Deleuze, Gilles, Espinosa e o Problema Da Expressão - Excerto

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  • 7/25/2019 Deleuze, Gilles, Espinosa e o Problema Da Expresso - Excerto

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    No primeiro livro da tica, a ideia de expresso aparece a partir da definio 6: PorDeus entendo um ser absolutamente infinito, ou seja, uma substncia que consistenuma infinidade de atributos, em que cada um exprimeuma essncia eterna einfinita. Esta ideia ganha depois uma importncia cada vez maior. retomada emcontextos variados. Espinosa tanto diz : cada atributo exprime uma certa essncia

    eterna e infinita, uma essncia correspondente ao gnero do atributo, como diz: cadaatributo exprime a essncia da substncia, o seu ser ou a sua realidade, como ainda,finalmente: cada atributo exprime a infinidade e a necessidade da existnciasubstancial, ou seja, da eternidade1. E Espinosa mostra bem como se passa de umafrmula outra. Cada atributo exprime uma essncia, mas enquanto exprime no seugnero a essncia da substncia; e, envolvendo a essncia da substncianecessariamente a existncia, pertence essncia de cada atributo exprimir, com aessncia de Deus, a sua existncia eterna2. Acontece nada menos do que a ideia deexpresso resumir todas as dificuldades referentes unidade da substncia e dadiversidade dos atributos. A natureza expressiva dos atributos aparece ento como umtema fundamental no primeiro livro da tica.

    O modo, por sua vez, expressivo: Tudo aquilo que existe exprime a natureza deDeus, dito por outras palavras, a sua essncia, de maneira certa e determinada (ouseja, sob um modo definido)3. Devemos ento distinguir um segundo nvel deexpresso, uma espcie de expresso da expresso. Em primeiro lugar, a substnciaexprime-se nos seus atributos e cada atributo exprime uma essncia. Mas, em segundolugar, os atributos tambm se exprimem: eles exprimem-se nos modos que delesdependem, e cada modo exprime uma modificao. Veremos que o primeiro nveldeve ser compreendido como uma verdadeira constituio, quase uma genealogia daessncia da substncia. O segundo deve ser compreendido como uma verdadeira

    produo das coisas. Com efeito, Deus produz uma infinidade de coisas pois a suaessncia infinita; mas como ele tem uma infinidade de atributos, ele produznecessariamente estas coisas numa infinidade de modos em que cada um reenvia aoatributo no qual ele est contido4. A expresso no nela mesma uma produo, mastorna-se, no seu segundo nvel, quando o atributo que por sua vez se exprime.Inversamente, a expresso-produo encontra o seu fundamento numa expresso

    primeira. Deus exprime-se por si prprio antes de se exprimir nos seus efeitos;Deus exprime-se constituindo por si a natureza naturante, antes de se exprimir

    produzindo em si a natureza naturada.A noo de expresso no tem apenas um alcance ontolgico, mas tambmgnoseolgico. O que no de espantar, pois a ideia um modo do pensamento: os

    pensamentos singulares, ou seja, este pensamento aqui ou aquele ali, so modos que

    exprimem a natureza de Deus de uma maneira certa e determinada

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    . Assim, oconhecimento torna-se uma espcie de expresso. O conhecimento das coisas tem a

    1As frmulas correspondentes so, na tica: 1) aeternum et infinitum certamessentiam exprimit (I, 19, sc.) 2) divinae substantiaeessentiamexprimit(I, 19, dem.);realitatem sive esse substantiae exprimit (I, 10, c.). Os trs tipos de frmulasencontram-se reunidos em I, 10, sc. Este texto comporta, a este respeito, nunaces edeslizamentos extremamente subtis.2FE, I, 19 e 20, dem.3E, I , 36 ( e 25, cor.:Modi quibus Dei attributa certo et determinato modoexprimuntur.4E, I, 16, dem.5E, II, 1., dem.

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    mesma relao com o conhecimento de Deus, que as prprias coisas com Deus: Porque nada pode ser nem ser concebido sem Deus, certo que todos os seres danatureza envolveme exprimemo conceito de Deus, proporcionalmente sua essnciae sua perfeio; ento certo que quanto mais coisas conhecemos na natureza,maior e mais perfeito ser o conhecimento que adquirimos de Deus6. A ideia de Deus

    exprime-se em todas as nossas ideias, como sua fonte e sua causa, ainda que oconjunto das ideias reproduza exactamente a ordem da natureza inteira. E a ideia, porsua vez, exprime a essncia, a natureza ou perfeio do seu objecto: a definio ou aideia so ditas exprimir a natureza da coisa tal como ela nela mesma. As ideias sotanto mais perfeitas quanto exprimirem, de um objecto, mais realidade ou mais

    perfeio; as ideias que o esprito forma absolutamente exprimem ento ainfinidade7(...)

    6TTP, ch. 4 (II, p. 136)7TRE, 108.In: Gilles Deleuze, Spinoza et le Problme de LExpression, Minuit, 1968, p, 9-11.