Deleuze e Donna Haraway

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Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Curso de Ciências Sociais Trabalho de Sociologia do Robô e do Artifical

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Discussão do Post-Scriptum sobre a sociedade de controle e o Manifesto Ciborgue

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Universidade Federal de Minas GeraisFaculdade de Filosofia e Cincias HumanasCurso de Cincias Sociais

Trabalho de Sociologia do Rob e do Artifical

Nome: Iago Vincius Avelar SouzaProfessor: Yurij CastelfranchiMatria: Sociologia do rob e do Artificial

12 de Maio de 20151- Post-scriptum sobre a sociedade de controle

Segundo Deleuze, Foucaul anlisou muito bem as sociedade disciplinares que surgiram no sculo XVII e atingiram seu apogeu no incio do sculo XX. Contudo ele mesmo sabia da crise desse modelo: da mesma forma em que a sociedade de soberania antecede a sociedade disciplinar, esta por sua vez antecede a sociedade de controle.

Nesse sentido, estamos numa crise das instituies de confinamento (priso, hospital, fbrica, escolar, famlia). Estamos em uma transio progressiva onde os objetivos e as funes so completamente diferente. Se na sociedade disciplinar cada instiuio de confinamento cria moldes variaveis e independente entre eles. As sociedades de controle criam modulaes que so autodeformantes, isto , elas mudam continuamente e se relacionam como um sistema integrado.

Ao restituir as condies de apario desse tipo de racionalidade, o que a anlise foucauldiana permite compreender que, ao passar o jogo da concorrncia a funcionar como um princpio regulador do social, a forma econmica do mercado, a forma empresa se generaliza em todo o tecido social. (DIAS IZENRATH, 2008:22). Segundo Deleuze, a empresa substituiu a fbrica. Na sociedade disciplinar a fbrica molda os indivduos como uma grande massa que permite tanto o controle do patronato quando as mobilizaes de resistencia sindical. Na sociedade de controle, a empresa produziu uma rivalidade que dissolve a massa e contrape os indivduos entre s. Nesse sentido, o salrio por mrito, a especializao, configuram princpios moduladores que integram a escola empresa como estados metaestveis e coexistentes de uma mesma modulao.

A sociedade disciplinar se organiza em dois polos: indivduo-massa, onde a assinatura marca o indivduo e seu nmero de matrcula indica sua posio em uma massa. Nas sociedade de controle, o essencial uma cifra e no mais a assinatura ou o nmero. Nas sociedades disciplinares o dinheiro sempre se referiu a moedas cunhadas em ouro, nas sociedades de controle as trocas so flutuantes, trata-se de papel-moeda, cartes, aes e ttulos.

nas democracias liberais avancadas o que esta em questao e se e possivel governar sem governar a sociedade, isto e, governar atraves das escolhas reguladas de agentes que se veem a si mesmos como autonomos (cidadaos, consumidores, gerentes, investidores) e governar precisamente por meio de seu engajamento e pertencimento a comunidades particulares. Nesse sentido, as tecnicas de governo liberais avancadas atravessam contextos heterogeneos, ambitos nacionais e internacionais, reivindicacoes de regimes politicos de direita e de esquerda, campos que vao da saude ao controle da delinquencia. (DIAS IZENRATH, 2008:22-23).

As revolues industriais fizeram dos indivduos das sociedades disciplinares produtores de energia, as mquinas nesse sentido produziam calor e eram dirigidas a um processo de intensificao da produo. Os indivduos das sociedades de controle so dividuos e ondulatrios, suas mquinas produzem ruidos e so direcionadas a um processo de produo de informao.

No regime das prises: a busca de penas substitutivas, ao menos para a pequena delinqncia, e a utilizao de coleiras eletrnicas que obrigam o condenado a ficar em casa em certas horas. No regime das escolas: as formas de controle contnuo, avaliao contnua, e a ao da formao permanente sobre a escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na Universidade, a introduo da empresa em todos os nveis de escolaridade. No regime dos hospitais: a nova medicina sem mdico nem doente, que resgata doentes potenciais e sujeitos a risco, o que de modo algum demonstra um progresso em direo individuao, como se diz, mas substitui o corpo individual ou numrico pela cifra de uma matria dividual a ser controlada. No regime da empresa: as novas maneiras de tratar o dinheiro, os produtos e os homens, que j no passam pela antiga forma-fbrica. (DELEUZE, 1992: 226).Trata-se de uma mutao do capitalismo, no mais um capitalismo dirigido para a produo mas sim um capitalismo de sobre-produo. No se trata mais de comprar materias primas e vender produtos acabados, mas sim de vender servios e comprar aes. No mais um capitalismo para a produo mas sim para o mercado. O homem no mais o homem confinado, mas o homem endividado. (Deleuze, 1992).

Sendo assim, as maquinas correspondem a cada sociedade, mas no por serem determinadas por elas mas por esboarem as relaes sociais que as produziram e as colocam em operao. As antigas sociedades de soberania manejavam mquinas simples mas sociedades disciplinares tinham um equipamento energtico; queimavam carvo, manejavam a maquina a vapor, as grandes caldeiras at chegar nos grandes computadores ainda alimentados por fusveis. J as mquinas da sociedades de controle so mquinas de informao; dispositivos microeletrnicos, supercomputadores, drones, ciborgues.

Nas sociedades disciplinares, os robs surgem para servir os humanos, para otimizar os processos de produo. na fbrica que melhor se expressa a relao de dominao do homem sobre a mquina. Em contrapartida, essa forma de se relacionar com as mquinas produziu na fico do anos 50 o medo de uma rebelio das mquinas, o medo de que mquinas inteligentes viessem a substituir os humanos. Por influncia da corrida espacial as dcadas seguintes seguiram com as narrativas de odisseias espaciais, computadores superinteligentes, ciborgues e robs praticamente humanos, o medo no fundo, era o mesmo medo da rebelio dos escravos, das mulheres e dos operrios.

Nas sociedades de controle, as mquinas tornaram completamente ambgua a diferena entre o natural e o artificial entre a mente e o corpo, entre aquilo que se autocria e aquilo que externamente criado (HARAWAY, 2013). Os robs so muito mais fluidos e nossas interaes com eles so parte integrante do processo de criao, tanto deles quanto de ns mesmos. Como o caso do Google em que os prprios usurios adicionam informaes e contribuem para o processo de aprendizagem do rob.

2- Manifesto Ciborgue Donna Haraway em seu artigo Manifesto Ciborgue: cincia, tecnologia e feminismo-socialista no final do sculo XX pretende criar um mito poltico de ironia, que seja fiel ao feminismo, ao socialismo e ao materialismo. Que seja fiel na medida em que a blasfmia exige levar as coisas a srio. Que seja irnica na medida em que a ironia carrega a tenso de manter juntas coisas que so imcompatveis e todas verdadeiras. Para Haraway, o ciborgue constitui esse mito.Um ciborgue um organismo ciberntico, um hbrido de mquina e organismo, uma criatura de realidade social e tambm uma criatura de fico. Realidade social significa relaes sociais vividas, significa nossa construo poltica mais importante, significa uma fico capaz de mudar o mundo. (HARAWAY, 2013:36).

Segundo Haraway, a cultura cientfica do final do sculo XX dissolveu as fronteiras entre homem/animal, homem/mquina e entre o fsico/no-fsico e a quebra dessas fronteiras que tornam possvel essa anlise da poltica-ciborgue. por isso que ela afirma que Saber o que os ciborgues sero uma questo radical; responde-la uma questo de, sobrevivncia. (HARAWAY, 2013:43).

O ciborgue uma fico que nos permite mapear nossa realidade social e corporal, ele nossa ontologia e determina a nossa poltica. Nesse sentido, a poltica-ciborgue nos permite um campo de ao muito mais amplo do que o conceito de biopoltica de Foucault. Os ciborgues no esto sujeitos a biopoltica, ele simula a poltica.

Os ciborgues no tem a ver com a quantidade de protesis ou partes robticas acopladas ao corpo mas sim com o fato de frquentarmos academias, de nos controlarmos com alimentaes energticas para melhorar o desempenho. Tem a ver com a viso do corpo como mquina de alta performance a qual no interessa mais a perfeio mas sim a otimizao. (KUNZRU, 2013; HARAWAY, 2013).

Estamos em um processo de mudana de um sistema organico para um polimorfo, de uma sociedade industrial para uma sociedade informacional. As estratgias do controle so formuladas em termos de taxas e custos. Os humanos e qualquer outro componente do subsistema esto situados em um sistema onde os modos de operao so probabilisticos, estatsticos. Qualquer componente do sistema pode entrar em interao com outro desde que construam um padro de cdigos e produzam uma linguagem comum.

A informao o que permeia as fronteiras, ela o elemento quantificavel que permite a comunicao eficaz. A ameaa a esse poder constitui uma interrupo da comunicao. A patologia privilegiada nesse caso o estresse.

Haraway pontua a necessidade das polticas feministas-socialistas de si reconstrurem por meio de uma teoria e uma prtica dirigidas para as relaes sociais da cincia e da tecnologia. Nesse sentido, entende as tecnologias da comunicao e as biotecnologias como ferramentas fundamentais no processo de remodelao dos corpos. As dicotomias entre mente e corpo, animal e humano, organismo e mquina, pblico e privado, natureza e cultura, homens e mulheres, primitivo e civilizado estao, todas, ideologicamente em questo. A situao real das mulheres definida por sua integrao/ explorao em um sistema mundial de producao/reproduoe comunicao que se pode chamar de informtica da dominao. (HARAWAY, 2013:63).

Trata-se de sistemas integrados onde o mundo reestruturado pelas relaes sociais da cincia e da tecnologia, mas no estamos lidando com um determinismo tecnolgico, mas sim com um sistema histrico que depende de relaes estruturadas entre humanos. As cincias da comunicao e a biologia caracterizam-se como construes de objetos tecnonaturais de conhecimento, nas quais a diferena entre mquina e organismo torna-se totalmente borrada; a mente, o corpo e o instrumento mantm, entre si, uma relao de grande intimidade. (HARAWAY, 2013:67).Temos sidos colonizados pelos dualismos e mitos de origem. O ciborgue tem que subverter os mitos de origem ocidentais, nesse sentido a escrita tem sido fundamental para consolidar as distines entre os primitivos e os civilizados. As recentes disputas em torno do significado da escrita so uma forma importante de luta poltica na contemporaneidade.A escrita , preeminentemente, a tecnologia dos ciborgues superfcies gravadas do final do sculo XX. A poltica do ciborgue a luta pela linguagem, a luta contra a comunicao perfeita, contra o cdigo nico que traduz todo significado de forma perfeita o dogma central do falogocentrismo. por isso que a poltica do ciborgue insiste no rudo e advoga a poluio, tirando prazer das ilegtimas fuses entre animal e mquina. So esses acoplamentos que tornam o Homem e a Mulher extrema- mente problemticos, subvertendo a estrutura do desejo, essa fora que se imagina como sendo a que gera a linguagem e o gnero, subvertendo, assim tambm, a estrutura e os modos de reproduo da identidade ocidental, da natureza e da cultura, do espelho e do olho, do escravo e do senhor. Ns no escolhemos, originalmente, ser ciborgues. (HARAWAY, 2013:88).Certos dualismos tm sido recorrentes nas tradies ocidentais; eles tem servido a lgica da dominao sobre as mulheres, sobre os negros, sobre os trabalhadores, sobre os animais, sobre a natureza e todo aquele que foi construdo como outro em oposio ao dominante. A cultura high-tech contesta os dualismos. No existe nenhuma separao ontolgica entre mquina e organismo, no est claro quem produto na relao entre humano e mquina. A imagem do ciborgue pode sugerir uma forma de sada do labirinto dos dualismos por meio dos quais temos explicado nossos corpos e nossos instrumentos para ns mesmas. Trata-se do sonho no de uma linguagem co- mum, mas de uma poderosa e hertica heteroglossia. Trata-se da imaginao de uma feminista falando em lnguas [glossolalia] para incutir medo nos circuitos dos supersalvadores da direita. Significa tanto construir quanto destruir mquinas, identida- des, categorias, relaes, narrativas espaciais. Embora estejam envolvidas, ambas, numa dana em espiral, prefiro ser uma ciborgue a uma deusa. (HARAWAY, 2013:99).Referncias:DELEUZE, Gilles. Conversaes: 1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 219-226.DIAZ-ISENRATH, Maria Cecilia. Mquinas de pesquisa: o estatuto do saber no capitalismo informacional. Tese de Doutorado. Unicamp, 2008: Cap 1 e Cap 2 (p. 9-63).HARAWAY, Donna. Manifesto Ciborgue: cincia, tecnologia, e feminismo-socialismo no final do sculo XX in: HARAWAY, Donna; KUNZRU, Hari; TADEU, Tomaz. Antropologia do Ciborgue: As vertigens do ps-humano. 2 ed. Belo Horizonte: Autntica, 2013. 33-118p.

KUNZRU, Hari. Voc um ciborgue Um encontro com Donna Haraway in: HARAWAY, Donna; KUNZRU, Hari; TADEU, Tomaz. Antropologia do Ciborgue: As vertigens do ps-humano. 2 ed. Belo Horizonte: Autntica, 2013. 33-118p.