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    Sumrio

    Nota para a edio italiana de Lgica do Sentido1Tornar audveis foras no-audveis por si mesmas 3

    Oito anos depois: entrevista oitenta 6

    A pintura inflama a escrita 9Resposta a uma srie de questes 13Carta a Uno: como ns trabalhamos a dois 15

    As praias de imanncia 17Prefcio para a edio italiana de Mil plats19

    Resposta a uma questo sobre o sujeito 21Carta-prefcio a Jean-Clet Martin 23

    Prefcio: uma nova estilstica 25Ns inventamos o ritornelo 29

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    Nota para a edio italiana de Lgica do sentido

    Gilles Deleuze

    difcil, para o autor, refletir sobre um livro escrito h alguns anos. H uma tendncia a

    bancar o esperto ou a fingir um ar de indiferena ou, pior ainda, a se tornar seu prpriocomentador. No que um livro seja necessariamente ultrapassado; mas, mesmo que ele continuepresente, trata-se de um presente deslocado. necessrio um leitor benevolente para lherestituir sua atualidade e lhe dar um prolongamento. Adoro este Lgica do sentido, porque elemarca, para mim, uma ruptura: foi a primeira vez que busquei um pouco uma forma que nofosse a da filosofia tradicional; e, depois, era um livro alegre, sob diversos aspectos; e, alm disso,eu o escrevi durante um perodo de enfermidade. No tenho nada a mudar.

    Seria melhor perguntar por que eu precisava de Lewis Carrol e de seus trs grandes livros,Alice no pas das maravilhas,Alice atravs do espelho, Slvia e Bruno. O fato que Lewis Carrolltem o dom de se renovar de acordo com as dimenses espaciais, os eixos topolgicos. Ele um

    explorador, um experimentador. Em Alice no pas das maravilhas, as coisas se passam emprofundidade e em altura: os subterrneos, as covas, as galerias, as exploses, as quedas, osmonstros, os frutos da terra, mas tambm aquilo que vem do alto ou aspirado em direo aoalto, como o gato de Cheshire. Em Alice atravs do espelho, h, ao contrrio, uma surpreendenteconquista das superfcies (sem dvida, preparada pelo papel das cartas sem espessura no final de

    Alice no pas das maravilhas): no se trata mais de se enfiar na terra, mas de deslizar. Superfcieplana do espelho ou tabuleiro de xadrez. At os monstros se tornam laterais. Pela primeira vez, aliteratura se declara, assim, arte das superfcies, agrimensura dos planos. Com Slvia e Bruno, ,novamente, outra coisa (talvez pr-figurada por Humpty Dumpty em Alice atravs do espelho):duas superfcies coexistem com duas histrias contguas e dir-se-ia que essas duas superfcies se

    enrolam de uma tal maneira que passamos de uma histria outra, enquanto que elasdesaparecem de um lado para reaparecer do outro, como se o jogo de xadrez tivesse se tornadoesfrico. nesses termos que Eisenstein fala das pinturas cilndricas japonesas, nas quais ele via aprimeira apario da montagem cinematogrfica: A fita em rolo se enrola retangularmente! Sque ela no se enrola sozinha(como a fita se enrola em rolo), mas sobre a superfcie(no plano doquadro) se enrola a representao da imagem.

    Em Lgica do sentido, tento dizer como o pensamento se organiza de acordo com eixos edirees semelhantes: por exemplo, o platonismo e a altitude que orientaro a imagem tradicionalda filosofia; os pr-socrticos e a profundidade (o retorno aos pr-socrticos como retorno aosubterrneo, s cavernas pr-histricas); os esticos e sua nova arte das superfcies... H outrasdirees para o futuro? Avanamos e recuamos, todos, hesitamos entre todas essas direes,construmos nossa topologia, carta celeste, cova subterrnea, agrimensuras de planos e desuperfcies, e de mais outras coisas. Segundo as direes, no se fala da mesma maneira, no seencontra as mesmas matrias: com efeito, sempre uma questo de linguagem ou de estilo.

    Mesmo que, de minha parte, eu no estivesse mais satisfeito com a histria da filosofia,meu livro Diferena e repetioaspirava, entretanto, ainda a uma espcie de altitude clssica emesmo a uma profundidade arcaica. O esboo que eu fazia, de uma teoria da intensidade, estavapresente como surgindo das profundezas (mas no por essa razo que no gosto de certas

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    [2]pginas desse livro, em particular aquelas sobre a fadiga e sobre a contemplao). Em Lgica dosentido, a novidade consistia, para mim, em conhecer alguma coisa das superfcies. As noespermaneciam as mesmas: multiplicidade, singularidade, intensidade, acontecimento,

    infinito, problemas, paradoxos e propores mas reorganizadas de acordo com essadimenso. As noes mudavam, pois, assim como o mtodo, uma espcie de mtodo serialprprio das superfcies; e a linguagem mudava tambm, uma linguagem que eu queria que fosse

    cada vez mais intensiva, procedendo por pequenas rajadas.O que no estava bem neste Lgica do sentido? Evidentemente, ele demonstrava ainda

    uma complacncia ingnua e culpvel para com a psicanlise. Mas a nica desculpa seria aseguinte: eu tentava, entretanto, muito timidamente, tornar a psicanlise inofensiva, aoapresent-la como uma arte das superfcies, que se ocupa dos acontecimentos como se fossementidades superficiais (dipo no mau, dipo s tem boas intenes...).

    Mas de toda maneira, os conceitos psicanalticos permanecem intactos e respeitados.Melanie Klein e Freud. E agora? Felizmente, me , a partir de agora, quase impossvel falar emmeu nome, pois o que se passou depois de Lgica do sentido depende, para mim, de meuencontro com Flix Guattari, de meu trabalho com ele, daquilo que fazemos juntos. Creio que

    buscamos outras direes porque tnhamos vontade de faz-lo. O Anti-dipono tem mais nemaltitude, nem profundidade, nem intensidade. A tudo chega, se faz, as intensidades, asmultiplicidades, os acontecimentos, sobre uma espcie de corpo esfrico ou quadro cilndrico:corpo sem rgos. A dois, ns queramos ser o Humpty Dumpty ou os Laurel e Hardy da filosofia.Uma filosofia-cinema. Creio tambm que essa mudana de modo implica uma mudana dematrias ou, inversamente, que uma certa poltica toma o lugar da psicanlise. Um mtodo queseria tambm uma poltica (uma micropoltica) e uma anlise (uma esquizo-anlise) que seproporia o estudo das multiplicidades sobre os diferentes tipos de corpos sem rgos. Um rizoma,no lugar de sries, diz Guattari. O Anti-dipo um bom comeo, desde que se rompa com assries. Ao leitor que pensasse: esta nota idiota e imodesta, eu responderia: voc no sabe

    quanto ela realmente modesta e mesmo humilde. A palavra de ordem : devir imperceptvel,produzir rizoma e no criar raiz.

    In Gilles Deleuze. Deux rgimes de fous. Textes et entretiens, 1975-1995. Paris: Minuit, 2003. Org.de David Lapoujade. p. 58-60.

    Nota da edio original : Traduzido do italiano. Notta dellautore per ledizione italiana in GillesDeleuze, Logica del senso, Milan Feltrinelli, 1976, p. 293-295. Trad. It. da nota: Armando

    Verdiglione.

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    [3]Tornar audveis foras no-audveis por si mesmas

    Gilles Deleuze

    Por que ns, no-msicos?O mtodo empregado por Pierre Boulez selecionou cinco obras musicais. As relaes entre

    essas obras no so relaes de filiao nem de dependncia; no h progresso ou evoluoentre cada uma dessas obras e as outras. , antes, como se as cinco obras fossem semi-aleatoriamente escolhidas, formando um ciclo no qual elas entrassem em reao umarelativamente outra. Assim, se tece um conjunto de relaes virtuais, do qual se poderia extrairum perfil particular de tempo musical que no valeria seno para as cinco obras. Poder-se-iaperfeitamente conceber que Boulez escolhesse quatro ou cinco outras obras: ter-se-ia um outrociclo, outras reaes e relaes, e um outro perfil singular do tempo musical, ou de uma outravarivel que no a do tempo. Isso no se faz por um mtodo de generalizao. No se trata, de seelevar, a partir de obras tomadas como exemplos musicais, em direo a um conceito abstrato detempo do qual se poderia dizer Eis aqui o que o tempo musical, Trata-se, a partir de ciclos

    restritos, determinados sob certas condies, de extrair perfis particulares do tempo, com apossibilidade, em seguida, de superpor esses perfis, de fazer uma verdadeira cartografia dasvariveis; e esse mtodo diz respeito msica, mas pode tambm dizer respeito a mil outrascoisas.

    No caso preciso do ciclo escolhido por Boulez, o perfil particular de tempo no pretendeabsolutamente esgotar a questo do tempo muscial em geral. V-se que, de um tempo pulsado,se despreende uma espcie de tempo no pulsado, com a possibilidade de que o tempo nopulsado retorne a uma nova forma de pulsao. A obra n 1 (Ligeti) mostrava como, atravs deuma certa pulsao, se elevava um tempo no pulsado; as obras 2, 3 e 4 desenvolviam oumostravam aspectos diferentes desse tempo no pulsado; a ltima obra, n 5, de Carter, mostrava

    como, a partir de um tempo no pulsado, encontrava-se uma nova forma de pulsao original,muito particular, muito nova.Tempo pulsado, tempo no pulsado, algo completamente musical, mas tambm toda

    uma outra coisa. A questo seria a de saber em que consiste precisamente esse tempo nopulsado. Essa espcie de tempo flutuante, que corresponde um pouco ao que Proust chamava deum pouco de tempo em estado puro. A caracterstica mais evidente, mais imediata, que um taltempo, dito no pulsado, uma durao, um tempo liberado da medida, quer a medida sejaregular ou irregular, quer ela seja simples ou complexa. Um tempo no pulsado nos coloca,inicialmente, e antes de tudo, em presena de uma multiplicidade de duraes hetercronas,qualitativas, no coincidentes, no comunicativas. Vemos, desde logo, o problema: como essasduraes hetercronas, heterogneas, mltiplas, no coincidentes, como elas vo se articular, poistudo mostra que estamos privados do recurso soluo mais geral e clssica que consiste emconfiar ao esprito o cuidado de apor uma medida comum ou uma cadeia mtrica a todas asduraes vitais. Desde o incio, essa soluo est interditada.

    Correndo o risco de entrar em um domnio completamente diferente, penso queatualmente, quando os bilogos falam de ritmos, eles encontram questes anlogas. Tambm elesdeixaram de acreditar que os ritmos heterogneos possam se articular, ao cair sob a dominaode uma forma unificante. As articulaes entre ritmos vitais, os ritmos de 24 horas, por exemplo,

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    [4]eles no buscam a explicao para isso em uma forma superior que os unificaria, nem mesmo emum seqncia regular ou irregular de processos elementares. Eles buscam-na em um lugarcompletamente diferente, em um nvel sub-vital, infra-vital, naquilo que eles chamam de umapopulao de osciladores moleculares capazes de atravessar sistemas heterogneos, nasmolculas oscilantes colocadas em acoplamentos que, desde logo, atravessaro conjuntos eduraes dspares. A colocao em articulao no depende uma forma unificvel ou unificativa,

    nem mtrica, nem de uma cadncia ou medida, quaisquer que sejam, regulares ou irregulares,mas da ao de certos pares moleculares, deixados livres atravs de camadas diferentes e deritmicidades diferentes. No apenas por metfora que se pode falar de uma descobertasemelhante em msica: molculas sonoras antes que notas ou tons puros. Molculas sonoras emacoplamento capazes de atravessar camadas de ritmicidade, camadas de durao inteiramenteheterogneas. Eis a a primeira determinao de um tempo no pulsado.

    H um certo tipo de individuao que no reporta a um sujeito (Mim), nem mesmo combinao de uma forma e de uma matria. Uma paisagem, um acontecimento, uma hora datarde, uma vida ou um fragmento de vida... procedem diferentemente. Tenho o sentimento deque o problema da individuao em msica, que certamente muito complicado, antes do tipo

    dessas segundas individuaes paradoxais. O que chamamos de individuao de uma frase, deuma pequena frase em msica? Gostaria de partir do nvel mais rudimentar, do aparentementemais fcil. Ocorre que uma msica nos faz lembrar uma paisagem. Assim, o caso clebre deSwann em Proust: o bois de Boulognee a pequena frase de Vinteuil. Ocorre tambm que os sonsevocam cores, seja por associao, seja por fenmenos ditos de sinestesia. Ocorre, enfim, que osmotivos nas peras estejam ligados a personagens, por exemplo: considera-se que um motivowagneriano designa um personagem. Um tal modo de escuta no nulo ou sem interesse, talvezmesmo num certo nvel de distenso, seja preciso passar por a, mas cada um sabe que isso no suficiente. que, em um nvel mais tensionado, no o som que remete a uma paisagem, mas amsica, ela prpria, que envolve uma paisagem propriamente sonora que lhe interior ( o que

    ocorre com Liszt). Poder-se-ia dizer a mesma coisa para a noo de cor, e considerar que asduraes, os ritmos, os timbres (com maior razo), so, em si mesmos, cores, cores propriamentesonoras que vm se superpor s cores visveis, e que no tm as mesmas velocidades nem asmesmas paisagens que as cores visveis. Ocorre o mesmo com a terceira noo, a de personagem.Pode-se considerar, na pera, certos motivos em associao com um personagem; mas os motivosem Wagner no se associam apenas a um personagem exterior, eles se transformam, tm umavida autnoma em um tempo flutuante no pulsado, no qual eles se tornam, eles mesmos, e porsi mesmos, personagens interiores msica.

    Essas trs noes diferentes de paisagens sonoras, de cores audveis, de personagemrtmica, aparecem, ento, como aspectos sob os quais um tempo no pulsado produz suasindividuaes de um tipo muito particular.

    Somos levados, creio, de todos os lados, a no pensar em termo de matria-forma. Aoponto que paramos de acreditar, em todos os domnios, na hierarquia que iria do simples aocomplexo, matria-vida-esprito. Ns chegamos mesmo a pensar que a vida seria, antes, umasimplificao da matria; pode-se acreditar que os ritmos vitais no encontram sua unificao emuma forma espiritual, mas, ao contrrio, em acoplamentos moleculares. Toda essa hierarquiamatria-forma, uma matria mais ou menos rudimentar e uma forma sonora mais ou menoselaborada, no foi isso que paramos de ouvir, e o que os compositores pararam de produzir? O

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    [6]Oito anos depois: entrevista 80

    Gilles Deleuze

    Questo Que diferena existe entre a obra de 1973, O Anti-dipo, e a de 1980, Mil plats?Gilles Deleuze A situao de O Anti-dipoera relativamente simples. O Anti-dipotratava de um

    domnio familiar, reconhecido: o inconsciente. Ele propunha substituir o modelo teatral ou familialdo inconsciente por um modelo mais poltico: a fbrica em vez do teatro. Era uma espcie de

    construtivismo russa. Da a idia de produo desejante, de mquinas desejantes. Enquantoque Mil plats mais complicado, porque ele tenta inventar seus domnios. Os domnios no maispreexistem, eles so traados pelas partes do livro. a seqncia de O Anti-dipo, mas aseqncia ao ar livre, in vivo. Por exemplo, o devir animal do homem, e seu encadeamento coma msica.Q. No verdade que h tambm diferenas circunstanciais entre os dois livros?G. D. Certamente. O Anti-dipoveio depois de 68: era uma poca de efervescncia, de busca.Hoje h uma reao muito forte. toda uma economia do livro, uma nova poltica, que impe o

    conformismo atual. H uma crise do trabalho, uma crise organizada, deliberada, tanto no nvel doslivros quanto nos outros nveis. O jornalismo toma, cada vez mais, o poder na literatura. E, depois,uma massa de romances redescobrem o tema familial mais raso, e desenvolvem ao infinito todoum papai-mame: inquietante, quando se encontra um romance inteiramente feito, pr-fabricado, na famlia que se tem. verdadeiramente o ano do patrimnio. Sob esse aspecto, O

    Anti-dipofoi um fracasso completo. Seria uma anlise longa, mas a situao atual muito difcil esufocante para os escritores jovens. No posso dizer por que tenho tantos maus pressentimentos.Q. Deixemos, pois, isso para uma outra vez. MasMil plats literatura? H uma diversidade dedomnios abordados, etnologia, etologia, poltica, msica, etc.. Em que gnero se poderia colocaresse livro?

    G. D. Filosofia, nada mais que filosofia, no sentido tradicional da palavra. Quando se pergunta oque a pintura, a resposta relativamente simples. Um pintor algum que cria na ordem daslinhas e das cores (ainda que as linhas e as cores existam na natureza). Bem, um filsofo amesma coisa, algum que cria na ordem dos conceitos, algum que inventa novos conceitos. Aainda, h evidentemente o pensamento fora da filosofia, mas no sob essa forma especial deconceitos. Os conceitos so singularidades que reagem sobre a vida ordinria, sobre os fluxos depensamento ordinrios ou quotidianos. H muitas tentativas de conceitos em Mil plats: rizoma,espao liso, hecceidade, devir-animal, mquina abstrata, diagrama, etc. Guattari inventa muitosconceitos, e eu tenho a mesma concepo da filosofia.Q. Mas qual seria a unidade deMil plats, uma vez que no h mais referncia a um domnio debase?G. D. Seria talvez a noo de agenciamento (que substitui a de mquinas desejantes). H todaespcie de agenciamentos, e composies de agenciamentos. De um lado, ns tentamos substituira noo de comportamento por essa: da a importncia da etologia em Mil plats, e a anlise dosagenciamentos animais, especificamente, por exemplo, dos agenciamentos territoriais. Um captulocomo o do Ritornelo considera ao mesmo tempo agenciamentos animais e agenciamentospropriamente musicais: o que ns chamamos um plat, que coloca em continuidade ritornelosde pssaros e ritornelos como os de Schumann. De outro lado, a anlise dos agenciamentos,

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    [8]G. D. Foi Pierre Klossowski que voltou a conceder, recentemente, s intensidades um estatutomuito profundo, filosfico e mesmo teolgico. Ele extraiu da toda uma semiologia. Era uma noomuito viva na fsica e na filosofia da Idade Mdia. Ela foi ou menos nublada pelo privilgioconcedido s quantidades extensivas e geometria da extenso. Mas a fsica no cessou deencontrar, sua maneira, os paradoxos das quantidades intensivas, a matemtica enfrentou osespaos no extendidos, a biologia, a embriologia, a gentica descobriram todo um mundo de

    gradientes. E a ainda, no h como isolar procedimentos que seriam cientficos ouepistemolgicos. As intensidades so questes de modo de vida e de prudncia experimental. Soelas que constituem a vida no-orgnica.Q. No seria, assim, talvez, sempre fcil lerMil plats?G. D. um livro que nos exigiu muito trabalho e que exige muito trabalho por parte do leitor.Mas uma determinada parte, que nos parece difcil, pode parecer muito fcil para alguma outrapessoa. E inversamente. Independentemente da qualidade ou no desse livro, trata-se do gnerode livro sobre o qual se deve pensar hoje. Temos, pois, a impresso de fazer poltica mesmoquando falamos de msica, de rvores ou de rostos. Para todo escritor, a questo de saber seoutras pessoas tm, por pouca que seja, uma utilizao para seu trabalho, no trabalho que elas

    fazem, em sua vida ou em seus projetos.

    In Gilles Deleuze. Deux rgimes de fous. Textes et entretiens, 1975-1995. Paris: Minuit, 2003. Org.de David Lapoujade. P. 162-166.

    Nota da edio original: Entrevista feita por Catherine Clment, in LArc, n 49: Deleuze, novaedio, 1980, p. 99-102.

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    [10]G. D. Deu-me medo, parecia-me verdadeiramente difcil. H dois perigos: ou se descreve oquadro, e nesse momento um quadro real no necessrio (com seu gnio, Robbe-Grillet eClaude Simon conseguiram descrever quadros que no precisavam existir), ou ento se cai naindeterminao, a efuso sentimental da metafsica aplicada. O problema prprio da pintura estnas linhas e nas cores. difcil extrair conceitos cientficos que no sejam do tipo matemtico oufsico, que no sejam tampouco da literatura projetada sobre a pintura, mas que sejam como que

    talhados pela e na pintura. No seria isso tambm uma maneira de subverter o vocabulrio crtico, de reanim-lo?G. D. A escrita tem seu prprio calor, mas ao pensar na pintura que apreendemos melhor alinha e a cor de uma frase, como se o quadro comunicasse algo s frases... Raramente fiz um livrocom tal prazer. Quando se trata de um colorista como Bacon, a confrontao com a cor transtornante.

    Quando voc fala do clich ambiente que preexiste tela, voc no aborda tambm o problemado escritor?G. D. A tela no uma superfcie branca. Ela j est toda carregada de clichs, ainda que no osvejamos. O trabalho do pintor consiste em destru-los: o pintor deve passar por um momento em

    que ele no v mais nada, por um desmoronamento das coordenadas visuais. por isso que eudigo que a pintura incorpora uma catstrofe, ela mesmo a matriz do quadro. Isso j evidenteem Czanne, Van Gogh. No caso das outras artes, a luta contra os clichs muito importante, masela permanece exterior obra, ainda que ela seja interior ao autor. Exceto em casos como o de

    Artaud, no qual o desmoronamento das coordenadas lingsticas ordinrias pertence obra. Empintura, ao contrrio, trata-se de uma regra: o quadro provm de uma catstrofe tica, quepermanece presente sobre o prprio quadro.

    Voc escreveu com as pinturas sua frente?G. D. Escrevi com as reprodues minha frente, e a tomei de Bacon o seu mtodo: quando elepensa em um quadro, ele no vai v-lo, ele tem fotos coloridas dele ou mesmo fotos em preto em

    branco. Volto para ver os quadros apenas no meio do trabalho de escrita ou depois. Voc tem, s vezes, necessidade de se desligar da obra, de esquec-la?G. D. No tenho necessidade de esquec-la. Havia um momento em que a reproduo noservia mais para nada porque ela j tinha me remetido a uma outra reproduo. Um exemplo: euolho os trpticos e tenho o sentimento de que h uma espcie de lei interior. Isso me fora a saltarde uma reproduo a outra para compar-las. Segundo momento: tenho a impresso de que seessa lei existe, ela deve estar ali de uma maneira oculta, mesmo nos quadros simples. Era umaidia que estava no ar e que me veio entre os trpticos.

    Terceiro momento, ao folhear as reprodues dos quadros simples, caio num quadrointitulado O Homem e a Criana, no qual a construo em trptico me parece evidente. Elerepresenta uma jovem estranha, com ps enormes, e que tem um ar srio, os braos cruzados, eque olha para um homem, como faz Bacon, sentado sobre um banquinho regulvel, do qual nose sabe se ele est descendo ou subindo. evidente que esse quadro, por sua organizao, umtrptico envolvido em vez de ser um trptico desenvolvido. Assim, as reprodues me remetiamumas s outras, mas geralmente entre duas delas que se tem uma idia que remete a gente auma terceira reproduo...

    De que maneira as entrevistas de David Sylvester com Bacon foram uma base de trabalho,diferente dos quadros?

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    [11]G. D. uma base necessria. Primeiramente, as entrevistas so bonitas, e Bacon diz muitascoisas. Em geral, quando os artistas falam daquilo que fazem, eles tm uma modstiaextraordinria, uma severidade com eles prprios, e uma grande fora. Eles so os primeiros asugerir muito fortemente a natureza dos conceitos e dos afectos que se despreendem de sua obra.Os textos de um pintor agem, portanto, de uma maneira inteiramente diferente da de seusquadros. Quando se lem as entrevistas, tem-se sempre a vontade de fazer perguntas

    suplementares, e como a gente sabe que no se poder faz-las, preciso se virar inteiramentesozinho.

    Voc no encontrou Bacon?G. D. Sim, mais tarde, depois desse livro. Sente-se nele potncia e violncia, mas tambm umcharme muito grande. Se ele fica sentado durante uma hora, ele se torce em todos os sentidos,dir-se-ia que , verdadeiramente, um Bacon. Mas sua postura sempre simples, por causa de umasensao que ele aprova, talvez. Bacon distingue a violncia do espetculo, que no lhe interessa,e a violncia da sensao como objeto da pintura. Ele diz: Comeo por pintar o horror, astouradas ou as crucificaes, mas isso ainda demasiadamente dramtico. O que conta pintar ogrito. O horror ainda demasiadamente figurativo, e ao passar do horror ao grito, obtm-se um

    ganho formidvel na sobriedade, toda a facilidade da figurao cai. Os Bacon mais belos sopersonagens que dormem, ou um homem visto de costas, barbeando-se. Seu livro tem, de qualquer maneira, a aspirao, por detrs de sua dimenso de homenagem, defazer com que se vejam melhor as pinturas de Bacon?G. D. Se ele fosse bem sucedido, teria necessariamente esse efeito. Mas acredito que ele temuma aspirao mais alta, com a qual todo mundo sonha: aproximar-se de algo que seja como queum fundo comum das palavras, das linhas e das cores, e mesmo dos sons. Escrever sobre pintura,escrever sobre msica implica sempre essa aspirao.

    O segundo volume do livro (as reprodues das pinturas), que no segue a ordem cronolgicada obra de Bacon, deveria s-lo da histria de sua ligao com Bacon, isto , reconstituir uma

    ordem de viso?D. G. Com efeito, na margem do texto, h nmeros que remetem reproduo dos quadros.Essa ordem de surgimento um pouco perturbada por razes tcnicas (o lugar dos trpticos). Mas,em sua sucesso, ele no remete a uma cronologia de Bacon. Ele vai, antes, logicamente, deaspectos relativamente simples a aspectos relativamente complexos. Um mesmo quadro pode,pois, ressurgir quando se descobre nele um aspecto mais complexo.

    Quanto cronologia, Sylvester distingue nas entrevistas trs perodos de Bacon e os definemuito bem. Mas, aps um certo tempo, Bacon se lana em um novo perodo: a potncia que temum pintor de se renovar. Ao que eu saiba, no h mais que trs quadros: um jato dgua, um jatode erva e um jato de areia. inteiramente novo, toda figura desapareceu. Quando encontreiBacon, ele dizia que sonhava em pintar uma onda, mas que ele no ousava acreditar no sucessode um tal empreendimento. Trata-se de uma grande lio de pintura, um grande pintor que chegaa dizer: Seria muito bom se eu pudesse apreender uma pequena onda.... muito proustiano; ouento Czanne: Ah, se eu pudesse chegar a pintar uma pequena ma!.

    Voc descreve a obra, voc tenta definir seus sistemas, mas em nenhum momento voc dizeu.G. D. A emoo no diz eu. Voc mesmo o diz, a gente est fora de si. A emoo no daordem do mim, mas do acontecimento. muito difcil apreender um acontecimento, mas no

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    [12]acredito que essa apreenso implique a primeira pessoa. Seria preciso, antes, recorrer, comoMaurice Blanchot, terceira pessoa, quando ele diz que h mais intensidade na proposio elesofre que em eu sofro.

    In Gilles Deleuze. Deux rgimes de fous. Textes et entretiens, 1975-1995. Paris: Minuit, 2003. Org.

    de David Lapoujade. P. 167-172.

    Nota do original: Entrevista feita por Herv Guibert. Le Monde, 3 de dezembro de 1981, p. 15. Apropsito da publicao de Francis Bacon, Logique de la sensation, Paris, Editions de la Diffrence,1981, 2. vol. [reed. Paris, Seuil, col. Lordre philosophique, 2002].

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    [13]Resposta a uma srie de questes (1981)

    Gilles Deleuze

    Arnaud Villani Voc um monstro?Gilles Deleuze Monstro , para comear, um ser composto. E verdade que escrevi sobreassuntos aparentemente variados. Monstro tem um segundo sentido: alguma coisa ou qualquer

    um cuja extrema determinao deixa plenamente subsistir o indeterminado (por exemplo, ummonstro ao estilo de Goya). Nesse sentido, o pensamento um monstro.

    AV Aphysisparece exercer um grande papel em sua obra.GD Voc tem razo, creio que eu giro em torno de uma certa idia da Natureza, mas nocheguei ainda a considerar essa noo diretamente.

    AV Pode-se design-lo como sofista, no bom sentido, e o antilogos, trata-se de um retorno,para alm do golpe de fora de Plato contra os sofistas?GD No. O antilogos, para mim, est menos ligado astcia no sentido dos sofistas do que aoinvoluntrio de Proust.

    AV O pensamento , na sua obra, espermtico. Ele tem uma relao clara, nesse sentido, com a

    sexualidade?GD Isso verdade at Lgica do sentido, no qual existe ainda uma relao enuncivel entresexualidade e metafsica. Depois, a sexualidade me parece, antes, uma abstrao mal fundada.

    AV Pode-se modelizar a sua evoluo por meio de snteses?GD Vejo a minha evoluo de forma diferente. Voc conhece a Carta a Michel Cressole: aque explico minha evoluo tal como a vejo.

    AV O pensamento como audcia e aventura?GD Naquilo que escrevi, creio muito nesse problema da imagem do pensamento e numpensamento liberto da imagem. j Diferena e repetio, mas tambm em Proust, e ainda Mil

    plats.

    AV Voc tem uma capacidade para encontrar, apesar de tudo e de todos, os verdadeirosproblemas.GD Se isso for verdadeiro porque eu acredito na necessidade de construir um conceito doproblema. Tentei em Diferena e repetioe gostaria de retomar essa questo. Mas praticamenteisso me leva a buscar, em cada caso, como um problema pode ser colocado. dessa maneira,parece-me, que a filosofia deve ser considerada como uma cincia: determinar as condies deum problema.

    AV H um incio de rizoma Deleuze Guattari Foucault Lyotard Klossowski etc.?GD Isso poderia ter sido feito, mas no se fez. Na verdade, s h rizoma entre Flix e mim.

    AV A concluso de Mil plats consiste em um modelo topolgico radicalmente original emfilosofia. Ele traduzvel matematicamente, biologicamente?GD A concluso de Mil plats, na minha cabea, uma tabela de categorias (mas incompleta,insuficiente). No maneira de Kant, mas maneira de Whitehead. Categoria assume, pois, umnovo sentido, muito especial. Eu gostaria de trabalhar esse ponto. Voc pergunta se htransposio matemtica e biolgica possvel. provavelmente o inverso. Sinto-me bergsoniano,quando Bergson diz que a cincia moderna no encontrou sua metafsica, a metafsica que elanecessitaria. essa metafsica que me interessa.

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    [15]Carta a Uno: como ns trabalhamos a dois

    Gilles Deleuze

    Caro Ckuniichi Uno,

    Voc me pergunta como Flix Guattari e eu nos encontramos e como trabalhamos juntos.No posso lhe dar mais do que meu ponto de vista; o de Flix seria talvez diferente. O que certo que no h receita ou frmula geral para se trabalhar junto.

    Foi justamente depois do 1968 francs. No nos conhecamos, mas um amigo comumqueria que nos conhecssemos. Entretanto, primeira vista, no tnhamos nada para nosentender. Flix sempre teve muitas dimenses, muitas atividades, psiquitricas, polticas, trabalhode grupo. Era uma constelao de grupo. Ou, antes, seria preciso compar-lo ao mar: sempremvel na aparncia, com lampejos de luz o tempo todo. Ele pode saltar de uma atividade outra,ele dorme pouco, ele no pra. Ele no se detm. Ele tem velocidades extraordinrias. Quanto amim, eu sou mais como uma colina: me mexo muito pouco, sou incapaz de fazer duas tarefas ao

    mesmo tempo, minhas idias so idias fixas, e os raros movimentos que tenho so interiores.Adoro escrever sozinho, mas no gosto muito de falar, exceto nas aulas, quando a palavra estsubmetida a uma outra coisa. Ns dois, Flix e eu, poderamos ter sido, juntos, um bom lutador

    japons.S que se olhamos Flix mais de perto, percebemos que ele muito sozinho. Entre duas

    atividades, ou no meio de muita gente, ele pode mergulhar em uma grande solido. Eledesaparece, para tocar piano, para ler, para escrever. Raramente encontrei um homem que sejato criativo e que produza tantas idias. E ele no pra de modificar suas idias, de as revolver, demudar suas figuras. Ele igualmente capaz de se desinteressar completamente delas, e atmesmo de esquec-las, para melhor manipul-las, redistribu-las. Suas idias so desenhos, ou at

    mesmo diagramas. A mim o que me interessa so os conceitos. Parece-me que os conceitos tmuma existncia prpria, eles so animados, so criaturas invisveis. Mas justamente, eles precisamser criados. A filosofia me parece ser uma arte de criao, tanto quanto a pintura e a msica: elacria conceitos. No se trata de generalidades e nem mesmo de verdades. antes da ordem doSingular, do Importante, do Novo. Os conceitos so inseparveis dos afectos, isto, dos efeitospotentes que eles tm sobre nossas vidas, e dosperceptos, isto , de novas maneiras de ver ou deperceber que eles nos inspiram.

    Entre os diagramas de Flix e meus conceitos articulados, tnhamos vontade de trabalhar juntos, mas no sabamos bem como. Lamos bastante, etnografia, economia, lingstica. Esseseram os materiais. Eu estava fascinado pelo que Flix extraa deles. E ele, pelas injees defilosofia que eu tentava fazer. Muito rapidamente, no caso do Anti-dipo, ns ficamos sabendo oque queramos dizer: uma nova apresentao do inconsciente como mquina, como fbrica, umanova concepo do delrio, indexada sobre o mundo histrico, poltico e social. Mas como fazerisso? Comeamos por longas cartas, desordenadas, interminveis. Depois, tivemos reunies a dois,de vrios dias ou vrias semanas. Espero que voc compreenda isso. Era um trabalho muitocansativo, mas, ao mesmo tempo, ns ramos o tempo todo. E cada um, por sua parte, nsdesenvolvamos este ou aquele ponto, em direes diferentes, ns misturvamos as escritas,

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    [16]criamos palavras cada vez que tnhamos necessidade delas. O livro, por vezes, assumia uma fortecoerncia que no se explicava mais nem por um nem pelo outro.

    que nossas diferenas nos atrapalhavam, mas tambm nos ajudavam. Nunca tivemos omesmo ritmo. Flix me xingava por no responder s cartas que ele me enviava: que eu noestava pronto, naquele momento. Eu no era capaz de aproveitar suas idias a no ser mais tarde,quando Flix j tinha passado para outra coisa. E em nossas reunies, no falvamos nunca

    juntos: um falava, e outro escutava. Eu no largavaFlix, mesmo quando ele j estava cheio, masFlix insistiacomigo, mesmo quando eu j no podia mais agentar. Pouco a pouco, um conceitoassumia uma existncia autnoma, que continuvamos s vezes a compreender de maneiradiferente (por exemplo, nunca chegamos a compreender da mesma maneira o corpo semrgos). O trabalho a dois nunca foi uma uniformizao, mas, antes, uma proliferao, umaacumulao de bifurcaes, um rizoma. Eu poderia dizer quem o responsvel pela origem desteou daquele tema, desta ou daquela noo: na minha opinio, Flix tinha verdadeiros relmpagos eeu era uma espcie de pra-raios, eu enfiava o problema na terra, para que aquilo renascesse deuma outra maneira, mas Flix insistia, etc., e assim avanvamos.

    Para Mil plats, foi, outra vez, diferente. A composio desse livro muito mais complexa,

    os domnios tratados muito mais variados, mas tnhamos adquirido certos hbitos de tal forma queum podia facilmente adivinhar em que direo o outro ia. Nossas conversas continham elipsescada vez mais numerosas, e ns podamos estabelecer toda espcie de ressonncias, no maisentre ns, mas entre os domnios que atravessvamos. Os melhores momentos desse livro,quando estvamos escrevendo-o, foram: o ritornelo e a msica; a mquina de guerra e osnmades; o devir-animal. A, com o impulso de Flix, eu tinha a impresso de territriosdesconhecidos no qual viviam estranhos conceitos. um livro que me fez feliz e que, de minhaparte, eu no consigo esgotar. No veja nisso nenhuma vaidade, falo por mim, no pelo leitor.Depois, Flix e eu, foi preciso que cada um de ns voltasse a trabalhar sozinho, para retomar oflego. Mas me persuadi de uma coisa: ns vamos, novamente, trabalhar juntos.

    isso, caro Uno, espero ter respondido uma parte de suas questes. Saudaes.

    In Gilles Deleuze. Deux rgimes de fous. Textes et entretiens, 1975-1995. Paris: Minuit, 2003. Org.de David Lapoujade. P. 218-220.

    Nota da edio original: Carta datada de 25 de julho de 1984 e publicada em japons em Gendaishis(A Revista do Pensamento Hoje), Tquio, n 9, 1984, p. 8-11. Trad. Jap. Kuniichi Uno.

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    [17]As praias de imanncia

    Gilles Deleuze

    Tem-se com freqncia descrito o universo como um universo em escada, o quecorresponde a toda uma tradio platnica, neo-platnica e medieval. um universo que est

    pendurado no Uno como princpio transcendente, e que procede por uma srie de emanaes e deconverses hierrquicas. O Ser , a, equvoco ou analgico. Os seres tm, com efeito, mais oumenos ser, mais ou menos realidade, de acordo com seu distanciamento ou com suaproximidade relativamente ao princpio. Mas, ao mesmo tempo, toda uma outra inspiraoatravessa esse cosmos. como se praias de imanncia fossem sendo empurradas atravs dosandares ou dos degraus, e tendessem a se juntar entre nveis. Ali o Ser unvoco, igual: isto querdizer que os seres so igualmente ser, no sentido em que cada um efetua sua prpria potncia emuma vizinhana imediata com a causa primeira. No h mais causa distanciada: o rochedo, a florde lis, o animal e o homem cantam igualmente a glria de Deus em uma espcie de anarquiacoroada. As emanaes-converses dos nveis sucessivos so substitudas pela coexistncia de

    dois movimentos na imanncia, a complicao a explicao, nos quais Deus complica todas ascoisas ao mesmo tempo que cada coisa explica Deus. O mltiplo est no uno que o complica,da mesma forma que o uno est no mltiplo que o explica.

    E, provavelmente, a teoria no cessar de conciliar esses dois aspectos ou esses doisuniversos e, sobretudo, de subordinar a imanncia transcendncia, de medir o Ser de imannciasegundo a unidade de transcendncia. Mas quaisquer que sejam os compromissos tericos, h nosempurres de imanncia alguma coisa que tende a transbordar do mundo vertical, a tom-lo aorevs, como se a hierarquia engendrasse uma anarquia particular, ou o amor de Deus, um atesmointerno que lhe fosse prprio: a cada vez ns roamos a heresia. E a Renascena no cessar dedesenvolver, de estender esse mundo imanente, que no se concilia com a transcendncia sem a

    ameaar com um novo dilvio. isso que nos parece to importante na obra de Maurice de Gandillac: a maneira pela qualele enfatizou esse jogo da imanncia e da transcendncia, esses empurres da imanncia da Terraatravs das hierarquias celestes.A filosofia de Nicolas de Cues um grande livro: surpreendenteque no se possa encontr-lo, que no tenha sido reeditado.1 Assistimos ecloso de um conjuntode conceitos, lgicos e ontolgicos, que caracterizaro a filosofia dita moderna atravs de Leibniz edos romnticos alemes. Assim ocorre com a noo de Possestque exprime a identidade imanentedo ato e da potncia. E essa aventura da imanncia, essa concorrncia da imanncia com atranscendncia, j o que atravessa a obra de Eckhart, a dos msticos renanos ou, de uma outramaneira, a de Petrarca. Mas bem alm disso, desde o incio do neo-platonismo, Gandillac insistesobre esses germes e esses espelhos de imanncia. Em seu livro sobre Plotino, um dos mais belosque j se escreveu sobre Plotino, ele mostra como o Ser procede do Uno, mas no complicamenos todos os seres em si mesmo, ao mesmo tempo que ele se explica em cada um deles.2Imanncia da imagem no espelho, e da rvore no germe: so as duas bases de uma filosofiaexpressionista. E mesmo no pseudo-Dionsio, o rigor das hierarquias deixa um lugar virtual para aspraias da igualdade, da univocidade, da anarquia.

    Os conceitos filosficos so tambm, para aquele que os inventa ou os libera, modos devida e modos de atividade. Reconhecer o mundo das hierarquias, mas ao mesmo tempo

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    [18]atravess-las por essas praias de imanncia que as abalam mais do que as abalaria coloc-losdiretamente em causa justamente uma imagem de vida inseparvel de Maurice de Gandillac. Hnele como que um homem da Renascena. H nele um humor vivo, que se confunde precisamentecom essa tecelagem de uma imanncia: complicar as coisas ou as pessoas as mais diversas emum s e mesmo tecido, ao mesmo tempo que cada coisa, cada pessoa, explica o todo. Tolstoi diziaque, para atingir a alegria, era preciso prender, como em uma teia de aranha, e sem nenhuma lei,

    uma velha, uma criana, uma mulher, um comissrio de polcia. uma arte de viver e de pensarque Gandillac sempre exerceu e reinventou. E seu sentido concreto de amizade.3 Ns aencontramos tambm em outra atividade de Gandillac, a de debatedor: se, com Genevive deGandillac, ele deu uma nova vida aos Colquios de Cerisy, foi por meio do escalonamento dasconferncias sucessivas, ao inspirar um tipo de debate que traa precisamente praias deimanncia ou as partes de um s e mesmo tecido. As intervenes explcitas de Gandillac podemser breves, elas tm um estranho teor e uma riqueza que fazem com que elas devessem serreunidas como bocados escolhidos. Esse teor vem do fato de que elas so muito freqentementefilolgicas, e ns tocamos uma vez mais em uma das atividades de Gandillac: se ele profundamente fillogo, e por isso mesmo germanista e tradutor, porque o pensamento

    originrio de um autor deve compreender, de alguma maneira, tanto o texto original quanto otexto derivado, ao mesmo tempo que o texto derivado deve, sua maneira, explicar o original(sem, entretanto, nenhum desenvolvimento suplementar). As tradues de Gandillac especialmente seu Zaratustra podem ter suscitado, por sua fora mesma,4 controvrsias: queelas implicam toda uma teoria e toda uma concepo novas da traduo, sobre as quais Gandillacno deu at agora seno alguns indicaes bastante raras. Mas certamente um nico e mesmoempreendimento que Gandillac persegue como filsofo, como historiador da filosofia, comoprofessor, como tradutor, e como homem.

    In Gilles Deleuze. Deux rgimes de fous. Textes et entretiens, 1975-1995. Paris: Minuit, 2003. Org.de David Lapoujade. P. 244-246.

    Nota do original: L'art des confins. Mlanges offerts Maurice De Gandillac. PUF, Paris 1985: p.79-81,Maurice de Gandillac, nascido em 1906, filsofo, especialista em pensamento medieval, tradutordo latim e do alemo, professor na Sorbonne, de 1946 a 1977, responsvel pelo Centro CulturalInternacional de Cerisy-la-Salla, foi professor de Deleuze e, depois, seu orientador de tese(Diferena e repetio).

    Notas:1. La Philosophie de Nicolas de Cues, Paris, Aubier, 1942.2. La Sagesse de Plotin, Paris, Hachette, 1952.3. Cf. Approches de lamiti, in LExistence, Gallimard, 1946.4. Ainsi parlait Zarathoustra, tr. fr. Maurice de Gandillac, in Oeuvres compltes, vol. VI, Paris,Gallimard, 1971.

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    [20]histria, entre o corpo e a alma. As multiplicidades so a realidade mesma, e no supemnenhuma unidade, no entram em nenhuma totalidade, assim como no remetem a nenhumsujeito. As subjetivaes, as totalizaes, as unificaes so, ao contrrio, processos queproduzem e aparecem nas multiplicidades. As principais caractersticas das multiplicidades dizemrespeito a seus elementos, que so singularidades: suas relaes, que so devires, seusacontecimentos, que so hecceidades (isto , individuaes sem sujeito); seus espaos-tempos,

    que so espaos e tempos lisos; seu modelo de realizao, que o rizoma (por oposio aomodelo da rvore); seu plano de composio que constitui plats(zonas de intensidade contnua);os vetores que os atravessam, e que constituem territriose graus de desterritorializao.

    A histria universal da contingncia ganha a uma maior variedade. Em cada caso, aquesto : onde e como se faz esse reencontro? Em vez de seguir, como em O Anti-dipo, asucesso tradicional Selvagens-Brbaros-Civilizados, ns nos encontramos agora diante de toda aespcies de formaes coexistentes: os grupos primitivos, que operam por sries, e por avaliaodo ltimo termo, em um estranho marginalismo; as comunidades despticas, que constituem, aocontrrio, conjuntos submetidos a processos de centralizao (aparelhos de Estado); as mquinasde guerra nmades, que no se apoderaro dos Estados sem que esses no se apropriem da

    mquina de guerra que eles no tinham inicialmente; os processos de subjetivao que seexercem nos aparelhos estatais e guerreiros; a efetuao da convergncia entre esses processos,no capitalismo e atravs dos Estados correspondentes; as modalidades de uma aorevolucionria; os fatores comparados, em cada caso, do territrio, da terra e dadesterritorializao.

    Os trs fatores, pode-se v-los aqui jogar livremente, isto , esteticamente, no ritornelo. Aspequenas canes territoriais, ou canto dos pssaros; o grande canto da terra, quando a terraurrou; a possante harmonia das esferas ou a voz do cosmo? exatamente isso que este livroqueria: agenciar ritornelos, lieder, correspondendo a cada plat. Porque a filosofia, tambm ela,no outra coisa: da pequena cano ao mais possante dos cantos uma espcie de

    sprechgesang [cano falada] csmico. O pssaro de Minerva (para falar como Hegel) tem seusgritos e seus cantos; os princpios em filosofia so gritos, em tornos dos quais os conceitosdesenvolvem verdadeiros cantos.

    In Gilles Deleuze. Deux rgimes de fous. Textes et entretiens, 1975-1995. Paris: Minuit, 2003. Org.de David Lapoujade.Nota da edio original: Com Flix Guattari. InDeleuze-Guattari. Capitalisme e schizophrenia 2:Mille piani, Roma, Bibliotheca bibliographia, 1987. Trad. It. Giorgio Passerone.

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    [21]Resposta a uma questo sobre o sujeito

    Gilles Deleuze

    Um conceito filosfico cumpre uma ou vrias funes, nos campos de pensamento que so,tambm eles, definidos por variveis interiores. H, enfim, variveis exteriores (estados de coisas,

    momentos da histria) em uma relao complexa com variveis internas e funes. Significa dizerque um conceito no nasce e no morre por prazer, mas na medida em que novas funes emnovos campos relativamente destituem-no. por isso tambm que no nunca interessantecriticar um conceito: melhor construir novas funes e descobrir novos campos que o tornemintil ou inadequado.

    O conceito de sujeito no escapa a essas regras. Ele j cumpriu suas funes: inicialmente,uma funo de universalizao, em um campo no qual o universal no era mais representado poressncias objetivas, mas por atos noticos ou lingsticos. Nesse sentido, Hume assinala ummomento importante na filosofia do sujeito, porque ele invoca atos que ultrapassam o dado (o quese passa quando digo sempre ou necessrio?). O campo correspondente, desde ento, no

    mais, absolutamente, o do conhecimento, mas, antes, o da crena, como nova base doconhecimento: sob quais condies uma crena legtima, segundo a qual eu digo maisdo queaquilo que me dado? Em segundo lugar, o sujeito cumpre uma funo de individuao, em umcampo no qual o indivduo no pode ser uma coisa nem uma alma, mas uma pessoa, viva e vivida,falante e falada (eu-tu). Esses dois aspectos do sujeito, o Eu universal e o Mim individual, estonecessariamente ligados? Mesmo ligados, no existe conflito entre eles, e como resolver esseconflito? Todas essas questes animam aquilo que se pode chamar de filosofia do sujeito, j emHume, mas tambm em Kant, que confronta um Eu como determinao do tempo e um Mim comodeterminvel no tempo. Em Husserl ainda, questes anlogas se poro na ltima das Meditaescartesianas.

    Pode-se atribuir novas funes e variveis capazes de causar uma mudana? Trata-se defunes de singularizao que invadiram o campo do conhecimento, em favor de novas variviesde espao-tempo. Por singularidade, preciso no entender alguma coisa que se oponha aouniversal, mas um elemento qualquer que pode ser prolongado at a vizinhana de um outro, demaneira a formar uma juno: trata-se de uma singularidade no sentido matemtico. Oconhecimento e mesmo a crena tendem, pois, a ser substitudos por noes como

    agenciamento ou dispostivo, que designam uma emisso e uma repartio de singularidades.So essas emisses, do tipo lance de dados, que constituem um campo transcendental semsujeito. O mltiplo se torna o substantivo, multiplicidade, e a filosofia a teoria das multiplicidades,que no remetem a nenhum sujeito como unidade prvia. O que conta no mais o verdadeironem o falso, mas o singular e o regular, o remarcvel e o ordinrio. a funo de singularidadeque substitui a de universalidade (em um novo campo que no tem mais utilidade para ouniversal). V-se isso at mesmo no direito: a noo jurdica de caso, ou de jurisprudncia,destitui o universal, em favor de emisses de singularidades e de funes de prolongamento. Umaconcepo do direito fundada na jurisprudncia dispensa todo sujeito de direitos. Inversamente,uma filosofia sem sujeito apresenta uma concepo do sujeito fundada na jurisprudncia.

    Correlativamente, talvez, se impuseram tipos de individuao que no eram mais pessoais.Pergunta-se sobre o que faz a individualidade de um acontecimento: umavida, umaestao, um

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    [22]vento, uma batalha, cinco horas da tarde.... Pode-se chamar de hecceidadade ou ecceidade essasindividuaes que no constituem mais pessoas ou mins. E surge a questo de saber se nosomos essas heceidades em vez de mins. A filosofia e a literatura anglo-americana so, a esserespeito, particularmente interessantes, porque elas se destacam, freqentemente, por suaincapacidade por encontrar um sentido atribuvel palavra mim, exceto o de uma ficogramatical. Os acontecimentos colocam questes de composio e de decomposio, de

    velocidade e de lentido, de longitude e de latitude, de potncia e de afectos muito complexas.Contra todo personalismo, psicolgico ou lingstico, eles implicam a promoo de uma terceirapessoa, e mesmo de uma quarta pessoa do singular, no-pessoa ou Ele, na qual nosreconhecemos melhor, ns mesmos e nossa comunidade, do que em vs trocas entre um Eu e umTu. Em suma, cremos que a noo de sujeito perdeu muito de seu interesse em favor desingularidades pr-individuais e de individuaes no-pessoais. Mas, precisamente, no suficiente opor os conceitos entre si para saber qual o melhor. preciso confrontar os camposde problemas aos quais eles respondem, para descobrir sob quais foras os problemas setransformam e exigem, eles prprios, a constituio de novos conceitos. Nada do que os grandesfilsofos escreveram sobre o sujeito envelhece, mas esta a razo pela qual ns temos, graas a

    eles, outros problemas a descobrir, em vez de efetuar retornos que mostrariam apenas nossaincapacidade em segui-los. A situao da filosofia no se distingue, aqui, fundamentalmente, dasituao das cincias e das artes.

    In Gilles Deleuze. Deux rgimes de fous. Textes et entretiens, 1975-1995. Paris: Minuit, 2003. Org.de David Lapoujade. P. 326-328.

    Nota da edio original: O texto original datilografado datado de fevereiro de 1988. O texto foipublicado, inicialmente, em ingls, em uma traduo de Julien Deleuze para a revista Topoi,setembro de 1988, p. 111-112, sob o ttulo A philosophical concept..., antes de ser retraduzido

    para uma revista francesa (o texto original tinha, ento, se extraviado).

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    [23]Carta-prefcio a Jean-Clet Mar tin

    Gilles Deleuze

    Ao ler seu livro, fico feliz que voc se ocupe com meu trabalho, tamanha suademonstrao de rigor e de compreenso. Tento responder a algumas de suas observaes, mas,

    freqentemente, a diferena entre ns , antes, uma questo de palavras.1. Creio na filosofia como sistema. No gosto da noo de sistema quando se a remete s

    coordenadas do Idntico, do Semelhante e do Anlogo. Foi Leibniz, creio, o primeiro a identificarsistema e filosofia. No sentido em que ele o faz, eu concordo. As questes ultrapassar a filosofia,

    morte da filosofia tambm nunca me sensibilizaram. Sinto-me um filsofo muito clssico. Paramim, o sistema no deve apenas estar em perptua heterogeneidade, ele deve ser heterognese,coisa que, parece-me, nunca se tentou fazer.

    2. Desse ponto de vista, o que voc diz sobre a metfora ou, antes, contra ela, me parecejusto e profundo. Acrescento apenas algo que no contradiz em nada o que voc diz, mas que vainuma direo prxima: o duplo desvio, a traio, me parecem operaes que instauram uma

    imanncia radical, tem-se a um traado de imanncia da a relao essencial com a Terra.3. Voc percebe muito bem a importncia, para mim, de definir a filosofia pela inveno oucriao de conceitos, isto , como no sendo nem contemplativa nem reflexiva, nem comunicativa,etc., mas como atividade criadora. Creio que ela sempre foi isso, mas ainda no soube me explicarsobre esse ponto. por isso que eu queria tanto que o meu prximo livro fosse um texto curtosobre O que a filosofia?

    4. Voc percebe muito bem a importncia, para mim, da noo de multiplicidade: oessencial. E, como voc diz, multiplicidade e singularidade esto essencialmente ligadas(singularidade , ao mesmo tempo, diferente de universal e de individual). Rizoma amelhor palavra para designar as multiplicidades. Em contrapartida, parece-me que abandonei

    completamente a noo de simulacro, que no vale grande coisa. Finalmente, Mil platsque consagrado s multiplicidades por si mesmas (devires, linhas, etc.).5. Empirismo transcendental no quer, efetivamente, dizer nada se no se precisa as

    condies. O campo transcendental no deve ser decalcadodo emprico, como o faz Kant: eledeve, sob esse aspecto, ser explorado por sua conta e, portanto, experimentado (mas trata-sede um tipo de experincia muito particular). esse tipo de experincia que permite descobrir asmultiplicidades, mas tambm o exerccio do pensamento ao qual remete o terceiro ponto. Porquecreio que, alm das multiplicidades, o mais importante para mim tem sido a imagem dopensamento tal como tentei analisar em Diferena e repetio, depois em Proust, e em todos oslugares.

    6. Permita-me, enfim, um conselho de trabalho: sempre interessante, nas anlises deconceito, partir de situaes muito concretas, muito simples, e no de antecedentes filosficos,nem mesmo de problemas enquanto tais (o uno e o mltiplo, etc.); por exemplo, para asmultiplicidades, de onde preciso partir, seria assim: o que uma matilha? (diferente de umanimal sozinho), o que um ossurio? Para os acontecimentos: o que cinco horas da tarde? Porexemplo, na relao concreta entre o homem e o animal que preciso buscar a crtica possvelda mimese. No tenho, pois, mais que uma coisa a lhe dizer: no perca o concreto, volte a eleconstantemente. Multiplicidade, ritornelo, sensao, etc., se desenvolvem em puros conceitos, mas

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    [25]Prefcio: uma nova estilstica

    Gilles Deleuze

    Este livro provm de uma dupla reflexo sobre a literatura italiana e a literatura francesa.Ele tem sua fonte na fronteira dos dois pases, embora ele se estenda para alm dela. Giorgio

    Passerone no nos prope, entretanto, um tratado geral do estilo, mas o estudo de certosprocessos em literatura. possvel que esses processos se desenvolvam e passem a outras artes,ao se transformar. Mas essa transformao se far tanto mais facilmente quanto mais o autormergulhar to-somente na literatura. por isso que todo o livro gira em torno de duas idiasliterrias. Em primeiro lugar, o estilo no uma figurao retrica, mas uma produo sinttica,uma produo de sintaxe e pela sintaxe. Perguntar-se-, ento, que idia Passerone faz dasintaxe, que no a de Chomsky, por exemplo. Em segundo lugar, o estilo como uma lnguaestrangeira na lngua, seguindo uma frmula clebre de Proust. E se perguntar que idia dalngua faz Passerone, para que essa frmula no seja uma simples metfora, uma figura retrica,mas, ao contrrio, ela deve ser compreendida literalmente.

    A lingstica considera uma lngua em um momento dado como um sistema homogneo,prximo do equilbrio. Passerone est mais perto da scio-lingstica, no porque ele invoque aao de fatores sociais exteriores, mas porque ele trata cada lngua como um conjuntoheterogneo, longe do equilbrio e bifurcando-se perpetuamente: uma espcie de black-englishoude chicano. No que se salte de uma lngua a outra, como em um bilingismo ou umplurilingismo; , antes, que h sempre, em uma lngua, uma outra lngua, ao infinito. No umamistura, mas uma heterognese. Sabe-se que o discurso indireto livre(muito rico em italiano, emalemo, em russo) uma forma sinttica singular: ele consiste em um enunciado que depende deum sujeito de enunciao dado, que introduz um outro sujeito de enunciao. Percebi que ela iapartir. Ele tomava todas as precaues para no ser seguida...: o segundo ela um novo

    sujeito de enunciao, que surge em um enunciado que depende de um primeiro sujeito eu. como se todo sujeito de enunciao contivesse outros que falam, cada um, uma lngua diferente,uns nos outros. o discurso indireto livre que leva Bakhtin sua concepo polifnica da lngua noromance ou a lngua no romance como contraponto, ou que inspira Pasolini em sua reflexo sobrea poesia. Mas no se trata de teoria: nos grandes autores, de Dante a Gadda, que Passeroneapreende o processo prtico do discurso indireto livre. Esse processo pode permanecer oculto emuma lngua muito centralizada e uniformizada como o francs. Ele , entretanto, coextensivo atoda lngua, elemento determinante da sintaxe: ele escava na lngua outras tantas lnguas que sebifurcam e se correspondem. Mesmo em francs, Balzac parte a lngua em outras tantas lnguas,assim como em outros tantos personagens, tipos e milieux. Ao ponto que se poderia dizer: eleno tem estilo, mas esse no-estilo precisamente o grande estilo, ou a criao do estilo emestado puro.

    A lingstica objetaria que no se trata de lnguas, propriamente falando. Mas somossempre reconduzidos questo prvia: a lngua um sistema homogneo ou um agenciamentoheterogneo em perptuo desequilbrio? Se a segunda hiptese est correta, uma lngua no sedecompe em elementos, mas em lnguas ao infinito, que no so lnguas diferentes, mas com asquais o estilo (ou o no-estilo) compor uma lngua estrangeira na lngua. O que a lingsticaconsidera como determinaes secundrias, a estilstica, a pragmtica, tornam-se aqui fatores

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    [26]primeiros da lngua. O mesmo problema se encontra em outro nvel: a lingstica consideraconstantes ou universais da lngua, elementos e relaes; mas para Passerone e os tericos aosquais ele recorre, a lngua no tem constantes, ela s tem variveis, e o estilo consiste em colocaras variveis em variao. Cada estilo uma tal colocao em variao, que preciso seguir edefinir concretamente. Foi o estranho e profundo lingista Gustave Guillaume que substituiu asoposies distintivas de fonemas (constantes) pela idia deposies diferenciaisde morfemas: so

    as variveis-pontos que percorrem uma linha ou um movimento de pensamento determinvel. Porexemplo, o artigo indefinido um uma varivel que opera cortes ou assume pontos de vistasobre um movimento de particularizao; da mesma forma, o artigo definido o, sobre ummovimento de generalizao. Guillaume desenvolver, para os verbos em geral, movimentos deincidncia e decadncia (poder-se-ia acrescentar a procadncia) em relao aos quais os temposverbais so cortes, pontos de vista ou posies diferenciais. Por exemplo, o imperfeito de Flaubert.E, sem dvida, cada verbo envolver dinamismos ou percursos especiais sobre os quais seustempos e seus modos assumem posies e operam cortes. As variveis percorrem zonas devariao finitas ou infinitas, contnuas ou descontnuas, que constituem o estilo como modulaoda lngua.

    A clebre frmula de Buffon, o estilo o prprio homem, no significa que o estiloremeta personalidade do autor. Buffon permanece aristotlico: o estilo a forma que se atualizaem uma matria lingstica: um molde. Mas como o demonstra a teoria do organismo emBuffon, o molde goza de uma propriedade paradoxal: ele no se contenta em formar a aparnciaou a superfcie, mas age em toda a espessura daquilo que ele forma (molde interior). mais queum molde, uma modulao, isto , uma moldagem de ao interna e transformao temporal.

    Ao passar do molde modulao, Passerone mostra como se desenvolve uma concepo meldicado estilo: em Rousseau, que busca restaurar uma prtica monofnica da melodia pura; mas j nomundo barroco, depois no romntico, no qual a polifonia e a harmonia, os acordes constantes edissonantes formam uma modulao cada vez mais fina e autnoma, chegando at ao ps-

    romantismo de Nietzsche, o maior filsofo-estilista. Est a, talvez, o segredo da modulao: amaneira pela qual ela traa uma linha sempre bifurcante e quebrada, rtmica, como uma novadimenso capaz de fundir harmonia e melodia. E essa est, sem dvida, entre as pginas maisfortes de Passerone: ele est seguro de que a lngua faz veralguma coisa, e o que ela faz vez soas figuras de retrica; mas essas figuras so apenas o efeito superficial do que constitui o estilo,isto , a polifonia dos sujeitos de enunciao, a modulao dos enunciados. Como diz Proust, asfiguras ou metforas no so seno a apreenso de objetos diferentes pelos e nos arosnecessrios de um bom estilo. A imaginao depende sempre de uma sintaxe.

    As variveis de uma lngua so como posies ou pontos de vista sobre um movimento depensamento, um dinamismo, uma linha. Cada varivel passa e repassa por posies diversas sobreuma linha de modulao particular: da o estilo que caminha sempre por repetio-progresso.Passerone analisa trs casos decisivos na literatura francesa: a linha-dobra de Mallarm, a linhadesdobrada de Claudel, a linha vibratria e rodopiante de Artaud. Mais geralmente, dir-se-ia que oestilo tensionaa lngua, ele aciona a tensores que tendem a limites. que a linha ou o movimentode pensamento so exatamente, em cada caso, como o limite de todas as posies das variveisconsideradas. Esse limite no est fora da lngua, nem da linguagem, mas ele o seu fora. Umfora da linguagem que no est fora dela. Da mesma forma, quando se diz que o estilo comouma lngua estrangeira no se trata de uma lngua diferente da que falamos, trata-se de uma

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    [27]lngua estrangeira na lngua que falamos. Tensionado em direo a um limite interior, ou emdireo ao fora da lngua, essa se pe a gaguejar, a balbuciar, a gritar, a cochichar. A ainda, e deuma segunda maneira, o estilo aparece como no-estilo, e constitui a loucura da lngua, seudelrio. Mandelstam diz: Sobre mim e sobre muitos de meus contemporneos pesa a gagueira donascimento; ns aprendemos no a falar, mas a balbuciar, e no seno ao pr-se escuta dorudo crescente do sculo e, uma vez lavado pela crista de sua escuma, que adquirimos uma

    lngua.1

    Como nomear essa linha de crista em direo qual toda a lngua se tensiona,modulante? Mais ele se aproxima dessa linha, mais o estilo se torna sbrio, no-estilo!, como emTolstoi, como em Beckett. Os grandes escritores no gostam que os cumprimentemos por suaobra passada, nem mesmo por sua obra presente: eles sabem, s eles, a que ponto eles aindaesto longe do que eles querem, do que eles buscam. Uma linha abstrata, diz Cline, que noforma um contorno ou uma figura, mas que se pode encontrar nesta ou naquela figura, sob acondio de a desfazer, de a extrair: esta famosa linha, que alguns encontram na natureza, nasrvores, nas flores, no mistrio japons....2 Ou ento em uma hora do dia (Lorca, Faulkner), ouento em um acontecimento que vir, ou que tarda tanto mais quanto ele j chegou, ou ento emuma postura do corpo ou em um movimento de dana: tenso de toda linguagem em direo

    pintura, msica, mas msica e pintura que so as da lngua e no pertencem seno a ela.A lngua como conjunto heterogneo; o discurso indireto livre como coextensivo lngua;as variveis e sua colocao em variao, modulao; as tenses que atravessam uma lngua; alinha abstrata como fora ou limite da linguagem... Tememos precisamente ter tornado o livro dePasserone demasiadamente abstrato. Cabe agora ao leitor perceber a que ponto este livro concreto, atravs da variao dos casos considerados, constituindo uma das mais novas, uma dasmais belas anlises de uma noo difcil, o estilo.1. In Le Bruit du temps, Lausanne, LAge dHomme, 77.2. In Marc Hanrez, Cline, Gallimard, Paris, 1969, p. 219.In Gilles Deleuze. Deux rgimes de fous. Textes et entretiens, 1975-1995. Paris: Minuit, 2003. Org.

    de David Lapoujade. P. 343-347.

    Nota da edio original: In Giorgio Passerone, La Linea astratta Pragmatica dello stile, Milano,Edizioni Angelo Guerini, 1991, p. 9-13. O texto manuscrito datado de setembro de 1990. Trad.It. Giorgio Passerone.

    No final dos anos 70, Passerone, jovem pesquisador italiano, veio acompanhar os cursos deDeleuze na Universidade de Vincennes, depois na Universidade de Saint-Denis. Amigo de Deleuze,Passerone traduziria Mil plats para o italiano. La Linea astratta retoma o essencial da tese dePasserone defendida na Universidade de Paris VIII sob a orientao de Deleuze e de RenScherer.

    Nota do tradutor: A diferena entre Je e Moi , em geral, assinalada, em portugus, porartficios tais como, por exemplo, traduzir Je simplesmente por Eu e Moi por Eu colocadoentre colchetes: [Eu]. Nesta traduo e na de outros textos desta antologia, tive a temeridade deinovar, traduzindo Moi por Mim, inspirado, sobretudo, no seguinte poema de Manuel Bandeira:

    Peregrinao

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    [29]Ns inventamos o ritornelo

    Gilles Deleuze e Flix Guattari

    A definio que vocs do da filosofia bastante ofensiva. Vocs no temem que vocs sejam,assim, acusados de quererem manter ou restaurar o privilgio que a tradio parecia lhe

    conceder? Pode-se dar muitas definies inofensivas da filosofia: conhecer-se, admirar-se, refletir, conduzirseu pensamento de forma apropriada... Elas so inofensivas porque so vagas: elas noconstituem uma ocupao definida. Ns definimos a filosofia pela criao de conceitos. Cabe a nsmostrar que a cincia, por sua vez, no procede por conceitos mas por funes. A filosofia noextrai disso nenhum privilgio: um conceito no tem nenhuma superioridade sobre uma funo.

    Eu lhes fiz essa pergunta porque vocs confrontam a filosofia com a arte e a cincia, mas nos cincias humanas. Praticamente no se fala da histria, por exemplo, no livro de vocs.

    Ns falamos muito de histria. Apenas que o devir se distingue da histria. Entre os dois, htoda espcie de correlaes e de reenvios: o devir nasce na histria e a recai, mas no lhe

    pertence. o devir e no o eterno que se ope histria. A histria considera certas funessegundo as quais os acontecimentos se efetuam, mas o acontecimento, na medida em que eleultrapassa sua prpria efetuao, o devir como substncia do conceito. O devir sempre foi oproblema da filosofia.

    Ao elaborarem a definio da filosofia como criao de conceitos, vocs atacam particularmentea idia de que a filosofia seria ou deveria ser comunicao. Tem-se a impresso de que osltimos livros de Jrgen Habermas e sua teoria da ao comunicativa so um dos alvos principaisde vocs.

    No, no atacamos particularmente Habermas, nem qualquer outra pessoa. Habermas no onico a querer indexar a filosofia de acordo com a comunicao. Uma espcie de moral da

    comunicao. A filosofia , inicialmente, pensada como contemplao, e isso deu como resultadoobras esplndidas, por exemplo com Plotino. Depois como reflexo, com Kant. Mas justamente erapreciso, inicialmente, nos dois casos, criar um conceito de contemplao ou de reflexo. Noestamos certos de que a comunicao tenha encontrado, por sua vez, um bom conceito, isto ,um conceito realmente crtico. O consenso ou as regras de uma conversao democrtica, maneira de Rorty, no bastam para formar um conceito.

    Contra essa idia de comunicao, da filosofia como dilogo, vocs propem a imagem do pensamento que vocs inserem num quadro muito mais geral. o que vocs chamam degeofilosofia. Esse captulo est no cerne do livro de vocs. , ao mesmo tempo, uma filosofia

    poltica e quase uma filosofia da natureza. H certamente razes para que a filosofia nasa nas cidades gregas e continue nas sociedadescapitalistas ocidentais. Mas so razes contingentes, o princpio de razo um princpio de razocontingente e no necessrio. por isso que essas formaes so focos de imanncia,apresentando-se como sociedades de amigos (competio, rivalidade) e implicam uma promooda opinio. Ora, esses trs traos fundamentais definem apenas as condies histricas dafilosofia; a filosofia como devir est em relao com eles, mas no se reduz a isso, ela de umaoutra natureza. Ela no pra de colocar em questo suas prprias condies. Se essas questes de

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    [30]geofilosofia tem muita importncia porque pensar no se faz nas categorias do sujeito e doobjeto, mas em uma relao varivel entre o territrio e a terra.

    Nessa geofilosofia, vocs apelam filosofia revolucionria e necessidade de revolues. quase uma manifesto poltico o que vocs propem. E isso pode parecer paradoxal, no contextoatual.

    A situao atual muito confusa. Tende-se a confundir a conquista das liberdades com a

    converso ao capitalismo. duvidoso que os prazeres do capitalismo sejam suficientes para liberaros povos. Glorifica-se o fracasso sangrento do socialismo. Mas no parecem considerar como umfracasso o estado do mercado mundial capitalista, com as sangrentas desigualdades que ocondicionam, as populaes colocadas fora do mercado, etc. H muito tempo que a revoluoamericana fracassou, assim como a sovitica. As situaes e tentativas revolucionrias soengendradas pelo prprio capitalismo e, lamento diz-lo, senhores, no correm o risco dedesaparecer. A filosofia continua ligada a um devir revolucionrio que no se confunde com ahistria das revolues.

    Fiquei impressionado com um ponto do livro de vocs: o filsofo, dizem vocs, no discute. Suaatividade criadora s pode ser isolada. Trata-se de uma grande ruptura com todas as

    representaes tradicionais. Vocs pensam que o filsofo no deve mesmo discutir com seusleitores, com seus amigos? J difcil compreender o que algum diz. Discutir um exerccio narcsico, no qual cada um seexibe, por sua vez: muito rapidamente, no se sabe mais sobre o que se fala. O que difcil determinar o problema ao qual esta ou aquela proposio responde. Ora, se se compreende oproblema formulado por algum, no se tem nenhuma vontade de discutir com ele: ou se seformula o mesmo problema, ou ento se formula um outro e se tem, antes, vontade de avanarnessa direo. Como discutir se no se tem um fundo comum de problemas, e por que discutirquando se o tem? Tem-se sempre as solues que correspondem aos problemas que se formulam.

    As discusses representam muita perda de tempo para problemas indeterminados. As

    conversaes so outra coisa. preciso certamente entrar em conversaes. Mas a menorconversao um exerccio esquizofrnico que se passa entre indivduos que tm um fundocomum, e um grande gosto por elipses e atalhos. A conversao feita de pausas, de longossilncios; ela pode dar idias. Mas a discusso no faz, absolutamente, parte do trabalho filosfico.Terror da frmula vamos discutir um pouco.

    Quais so, na opinio de vocs, os conceitos criados pelos filsofos do sculo XX? Quando Bergson fala da durao, ele emprega essa palavra inslita porque ele no quer ns aconfundamos com o devir. Ele cria um novo conceito. Da mesma forma, a memria, determinadacomo coexistncia de camadas do passado. Ou o el vital como conceito da diferenciao.Heidegger criou um novo conceito de Ser, seu duplo componente do velamento e dodesvelamento. Um conceito exige, s vezes, uma palavra estranha, com etimologias quasemalucas, s vezes, uma palavra corrente, mas da qual se extrai harmonias as mais longnquas.Quando Derrida escreve diffrance, com um a, trata-se evidentemente de propor um novoconceito de diferena. Em A arqueologia do saber, Foucault cria um conceito de enunciado queno se confunde com o de frase, de proposio, de ato de palavra, etc. A primeira caractersticaprpria de um conceito consiste em operar um corte indito nas coisas.

    E vocs, quais conceitos vocs acham que criaram? O ritornelo, por exemplo. Ns criamos o conceito de ritornelo em filosofia.

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    [31]In Gilles Deleuze. Deux rgimes de fous. Textes et entretiens, 1975-1995. Paris: Minuit, 2003. Org.de David Lapoujade. P. 353-356.

    Nota da edio original: Entrevista conduzida por Didier Eribon in Le Nouvel Observateurs,setembro de 1991, p. 109-110. Por ocasio da publicao de O que a filosofia?.