De Ulm Ao Design Do Brasil

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Escola de Ulm - Hochschule für Gestaltung Ulm - HfG Aquela que ficou conhecida como a "Escola Superior da Forma", ou "Escola de Ulm", na Alemanha, é um centro de ensino e pesquisa em design e criação industrial, concebida em 1947 e fundada em 1952, por professores da já existente "Escola Popular Superior da Forma de Ulm" - Inge Aicher-Scholl (1917 - 1998) e Otl Aicher (1922 - 1991) - e por Max Bill (1908 - 1994), antigo aluno da Bauhaus. Trata-se de um empreendimento privado de caráter interdisciplinar, que reúne arquitetos, designers, cineastas, pintores, músicos, cientistas etc. A idéia da escola é formar profissionais a partir de sólida base artística e técnica para atuarem na concepção de uma ampla gama de objetos produzidos em escala industrial: os de uso cotidiano; aqueles de utilização científica; os relacionados à construção e ainda os produtos ligados aos suportes modernos de informação, às mídias e à publicidade. O modelo de Ulm retoma as relações entre arte e ofícios, arte e indústria, arte e vida cotidiana presentes nas experiências anteriores do Arts and Crafts, do art nouveau e do art deco, todos esses movimentos comprometidos com a superação das distâncias entre belas-artes e artes aplicadas. De modo mais direto, o centro de Ulm inspira-se na experiência da Bauhaus, sobretudo na fase da escola em Dessau, Alemanha (1925), quando a articulação entre arte e indústria se torna mais nítida. As relações de proximidade e distância com o projeto da Bauhaus marcam as diversas fases da Escola de Ulm, sendo responsáveis por discordâncias entre seus integrantes: entre aqueles mais afeitos às artes e ao design, sob a inspiração de Walter Gropius (1883 - 1969), e os que enfatizam a primazia da ciência e da técnica. As palavras de Aicher são emblemáticas: "Quando Walter Gropius nos propôs chamar "Bauhaus Ulm" a Escola Superior da Forma (Hochschule für Gestaltung), nós recusamos". O caráter internacional da instituição é flagrante. O corpo docente é recrutado em diversos países - França, Holanda, Inglaterra, Suíça, Áustria, países da América do Sul e do Norte - assim como é alta a porcentagem de estudantes estrangeiros: entre 40 e 50%. O corpo de conferencistas convidados é diversificado, o que realça a vocação cosmopolita do projeto e a sua dimensão experimental, com a abertura permanente a idéias e teorias novas. Passam pela escola, entre outros, Rodolfo Bonetto (1929 - 1991), Josef Albers (1888 - 1976), Frei Otto (1925), Karl Gerstner (1930), Etienne Grandjean, Ralf Dahrendorf (1929), Hans Magnus Enzensberger (1929), Walter Gropius (1883 - 1969) e Mies van der Rohe (1886 - 1969). O trabalho está organizado em cursos, seminários e atividades práticas realizadas em torno de um projeto, definido também em função das encomendas recebidas de diversas indústrias e organizações. Quatro grandes seções definem a estrutura do trabalho: design

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Escola de Ulm - Hochschule für Gestaltung Ulm - HfG

Aquela que ficou conhecida como a "Escola Superior da Forma", ou "Escola de Ulm", na Alemanha, é um centro de ensino e pesquisa em design e criação industrial, concebida em 1947 e fundada em 1952, por professores da já existente "Escola Popular Superior da Forma de Ulm" - Inge Aicher-Scholl (1917 - 1998) e Otl Aicher (1922 - 1991) - e por Max Bill (1908 - 1994), antigo aluno da Bauhaus. Trata-se de um empreendimento privado de caráter interdisciplinar, que reúne arquitetos, designers, cineastas, pintores, músicos, cientistas etc. A idéia da escola é formar profissionais a partir de sólida base artística e técnica para atuarem na concepção de uma ampla gama de objetos produzidos em escala industrial: os de uso cotidiano; aqueles de utilização científica; os relacionados à construção e ainda os produtos ligados aos suportes modernos de informação, às mídias e à publicidade. O modelo de Ulm retoma as relações entre arte e ofícios, arte e indústria, arte e vida cotidiana presentes nas experiências anteriores do Arts and Crafts, do art nouveau e do art deco, todos esses movimentos comprometidos com a superação das distâncias entre belas-artes e artes aplicadas. De modo mais direto, o centro de Ulm inspira-se na experiência da Bauhaus, sobretudo na fase da escola em Dessau, Alemanha (1925), quando a articulação entre arte e indústria se torna mais nítida. As relações de proximidade e distância com o projeto da Bauhaus marcam as diversas fases da Escola de Ulm, sendo responsáveis por discordâncias entre seus integrantes: entre aqueles mais afeitos às artes e ao design, sob a inspiração de Walter Gropius (1883 - 1969), e os que enfatizam a primazia da ciência e da técnica. As palavras de Aicher são emblemáticas: "Quando Walter Gropius nos propôs chamar "Bauhaus Ulm" a Escola Superior da Forma (Hochschule für Gestaltung), nós recusamos".

O caráter internacional da instituição é flagrante. O corpo docente é recrutado em diversos países - França, Holanda, Inglaterra, Suíça, Áustria, países da América do Sul e do Norte - assim como é alta a porcentagem de estudantes estrangeiros: entre 40 e 50%. O corpo de conferencistas convidados é diversificado, o que realça a vocação cosmopolita do projeto e a sua dimensão experimental, com a abertura permanente a idéias e teorias novas. Passam pela escola, entre outros, Rodolfo Bonetto (1929 - 1991), Josef Albers (1888 - 1976), Frei Otto (1925), Karl Gerstner (1930), Etienne Grandjean, Ralf Dahrendorf (1929), Hans Magnus Enzensberger (1929), Walter Gropius (1883 - 1969) e Mies van der Rohe (1886 - 1969). O trabalho está organizado em cursos, seminários e atividades práticas realizadas em torno de um projeto, definido também em função das encomendas recebidas de diversas indústrias e organizações. Quatro grandes seções definem a estrutura do trabalho: design de produtos, comunicação visual, construção e informação. Os cursos, especificamente, dividem-se entre os comuns a todas as seções e os específicos, e duram quatro anos: um de ensino fundamental e três especializados, em função da seção escolhida. A escola possui ainda um setor de criação cinematográfica. A filosofia mais geral que ampara a concepção pedagógica da escola é a do desenvolvimento do espírito crítico, amparado na convicção de seus fundadores - todos eles antifascistas, é bom lembrar - nas possibilidades de criação de um homem novo e de um novo estilo de vida. A independência econômica do centro em seus primeiros anos - sustentado pela Fundação Holl, criada quando da execução dos irmãos Hans e Sophia pelos nazistas - garante sua independência em relação à burocracia cultural de cunho conservador, convertendo-se em elemento fundamental a sustentar a liberdade de experimentação e de crítica.

Os estudiosos tendem a dividir a história da escola em algumas grandes fases. A primeira delas corresponde aos seus anos de criação (de 1947 a 1953) e ao grupo fundador, que imagina de início uma "Escola Superior Social e Política" que contribuísse para uma nova educação democrática. A idéia de Max Bill de uma Escola Superior de Projeto, definida em função do trabalho prático e coletivo em pequenos grupos, acaba se impondo e uma dotação do governo norte-americano, obtida por Inge Aicher-Scholl, viabiliza o começo das atividades da Escola de Ulm. Os anos de 1953 a 1956 coincidem com o período em que Max Bill dirige a escola,

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imprimindo a ela amplo ideal universalista, definido na máxima: "Da colher à cidade (...) colaborar para a construção de uma nova civilização". Nesse período também é concluído o prédio da escola, a partir de desenho do próprio Max Bill. A atuação intensa de ex-alunos da Bauhaus nessa fase - além do próprio Bill, Josef Albers, Johannes Itten (1888 - 1967) e Helene Nonné-Schmidt - define um projeto estético, social e político afinado com o modelo de Gropius.

No fim de 1956, Max Bill deixa a escola em função de discordâncias com o grupo formado pelo pintor argentino Tomás Maldonado (1922), pelo arquiteto holandês Hans Gugelot (1920 - 1965) e pelo antigo membro do De Stijl, Friedrich Vordemberge-Gildewart (1897 - 1981) - ao qual se liga Aicher-, que insiste no rompimento com a tradição artesanal da Bauhaus. Trata-se, segundo eles, de imprimir uma nova orientação à escola, mais voltada para a ciência, para a tecnologia moderna e para a produção em série, em que a arte e o design não sejam o centro. Nessa fase, as novas concepções das relações entre design, ciência e tecnologia desenham um "modelo ulmiano", que inclui uma definição renovada do designer: não mais um artista com proeminência sobre os demais (como queria Max Bill), mas sim um membro entre outros no interior de um grupo de cientistas, pesquisadores, comerciantes e técnicos. Nessa fase, sob a direção de Maldonado, o ensino fundamental integra teoria da percepção e semiótica. A seção de arquitetura, sob influência de Konrad Wachsmann (1901 - 1980) e Herbert Ohl (1926), por sua vez, converte-se em seção de "construção industrializada".

Os anos de 1958 a 1962 expressam a primazia da ciência sobre o design, com as fortes presenças do matemático e teórico da planificação Horst Rittel (1930 - 1990), do especialista em sociologia industrial Hanno Kesting e do engenheiro mecânico e professor inglês Leonard Bruce Archer (1922 - 2005). Nas palavras do crítico Herbert Lindinger (1933): "O positivismo científico se propaga em Ulm a partir de 1958". As resistências a esse formato excessivamente científico e planejador culminam no período seguinte, de 1962 a 1967, em que Aicher e Maldonado assumem a direção da escola na tentativa de imprimir novo equilíbrio entre teoria e prática, entre ciência e design. Nessa fase também a formação teórica é enfatizada com a presença de filósofos da comunicação como Abraham Moles (1920 - 1992), e definidos também métodos mais claros de análise de design. O período coincide ainda com o agravamento dos problemas financeiros, já anunciados antes. Os anos finais da escola (1967 - 1968) se caracterizam pela penúria econômica e pela redução do número de cursos. O parlamento de Stuttgart, que se torna a principal fonte de financiamento da instituição, exige soluções práticas. Além disso, o movimento de 1968 no mundo inteiro reverbera em críticas ao modelo da escola, fechada oficialmente em 5 de dezembro de 1968.

A Escola de Ulm é responsável pela experiência mais significativa do movimento do design no período posterior à Segunda Guerra Mundial (1939 - 1940). Apesar de suas dimensões reduzidas - durante toda a sua a vida não abriga mais do que 640 estudantes, dos quais apenas 215 saíram diplomados -, logrou criar uma metodologia nova no campo da criação, cujas marcas se fazem presentes até hoje. O design moderno na tradição do funcionalismo estabelecido pela Escola de Ulm pode ser visto nos produtos concebidos pela empresa Braun; no metrô de Hamburgo; no mobiliário M 125; no primeiro sistema Hi-Fi para a Braun; no carrossel para slides da Kodak; no logotipo da Lufhtansa; em cartazes de cinema e shows (no de Stan Getz em Paris, nos anos de 1959 e 1960, por exemplo) etc. Marcas da escola se fazem presentes no mundo todo: Índia, Japão e América Latina. No Brasil, especificamente, ecos da experiência da Bauhaus e de Ulm podem ser percebidos seja no projeto do Instituto de Arte Contemporânea - IAC do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Masp, em 1951, seja na experiência da Escola Superior de Desenho Industrial - ESDI, Rio de Janeiro, 1963. Lembremos ainda que Geraldo de

Barros (1923 - 1998), Almir Mavignier (1925) e Alexandre Wollner (1928) passam, como alunos, pela Escola Superior da Forma Ulm e que foi grande a influência de Max Bill sobre as vertentes mais construtivas da arte brasileira na década de 1950.

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Design no Brasil

O design brasileiro, como prática empírica, nasceu junto com a cultura nacional. Sinais de atividades

ligadas ao design já aparecem nitidamente no século XIX, embora sem uma estrutura de ensino regular e mesmo

sem seu reconhecimento como atividade distinta daarquitetura, da arte e da indústria de objetos utilitários [1].

A área só começou a ser tratada como especialidade artística diferenciada a partir da criação do primeiro

escritório de design no país, oFormInform, por Alexandre Wollner, Geraldo de Barros, Rubem Martins e Walter

Macedo, após a volta de Wollner da Europa em 1958. Sua atividade levaria depois à fundação da primeira escola

superior de design, a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) no Rio de Janeiro, em 1963, sendo o marco

inicial da profissionalização do design no Brasil .

A primeira entidade de classe apareceu em 1987 no Rio Grande do Sul, a Associação dos Profissionais

em Design do Rio Grande do Sul(APDesign). Ela seria seguida pela Associação dos Designers Gráficos (ADG,

1989), a Associação dos Designers de Produto (ADP) e aAssociação Brasileira de Empresas de

Design (ABEDesign), ambas de 2003.

Apesar do grande crescimento e sofisticação do setor nos últimos anos, com o reconhecimento de sua

capacidade de agregar valor nos mercados e oferecer melhor qualidade de vida, com a proliferação de escolas

especializadas e de profissionais capazes, incorporando recursos high-tech e várias atribuições historicamente

sob o cuidado das belas artes, o design brasileiro só recentemente tem assimilado a rica contribuição

do artesanato popular, ainda não foi objeto de estudos suficientes, não delineou sua história com profundidade,

não desenvolveu meios eficientes para avaliar seu impacto econômico nem mereceu a atenção do poder público,

não tendo condições de concorrer pelas verbas do governo para o desenvolvimento de pesquisa . Em termos

culturais o Brasil conta hoje com um museu dedicado à preservação da memória do design brasileiro, o Museu da

Casa Brasileira, que mantém o mais importante prêmio do setor em âmbito nacional, o Prêmio Design do Museu

da Casa Brasileira.