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De Uberlândia a Ouro Preto: Uma viagem pelo conhecimento.
Maria Rosalina Souza Pereira Miguel Mestranda em História
Especialista em Educação Graduada em Artes Plásticas
Professora de Arte
Comunicação Relato de Experiência
Este projeto de ensino-aprendizagem em artes visuais foi desenvolvido com os alunos da 4ª
série do Ensino Fundamental do Colégio Pitágoras de Uberlândia num percurso onde se discutiu
questões sobre arte, história, culturas e memórias nas aulas de arte e de história, dando-lhe uma
característica transdisciplinar. Segundo Hernández, “projeto não é uma metodologia didática, mas
uma forma de entender o sentido da escolaridade baseado no ensino para a compreensão...”.1
Compreensão é ser capaz de ir além da informação dada, é buscar informações, ser capaz de for-
mular hipóteses.
A viagem pelo conhecimento é um trajeto teórico-metodológico que perpassa pela reflexão
sobre a cidade de Uberlândia, desvendando e desvelando a história sobre a sua formação, os cos-
tumes de seus habitantes, as diferentes manifestações artístico-culturais, as memórias, as tensões
que envolvem a cidade e as pessoas que nela moram, chegando à cidade de Ouro Preto com suas
construções barrocas, seus artistas e sua arte. Durante este trajeto, foram estudadas as diferentes
representações sobre a cidade, as formas de representá-la e o conceito de documento, patrimônio,
preservação, tombamento e restauração.2
O primeiro passo para a viagem pelo conhecimento foi a visita monitorada pelo Arquivo
Municipal e o Museu Municipal de Uberlândia. Os olhos dos alunos encontraram, nos documen-
tos escritos, materiais e imagéticos, fontes de pesquisa para conhecer e pensar as histórias, as
memórias e as culturas da cidade composta de vida, de corpos, de gente. Sobre os documentos,
eles puderam averiguar que existem várias formas de se falar sobre um mesmo fato. A história
sobre formação de Uberlândia tem uma versão escrita, arquivada, registrada, oficial e, outras, que
1 HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Trad. Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artmed. 2000, p. 185. 2 Esses conceitos foram pesquisados pelos alunos e reelaborados de acordo com seu entendimento.
são contadas e transmitidas oralmente através de gerações pois, um documento é real mas, não é
o real, ele é uma construção histórica e discursiva.3
Os alunos estudaram o passado através dos documentos orais, escritos e imagéticos, obser-
varam, refletiram, agiram e influíram “sobre o mundo em torno e dentro de si”.4 As fontes orais
também estão ligadas às tradições da narrativa popular, aos sentimentos e imaginação que estão
arraigados no povo. Esse registro da “verdade” é coincidente com a imaginação compartilhada,
com a experiência pessoal ou de grupo e com a memória histórica.
“A verdadeira viagem do descobrimento não consiste em buscar novas paisagens mas no-
vos olhares”.5 São esses novos olhares que se voltaram para a cidade de Uberlândia em busca de
lugares adormecidos. Ao contrário dos olhares pacíficos e contemplativos, esses são questionado-
res, curiosos, que buscam descobrir novos sentidos, ou dar sentidos novos a lugares já conheci-
dos.
Olhar para alguns pontos da cidade foi o próximo passo para a viagem pelo conhecimento.
Os alunos olharam as praças, as ruas, as casas, as construções antigas e novas e elaboraram seu
conhecimento em arte, aguçando sua percepção e capacitando-se para ler o mundo com olhares
“revigorantes e revigorados”.6 Quantas cidades cabem dentro de uma cidade? A resposta está em
quantas formas de olhar, de sentir, de representar e de expressar existem.
O olhar explorador dos alunos percorreu e se deteve sobre algumas construções que com-
põem a arquitetura e a história de Uberlândia como: o Palácio dos Leões (Figura 1)7, o Coreto
(Figura 2)8, a Oficina Cultural (Figura 3)9 e a Igreja Nossa Senhora do Rosário (Figura 4)10.
3 ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Mennochio e Rivière: criminosos da palavra, poetas do silêncio. Resgate. Campinas, S.P.. v. 2, n 2, 1991, p.49. 4 GAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 176. 5 Citação tirada do livro de BUORO, Anamélia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da arte. São Paulo: Educ/ Fapesp/ Cortez, 2002. 6 Ibid., p.27. 7 Palácio dos leões – Museu Municipal (1916): foi o primeiro prédio de dois pavimentos edificado na cidade e foi destinado a sediar os poderes legislativo e executivo, abrigou também, a Coletoria Estadual, o Centro Agropecuário e a Biblioteca Pública Municipal. 8 Coreto: compõe o conjunto urbanístico da praça Clarimundo Carneiro, junto ao Palácio dos Leões, hoje Museu Municipal no qual foi tombado como patrimônio municipal em 1985. 9 Oficina Cultural: compõe um conjunto de construções no início do século XX ligado à história de Uberlândia, mais especificamente à história da energia elétrica na cidade. 10 Igreja Nossa Senhora do Rosário: construída entre os anos de 1928 e 1931 e inaugurada em maio de 1931, a igreja pertence à terceira construção destinada ao Rosário de Maria Santíssima nessa cidade. É a construção religiosa mais antiga da cidade sendo a sede da Irmandade Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens de Cor de Uber-lândia.
Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4
Nas as aulas de arte, os alunos receberam cartões postais com imagem e informação sobre
as construções visitadas e os transformaram em objetos artísticos como:
• desenho com lápis de cor sobre papel preto – oferecer um suporte de cor escura fez
com que os alunos repensassem a sua concepção de desenho e de cores, a cor branca
encontrou seu lugar nos contornos e nos preenchimento dos espaços;
• modelagem com argila – novas experimentações, novas texturas, uma outra concep-
ção de desenho, de espaço, o que era bidimensional se transformou em tridimensional
Depois desse trabalho sobre as construções, os alunos pesquisaram e trouxeram para a aula
de arte fotografias antigas da cidade de Uberlândia. Assim, tornou-se possível observar como era a
cidade antes, pensando sobre os costumes e hábitos de seus moradores, analisar as transformações
arquitetônicas que ocorreram e as comparar com fotografias tiradas mais recentemente. A proposta
seguinte foi construir maquetes mostrando o contraste entre o ontem e o hoje; as transformações
que ocorreram, através do tempo, nas praças, construções, ruas e avenidas da cidade.
Avenida João Pinheiro Praça da Igreja N. Sra. do Rosário
Antiga Rodoviária - Biblioteca Municipal Praça Tubal Vilela (hoje)
Praça Tubal Vilela
Deixando Uberlândia para trás e seguindo viagem, os olhos se voltaram para outras cidades,
outras paisagens, outros modos de ver e representar cidades. A gravura entrou em cena nas ima-
gens de Lívio Abramo – Rio (1951), e de Goeldi – Noturno (1950), com seus opostos e comple-
mentos, suas linhas e planos, sobreposições e superposições, luz e sombra, claro e escuro.
O olhar dos alunos percorreu essas imagens buscando novas maneiras de leituras, novos
significados e se deixando estimular para a construção de novos objetos.
(...) toda nova produção oriunda de uma imagem referente é construção de um novo texto, no qual o sujeito produtor elabora uma interpretação, podendo até mesmo partir para criação.11
Consideramos texto tudo aquilo que seja fonte de expressão, de informação, “um todo de
sentido”,12 que nos ajuda a construir o nosso pensar, podendo ser escrito, imagético. Ler um texto
visual é buscar atribuir-lhe significados através da observação, da comparação, das relações que a
entremeiam, formando um todo de sentido que se comunica. A leitura visual é um processo que o
leitor vai construindo, objetiva e subjetivamente, a partir de sua análise e interpretação dependen-
do de seu repertório em arte.
A partir da leitura das imagens dos artistas, os alunos desenharam sobre um suporte de iso-
por as suas próprias cidades, deixaram suas marcas através da pressão do lápis, passaram tinta
guache e, fizeram surgir cidades-gravuras tiradas dessas matrizes. As linhas são pensamentos que
fluem dos alunos, de suas mãos, ficaram gravadas no suporte sendo, em seguida, encobertas com
tinta e pressionadas sobre o papel. São impressões de cidades.
As paisagens imaginantes13 apareceram juntamente com Guignard. São montanhas, nuvens,
caminhos, espaços infinitos, igrejas barrocas e pequenas cenas que se instalam pela imagem sur-
11BUORO. Anamélia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da arte. São Paulo: Educ/ Fapesp/ Cortez, 2002, p. 23. 12 FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 1997, p. 31. (Repensando a Língua Portuguesa) 13 Ver: SANTA ROSA, Nereide S. Alberto da Veiga Guignard. São Paulo: Moderna, 2000. Coleção Mestre das Artes no Brasil.
gidas da imaginação do artista. “Elas são paisagens vistas pelo olhar lírico do artista”.14 As expe-
rimentações dos alunos aconteceram em forma de colagem e de aguada com anilina.
E o ponto de chegada está logo à frente, Ouro Preto.
Ouro Preto se desponta cheia de histórias. Histórias sobre o ouro, sobre as idéias de inde-
pendência, sobre o povoamento do interior do Brasil, sobre os bandeirantes. Histórias que falam
sobre esta cidade, sobre Minas Gerais, sobre o Brasil e sobre a humanidade. As cidades próximas
também fizeram parte deste estudo – Mariana, Tiradentes, São João Del Rei e Congonhas. A pai-
sagem abriu-se para as construções arquitetônicas, considerando a riqueza em seu interior con-
trastando com a simplicidade das fachadas externas, e para as manifestações artísticas do século
XVIII. O olhar se volta para as fachadas, para as volutas dos portais, para as igrejas. A partir des-
se estudo, os alunos trabalham croquis sobre as construções e assim nasceram as esculturas enta-
lhadas em sabão em pedra, fazendo metáfora com as esculturas feitas com pedra sabão.15
Eles estudaram, também, Aleijadinho e suas obras. Os olhos exploradores perceberam, na
face e nos gestos das personagens do artista, expressões dramáticas, lembrando uma apresentação
teatral. Os olhos se encheram de imagens e de idéias. Em grupo, as esculturas se transformaram
em desenhos e pinturas buscando representar as expressões e os gestos delas.
14 Ibid., p. 30. 15 ver: ASSIS, Célia de (coordenação geral e edição). O Brasil na visão do artista: o país e sua cultura. São Paulo: Prêmio Editorial. 2003, p. 18-39. MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras. 2001, p. 221-245. BRAGA, Ângela e REGO, Lígia. Antônio Francisco Lisboa: O Aleijadi-nho. São Paulo: Moderna, 1999. (Coleção Mestre das Artes no Brasil).
Aconteceu, também, a excursão para a cidade de Ouro Preto e outras cidades históricas, on-
de os alunos puderam experienciar de perto os conhecimentos anteriores realizados em sala de
aula. O olhar foi capturado pela curiosidade, pelo estranhamento e pelo reconhecimento. Abaixo,
representações do que eles viram e que ficou na memória:
casarios igrejas
chafarizes maria-fumaça
Esse projeto é uma viagem pelo conhecimento produzido por olhares sensíveis, compromis-
sados e atentos, dos alunos que procuraram, nas imagens, significações e compreensão do mundo
que os rodeia e do mundo que é rodeado. Uma viagem porque possui um ponto de partida, diver-
sos caminhos e múltiplos destinos.
Ao vislumbrar a cidade de Uberlândia, abre-se um leque de possibilidades. O olhar retorna
para o espaço. O espaço da cidade dentro do espaço da tela. Tela que, a princípio, era branca,
limpa, imaculada, foi marcada por manchas de tintas coloridas, essas marcas vão se transforman-
do em formas, enunciados, e definindo direções. São detalhes de cidades, ora aparecendo pesso-
as, ora somente parte de construções.
Numa superfície pintada entrego o espaço ao sentido da visão: converto-o numa cor li-mitada por um desenho. Quando me sirvo da pintura, tenho on sentimento da quantida-de – superfície de cor que me é necessária e cujo contorno modifico para definir meu sentimento de maneira precisa.16
As cidades não são somente construções e ruas. Elas possuem vida, vida humana e humani-
zada. As pessoas transitam pelas ruas, as preenchem com memórias, representações, manifesta-
ções artísticas e culturais. A partir desse momento, apontarei caminhos que poderemos trilhar
buscando outras formas de expressões que ajudarão na construção do conhecimento, como: a
instalação e o graffite. Essas são continuidades de uma mesma viagem. São formas de olhar e de
se deixar olhar. Uma viagem contínua criada pelas descontinuidades, pelo conhecimento, pelas
descobertas e pela sensibilidade.
Esses olhares percorreram vários pontos numa trajetória que é marcada pela presença da
poética do aluno, pela construção de novos textos visuais, novos saberes, tanto ao que se refere às
linguagens artísticas e técnicas, quanto ao conhecimento histórico.
Referência Bibliográfica
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Mennochio e Rivière: criminosos da palavra, poe-tas do silêncio. Resgate. Campinas, S.P.. v. 2, n 2, 1991.
ASSIS, Célia de (coordenação geral e edição). O Brasil na visão do artista: o país e sua cultura. São Paulo: Prêmio Editorial. 2003.
BRAGA, Ângela e REGO, Lígia. Antônio Francisco Lisboa: O Aleijadinho. São Paulo: Moder-na, 1999. (Coleção Mestre das Artes no Brasil).
BUORO, Anamélia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da arte. São Pau-lo: Educ/ Fapesp/ Cortez, 2002.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 1997. (Repensando a Língua Portuguesa).
GAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Trad. Denise Bott-mann. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho.trad. Jus-sara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artmed. 2000.
16 MATISSE, Henri. Escritos e reflexões sobre arte. trad. Maria Tereza Tendeiro. Povoa de Varzim, Ulisseia, s/d.
MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras. 2001.
MATISSE, Henri. Escritos e reflexões sobre arte. trad. Maria Tereza Tendeiro. Povoa de Var-zim, Ulisseia, s/d.
SANTA ROSA, Nereide S. Alberto da Veiga Guignard. São Paulo: Moderna, 2000. Coleção Mestre das Artes no Brasil.