Democracia Burguesa e Apatia Política

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    Democracia burguesa eapatia poltica*

    LUCIANO CAVINI MARTORANO**

    Se, como apontou Marx, existe uma relao entre o nvel de participaopopular e a plenitude da transformao social, o socialismo deveria criar as con-dies que permitissem a contnua e ascendente interveno dos trabalhadores napoltica, superando o fenmeno da apatia1. Alm disso, e para que tal objetivofosse atingido, o Estado socialista se organizaria de tal forma a permitir o controleda burocracia pelos trabalhadores.

    Assim, tambm Lukcs, em Marxismo, Socialismo e Democrazia2, aindaque em outros termos, entendia que a essncia do avano socialista consistiria no

    desenvolvimento da democracia da vida quotidiana, expressa nos conselhos ope-rrios, que deveriam expandir a autogesto pblica democrtica de base da vidaquotidiana at os processos decisrios mais amplos.

    No entanto, sabido que o marxismo no dispe de uma teoria geral dademocracia3. Esta lacuna, de alguma maneira, influenciou o reconhecido fenme-

    *Este artigo a uma verso mais desenvolvida da Comunicao feita no IV Colquio doCemarx/Unicamp, e faz parte da Introduo da Tese de Doutorado Conselhos e Demo-cracia: Em busca da socializao e da participao.**Doutorando em Cincia Poltica no Iuperj/RJ. Endereo eletrnico: [email protected] apatia poltica como o comportamento caracterizado no s por elevadas taxas

    de absteno eleitoral nos casos onde o voto no obrigatrio, como tambm pela baixa parti-cipao em aes polticas no estritamente circunscritas a interesses locais ou profissionais.2Gyorgy Lukcs, Marxismo, socialismo e democrazia,Lineamenti, n 11. Padova, EdizioniGB, 1986.3Entendemos por teoria geral um conjunto de conceitos organicamente inter-relacionadoe vlido para o estudo de diferentes tipos histricos de modo de produo, que, no caso doregime poltico, pudesse dar conta de temas como o exerccio e o controle do poder, e arepresentao. Adotamos aqui a conceituao de democracia oferecida por Nicos Poulantzas

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    no do dficit democrtico nas primeiras tentativas de transio socialista do sculoXX. Um dos caminhos para se tentar enfrentar este desafio seria aprofundar adiscusso sobre a democracia burguesa, tentando desenvolver ainda mais a crticaaos seus elementos constitutivos como condio necessria de sua superaodialtica, tanto terica como prtica. Nesse sentido, o propsito deste texto o decolaborar, muito sinteticamente, com tal empreitada, que se insere no quadromais geral da discusso sobre o socialismo no sculo XXI. Pois sem uma crticaterica desenvolvida da democracia capitalista no se pode avanar na construode uma teoria da democracia socialista, sob o risco de se reiterar elementos da

    teoria poltica liberal no interior do marxismo

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    .A democracia burguesa5representou um avano em relao ao antigo regimefeudal. E ela foi o resultado de inmeras lutas e conflitos sociais contando com a

    em sua obra Poder poltico y clases sociales en el estado capitalista, como sendo a articulaoentre aforma de Estadoe a cena poltica, onde se desenvolve a luta partidria e faccional,principalmente, entre fraes de uma dada classe dominante para dividir com a burocraciade Estado o poder de deciso e de implementao da poltica estatal. Ver sobre isso oensaio de Dcio Saes,Democracia, So Paulo, Editora tica, 1987.4Adiantamos ainda que no discutiremos aqui a noo da democracia como valor univer-sal, tal como defendida por Carlos Nelson Coutinho,A democracia como valor universal eoutros ensaios,2. Ed., Salamandra Editora, Rio de Janeiro, 1984. Para uma crtica dessa

    defesa, bem como das posies assumidas por Francisco Weffort no livro Por que democra-cia?, 4. Ed., Editora Brasiliense, So Paulo, 1986, convidamos o leitor a ler os artigos deCaio Navarro de Toledo, A modernidade democrtica da esquerda: adeus revoluo?.Crtica Marxista, vol 1, n 1. 2 Ed. 1994, Editora Brasiliense, So Paulo; e de Joo Quartimde Moraes, Contra a canonizao da democracia. Crtica Marxista, n 12. De nossaparte, aqui s gostaramos de destacar um dos elementos centrais presente na argumenta-o de Carlos Nelson Coutinho, a saber: para ele, a democracia no capitalismo possibili-taria a emergncia de um processo de socializao da poltica (entendida apenas comosinnimo de participao popular nos assuntos polticos), de tal envergadura a ponto deprovocar o aparecimento de uma contradio entre esse processo e a apropriao privadaou individual (ou grupista) dos aparelhos de poder (op. cit., p. 54). Porm, como sepoder ver ao longo do artigo esta expectativa, possivelmente influenciada por conjuntu-ras polticas especficas, no d conta das determinaes mais profundas que incidem so-

    bre o regime poltico capitalista.5Utilizamos o termo democracia burguesapor entender que o que melhor expressa arelao entre classe dominante e burocracia nas condies do capitalismo, ou seja, ela aforma poltica da dominao de classe da burguesia com base na dominncia das relaesde produo capitalistas. Sendo assim, por exemplo, embora o parlamento seja formal-mente aberto a todas as classes e grupos sociais so as classes dominantes que sempreconseguem nele a aprovao de medidas favorveis a seus interesses de conjunto; do mes-mo modo, na cena poltica, so os partidos defensores do capitalismo, ou no mximo

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    participao destacada dos prprios trabalhadores, no se configurando, portanto,como uma criao da ento nascente classe dos capitalistas6, ainda que ela setornasse a principal beneficiria de sua implantao. Para os trabalhadores, elarepresentou a criao de melhores condies para a sua luta, tanto econmicacomo poltica; por isso, o movimento socialista, ou pelo menos a sua grande mai-oria, no ficou indiferente, do ponto de vista histrico, s possibilidades abertaspelo regime democrtico no capitalismo7, e procurou aproveit-las na busca deseus objetivos maiores, como revela Lnin emAs Duas Tticas da Social-democraciana Revoluo Democrtica8, ainda no incio do sculo passado. Mas a expectativa

    inicial de que ela pudesse garantir, pelo menos, uma representao poltica consi-derada satisfatria pela maioria da populao foi substituda pelo ceticismo. Apartir deste fato, surge a pergunta: por que no tem se concretizado, no capitalis-mo, uma maior participao popular na poltica alm do simples comparecimentoeleitoral, que alm de espordico , muitas vezes, obrigatrio? Aqui, a partir deargumentos levantados por diferentes autores9, elencamos brevemente cinco ra-zes de natureza estritamente poltica10.

    preocupados com a conquista de certo bem estar social nos seus prprios marcos, queconquistam as principais posies no interior do aparelho estatal.6Consultar sobre essa questo o artigo de Dcio Saes, A democracia burguesa e a lutaproletria. In:Estado e democracia: ensaios tericos, Unicamp/IFCH, Campinas, 1994.7

    Enfatizamos que o regime poltico democrtico aquele no qual a classe dominante conseguede fato influenciar na determinao da poltica estatal. A mera existncia de organismos legislativosno , porm, suficiente para garantir a sua interveno nas principais decises polticas eeconmicas; descaracterizando um tal regime como democrtico. Alm disso, a democraciano pode ser vista como apredominnciade um rgo estatal sobre o outro, como sugerePoulantzas ao analisar o regime democrtico no capitalismo, e, especificamente, as relaesentre o executivo e o legislativo, em seu livro citado acima, p. 403 e seguintes. Mais do que opredomnio de um sobre o outro no caso, do legislativo sobre o executivo , estes rgosestatais compartilham entre si, no necessariamente sem conflitos, o processo de deciso. Arelao entre eles, embora importante, insuficiente para a definio da democracia.8V.I. Lnin,As duas tticas da social-democracia na revoluo democrtica, So Paulo, Edi-tora e Livraria Livramento, sd.9Por esse motivo, no temos a pretenso de apresentar aqui nenhuma hiptese original sobre

    o tema do artigo, mas sim tentar expor de maneira mais articulada os referidos argumentospara que se possa aproximar de uma concluso mais definida sobre as suas conseqncias.10Os efeitos sobre o comportamento poltico provocados por fatores econmicos (propri-edade ou no dos meios de produo, desigualdade de renda etc.), ou culturais (formaoeducacional, acesso aos meios de comunicao etc.) no sero mencionados neste texto.Bem como o fenmeno da corrupo, por no se limitar unicamente esfera poltica, epor sua presena apresentar diferenas de grau nas diferentes formaes sociais capitalistas,ainda que seja considerado um fenmeno tpico do Estado burgus.

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    1. Usufruto desigual das liberdades polticasSob as condies de um regime poltico democrtico no capitalismo, as li-

    berdades polticas no so propriamente ilusrias, irreais, ou fictcias. Sob umaditadura, elas deixariam de existir com a supresso eventual do sufrgio universal;o fechamento do parlamento, ou a sua reduo a mera fachada institucional, pri-vando-o de qualquer possibilidade de reivindicar alguma legitimidade poltica;alm da eliminao da liberdade de expresso, de reunio e de organizao, ou asua restrio a limites ainda mais estreitos, inviabilizando qualquer crtica pblicaaberta ao governo estabelecido, e proibindo partidos de oposio, ainda que sejam

    de ao puramente eleitoral e no questionem a sociedade capitalista. Mas o usu-fruto destas liberdades no acessvel s diferentes classes e grupos sociais na mes-ma proporo e na mesma escala.

    Como mostrou Lnin, em Como Iludir o Povo11, h uma desigual distribui-o dos recursos polticos (dinheiro, meios de comunicao, educao), que de-terminada pela prpria desigualdade scio-econmica estrutural do capitalismo.Ou seja, a democracia no existe no vazio, ela se relaciona com determinada estru-tural social total que influi sobre ela, estabelecendo tanto pr-condies para a suaconstituio, como condies determinadas para o seu funcionamento. Por isso, oestudo das relaes entre a totalidade social e o regime poltico sempre esteve napauta da pesquisa do marxismo, que apontou as insuficincias tericas de muitosautores vinculados ao liberalismo poltico, ou mais atualmente ao chamado neo-

    institucionalismo, por desconsiderarem ou minimizarem tal relao, atendo-sebasicamente ao esforo de enunciar regras institucionais de suposta validade geral.

    Alm disso, importante acentuar que os regimes democrticos criaram aolongo de tempo barreiras institucionais, nem sempre visveis como no caso dalegislao eleitoral ou partidria, para, diante da desigualdade social e frente possibilidade de emergncia de conflitos sociais mais intensos, bloquear a penetra-o das reivindicaes populares, seja na esfera do Estado, seja na do regime pol-tico. Claus Offe, em ensaio crtico, ao analisar tal fenmeno no que chama decapitalismo tardio12, indica a existncia de sistemas de filtragem (itlico do textooriginal, p. 126) no funcionamento de suas instituies polticas, e de privi-legiamento estruturaldaqueles grupos de interesse e daquelas esferas funcionais que

    usufruem prioritariamente das indenizaes polticas, provocando um atrasoestrutural das esferas de vida social, dos grupos sociais e das categorias de necessi-

    11V.I. Lnin, Como iludir o povo,So Paulo, Editora tica, 1979.12Claus Offe,Dominao poltica e estruturas de classes: contribuio anlise dos siste-mas sociais do capitalismo tardio.In: Estado e Capitalismo. RJ, Editora Tempo Brasileiro,1980.

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    dades que no podem provocar riscos relevantes ao sistema, e a conseqente ex-cluso de determinados grupos ou determinadas esferas da vida social da partici-pao nos resultados da ao do poder pblico13. Ou seja, as instituies polticasda democracia burguesa, especialmente as mais desenvolvidas historicamente, pro-movem uma seletividade estruturalpara permitir a presena na cena poltica dosinteresses que sejam funcionais para a reproduo do capitalismo.

    No difcil deduzir que sob tais condies o conjunto da populao v per-dendo paulatinamente o interesse pela poltica, tanto a parlamentar, como a eleitorale partidria. O historiador Moses Finley observou que a apatia poltica surge de um

    sentimento de impotncia, da impossibilidade de neutralizar aqueles grupos de inte-resse cujas vozes prevalecem nas decises do governo14. Isto , sendo uma reaoprovocada por certa constatao, ela se configura como um fenmeno induzido pordeterminada causa, e no como uma manifestao natural inerente a todo cidado.

    Em suma, a liberdade poltica, por importante que seja, o reconhecimento jurdi-co formal da igualdade entre os cidados na esfera poltica, mas o seu usufruto desigual.

    2. Conflito entre o parlamento e a burocracia de EstadoO parlamento j foi apresentado por muitos cientistas polticos como o r-

    go mximo da soberania do povo, eleito para realizar a sua suposta vontade geral.A ele compete a elaborao das leis que deveriam ser aplicadas pelo Poder Execu-tivo. Ou seja, a implementao das decises do legislativo no depende deste,

    mas da burocracia de Estado que trabalha nos rgos judicirios, executivos etcnicos. Este corpo de funcionrios, recrutado segundo o princpio doburocratismo, regra que norteia o funcionamento do Estado burgus definidopor Poulantzas como o acesso formalmente aberto a todos os grupos e classessociais carreira burocrtica e a vigncia de um critrio de promoo hierrquicabaseado em dada competncia , no depende de nenhum mandato popular; as-sim, toda a sua atividade est baseada em regras internas de organizao burocr-tica sob o preceito da eficincia administrativa. Ou seja, cabe a ela a execuoprtica de toda a poltica de Estado, o que lhe assegura o poder da deciso final,como salientou Dcio Saes no livroEstado e democracia Ensaios tericos. Isto , aburocracia, enquanto camada social possuidora de interesses especficos ainda que

    no homogneos, por um lado, mas, por outro, dependente de seu pertencimentoao aparelho estatal como rgo do poder poltico, pode manter em suspenso oumesmo desconsiderar a aplicao de importantes medidas governamentais, esvazi-ando o poder do rgo legislativo. Sobre esta questo, basta consultar os inmeros

    13Idem, ibidem, p.136.14M.I. Finley,Democracia antiga e moderna,Rio de Janeiro, Edies Graal, 1988, pp. 115-116.

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    exemplos de leis aprovadas pelos parlamentares e no executadas pelos funcionri-os pblicos. Sem falar que a maioria das iniciativas legislativas com efetiva capaci-dade de aprovao e de execuo gerada no mbito do Poder Executivo, caben-do ao parlamento o papel subordinado de ratificao, muitas vezes aps aimplementao da medida j efetuada pelo governo.

    Paul Hirst, analisando principalmente a atual democracia na Inglaterra, assi-nala que quem faz as leis so os governos, no o povo. Os eleitores escolhemalgumas das pessoas envolvidas na tomada de deciso governamental, mas nopodem escolher diretamente as decises15; alm disso, ele ressalta que a maior

    parte da legislao consiste na delegao de poderes de deciso e ao a rgosexecutivos, que tm o poder derivado de criar leis quando necessrio e de adminis-trar uma atividade de um modo que consideram compatvel com alguma formu-lao ampla de objetivos. Com isso, as leis deixariam de ser normas para se con-verterem em sanes legais para medidas administrativas especficas16.

    J o cientista poltico alemo Joachim Hirsch, ao estudar no s o regime ale-mo, como tambm o processo de ampliao da Unio Europia, enfatiza que a perdade funo dos parlamentos, diagnosticada desde longa data, continuou devido internacionalizao dos processos de deciso poltica e pelo fato de que contedospolticos essenciais so definidos em sistemas de negociao mais informais que serealizam entre as burocracias estatais e os grupos de poder predominantes na socieda-de, fazendo com que os parlamentos nacional-estatais se vejam confrontados com as

    decises pactuadas com a burocracia enquanto coeres imanentes, que no podemser desconsideradas e, no melhor dos casos, s admite correes de detalhes17.

    Dessa forma, a ausncia de mecanismos de efetivo controle popular sobre aatividade dos polticos eleitos como seria o caso da instituio do mandato im-perativo, por exemplo , e sobretudo da burocracia, converte-se em uma espciede barreira que mina a ao poltica popular, quando esta tenta exercer influnciasobre o processo decisrio estatal; esta falta torna-se, ao mesmo tempo, um cor-do protetor da atividade parlamentar e burocrtica18. Muitas vezes, as reivindi-caes populares so rejeitadas com a utilizao de alegaes de natureza tcnicaou oramentria que no so postas em discusso.

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    Paul Hirst,A democracia representativa e seus limites,Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,1993, p. 34.16Idem, ibidem.17Joachim Hirsch,Herrschaft, hegemonie und politische alternativen,Hamburg, VSA, 2002,pp. 155-156 (A traduo do autor).18No capitalismo de hoje, defender o parlamento como sendo o poder popular por exceln-cia, ou como a Casa do Povo soa, no mnimo, como um secular anacronismo que noseria endossado nem mesmo por muitos estudiosos da poltica vinculados tradio liberal.

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    3. Contradio entre a titularidade e o exerccio da soberania popularComo sugerido acima, uma das formas de exerccio do poder na democracia

    burguesa pela representao poltica; isto , ela se realizaria por intermdio dadelegao de poderes dos eleitores para os eleitos via sufrgio. Mas, segundo UmbertoCerroni19, o povo apenas o titular formal da soberania poltica enquanto o seuexerccio realizado pelos seus representantes que possuem um mandato livre, oque os desobriga de cumprir o programa eleitoral eventualmente aprovado previ-amente por seus eleitores. E como, em geral, as eleies so espaadas suceden-do-se a cada 4 anos durante todo o perodo de uma legislatura, os eleitores no

    dispem de instrumentos para controlar os efeitos polticos, sociais e econmicosimediatos da ao de presidentes, governadores, prefeitos e parlamentares, j queno tm o direito de revogar os seus mandatos. No mximo, resta ao eleitor a possi-bilidade de no mais votar, nas prximas eleies, no poltico que tenha perdido asua confiana. O instrumento do impeachmentde governantes e da cassao de de-putados e vereadores so medidas excepcionais que servem para confirmar a regra20.

    Isso levanta a discusso sobre a prpria noo de representao poltica. Nesseponto, se concordarmos com Hirst de que no existe forma pura de representao,apenas pacotes definidos de mecanismos polticos: sistemas de votao, meios de deter-minar distritos eleitorais, nveis de votao, tipos de assemblia, leis de regulamentaodos partidos etc.21, poderemos entender melhor a sua considerao posterior:

    A partir do momento em que questionamos a noo de representao, ademocracia moderna deixa de ser uma forma de poder delegadopelopovo econverte-se, ao contrrio, numa forma de poder exercido por polticos pro-fissionais e funcionrios pblicos sobreo povo, em que alguns dessesgovernantes so periodicamente trocados pelo mecanismo da eleio22.

    19Umberto Cerroni, Teoria poltica e socialismo. S/l, Publicaes Europa- Amrica, 1976.20Em relao aos recentes processos eleitorais realizados na Amrica Latina, como os quelevaram Presidncia da Venezuela e da Bolvia lideranas como Hugo Chavez e Evo Morales,

    preciso apenas registrar que: 1) os processos polticos em ambos os pases ainda no termi-naram de modo a permitir uma concluso mais geral sob a forma de hipteses; 2) nos doiscasos, assiste-se tomada de medidas, tais como a tentativa de realizar uma reforma agrria,ou a estatizao de indstrias e bens naturais que, em essncia, no tm natureza socialista,configurando-se como aes ou de contedo democrtico-liberal prprio do desenvolvi-mento capitalista, ou que apontam para a formao de um capitalismo de Estado.21Paul Hirst, op. cit., p. 35.22Idem, ibidem,p. 36.

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    Tendo como pano de fundo este quadro, coloca-se o debate sobre o papel e,ligado a isso, a condio social dos polticos profissionais, em especial daquelesfiliados aos partidos empenhados na preservao do capitalismo. Alguns cientistaspolticos empregam a noo de classe poltica; que oculta a discusso sobre arelao entre a organizao e atuao dos polticos e das organizaes partidrias eos interesses de classes e fraes sociais. De qualquer forma, com o desenvolvimen-to da poltica como profisso nas condies do capitalismo, e com a consolidaode regimes democrticos, surge um grupo relativamente homogneo de polticosprofissionais, socialmente muito vinculados entre si, e unidos, para alm de qual-

    quer fronteira partidria, pelo interesse comum de assegurar suas carreiras, posi-es e privilgios, vivendo cada vez menos para a poltica, e mais da poltica23.O conhecido ditado popular segundo o qual a poltica coisa de poltico podeento ser visto como uma manifestao ideolgica da reao de grande parte dasociedade a esta situao, na medida em que no consegue apreender a sua nature-za mais profunda, que est relacionada com as formas assumidas pela poltica nocapitalismo.

    De todo modo, mesmo com todas as suas limitaes, as eleies gerais con-tinuam sendo um importante mecanismo de legitimao poltica, necessrio paraa democracia burguesa. Porm, como revelam as altas taxas de absteno eleitoralnos pases onde o voto facultativo, ou de votos nulos e em branco onde ele obrigatrio, boa parte do eleitorado parece ter perdido qualquer expectativa de

    poder influenciar decises polticas importantes atravs do seu sufrgio, especial-mente as relacionadas a questes que possam afetar os poderosos interesses organi-zados na cena poltica e ligados manuteno e reproduo do capitalismo24.

    4. Concorrncia poltica limitadaComo conseqncia do usufruto desigual das liberdades polticas, surge uma

    concorrncia limitada entre os diferentes partidos organizados e legalizados segun-do leis do direito constitucional e eleitoral. Para C.B. Macpherson, emA Demo-

    23Hirsch, op. cit., p.162. Este cientista poltico exemplifica o fenmeno citando o caso do

    Partido Verde alemo para mostrar que mesmo partidos considerados eventualmente comopopulares no esto imunes a tal efeito; independentemente da percepo que dele ve-nha a ter seus lderes e militantes, acrescentamos ns.24 preciso dizer que uma anlise terica e histrica sobre o significado do sufrgio univer-sal, ainda que limitada ao interior do debate marxista tomando como ponto de partidatrabalhos fundamentais de Marx, comoA Luta de classe na Frana de 1848 a 1850, ou O18 de brumrio de Luis Bonaparte, e de Engels, como o discutido Prefcio de 1895 paraa primeira obra de Marx acima indicada, foge em muito ao objetivo desse artigo.

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    cracia Liberal Origens e Evoluo25, a tendncia oligopolizao da economiaseria acompanhada por uma diminuio das agremiaes com reais possibilidadesde vitrias eleitorais, podendo atingir o exguo nmero de duas ou trs. Por isso,ele enftico ao afirmar que a concorrncia oligopolista de partidos polticos quevige entre ns [...] no apenas no-participativa, mas denunciada, pela maiorparte da corrente de tericos liberal-democrticos, como supra-essencialmente noparticipativa26.

    Nesse caso, ao contrrio do que propagado, tem-se como resultado no umpluralismo poltico ilimitado, mas limitado a certos partidos comprometidos polti-

    ca e ideologicamente com as regras do jogo democrtico burgus. Sendo assim,para efeito de esclarecimento, ainda que um partido revolucionrio pudesse defen-der explicitamente em sua plataforma eleitoral pontos como a destruio do Estadoburgus e do capitalismo pela luta armada, ele se depararia, na hiptese um tantoremota de obter apoio popular mais expressivo, no s com grandes dificuldades

    jurdicas, frente a pedidos de cassao, aes de inconstitucionalidade sob alegaode atentar contra o Estado de Direito, etc.; como tambm com problemas polti-cos, podendo ser colocado aprioristicamente margem da disputa poltica e eleito-ral, restando-lhe o papel de mera excentricidade em razo, sobretudo, do funcio-namento dos mecanismos de seleo poltica operantes nas democracias capitalistas,acima apontados. No toa que a histria do movimento operrio e socialistaapresentou e continua a apresentar tantos exemplos daquilo que foi chamado de

    mudana da natureza de classe de um partido que se apresentava como o represen-tante da classe operria, basta citar aqui o caso paradigmtico do partido social-democrata alemo em princpios do sculo passado; bem como, das dificuldades quepassa a ter um partido situado esquerda do espectro poltico ao tentar compatibilizarseu discurso, poltico ou programtico, anterior, com sua prtica mais recente volta-da para a sua viabilizao eleitoral27. Alm do que, deixam de existir grandes dife-renas programticas entre os partidos com reais possibilidades de vitria eleitoral namedida em que eles se vem obrigados, antes mesmo das eleies, a se comprometercom dois requisitos cada vez mais presentes na chamada agenda poltica, e postos

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    C.B. Macpherson,Ademocracia liberal origens e evoluo, Rio de Janeiro, Zahar Editores,1978.26Idem, Ibidem, p. 102. Tambm Macpherson refere-se aqui democracia nos pases decapitalismo mais desenvolvido, por isso a questo sobre a extenso dessa tendncia aos pasesditos perifricos demandaria outra anlise, mesmo que o predomnio das formas democrti-cas burguesas em tais pases possa apresentar certas semelhanas com os primeiros.27Repetimos uma vez mais que a anlise desse objeto tambm foge s possibilidades dopresente trabalho.

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    como inquestionveis: a governabilidade e a estabilidade econmica dentro dasregras do jogo j estabelecidas; e tambm de manter certas polticas adotadas pelogoverno anterior, mesmo que estas contrariem frontalmente o programa vigente dopartido e o seu discurso pblico, como o caso recente, da preservao de polticasneoliberais, tornadas hegemnicas a partir da dcada de 90 do ltimo sculo, que nomximo so submetidas a mudanas formais.

    Joseph Schumpeter28formulou a noo de que a democracia seria o mtodopelo qual a populao desempenharia o papel de mera selecionadora de lideranas,todas oriundas de uma restrita elite poltica; que motivou muitos analistas de sua

    obra a inclu-lo entre os autores vinculados Teoria das Elites, j que boa parte de suaargumentao em defesa de sua definio se apia em dois pressupostos: primeiro, nos o cidado comum estaria fadado a revelar falta de juzo em questes da polticanacional; e segundo, o povo como tal no pode nunca reger realmente, postuladocuja defesa [...] parece ser completa, para ele

    29. De todo modo, o aspecto que gosta-

    ramos de reter aqui que Schumpeter, talvez sem o pretender, estaria nos oferecendoalgumas indicaes vlidas, a serem reelaboradas criticamente, sobre manifestaespresentes na democracia realmente existente30no capitalismo. Mais um exemplo, seobservarmos o comportamento dos polticos profissionais, tal como acima apontado,pode-se perguntar se sua ao no se aproximaria da caracterstica de uma elite polti-ca, tal como descreve Schumpeter, mesmo que no concordemos com a noo deelite. Nessa tica, e em relao ao papel do eleitorado, este autor pondera:

    Os eleitores no decidem problemas pendentes. E tampouco elegem os mem-bros do parlamento, com plena liberdade, entre a populao elegvel. Emtodos os casos normais, a iniciativa est com o candidato que faz uma ofertapara obter o cargo de membro do parlamento e a liderana local que podelevar consigo. Os eleitores se limitam a aceitar sua oferta em preferncia aoutras ou recha-la31.

    28Joseph A. Schumpeter,Capitalismo, Socialismo y Democracia. Madrid, Aguilar Ediciones, 1952.29 verdade que Schumpeter (op. cit, pp. 330-s.) parece admitir uma exceo: a de uma demo-

    cracia direta, mas logo a seguir a descarta afirmando que o povo no governa nunca de fato,mas pode aceitar-se que governa por definio. (A traduo da edio em espanhol do autor).30Para usar a expresso empregada tanto por Joo Quartim, como por Joachim Hirsch nostextos acima indicados, para se referirem democracia capitalista em seu funcionamentoprtico, em contraposio a sua idealizao, que feita por muitos autores.31

    Schumpeter, op. cit., p. 374. Para uma crtica das concepes de Schumpeter sobre a relaoentre poltica e economia, eleies e mercado, cidado e consumidor, o leitor pode consultar ocaptulo Modelo 3: Democracia de Equilbrio, do livro mencionado de Macpherson.

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    Sem esquecer que o eleitor no participa, direta e decisivamente, da escolhaprvia das candidaturas, e s chamado posteriormente para votar entre os candi-datos j definidos pelos partidos, ou por suas direes, que nem sempre levam emconta a opinio do conjunto da militncia. Este processo, bem como os seus efei-tos, deve ter influenciado a anlise de Gaetano Mosca, levando-o a afirmar: noso os eleitores que elegem o deputado; e sim, em geral, o deputado que se fazeleger pelos eleitores32. Tal assertiva oferece uma importante indicao para oestudo do comportamento dos candidatos durante as campanhas eleitorais, quan-do eles se vem obrigados a atuarem como verdadeiros animadores de um audi-

    trio desinteressado por campanhas eleitorais cada vez padronizadas e organiza-das segundo os princpios do chamado marketing poltico, que se aproxima dasidias da propaganda realizada pelos grandes meios de comunicao33.

    Em suma, os processos eleitorais no capitalismo cada vez menos tm se mos-trado capazes de despertar um maior interesse pela poltica que se traduzisse emparticipao efetiva de um nmero crescente de cidados. Como registra o verbeteApatiado Dicionrio de Poltica, organizado entre outros por Norberto Bobbio:

    Pesquisas sobre o comportamento poltico demonstraram que o fenmenoest bastante difundido at nas modernas sociedades industriais de tipoavanado, que tambm so caracterizadas por altos nveis de instruo e dedifuso capilar das comunicaes de massa (sic!)...

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    A suspenso da legalidade constitucionalNo capitalismo, a legalidade constitucional e o regime parlamentar no so

    permanentes. A prpria legislao que os consagra, prev a possibilidade de suasuspenso atravs das figuras jurdicas do Estado de Stio e do Estado de Emergn-

    32Gaetano Mosca.Elementi di Scienza Politica[1896], 1922.33Hirsch (op. cit., p. 159) assim descreve as prticas de campanha eleitoral no s daAlemanha, mas tambm de outros pases europeus: Na falta de substncia, a polticadesemboca, no melhor dos casos, em eventos de distrao estimulante, que vive da ima-gem das estrelas, aptas sobretudo para talkshows e, de vez em quando, com polmicas

    eleitorais. Quanto menos significativas sejam as eleies para o prprio destino, mais sopercebidas como um relaxado evento esportivo. As apostas eleitorais adquirem maior im-portncia que o prprio resultado eleitoral. Os programas polticos so desconhecidos poramplos setores e, as proclamaes so escassamente levadas a srio. De forma correspon-dente, as mentiras manifestas e o no cumprimento das promessas eleitorais resultam emfutilidades e so assim facilmente perdoadas . (Traduo do autor.)34Apatia.In: Bobbio et alli,Dicionrio de poltica. vol.1. 4. Ed. Universidade de Braslia,1992, p. 56.

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    35Karl Marx, O Dezoito Brumrio de Luis Bonaparte. In: Marx e Engels, Obras escolhidas,vol.1, s/d, So Paulo, Editora Alfa-Omega, p. 213.36Max Adler,Die Staatsauffassung des marxismus,Kln, Marx Studien Verlag, 1974, p. 71(a traduo do autor).37Mrcio B. Naves, Os silncios da ideologia constitucional,Revista de Sociologia e Pol-tica, UFPR n 6/7. Curitiba, 1996, p. 167.

    cia, sob o pretexto de uma genrica ameaa ordem existente. E, na ocorrnciade uma situao de crise poltica que motive a sua aplicao, os cidados raramen-te so chamados a manifestarem sua livre opinio. Como notou Karl Marx: cadapargrafo da Constituio encerra sua prpria anttese35.

    O austraco Max Adler, em livro dedicado polmica com Hans Kelsen,destacou um procedimento tpico no apenas desse ltimo, como de muitos estu-diosos do direito e juristas no marxistas, e tambm de cientistas polticos: osconceitos deixam de serem analisados em sua relao causal de natureza sociolgi-ca, e passam a serem considerados apenas do ponto de vista jurdico e normativo

    ganhando assim uma aparncia de generalidade que possibilitaria a sua utilizaoahistrica. Nas palavras de Adler:

    Seu problema [o de Kelsen] nunca colocar a questo sobre o que so oEstado e o Direito, mas em que forma de pensamento nos movemos quan-do falamos de Estado e Direito; Soberania e Lei; Culpa, Pena e Obrigao.Essa maneira de colocar a questo pode ter como objeto tanto o Estadoatual, como o da Babilnia, tanto o direito na sociedade burguesa comonos tempos primitivos da sociedade matriarcal. A sua questo inteiramen-te formal, e enquanto elemento de teoria do conhecimento no poderia emabsoluto ser diferente36.

    J na perspectiva sociolgica sustentada por Adler, qualquer forma poltica oujurdica teria que ser considerada no abstratamente, isto , separada de suas relaescom determinada estrutura social total. Sendo assim, por mais importante quepossa ser a conquista pelo movimento operrio e socialista de direitos asseguradoslegal e constitucionalmente para o prosseguimento de sua luta pelo fim da explora-o de classes, necessrio saber analisar o que Mrcio Naves chamou de Os siln-cios da ideologia constitucional, pois um dos seus possveis efeitos o de fazer crerque a igualdade e a liberdade so um atributo que a norma confere ao indivduo 37,e no como o resultado de conflitos polticos entre classes e grupos sociais.

    Concluindo, estes fatores, constitutivos da democracia no capitalismo, aoagirem de forma combinada e simultnea, configuram-se como limites estrutu-

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    rais38para uma efetiva e constante participao poltica da maioria da sociedade.Eles so a causa principal da apatia poltica, que no pode ser vista como umfenmeno passageiro facilmente supervel. preciso, no entanto, lembrar que estefenmeno no visto como um problema por vrios cientistas polticos e socilo-gos; ao contrrio, para estes autores, a democracia s poderia ter xito caso exijareduzida interveno dos cidados na poltica, enquanto um incremento de suaatividade na esfera partidria ou estatal poderia, no limite, coloc-la em risco.Entre eles, alm de Schumpeter, destacam-se autores como Robert Dahl, em suaobra Who Governs?; Giovanni Sartori, em Teoria Democrtica, onde ele se exime de

    qualquer tentativa de explic-la, e ao fazer isso, sugere que se deva aceit-la talcomo , ou seja, interditando ao cientista a possibilidade de indag-la enquantoobjeto da teoria poltica39; e Lipset, que considera como o elemento caractersticoe mais valioso da democracia [...] a formao de uma elite poltica na luta paradisputar os votos de um eleitorado em sua maior parte passivo40.

    Assim, tanto na anlise da apatia poltica, como de outros fenmenos do regi-me poltico, como relembrou Florestan Fernandes, sempre necessrio colocar

    o questionamento fundamental: que tipo de democracia? A capitalista, queinstitucionaliza a classe como meio social de dominao e fonte de poder,ou a socialista, que deve tomar como alvo a eliminao das classes e o de-

    38No seu ensaio sobreDemocracia, Dcio Saes afirma que a apatia, em sentido estrito,refere-se ao funcionamento das instituies da democracia burguesa, e que ela nem sempresignifica uma despolitizao absoluta das massas trabalhadoras, pois pode at mesmoser expresso de uma postura positiva com relao a outras formas de ao poltica: a aoextra parlamentar e, mesmo, a ao claramente ilegal,p. 71-72. Alm do que, para Saes elano uma contingncia, mas um invariantedo regime poltico democrtico-burgus, p.70. De nossa parte, preferimos o adjetivo estruturalpor nos parecer revelar de maneiramais clara a natureza do fenmeno e os problemas apresentados para a sua superao, queenvolveria a mudana da prpria estrutura da sociedade. J Paul Hirst (op. cit., p. 10-11)oscila quanto classificao da apatia, ora apresentando-a como um limite estrutural, oracomo uma barreira institucional. Como estrutura e instituio so conceitos diferentes,ainda que tenham relao entre si, situar o problema na esfera institucional nos faria per-

    der de vista as determinaes mais profundas do objeto em foco.39Como observou Gramsci, em artigo para LOrdine Nuovo, ainda em 1919: Aapoliticidade dos apolticos foi apenas uma degenerescncia da poltica: negar e combatero Estado um facto poltico tal como inserir-se nesta actividade geral histrica;Democra-cia Operria,Coimbra, Centelha, 1976, p. 20.40Introduo de Lipset obra de Michels sobre os partidos polticos, apudFinley, 1988,p.25. Antes esse historiador j fizera meno ao artigo de W.H. Morris Jones, intitulado

    justamente In Defence of Apathy, p. 18.

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    senvolvimento da autogesto coletiva, passando por um perodo de domi-nao da maioria, to curto quanto possvel?41

    Levando-se em conta tambm uma das concluses de Carole Pateman emseu livro Participao e Teoria Democrtica: com efeito aprendemos a participar,participando42. Ou seja, o aprendizado da ao poltica s pode se realizar atravsda interveno efetiva da maioria da populao, propiciada por um regime real-mente democrtico. Da a pertinncia para a cincia poltica do exame no s dosobstculos que impedem a ao poltica popular em grande escala, como tambm

    das condies necessrias para sua superao.

    41Florestan Fernandes, Democracia e socialismo.Crtica Marxista, vol.1, n 3, So Pau-lo, Editora Brasiliense, 1996, p. 12. Por isso importante mencionar um dos problemaspresentes na anlise de Norberto Bobbio (em Qual Socialismo? Rio de Janeiro, Editora Paze Terra, 1983), onde o mximo que consegue atingir esse renomado autor em sua discus-so com marxistas italianos enumerar o que chama de paradoxos da democracia moder-na, que representam um esforo mais de natureza morfolgica do que tipolgica. Almdisso, ao se deter na leitura dos quatro paradoxos apresentados (exigir democracia nasgrandes organizaes; o aumento das funes administrativas e o conseqente crescimen-to da burocracia e da tecnocracia; o papel da tcnica nas sociedades industriais; e ocontraste entre processo democrtico e sociedade de massa, p. 58-62), nota-se que suapreocupao estaria mais voltada para o campo de uma teoria sociolgica das organizaes,

    de inspirao weberiana, e influenciada pela Teoria das Elites, do que para o da sociologiapoltica.42Carole Pateman, Participao e teoria democrtica,So Paulo, Editora Paz e Terra,1992,p. 139. Bem antes, Rosa Luxemburgo fazendo aluso s objees de que os trabalhadoresno poderiam, aps a vitria da revoluo socialista, construir um novo Estado e se manter sua frente, destacara que somente atravs do exerccio do poder que eles poderiamrealizar o aprendizado necessrio consolidao de seu triunfo, e no antes sob o Estadoburgus.