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Volume 6, Número 2, Outubro de 2017 A Vez do Populismo William A. Galston Conseguirá a Democracia Sobreviver à Internet? Nathaniel Persily O Fim da Ilusão Pós-Nacionalista Ghia Nodia A Malaise Política no Brasil: Causas Reais e Imaginárias Marcus André Melo O dilema brasileiro: entre o individualismo cívico e o personalismo transgressor Bernardo Sorj EMOCR j O U R N A L O F EM P ORTUGUÊS AC Y D

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Volume 6, Número 2, Outubro de 2017

A Vez do PopulismoWilliam A. Galston

Conseguirá a Democracia Sobreviver à Internet?

Nathaniel Persily

O Fim da Ilusão Pós-NacionalistaGhia Nodia

A Malaise Política no Brasil: Causas Reais e Imaginárias

Marcus André Melo

O dilema brasileiro: entre o individualismo cívico e o personalismo transgressor

Bernardo Sorj

emocrj o U r N A L o F

em PortuguêsAcYD

CONSELHO EDITORIAL

Bernardo SorjSergio Fausto

Diego Abente BrunMirian Kornblith

CONSELHO ASSESSOR

Fernando Henrique CardosoLarry DiamondMarc F. Plattner

Simon Schwartzman

TRADUÇÃO

Fabio Storino

REVISÃO TÉCNICA

Isadora CarvalhoOtávio Dias

Apresentação

No artigo que abre este número, “A vez do populismo”, o norte--americano William A. Galston (Brookings Institution) analisa o que ele define como a quarta — e mais preocupante — convergência po-lítica do pós-guerra: uma onda populista que ameaça as políticas le-vadas a cabo nas últimas décadas por partidos tradicionais (de centro--esquerda e de centro-direita) da Europa central aos Estados Unidos, passando pela Inglaterra. Não somente o livre-comércio, os acordos comerciais e as instituições internacionais, mas as próprias bases da democracia liberal, como a liberdade de imprensa, o Estado de Direito e os direitos das minorias, perdem terreno diante do avanço de forças nacionalistas.

Os motivos são diversos: da globalização ao avanço tecnológico, com o deslocamento de indústrias e empregos para países em desen-volvimento, em especial na Ásia, da Grande Recessão (iniciada em 2008) às ondas migratórias. Aprofundaram-se as divisões entre cida-dãos com mais e menos escolaridade, entre os que se beneficiam dos avanços tecnológicos e os ameaçados por eles, os que celebram a di-versidade e aqueles que valorizam a homegeneidade e entre habitantes de grandes cidades e de pequenas cidades ou do campo.

Os principais exemplos desta quarta onda são a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos (2016) e, na Europa, a esca-lada nacionalista dos governos na Hungria (desde 2010) e na Polônia (a partir de 2015), o “brexit” (2016) e o fortalecimento (embora não a vitória) de partidos de extrema direita nas últimas eleições na França e na Alemanha (2017). Para o autor, a ameaça mais premente à de-mocracia liberal não é a autocracia, mas a “democracia iliberal”, que pode, no entanto, conduzir a uma autocracia.

No segundo texto, “Conseguirá a democracia sobreviver à internet?”, o professor da Universidade Stanford Nathaniel Persily narra a “verda-deira história” da campanha digital durante a última eleição presidencial norte-americana, caracterizada pela intensa divulgação de “fake news” (notícias falsas), pelo amplo uso de “bots” (contas automatizadas) e pela atuação virtual de agentes estrangeiros, entre eles o governo russo, seja com fins lucrativos, para minar a confiança no processo eleitoral ou para privilegiar um dos candidatos, no caso Trump.

Segundo o autor, ao colocar em xeque distinções entre mídia tradi-cional e novas mídias, e contando com a ajuda de hordas de seguidores para criar uma cortina de fumaça, Trump mudou a narrativa e deu o tom da campanha, mostrando que um outsider pode chegar à Casa Branca com menos da metade dos recursos de sua adversária, a demo-crata Hillary Clinton. Facebook, Google e Twitter se transformaram rapidamente nas novas instituições intermediárias da política e, por não terem sido criados com o propósito de servirem a valores demo-cráticos (uma característica intrínseca ao jornalismo investigativo de qualidade), foram tragados pelas trevas da política e não sabem como encontrar uma saída.

O terceiro texto, “O fim da ilusão pós-nacionalista”, do georgiano Ghia Nodia (Ilia State University, Tbilisi), propõe uma discussão mais teórica sobre a resiliência do nacionalismo. A tendência da maioria dos cientistas políticos de considerar que o progresso geral (da huma-nidade) levaria a um futuro no qual as nações e o nacionalismo tornar--se-iam insignificantes sofreu um revés diante dos fatos recentes. Este nacionalismo renovado afeta todos os tipos de regime, dos Estados autoritários e semiautoritários às democracias relativamente novas e até mesmo as consolidadas.

“Onde foi que erramos?”, pergunta o autor, para em seguida con-cluir que os esforços de “libertação da democracia” dos desejos ex-pressos pelos povos de diversos países em recentes eleições não terão um final feliz, ainda que eles pareçam, num primeiro momento, um

retrocesso. Apenas produzirão mais reações “populistas” de maiorias ainda mais indignadas.

Os dois últimos textos, escritos por autores brasileiros, tratam de nossa atual crise política que, por possuir elementos em comum às dificuldades vividas por outros países, não pode ser dissociada de uma tendência mais global de riscos e ameaças à democracia, mas com características próprias.

No primeiro deles, “A malaise política no Brasil: causas reais e imaginárias”, o cientista político Marcus André Melo (Universidade Federal de Pernambuco) defende a ideia de que a atual crise não repre-senta a falência do modelo de Estado instituído pela Constituição de 1988, como muitos têm afirmado, mas é resultado de uma conjunção de choques econômicos e políticos e do fortalecimento das institui-ções de controle do próprio Estado. “A malaise na democracia brasi-leira é ela própria produto do processo de mudança que o país vive. O enorme cinismo e desconfiança atual em relação às instituições an-coram-se em parte na efetividade de controles democráticos até então inexistentes”, escreve o autor logo na abertura do texto.

Segundo o autor, a crise brasileira é um cisne negro: uma combi-nação de uma crise econômica de grande envergadura e de um escân-dalo de corrupção de proporções ciclópicas. Esses dois eventos raros mantêm forte interação, potencializando seus efeitos, mas o sistema institucional tem funcionado bem, ao garantir sanções aos envolvidos em ilícitos. Até mesmo o impeachment da presidente Dilma Rousseff ocorreu de acordo com as regras do jogo, sem recursos a meios vio-lentos, argumenta.

“É muito cedo para acreditar que o Brasil estaria escapando da armadilha do equilíbrio inferior – da corrupção sistêmica – e transitan-do para um equilíbrio superior, caracterizado pelo respeito à lei. Pela amplitude de seus desdobramentos e pela simultaneidade com outras mudanças, esse novo padrão parece se inscrever num movimento mais

amplo: um big bang”, conclui o autor, com uma pitada de otimismo bem-vindo em tempos tão difíceis.

Por fim, em “O dilema brasileiro: entre o individualismo cívico e o personalismo transgressor”, o sociólogo Bernardo Sorj argumenta que no Brasil de hoje convivem um individualismo cívico e um per-sonalismo transgressor. Este conflito está dentro de cada cidadão, que, por um lado, aspira viver em uma sociedade e em um Estado mais jus-tos, orientados por valores universais, e, por outro lado, compactua (de forma ativa ou passiva) com práticas que travam o aprofundamento da democracia no país.

“Qual foi a trajetória de formação da cultura cívica brasileira? Como chegamos ao momento atual de profundo mal-estar social que afeta negativamente as expectativas sobre o futuro da nação? O que está acontecendo?”, pergunta o autor. O Brasil viveria um momento de transição cultural, em que os valores democráticos penetraram na sociedade, mas continuam disseminadas práticas como o jeitinho e o deixa pra lá e, mais grave, o clientelismo e a corrupção.

A construção de uma cultura cívica exige um esforço de reflexão, diálogo e confronto de ideias por parte de todos os atores sociais e po-líticos, distante da polarização atual no espaço público brasileiro. Essa transformação não se dará da noite para o dia, mas exigirá reformas cumulativas do sistema político, da administração e das políticas pú-blicas em paralelo à ação de uma cidadania ativa comprometida com uma cultura cívica.

Diante de questões tão profundas e complexas, aqui e lá fora, só nos resta desejar que saibamos dialogar e encontrar juntos o melhor rumo para o Brasil e o planeta.

Boa leitura.

Bernardo Sorj e Sergio FaustoDiretores de Plataforma Democrática

A malaise política no Brasil: causas reais e imaginárias

Marcus André Melo

Marcus André Melo - é professor titular de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ph.D em ciência política pela Sussex University, no Reino Unido, fez o pós-doutorado no Massachusets Institute of Technology. Foi professor visitante ocupando a Cátedra Coca-Cola Company na Universidade Yale. Foi também residente scholar na Rockefeller Foundation, tendo sido premiado com o Guggenheim Award na área de ciência política, na categoria América Latina. Foi consultor do PNUD, BID, Banco Mundial, UNRISD, Unesco e DFID. É autor dos livros Reformas constitucionais no Brasil: Instituições políticas e processo decisório (2002) e Brasil in transition: beliefs, leadership, and institutional change [Brasil em transição: crenças, liderança e mudança institucional] (2016), entre outros.

Há duas narrativas rivais sobre o futuro da democracia brasileira. A primeira enxerga na crise atual a falência do modelo constitucional pós-1988. Esse diagnóstico hiper-institucionalista aponta para a ne-cessidade de uma reforma ampla das instituições – incluindo mudan-ças no sistema de governo (presidencialismo) e nas regras eleitorais –como a terapia para a resolução de patologias e disfuncionalidades do atual modelo. A narrativa rival que é desenvolvida neste texto entende a crise atual como engendrada fundamentalmente por uma conjunção de eventos raros – choques econômicos e políticos. Nesta visão, a for-

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Journal of Democracy em Português, Volume 6, Número 2, Outubro de 2017 © 2017 National Endowment for Democracy and The Johns Hopkins University Press

ma pela qual a atual crise se manifesta se deve ao fortalecimento das instituições políticas – não só das instituições de controle lato sensu – e não de sua falência.

Essa visão alternativa também reconhece e identifica patologias no modelo constitucional que estão na base da malaise institucional re-cente. Mas não lhes confere centralidade na explicação da crise. Essa perspectiva também se distingue de outras pelo otimismo – mitigado, decerto – , em relação ao futuro da democracia no país. Mais otimis-ta porque enfatiza o aprendizado social como ingrediente essencial da mudança institucional. A malaise na democracia brasileira é ela própria produto do processo de mudança que o país vive. O enorme cinismo e desconfiança atual em relação às instituições representativas do país ancoram-se em parte na efetividade de controles democráticos até então inexistentes. O desencantamento público em relação à demo-cracia parece ser parte da mudança e talvez seja até pré-condição para sua efetividade. Como afirma Rosanvallon, a confiança é faca de dois gumes: a desconfiança em relação aos ocupantes do poder é essencial para a vida democrática.1

Os desdobramentos do impeachment presidencial e, de forma am-pla, da Operação Lava Jato não podem ser analisados sem o pano de fundo da mudança institucional mais estrutural ocorrida desde 1988. Diagnósticos que desconsideram o processo institucional de longo prazo levam a becos sem saída empíricos e teóricos. Privilegiam o acessório e não o essencial. Esse é o caso de leituras hiper-institucio-nalistas que atribuem a falhas das instituições políticas – ao presiden-cialismo de coalizão, especificamente – as causas da crise recente. O debate sobre se as “instituições estão funcionando” – em uma chave binária – é parte do mesmo equívoco interpretativo.

O pano de fundo da crise é dado por quase duas décadas marcadas por estabilidade institucional, equilíbrio macroeconômico e crescente inclusão social. E também por alternância de poder entre os princi-

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pais contendores da disputa política em contexto de baixa polarização. Além de forte continuidade na política macroeconômica e social. As diferenças – mais de intensidade do que substantivas – localizam--se, nesse pano de fundo, em uma banda ‘normal’ de baixa variân-cia entre posições no continuum ideológico, fenômeno que caracte-riza historicamente democracias consolidadas em seu modo default de funcionamento. Ingrediente essencial e parcialmente opaco para muito observadores da mudança institucional estrutural é o lento e in-cremental robustecimento das instituições de controle, lato sensu, nas duas últimas décadas. O robustecimento dessas instituições aparece para a sociedade apenas na forma de escândalos. 2 É muito cedo para acreditar que o Brasil estaria escapando da armadilha do equilíbrio inferior – da corrupção sistêmica – e transitando para um “equilíbrio superior”, caracterizado pelo respeito à lei.3 Mas a conjectura deixou de ser considerada uma impossibilidade.

Exemplo de governança institucional que combinava inclusão e responsabilidade fiscal, o Brasil foi apontado por instituições interna-cionais como um role model para democracias emergentes. Para utili-zar a linguagem de Castañeda, como modelo de esquerda responsável.4 A forte turbulência recente – a instabilidade que se inicia em 2013 e teve como desenlace o afastamento da Presidente Dilma Rousseff em maio de 2016 – e a marcada deterioração da economia brasileira – a maior em um século – exigem portanto uma explicação.

A crise política brasileira se inscreve no processo mais geral de tensões crescentes geradas pelo embate entre ganhadores e perdedo-res da globalização. Mas aqui o efeito foi distinto: a globalização e a ascensão da China provocaram entre nós um boom de commodities que teve efeitos brutais sobre o sistema político, uma vez que permiti-ram a adoção do redistributivismo e do populismo macroeconômico e criaram incentivos para a “bolha política” que se seguiu. A crise atual corresponde ao estouro dessa bolha.

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O duplo choque

A débâcle econômica foi efetivamente produzida por uma con-junção inédita de dois choques – fundamentalmente exógenos – que solaparam o equilíbrio anterior alterando radicalmente a estrutura de incentivos dos atores econômicos e políticos. Esse equilíbrio estava baseado em crenças compartilhadas em favor de políticas de inclusão social com sustentação fiscal, que se consolidaram ao longo do perío-do 1995-2006. Era esta, nos termos de Alston et al (2016), a dominant network. O primeiro choque a solapar esse equilíbrio se deu com a combinação de super-ciclo de boom de commodities e a descoberta do pré-sal no país. Como grande produtor de commodities, o país foi grande beneficiário do boom gerado pela expansão da China. Mas a descoberta do pré-sal magnificou seu impacto, levando ao lançamen-to de ações da Petrobrás na Bolsa de Valores de Nova York, o maior evento desse tipo na história. Os desdobramentos são bem conhecidos: inédito e vastíssimo programa de investimentos em petróleo e gás, em ambiente marcado por extensa politização e corrupção.

O segundo choque resultou da crise de 2008 nos EUA, que pro-duziu o despertar do Leviatã, nas palavras da The Economist – com massiva intervenção dos bancos centrais nos mercados e assunção pe-los Estados nacionais, em particular nos Estados Unidos, do controle acionário de centenas de empresas. No Brasil, o que foi temporário no neokeynesianismo americano tornou-se permanente. A coalizão de setores burocráticos e interesses empresariais que davam sustentação à reorientação da política governamental desloca a aliança que susten-tara o equilíbrio anterior no interior da dominant network.5 O resultado foi um expansionismo fiscal inédito, consistente com um quadro clás-sico de natural resource curse, maldição dos recursos naturais, cujo caso mais dramático se deu no Rio de Janeiro.

A excepcionalidade da hecatombe econômica recente deve-se aos impactos fiscais do volume expressivo de desonerações e subsídios

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em processo protagonizado pelo BNDES e Petrobrás. Uma janela de oportunidade extraordinária – as Olimpíadas e a Copa do Mundo – criaram condições ótimas para a expansão fiscal acelerada, potencia-lizando problemas estruturais da economia brasileira.

A crise brasileira é assim um cisne negro – a conjugação de dois eventos raros: uma crise econômica de grande envergadura e um es-cândalo de corrupção de proporções ciclópicas.

Iniciada em abril de 2014, a Operação Lava Jato levou à exposi-ção pornográfica da corrupção sem paralelo em democracias pela sua magnitude e amplitude. As consequências eram previsíveis. Os efei-tos políticos de escândalos de corrupção são conhecidos: é necessário que um limiar informacional seja alcançado e que a informação seja crível para que os escândalos adquiram robustez. No caso da Lava Jato, o tsunami informacional foi efetivo no curto prazo por sua inten-sidade e credibilidade, potencializando o efeito do estelionato eleitoral praticado com a reeleição da presidente Dilma.

Crise econômica e escândalo mantêm forte interação, potenciali-zando seus efeitos.6 O impacto sobre a popularidade presidencial foi colossal: depois de reduzir-se à metade após as jornadas de junho 2013 e recuperar-se ao longo de 2014, a popularidade de Dilma declinou monotonicamente até atingir um dígito em março de 2015. O resulta-do foi um enfraquecimento inédito do Poder Executivo, mobilização de ruas e esfacelamento da base de sustentação parlamentar do go-verno, para o que concorreram adicionalmente outros fatores também examinados neste texto.

Leituras hiper-institucionalistas ignoram o cisne negro (a excep-cionalidade da crise), e fazem tábula rasa da estabilidade institucional que lhe antecedeu. Ao proceder dessa maneira, atribuem a derrocada econômica e política a falhas intrínsecas às instituições políticas exis-tentes. E mais: ignoram o papel que essas mesmas instituições tiveram em criar as condições estruturais para que o processo subsequente, que

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culminou no jogo do impeachment, se desse sem ruptura da ordem institucional. Reconhecer essas condições – de fragilização inédita do Executivo e de autonomização das instituições de controle lato sensu – não implica ignorar a dimensão estratégica do jogo do impeachment. Pelo contrário: não há nada nas condições estruturais que produziriam inexoravelmente o desfecho ocorrido.

Visto da perspectiva do cisne negro, o impeachment presidencial não se deveu a uma trivialização dessa “arma pesada e de difícil ma-nuseio” do “museu de antiguidades constitucionais”. 7 Nem tampouco representou uma canônica crise Linziana8. Afinal a presidente Dilma não implementou uma agenda unilateral, nem produziu crise constitu-cional ao confrontar decisões judiciais ou legislativas, como nos casos clássicos descritos por Juan Linz. Nem muito menos representou um problema de legitimidade dual – em que, como assinala Linz, pre-sidente e Legislativo a invocam para si em confronto com o outro – frequentemente deflagrando a intervenção de terceiros atores. Na verdade, quando Dilma Rousseff perdeu o apoio da base parlamen-tar, instaurou-se a coabitação entre um ersatz (imitação) de primeiro--ministro (Eduardo Cunha) apoiado pelo Parlamento e uma chefe do Executivo à deriva. Produziu-se mais propriamente a semipresiden-cialização de nosso sistema do que uma crise presidencialista. E mais: a chefe do Executivo resignou-se à arbitragem da Corte Suprema e às escolhas do Congresso. A presidente acatou as decisões da corte constitucional (o STF) que agiu provocada pelos participantes do jogo – inclusive por ela própria – assim como se resignou ao próprio juízo expresso pelo Senado, que a afastou definitivamente do cargo.

O impeachment constituiu-se no desenlace da interação estratégica entre o presidente da Câmara dos Deputados e a presidente da Re-pública em um contexto excepcional: uma presidente constitucional-mente forte que se encontrava excepcionalmente vulnerável devido ao efeito combinado da crise econômica e da Lava Jato.

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A narrativa alternativa que melhor explica o jogo do impeachment privilegia os fatores que produziram um choque exógeno no equilí-brio que mantinha de pé o jogo do não enfrentamento. É importante assinalar que, se o cisne negro engendrou as condições estruturais para o impeachment, não havia nada de inexorável em seu desenlace. Ou seja, o impeachment não resultou de uma falha constitutiva do presi-dencialismo de coalizão brasileiro. O impedimento foi produzido por uma interação estratégica entre os atores, sob condições extraordiná-rias. A bomba atômica não era para ser usada: era só arma dissuasória – para atores como o PSDB – ou de extração de rendas – para o PMDB – em típica lógica hospedeiro- parasita. Mas a barganha não prospe-rou, entre outras razões, pela incapacidade do Executivo em oferecer promessas críveis de que podia conter a Lava Jato.

O enfraquecimento inédito do governo se alimentou da queda ver-tiginosa da popularidade presidencial, que foi à lona por várias razões: o tsunami informacional da Lava Jato, que catapulta a corrupção à preocupação central dos brasileiros; a desaceleração espantosa da eco-nomia; o encolhimento da bancada do PT para meros 13% da Câmara; o estelionato eleitoral (o assombroso policy switch ocorrido entre o que Dilma pregou na campanha e o que adotou ao se iniciar o seu se-gundo mandato); os custos sociais brutais decorrentes do ajuste fiscal. E sobretudo da estratégia mal sucedida do Executivo de confrontar e solapar o principal parceiro da coalizão – o PMDB –, estimulando a criação de novos partidos de centro e de direita. E mais o confronto, seguido de derrota, no embate para a eleição à presidência da Câmara dos Deputados, vencida por Eduardo Cunha.

O afastamento da presidente Dilma pela Câmara em maio de 2016, deu lugar a um governo (sob presidência de Michel Temer) que en-frentou o mesmo dilema em relação à Lava Jato: a impossibilidade de oferecer um compromisso crível de que poderia controlá-la. Mas a estrutura de incentivos se tornou inteiramente distinta. A ameaça que a Lava Jato representa promove agora a coesão da base aliada:

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a estratégia dominante é apoiar o governo. O sucesso do governo é a tábua de salvação da base parlamentar. O quadro é de ilegitimidade dual – ambos poderes têm agudo déficit de legitimidade em virtude de amplo envolvimento em ilícitos.

O impeachment não reflete assim a falência do sistema constitu-cional, mas o contrário. Como discutido a seguir, o episódio revela dois desenvolvimentos fundamentais: pela primeira vez na história, o STF emerge como árbitro do conflito constitucional e as instituições de controle lato sensu assumem grande protagonismo no processo ins-titucional.

O presidencialismo de coalizão e suas patologias reais e imaginárias

Afirmar que a crise atual representa o esgotamento do presiden-cialismo de coalizão é um truísmo. Examinado com cuidado, esse argumento é apenas retórico. Presidencialismo de coalizão tornou--se sinônimo de arranjo institucional brasileiro e semanticamente o conceito alargou-se desmesuradamente. A rigor, dois terços das atuais democracias são presidencialistas ou semi-presidencialistas e são tipi-camente governadas por coalizões multipartidárias. Desde o início da chamada terceira onda da democracia, os países democráticos foram governados por coalizões durante mais da metade do tempo (52% no período 1974-2013). 9 Entre os países com regime parlamentarista, a proporção de tempo de predomínio de governos de coalizão eleva-se a 80%. Assim governo de coalizão é a forma modal na democracia con-temporânea, e o presidencialismo de coalizão está longe de constituir--se em especificidade brasileira.

A rigor, as democracias presidencialistas, em sua vasta maioria, adotam a representação proporcional e também esse arranjo – são go-vernos multipartidários de coalizão com presidentes diretamente elei-tos. Escrevendo em 1949, no entanto, Afonso Arinos apontou corre-

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tamente a excepcionalidade brasileira (naquele momento de fato uma excepcionalidade). Afinal, o Brasil foi um dos pioneiros na adoção do presidencialismo de coalizão que chamou, em texto clássico de 1949, de “presidencialismo de transação”:

“As relações do presidente com o Congresso tem de ser na base da coligação, porque nós praticamos um sistema talvez único no mundo: o presidencialismo com representação proporcional, de onde emergi-ram partidos fortes. É uma experiência nossa, que temos de resolver com nossos próprios elementos”. 10

O novo arranjo, continua Arinos, é o produto do que chamou de “única verdadeira revolução política operada no Brasil: a revolução eleitoral com a instituição dos partidos nacionais, do voto secreto, da representação proporcional e da Justiça Eleitoral”.11 O impacto no sis-tema político dessa inovação foi estrutural: “Com a revolução elei-toral, as relações do presidente da República com os governadores e com o Congresso tiveram que se estabelecer em forma absolutamente distinta das conhecidas na Primeira República, em bases de coligação partidária”.12 O nosso presidencialismo sofre assim grande transfor-mação: “O presidente da República passou a se aproximar mais dos chefes de estado do parlamentarismo europeu do que do presidente dos EUA”. 13

O presidencialismo imperial da República Velha estava morto. “Com a Constituição transacional de 1946, os partidos nacionais, a representação proporcional, os ministros congressistas, e sua respon-sabilidade conjunta com a do presidente, fizeram do nosso presiden-cialismo algo de muito diferente do que conhecemos daquele presi-dencialismo morto em 30”.14 Assim a democracia de massas no país foi inaugurada sob a égide desse arranjo institucional.

Com a redemocratização (que trouxe o fim do bipartidarismo im-posto pelo regime militar), o mesmo arranjo institucional ressurgiu dando lugar a um multipartidarismo exuberante, como notou de forma

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pioneira Sérgio Abranches15 em instigante análise comparativa, já com o aparato conceitual da ciência política contemporânea. Escrevendo em 1988, Abranches argumentava que “não existe, nas liberais-demo-cracias mais estáveis, um só exemplo de associação entre representa-ção proporcional, multipartidarismo e presidencialismo”.16 E concluía: “o Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo, e o “presidencialismo imperial”, organiza o Exe-cutivo com base em grandes coalizões”. De fato naquela conjuntura ainda cabia a referência à singularidade brasileira.

A crítica do autor dirigia-se àqueles que enxergavam no sistema partidário e na representação proporcional as raízes dos nossos males. O dilema institucional do presidencialismo de coalizão em sua visão referia-se à inexistência de uma instância de arbitragem dos conflitos entre o Executivo e o Legislativo, uma vez que crises na coalizão le-vam a um “conflito indirimível” entre os dois polos fundamentais da democracia presidencialista: “Nos Estados Unidos, a Suprema Corte tem poderes que lhe permitem intervir nos conflitos constitucionais entre Executivo e Legislativo. No Brasil da República de 1946 e no Brasil pré-constituinte da Nova República, precisamente os casos mais claros de presidencialismo de coalizão, este mecanismo inexis-te”. No que evoca a conclusão de Arinos em 1958: “Nunca o Supre-mo Tribunal Federal pôde exercer a sua missão específica de árbitro da legalidade, contendo os excessos do Executivo”. 17

Essa lacuna, como já assinalado, passou a ser preenchida pelo STF, que se tornou o protagonista a partir de delegação expressa da Carta de 1988, em um contexto de competição política que a viabilizou.

As virtudes do presidencialismo de coalizão como arranjo insti-tucional permanecem as mesmas no período pós-constituinte. Se o objetivo principal perseguido pelos defensores da representação pro-porcional era quebrar a hiper-dominância histórica do Poder Executi-vo – o chamado “poder pessoal” do presidente, que antes fora do im-

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perador – e fortalecer o Poder Legislativo, o objetivo foi amplamente atingido. Foi sob esse arranjo, após 1988, que os desafios históricos de consolidação da democracia, inclusão social e estabilidade macroeco-nômica foram superados.

O multipartidarismo é um dos ingredientes centrais do que Lijphart chamou desenho constitucional consociativo ou consensual, que se distingue dos sistemas majoritários por características propícias à di-fusão da autoridade política. Entre essas características estão: gover-nos de coalizão, equilíbrio nas relações Executivo-Legislativo, federa-lismo, Constituições rígidas, controle da constitucionalidade das leis, bicameralismo etc. Na nova democracia brasileira o consocialismo se expressa em pluralismo, inclusividade e mecanismos institucionais de power sharing (compartilhamento do poder) para a resolução de con-flitos.

Mas todo desenho institucional contém trade offs. Governos multipartidários – e de forma ampla as democracias de consenso ou proporcionalistas – trazem benefícios mas, junto com eles, acarretam perdas. No Brasil, estas se tornaram proibitivamente elevadas. Tais perdas ou patologias já foram amplamente discutidas na literatura.18 No Brasil adquiriram forte intensidade no período recente em virtude de mudanças ocorridas no funcionamento do sistema. Essas mudanças decorreram do duplo choque da crise econômica e do Petrolão. De-correm também de outros fatores: novos padrões de gerenciamento de coalizões (caracterizados, no governo Dilma, por menos power sha-ring do que nos governos anteriores) e mudanças legais e judiciais que levaram a uma acelerada hiperfragmentação partidária.

A existência de mega distritos é a principal causa da hiperfragmen-tação. No Brasil os três maiores partidos (PMDB, PT, e PSDB) juntos detêm 32,3% das cadeiras da Câmara. Nosso escore no ENPP alcança 13,4 – a mais elevada já registrada na história das democracias (com a exceção da Rússia sob Iéltsin). Em segundo lugar, as regras excessi-

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vamente generosas e permissivas de acesso ao fundo partidário, além de sua própria magnitude. Em terceiro lugar, o acesso a um recurso escasso e valioso: horário eleitoral gratuito, mercadoria em barganha durante a formação de coalizões eleitorais. Em quarto lugar, a legis-lação permissiva quanto às coligações em eleições proporcionais, que viabiliza a barganha em torno de tempo de TV. Em quinto, o segun-do turno em eleições majoritárias, sobretudo para governador. Final-mente, decisões judiciais do STF incentivaram a criação de partidos – como, por exemplo, a que autorizou a migração partidária para par-tidos novos ou proibiu cláusulas de barreira. Governos do PT também tiveram papel relevante na última década ao patrocinar ativamente a criação de partidos para reduzir a PMDB- dependência

As coalizões implicam em trade offs entre accountability e repre-sentatividade. Se por um lado permitem ganhos de representatividade – pela incorporação de forças políticas adicionais ao governo –, por outro produzem déficit de accountability. Tais ganhos não são lineares e podem se tornar negativos caso as coalizões sejam superdimensio-nadas e com elevada heterogeneidade política. A história da última década no país fornece exemplos paradigmáticos destes problemas.

A hiperfragmentação do sistema partidário sob os governos do PT e práticas agressivas de formação de coalizões superdimensio-nadas e com fortíssima heterogeneidade ideológica produziram um quadro de cinismo cívico generalizado. A malaise institucional que levou às manifestações de 2013 – portanto antes que a crise recente tivesse se instalado – já prenunciava esse quadro. A prática de ampla cooptação de forças políticas levou a alianças de baixa inteligibili-dade para setores importantes do eleitorado – o acordo com Paulo Maluf nas eleições municipais de 2012 é exemplar a esse respeito. Na formação de gabinetes sob os governos do PT, as práticas de montagem de amplas coalizões – que envolveram partidos de direita e extrema direita como o PSC, PR e PP – e a busca pela redução da PMDB-dependência através do patrocínio da criação de novos parti-

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dos de centro provocaram impactos importantes sobre a legitimidade democrática dos governos.

A diluição do valor do party brand é a mais importante das conse-quências dessas práticas. Como assinalou Lupu, 19 práticas inconsis-tentes com a identidade programática de partidos – como alianças com rivais programáticos ou adoção de suas políticas macroeconômicas – é a principal causa da débâcle de partidos importantes na América Latina. A “virada” de políticas (policy switch) da presidente Dilma em seu segundo mandato só veio reforçar o desgaste produzido pela política de aliança perseguida desde o segundo mandato do presidente Lula. Finalmente a eclosão de dois escândalos de corrupção de grande magnitude sob governos do PT erodiram a bandeira ética que marcou seu party brand. Muitos analistas atribuíram estes fenômenos unilate-ralmente ao presidencialismo de coalizão, que se tornou assim equi-vocadamente entendido como sinônimo das patologias que afetam o sistema político.

Registre-se também que desenhos consociativos tipicamente so-frem de problemas de clareza de responsabilidade e de baixa iden-tificabilidade.20 Os defensores de desenhos constitucionais majoritá-rios entendem que a clareza de responsabilidade é a principal virtude desses arranjos. Maior clareza de responsabilidade significa maior capacidade para punir e premiar por parte dos eleitores. Governos de coalizão são associados a problemas de blame shifting por que a res-ponsabilidade por maus resultados pode ser atribuída a outros mem-bros da coalizão. A responsabilidade difusa estimularia assim a cor-rupção e também impediria seu combate.

A identificabilidade de governos também fica prejudicada porque o nexo entre voto e governo se torna tortuoso em governos de coalizão. A escolha do eleitor deixa de ter repercussões diretas em termos de quem irá governar ou que programa será implementado porque as pro-messas de campanhas têm que ser acomodadas em coalizões formadas

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após as eleições, num processo de barganhas interpartidárias feitas à revelia do eleitor.21 A expressão corrente “não se sabe quem irá ganhar as eleições, mas sabemos que Romero Jucá será o líder do governo”, amplamente repetida, aponta para a inexistência de nexo entre as esco-lhas dos eleitores e a formação dos governos. A constatação de que o voto não tem consequências é o fundamento último da malaise institu-cional. Coalizões no nível subnacional com oligarquias políticas fron-talmente incongruentes com as identidades programáticas – Sarney, Renan Calheiros e Helder Barbalho - produzem o mesmo resultado.

O gerenciamento de coalizões também pode implicar em custos de transação crescentes, com perda sistêmica de eficiência adminis-trativa. Trata-se das chamadas “perdas de agência” (agency losses) na delegação administrativa. Delegar implica criar assimetrias de infor-mação entre quem tem a autoridade delegada (o presidente e o núcleo duro do governo) e quem a recebe (os membros da coalizão nomeados para ministérios, empresas públicas etc.). Essas “perdas de agência” tendem a ser tanto maiores quanto maior a distância ideológica entre o presidente e o núcleo duro do governo e os demais membros da co-alizão. Se os ministérios são concedidos a estes últimos “de porteira fechada” – em quadro de corrução sistêmica – as perdas podem ser exponenciais.

Por outro lado, desenhos consociativos podem produzir estabili-dade de decisões coletivas e baixa volatilidade nas políticas públicas. E maior legitimidade nas decisões públicas. A questão de base são as condições sob as quais os malefícios passam a ser maiores que os be-nefícios de desenhos consociativos. Essas condições não são necessa-riamente típicas do presidencialismo de coalizão, mas das distorções no seu funcionamento, que abundaram na última década no Brasil, conforme apontado anteriormente.

Essas patologias agudizaram-se sob dois governos com presidentes extremamente vulneráveis – Dilma e Temer. Este, um governo caretaker

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– que exerce um mandato tampão – , é também marcado por escân-dalos de enorme gravidade. Isto tem levado ao diagnóstico equivocado de que há um problema sistêmico no presidencialismo de coalizão e estimulado propostas maximalistas de terapia institucional envolvendo mudança do sistema de governo (adoção do parlamentarismo ou de um sistema semipresidencialista) e/ou abandono da representação propor-cional (com a adoção do voto distrital ou do chamado distritão).

Sob Temer o problema da identificabilidade assumiu proporções inéditas – o ocupante da presidência é apenas a solução constitucional para a crise do impeachment, não tem mandato popular claramente definido. O problema mudou assim de natureza e se tornou crítico na medida que as evidências de envolvimento de membros do alto escalão do governo com a corrupção se acumulam. No entanto, os problemas de clareza de responsabilidade se reduzem devido ao ca-ráter congressual de seu governo. Este é apoiado por uma coalizão amplamente majoritária, de baixa heterogeneidade ideológica e forte-mente coesa, entre outras razões pelo temor da Lava Jato e pela gestão proporcionalista da coalizão, na qual os parceiros assumem posições no ministério consistentes com sua força legislativa. Malgrada a hi-perfragmentação do Congresso, essas características têm permitido ao governo Temer implementar uma agenda legislativa ambiciosa. Este dado por si só sugere que as abordagens hiper-institucionalistas não dão conta de explicar a crise: a fragmentação não obstaculizou a apro-vação de reformas que muitos analistas assumiam como impossíveis, como a trabalhista e a PEC do Teto de Gastos.

Finalmente uma das patologias do presidencialismo de coalizão que se exacerbaram no período recente é o enfraquecimento do con-trole parlamentar sobre o Executivo. A prática de coalizões de governo cria uma estrutura de incentivos que milita contra a prática de fis-calizações e monitoramento do Executivo. E engendra mecanismos de proteção dos governos por parte de maiorias parlamentares – que é universal e não se restringe ao Brasil. Como discutido a seguir, a

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principal razão para a inefetividade do controle parlamentar decorre da proeminência do Poder Executivo no sistema político. Este, com a Constituição de 1988, passou a contar com dispositivos que lhe ga-rantem o controle da agenda parlamentar. A inefetividade do controle causa mal-estar na democracia.

O choque do boom de commodities e a bonança fiscal impactaram o processo de formação de maiorias parlamentares de forma significa-tiva: o preço relativo do apoio de quaisquer partido ou facção parla-mentar se reduziu. Apoios podiam ser comprados a baixo custo porque os benefícios de aderir ao governo aumentaram exponencialmente.

Nesse quadro, as instituições de controle lato sensu – Judiciário, Ministério Público, contramajoritárias por definição – encontraram condições ótimas para se desenvolver. Como discutido a seguir, o en-fraquecimento do controle parlamentar – através de CPIs dentre outras modalidades – cria incentivos para o fortalecimento daquelas institui-ções. Que se tornam a última linha de defesa contra o abuso de poder. O resultado do enfraquecimento do controle parlamentar é semelhante ao produzido por coalizões heterogêneas e superdimensionadas: o ci-nismo cívico.

Por que as instituições de controle se fortaleceram? “Coleira curta para cachorro grande”

O fortalecimento das instituições de controle inscreve-se no pro-cesso de mudança institucional estrutural em curso no país desde a década de 90. Não se restringe, portanto, aos últimos governos, em que pese o fato de que as manifestações mais explícitas de autono-mia e independência dessas instituições tenham surgido no período recente, e em certas narrativas são tidas, equivocadamente, como a causa da própria crise. A Lava Jato representa a parte visível e mais impactante de mudança estrutural ocorrida na democracia brasileira nas ultimas décadas. No limite, ela representa um choque no equilí-

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brio de baixa qualidade da corrupção sistêmica (mudança descontí-nua ou big bang).

É necessário estabelecer uma distinção entre o movimento de de-legação de significativa autoridade a tais instituições, cujo ‘momento constitucional’ foi a Constituinte de 1988, e as condições estruturais de sua efetivação. Foi a competição política, de um lado, e a formação de crenças e expectativas ancorando o trabalho dessas instituições, de outro, que viabilizaram o seu efetivo fortalecimento.

O dilema enfrentado pelos deputados constituintes em 1987-88 consistiu fundamentalmente em conciliar o fortalecimento simultâneo do Poder Executivo e das instituições de controle. A primeira dessas tarefas foi produto de uma agenda forjada, na década de 50, em res-posta à crise de 1954, que culminou com o suicídio de Getúlio Vargas. No diagnóstico que juristas e parlamentares fizeram à época, aquela crise representou a derrocada de um presidente constitucionalmente fraco. Era, portanto, fundamental fortalecer o Poder Executivo. Arinos apontou em refinada análise que a fortaleza de Vargas – assentada em seu poder pessoal – obscurecia a fraqueza do Poder Executivo.

Os debates travados na década de 1950 ecoavam discussões ocor-ridas em regimes parlamentares, em torno dos problemas de instabi-lidade governamental e da necessidade de um Executivo forte para superá-la. Na França, a discussão resultou na reforma constitucional de De Gaulle, que inaugurou a V República em 1958. A Constitui-ção de 1946 introduzira dispositivos – em particular o artigo 36 que proibia a delegação de poder legislativo ao Executivo – voltados para controlar o poder despótico do presidente. Mas nos debates entre os constitucionalistas e a elite parlamentar insistia-se numa nova sepa-ração de poderes, que já ocorrera nos EUA22 e em outros países da Europa, em reconhecimento à nova realidade do Estado moderno: um Estado com mandato ampliado para intervenção na esfera econômica e social, o que exigia capacidade de resposta mais rápida e eficiente do Executivo.

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O fortalecimento do Executivo foi amplamente reclamado pela co-missão de reforma constitucional criada pelo ministro Nereu Ramos em 1956. 23 Dentre as propostas apresentadas pela comissão, estavam dispositivos que seriam integrados à Carta Constitucional de 1988: medida provisória (tratada como questão de delegação de poderes), poderes ao presidente para requerer urgência na tramitação de projetos de lei no Congresso presidencial, áreas de política pública sob inicia-tiva exclusiva do Poder Executivo e tramitação acelerada de matéria orçamentária.

Em 1987-88, a delegação ampliada de poderes às instituições de controle lato sensu – além das já citadas, os tribunais de conta - repre-sentou uma fórmula para o dilema institucional dos constituintes: alar-gar os poderes do Executivo e ao mesmo tempo ampliar os controles sobre esse poder. Essa fórmula implicava criar uma “coleira forte para um cachorro grande”. 24 Mas não é apenas a vasta delegação originária de poderes a instituições de controle que explica seu fortalecimento desde a década de 90. Elas só se fortaleceram porque encontraram condições estruturais para que isso ocorresse: forte competição políti-ca e fragmentação de poder, de um lado, e uma opinião pública capaz de dar sustentação política ao trabalho dessas instituições.

O resultado é conhecido. “Poucos textos constitucionais terão confiado tanto no Poder Judiciário e nele, em particular, o Supremo Tribunal Federal”, afirmou o então Procurador Geral da Repúbli-ca Sepúlveda Pertence e ator importante no processo decisório da Constituinte . 25 A autonomização da Suprema Corte brasileira pode ser identificada em índices comparativos de independência do Judi-ciário. O Brasil aparece em segundo lugar (muitas vezes empatado com outros países nesta posição) em seis de sete estudos existentes a esse respeito.26 Os tribunais de contas adquiriram grande autonomia embora permaneçam parcialmente tolhidos pela lógica majoritária que governa o seu processo decisório (eles são órgãos de assesso-ramento do Poder Legislativo, que indica a maioria de seus mem-

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bros). Nos rankings comparativos quanto à capacidade institucional, o Tribunal de Contas da União supera seus congêneres italianos e espanhóis em rankings comparativos. Seu protagonismo no processo de impeachment deve-se ao seu fortalecimento e à grande indepen-dência do Ministério Público de Contas. O mesmo pode-se dizer so-bre a autonomia adquirida pelo Ministério Público, que tem poucos paralelos no plano internacional.27

A contrapartida do fortalecimento das instituições de controle foi o declínio do controle parlamentar. 28 O controle parlamentar na República de 1946 foi muitíssimo mais efetivo que no contexto pós--constituição de 1988.29 O trade-off implícito na Constituinte de 1988 – em outras palavras, a fórmula que permitiu conciliar o fortalecimen-to do Poder Executivo e das instituições de controle acima referidas – implicou o enfraquecimento do Poder Legislativo. Enfraquecimento “relativo”, é importante sublinhar, porque algumas de suas prerrogati-vas subtraídas pelo regime militar foram restauradas. Trocamos CPIs facilmente domesticadas pelos “presidentes de coalizão” por institui-ções contramajoritárias robustas. O resultado é o novo protagonismo dos controladores. A última barreira para a hegemonia avassaladora do presidente e sua maioria manufaturada, neste contexto, passaram a ser as instituições judiciais. O recente processo de impeachment capita-neado pelo Poder Legislativo parece contradizer esse argumento geral. Mas o episódio só ocorreu em virtude do enfraquecimento inédito do Executivo em circunstâncias excepcionais – o cisne negro, como dis-cutido anteriormente.

A literatura fornece amplos argumentos teóricos e empíricos que são consistentes com a experiência brasileira.30 Só sistemas políticos com algum grau de fragmentação do poder e competição política ge-ram incentivos para o controle. Cruzadas morais ou jacobinismo judi-cial em um vácuo de expectativas tornam-se irrelevantes. A lógica é a de James Madison: não são os sentimentos morais que fortalecem o controle da corrupção e previnem o abuso, mas o desenho institucio-

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nal voltado para maximizar os incentivos para o controle. A defesa contra o abuso de poder e a corrupção é um desenho institucional que leve à contraposição de interesses, produzindo incentivos para o controle mútuo. A autocontenção moral é insuficiente porque o moral hazard (risco moral) é alto: governo algum tem interesse em expor suas próprias mazelas. Pelo contrário, tem incentivos para acobertá-los.

A intuição é madisoniana: a maioria parlamentar que dá sustenta-ção ao governo não está interessada em se autocontrolar. Só a opo-sição alimenta esse interesse. Isto explica porque as CPIs no Brasil têm baixa ou nula efetividade, porque controladas pelo governo e sua maioria. Os episódios raros em que surtiram efeito se explicam apenas porque puderam dar vazão a conflitos no seio de famílias políticas ou em decorrência de “fogo amigo” entre desafetos, ou ainda porque re-sultaram de investigação pela mídia independente do governo.

A fragmentação de poder partidário entre os poderes constituídos gera incentivos para a autonomização do Judiciário, como argumentam Chavez, Ferejohn and Weingast.31 Como são altos os custos de coor-denação para o Executivo intervir no Judiciário, a menos que ele tenha controle sobre o Congresso, os juízes têm incentivos para atuar de forma independente quando o Congresso está dividido ou controlado por for-ças de oposição. O argumento se aplica também quando há mídia inde-pendente, controle de governos subnacionais pela oposição ou divisões no âmbito do próprio Judiciário ou instituições de controle.

A alternância de poder é outro fator positivo para a independên-cia das instituições de controle através do chamado efeito-seguro. A incerteza quanto ao futuro impele os atores políticos a delegar poder a agentes neutros, pois não sabem se no futuro estarão do lado da maioria ou em situação minoritária. A alternância gera também plura-lismo na composição das instituições, o que robustece sua autonomia e independência.

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A fragmentação ou divisão de interesses também produz maior delegação de atribuições ao Judiciário. Ao omitir-se de tratar certos temas, as elites governamentais e legislativas buscam estrategicamen-te empurrar o problema para o Judiciário. Esta estratégia é eficiente quando estão em pauta temas que opõem grandes grupos sociais tais como o aborto, ou quando não há consenso. Nas decisões que impli-cam perdas importantes para expressivos grupos de interesse haverá maior propensão à adoção de tal estratégia. 32

O STF e o Ministério Público Federal tiveram seus papéis expan-didos na sociedade brasileira por todos esses fatores: fragmentação, competição política, alternância de poder. No caso do STF, a expansão foi ainda maior porque o tribunal passou a funcionar como instância recursal em ações penais e como árbitro de disputas entre os Poderes Legislativo e Executivo. Na realidade, o elevado grau de fragmen-tação política tem produzido mais que autonomização institucional. Tem produzido, dentro de cada uma dessas instituições, uma propen-são ao protagonismo individual de seus integrantes.

A interferência direta do Poder Executivo ou Legislativo nas ins-tituições de controle tem um custo reputacional: ele é tanto maior quanto mais independente for a mídia e mais forte a oposição. Assim os limites à interferência nas instituições de controle são dados pela opinião pública, sobretudo nas democracias maduras. Há um equilí-brio – estabilidade em um quadro de autonomia institucional – quando os custos de tolerar a oposição e os controles tornam-se maiores que os de reprimi-los. A intervenção nessas instituições tem custos que em alguns contextos democráticos podem ser proibitivos: os eleitores punem nas urnas governos que ataquem tais instituições.

Este é claramente o cenário brasileiro, no qual a Lava Jato é irre-versível porque ancorada em fortes expectativas e crenças. O apoio da opinião pública é massivo : superior a 90% em pesquisas realizadas pelo IPSOS em 2016.

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O futuro da democracia brasileira

Se no plano global, a globalização produziu deslocamentos sociais – declínio e crise de antigas regiões industriais, violento recrudesci-mento da imigração para os países ricos – engendrando uma crise de representação política e populismo – no Brasil e na América Latina, em geral, o efeito foi outro. A globalização e a ascensão da China provocou entre nós um boom de commodities que teve efeitos brutais sobre o sistema político. No plano da representação política, aqui as questões redistributivas não foram eclipsadas pelas identitárias. Não ocorreu revolta de globalization losers. Pelo contrário: foi sob a égide do redistributivismo que sobreveio um desvario fiscal de amplas con-sequências. A aliança social que nos países ricos ocorreu entre setores da tecnologia de informação e finanças, aqui envolveu o agronegócio, empresas estatais e setores com grandes contratos com o Estado, em especial as grandes empreiteiras. Aqui o Estado foi protagonista, não o mercado financeiro e a bolsa de valores. A corrupção foi a marca maior dessa aliança protagonizada pelo Estado.

A crise da democracia brasileira tem esse pano de fundo, mas não se reduz a ele. A crise brasileira combina elementos de excepcionali-dade, como assinalado. A magnitude dos problemas e desafios é super-lativa: na economia, na política ou no plano institucional mais amplo, com a exposição sem paralelos de corrupção sistêmica. No entanto, não houve crise constitucional: o afastamento da presidente ocorreu segundo as regras institucionais, sem recursos a meios violentos. Da mesma forma, o sistema institucional tem garantido sanções aos agen-tes envolvidos em ilícitos. Foram punidos membros da elite política e econômica em um padrão inédito mesmo para países que são demo-cracias consolidadas. E o processo de punições – que deverá estender--se no tempo - tem ocorrido conforme o previsto constitucionalmente. O processo não é linear e há retrocessos. Afora a absolvição pelo TSE no caso da acusação de abuso de poder econômico nas eleições de 2014 (no qual o acusado se defrontou com a possibilidade excepcio-

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nal de nomear julgadores nas vésperas de decisão), não há eventos ou decisões coletivas anômalas pelas cortes superiores. O saldo líquido, portanto, é positivo.

A crise produziu intenso protagonismo do STF e das instituições de controle. Isso pode gerar uma sensação de arbítrio e jacobinismo, mas é melhor do que se tivesse desencadeado as forças das baionetas. É as-sim nas democracias. Os perdedores recorrem aos tribunais e acatam o resultado do jogo, num “equilíbrio autoimposto (self-enforced)”: é menos custoso acatar o resultado desfavorável.

Um exercício contrafactual que joga luz sobre o estado da demo-cracia no país consiste em considerar qual seria o estado de coisas se não houvesse ocorrido o impeachment da presidente Dilma Rousseff nem as punições a membros das elites econômicas e políticas. A ma-laise atual daria lugar provavelmente a conflitos de grande magnitude.

Não se trata de uma crise Linziana: nem sob Dilma nem muito menos sob Temer, quando o conflito Executivo-Legislativo foi supera-do. Nem especificamente do presidencialismo de coalizão. Tampouco cinge-se a escândalos de corrupção. O dilema atual é de ilegitimidade dual: Executivo e Legislativo perderam legitimidade. E esta só será parcialmente restaurada com as eleições de 2018.

A crise resulta de um novo padrão global de rule of law – ele pró-prio produto de uma mudança estrutural ancorada em novas crenças e no ambiente político competitivo e pluralista que permitiu a emer-gência desse padrão desde a década de 90. A crise é resultado de mu-danças positivas – quem sabe assemelha-se às dores de parto de uma nova ordem social.

Pela amplitude de seus desdobramentos e pela simultaneidade com outras mudanças, esse novo padrão parece se inscrever num movimento mais amplo: um big bang, uma mudança institucional de larga enverga-dura capaz de alterar o equilíbrio inferior da corrupção sistêmica.

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Notas

1. Pierre Rosanvallon, Counterdemocracy: politics in the age of distrust. Cambridge University Press, 2008.

2. Marcus André Melo e Carlos Pereira, Making Brazil work: checking the president in a multiparty system, New York, Palgrave, 2013. Discuto a corrupção política em Marcus André Melo, “Crisis and integrity in Brazil”, The Journal of Democracy, 27, 2, 2016.

3. Bo Rothtein, “Corruption: the indirect big bang approach”, International Political Economy Review, 18 (2), 2011.

4. Jorge Castañeda, “Latin America’s left turn”, Foreign Affairs, may-June , 85, 3, pp 28-43, 2006.

5. Cf Alston, Lee, Marcus Melo, B Mueller e C Pereira, Brazil in transition: beliefs, leadership and institutional change, Princeton University Press, 2016.

6. Ryan E. Carlin, Gregory J. Love, Cecilia Martínez-Gallardo, “Cushioning the Fall: Scandals, Economic Conditions, and Executive Approval”, Political Behavior, (March) 2015, 1, pp. 117-130.

7. A expressão é de Silvio Romero, Presidencialismo ou parlamentarismo na República brasileira. Cartas aos conselheiro Rui Barbosa, 1893.

8. Juan Linz, “The perils of presidentialism”, The Journal of Democracy, 1990 (1).

9. Cf Timothy Power and Paul Chaisty, (no prelo), “Flying Solo: Explaining Single-Party Cabinets Under Minority Presidentialism”, European Journal of Political Research. Presidentes minoritários que se defrontam com partidos majoritários no Legislativo são situações encontradas neste período apenas nos EUA e em anos isolados em El Salvador e Colômbia.

10. Afonso Arinos e Raul Pilla, Presidencialismo ou parlamentarismo, Brasília, Senado Federal, Conselho Editorial, 1999, p. 92. A citação é do parecer de 1949 reproduzido no texto.

11. Ibid. p. 89.

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12. Ibid. p. 90.

13. Ibid. p. 92.

14. Ibid. p. 93.15. Sérgio Abranches, “Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional

brasileiro”, Dados Revista de Ciências Sociais, 1988, 31, 1, p.

16. Ibid. p. 19

17. Abranches, p. 30; Arinos, p. 5.

18. Na realidade este é um tema clássico da política comparada. Cf Arend Lijphart, Patterns of democracy: majoritarian and consensus governments in thirty-six democracies, Yale University Press, 1984 e G. Bingham Powell, Elections as instruments of democracy: majoritarian and proportional visions, Yale university Press, 2000. Pippa Norris, Do power sharing institutions work?, Cambridge University Press, 2008. Octavio Amorim Neto, “O Brasil, Lijphart e o Modelo Consensual de Democracia”, in Magna Inácio e Lucio Renno, (Org.). Legislativo Brasileiro em Perspectiva Comparada. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2009, p. 105-131.

19. Noam Lupu, Party Brands in Crisis: Partisanship, Brand Dilution, and the Breakdown of Political Parties in Latin America, New York: Cambridge University Press, 2016.

20. Marcus André Melo, “Political malaise and the new politics of accountability: representation, taxation and the social contract”, in Ben R Schneider (ed.), New Order and Progress: development and democracy in Brazil, New York, Oxford University Press.

21. Powell 2000, 77-81.

22. “A prática das delegações legislativas é normal nos regimes presidenciais, inclusive no americano… Trata-se de delegações de colaboração e não de delegações renúncia” . Cf Ministério da Justiça e Negócio Interiores. Reforma constitucional. Sugestões para a Reforma Constitucional apresentada ao Ministro Nereu Ramos, pela Comissão de Juristas, constituída em março de 1956. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, p. 26. A comissão também referia-se ao aumento desmedido de vencimentos e cargos recentemente aprovados e que não tinham viabilidade fiscal. Ibid. p. 24. A crítica volta-se para o Legislativo como fonte de irracionalidades com que o Executivo

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teria que arcar.

23. A comissão era integrada por Carlos Medeiros (futuro presidente do STF). Aliomar Baleeiro, Hermes Lima (futuro ministros do STF), dentre outros membros destacados da elite judiciária sob o regime militar. Para os trabalhos da Comissão cf. Hermes Lima, Travessia. Memórias, José Olympio, 1974, 166-170.

24. O argumento é analisado em detalhes e estendido para outros países latino-americanos em Marcus André Melo e Carlos Pereira, “The surprising strength of checks and balances in Brazil”, paper apresentado no Annual Meeting da American Political Science Association, Chicago, 2014.

25. Citado por Emília Viotti da Costa, O Supremo Tribunal Federal e a construcao da cidadania, São Paulo, Editora UNESP, 2006, p. 188.

26. Cf Ríos-Figueroa, Julio and Jeffrey K. Staton, “An Evaluation of Cross-National Measures of Judicial Independence.” Journal of Law, Economics and Organization, 30, 1, 2014.

27. Para detalhes Melo e Pereira, ibid.

28. Na Câmara dos Deputados, das 239 propostas de CPIs no período 1990-2015 apenas um quinto (61) foi instalada e apenas 49 concluídas. No Senado, a situação foram propostas 47 CPIS no período em pauta, das quais apenas 28 foram instaladas e apenas 17 foram concluídas. No período 1946-64, das 169 CPIs propostas no período, a quase totalidade (161, ou 95%) foi instalada, e 60% concluiu os trabalhos. Mas as taxas de conclusão das CPIs dos primeiros mandatos de Dilma Roussef e Lula – de 12% – é a menor de qualquer governo na série histórica que compreende 68 anos (de 1946 a 2014).

29. Evidências surgidas da Lava Jato mostram como as comissões parlamentares tornaram-se vulneráveis a práticas corruptas. Às grandes CPIs dos governos Kubitschek e Goulart, à CPI do PC Farias – que resultou no impeachment de Collor – se seguiram CPIs que atestam o fim melancólico do controle parlamentar. Este é o caso da CPI mais diretamente imbricada com o caso do impeachment da presidente Dilma Rousseff: a CPI da Petrobrás. O relatório vexaminoso apresentado pelo relator Marcos Maia (PT), após uma enxurrada de evidências de corrupção trazidas à baila pelas instituições de controle, foi emendado às pressas a ponto de se tornar tão patentemente inócuo (não indiciou ninguém) que evidencia o colapso do controle parlamentar. Como se isso não fosse pouco, governo orquestrou um ensaio para que

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os depoentes soubessem de antemão as perguntas que os parlamentares governistas fariam em umas sessões dessa CPI.

30. Sobre o papel de crenças e expectativas, cf Rothstein op. cit. Jeffrey K Staton, Judicial Power and Strategic Communication in Mexico. New York: Cambridge University Press, 2010; Miriam Golden e Ray Fisman, Corruption: what everybody needs to know, Oxford University Press, 2017; Gretchen Helmke. 2010. “Public Support and Judicial Crises in Latin America”, Journal of Constitutional Law. 13(2):397-411.

31. Rebecca Chavez, John Ferejohn and Barry Weingast, “A Theory of the politically independent judiciary”, paper presented at the Annual Meeting of APSA, 2003.

32. Ocorre que as elites judiciais também são atores estratégicos e podem também omitir-se ou – num duplo blame shifting – remeter as decisões de volta à coalizão governamental e sua base legislativa.

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Journal of Democracy em Português, Volume 6, Número 2, Outubro de 2017 © 2017 National Endowment for Democracy and The Johns Hopkins University Press