De Volta Ao Que Sempre Fomos

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 1/3 DE VOL T A AO QUE SEMPRE FOMOS   O Brasil volta a ser o que sempre foi, uma melancólica república das bananas, governada por uma elite burra, corrupta e arrogante. Por Luiz Ruffato Em novembro de 2009, Beirute foi a capital mundial do livro, título concedido anualmente pela Unesco. Em comemoração, foram convidados 15 escritores de oito países para debater as perspectivas da literatura. No dia da chegada, participamos de um  jantar oficial oferecido pela universidade Saint Joseph, a segunda mais importante do Líbano. À entrada, o reitor recebia a todos com uma simpática mas rápida saudação. Quando chegou minha vez, no entanto, ele, ao ouvir o nome Brasil, segurou caloroso minha mão e passou a perguntar sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com curiosidade e admiração. Um ano antes, Lula havia desafiado a crise provocada pelo estouro da bolha imobiliária norte-americana ao afirmar taxativamente que o que era tsunami nos Estados Unidos seria sentido no máximo como marolinha no Brasil. Assim, se em 2008 o Produto Interno Bruto cresceu 5%, no ano seguinte  reflexo do “tsunami” norte- americano  conheceria uma forte retração (0,2% negativo), dando um enorme salto em 2010 (7,6%), último ano do segundo mandato de Lula. Vivíamos então a euforia de ser a sétima maior economia do planeta  todos os olhos voltavam-se para nós. Por conta disso, Lula não encontrou grandes dificuldades para eleger como sucessora sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, nome estranho aos quadros históricos do partido  ela filiou-se em 2001 e na posse do primeiro mandato de Lula, janeiro de 2003, já era titular da pasta de Minas e Energia. No poder, Lula, assim como Dilma, mostraram-se bastante pragmáticos. Eleitos por uma aliança com partidos conservadores, alguns claramente identificados com clientelismo e corrupção, desenvolveram uma política econômica baseada na ampliação do número de consumidores, não pela distribuição de renda, mas pela transferência de renda, via assistência social. O modelo começou a

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O Brasil volta a ser o que sempre foi, uma melancólica república das bananas, governada por uma elite burra, corrupta e arrogante.

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    DE VOLTA AO QUE SEMPRE FOMOS O Brasil volta a ser o que sempre foi, uma melanclica repblica das bananas, governada por uma elite burra, corrupta e arrogante.

    Por Luiz Ruffato

    Em novembro de 2009, Beirute foi a capital mundial do livro, ttulo

    concedido anualmente pela Unesco. Em comemorao, foram

    convidados 15 escritores de oito pases para debater as

    perspectivas da literatura. No dia da chegada, participamos de um

    jantar oficial oferecido pela universidade Saint Joseph, a segunda

    mais importante do Lbano. entrada, o reitor recebia a todos com

    uma simptica mas rpida saudao. Quando chegou minha vez,

    no entanto, ele, ao ouvir o nome Brasil, segurou caloroso minha

    mo e passou a perguntar sobre o presidente Luiz Incio Lula da

    Silva, com curiosidade e admirao.

    Um ano antes, Lula havia desafiado a crise provocada pelo estouro

    da bolha imobiliria norte-americana ao afirmar taxativamente que o

    que era tsunami nos Estados Unidos seria sentido no mximo como

    marolinha no Brasil. Assim, se em 2008 o Produto Interno Bruto

    cresceu 5%, no ano seguinte reflexo do tsunami norte-

    americano conheceria uma forte retrao (0,2% negativo), dando

    um enorme salto em 2010 (7,6%), ltimo ano do segundo mandato

    de Lula. Vivamos ento a euforia de ser a stima maior economia

    do planeta todos os olhos voltavam-se para ns. Por conta disso,

    Lula no encontrou grandes dificuldades para eleger como

    sucessora sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, nome

    estranho aos quadros histricos do partido ela filiou-se em 2001

    e na posse do primeiro mandato de Lula, janeiro de 2003, j era

    titular da pasta de Minas e Energia.

    No poder, Lula, assim como Dilma, mostraram-se bastante

    pragmticos. Eleitos por uma aliana com partidos conservadores,

    alguns claramente identificados com clientelismo e corrupo,

    desenvolveram uma poltica econmica baseada na ampliao do

    nmero de consumidores, no pela distribuio de renda, mas pela

    transferncia de renda, via assistncia social. O modelo comeou a

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    desmoronar j ao longo do primeiro mandato de Dilma: o PIB

    cresceu 3,9% em 2011, 1,8% em 2012, 2,7% em 2013 e 0,1% em

    2014. E as perspectivas para este ano so pssimas: retrao de

    1,5% no PIB, taxa de desemprego de 8%, inflao de 9%.

    evidente que no se pode imputar unicamente a crise econmica

    ao governo - somos peas de um quebra - cabeas internacional.

    Mas, com certeza, grande parte da responsabilidade deve-se

    tomada de decises erradas, agravadas agora por uma crise

    institucional sem precedentes, que ameaa paralisar ainda mais o

    pas. Em curso, a Operao Lava-Jato j possibilitou a abertura de

    inquritos no Supremo Tribunal Federal (STF) contra 12 senadores,

    incluindo o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e 22

    deputados federais. O presidente da Cmara dos

    Deputados, Eduardo Cunha(PMDB-RJ), envolvido em denncias de

    corrupo, ameaa, como pattica retaliao, patrocinar a abertura

    de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

    Segundo na linha de sucesso, Cunha, que conta com apoio de boa

    parte do Congresso, pertence ao mesmo partido do vice-presidente

    Michel Temer, primeiro na linha de sucesso o PMDB vem se

    favorecendo da aliana com o PT, com cargos e influncia, desde

    2006.

    No se pode imputar unicamente a crise

    econmica ao governo. Mas parte da

    responsabilidade deve-se tomada de decises

    erradas, agravadas agora por uma crise

    institucional sem precedentes, que ameaa

    paralisar ainda mais o pas.

    Mesmo como bravata, a atitude de Cunha acirra o j tenso

    panorama poltico-econmico. Um processo de impeachment

    inviabiliza o pas pelo tempo em que se arrastar, que nunca breve.

    Esse, portanto, deveria ser um momento de reflexo e sobriedade.

    No entanto, parece que, acima dos interesses coletivos, plainam

    soberbas as convenincias particulares. O PMDB se beneficia em

    qualquer dos cenrios futuros: mantida no comando, Dilma,

    enfraquecida, dependeria ainda mais do partido, que parasita a

    mquina administrativa com voracidade; com Dilma impedida, o

    PMDB assume o governo em ambas as situaes, sai fortalecido

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    para lanar candidato prprio nas prximas eleies. O PSDB

    tambm ganha, pois se consolida como opo vivel para governar

    o pas, apesar de seu candidato natural, o senador Acio Neves, ter

    seu principal aliado, o senador e ex-governador de Minas Gerais,

    Antonio Anastasia, envolvido no processo da Operao Lava-Jato

    que corre no STF.

    Bons tempos aqueles em que despertvamos a ateno do mundo

    pela novidade que representvamos: primeira nao governada por

    um ex-operrio lder de uma agremiao de esquerda no

    comunista, que, rezando por uma cartilha heterodoxa, impelia o

    crescimento do pas num momento de estagnao da economia

    global. Hoje, envolvido em denncias de lobby em favor de

    empreiteiras no exterior, e cercado por dirigentes envolvidos em

    negociatas, Lula no passa de um triste simulacro de si mesmo e

    o Brasil volta a ser o que sempre foi, uma melanclica repblica das

    bananas, governada por uma elite burra, corrupta e arrogante.