Decisões

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São mulheres alegres, animadas e apaixonadas pela vida. Sempre que o tempo permite, estão juntas, colocando os assuntos em dia. Nunca falta um bom drama e histórias engraçadas, nesses encontros. Além disso, a amizade entre seus filhos fez com que suas vidas se cruzassem, criando um grande laço de carinho entre elas. Porém, os dilemas delas vão além das preocupações com os filhos. Vale a pena manter um casamento de aparência? Confiar, mesmo desconfiando, ou investigar? É tão errado assim ser amante? Como não ser feliz tendo tudo? O que todos veem são mulheres fortes, bonitas e bem-sucedidas. Mas no fundo só elas sabem do drama de suas vidas.

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Verônica Lopes

São Paulo, 2013

COLEÇÃO NOVOS TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

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Copyright © 2013 by Verônica Lopes

TexTo de acordo com as normas do novo acordo orTográfico da Língua PorTuguesa (decreTo LegisLaTivo no- 54, de 1995)

Lopes, VerônicaDecisões / Verônica Lopes – Barueri, SP : Novo Século Editora, 2013. – (Coleção novos talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.

13-09250 cdd-869.93

Índices para catálogo sistemático:1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

coordenação ediToriaL Nair Ferraz diagramação Edivane Andrade de Matos/Efanet Design caPa Monalisa Morato PreParação Claudia Padovani revisão Laura Vecchioli do Prado

dados inTernacionais de caTaLogação na PubLicação (ciP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

2013IMPRESSO NO BRASIL

PRINTED IN BRAZILDIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO

À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA.CEA – Centro Empresarial Araguaia IIAlameda Araguaia, 2190 – 11o- andar

Bloco A – Conjunto 1111CEP 06455-000 – Alphaville Industrial – SP

Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323www.novoseculo.com.br

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Dedicatória

Para minha família.

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Beatrice

A cidade era maravilhosa, mas o sol quente logo cedo estava longe de ser maravilhoso. A não ser que fosse um belo sá-

bado, para curtir uma praia. A semana estava se iniciando. Era segunda-feira e o despertador, que tocava a música Irreplaceable, da Beyoncé, anunciava que o dia estava começando.

Eram seis e meia da manhã e Beatrice não tinha tempo para curtir nenhuma preguiçinha na cama. Com seu marido viajando a trabalho, a semana seria ainda mais puxada.

A primeira parada era no quarto de Mirela, que, como de costume, precisava de um tempo para despertar. Beijou a filha e foi para cozinha preparar o café da menina. Fez um misto e um copo de leite e, quando se virou, a filha já estava na mesa do café, pronta para a natação. “Milagres acontecem”, pensou.

Ligou a televisão para assistir ao jornal matinal e foi para seu quarto, se preparar.

Banho tomado e a mesma indecisão de todas as manhãs na frente do closet. O marido já havia lhe falado: “se não tives-se tantas opções, ficaria mais fácil escolher”. Ele era um ótimo comediante.

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Devido ao calor, que já se anunciara, escolheu um vestido leve e florido.

Beatrice tinha uma aparência comum. Cabelos castanho--claros acima dos ombros, nem gorda nem magra e olhos cas-tanhos. Tinha estatura alta e elegância natural, que faziam a diferença. Até uma camiseta branca e uma calça jeans a deixa-vam elegante!

Quando chegou à sala, Rita, sua empregada há anos, já es-tava conversando com Mirela.

– Bom dia, Rita, como foi o final de semana?– Foi bom, graças a Deus. Teve uma festinha, da minha

sobrinha, e a família toda se reuniu. Cerveja, churrasco e, claro, tudo acabou em confusão. E o de vocês?

Mirela se adiantou para responder.– Fomos ao cinema e almoçamos na casa da minha avó, foi

bem legal. Que pena que papai viajou ontem de tarde.– Rita, como Mirela falou, José viajou. Então, a semana vai

ser ainda mais corrida que o normal. Deixei na porta da gela-deira a lista do que faltou comprar no final de semana. Vou levar a Mirela na natação e você a pega às 9 horas, por favor. Hoje, devo chegar mais tarde, pois é fechamento de mês. Mirela não tem nenhuma atividade extra hoje, após a aula.

Sentou-se à mesa e tomou somente um iogurte light, en-quanto via as notícias do trânsito. Às sete e meia estavam as duas – mãe e filha – saindo de casa.

Beatrice morava no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, um badalado bairro de classe média alta, habitado e frequen-tado por muitos artistas e políticos. O melhor vizinho, porém, era a bela lagoa Rodrigo de Freitas, com 9,5 km de contorno. Um espaço democrático, que reunia quiosques, uma ciclovia,

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um playground, espaços para recreação e até um parque para cães e onde era possível realizar caminhadas e competições es-portistas. No final de semana, ela, José e Mirela costumavam pedalar ao redor da bela lagoa, que, apesar de poluída, tinha seu charme. Os turistas estavam sempre em peso, principalmente à noite, nos quiosques, que ofereciam música ao vivo.

Passou pela praia do Leblon e deixou a filha na porta do Clube de Regatas do Flamengo, onde a menina fazia natação. Quando se despedia dela, viu Marcela e Maria, mas, como esta-va com pressa, apenas acenou para as amigas e seguiu adiante, pensativa.

No fundo, ela tinha um pouco de inveja, aliás, um pouco não, muita inveja dessas mães que conseguiam acompanhar a rotina dos filhos. Ela achava que esse sentimento de culpa nunca seria superado pelas mulheres.

– Que carma temos de viver – disse em voz alta, sem per-ceber. “Também, quem mandou queimarmos sutiãs e lutar para votar? Agora, temos de aguentar essa vida competitiva!” Esse pensamento a fez rir.

O trânsito, outro problema nada maravilhoso da cidade maravilhosa, estava um caos, como sempre. Ela trabalhava per-to de sua casa, mas, com o trânsito daquela hora da manhã, um trajeto de quinze minutos se tornava quase uma hora. Totalmen- te inacreditável! Se não tivesse de trabalhar tão impecavelmente bem arrumada, já teria trocado o carro por uma bicicleta há muito tempo. Mais saúde e ecologicamente correto.

Havia outra razão que também não a deixava mudar a ro-tina: era o pensamento de ter de acordar ainda mais cedo. E isso acabava sendo mais forte do que as suas convicções ecológicas.

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Chegou ao escritório já em cima da hora. Ela era gerente de marketing em uma empresa nacional do segmento de beleza, que estava começando a se expandir para o exterior. Estava tra-balhando para solidificar a marca pelo Brasil. Seu departamento era praticamente todo feminino, sempre cercado de muita fo- foca e conversa.

Quando entrou na copa do andar em que trabalhava para pegar um café, não acreditou na cena que viu.

– Bom dia, meninas. Como vocês conseguem, a essa hora da manhã, em que eu ainda estou acordando, já estar com tanto fôlego para falar?

– Beatrice, são os babados do final de semana.– Imagino que, pela alegria, devem ter sido muitos.– Você nem imagina! – Todas riram.– Ok, todas na sala de reunião em uma hora, para bater-

mos os números do mês e traçarmos nossas metas para o pró-ximo mês!

Pegou seu café e sua secretária saiu junto.– Carla, não quero ser incomodada na próxima hora, pois

estarei preparando a reunião. Algum assunto urgente para hoje?– Não, somente a reunião com a diretoria à tarde, para fe-

chamento dos números.

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Quando Beca acordou, todos na casa já haviam saído e a mesa do café estava pronta, só esperando por ela.

– Bom dia, Cida, cadê todo mundo?– O Senhor Jorge saiu cedo e levou Joaquim para a natação.

Falando nisso, a senhora vai buscá-lo ou quer que o motorista busque?

– Eu vou. Já estou acabando meu café.– Mas a senhora não comeu nada.– Como você explica esse corpinho avantajado?As duas começaram a rir.Beca se levantou e foi se arrumar, para buscar o filho na

natação.Era uma mulher ainda nova, com seus 35 anos. Loira, cabe-

los lisos, belos olhos azuis, estatura mediana e um corpo rechon-chudo, que sempre esteve com ela. Foi uma criança gordinha e, na adolescência, deu uma afinada, mas magra ela nunca fora.

Vivia fazendo as dietas da moda. Além disso, se matava na academia e ainda tinha fôlego para caminhar pelo Jardim Botâ-nico. Seu esforço, porém, era todo em vão, pois, quando via um prato de massa e doce, ela não resistia.

Beca

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Tomou um banho, colocou um moletom e um tênis e re-solveu ir buscar Joaquim caminhando. Ela morava no bairro da Gávea, na zona sul, em um local com um dos metros quadrados mais caros da cidade. Um bairro residencial, com vários atrati-vos culturais, escolas e faculdades de renome. Ainda tinha um shopping e restaurantes maravilhosos. O comércio de rua era sofisticado, com várias lojas de luxo.

Já morava no bairro havia uns dez anos e, como não traba-lhava, adorava passear e fazer compras por lá quase diariamente.

O tempo estava quente, mas havia uma brisa gostosa baten-do no rosto. Foi caminhando até o clube de regatas do Flamen-go, que ficava a uns dez minutos de sua casa, pensando na vida.

Conheceu Jorge, seu marido, ainda na adolescência e sem-pre foram apaixonados. Ele, de uma família Italiana rica e tradi-cional, e ela, de uma família de classe média, bem-estruturada. Namoraram durante dez anos. Quando concluiu a faculdade, Jorge a pediu em casamento e, desde então, Rebeca vivia uma vida de rainha.

Apesar de ter cursado faculdade de engenharia, nunca tra-balhou na área. Engravidou no primeiro ano de casamento e resolveu se dedicar ao filho e à casa. Adorava essa vida de “ma-dame” e os luxos que ela lhe oferecia. Seus compromissos eram com o filho e o de sempre: estar pronta para oferecer jantares e pequenas recepções para amigos, empresários e políticos que o marido sempre recebia em casa.

Ultimamente, ela andava se sentindo ansiosa e inquieta, mas não sabia bem o que a estava incomodando.

Naquela tarde, iria passar a maior parte do tempo no salão, se cuidando. De noite, ia começar a organizar um jantar que o marido iria oferecer para o cônsul da Itália, que estaria no

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Brasil no final do mês. Tinha exatos vinte e cinco dias para se organizar.

Quando Rebeca entrou na área do clube, ainda faltavam cin-co minutos para a aula do seu filho terminar. Maria e Marcela estavam em um papo tão animado que nem a viram chegando.

– Bom dia, meninas!– Bom dia, Beca!Beijou as amigas e quis se inteirar do que estavam conver-

sando tão animadamente.– Me contem, qual assunto deixou vocês tão distraídas que

nem me viram chegar?– O de sempre: os desafios da criação dos filhos. Imagina

você que a Mônica começou a namorar não tem nem dois me-ses e só fala de sexo! – falou Maria.

– Você tem que conversar com ela e explicar os proble-mas que podem ser ocasionados ao ser irresponsável com sexo – Marcela alertou.

– Eu e o pai dela já conversamos muito com ela sobre isso desde os doze anos, quando começaram as dúvidas sobre o as-sunto. Mas uma coisa é a teoria, quando sabemos que está longe de acontecer, e outra é a pressão batendo a nossa porta.

– Com certeza, Maria. Mas agora é ter calma e cabeça fria – concluiu Marcela.

Mal terminaram de conversar e as crianças chegaram, rin-do e conversando sobre a aula. Maria rapidamente secou Miguel e se despediu das amigas. Ela tinha uma cliente para atender.

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Maria era a mais velha do grupo. Uma mulher bonita, com cabelos pretos cacheados, olhos castanho-claros,

esguia e com um corpo de dar inveja a muita garotinha. Tinha quarenta anos, e dois filhos: Miguel, de oito anos, e Mônica, de quinze.

Era moradora da Lagoa. Bairro nobre, mas com baixa den-sidade demográfica, pois a maior parte do bairro era ocupada por áreas verdes de preservação ambiental, parques e a lagoa Rodrigo de Freitas. Um bairro que não tinha um forte comércio, mas que era tranquilo e bom para se viver e criar filhos.

Morava em um espaçoso apartamento de frente para a la-goa. Apesar da aparente residência sofisticada, levava uma vida bem regrada. A pensão dos filhos mal dava para arcar com os custos altos das crianças. O ex-marido, já com outra família, só ajudava com a pensão determinada pela justiça.

Já fazia cinco anos que estava divorciada. Além dos filhos, sua mãe também morava com ela, ajudando bastante com as crianças. Ela voltou a trabalhar após o divórcio.

Maria

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Arquiteta de formação, voltou a atuar na área. Para aumen-tar as opções de trabalho, fez uma pós-graduação em Design de Ambientes, terminada há pouco tempo. Montou um escritório com uma amiga da faculdade havia menos de um ano e ainda estavam se consolidando no mercado. E essa falta de segurança a deixava tensa todo final de mês.

Antes, trabalhava em um escritório. Como tinha de cum-prir horários rígidos, estava ficando com pouco tempo para os filhos e resolveu se arriscar com a amiga.

Ela não abria mão de tentar dar a melhor educação para os filhos, mesmo que para isso acabasse se sacrificando um pouco.

Chegou em casa correndo, deixou Miguel com sua mãe e correu para o escritório. O trânsito não estava ajudando, mas com sorte chegaria a tempo no escritório, que ficava no Jardim Botânico mesmo.

Sua sócia, Sônia, já estava lá, atendendo um cliente. Foi só sentar e ligar o computador e o interfone tocou. Os clientes ha-viam chegado.

Um casal jovem – ela saindo de um casamento com dois fi-lhos e ele também recém-divorciado, com outras duas crianças. Maria ficou curiosa para saber detalhes sobre o relacionamento do casal. Os dois recém-divorciados? Será que eles tiveram um caso e isso resultou no fim do casamento de ambos? Outro fato que a deixou ainda mais curiosa foi a disposição de sair de um relacionamento e entrar em outro logo em seguida. Ela, já com cinco anos de divórcio, ainda não tivera coragem de assumir nada assim tão sério.

A entrada do casal na sala a trouxe de volta à realidade.– Bom dia, tudo bem? Querem uma água, um refrigerante

ou um suco? Esse calor está de matar.

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– Aceitamos, sim, um copo de água – respondeu Lia.Lia foi a primeira a falar:– Bem, Maria, temos quatro crianças, no total. Duas meni-

nas e dois meninos, de idades entre cinco e dez anos. O aparta-mento que compramos tem 230 metros quadrados e queremos transformá-lo em um lar aconchegante para todos; meus fi-lhos ficam sempre conosco e os filhos de Vítor ficarão lá a cada quinze dias.

Começaram a conversar sobre detalhes, número de quar-tos, decoração, e a conversa se estendeu até quase uma hora da tarde.

– Lia, então fica combinado que sábado, às nove horas, vou ao apartamento com você, para conhecer o local e ter uma real dimensão desses 230 metros quadrados. E, amanhã mesmo, já marcamos a data para vocês verem o projeto!

Despediram-se e, quando sentou, sentiu uma leve tontura. Lembrou-se, então, de que só havia tomado um café pela manhã.

– Há mais clientes por agora ou podemos almoçar? – per-guntou Sônia.

– Não, estou liberada. Vamos almoçar, estou faminta!Saíram para comer e começaram a conversar sobre os

clientes que Maria atendera pela manhã.

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Marcela ainda conversou rapidamente com Beca, mas se apressou em ir embora, pois tinha compromissos no es-

critório. Era sócia em um importante e renomado escritório de advocacia com o marido e outros nove advogados, sendo quatro também sócios. A equipe atuava em todas as áreas do direito, e Júlio, seu marido, além de atuar como advogado, também era o gestor do escritório.

Cadu já estava de roupão esperando a mãe acabar de con-versar. Além de Carlos, de oito anos, Marcela era mãe de Ricardo, de quatro.

Moradora do Leblon, ela tinha uma vida confortável. A babá podia pegar Cadu, mas ela fazia questão de poder passar mais um tempinho com o filho.

Muitas vezes chegava em casa tarde e os meninos já esta-vam dormindo. Então, combinou com o marido que, naquele ano, iria chegar ao escritório mais tarde e, às vezes, tentar sair mais cedo, mesmo que sua participação nos lucros diminuísse.

As mudanças não agradaram muito aos outros sócios, já que a área dela, direito familiar, era uma das mais lucrativas

Marcela

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do escritório. Para compensar, ela contratou uma auxiliar, que atuava em sua ausência. Com a crise sanada, todos pareciam se sentir mais confortáveis com a decisão de Marcela.

Chegou ao seu prédio e subiu com Cadu, conversando so-bre a aula.

– Mamãe, estou saltando melhor?– Melhorou, meu filho, mas ainda precisa esticar mais as

pernas.– Eu acho que melhorei.– Você não me perguntou? Estou respondendo o que achei.

Melhorou, mas pode melhorar mais ainda – disse, dando um beijo no garoto, que se rendeu ao elogio da mãe.

Ricardo estava assistindo à televisão. Marcela beijou o filho, conversou com a babá e a emprega-

da, pegou sua pasta e partiu para o escritório.Chamava atenção por onde passava. Mulata, de estatura

mediana, corpo típico de carioca. Cintura fina e quadris largos. Cabelos lisos graças à avó indígena. O sorriso era fácil e mar-cante, assim como sua alegria de viver. O marido, ciumento, se incomodava com essa simpatia constante de Marcela.

Muitos não entendiam como pessoas tão diferentes po-diam ser casadas e conviver tão bem, como aparentavam. Ele, mais velho, centrado e de poucas e duras palavras, tinha se en-cantado pela menina, dedicada e de boa família, em um con-gresso de direito. Logo deu um jeito de ser apresentado a ela e não se desgrudaram mais. Já estavam casados havia doze anos.

Marcela chegou ao escritório e foi direto para a sala do ma-rido, que estava no telefone e pediu a ela que aguardasse.

Beijou o rosto dele e pegou o jornal para ver as manchetes.– Bom dia, Marcela.

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– Bom dia, amor. Não o vi sair de casa hoje cedo.– Tinha um cliente que iria viajar hoje pela manhã e, como

havia algumas pendências, pediu-me que o atendesse às oito horas. Vim direto da academia para cá.

– Custava ter me falado? – Só não quis acordá-la, só isso – disse, abraçando e bei-

jando a esposa.– Está com ciúmes?– Só não gostei de você ter saído assim, sorrateiro de casa,

sem ter me falado nada.– Ok, desculpe, não vai acontecer mais. Da próxima vez,

acordo você às cinco e meia para avisar que estou saindo.Antes que Marcela pudesse falar algo, a secretaria bateu

à porta, avisando que o próximo cliente de Júlio já o estava aguardando.

Marcela saiu falando que a conversa não tinha terminado e Júlio riu da atitude infantil da esposa.

Ela andava desconfiada do marido. Não sabia o que era, mas que tinha alguma coisa errada, com certeza tinha. Ele es-tava agindo estranho nas últimas semanas e a deixando com uma pulga atrás da orelha. Ela se sentia sem graça de sondar a secretária dele e ficar parecendo uma esposa ciumenta que quer controlar toda a vida do marido, mas sabia que precisava fazer algo a respeito, nem que fosse para tirar essa impressão que es-tava sentindo.

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