Decisão TCU

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DECISÃO Vistos. NATANAEL JOSÉ DA SILVA interpõe recurso extraordinário (folhas 1.116 a 1.163) contra acórdão proferido pela Segunda Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, assim ementado: “Ação popular. Conselheiro do Tribunal de Contas. Indicação Nomeação. Requisitos constitucionais. Inobservância. Nulidade. São nulos os atos de indicação e nomeação para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas que não fornecerem a necessária motivação, consubstanciada pelo cumprimento dos requisitos constitucionais de idoneidade moral e reputação ilibada” (folha 921). Opostos embargos de declaração (folhas 963 a 976), foram rejeitados (folhas 999 a 1.005). Insurge-se, no apelo extremo, fundado na alínea “a” do permissivo constitucional, contra alegada contrariedade aos artigos 5º, incisos LIV, LV e LVI, da Constituição Federal, em razão de irregularidades cometidas durante o julgamento, que implicaram em cerceamento de seu direito de defesa e, também, por entender que o Poder Judiciária não poderia interferir em uma decisão política do Poder Legislativo local, concernente à indicação de integrante para o Tribunal de Contas do Estado. O recurso foi contra-arrazoado (folhas 1.195 a 1.201) e, inadmitido, na origem (folha 1.236/1.237), o que ensejou a interposição do presente agravo de instrumento. Decido. Anote-se, inicialmente, que o recurso extraordinário foi interposto contra acórdão publicado após 3/5/07, quando já era plenamente exigível a

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São nulos os atos de indicação e nomeação para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas que não fornecerem a necessária motivação, consubstanciada pelo cumprimento dos requisitos constitucionais de idoneidade moral e reputação ilibada”

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DECISÃO

Vistos. NATANAEL JOSÉ DA SILVA interpõe recurso

extraordinário (folhas 1.116 a 1.163) contra acórdão proferido pela Segunda Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, assim ementado:

“Ação popular. Conselheiro do Tribunal de Contas. Indicação Nomeação. Requisitos constitucionais. Inobservância. Nulidade.

São nulos os atos de indicação e nomeação para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas que não fornecerem a necessária motivação, consubstanciada pelo cumprimento dos requisitos constitucionais de idoneidade moral e reputação ilibada” (folha 921).

Opostos embargos de declaração (folhas 963 a 976), foram rejeitados (folhas 999 a 1.005).

Insurge-se, no apelo extremo, fundado na alínea “a” do permissivo constitucional, contra alegada contrariedade aos artigos 5º, incisos LIV, LV e LVI, da Constituição Federal, em razão de irregularidades cometidas durante o julgamento, que implicaram em cerceamento de seu direito de defesa e, também, por entender que o Poder Judiciária não poderia interferir em uma decisão política do Poder Legislativo local, concernente à indicação de integrante para o Tribunal de Contas do Estado.

O recurso foi contra-arrazoado (folhas 1.195 a 1.201) e, inadmitido, na origem (folha 1.236/1.237), o que ensejou a interposição do presente agravo de instrumento.

Decido.

Anote-se, inicialmente, que o recurso extraordinário foi interposto contra acórdão publicado após 3/5/07, quando já era plenamente exigível a demonstração da repercussão geral da matéria constitucional objeto do recurso, conforme decidido na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 664.567/RS, Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6/9/07.

Todavia, apesar da petição recursal haver trazido a preliminar sobre o tema, não é de se proceder ao exame de sua existência, uma vez que, nos termos do artigo 323 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, com a redação introduzida pela Emenda Regimental nº 21/07, primeira parte, o procedimento acerca da existência da

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repercussão geral somente ocorrerá “quando não for o caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão”.

Não merece prosperar a irresignação, uma vez que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a afronta aos princípios constitucionais da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da motivação dos atos decisórios, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependente de reexame prévio de normas infraconstitucionais, seria indireta ou reflexa. Nesse sentido, anote-se:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS CONDOMINIAIS. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Impossibilidade da análise da legislação infraconstitucional e do reexame de provas na via do recurso extraordinário. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que as alegações de afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame de normas infraconstitucionais, podem configurar apenas ofensa reflexa à Constituição da República” (AI nº 594.887/SP–AgR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 30/11/07).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALEGAÇÃO DE OFENSA AO POSTULADO DA MOTIVAÇÃO DOS ATOS DECISÓRIOS - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO - RECURSO IMPROVIDO. O Supremo Tribunal Federal deixou assentado que, em regra, as alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso extraordinário. Precedentes” (AI nº 360.265/RJ-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 20/9/02).

E, de fato, a aludida decisão tomou por fundamento normas da Constituição do Estado de Rondônia (artigo 87, inciso IV, alínea “a”); 130 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (artigo 130, inciso I); Decretos nºs

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1.502/03 e 10.502/03, do Estado de Rondônia e Lei nº 4.717/65 (artigo 7º, inciso V).

Ademais, colhe-se da fundamentação do acórdão recorrido:

“O ponto comum de todos os apelos é a suposta impossibilidade do Poder Judiciário em analisar os requisitos constitucionais para a nomeação ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas, dispostos no art. 48 da CE e art. 73, § 1º, da CF.

A análise dos requisitos para a indicação e nomeação ao cargo de Conselheiro pelo Judiciário ocasionaria ilegal ofensa ao princípio da separação dos poderes, conforme argumento do apelante Natanael José da Silva.

Os argumentos sucumbem diante da teoria de freios e contrapesos, que aliada à teoria da separação dos poderes, prevista no art. 2º da CF, prevê a independência dos poderes desde que os atos administrativos respectivos não impliquem ilegalidade, estando todos sujeitos ao controle de constitucionalidade.

Daí o texto constitucional afirmar que os poderes são independentes e harmônicos entre si.

A indicação e nomeação de Conselheiro do Tribunal de Contas é ato administrativo complexo, formado pela vontade de mais de um órgão administrativo (legislativo e executivo). Neste ponto, há concordância entre a doutrina e jurisprudência.

Considerando o sistema de freios e contrapesos e ser a indicação e escolha de Conselheiro ato complexo, é possível a análise dos elementos do ato administrativo pelo poder judiciário.

Neste sentido: ‘O controle jurisdicional do ato administrativo,

para não violar a separação dos poderes, distancia-se do critério político (mérito), cingindo-se à verificação das prescrições legais determinadas (competência e manifestação da vontade do agente, objeto, conteúdo, finalidade e forma). O critério político e as razões técnicas, desde que lícitos, são estranhos à prestação jurisdicional’ (STJ, ementário STJ n. 9/41, MS n. 3.071-0/DF, rel. Min. Milton Luiz Pereira, 1ª Seção, Unânime, p. 143).

Entendo que a indicação e a escolha para o cargo de Conselheiro é ato vinculado e não discricionário, pois exige o cumprimento de certos requisitos explicitados tanto na Constituição Federal quanto na Estadual.

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Filio-me à corrente jurisprudencial que permite ao judiciário analisar matéria de cunho interno das instituições sob os aspectos da legalidade e obediência aos princípios constitucionais. Neste sentido:

‘Não prospera a assertiva de que não cabe ao Poder Judiciário examinar matéria interna corporis da Câmara Municipal. Essa premissa não deve ser adotada de modo absoluto. Em verdade, não há vedação para que o Judiciário possa examinar se o ato, praticado sob o pálio de questão interna corporis, está ou não em sintonia com os comandos constitucionais, legais e regimentais. Entendimento harmônico com a doutrina e jurisprudência’ (STJ, 2ª Turma, REsp. 469475 / CE, Ministro Franciulli Netto, j. Em 13/5/2003).

A competência, o objeto ou conteúdo, a forma e a finalidade do ato de indicação e nomeação não se discutem. Cabe, contudo, a análise quanto ao motivo. Tratando-se de ato vinculado à lei, tem-se que a motivação também deve obedecê-la.

Assim, o candidato para o cargo de Conselheiro deve, necessariamente, preencher certos requisitos legais, quais sejam:

Art. 48 [...] (Constituição do Estado de Rondônia) I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e

cinco anos de idade; II - idoneidade moral e reputação ilibada; III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis,

econômicos e financeiros ou de administração pública; IV - mais de dez anos de exercício de função

pública ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no artigo anterior.

Art. 73 [...] (Constituição Federal de 1988). § 1º Os Ministros do Tribunal de Contas da União

serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:

I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;

II - idoneidade moral e reputação ilibada; III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis,

econômicos e financeiros ou de administração pública; IV - mais de dez anos de exercício de função ou de

efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.

Discute-se, neste feito, a falta do preenchimento dos requisitos II e III (idoneidade moral e reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública), dos arts. 48, § 1º, da CE e 73, §1º, incs. II e III, da CF,

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conforme exordial. A sentença de 1º grau reconheceu, contudo,

apenas a falta de idoneidade moral e reputação ilibada do recorrente Natanael Silva para ocupar o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas.

Em que pese a indeterminação dos conceitos de "idoneidade moral" e "reputação ilibada" e a necessária interpretação tenho que os poderes legislativo e executivo, ao indicarem e nomearem o apelante Natanael José da Silva deveriam descrever o preenchimento dos requisitos constitucionais.

Idoneidade moral e reputação ilibada podem, sim, ser auferidos de forma objetiva pela análise da vida funcional e pessoal do candidato a tão honroso e importante cargo público.

Para bem ilustrar o que vem a ser idoneidade moral e reputação ilibada, colaciono artigo de autoria de Carlos Wellignton Leite de Almeida, Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília, no Periódico Direito e Justiça, do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito e Justiça (CEP-DJ), descrito no parecer ministerial:

‘A primeira dificuldade consiste em bem definir o que venha a ser "idoneidade moral e reputação ilibada". Uma busca na doutrina jurídica revela que a prevalência da idéia de "nenhuma mancha na imagem" como não central do conceito. Maria Helena Diniz, em seu festejado Dicionário Jurídico (Ed. Saraiva, 1998), afirma: "Reputação.

1. Na linguagem jurídica em geral, tem o sentido de: a) fama; b) renome; c) opinião d) bom ou mau nome". E, prossegue a doutrinadora: "ILIBADO. Sem mancha ou culpa".Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, Conselheiro do Tribunal de contas do Distrito Federal, segue a mesma linha.

Para ele, idoneidade moral diz respeito à aptidão do indivíduo para situar-se no padrão de comportamento consagrado pelos costume da sociedade. Reputação ilibada, por sua vez, diz respeito à visão que tem a sociedade de ser o indivíduo em análise "sem mancha, puro" ou não (Requisitos para Ministro e Conselheiro de Tribunal de Contas, Revista de Informação Legislativa, n. 126, 1995).

Para o membro da Corte de Contas Distrital, não pode ser considerada ilibada a reputação de alguém envolvido em escândalos mal-resolvidos, sendo irrelevante tratar-se de assunto transitado em julgado ou não.

Ocorre que as funções que têm como requisito

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constitucional "idoneidade moral e reputação ilibada" são do mais alto nível de importância nacional. Um Ministro do Tribunal de Contas da União ou um Conselheiro de Tribunal de Contas estadual ou municipal tem a palavra final sobre a boa ou má gestão que o administrador público haja tido quanto aos recursos que lhe foram confiados.

Trata-se de julgamento no qual a reputação e a idoneidade do administrador são postas à prova e admitir que julgamento desse tipo possa ser proferido por quem tenha a própria reputação maculada constitui, no mínimo, falta de bom senso.

A busca de definições para o requisito da "idoneidade moral e reputação ilibada" não ocorre sem propósito. O que se pretende é, ao mesmo tempo em que se deve reconhecer o predominante caráter subjetivo do termo, estabelecer-lhe um mínimo de balizamento objetivo.

Um conjunto minimamente comprovável de situações que estabeleceriam limites dentro dos quais poder-se-ia navegar com segurança numa ou noutra direção, atendendo às peculiaridades de cada caso, sem, porém, comprometer o conceito como um todo.

Primeiramente, entendo que jamais poderia ser considerado de "idoneidade moral e reputação ilibada" alguém com condenação (judicial ou prolatada por tribunal de contas) transitada em julgado, se o objeto da condenação diz respeito ao uso de dinheiro público. No caso, trata-se de julgamento completo, já definido na esfera judiciária, que afasta a possibilidade de se fazer alçar indivíduo com tamanha mácula à condição de dignidade de Ministro ou Conselheiro.

Os casos mais difíceis, entretanto, são aqueles em que não há trânsito em julgado e, haja vista a morosidade alarmante da processualística brasileira, são esses os mais numerosos.

Não pode ser considerado dono de uma reputação ilibada aquele sobre o qual pairam fundadas suspeitas de comportamento avesso ao bem público. Em especial, não pode ser considerado dono de reputação ilibada aquele sobre o qual pesa um processo judicial, uma tomada de contas que vise a apurar a malversação de dinheiro público ou, até mesmo, um processo administrativo. Em especial se as denúncias e suspeitam estiverem estribadas em fortes indícios, fls. 810/812.

Para corroborar o entendimento supra, transcrevo artigo do Procurador da Fazenda Nacional Glênio Sabbad Guedes, que trata do conceito de reputação

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ilibada à luz da Resolução n. 3.041, de 28/11/02: [...] Motivou-nos a redação do presente artigo

manifestações, oriundas de setores variados, no sentido de que não se pode falar de reputação maculada ou impura ante processos, administrativos ou judiciais, não transitados em julgado, sob pena de violação do princípio da presunção de inocência, de matiz constitucional.

Não concordamos com as teses acima esposadas. Ou melhor, somos contra qualquer interpretação que, absolutizando o princípio supra-referido, afaste casos de autêntica reputação maculada, permitindo a indicação de nomes impróprios ao exercício de cargos estatutários em instituições financeiras, num mercado delicado como o financeiro lato sensu.

A questão, como já dito, não é nova, e atinge vários outros setores que vivenciam o mesmo problema. Citemos dois deles : a OAB, quando julga advogados que praticaram crimes, em processos ainda não transitados em julgado, ou o Senado, quando indica membros para o Tribunal de Contas da União.

No caso da OAB, cujo Estatuto Profissional - Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994 - define os direitos e deveres do advogado, o problema exsurge por ocasião da inscrição do advogado em seus quadros ¿ art. 8º do Estatuto -, ou quando é ele punido com as penas de suspensão ou exclusão, motivadas por conduta incompatível ou inidoneidade moral. Se verificada inidoneidade moral, pode ele não obter a inscrição, ou ser punido com exclusão dos quadros da OAB. Se verificada conduta incompatível, pode ser punido com suspensão (art.34, incs. XXV e XXVII, e art. 8º, inc. VI). Trata-se, per consequentiam, de dois conceitos indeterminados - inidoneidade moral e conduta incompatível -, que devem ser aferidos objetivamente, em conformidade com o caso em concreto. Equivale dizer, sua densificação semântica se dará na aferição do caso em concreto, razão por que, não se trata de ato discricionário da OAB, senão que de ato vinculado, devidamente motivado.

Pois bem. Em casos que tais, entende a OAB, em jurisprudência já pacífica, que : a) são inidôneos, moralmente, atitudes e comportamentos imputáveis ao interessado, que contaminarão necessariamente sua atividade profissional, em desprestígio da advocacia ; b) a condenação por crime importa necessariamente inidoneidade moral, que não seria afastada em virtude de boa conduta posterior ou pedido de revisão criminal, salvo reabilitação judicial ; c) configura

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inidoneidade moral a exoneração de cargo ou função, a bem do serviço público, mesmo que não tenha havido conclusão do processo criminal, ou tenha havido rejeição da denúncia na esfera criminal ( todos esses exemplos estão registrados no livro do jurista Paulo Luiz Neto Lobo, intitulado Comentários ao Estatuto da Advocacia, ed. Brasília Jurídica, p. 77 ).

Já a conduta incompatível, segundo o mesmo escoliasta da norma em exame, reflete-se em atos prejudiciais à reputação e à dignidade da advocacia, como, eg., a prática reiterada de jogos de azar, embriaguez ou toxicomania, emergindo, destas considerações, o elemento habitualidade, a repetição.

Portanto, neste primeiro caso, alusivo aos processos julgados pela OAB, em que se tem o enfrentamento de conceitos tipicamente indeterminados, dessume-se que, por aquela Autarquia - OAB -, não é indispensável, para fins de condenação, o trânsito em julgado de processos judiciais envolvendo advogados por ela julgados. Importante é, isto sim, o interesse público ; a verificação de atos contrários à dignidade ou à reputação da profissão, ou que denotem, de forma reiterada, uma incompatibilidade com a natureza da atividade. De mister, pois, a aferição do caso concreto, de modo a emitir-se um juízo vinculado, motivado.

Analisemos, agora, o caso referente ao Tribunal de Contas da União. Segundo o art.73, parágrafo primeiro, inc.II, da CF/88, é requisito para ser Ministro daquela Corte ¨possuir idoneidade moral e reputação ilibada¨. Note-se que, aqui, os termos estão justapostos, a reforçar, claramente, o comando constitucional, no sentido de proibir a indicação de pessoas de reputação maculada ou comportamento contrário ou violador da moralidade então vigorante no meio social.

Neste segundo exemplo, referente ao TCU, cabe-nos examinar a matéria sob dupla angulação, qual seja, jurisprudencial e doutrinária.

Pelo prisma jurisprudencial, já decidiu o STF, desde o julgamento do recurso extraordinário de Ação Popular - RE- 167.137-8-TO -, que os requisitos estatuídos nos dispositivos constitucionais retrocitados tornam o ato administrativo de nomeação vinculado aos parâmetros objetivados pela CF/88.

Tal intelecção vem ao encontro do afirmado acima, com relação à OAB, no que diz respeito a ser o ato vinculado, quando a lei impõe ao administrador a aferição, de forma objetiva, da ocorrência dos

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conceitos indeterminados há hipótese mandamental. Assim, de conformidade com o julgado ora em comento, não poderia o Senado, a seu nuto, escolher livremente qualquer pessoa para preencher a função de Ministro do TCU, sem aferir a adequação da situação do interessado com as condições objetivadas em lei.

Do ponto de vista doutrinário, de citar-se, aqui, artigo do Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, no ano de 1995, Dr.Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, intitulado Requisitos para Ministro e Conselheiro de Tribunal de Contas, publicado na Revista de Informação Legislativa no.126 abr/jun-04, que, analisando os conceitos indeterminados ora em xeque, afirma o seguinte : a) idoneidade moral e reputação ilibada têm o mesmo sentido de sua acepção vulgar. Idoneidade moral é a aptidão de situar-se no plano dos bons costumes consagrados pela sociedade. ; já reputação ilibada diz respeito ao conceito que a sociedade atribui ao sujeito de ser ¨sem mancha, puro, incorrupto¨ ; b) não se pode concluir que detém reputação ilibada quem esteve envolvido em notícias mal explicadas de riquezas ou transações escusas ; no plano moral, para que se deixe de preencher o requisito, não é necessária a existência de processo condenatório, mas simplesmente que, aos olhos do bonus pater familis, a conduta seja veementemente reprovável ; que o candidato não seja merecedor de crédito suficiente para desempenhar tão elevado cargo.

Ainda a propósito deste segundo exemplo por nós salientado, alusivo ao TCU, de citar-se recente decisão do Judiciário do Distrito Federal, Justiça Federal , em Ação Popular movida em face de vários Senadores da República ¿ Processo no.2003.34.00.029866-8-, contra a indicação, feita pelo Senado Federal, do nome do Senador Luiz Otávio Oliveira Campos, para o cargo de Ministro do TCU, por não ser ele detentor de reputação ilibada, entre outros motivos. Na decisão deferitória de medida liminar pleiteada, suspendendo o ato impugnado, entendeu S.Exa., entre outras coisas, que : a) o ato ora impugnado é vinculado, podendo o Judiciário verificar se os requisitos objetivos definidos em lei realmente se fizeram presentes ; b) cita a decisão do STF referida no artigo do Procurador do Ministério Público do Distrito Federal, Dr.Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, por nós acima invocado ; c) o conceito de "reputação ilibada" é indeterminado, cabendo ao aplicador da lei preencher-lhe o significado

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por meio do exame do caso em concreto ; d) pouco importa o desfecho, ou mesmo a existência, de ação penal. As instâncias cível e penal são independentes. Importam apenas os fatos, objetivos, que possam manchar a reputação do réu.

Ao fim, concede S.Exa. a liminar pleiteada, baseando-se nas ilações supramencionadas, e na análise do caso em concreto. [...] (Reputação Ilibada : Como deve interpretar o Banco Central do Brasil este conceito indeterminado à luz da Resolução n. 3.041 de 28 de novembro de 2002, por Glênio Sabbad Guedes, Procurador da Fazenda Nacional no CRSFN,http://www.bcb.gov.br/crsfn/doutrina/Reputa/C3/A7/C3/A30/20Ilibada.pdf).

Discorrido sobre o conceito "reputação ilibada", passemos, então, a falar sobre a vida de Natanael José da Silva, nascido em 27/10/56.

Os documentos apresentados dão conta de que o apelante foi gerente do Banco do Estado de Rondônia, na cidade de Guajará Mirim, em 1985.

O Relatório da Auditoria Interna feita na instituição financeira, lavrado em 9/12/85, denuncia graves irregularidades na agência de Guajará Mirim, cujo prejuízo chegou a mais de um bilhão de cruzeiros, fls. 272/292.

O Banco do Estado de Rondônia lavrou Nota de Esclarecimento, em que se extrai o seguinte conteúdo:

[...] o episódio ocorrido junto a Agência de Guajará Mirim, de onde foram desviados recursos do banco, durante a gestão do Sr. Natanael José da Silva, foi objetivo de Ação Penal, em curso na Comarca daquela cidade, além de providências de cunho administrativo e saneadoras adotadas pela Direção do Banco, com a demissão incontinenti de 21 (vinte e um) funcionários daquela dependência (fl. 293, anexo 1).

Natanael José da Silva, em virtude desses fatos, respondeu a três ações penais. Todas tiveram extinção da punibilidade decretada, pela prescrição de fl. 528.

Mas, Natanael acabou sendo demitido, por justa causa, do Banco do Estado de Rondônia, conforme relação de pessoal demitidos, lavrada em 4 de julho de 1996, fl.1159, anexo 5.

Deixo de dar validade à notícia de que a demissão foi sem justa causa, na forma noticiada pelo documento de fl. 167, já que a relação de fl.1.159 melhor se adequa ao tempo dos fatos.

Por si só, o incidente já traria sérias dúvidas sobre a reputação do apelante, mesmo considerando que não

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foi condenado criminalmente. O acontecido no Banco do Estado de Rondônia,

contudo, não é o único fato desabonador da vida de Natanael José da Silva.

O fato mais grave e que motivou seu afastamento das funções de Conselheiro do Tribunal de Contas pelo STJ, refere-se ao apurado na ação penal proposta pelo Ministério Público Estadual, inicialmente, proposto nesta Corte (Proc. 03.000279/6-Pleno) e remetido ao STJ, onde a denúncia foi recebida.

A ação penal, fls. 82/197, imputa o notório episódio da queima de documentos e computadores do Poder Legislativo, ordenados pelo recorrente, então Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, a fim de obstruir o cumprimento do mandado de busca e apreensão.

O comportamento de Natanael decorreu da descoberta de atitudes à Diretoria Financeira da Assembléia, notadamente, pela emissão de um cheque de mais de meio milhão de reais. O dinheiro foi entregue, num sábado, pela empresa Transeguro Transporte de Valores e Vigilânica S.A diretamente na empresa Dismar, de propriedade de Natanael.

A denúncia indica que outros 55 cheques, que totalizavam mais de duzentos mil reais, foram desviados para a conta da Dismar pelo apelante Natanael, o que foi constatado pela quebra do sigilo bancário da Assembléia Legislativa, da Dismar e de outros envolvidos, fls. 389/391.

Determinada a busca e apreensão, no dia 1º/6/01, o apelante Natanael rodeado de seguranças da Assembléia Legislativa e de policiais armados, passou a ofender e ameaçar os oficiais de justiça e servidores do Ministério Público que acompanhavam a diligência, inclusive instruiu os seguranças a atirar, em caso de insistência no cumprimento da ordem judicial, fls. 389/391.

Natanael trancou os servidores na sala do Departamento Financeiro, determinou o corte da energia elétrica e destruiu três computadores que já estavam apreendidos pelos oficiais de justiça, jogando-os por cima de paredes divisórias. Avançou numa servidora do Ministério Público, tomou-lhe uma caixa cheia de documentos apreendidos e ateou fogo, fls. 389/391.

Chamado o corpo de bombeiros, Natanael impediu-lhe a entrada, trancando a porta lateral da Assembléia. Salienta-se que a obstrução contou com o apoio do deputado José Carlos Oliveira e do Coronel

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Evanildo Abreu de Melo, fls. 389/391. A ação penal imputa ao apelante Natanael José da

Silva os crimes de peculato, em concurso de pessoas, desvio de valores públicos, em concurso material, coação no curso do processo e supressão de documentos públicos, fls. 389/391.

Os fatos que acabo de descrever fazem parte do relatório da Ministra Eliana Calmon, que determinou, como já dito, o afastamento do apelante Natanael do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas (Ação Penal n. 266/RO), fls. 389/391.

Em represália à ação ministerial, o então Presidente da Assembléia Legislativa fez aprovar a Emenda Constitucional n. 20, de 4/6/01 (três dias após o incidente) que suprimiu a autonomia financeira do Ministério Público, medida prontamente rechaçada por esta Corte, por meio do Mandado de Segurança n. 01.002064-0, relatado pelo Desembargador Sansão Saldanha.

Analisados estes fatos, torna-se difícil reconhecer a idoneidade moral e reputação ilibada de alguém que utiliza o cargo que ocupa para cometer ilegalidades, deflagrar atitudes violentas, e ainda utilizar as prerrogativas da função para impor medidas sabiamente vingativas contra instituições públicas.

Caso extirpada esta análise do Poder Judiciário e simplesmente calar-se diante da indicação e nomeação de referido cidadão para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas estar-se-ía concordando com o descalabro público, a imoralidade administrativa nua e crua, que tanto sofre os poderes deste país.

Tal comportamento cotidiano proíbe o ingresso no serviço público. Até para o ingresso nos singelos cargos de agente penitenciário e policial militar exige-se prévia investigação social e ausência de incidente criminal.

Para tão importante cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas, imbuído da função de julgar a legalidade da prestação de contas dos agentes públicos, merece a sociedade rondoniense pessoa de boa índole e reputação ilibada.

A vida de Natanael Silva não se resume, infelizmente, aos tristes episódios de sua demissão do Beron e a queima de documentos na Assembléia Legislativa.

Segue um breve relato das ações judiciais demandadas contra o apelante Natanael José da Silva (em trâmite e já arquivadas).

a) crime contra a ordem tributária (Feito n.

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200.000.1999.000282-9) remetido a 1º grau em 25/3/2003, fls. 99/104.

b) execução fiscal no valor de R$573.200,34 (Processo n. 001.1996.01255-6), em trâmite na 1ª Vara de Execuções Fiscais desta capital, em que é executado juntamente com outros sócios da Empresa Dismar, fl. 313.

c) execução de título executivo proposto pelo Banco Bandeirantes, no valor de R$76.968,31, em trâmite na 6ª Vara Cível desta Comarca (Processo n. 001.1999.001431-3).

d) responde a ação popular, em trâmite na 1ª Vara da Fazenda Pública desta capital, sobre suposto desvio do imposto de renda descontados dos servidores da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia (Feito n. 001.2005.012616-3);

e) está sob investigação no Inquérito Civil Público n. 2002.0060000596, instaurado pelo Ministério Público do Estado, que apura a notícia de como o então Presidente da Assembléia Legislativa haver desviado valores do Poder Legislativo em benefício de jornal eletrônico particular (Rondoniagora), fl. 160;

f) foi denunciado, em 17/8/1998, pelo Ministério Público Federal de Rondônia, acusado dos crimes de desacato e constrangimento ilegal contra funcionários públicos federais (Fiscais do Trabalho) que, a serviço, fiscalizavam sua empresa;

g) responde à Ação Penal n. 1998.41.00.002400-9 - 1ª Vara da Justiça Federal de Rondônia, por sonegação fiscal. Essa ação atualmente tramita no Tribunal Regional Federal - 1ª Região sob n. 199.01.00.087282-2, em razão de gozo, pelo denunciado, de foro especial;

h) responde à Ação Penal n. 2000.32.00.002821-0 - 1ª Vara da Justiça Federal do Amazonas. Essa ação atualmente tramita no Tribunal Regional Federal - 1ª Região sob n. 1999.01.00099436-8, em razão de gozo, pelo denunciado, de foro especial;

I) responde à Ação Civil Pública n. 03.000285-0 por ato de improbidade administrativa, acusado de enriquecimento ilícito por, enquanto Presidente do Poder Legislativo de nosso Estado, desviar valores de seus cofres;

j) responde a Inquérito Policial n. 011.96.000046-5 na 3ª Vara Criminal da Comarca de Manaus/AM, por lesão corporal;

l) está sob investigação no Procedimento n. 2002.41.00004507-1- 3ª Vara da Justiça Federal/RO, que apura possível crime de desacato contra Oficial de

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Justiça da Justiça do Trabalho.m) sua empresa Dismar Distr. de Bebidas São

Miguel Arcanjo Ltda., responde às ações fiscais perante a Vara de Execução Fiscal de Porto Velho, movidas pelo Estado de Rondônia para cobrança do débito total de R$11.121.704,66, em vias de ser requerida a despersonalização da pessoa jurídica para acionamento do sócio Natanael José da Silva. (Proc. 001.2000.003582-4;001.2000.012678-1; 001.1996.015.255-6; 001.1997.004713-5; 001.2000.003349-0; 001.2002.005072-0; 001.1994.008414-8);

n) responde na Justiça Federal dos Estados de Rondônia e Amazonas as seguintes execuções fiscais por débitos previdenciários, promovidas pelo INSS (Proc. 2002.41.00.004419-0 - 3ª Vara/RO; proc. 1999.41.00.000067-9 - 2ª Vara/RO; proc. 1998.41.00.002380-2 - 1ª Vara/RO; proc. 1998.42.00.002654-0 - 3ª Vara/RO; proc. 1997.32.00.001891-9 - 5ª Vara/AM;proc. 1998.32.00.001284-3 - 5ª Vara/AM);

o) responde na 1ª Vara da Justiça Federal de Rondônia ao Processo de Execução n. 2002.41.00.002512-4 promovida pela Caixa Econômica Federal;

Todas essas informações motivaram a rejeição da indicação de Natanael por parte do então Governador Ivo Cassol, fls. 318/326.

O apelante Natanael José da Silva também agrediu fisicamente um aluno da FARO (faculdade onde cursava Direito), no dia 23/4/03. O acadêmico estaria distribuindo matéria desabonadora sobre o recorrente e quase foi estrangulado, conforme laudo de fls. 693/694.

Diante de tal quadro, não se pode considerar o apelante Natanael José da Silva como pessoa portadora de idoneidade moral e reputação ilibada para o exercício do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas.

Assim, também entendeu a Ministra Eliana Calmon e os demais membros da Corte Especial do STJ, ao receberem a denúncia criminal contra o apelante.

É de se concluir, destarte, que tanto a Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia quanto a Vice-Governadora Odaísa Fernandes deixaram de observar os requisitos impostos pela Constituição Estadual e Federal para a indicação e nomeação ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas.

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Os atos dos recorrentes Assembléia Legislativa e Odaíza Fernandes, de indicação e nomeação do apelante Natanael, não se revestiram da necessária observância aos princípio da legalidade, moralidade e razoabilidade, previsto no art. 37, caput, da CF.

Ademais, a apelante Odaísa Fernandes não rebateu os argumentos que motivaram a rejeição da indicação pelo Governador Ivo Cassol.

Considerando a inobservância aos princípios legalidade, moralidade e razoabilidade pelos recorrentes, consubstanciado pela falta de motivação dos atos de indicação e nomeação para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas, cujos requisitos estão previstos no art. 73, § 1º, inc. II, da CF e art. 48, § 1º, inc. II, da CE, tenho que a sucumbência é devida e não merece qualquer reforma, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC” (fls. 933 a 944).

Com efeito, para divergir do acórdão atacado, mister uma reanálise das provas dos autos, o que não é cabível em recurso extraordinário. Incidência, no caso, da Súmula nº 279 desta Suprema Corte.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.Publique-se.Brasília, 28 de novembro de 2011.

Ministro DIAS TOFFOLIRelator