerdquo15
O conceito de mediaccedilatildeo penal vem previsto no artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de
12 de Junho como sendo ldquoum processo informal e flexiacutevel conduzido por um terceiro
imparcial o mediador que promove a aproximaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido e os
apoia na tentativa de encontrar ativamente um acordo que permita a reparaccedilatildeo dos danos
causados pelo facto iliacutecito e contribua para a restauraccedilatildeo da paz social16
rdquo
Pretende-se com a mediaccedilatildeo que as partes envolvidas num determinado conflito se
entendam e o resolvam amenamente pelo que deveratildeo ter um domiacutenio absoluto do
procedimento de mediaccedilatildeo podendo desistir dele sempre que o desejarem
12
Declaraccedilatildeo sobre os Princiacutepios Baacutesicos de Justiccedila Relativos agraves Viacutetimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder adotada pela Assembleia das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo 4034 de 29 novembro de 1985 nordm 7
do anexo 13
Artigo 17ordm conjugado com o artigo 10ordm da Decisatildeo-Quadro do Conselho da Uniatildeo Europeia Jornal
Oficial das Comunidades Europeias Nordm L 821 (22-03-01) 14
LEXICO [Em linha] Lisboa 2013 [consult 20 de ago 2013] Disponiacutevel em httpwwwlexicopt 15
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 16
Artigo 4ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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O papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penal Revista do
Ministeacuterio Puacuteblico Nordm 112 Out-Dez 2007
Portaria nordm 68-A2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(2) - 634-
(3)
Portaria nordm 68-B2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(3) - 634-
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Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(5) - 634-
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PRIBERAM ndash Dicionaacuterio online [Em linha] Lisboa 2012 [Consult 14 ago 2013]
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SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 1ordf ed Lisboa Verbo 1997
ISBN 972-22-1828-X
SILVA Germano Marques da ndash Direito Penal Portuguecircs 2ordf ed Lisboa Verbo 2001
VARGAS Luacutecia Dias ndash Julgados de Paz e Mediaccedilatildeo Uma nova face da justiccedila
Coimbra Almedina 2006 ISBN 972-40-2891-7
WIKIPEacuteDIA ndash A enciclopeacutedia livre [Em linha] Lisboa 2013 [Consult 14 ago 2013]
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ZEHR H TOEWS B ndash Ways of knowing for a restorative worldview In
WEITEKAMP E KERNER H ndash J Restorative in context international practice and
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57
ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
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PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
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PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
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PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
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Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
14
Natildeo compete ao mediador julgar ou decidir mas sim estimular o diaacutelogo entre as
partes para que se atinja um consenso de vontades conforme desenvolveremos em
capiacutetulo proacuteprio
O processo de mediaccedilatildeo parte do princiacutepio de que as partes tecircm capacidade e
responsabilidade para determinar de forma consensual o que eacute melhor para ambas
Nos anos 60 surgiu o primeiro embriatildeo internacional do que atualmente chamamos
de mediaccedilatildeo penal Inicialmente nos Estados Unidos da Ameacuterica atraveacutes de um
movimento apelidado de Alternative Dispute Resolution dando posteriormente origem ao
Victim Offender Reconciliation Program Em 1976 no Canadaacute surge o programa Victim
ofender mediation na Nova Zelacircndia em 1989 foi aprovado o Children Young Persons
and their families Act e a partir dos anos 90 comeccedilam a surgir por toda a Europa
programas de justiccedila restaurativa17
Em Portugal inicia-se o debate sobre esta temaacutetica em
1990 sendo as primeiras pedras da mediaccedilatildeo penal lanccediladas em 2001 com a Lei de
Proteccedilatildeo de Crianccedilas e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa nesta primeira fase
ainda no acircmbito dos menores e de forma superficial
A 12 de abril foi aprovada na Assembleia da Repuacuteblica a Lei nordm 212007 com os
votos a favor do PS PSD CDS-PP e Bloco de Esquerda e com os votos contra dos Verdes
e do PCP Foi posteriormente publicada a 12 de junho tendo entrado em vigor a 12 de
julho do mesmo ano atraveacutes da qual foi instituiacutedo o regime de mediaccedilatildeo penal em
processo penal18
Posteriormente foram publicadas vaacuterias Portarias e Despachos no
sentido de regulamentar a sua implementaccedilatildeo
Portaria nordm 68-A2008 de 22 de janeiro ndash Modelo de notificaccedilatildeo de envio do
processo para mediaccedilatildeo penal
Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do procedimento de seleccedilatildeo
de mediadores penais
Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro ndash Regulamento do sistema de mediaccedilatildeo
penal
17
COSTA Soacutenia Isabel Teixeira ndash Mediaccedilatildeo Penal e Justiccedila Restaurativa O debate em Portugal
Lisboa ISCTE-IUL 2009 18
Artigo 1ordm da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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(5)
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ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
61
62
63
PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
64
65
66
PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
67
68
69
70
PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
71
72
73
74
75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
15
Despacho nordm 2168-A2008 de 22 de janeiro ndash Remuneraccedilatildeo do mediador penal
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 162008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
A2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 172008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
B2008
Declaraccedilatildeo de Retificaccedilatildeo nordm 182008 de 20 de marccedilo ndash Altera a Portaria nordm 68-
C2008
Portaria nordm 7322009 de 8 de julho ndash Altera a Portaria nordm 68-C2008 alargando as
comarcas abrangidas pelo funcionamento a tiacutetulo experimental da mediaccedilatildeo penal
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
61
62
63
PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
64
65
66
PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
67
68
69
70
PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
71
72
73
74
75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas
16
12 ndash Partes em mediaccedilatildeo penal
Importa indagar se podemos falar em ldquopartesrdquo quando estamos num contexto de
mediaccedilatildeo penal Esta eacute uma questatildeo pertinente dado que a doutrina se opotildee agrave utilizaccedilatildeo
deste termo quando estamos na alccedilada da mateacuteria penal Se no acircmbito do processo civil a
utilizaccedilatildeo do conceito de parte eacute paciacutefica e estaacute expressamente referida na lei19
jaacute no
direito processual penal o conceito de parte natildeo estaacute relacionado com a titularidade do
direito substantivo mas tatildeo soacute com a titularidade de poderes processuais20
Germano Marques da Silva define o processo de partes como ldquoum pressuposto do
direito do contraditoacuterio direito que para ser efectivo exige a igualdade entre a acusaccedilatildeo e
a defesa igualdade que mais natildeo eacute do que a oportunidade para intervir no processo em
paridade de condiccedilotildees desfrutando portanto de idecircnticas possibilidades para
sustentarem as suas posiccedilotildeesrdquo21
Quando estamos no acircmbito do processo penal os sujeitos processuais natildeo estatildeo em
igualdade de posiccedilotildees desde logo porque estamos perante o ius punniedi do estado mas
aconteceraacute em todas as fases do processo Natildeo nos iremos debruccedilar aprofundadamente
sobre este assunto dado natildeo ser objeto do presente estudo no entanto poderemos aflorar
que a proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa subordina ao princiacutepio do
contraditoacuterio a audiecircncia de julgamento e alguns atos instrutoacuterios22
Poderemos entatildeo afirmar que o presente Coacutedigo de Processo Penal em algumas
fases do processo estaacute estruturado como um processo de partes Eacute desta opiniatildeo Germano
Marques da Silva quando se refere a esta temaacutetica ldquoDas normas referidas parece resultar
indubitavelmente que o Coacutedigo pelo menos relativamente a algumas fases deve assegurar
a parificaccedilatildeo dos poderes processuais da acusaccedilatildeo e da defesa ou seja deve estar
estruturado como um processo de partes no entendimento acima referido23
rdquo
19
Exemplo do artigo 26ordm nordm1 do Coacutedigo de Processo Civil ldquoO autor eacute parte legiacutetima quando tem interesse
directo em demandar o reacuteu eacute parte legiacutetima quanto tem interesse directo em contradizerrdquo (sublinhado
nosso) 20
SILVA Germano Marques da ndash Curso de Processo Penal 4ordf ed Lisboa Verbo ndash 2000 p 149 21
Ibidem 22
Artordm 32 nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ldquoO processo criminal tem estrutura acusatoacuteria
estando a audiecircncia de julgamento e os actos instrutoacuterios que a lei determinar subordinados ao princiacutepio do
contraditoacuteriordquo 23
SILVA op cit p 150
17
Na esteira do Professor Germano Marques da Silva24
cumpre ressalvar que natildeo
poderemos falar em parificaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa quando ainda estamos na fase de
inqueacuterito dado que nesta fase tambeacutem natildeo poderemos falar no princiacutepio do contraditoacuterio
Na fase de inqueacuterito o Ministeacuterio Puacuteblico age como o dominus do processo natildeo sendo
sequer equacionaacutevel a utilizaccedilatildeo do termos partes no sentido que temos vindo a referir
Poderiacuteamos dissertar sobre a admissibilidade da terminologia na fase instrutoacuteria ou
apenas no debate instrutoacuterio no entanto iriacuteamos afastarmo-nos do objeto da presente
dissertaccedilatildeo e limitarmo-nos a citar outros autores que jaacute investigaram e escreveram sobre
este assunto
Debrucemo-nos entatildeo sobre a mediaccedilatildeo penal e na admissibilidade de utilizaccedilatildeo do
termo ldquopartesrdquo neste processo
Conforme apresentamos no esquema da paacutegina 31 e referido no artigo 3ordm da Lei nordm
212007 de 12 de Junho a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal acontece no decurso
do inqueacuterito Se anteriormente afastaacutemos a hipoacutetese de utilizar esta terminologia no
inqueacuterito caberaacute agora apurar se a poderemos utilizar em Mediaccedilatildeo Penal
Julgamos que seraacute o mais adequado contrariamente ao inqueacuterito propriamente dito
na mediaccedilatildeo penal existe uma paridade entre as partes envolvidas no processo e uma
igualdade de poderes processuais Arguido e ofendido encontram-se em igualdade de
armas sendo imposto pelo artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 de 12 de junho que ambos
deem o seu consentimento para a prossecuccedilatildeo do processo nesta forma de RAL Ambos
podem desistir em qualquer altura deste processo ndash artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12
de junho O acordo tem de ser livremente fixado por ambos os sujeitos processuais ndash artordm
6ordm nordm 1 da Lei nordm 212007 de 12 de junho entre outros exemplos que aqui poderiam ser
enumerados
24
SILVA op cit p 149
18
Um dos argumentos utilizados para que o processo penal natildeo possa ser considerado
um processo de partes eacute o de que o processo seja ldquoestruturado com uma discussatildeo entre o
acusador e o defensor perante a passividade do juiz e em que as partes representam
interesses contrapostosrdquo25
Ora esta eacute precisamente a definiccedilatildeo do processo da mediaccedilatildeo
penal
Somos da opiniatildeo que quando nos encontramos no acircmbito da mediaccedilatildeo penal
podemos efetivamente falar em partes dado que temos duas faccedilotildees a dirimir um conflito
Se de um lado temos o ofendido do outro temos o ofensor Caiem por terra os argumentos
apresentados por doutos juristas e a semelhanccedila com a mateacuteria civil eacute flagrante O que
diferencia estas duas aacutereas no caso concreto da mediaccedilatildeo penal eacute apenas o objeto do
litiacutegio Se na mateacuteria civil as partes litigam pela posse de um bem ou pelo cumprimento
de uma obrigaccedilatildeo em mateacuteria de mediaccedilatildeo penal as partes ldquolitigamrdquo pelo reconhecimento
e eventual puniccedilatildeo de uma violaccedilatildeo de um direito ou pela omissatildeo de um dever Natildeo
estamos perante o intimidante ius punniende do Estado que impotildee uma determinada
sanccedilatildeo ao arguido pela praacutetica de uma determinada conduta ignorando por completo a
viacutetima dessa conduta Estamos sim perante duas partes que perante um mediador
dialogam assumem a conduta erradamente praticada (por vezes por ambas as partes) e
tentam chegar a um acordo que satisfaccedila ambas as espectativas Podemos assim em nossa
opiniatildeo utilizar livremente este termo quando estamos no contexto da mediaccedilatildeo penal
25
SILVA op cit p 151
19
13 ndash O mediador
O artigo 12ordm26
da Lei nordm 212007 de 12 de junho eacute taxativo quanto aos requisitos
exigidos para os candidatos ao exerciacutecio da funccedilatildeo de mediador penal vindo depois a
portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro regulamentar o acesso agrave atividade
A referir como lacuna legislativa a natildeo indicaccedilatildeo taxativa das licenciaturas
admitidas para acesso a esta atividade o que natildeo foi previsto na Lei nordm 212007 nem no
artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro Eacute importante limitar este acesso a
cursos na aacuterea de direito sob pena de abarcarmos um universo de tal forma vasto que
apenas desvirtuaraacute a essecircncia da mediaccedilatildeo penal
A Portaria nordm 68-B2008 de 22 de janeiro define os criteacuterios e as regras a que deve
obedecer este procedimento de seleccedilatildeo para mediadores penais Consideramos assim
como ponto de partida a definiccedilatildeo do conceito de mediador penal Recorremos ao
preacircmbulo desta portaria que se refere ao mediador como sendo ldquoum terceiro imparcial e
especificamente formado para o efeitordquo este deve ldquoauxiliar as partes na tentativa de obter
um acordo que permita pocircr termo ao litiacutegio e restaurar a paz socialrdquo
Ainda no decorrer do preacircmbulo o legislador exige ao mediador que observe ldquoos
deveres de imparcialidade independecircncia confidencialidade e diligecircnciardquo e refere-se a
este como um novo agente participante nas tarefas de realizaccedilatildeo da justiccedila penal Teremos
que definir o mediador como um mero participante processual dado que tem um papel
secundaacuterio no processo dependendo sempre da decisatildeo final de cada uma das partes O
mediador natildeo estaacute investido de qualquer ius imperium o que se encontra bem claro ao
26
ldquoArtigo 12ordm
Pessoas habilitadas a exercer as funccedilotildees de mediador penal 1 - As listas de mediadores penais satildeo preenchidas mediante um procedimento de seleccedilatildeo podendo
candidatar-se quem satisfizer os seguintes requisitos
a) Ter mais de 25 anos de idade
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e poliacuteticos
c) Ter licenciatura ou experiecircncia profissional adequadas
d) Estar habilitado com um curso de mediaccedilatildeo penal reconhecido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
e) Ser pessoa idoacutenea para o exerciacutecio da atividade de mediador penal
f) Ter o domiacutenio da liacutengua portuguesa
2 - Entre outras circunstacircncias eacute indiciador de falta de idoneidade para inscriccedilatildeo nas listas oficiais
o facto de o requerente ter sido condenado por sentenccedila transitada em julgado pela praacutetica de crime doloso
3 - Os criteacuterios de graduaccedilatildeo e os termos do procedimento de seleccedilatildeo satildeo aprovados por portaria
do Ministro da Justiccedila ldquo- Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800
20
permitir o acesso esta funccedilatildeo por parte de cidadatildeos estrangeiros (artigo 12ordm nordm 1 al f) da
Lei nordm 212007 e artigo 7ordm da Portaria nordm 68-B2008)
Natildeo cabe ao mediador conduzir o litiacutegio penal cabendo-lhe apenas uma funccedilatildeo de
laquofacilitador do diaacutelogo27
raquo sendo a doutrina portuguesa unacircnime ao natildeo o considerar como
sujeito processual28
Relativamente agrave remuneraccedilatildeo dos mediadores estes natildeo auferem de remuneraccedilatildeo
fixa por parte do Estado sendo remunerados a tiacutetulo de prestaccedilatildeo de serviccedilos ocasionais
especializados conforme artigo 17ordm da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro natildeo
adquirindo por esta via a qualidade de funcionaacuterio da administraccedilatildeo puacuteblica Vem depois o
Despacho nordm 2168-A2008 publicado no Diaacuterio da Repuacuteblica 2ordf seacuterie nordm 15 de 22 de
janeiro fixar a remuneraccedilatildeo a auferir pelos mediadores penais
O artigo 1ordm deste despacho atribui a remuneraccedilatildeo ao mediador penal
independentemente das sessotildees realizadas no entanto premeia-o no caso de ser alcanccedilado
um acordo entre as partes A bem da verdade teremos que ressalvar que este preacutemio eacute na
ordem dos 25 relativamente agrave remuneraccedilatildeo de natildeo chegarem a acordo mas estamos a
falar de um valor de 25 euro Fica no entanto plasmado na Lei a intenccedilatildeo do legislador em
premiar o mediador no caso de conseguir um acordo entre as partes tentando desta forma
incentivar para que este seja alcanccedilado
Teremos de equacionar as vantagens e desvantagens desta classificaccedilatildeo do
mediador penal como mero prestador de serviccedilos
Como vantagens temos o afastamento do poder interventivo do estado levando a
mediaccedilatildeo penal para um plano informal O mediador natildeo seraacute visto como um Juiz estando
desprovido da tradicional beca e de todo o formalismo inerente ao processo tradicional
27
LEITE op cit p 122 28
DIAS Jorge Figueiredo ndash Direito Processual Penal reimp da1ordf ed de 1974 Coimbra Coimbra Editora ndash
2004 p 239 e ss citado por LEITE op cit p 122
21
Como desvantagens temos o facto de desta forma a mediaccedilatildeo penal estar
ldquoenxertadardquo29
no inqueacuterito A mediaccedilatildeo apenas se poderaacute iniciar nas situaccedilotildees enumeradas
no artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho ou seja exclusivamente durante o
inqueacuterito
O cidadatildeo que pretender recorrer a esta forma de RAL tem sempre de apresentar
queixa30
e no caso dos crimes particulares constituir-se como assistente deduzir acusaccedilatildeo
particular31
e fazerem-se representar por advogado32
Soacute desta forma se poderaacute iniciar o
inqueacuterito podendo depois fazer uso do nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ou seja requerer a mediaccedilatildeo juntamente com o arguido
Se o ofendido e o ofensor pretenderem chegar a um acordo ldquomediadordquo pela justiccedila
apenas o conseguem fazer desta forma o que implicaraacute custos e delonga na sua resoluccedilatildeo
Inclusivamente a natildeo obrigatoriedade de se fazer representar por advogado33
nas sessotildees de
mediaccedilatildeo fica beliscada dado que o impulso processual soacute seraacute vaacutelido com a intervenccedilatildeo
deste
Uma alternativa seria a possibilidade de a mediaccedilatildeo penal funcionar numa fase
ldquopreacute-inqueacuteritordquo podendo o cidadatildeo recorrer a esta forma de RAL em alternativa aos
tribunais suspendendo de igual forma os prazos de prescriccedilatildeo do processo
Podemos tomar como exemplo ldquoa chamada mandatory mediation existente nos
EUA mediante a qual os sujeitos satildeo remetidos para este mecanismo de RAL
obrigatoriamente antes do recurso agrave via judicial em relaccedilatildeo a dados tipos legaisrdquo34
Ou da
Nova Zelacircndia em que a poliacutecia ou o procurador tecircm de encaminhar o caso para mediaccedilatildeo
ou para outro tipo de intervenccedilatildeo de diversatildeo
29
LEITE op cit p 45 30
Artigo 49ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoeacute necessaacuterio que essas pessoas decircem conhecimento do facto ao Ministeacuterio
Puacuteblico para que este promova o processordquo 31
Artigo 50ordm nordm 1 do CPP ndash ldquohellipeacute necessaacuterio que essas pessoas se queixem se constituam assistentes e
deduzam acusaccedilatildeo particularrdquo 32
Artigo 70ordm nordm 1 do CPP ndash ldquoOs assistentes satildeo sempre representados por advogadordquo 33
ldquo Artigo 8ordm - Nas sessotildees de mediaccedilatildeo o arguido e o ofendido devem comparecer pessoalmente podendo
fazer-se acompanhar de advogado ou de advogado estagiaacuteriordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I
Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3800 (sublinhado nosso) 34
LEITE op cit p 45 ndash nota 79
22
Natildeo apregoamos a totalidade destas soluccedilotildees dado que afetaria o caraacutecter
voluntaacuterio a que a mediaccedilatildeo penal portuguesa estaacute subsumida Consideramos no entanto
que a possibilidade de recurso agrave mediaccedilatildeo penal antes do recurso agrave via judicial de forma
voluntaacuteria a tornava mais acessiacutevel ao comum dos cidadatildeos
Para que fosse possiacutevel esta forma de procedimento o mediador teria de estar
investido nas suas funccedilotildees de poderes reforccedilados no que toca agrave parte processual sem
nunca perder a sua faceta informal de forma a ter a capacidade de iniciar o processo de
mediaccedilatildeo a pedido de uma das partes
O nordm 2 do artigo 3ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho tem como condiccedilatildeo que o
ofendido e o arguido requeiram a mediaccedilatildeo para se dar iniacutecio ao processo Mas se se
considera que a mediaccedilatildeo eacute beneacutefica para as viacutetimas de crime parece evidente atribuir-lhes
a possibilidade de dar o primeiro passo As poliacutecias e as organizaccedilotildees de apoio agrave viacutetima
estatildeo numa posiccedilatildeo privilegiada para informar as viacutetimas de crime sobre esta possibilidade
e para as motivar e apoiar a efetuarem o primeiro contacto Eacute compreensiacutevel que dar a
possibilidade de a viacutetima dar iniacutecio ao processo natildeo estaacute livre de riscos sendo o mais
presumiacutevel o de desapontamento e de frustraccedilatildeo das espectativas iniciais no entanto
estamos convictos que uma boa parte dos processos vingaria
Na Alemanha o encaminhamento para a mediaccedilatildeo penal depende de iniciativa
exclusiva do tribunal em Espanha este encaminhamento carece apenas de aprovaccedilatildeo
judicial Na Aacuteustria o tribunal tem o poder residual de por iniciativa proacutepria propor a
mediaccedilatildeo sendo que nestes casos o procurador tem sempre que se pronunciar ou ateacute que
aprovar a intervenccedilatildeo Na Finlacircndia Holanda e Sueacutecia podem ser as proacuteprias viacutetimas ou
agressores a ldquoauto-encaminhar-serdquo para esta forma de RAL
Na Aacuteustria Beacutelgica Holanda Espanha e Sueacutecia os mediadores satildeo nomeados por
organismos puacuteblicos e empregam maioritariamente mediadores profissionais ou outro
pessoal jaacute dos quadros da administraccedilatildeo puacuteblica ou em organizaccedilotildees privadas
reconhecidas
23
Jaacute na Dinamarca Finlacircndia Franccedila Itaacutelia e Luxemburgo ao serem nomeados por
organizaccedilotildees privadas estas recorrem frequentemente a voluntaacuterios submetidos a diversos
niacuteveis de formaccedilatildeo mas tambeacutem nestes casos se exige por vezes a acreditaccedilatildeo ou
aprovaccedilatildeo pelo tribunal ou pelo Ministro da Justiccedila ou seu equivalente
24
14 ndash O acordo
Todo o processo de mediaccedilatildeo penal tem em vista um acordo entre as partes A Lei
nordm 212007 de 12 de junho no seu artigo 6ordm enuncia que ldquoo conteuacutedo do acordo eacute
livremente fixado pelos sujeitos processuais participantes (hellip)rdquo subsistem no entanto as
necessaacuterias limitaccedilotildees legais O nordm 2 deste artigo plasma a proibiccedilatildeo de este ldquoincluir
sanccedilotildees privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se deva prolongar por mais de seis mesesrdquo Estas limitaccedilotildees satildeo fulcrais sob
pena de corrermos o risco de regressar agrave Lei de Taliatildeo onde prevaleceria a maacutexima ldquoOlho
por olho dente por denterdquo
Este acordo tem de ser ldquoreduzido a escrito e assinado pelos sujeitos processuais
participantes e pelo mediadorrdquo35
teraacute ainda de conter uma ldquoclaacuteusula relativa agraves
consequecircncias juriacutedicas da sua assinatura designadamente de que esta equivale a
desistecircncia de queixa por parte do ofendido e agrave natildeo oposiccedilatildeo por parte do arguido e de
que o ofendido pode caso o acordo natildeo seja cumprido no prazo fixado renovar a queixa
no prazo de um mecircs sendo reaberto o inqueacuteritordquo36
Relativamente ao nuacutemero de exemplares este ldquoeacute redigido em nuacutemero de
exemplares igual ao nuacutemero de sujeitos processuais participantes ficando um exemplar
para cada um dos sujeitosrdquo37
A obtenccedilatildeo de acordo eacute comunicada ao Ministeacuterio Puacuteblico atraveacutes de sistema
informaacutetico a fim de este o analisar e ldquoverificar se (hellip) respeita o disposto no artordm 6ordm e em
caso afirmativo homologa a desistecircncia de queixa no prazo de cinco dias devendo a
secretaria notificar imediatamente a homologaccedilatildeo ao mediador ao arguido e ao
ofendidordquo38
Este controlo por parte do Ministeacuterio Puacuteblico limita-se a questotildees formais
sendo apelidado por Andreacute Lamas Leite como um controlo miacutenimo de legalidade39
35
Artordm 11ordm nordm 1 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(7) 36
Artordm 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 37
Artordm 11ordm nordm 3 da Portaria nordm 68-C2008 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 15 (22-01-08) p 634-(8) 38
Artordm 5ordm nordm 5 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 39
LEITE op cit p 95
25
Os processos sujeitos a mediaccedilatildeo e em que tenha resultado acordo entre as partes
satildeo tramitados como urgentes40
No caso de o Ministeacuterio Puacuteblico ldquoverificar que o acordo natildeo respeita o disposto no
artigo 6ordm devolve o processo ao mediador para que este no prazo de 30 dias juntamente
com o ofendido e o arguido sane a ilegalidaderdquo41
A Lei refere no nordm 4 do artordm 5ordm que ldquoa assinatura do acordo equivale a desistecircncia
de queixardquo Andreacute Lamas Leite faz o reparo de que ldquonatildeo eacute a assinatura do acordo (hellip)
que faz cessar um conflito penal mas sim a posterior homologaccedilatildeo in casu pelo MP42
rdquo
Tomamos a liberdade no entanto de ir mais longe Esta desistecircncia de queixa apenas iraacute
produzir os seus efeitos quando o acordo foi convenientemente cumprido Se este natildeo for
cumprido poderaacute o ofendido renovar a queixa no prazo de um mecircs sendo reaberto o
inqueacuterito Encontramos aqui uma incongruecircncia dado que uma desistecircncia de queixa eacute
sempre incondicional43
o que natildeo acontece na mediaccedilatildeo penal Assim deveremos adiar a
desistecircncia de queixa para quando o acordo for efetivamente cumprido ateacute esse momento
estaremos num periacuteodo de suspensatildeo do procedimento criminal por tempo determinado e
sob a condiccedilatildeo de cumprimento do acordo firmado entre ambos e homologado pelo MP
O artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de junho daacute guarida a esta interpretaccedilatildeo
quando refere que ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde
a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio
Puacuteblico ou tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu
cumprimentordquo
Analisemos esta atuaccedilatildeo com algum cuidado reforccedilado Pelo que dissemos
anteriormente os mediados assinam um acordo em que existem determinadas condiccedilotildees e
em que consta uma intenccedilatildeo inequiacutevoca de desistecircncia de queixa no entanto esta
desistecircncia de queixa soacute iraacute produzir os seus efeitos no caso de o acordo ser integralmente
cumprido Caso tal natildeo aconteccedila a desistecircncia de queixa natildeo iraacute operar e o processo segue
os seus tracircmites tradicionais
40
Artordm 5ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 41
Artordm 5ordm nordm 8 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 42
LEITE op cit p 96 43
DIAS op cit p 680 Citado por LEITE op cit p 96
26
Pelo exposto estamos perante um ldquodesistecircncia de queixa condicionadardquo44
estando
plasmado no artordm 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal que ldquoA desistecircncia impede que a queixa seja
renovadardquo e o artordm 51ordm do Coacutedigo de Processo Penal que faz ldquocessar a intervenccedilatildeo do MP
no processo com a homologaccedilatildeo da desistecircncia de queixardquo
Outra questatildeo se poderaacute levantar relativamente aos prazos previstos no artigo 115ordm
nordm1 do Coacutedigo Penal o qual extingue o direito de queixa passados ldquoseis meses a contar da
data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
Suponhamos que o ofendido apenas exerce o seu direito de queixa nos uacuteltimos 30
dias do prazo que lhe eacute concedido pelo artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal O processo
segue para mediaccedilatildeo por consentimento do arguido e do ofendido chegam a assinar o
acordo o qual tem sanccedilotildees que se prolongam por mais seis meses (maacuteximo legal)
Ateacute aqui nenhuma questatildeo eacute suscitada no entanto quase a terminar este prazo o
acordo eacute incumprido O artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro atribuiacute
um prazo maacuteximo de 1 mecircs para o ofendido renovar a queixa Dado que a queixa inicial jaacute
foi apresentada no final dos seis meses e tendo em conta que a Lei atribuiacute mais um mecircs
para esta ser renovada em caso de incumprimento poderemos estar perante um prazo que
ultrapassa o previsto no artigo 115ordm nordm 1 do Coacutedigo Penal
Natildeo estamos perante as condiccedilotildees de suspensatildeo de prazos do artigo 7ordm nordm 245
da
Lei nordm 212007 de 12 de junho estamos assim fora do prazo legal previsto sendo
totalmente extemporacircneo tendo como consequecircncia a extinccedilatildeo do direito de queixa por
forccedila do artigo 115ordm n ordm146
do Coacutedigo Penal
44
LEITE op cit p 98 45
ldquoArtigo 7ordm
Suspensatildeo de prazos
(hellip)2 - Os prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa do
processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou tendo resultado da
mediaccedilatildeo acordo ateacute agrave data fixada para o seu cumprimentordquo 46
ldquoArtigo 115ordm
Extinccedilatildeo do direito de queixa
1 ndash O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver
tido conhecimento do facto e dos seus autores (hellip)rdquo
27
Quando o legislador atribuiacute o prazo de um mecircs para o ofendido renovar a queixa
conforme artigo 11ordm nordm 2 da Portaria nordm 68-C2008 de 22 de janeiro entendemos que este
prazo eacute dado para que o ofendido pondere se efetivamente o pretende fazer
Pela interpretaccedilatildeo que anteriormente fizemos e de forma a natildeo ultrapassar o prazo
de 6 meses do artigo 115ordm do Coacutedigo Penal o ofendido apenas teria agrave sua disposiccedilatildeo o
prazo que restava desde a remessa do processo para mediaccedilatildeo ateacute ao teacuterminos dos 6 meses
referidos
Tal interpretaccedilatildeo tambeacutem tem guarida no artigo 7ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 de 12 de
junho ldquoos prazos de prescriccedilatildeo do procedimento criminal suspendem-se desde a remessa
do processo para mediaccedilatildeo ateacute agrave sua devoluccedilatildeo pelo mediador ao Ministeacuterio Puacuteblico ou
tendo resultado da mediaccedilatildeo acordo ateacute aacute data fixada para o seu cumprimentordquo
Suponhamos entatildeo que o processo apenas eacute remetido para mediaccedilatildeo 1 dia antes do
teacutermino dos 6 meses natildeo faria qualquer sentido que no caso de ser incumprido o acordo
nas mesmas condiccedilotildees que temos vindo a abordar o ofendido apenas dispusesse de 1 dia
para renovar a queixa administrativamente tal seria impraticaacutevel
28
Entendemos assim que a intenccedilatildeo do legislador seria a de dar um prazo razoaacutevel
para que o ofendido ponderasse a sua intenccedilatildeo aceitamos no entanto que o prazo para
renovaccedilatildeo da queixa entra em colisatildeo com o previsto no Coacutedigo Penal
Uma perspetiva para ultrapassar este conflito legal seraacute o de recorrer ao facto de a
Lei da Mediaccedilatildeo Penal ser uma lei especial logo prevalecendo em relaccedilatildeo agrave Lei geral
Desta forma forma o ofendido dispotildee sempre de um mecircs apoacutes o incumprimento antes de o
processo retomar os prazos do sistema tradicional que ficaram suspensos com a remissatildeo
para mediaccedilatildeo
Deveraacute o legislador ser especiacutefico no que a esta mateacuteria diz respeito por forma a
natildeo subsistirem quaisquer duacutevidas relativamente aos prazos de prescriccedilatildeo do processo e
qual das interpretaccedilotildees deveraacute subsistir
Alguns autores defendem ainda que o processo natildeo se extingue com a homologaccedilatildeo
do acordo por parte do MP ficando suspenso ateacute ao cumprimento deste Deveria o
legislador ter previsto a possibilidade de oficiosamente o MP determinar o
prosseguimento do processo em caso de incumprimento e apenas notificar o arguido e o
ofendido De referir que a queixa inicialmente apresentada pelo ofendido nunca perdeu a
sua validade tendo o MP legitimidade para prosseguir com o processo
ldquoMelhor teria andado o legislador se tivesse introduzido um inciso com uma
redaccedilatildeo semelhante a esta laquoEm caso de incumprimento do acordo de
mediaccedilatildeo o magistrado do MP determina oficiosamente o prosseguimento
do processo criminalraquo - Andreacute Lamas Leite47
ldquoAquando da reduccedilatildeo do acordo a escrito teria sempre de constar do
mesmo que o processo se daria por definitivamente encerrado por
desistecircncia de queixa a partir desse momento (uacuteltimo dia do cumprimento
dos deveres acrescido de um mecircs) a menos que o ofendido se manifestasse
47
LEITE op cit p 100
29
expressamente em sentido oposto por natildeo ter o arguido cumprido as
obrigaccedilotildees que assumirardquo ndash Claacuteudia Santos48
Este sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios visa essencialmente a assunccedilatildeo
de culpa e a apresentaccedilatildeo de um pedido de desculpas pelo arguido eventualmente
conjugado com alguma forma de reparaccedilatildeo material seja em dinheiro espeacutecie ou serviccedilos
Os legisladores da Alemanha e da Esloveacutenia deram particularmente importacircncia a este
aspeto Tambeacutem a Aacuteustria e a Beacutelgica preveem igualmente resultados orientados para o
arguido
Qualquer forma de reparaccedilatildeo eacute registada formalmente atraveacutes de um acordo
embora por exemplo na Finlacircndia natildeo sejam impostos por lei estes acordos repercutem-
se sobre o procedimento criminal seja motivando o seu arquivamento seja enquanto
alternativa agrave puniccedilatildeo
O acordo escrito conteacutem muito mais do que simples contrapartidas financeiras para
os prejuiacutezos materiais ou morais provocados Nas suas linhas cristalizam-se conversas e
encontros precedentes assumem-se compromissos futuros entre o agressor e o ofendido
ou perante a sociedade em geral como horas de trabalho voluntaacuterio a favor da
comunidade aceitaccedilatildeo de assistecircncia para resoluccedilatildeo de problemas pessoais (alcoolismo
toxicodependecircncia etc) o compromisso de se manter afastado de determinada pessoa ou
local ou outroshellip O acordo deveraacute ser assinado em consciecircncia e com a convicccedilatildeo de ser
cumprido nunca levianamente Para que tal seja assegurado deveraacute ser funccedilatildeo do
mediador esclarecer as partes do que estatildeo a assinar e das consequecircncias do seu natildeo
cumprimento
48
SANTOS Claacuteudia ndash A Mediaccedilatildeo Penal a Justiccedila Restaurativa e o Sistema Criminal ndash Algumas
Reflexotildees Suscitadas pelo Anteprojeto que Introduz a Mediaccedilatildeo Penal ldquode Adultosrdquo em Portugal in
RPCC 16 1 2006 pp 85-113 Citada por LEITE op cit p 100
30
Para finalizar este ponto rematamos com uma comparaccedilatildeo dos principais efeitos
sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida em diversos paiacuteses
Extinccedilatildeo do procedimento criminal se o arguido
aceitar a responsabilidade pelo ato e se
disponibilizar a efetuar a reparaccedilatildeo dependendo de
determinadas condiccedilotildees relacionadas com o tipo de
crime praticado
Aacuteustria Beacutelgica Inglaterra e Gales Finlacircndia
Alemanha Itaacutelia Poloacutenia Portugal Esloveacutenia
Espanha
Suspensatildeo provisoacuteria do processo por um periacuteodo de
tempo determinado
Repuacuteblica Checa 6-24 meses Itaacutelia 2 meses
Luxemburgo 8 meses
A suspensatildeo anterior fica dependente do
cumprimento do acordo de reparaccedilatildeo e de boa
conduta
Repuacuteblica Checa
Efeito de diversatildeo na fase preacute-acusatoacuteria Franccedila Luxemburgo
Arquivamento da queixa na condiccedilatildeo de o agressor
cumprir o acordo de reparaccedilatildeo Repuacuteblica Checa e Portugal
Natildeo extinccedilatildeo do procedimento criminal mas
possibilidade de o resultado da mediaccedilatildeo ser tomado
em consideraccedilatildeo na sentenccedila
Dinamarca
Resultado da mediaccedilatildeo enquanto parte do processo
decisoacuterio - limitado a determinados casos Finlacircndia
Adiamento Itaacutelia Espanha
substituiccedilatildeo Alemanha
ou a reduccedilatildeo Alemanha Poloacutenia
da sentenccedila na condiccedilatildeo de o agressor cumprir as obrigaccedilotildees restaurativas
31
32
15 - O caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
Conforme jaacute referimos neste trabalho a mediaccedilatildeo eacute ldquouma modalidade extrajudicial
de resoluccedilatildeo de litiacutegios de caraacutecter privado informal confidencial voluntaacuterio (hellip)49
rdquo a
proacutepria lei que rege a mediaccedilatildeo penal em Portugal refere taxativamente a possibilidade de
qualquer uma das partes revogarem o seu consentimento na participaccedilatildeo nesta forma de
RAL em qualquer altura do processo50
Abordemos primeiramente o caraacutecter voluntaacuterio
da mediaccedilatildeo penal e posteriormente o caraacutecter confidencial
Soacute poderaacute existir mediaccedilatildeo penal se o arguido e o ofendido assentirem caso um
deles natildeo manifeste o seu consentimento livre e esclarecido (natildeo eacute necessaacuterio que se
oponha) a mediaccedilatildeo natildeo poderaacute ocorrer O mediador informa o ministeacuterio puacuteblico e o
processo penal prossegue51
Este consentimento eacute manifestado por escrito sendo o termo
de consentimento assinado por ambas as partes o qual deveraacute conter as regras a que
obedece a mediaccedilatildeo52
Se estiverem reunidos os requisitos ou seja se houver consentimento escrito de
ambas as partes e se verifique que ambos reuacutenem condiccedilotildees para a participaccedilatildeo iniciam-se
as sessotildees de mediaccedilatildeo
De referir que a qualquer momento pode qualquer uma das partes revogar este
consentimento terminando de imediato a mediaccedilatildeo e prosseguindo o processo pelos
tracircmites ditos tradicionais
Fica assim claro o caraacuteter voluntaacuterio da mediaccedilatildeo penal dado que eacute sempre
necessaacuterio existir o consentimento do ofendido e do arguido podendo este ser revogado a
todo o instante
49
Artigo 35ordm nordm 1 da Lei nordm 782001 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie-A Nordm 161 (13-07-01) p 4270 (negrito
da nossa autoria) 50
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 51
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 52
Artigo 3ordm nordm 7 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799
33
Relativamente agrave confidencialidade da mediaccedilatildeo penal natildeo resistimos em
transcrever um artigo da proposta de Lei nordm 116XII e recentemente publicada na Lei nordm
292013 de 19 de Abril
ldquoArtigo 5ordm
Princiacutepio da confidencialidade
1 mdash O procedimento de mediaccedilatildeo tem natureza confidencial devendo o mediador
de conflitos manter sob sigilo todas as informaccedilotildees de que tenha conhecimento no acircmbito
do procedimento de mediaccedilatildeo delas natildeo podendo fazer uso em proveito proacuteprio ou de
outrem
2 mdash As informaccedilotildees prestadas a tiacutetulo confidencial ao mediador de conflitos por
uma das partes natildeo podem ser comunicadas sem o seu consentimento agraves restantes partes
envolvidas no procedimento
3 mdash O dever de confidencialidade sobre a informaccedilatildeo respeitante ao conteuacutedo da
mediaccedilatildeo soacute pode cessar por razotildees de ordem puacuteblica nomeadamente para assegurar
a proteccedilatildeo do superior interesse da crianccedila quando esteja em causa a proteccedilatildeo da
integridade fiacutesica ou psiacutequica de qualquer pessoa ou quando tal seja necessaacuterio para
efeitos de aplicaccedilatildeo ou execuccedilatildeo do acordo obtido por via da mediaccedilatildeo na estrita medida
do que em concreto se revelar necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos referidos interesses
4 mdash Exceto nas situaccedilotildees previstas no nuacutemero anterior ou no que diz respeito ao
acordo obtido o conteuacutedo das sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo pode ser valorado em tribunal ou
em sede de arbitragemrdquo
A confidencialidade eacute fulcral para o sucesso da mediaccedilatildeo penal as partes tecircm de ter
a certeza de que tudo o que disserem nas sessotildees de mediaccedilatildeo nunca poderaacute ser usado agrave
posteriori no caso de natildeo resultar em acordo Suponhamos que ocorre uma confissatildeo
durante as sessotildees de mediaccedilatildeo e que esta natildeo culmina num acordo nunca poderaacute esta
confissatildeo ser valorada como prova nem deveraacute sequer chegar ao conhecimento do
Tribunal Soacute desta forma podemos garantir honestidade e sinceridade nas sessotildees caso
contraacuterio e dado que natildeo estatildeo sujeitos a qualquer imposiccedilatildeo legal de dizer a verdade as
sessotildees de mediaccedilatildeo natildeo teriam qualquer sucesso e fracassariam na sua essecircncia
34
Outro ponto a ter em conta e que necessitaria de estar legalmente acautelado eacute o
facto de o tribunal natildeo ter acesso agrave informaccedilatildeo relativamente agrave submissatildeo daquele processo
a tentativa de acordo em mediaccedilatildeo penal Em nossa opiniatildeo tal influenciaraacute o juiz na sua
decisatildeo Se natildeo vejamos um arguido que eacute inocente nunca aceitaraacute envolver-se num
processo de mediaccedilatildeo mesmo que as provas estejam contra si dado que tem a certeza da
sua inocecircncia acreditando que a justiccedila funcionaraacute em pleno e que seraacute absolvido
Pelo contraacuterio se for culpado poderaacute tentar alcanccedilar um acordo com o ofendido de
forma a minimizar a sua pena Quando este acordo natildeo eacute atingido e o processo segue para
tribunal por forccedila do princiacutepio da confidencialidade sabemos que o teor das sessotildees natildeo
poderaacute ser usado no entanto o juiz teraacute a informaccedilatildeo sobre o estado do processo antes de
chegar agraves suas matildeos podendo desta forma condicionar a sua decisatildeo
O nordm 17 da Declaraccedilatildeo da ONU proclama ldquoo falhanccedilo em atingir um acordo [de
mediaccedilatildeo] (hellip) natildeo deve ser usado como justificaccedilatildeo para uma decisatildeo mais severa no
subsequente processo criminalrdquo53
A mediaccedilatildeo penal deveraacute estar legalmente blindada para que quem nela participar
natildeo seja prejudicado no caso de natildeo culminar em acordo
53
LEITE op cit p 82
35
CAPIacuteTULO II
ANAacuteLISE CRIacuteTICA DA LEI 212007 DE 12 DE JUNHO
Neste capiacutetulo pretendemos analisar criticamente a Lei nordm 212007 de 12 junho a
qual veio criar o regime de mediaccedilatildeo penal em Portugal que se encontra atualmente em
vigor
Somos da opiniatildeo de que um trabalho de investigaccedilatildeo acadeacutemica da iacutendole de uma
dissertaccedilatildeo de mestrado deveraacute analisar e questionar com o uacutenico objetivo de melhorar a
sua aplicaccedilatildeo em contexto real
Atualmente o artigo 2ordm54
refere-se apenas a crimes semipuacuteblicos contra pessoas ou
contra o patrimoacutenio e a crimes particulares no entanto inicialmente estava prevista
tambeacutem a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes puacuteblicos
A Decisatildeo-Quadro deixa grande margem de liberdade aos Estados-Membros
quanto aos tipos legais de crime a abranger pelos regimes de mediaccedilatildeo penal nacionais
A inclusatildeo dos crimes puacuteblicos na mediaccedilatildeo penal portuguesa levantou a oposiccedilatildeo
de vaacuterias vozes de entre as quais o Conselho Superior de Magistratura (CSM)
No seu comentaacuterio ao anteprojeto de diploma sobre mediaccedilatildeo penal55
o CSM
aponta algumas duacutevidas e reservas acerca desta abrangecircncia
54
ldquoArtordm 2ordm - Acircmbito
1 - A mediaccedilatildeo em processo penal pode ter lugar em processo por crime cujo procedimento
dependa de queixa ou de acusaccedilatildeo particular
2 - A mediaccedilatildeo em processo penal soacute pode ter lugar em processo por crime que dependa apenas de
queixa quando se trate de crime contra as pessoas ou de crime contra o patrimoacutenio
3 - Independentemente da natureza do crime a mediaccedilatildeo em processo penal natildeo pode ter lugar nos
seguintes casos
a) O tipo legal de crime preveja pena de prisatildeo superior a 5 anos
b) Se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo sexual
c) Se trate de processo por crime de peculato corrupccedilatildeo ou traacutefico de influecircncia
d) O ofendido seja menor de 16 anos
e) Seja aplicaacutevel processo sumaacuterio ou sumariacutessimo
4 - Nos casos em que o ofendido natildeo possua o discernimento para entender o alcance e o
significado do exerciacutecio do direito de queixa ou tenha morrido sem ter renunciado agrave queixa a mediaccedilatildeo
pode ter lugar com intervenccedilatildeo do queixoso em lugar do ofendido
5 - Nos casos referidos no nuacutemero anterior as referecircncias efectuadas na presente lei ao ofendido
devem ter-se por efectuadas ao queixosordquo - Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-
07) p 3798
36
Para o CSM a mediaccedilatildeo penal visa essencialmente ldquocolocar o agente do crime face
agrave viacutetima por forma a que aquele tome consciecircncia do mal feito repare os danos e se
ressocialize mais facilmente atraveacutes de medidas natildeo detentivasrdquo O CSM colocou reservas
acerca da possibilidade de aplicar a mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos tendo em conta que
ldquoenquanto nos crimes semi-puacuteblicos o processo soacute se inicia com a queixa e antes da
decisatildeo final o queixoso pode desistir dela com o consentimento do arguido o que se
adequa agrave mediaccedilatildeo tal jaacute natildeo eacute possiacutevel nos crimes puacuteblicos em que a vontade da viacutetima eacute
inoperante e irrelevanterdquo
O proacuteprio acordo poliacutetico-parlamentar entre o Partido Socialista - PS e o Partido
Social Democrata - PSD apenas refere que ldquohellipa mediaccedilatildeo penal deve ser aplicaacutevel a
todos os crimes particulares bem como aos crimes semi-puacuteblicos que o justifiquem em
razatildeo da sua naturezardquo
A Ordem dos Advogados (OA) veio tambeacutem manifestar-se nesta mateacuteria
considerando que ldquohellip tambeacutem para promover o recurso agrave mediaccedilatildeo penal nos crimes
puacuteblicos eacute necessaacuterio que o Ministeacuterio Puacuteblico deva justificar a razatildeo pela qual natildeo
recorre a esse instrumento processual de natureza consensual quando se verifiquem os
respectivos pressupostos Deveria pelo menos justificar por natildeo o faz56
rdquo
A OA vai mais longe sugerindo que tenha de existir a concordacircncia do juiz de
instruccedilatildeo para remeter o processo para mediaccedilatildeo ou mesmo quando haacute acordo a fim de
suspender provisoriamente o processo Esta uacuteltima opccedilatildeo levantaria um grave obstaacuteculo agrave
implementaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal dado que os contendores poderiam estar de acordo
quanto ao resultado da mediaccedilatildeo no entanto este poderia natildeo ter o acordo do juiz
55
Comentaacuterio datado de 01 de Marccedilo de 2006 e assinado por maria Joseacute Machado agrave data vogal do distrito
judicial de Eacutevora do CSM 56
Parecer nordm 0506 da Ordem dos Advogados datado de 09 de marccedilo de 2006 e assinado por Germano
Marques da Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
37
A proposta de lei nordm 107X veio de encontro agraves vaacuterias posiccedilotildees tomadas apenas
considerando passiacuteveis de serem sujeitos ao processo de mediaccedilatildeo penal ldquotodos os crimes
particulares e a certos crimes semi-puacuteblicos ndash os crimes contra as pessoas ou contra o
patrimoacutenio passiacuteveis de serem punidos com pena de prisatildeo natildeo superior a cinco anos ou
com sanccedilatildeo diferente da pena de prisatildeordquo57
Esta proposta de Lei vem a ser confirmada agrave posteriori atraveacutes da Lei nordm 212007
de 12 de Junho a qual no seu artigo 2ordm limita a sua aplicaccedilatildeo aos crimes particulares e a
alguns crimes semipuacuteblicos
Apoacutes a publicaccedilatildeo desta proposta de lei vem a OA dar ldquoparecer positivo plenordquo
justificando que ldquoO projecto em anaacutelise agora limitado aos crimes semi-puacuteblicos e
particulares merece a nossa concordacircncia As dificuldades que assinalaacutemos em anterior
parecer foram ultrapassadas dada a exclusatildeo dos crimes puacuteblicos do acircmbito da
mediaccedilatildeo58
rdquo
Aparentemente natildeo faria qualquer sentido termos a possibilidade de aplicar a
mediaccedilatildeo penal a crimes puacuteblicos dada a sua especificidade processual Como vimos
anteriormente a mediaccedilatildeo penal exige a existecircncia de duas partes para que a possibilidade
de um acordo esteja a ser debatida Nos crimes puacuteblicos como se identificaria
materialmente o ofendido Natildeo estariam desta forma reunidas as condiccedilotildees para se
recorrer agrave Mediaccedilatildeo Penal nem seria possiacutevel quando uma das partes eacute o proacuteprio Estado
em representaccedilatildeo da sociedade
Analisemos no entanto o crime de furto a tiacutetulo de exemplo acadeacutemico
O artigo 203ordm nordm 3 do CP classifica o crime de furto como crime semipuacuteblico No
caso de se enquadrar nas condiccedilotildees do artigo 207ordm do CP eacute mesmo considerado como um
crime de natureza particular Ou seja enquadra-se nas condicionantes da mediaccedilatildeo penal
referidas no artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho sendo admitido o recurso a esta
forma de RAL
57
Preacircmbulo da Lei nordm 107X 58
Parecer da Ordem dos Advogados datado de 09 de outubro de 2006 e assinado por Germano Marques da
Silva enquanto relator e presidente do gabinete de estudos da OA
38
Suponhamos agora que as condiccedilotildees em que o crime de furto ocorre satildeo
exatamente as mesmas exceto no valor da coisa furtada que eacute de valor elevado ou seja
excede as 50 unidades de conta59
O crime de furto eacute entatildeo qualificado por forccedila do artigo
nordm 204ordm nordm 1 al a) do CP passando a um crime de natureza puacuteblica e deixando de ser
admitido o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
Neste caso apenas estamos a falar da alteraccedilatildeo do valor da coisa furtada e da
qualificaccedilatildeo ou desqualificaccedilatildeo do respetivo crime Apesar de natildeo ser facilmente
entendiacutevel para o cidadatildeo comum consideramos esta questatildeo do foro exclusivo da poliacutetica
criminal Natildeo nos devemos assim imiscuir nessa mateacuteria Serve o exemplo que aqui
apresentamos para ilustrar as limitaccedilotildees da mediaccedilatildeo penal mesmo em crimes em que
aparentemente poderiacuteamos aplicar esta forma de RAL
Ao limitar a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes cuja moldura penal maacutexima seja
igual ou inferior a cinco anos no caso dos crimes particulares implica referir que todos os
crimes particulares estatildeo abrangidos dada a inexistecircncia de molduras penais superiores60
Estando sanada a limitaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos crimes particulares
e a alguns crimes semipuacuteblicos logo ad contrarium sensu a proibir a sua aplicaccedilatildeo em
crimes puacuteblicos levanta-se uma questatildeo relativamente aacute aliacutenea c) nordm 3 do artigo 2ordm da Lei
nordm 212007 de 12 de Junho
Se nos nuacutemeros 1 e 2 do artigo 2ordm a Lei proiacutebe a aplicaccedilatildeo aos crimes puacuteblicos e
sendo o crime de peculato61
corrupccedilatildeo62
e traacutefico de influecircncias63
crimes puacuteblicos estamos
perante uma redundacircncia legislativa ou uma dupla proibiccedilatildeo
59
Artigo 202ordm al) a) do CP ndash ldquoa) Valor elevado ndash aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no
momento da praacutetica do factordquo 60
As portarias nordms 68-A2008 68-B2008 e 68-C2008 de 22 de janeiro previam erradamente a aplicaccedilatildeo da
mediaccedilatildeo penal a crimes cuja pena de prisatildeo fosse ldquosuperior a 5 anosrdquo Erro parcialmente corrigido pelas
Declaraccedilotildees de Retificaccedilatildeo nordms 16 17 e 18 de 2008 publicadas no Diaacuterio da Repuacuteblica I seacuterie de 20 de
marccedilo A portaria nordm 68-C2008 natildeo foi corretamente corrigida constando ainda esta referecircncia Somos da
opiniatildeo que deveraacute ser interpretada ao abrigo da al a) nordm 2 artordm 2ordm da Lei nordm 212007 e aplicada a crimes cuja
pena de prisatildeo ldquonatildeo seja superior a cinco anosrdquo Esta interpretaccedilatildeo eacute reforccedilada pelas alteraccedilotildees agraves portarias
anteriormente referidas e devido agrave hierarquia da legislaccedilatildeo portuguesa dado que nunca poderia uma portaria
contrariar uma Lei 61
Artigo 375ordm do Coacutedigo Penal 62
Capiacutetulo IV Secccedilatildeo I do Coacutedigo Penal 63
Artigo 335ordm do Coacutedigo Penal
39
Acerca deste assunto vem o Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico tomar
uma posiccedilatildeo ldquoNestes termos em boa disciplina legislativa e esperando que natildeo haja ideia
de alterar o regime puacuteblico de tais crimes ou diminuir a sua moldura penal a aliacutenea c) do
nordm 3 deveria simplesmente ser suprimidardquo64
Deixa no entanto o SMMP a ressalva de que ldquoAgrave cautela poreacutem mais vale deixar
permanecer aquela proibiccedilatildeordquo65
O texto manteve-se sendo que na Lei nordm 212007 se manteacutem esta dupla proibiccedilatildeo
Em nosso entender eacute uma proibiccedilatildeo redundante e que deveria ser eliminada da letra de Lei
Mesmo especulando que no futuro se pudessem tornar crimes semipuacuteblicos nunca seriam
abrangidos pelo regime da mediaccedilatildeo penal por forccedila do artigo 2ordm nordm 2 da Lei nordm 212007
dado que o bem protegido neste tipo de crimes natildeo satildeo as pessoas nem o patrimoacutenio
Tambeacutem a limitaccedilatildeo a alguns crimes semipuacuteblicos poderaacutedeveraacute ser debatida Em
primeiro lugar porque a mediaccedilatildeo penal eacute de caraacutecter voluntaacuterio logo o ofendido ou o
arguido tecircm sempre a possibilidade de se opor agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal bastando
que natildeo deem o seu consentimento66
ou que o revoguem no decorrer desta67
O
acionamento destas ferramentas legislativas eacute suficiente para que o processo siga a forma
comum e salvaguarde a vontade das partes envolvidas
O proacuteprio regime aplicaacutevel aos crimes semipuacuteblicos permitem que o queixoso
desista da queixa desde que natildeo haja oposiccedilatildeo do arguido ateacute agrave publicaccedilatildeo da sentenccedila em
primeira instacircncia68
Ora pelas razotildees anteriormente expostas poderia o nordm 2 do artigo 2ordm da Lei nordm
212007 de 12 de junho abranger todo o tipo de crimes semipuacuteblicos protegendo de igual
forma os direitos do ofendido e do arguido
64
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 65
Ibidem 66
Artigo 3ordm nordm 6 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 67
Artigo 4ordm nordm 2 da Lei nordm 212007 Diaacuterio da Repuacuteblica I Seacuterie Nordm 112 (12-06-07) p 3799 68
Artigo 116ordm nordm 2 do Coacutedigo Penal
40
ldquoO ofendido mais que qualquer outra pessoa saberaacute se a mediaccedilatildeo serve
os seus interesses e se eacute ou natildeo meio com suficiente idoneidade para
reparar a lesatildeo consumada com a praacutetica do crime69
rdquo
Ressalvamos que deveraacute de existir uma vaacutelvula legal de escape para eventuais
crimes semipuacuteblicos existentes ou que venham a ser previstos no Coacutedigo Penal e aos quais
natildeo se adequaraacute a mediaccedilatildeo penal Nesta situaccedilatildeo o Ministeacuterio Puacuteblico poderaacute natildeo aceitar
a mediaccedilatildeo penal justificando os motivos da sua rejeiccedilatildeo
Na aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o legislador
proiacutebe a aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal a crimes ldquocontra a liberdade ou autodeterminaccedilatildeo
sexualrdquo Julgamos que esta proibiccedilatildeo eacute consensual no entanto chegou a ser debatida na
discussatildeo parlamentar na fase da generalidade70
O argumento ao qual se apelou foi o de que o ofendido poderia nunca apresentar
queixa ou simplesmente desistir dela Natildeo subscrevemos este ponto de vista e reforccedilamos a
ideia base da mediaccedilatildeo penal da resoluccedilatildeo de um conflito frente a frente entre o arguido e
o ofendido de forma pacificadora e direta
Ao facultarmos a possibilidade de existir uma mediaccedilatildeo neste tipo de crimes
estariacuteamos a correr o risco de transmitir a imagem da pouca importacircncia deste tipo de
crimes para a sociedade o que obviamente repudiamos Poderiacuteamos ainda estar a infligir
um novo sofrimento agrave viacutetima a qual seria confrontada com o seu agressor sexual e com as
suas justificaccedilotildees tendo esta que se expor para as contrariar Neste tipo de crimes somos
da opiniatildeo que deveremos recorrer ao sistema tradicional por forma a proteger os
interesses do ofendido
Outra questatildeo controversa levantada acerca do texto do artigo 2ordm tem a ver com o
facto do nordm 3 al e) da proposta de lei nordm 107X proibir que o arguido fosse uma pessoa
coletiva sendo no entanto permitido que o ofendido tivesse essa qualidade Esta proibiccedilatildeo
provinha do facto de estas natildeo poderem assumir a responsabilidade dos factos imputados
69
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4 70
Conforme consta no nordm 51 I seacuterie do Diaacuterio da Assembleia da Repuacuteblica de 22 de fevereiro de 2007
41
Tal proibiccedilatildeo levantaria algumas questotildees umas das quais no caso de haver dois
arguidos sendo um deles pessoa coletiva Nesta situaccedilatildeo a mediaccedilatildeo seria possiacutevel apenas
relativamente ao arguido singular impedindo a pessoa coletiva de aceder a esta forma de
RAL
Tomemos como exemplo acadeacutemico uma pessoa coletiva que comete o crime de
difamaccedilatildeo sobre uma pessoa singular Ao subsistir esta proibiccedilatildeo a mediaccedilatildeo penal natildeo
poderia ser acionada no entanto a pessoa coletiva poderia chegar a acordo ldquoextra-
mediaccedilatildeordquo com o ofendido e este uacuteltimo desistir da queixa sendo o processo arquivado de
igual forma Seraacute sempre preferiacutevel que este acordo seja ldquosupervisionadordquo pela justiccedila
nomeadamente pelo Ministeacuterio Puacuteblico
Vem o SMMP tomar posiccedilatildeo quanto a esta mateacuteria alegando que ldquonatildeo se entende a
opccedilatildeo de deixar fora do processo de mediaccedilatildeo os crimes praticados por pessoas
colectivas uma vez que inexiste qualquer obstaacuteculo dogmaacutetico ou pragmaacutetico agrave mediaccedilatildeo
quando o arguido eacute pessoa colectiva71
rdquo
Efetivamente esse foi tambeacutem o entendimento do legislador pelo que a Lei nordm
212007 de 12 de junho veio a permitir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal por parte de pessoas
coletivas como arguidos ou ofendidos Relativamente agrave responsabilidade penal das
pessoas coletivas veio a sua capacidade plasmada no artigo 11ordm nordms 2 a 11 da Lei nordm
592007 de 4 de setembro
Poderemos estar tambeacutem perante outra questatildeo o facto de durante o inqueacuterito
estarem a ser investigados diversos crimes ou contra o mesmo agente ou por forccedila das
vaacuterias aliacuteneas do nordm 1 do artigo 24ordm do Coacutedigo de Processo Penal
71
Parecer do SMMP relativo agrave proposta de Lei 107X do Coacutedigo de Mediaccedilatildeo Penal 26 de Fevereiro de
2007 p4
42
Para Rui do Carmo72
ldquoNestes casos pode haver lugar agrave separaccedilatildeo de processos
se a) coexistirem crimes a que eacute aplicaacutevel a mediaccedilatildeo penal e crimes a que tal modo de
resoluccedilatildeo do conflito penal natildeo eacute aplicaacutevel ou b) havendo uma pluralidade de arguidos
eou ofendidos a mediaccedilatildeo possa ter lugar apenas relativamente a algum ou alguns
delesrdquo Esta posiccedilatildeo assenta para Rui do Carmo nas aliacuteneas a) e b) do nordm 1 do artigo 30ordm
do Coacutedigo de Processo Penal dado que se enquadra no ldquointeresse ponderoso e atendiacutevel de
qualquer arguido73
rdquo sendo que poderia ldquorepresentar um grave risco para () o ofendido
()rdquo74
Opiniatildeo contraacuteria tem Joatildeo Conde Correia o qual defende que ldquono caso de
pluralidade de crimes seraacute tambeacutem difiacutecil aplicar o regime de mediaccedilatildeo penal porque a
moldura penal abstracta prevista para os crimes em causa ultrapassaraacute normalmente o
limite maacuteximo de cinco anos previsto no artordm 2ordm nordm 3 al a)rdquo75
Rui do Carmo rebate esta posiccedilatildeo alegando que ldquoO preceito legal referido reporta-
se a ldquotipo legal de crime[que] preveja pena de prisatildeo superior a cinco anosrdquo e natildeo agrave pena
do eventual concurso de crimesrdquo76
Ainda acerca desta questatildeo reiteramos um dos princiacutepios da mediaccedilatildeo penal ndash a
voluntariedade assim se a situaccedilatildeo for a inversa ou seja se um arguido praticar um iliacutecito
penal contra vaacuterios ofendidos apenas poderaacute haver recurso agrave mediaccedilatildeo penal caso haja
unanimidade e consenso por parte destes Assentamos esta posiccedilatildeo no artigo 3ordm nordm 6 da
Lei nordm 212007 de 12 de Junho ndash ldquoCaso natildeo obtenha consentimento (hellip) o mediador
informa disso o Ministeacuterio Puacuteblico prosseguindo o processo penalrdquo Caso assim natildeo
fosse corriacuteamos o risco de o arguido ser punido duas vezes pelo mesmo crimes o que estaacute
constitucionalmente vedado pelo artigo 29ordm nordm 5 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa77
72
CARMO Rui - Procurador da Repuacuteblica e Diretor adjunto do Centro de Estudos Judiciaacuterio in Um
exerciacutecio de leitura do Regime Juriacutedica da mediaccedilatildeo Penal [Em linha] 2012 P 6 [consult 08 de agosto de
2012] Disponiacutevel em httpptscribdcomdoc47613009Mediacao-Penal 73
Artigo 30ordm nordm1 al a) do Coacutedigo de Processo Penal 74
Artigo 30ordm nordm1 al b) do Coacutedigo de Processo Penal 75
ldquoO papel do Ministeacuterio Puacuteblico no regime legal da mediaccedilatildeo penalrdquo Revista do Ministeacuterio Puacuteblico nordm
112 Out-Dez 2007 p68 nota 24 76
CARMO op cit p 7 (rodapeacute) 77
ldquo5 - Ningueacutem pode ser julgado mais do que uma vez pela praacutetica do mesmo crimerdquo artigo 29ordm CRP
43
Resta-nos analisar uma uacuteltima hipoacutetese o caso de existir apenas um ofendido um
iliacutecito criminal praticado e vaacuterios agentes Na situaccedilatildeo elencada estamos perante um caso
de comparticipaccedilatildeo criminosa Assim a questatildeo a analisar eacute se poderemos aplicar a
mediaccedilatildeo penal num caso de comparticipaccedilatildeo e apenas envolvendo parte dos agentes
Exemplo de trecircs agentes (A B e C) em que um (A) pretende o recurso agrave mediaccedilatildeo penal e
os restantes dois natildeo pretendem (B e C)
Tendo por base a voluntariedade da mediaccedilatildeo penal desde jaacute podemos dar como
assente que natildeo pode a lei ldquoobrigarrdquo os agentes B e C a aceitarem o recurso agrave mediaccedilatildeo
Cumpriraacute avaliar qual o procedimento relativamente ao agente A
Somos da opiniatildeo de que o procedimento seraacute o semelhante ao referido
anteriormente a mediaccedilatildeo realizar-se-aacute com o arguido que a pretende (A) e o processo
comum para com os restantes agentes (B e C) ndash artigo 264ordm nordm 5 e artordm 30ordm nordm 1 al a)78
do
CPP
Pode no entanto ocorrer que os arguidos B e C venham a ser absolvidos em sede de
julgamento enquanto que o arguido A jaacute se encontra a cumprir o acordo
Esta decisatildeo aproveitaraacute ao arguido A devendo este ser notificado da decisatildeo do
julgador cessando de imediato o acordo anteriormente firmado no acircmbito da mediaccedilatildeo
penal dado que lhe eacute mais favoraacutevel
O artigo 2ordm aliacutenea d) deste diploma vem ainda proibir o recurso agrave mediaccedilatildeo penal
no caso de o ofendido ser menor de 16 anos Haveria a possibilidade de estes se fazerem
representar conforme os nordms 8 e 12 da Recomendaccedilatildeo Entendeu no entanto o legislador
portuguecircs contrariar a recomendaccedilatildeo a respeito desta mateacuteria79
Concordamos com a
posiccedilatildeo perfilhada dado que a sua representaccedilatildeo desvirtuava a ideia base da mediaccedilatildeo
78
ldquoArtigo 30ordm
Separaccedilatildeo dos processos
1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do arguido do assistente ou do lesado o
tribunal faz cessar a conexatildeo e ordena a separaccedilatildeo de algum ou alguns processos sempre que
a) Houver na separaccedilatildeo um interesse ponderoso e atendiacutevel de qualquer arguido (hellip)rdquo 79
ldquo8 Fundamental procedural safeguards should be applied to mediation in particular the
parties should have the right to legal assistance and where necessary to translationinterpretation Minors
should in addition have the right to parental assistancerdquo ldquo12 Special regulations and legal safeguards
governing minors participation in legal proceedings should also be applied to their participation in
mediation in penal mattersrdquo
44
uma confrontaccedilatildeo entre o arguido e o ofendido Deve o Estado primar para que o superior
interesse da crianccedila seja respeitado e natildeo poderaacute delegar esta responsabilidade Apesar de
o eventual acordo ser sempre sujeito ao escrutiacutenio do Ministeacuterio Puacuteblico este deve ter uma
intervenccedilatildeo direta em todo o processo pelo que apenas o poderaacute fazer em sede de
julgamento num processo comum e natildeo num processo alternativo de resoluccedilatildeo de litiacutegios
como a Mediaccedilatildeo Penal
Aventuramo-nos a ir mais aleacutem do previsto na Lei nordm 212007 de 12 de Junho e
aplicar analogicamente a aliacutenea d) do nordm 2 do artordm 2ordm deste diploma aos interditos e
inabilitados Os argumentos seratildeo semelhantes aos anteriormente apresentados em relaccedilatildeo
aos menores sempre primando pela resoluccedilatildeo direta entre o ofendido e o arguido o que
natildeo aconteceria se estes se fizessem representar Neste sentido remetemos para o nordm 13 da
Recomendaccedilatildeo ldquo A mediaccedilatildeo natildeo deveraacute prosseguir se algumas das partes envolvidas
natildeo for capaz de entender o significado do processordquo (traduccedilatildeo nossa)80
e para o nordm 15
ldquoDisparidade oacutebvias referentes a fatores como hellip a capacidade intelectual devem ser tidas
em conta antes de remeter o processo para mediaccedilatildeordquo (traduccedilatildeo nossa)81
Outro impedimento do regime da mediaccedilatildeo penal vem plasmado no artigo 2ordm nordm 3
aliacutenea e) a qual proiacutebe o recurso agrave mediaccedilatildeo penal no caso de ser aplicaacutevel o processo
sumaacuterio ou sumariacutessimo
Para percebermos melhor a razatildeo de ser desta aliacutenea importa definir mesmo que
superficialmente os conceitos de processo sumaacuterio e de processo sumariacutessimo
O processo sumaacuterio estaacute previsto no Livro VIII tiacutetulo I do Coacutedigo de Processo
Penal e na sua essecircncia aplica-se a crimes cujo limite maacuteximo natildeo ultrapasse os cinco
anos82
desde que detidos em flagrante delito83
ou caso o Ministeacuterio Puacuteblico na acusaccedilatildeo
entender que natildeo deva ser aplicada em concreto pena de prisatildeo superior a cinco anos84
80
ldquo13 Mediation should not proceed if any of the main parties involved is not capable of understanding the
meaning of the processrdquo ndash nordm 13 da Recomendaccedilatildeo 81
ldquo15 Obvious disparities with respect to factors such as the parties age maturity orintellectual capacity
should be taken into consideration before a case is referred to mediationrdquo ndash nordm 15 da Recomendaccedilatildeo 82
Artigo 381ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 83
Nos termos do disposto nos artigos 255ordm e 256ordm do Coacutedigo de Processo Penal 84
Artigo 381ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
45
O facto de o Ministeacuterio Puacuteblico ter a possibilidade de na acusaccedilatildeo requerer uma
pena de prisatildeo inferior ou igual a cinco anos natildeo influencia a impossibilidade de recorrer a
esta modalidade de RAL Em primeiro lugar devido ao momento processual em que
decorre a mediaccedilatildeo sendo que o recurso a este mecanismo legal apenas poderaacute decorrer
durante a fase de inqueacuterito sendo a acusaccedilatildeo que dita o final deste Em segundo lugar e
em seguimento deste primeiro argumento no decorrer do inqueacuterito o arguido estaacute
indiciado por um crime de pena maacutexima superior a 5 anos o que jaacute se encontra previsto na
aliacutenea a) do nordm 3 da Lei 212007 ou estaacute perante um concurso de crimes situaccedilatildeo jaacute
analisada anteriormente
Jaacute quanto agrave primeira preposiccedilatildeo do nordm 1 do artigo 381ordm poderiacuteamos estar perante
uma situaccedilatildeo de eventual recurso ao regime da mediaccedilatildeo penal no entanto nesta situaccedilatildeo
partimos de imediato para o processo sumaacuterio O detido eacute apresentado imediatamente ou
no mais curto prazo possiacutevel ao Ministeacuterio Puacuteblico junto do tribunal competente para o
julgamento85
Por sua vez o Ministeacuterio Puacuteblico tem a possibilidade de interrogar o detido
sumariamente e apresenta-o imediatamente ou no mais curto prazo possiacutevel ao tribunal
para o seu julgamento86
Por estes motivos no processo sumaacuterio natildeo haacute lugar a inqueacuterito
logo natildeo poderaacute haver lugar a mediaccedilatildeo penal por proibiccedilatildeo do artigo 3ordm nordm 1 da Lei nordm
212007 de 12 de Junho Mais uma vez entendemos existir uma redundacircncia nestas
proibiccedilotildees apenas entendendo a sua referecircncia como forma de facilitar a compreensatildeo por
parte do inteacuterprete
Analisemos brevemente o processo sumariacutessimo previsto no tiacutetulo III do Livro
VIII do Coacutedigo de Processo Penal O processo sumariacutessimo eacute aplicaacutevel a crimes puniacuteveis
com pena de prisatildeo natildeo superior a 5 anos ou soacute com pena de multa em que o Ministeacuterio
Puacuteblico entenda que ldquodeve ser concretamente aplicada pena ou medida de seguranccedila natildeo
privativas da liberdade87
rdquo O Ministeacuterio Puacuteblico deveraacute apresentar requerimento escrito
contendo ldquoas indicaccedilotildees tendentes agrave identificaccedilatildeo do arguido a descriccedilatildeo dos factos
imputados e a menccedilatildeo das disposiccedilotildees legais violadas a prova existente e o enunciado
sumaacuterio das razotildees pelas quais entende que ao caso natildeo deve concretamente ser aplicada
85
Artigo 382ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 86
Artigo 382ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal 87
Artigo 392ordm nordm 2 do Coacutedigo de Processo Penal
46
pena de prisatildeo88
rdquo Caso o arguido natildeo se oponha conforme o artigo 397ordm nordm 1 do CPP o
juiz ldquoprocede agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo e agrave condenaccedilatildeordquo
O artigo 393ordm nordm 2 do CPP permite ainda que ldquoateacute ao momento da apresentaccedilatildeo
do requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico (hellip) pode o lesado manifestar intenccedilatildeo de obter a
reparaccedilatildeo dos danos sofridos (hellip)rdquo
Pelo exposto anteriormente natildeo encontramos qualquer impedimento a que se
recorra agrave mediaccedilatildeo penal em processos sumariacutessimos Partilhamos a opiniatildeo de Rui do
Carmo89
ldquonatildeo se vislumbra qualquer razatildeo substantiva justificativa destas (hellip) excepccedilotildees
agrave aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penalrdquo
Na eventualidade de ser requerida a mediaccedilatildeo penal durante o inqueacuterito e para
fazer funcionar a aliacutenea e) do artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho o Ministeacuterio
Puacuteblico teraacute de rejeitar o requerimento alegando que vai recorrer ao processo sumariacutessimo
Frisamos que o arguido tem a possibilidade de se opor ao requerimento pelo que o
processo seguiraacute para ldquooutra forma que lhe caiba90
rdquo Nesta situaccedilatildeo o processo seguiraacute
para uma forma em que lhe seria possiacutevel aplicar o regime da mediaccedilatildeo penal tendo-lhe
sido jaacute negada essa possibilidade
Assim e quanto aacute aliacutenea e) do nordm 3 artigo 2ordm da Lei nordm 212007 de 12 de junho
somos da opiniatildeo que eacute plausiacutevel a proibiccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da mediaccedilatildeo penal aos processos
sumaacuterios no entanto quanto aos processos sumariacutessimos esta devia ser permitida
Contrariamos desta forma em parte a posiccedilatildeo tomada por Andreacute Lamas Leite o
qual aborda levemente o assunto na sua anaacutelise criacutetica agrave Lei nordm 212007 de 12 de junho91
88
Artigo 394ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 89
CARMO op cit p 21 90
Artigo 398ordm nordm 1 do Coacutedigo de Processo Penal 91
ldquo(hellip) muito dificilmente se configura como poderia a mediaccedilatildeo ser compatiacutevel com o raacutepido
processamento imprimido (processo sumaacuterio) ou com o consenso jaacute exigido (ao niacutevel do processo
sumariacutessimo)rdquo- LEITE Op Cit
47
CAPIacuteTULO III
ESTATIacuteSTICAS DO SISTEMA DE MEDIACcedilAtildeO PENAL
Dados referentes agraves estatiacutesticas gerais do Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
compreendido pelo periacuteodo de 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
Relativamente aos processos que deram entrada no Ministeacuterio Puacuteblico podemos
apontar o nuacutemero total de 73592
dos quais 188 (2558) foram terminados com sucesso
(nuacutemero de processos terminados com acordo)
A natureza dos conflitos no que respeita ao total de processos que deram entrada
em mediaccedilatildeo penal descriminam-se na tabela abaixo indicada
92
Fonte Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila
Artigo Qtd Natureza
Artordm 143ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica simples 389 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 148ordm - Ofensa agrave integridade fiacutesica por negligecircncia 8 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 153ordm - Ameaccedila 81 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 154ordm nordm 4 ndash Coaccedilatildeo 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 156ordm - Intervenccedilotildees e tratamentos Meacutedico-ciruacutergicos arbitraacuterios 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 180ordm - Difamaccedilatildeo 7 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 181ordm - Injuacuteria 26 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 183ordm - Publicidade e caluacutenia 1 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 185ordm - Ofensa agrave memoacuteria de pessoa falecida 0 Particular Crime contra as pessoas
Artordm 187ordm - Ofensa a organismo serviccedilo ou pessoa coletiva 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra as pessoas
Artordm 190ordm - Violaccedilatildeo de domiciacutelio ou perturbaccedilatildeo da vida privada 6 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 191ordm - Introduccedilatildeo em lugar vedado ao puacuteblico 3 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 192ordm - Devassa da vida privada 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 194ordm - Violaccedilatildeo de correspondecircncia ou de telecomunicaccedilotildees 1 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 195ordm - Violaccedilatildeo de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 196ordm - Aproveitamento indevido de segredo 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 199ordm - Gravaccedilotildees e fotografias iliacutecitas 0 Semipuacuteblico Crime contra as pessoas
Artordm 203ordm - Furto simples 63 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 205ordm - Abuso de confianccedila 27 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 208ordm - Furto de uso de veiacuteculo 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 209ordm - Apropriaccedilatildeo ilegiacutetima em caso de acessatildeo ou de coisa achada 4 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 212ordm - Dano 69 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 215ordm - Usurpaccedilatildeo de coisa imoacutevel 1 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 216ordm - Alteraccedilatildeo de marcos 0 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 217ordm - Burla 27 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 219ordm - Burla relativa a seguros 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 220ordm - Burla para obtenccedilatildeo de alimentos bebidas ou serviccedilos 5 SemipuacuteblicoParticular Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 221ordm - Burla informaacutetica e nas comunicaccedilotildees 2 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 224ordm - Infidelidade 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 225ordm - Abuso de cartatildeo de garantia ou de creacutedito 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Artordm 226ordm - Usura 0 Semipuacuteblico Crime contra o patrimoacutenio
Decreto-Lei nordm 31697 - Emissatildeo de cheque sem provisatildeo 10 Semipuacuteblico
Total 735 Com acordo 188
Restantes 547
Taxa de sucesso 2558
Taxa de insucesso 7442
Dados cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica de Justiccedila referentes agrave natureza dos conflitos de processos de mediaccedilatildeo penal no periacuteodo
compreendido entre 23 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012
48
Graacutefico
Com base nos dados apresentados podemos indicar o crime de ofensas agrave
integridade fiacutesica simples ndash artordm 143ordm do Coacutedigo Penal como aquele em que mais se
recorreu agrave mediaccedilatildeo penal com 389 processos Eacute seguido do crime de ameaccedila ndash artordm 153ordm
do CP com 81 processos do crime de dano ndash artordm 212ordm do CP com 69 processos e do
crime de furto simples ndash artordm 203ordm do CP com 63 processos
Cerca de 53 dos processos que deram entrada no Sistema de Mediaccedilatildeo Penal
referem-se ao crime de ofensas agrave integridade fiacutesica simples
Como ponto negativo teremos de referir a baixa taxa de sucesso na ordem dos
2558 contra 7442 de processos cujo insucesso prevaleceu
Estes valores indicam que muito trabalho ainda haacute por fazer na mediaccedilatildeo penal natildeo
soacute na expansatildeo a outros crimes cuja ldquoprocurardquo foi na ordem dos 0 como na investigaccedilatildeo
e anaacutelise das causas que levam ao insucesso da mediaccedilatildeo penal Teremos tambeacutem de ter
em conta apesar da ausecircncia de nuacutemeros oficiais de que no sistema dito tradicional
alguns destes crimes tecircm soacute por si uma taxa bastante baixa de processos o que poderaacute
influenciar estes valores
Art 143ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica simples
Art 148ordm - Ofensa agrave integridadefiacutesica por Negligecircncia
Art 153ordm - Ameaccedila
Art 154ordm nordm4 - Coacccedilatildeo
Art 156ordm - Intervenccedilotildees etratamentos Meacutedico- ciruacutergicosarbitraacuterios
Art 180ordm - Difamaccedilatildeo
49
Eacute ainda importante referir que a maioria dos recursos agrave mediaccedilatildeo penal ocorre em
crimes contra as pessoas em detrimento aos crimes contra o patrimoacutenio Evidenciando a
necessidade e a tendecircncia para a resoluccedilatildeo fora dos tribunais deste tipo de crimes
50
51
52
CONCLUSAtildeO
A Mediaccedilatildeo Penal em Portugal jaacute eacute uma realidade implementada no entanto natildeo
passa ainda de uma crianccedila em franco crescimento Demos agora os primeiros passos nesta
caminhada sempre com a plena consciecircncia de que muito ainda existe para percorrer
Acreditamos que a seu tempo poderaacute vir a tornar-se uma alternativa ao Sistema
Penal dito tradicional com evidentes vantagens para todos os intervenientes e para a
sociedade em geral E ressalvamos ldquoa seu tempordquo pois a elevada taxa de insucesso da
Mediaccedilatildeo Penal demonstra que muito ainda falta fazer neste campo para que a possamos
apelidar de alternativa
No presente estudo optaacutemos por realizar trecircs viagens distintas no entanto sempre
com um ponto em comum ndash A Mediaccedilatildeo Penal
A primeira viagem incidiu numa perspetiva sobre a Justiccedila Restaurativa em geral e
a Mediaccedilatildeo Penal em particular o seu percurso histoacuterico e legislativo criacuteticas e alteraccedilotildees
ocorridas ao longo do tempo Analisaacutemos a admissibilidade da utilizaccedilatildeo do termo
ldquopartesrdquo em mediaccedilatildeo penal a funccedilatildeo do mediador formas de acesso a esta funccedilatildeo
obrigaccedilotildees e deveres deste Realizaacutemos um breve estudo comparativo da mediaccedilatildeo penal
em Portugal em relaccedilatildeo a outros paiacuteses onde tambeacutem se encontra implementado este
sistema de RAL nomeadamente no que concerne aos poderes do mediador e agrave forma como
estes satildeo vistos pela administraccedilatildeo puacuteblica Avanccedilaacutemos depois para o objetivo primordial
de qualquer mediaccedilatildeo o acordo
Analisaacutemos os requisitos do acordo formas de controlo e de elaboraccedilatildeo prazos e
consequecircncias do natildeo cumprimento e a resposta do sistema tradicional a este
incumprimento Tambeacutem neste ponto optaacutemos por uma breve anaacutelise internacional acerca
dos principais efeitos sobre o procedimento criminal de uma intervenccedilatildeo bem-sucedida
53
Finalizaacutemos com a anaacutelise do caraacuteter voluntaacuterio e confidencial da Mediaccedilatildeo Penal
pedras basilares neste Sistema de Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios sem as quais todo o
edifiacutecio ruiria
Na segunda viagem analisaacutemos de uma forma criacutetica a Lei nordm 212007 de
12 de junho Desde os pareceres do Conselho Superior de Magistratura Ordem dos
Advogados Sindicato dos Magistrados do Ministeacuterio Puacuteblico acordos poliacutetico-
parlamentares entre outros documentos que foram moldando a lei vigente Tivemos o
cuidado de percorrer artigo a artigo toda a Lei da Mediaccedilatildeo Penal e respetivas portarias e
apontar algumas incongruecircncias ou erros teacutecnicos que merecem ser discutidos de forma a
puderem corrigir algumas lacunas apontadas
Na terceira e uacuteltima viagem limitaacutemo-nos a apresentar nuacutemeros gentilmente
cedidos pela Direccedilatildeo-Geral da Poliacutetica da Justiccedila e a conceber uma breve anaacutelise factual
destes
Fazemos votos para que este trabalho sirva de base para uma anaacutelise cuidada e
aprofundada sobre a Mediaccedilatildeo Penal em Portugal Em nossa opiniatildeo esta forma de
Resoluccedilatildeo Alternativa de Litiacutegios traz vantagens para a Administraccedilatildeo Puacuteblica em geral e
para o Sistema Penal em Portugal em particular com uma desburocratizaccedilatildeo e celeridade
processual evidente Tambeacutem os intervenientes neste processo viacutetima e agressores razatildeo
de ser de todo o sistema satildeo aqui chamados a assumir a sua responsabilidade e a sua culpa
trazendo para ambos vantagens colossais em relaccedilatildeo ao sistema dito tradicional
54
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ANEXOS
58
LEI Nordm 212007
DE 12 DE JUNHO
59
60
61
62
63
PORTARIA Nordm 68-A 2008
DE 22 DE JANEIRO
64
65
66
PORTARIA Nordm 68-B 2008
DE 22 DE JANEIRO
67
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70
PORTARIA Nordm 68-C 2008
DE 22 DE JANEIRO
71
72
73
74
75
Curriculum Vitae
Leonel Madaiacutel dos Santos
76
77
78
79
80
81
DECLARACcedilAtildeO
MESTRADO X
DOUTORAMENTO
Autor LEONEL MADAIacuteL DOS SANTOS
Telefone 919228827 Nordm do Bilhete de Identidade 11599798
E-mail MADAILDOSSANTOS_UALHOTMAILCOM
Tiacutetulo da dissertaccedilatildeo
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A MEDIACcedilAtildeO EM PROCESSO PENAL EM PORTUGAL ATEacute 2012
Orientador JUIZ DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO GAMEIRO
CAMPOS LOBO
Departamento DIREITO Aacuterea CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-CRIMINAIS
Data de Defesa ___ ___ ____
1) Declaro sob compromisso de honra que dissertaccedilatildeo entregue corresponde agrave versatildeo
final apresentada ao juacuteri
2) Declaro que a dissertaccedilatildeo eacute original e natildeo viola quaisquer direitos de autor
3) Declaro que autorizo a Universidade Autoacutenoma de Lisboa atraveacutes dos seus
serviccedilos a arquivar difundir e integrar no repositoacuterio institucional sem alterar o
conteuacutedo a minha dissertaccedilatildeo em suporte digital
Incluir referecircncia + Resumo
Incluir referecircncia + Texto Completo
Lisboa 11 de novembro de 2013
Assinatura do Autor________________________________________________
82
DECLARACcedilAtildeO93
1- O plaacutegio consiste na utilizaccedilatildeo de ideias opiniotildees palavras resultados e
conclusotildees de outro ou outros autores apresentando-as como suas
2- Considerando que o plaacutegio eacute uma forma de fraude e um crime acadeacutemico grave
todas as suspeitas de plaacutegio seratildeo analisadas e caso provadas punidas de acordo com os
regulamentos em vigor
3- O desenvolvimento das ideias e as conclusotildees dos trabalhos apresentados pelos
candidatos a provas puacuteblicas de mestrado e doutoramento deveratildeo ser da autoria dos
proacuteprios
4- Citaccedilatildeo direta ou literal de trabalho (s) de outro(s) publicados ou natildeo deve
estar adequadamente delimitada por aspas e reproduzida com exatidatildeo sendo obrigatoacuterio
apresentar a referecircncia da fonte incluindo a (s) paacutegina (s) consultada(s) segundo o
sistema ou estilo de citaccedilatildeo adotado (citaccedilatildeo-nota ou autor-data) Na citaccedilatildeo indireta
(paraacutefrase ou reproduccedilatildeo de ideias e conclusotildees de outro(s) por outras palavras) deveraacute ser
tambeacutem indicada a fonte (em nota de rodapeacute segundo o estilo citaccedilatildeo-nota ou entre
parecircnteses curvos conforme o estilo autor-data) O mesmo procedimento deveraacute ser
seguido para o caso de imagens e apresentaccedilotildees audiovisuais
5- Natildeo deveraacute ser apresentado um mesmo trabalho (ou parte dele) repetidas vezes
pois seraacute considerado auto-plaacutegio
6- A apresentaccedilatildeo de um trabalho realizado com a colaboraccedilatildeo de outro(s) sem que
este(s) seja(m) referido(s) como autor(es) seraacute considerada plaacutegio ou cumplicidade
Declaro que li o texto anterior referente ao plaacutegio e que a dissertaccedilatildeo que
apresento a provas puacuteblicas no Mestrado em Direito especialidade em Ciecircncias
Juriacutedico-Criminais com o tiacutetulo rdquoJusticcedila Restaurativa ndash A mediaccedilatildeo em processo penal
em Portugal ateacute 2012rdquo eacute da minha autoria sem qualquer plaacutegio
Data 11 de novembro de 2013
Assinatura
93
Esta declaraccedilatildeo teraacute que ser assinada e anexada a todas as dissertaccedilotildees ou teses apresentadas para provas
puacuteblicas comprovando que o candidato leu e compreendeu as regras sobre o plaacutegio e que os seus trabalhos
seratildeo sujeitos a verificaccedilatildeo por meio de ferramentas eletroacutenicas Caso natildeo entregue a declaraccedilatildeo natildeo seratildeo
nomeados os juacuteris das provas