De quilombo a quilombola - Um olhar sobre a comunidade Remanescente de Quilombo de Pitombeira -...

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Trabalho Publicado no II SEMILUSO: Seminário luso-brasileiro sobre agricultura familiar e desertificação - Agricultura familiar: emprego e renda em regiões com risco de desertificação. Que ocorreu em 2008 João Pessoa/[email protected]

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DE QUILOMBO A QUILOMBOLA: “UM” OLHAR SOBRE A COMUNIDADE

REMANESCENTE DE QUILOMBO DE PITOMBEIRA, VÁRZEA-PB

Hugo Leonardo dos Santos Macena

Aluno de Graduação em Geografia – UFPB

[email protected]

Resumo: O período escravocrata brasileiro deixou profundas marcas na história do país, bem como os

reflexos que se apresenta na sociedade. Os excluídos de toda e qualquer oportunidade, como no

passado, ainda estão presentes até hoje, sejam reunidos no campo ou na cidade. Com um discurso de

reparo e justiça social, diversas organizações sociais vêm desenvolvendo propostas e pressionando o

poder público para implementações de políticas públicas voltadas para as minorias étnicas. Sob a

égide de implementar uma política de promoção da igualdade racial, o governo brasileiro, no ano de

2005, desenvolveu o Programa Brasil Quilombola, que se apresenta como um conjunto de ações e

diretrizes destinadas ás comunidades remanescente de quilombos. A comunidade negra de Pitombeira,

localizada no município de Várzea/PB é um exemplo dentro das centenas de comunidades negras que

habitam os interiores do Brasil e algumas áreas urbanas que resistiram ao tempo, as adversidades, bem

como as tentativas de expropriações de seu espaço vital. Hoje, essas comunidades, vêem que a

necessidade de afirmação de uma identidade, pode ser a garantia da sobrevivência da comunidade.

Dessa forma, neste trabalho, buscamos compreender a realidade da referida comunidade como um

ambiente de segregação espacial e racial e de resistência territorial, entendendo-a, sobretudo inserida

em uma conjuntura maior: a realidade das comunidades afro-descendentes do Brasil. Para

fundamentação teórica desse trabalho nos apoiamos em autores da geografia e antropologia que

discutem território e etnicidade a exemplo de CARRIL (2006), HAESBAERT (2005) e RODRIGUES

(2007). Apoiou-se, dessa maneira, em uma literatura sistemática da bibliografia existente sobre a

temática quilombola, com um rearranjo das informações disponíveis nos meios de comunicações e

também, por meio de dados colhidos em atividade de campo. Podemos constatar que o quadro atual da

implementação das políticas públicas para o segmento é muito promissor, apesar de todas as

dificuldades que o governo e os movimentos sociais vêm enfrentando.

Palavras-Chaves: Quilombola; território; segregação

Abstract: The Brazilian proslavery period left deep marks in the history of the country, as well as the

reflexes which appear on the society. The of all and the any chance excluded, as in the past they are

still present till this day, united on the land or in the city. With a speech of repair and social justice,

various social organizations are about to develop suggestions and pressuring the public power for

implementations of public politics directed toward the ethnic minorities. Under the aegis to implement

a policy of offer of racial equality, the Brazilian government in the year of 2005, it developed the

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Program Brazil Quilombola, that represents a set of action and directives destined for the remaining

communities de quilombos. The black community of Pitombeira - located in the city of Várzea/PB is

an example inside of the hundreds of black communities which populate the interior of Brazil and

some urban areas that had resisted the time, the adversities, as well as the attempts of expropriations of

its living space and today see that the necessity of affirmation of an identity can be the survival

guarantee of the community. In this manner, in this work we try to understand the reality of the cited

community as an environment of space and racial segregation and territorial resistance, understanding

it, over all inserted in a bigger conjuncture: the reality of the communities afro-descendants of Brazil.

For theoretical foundation of this work we support in authors of geography and anthropology who

discuss territory and ethnicity, for example CARRIL (2006), HAESBAERT (2005) and RODRIGUES

(2007). In this way it was supported by systematic literature of the existing bibliography about

quilombola, with a rearrangement of the information available in the communication devices and also

data gathered in activity on the land. We can note that the topical implementation list of public politics

in this segment is very promising, in spite of all difficulties which the government and the social

movements must come facing.

Key words: Quilombola; territory, segregation

1. Introdução

O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), em um dos seus tratados sobre a política,

com o objetivo de legitimar a escravidão comenta: “(...) alguns seres, ao nascer, se vêem

destinados a obedecer; outros mandar [...] assim, dos homens, uns são livres, outros escravos

[...] e que há escravos e homens livres pela própria obra da natureza (...)” (ARISTÓTELES,

[20-?], p.18-19). Como pode ser notada a escravidão não é nova na história da humanidade, as

mesmas tentativas de legitimar a exploração da força de trabalho escravo, surgiu quando

durante a expansão marítimo-comercial européia e a colonização do continente Americano no

século XV, respaldando o tráfico de milhares de negros e negras oriundos da África.

Como em tantas outras colônias européias do século XV, a escravidão no Brasil foi

uma das principais características do período colonial sendo abolida formalmente em 1888.

Os históricos quilombos, tão comuns neste período, representavam uma possibilidade de

assegurar a liberdade individual, uma vez que representavam um refúgio tanto para negros

como para índios. Dessa maneira, dentro do Brasil formaram-se novos territórios com

relações sociais completamente diferentes daquela que foi instituída pelos portugueses. Esta

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camada da população foi, ao longo da história, ignorada e excluída das políticas públicas,

tanto pelo Estado como pela sociedade, sendo possível constatar a ausência de qualquer

tentativa de reconhecer a população negra como cidadãos brasileiros em sua plenitude. Como

resultado, nota-se que além da adoção da prática de violência moral e física contra os negros e

negras, adotou-se também o recurso da expropriação de suas terras no decorrer da história

brasileira, sendo a repressão estendida também aos índios e pobres.

A Constituição de 1988, marca a redemocratização do país. Criada com a participação

de uma ampla camada da sociedade brasileira foi possível tornar constitucional a luta dos

movimentos negros urbanos, pelo respeito e direito ao acesso a terra e inserindo o debate

sobre a criação de políticas públicas para a população negra; com destaque para o

reconhecimento da possibilidade de regularização dos territórios remanescentes de quilombos.

Dessa forma, reza o art. 68 / ADCT / C.F. 1988: “Aos remanescentes das comunidades de

quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo

o Estado emitir-lhes títulos respectivos”.

A questão quilombola ganha impulso com grande intensidade no cenário nacional,

após o Decreto nº 4.887/2003 do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sendo concedido às

populações remanescentes de quilombos o direito da auto-atribuição como o único critério

para a identificação da comunidade. Atribuiu á Fundação Cultural Palmares – Ministério da

Cultura, a competência do reconhecimento da comunidade como remanescente de quilombo e

ao Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA) a identificação, delimitação e demarcação

de terras ocupadas pelas comunidades.

Carril (2006, p.161), procura explicar a intenção do art. 68 / ADCT / C.F. 1988

quando argumenta que:

Num sistema sócio-econômico-político e territorialmente excludente, a luta

pela terra nos quilombos é, de um lado, uma fração da luta pela reforma

agrária e de outro, uma tentativa de reparar parcialmente a histórica exclusão

social do negro brasileiro, no tocante a comunidades com identidades

próprias.

Com a promulgação da Constituição de 1988 e, sobretudo com o Decreto nº

4.887/2003 a questão agrária no Brasil, acaba por oficializar o reconhecimento de um novo

sujeito social até então conhecido, porém ignorado – os remanescentes quilombolas marcados

pela resistência a expropriação de suas terras e ás diversas formas de violências.

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2. Materiais e Métodos

Tendo essas questões como referência e sabendo das dificuldades em se obter

informações sobre as comunidades remanescentes de quilombos na Paraíba, por meio de

publicações acadêmicas, principalmente informações de cunho geográfico e tendo em vista

que este tema ocupa um espaço periférico nos trabalhos existentes, decidimos investigar o

tema apresentado. Para tanto, fez-se um levantamento bibliográfico apoiando-se em uma

literatura sistemática da bibliografia existente sobre a temática quilombola, com um rearranjo

das informações disponíveis nos meios de comunicações e também, por meio de dados

colhidos em atividade de campo, objetivando dar consistência teóricas às idéias

desenvolvidas, tendo como parâmetro as considerações de autores como Rodrigues (2007) e

Carril (2006) que abordam a temática com bastante propriedade e objetividade. Como

comunidade quilombola, tomamos o exemplo da realidade de Pitombeira, localizada no

município de Várzeas – PB. Sob essa perspectiva, para realizar uma discussão acerca da

identidade quilombola. Este trabalho se divide em duas partes, na primeira será abordada uma

caracterização geral sobre a comunidade afro-descendente de Pitombeira (localização,

características física do espaço, dados socioeconômicos e historia de formação da

comunidade), a segunda, será destinada a apresentação da atual realidade das comunidades

remanescentes de quilombo, bem como sua relação com o conceito de território.

3. Resultados e Discussões

Pitombeira, Uma Comunidade Remanescente de Quilombola

A Comunidade de Pitombeira está localizada no município de Várzeas há 238 km da

capital, na microrregião do Seridó Ocidental da Paraíba estando, conseqüentemente, na

Mesorregião da Borborema. Possui uma população de aproximadamente de 2.051 habitantes,

com uma população rural de aproximadamente de 648 pessoas. Segundo a Agência Executiva

de Gestão de Águas do Estado da Paraíba (AESA), cerca de 50% a 70% do município possui

acesso á um sistema de abastecimento de água. O município está inserido no Polígono das

Secas, uma região fortes limitações climática. Como é destacado nos estudos realizados pelo

CRPM – Serviço Geológico do Brasil (2005, p.3):

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Possui clima Bsh-Tropical, quente, seco, semi-árido com chuvas de verão.

Segundo a divisão do Estado da Paraíba em regiões bioclimáticas o

município da Várzea enquadra-se no bioclima 2b-Sub-desértico, quente, de

tendência tropical, com 9 a 11 meses secos. A pluviometria média anual é de

600 à 800 mm e de distribuição irregular e com temperatura média anual de

28ºC.

Fotografia 1. Vista da paisagem da comunidade

com destaque para a vegetação

Fotografia 2. Vista geral da comunidade

Além das limitações climáticas apresentadas, a região possui outra limitação: os solos

são salgados e/ ou pouco espessos e pedregosos, dificultando a produção agrícola, fato este

constatado no Atlas desenvolvido pela AESA sobre as classes de capacidade de uso das terras

do estado da Paraíba, o território de Várzea possui significativa áreas de terras não cultivadas

por possuir severas limitações para culturas permanentes e reflorestamento.

Com relação à topografia o território possui um relevo com predominância de declive

de média à baixa com exceção de áreas situadas nas porções oeste onde ocorre a Serra da

Cozinha, no sudeste ocorre a Serra da Mandioca e ao sul onde ocorre a Serra da Viola com

variação de altitude de 240 á 630 metros de altitude.

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Resgate histórico

Segundo relatos de moradores mais velhos da comunidade de Pitombeira, colhidos

durante umas das atividades de campo da disciplina de Geografia Agrária, a comunidade foi

formada por quatro escravos fugitivos de origem desconhecida; acredita-se que os fugitivos

tiveram suporte de outro escravo – Matheus Hélio, que detinha a posse da terra de Pitombeira

qual foi doada pelo proprietário das terras onde se localiza a comunidade. De acordo com

Dona Cristina, uma das lideranças da comunidade, no inicio da formação do quilombo, o

espaço era rico em madeira, mel e existiam muitas emas. Com o passar do tempo aumentou o

número de escravos fugidos que passaram a viver na comunidade.

Existe outra comunidade remanescente de quilombo – o Talhado, localizado no

município de Santa Luzia, á poucos quilômetros da comunidade de Pitombeira. Foi cenário

para o filme-documentário Aruanda, dirigido por Linduarte Noronha (ex-professor da

UFPB/DECOM), reconhecido por inaugurar o Cinema Novo no Brasil, abordando temáticas

da realidade brasileira. Cogita-se que a comunidade da Serra do Talhado tem uma ligação

muito forte com Pitombeira, sobre esse fato Dona Crista explica que:

E daqui [Pitombeira] que partiram ou partiu, José Bento para o Talhado,

porque isso aqui era tudo livre não moravam ninguém eles podiam andar por

onde quisessem... e como a esposa de José Bento era uma louseira, ele

andando pelo Talhado, então descobriu a matéria-prima adequada para a

cerâmica deles” (informação verbal).

Durante a década de 70 do século XX, estimulada pelo documentário Aruanda,

começou a surgir a idéia de que o Talhado era realmente uma comunidade remanescente de

quilombo, tanto pelo tamanho da comunidade quanto pela sua localização geográfica. Foram

pelo menos 15 anos para o reconhecimento da comunidade de Talhado como remanescente

quilombola. Outro fato que deve ser observado, no caso do Talhado é a influência externa,

desempenhada basicamente por pesquisadores, na construção de uma identidade quilombola,

identidade esta apagada da memória de muitos moradores. O reconhecimento do Talhado

estimulou os moradores de Pitombeira pelo fato de sua ligação histórica entre as duas

comunidades, e com apenas dez assinaturas Pitombeira possui o seu reconhecimento perante o

Governo Federal, como está registrada no Livro de Cadastro Geral nº. 03 – Registro 209 – Fl.

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15, em 19/04/2005 – Publicado no Diário Oficial da União em 08/06/2005, Seção 1, nº. 108 –

Folhas 15 e 16.

Fotografia 3 – Entrevista com Dona Cristina,

líder da comunidade de Pitombeira.

Aspectos socioeconômicos

Pitombeira possui aproximadamente 52 famílias com 172 habitantes, os moradores

praticam a criação de um pequeno número de animais e a agricultura destinada principalmente

para a subsistência, os principais produtos são feijão, milho, batata doce, melancia, melão.

Outra fonte de renda é o artesanato, com a confecção de vassoura de palha, que tem como

matéria-prima a carnaúba. Contudo, os períodos de estiagem, tão comum nessa região,

inviabilizam a prática de uma agricultura permanente. Dessa maneira, os benefícios sociais

disponibilizados pelos governos, tais como aposentadoria e o Programa Bolsa Família

representam a principal fonte de renda dos moradores.

Foram desenvolvidos alguns programas pelos gestores públicos na comunidade com o

objetivo de melhorar a qualidade de vida dos moradores, como a construção de poços

artesianos, cisternas, transformação de casa de taipa em alvenaria, construção de sanitários e

fossas e a distribuição de cestas básicas e leite.

A comunidade possui uma escola municipal de 1ª á 4ª série, construída na década de

80 do século XX, porém não preparada para o ensino de valorização da identidade com a

cultura afro-brasileira; não possui posto de saúde, sendo os primeiros socorros prestados no

município de Várzea (8 km) ou no município de Santa Luzia (10 km). Segundo moradores, a

comunidade não conta com o apoio do poder executivo do município de Várzea, nas ações

propostas para a comunidade.

A Pitombeira guarda quase nenhum resquício da cultura de matriz africana, sendo os

moradores majoritariamente cristão-católicos. Outro fato importe é a ausência de contestação

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sobre o território onde a comunidade está localizada. Necessitando apenas da demarcação do

espaço pelo poder público. A comunidade é um dos poucos remanescentes de quilombos, que

possui o título de posse do território, conquistado pelos seus antepassados através de uma

doação.

A realidade das comunidades remanescentes de quilombos

A expressão quilombo vem sendo utilizada desde a colonização do país, e no decorrer

da história passou por inúmeras transformações, mas em geral o conceito, na sua essência,

guarda a noção de um grupo de resistência á uma realidade social imposta á esse grupo étnico.

Na perspectiva de Schimitt; Turatti; Carvalho (2002, p.2), ao fazer análises conceituais sobre

quilombo, destaca a definição estabelecida em 1740 pelo Rei de Portugal definindo quilombo

“como toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda

que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”. Estes autores ressaltam

ainda que o conceito exerceu forte influência ao pesquisadores ao logo do século, uma noção

que caracterizava o quilombo como uma expressão de negação do sistema escravista,

relacionado como espaço de resistência e de isolamento da populações negras. Kebengele

Munanga vem caracterizar o quilombo brasileiro como um ambiente reconstituído pelos

escravizados para se opor a uma estrutura política na qual se encontravam todos os oprimidos,

se caracterizando como uma cópia do quilombo africano.

As comunidades tidas hoje, como remanescente de quilombolas, trazem no seu interior

muito das características do quilombo histórico, como no passado, os grupos étnicos

historicamente marginalizados, ainda sofrem com a discriminação. Contudo para

compreendermos o moderno conceito – remanescente de quilombo, neste trabalho, adotou-se

o raciocínio de Schimitt; Turatti; Carvalho (2002) que trabalha a relação dos elementos

identidade e território. Em sua lógica de raciocínio nos coloca que:

(...) a situação presente dos segmentos negros em diferentes regiões e

contextos é utilizado para designar um legado, uma herança cultural e

material que lhe confere uma referencia presencial no sentimento de ser e

pertencer a um lugar específico.

É nesse mesmo sentido que o Estado vem trabalhando a idéia de quilombo. Isso

explica o pré-requisito da auto-atribuição da comunidade, ou seja, os moradores devem se

auto-reconhecer como herança de um passado. Daí a importância da construção de uma

identidade. Outro ponto que deve ser ressaltado é que a promessa de assistência do Estado á

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comunidades identificada como afro-descendente, estimulam a organização de grupos

comunitários e a formação quase que forçada de uma identidade que muitas vezes se

perderam com a história.

De acordo com os dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(Pnud), o Brasil abriga cerca de 2 milhões de quilombolas, distribuído nas 740 comunidades

identificadas pela Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura. No estado

da Paraíba, já se reconhece 23 quilombos, sendo dois deles, Talhado e Paratibe, situados na

zona urbana. Muitas dessas comunidades estão localizadas em áreas de conflitos, onde a

expropriação pela violência é um artifício muito comum.

Ao se levantar discussões sobre remanescentes de quilombo, é indispensável

relacioná-lo com o conceito de território. Pois um dos principais objetivos de muitas

comunidades são o reconhecimento e a posse de seu território de maneira que garanta a sua

sobrevivência. Dentre as varias definições de território e a sua multi-dimensionalidade pode-

se destacar a análise do geógrafo Rogério Haesbaert (2005) quando se refere a território com

um enfoque cultural, uma vez que “prioriza dimensões simbólicas e mais subjetivas, o

território visto fundamentalmente como produto da apropriação feita através do imaginário

e/ou identidade social sobre o espaço”. Sob essa perspectiva, pode-se afirmar que os

quilombos que resistiram no decorrer da história do Brasil, carregam consigo muita desta

“identidade social sobre o espaço”. Segundo Eduardo (2006), nos coloca que “os sentimentos

de pertencimento, de identidade, os espaços de representação, o enraizamento, entre outros

elementos, interagidos com as demais dimensões do território, efetivam formas particulares de

apropriação e de produção do espaço via a territorialidade.”

Desta forma, garantir a titulação dos territórios quilombolas é a única forma de defesa

contra a expropriação de terra pelos latifundiários e a garantia de reprodução de seus modos

de vida e de sua cultura, construída com o passar dos anos. Como demonstra Fernandes

(2005) ao definir o território como “espaço de liberdade e dominação, de expropriação e

resistência” e, portanto um espaço de “conflitualidades”, o qual também se encaixa

perfeitamente à realidade dos remanescentes de quilombo.

A comunidade de Pitombeira já possui o título de seu espaço, doado pelo proprietário,

aos ancestrais da comunidade. Numa analise das comunidades remanescente de quilombo no

Brasil, esse privilégio é uma das poucas exceções. A partir desse exemplo podemos reportar á

analise de Schimitt; Turatti; Carvalho (2002) quando destaca que a formação de comunidade

quilombolas poderia se dá pelo processo de fuga e ocupação de terras livres e geralmente

isoladas como também “através de heranças, doações, recebimento de terras como pagamento

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se serviços prestados ao Estado, a simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam

no interior das grandes propriedades”

As propostas do Governo Federal para os quilombos fizeram ascender expectativas

para a solução de suas dificuldades, contudo são esbarradas no processo burocrático do

próprio Estado, que reconhece as dificuldades em estar encaminhando suas políticas para o

segmento social. Em entrevista ás emissoras de rádio e divulgado pela Agência Brasil, o então

ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) Edson

Santos, destacou que a dificuldade em demarcar e titular terras quilombolas disputadas por

outros setores, comenta ainda que existam inclusive, uma ação direta de inconstitucionalidade

(ADIN) em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando o Decreto 4.887 –

que prevê a regulamentação do processo de identificação, reconhecimento, delimitação,

demarcação e titulação de terras ocupadas por terras ocupadas por remanescentes de

comunidade quilombola dificultando a titulação e conseqüentemente impedindo o Estado em

intervir na realidade destas comunidade.

A regularização fundiária é de extrema importância, porém não deve ser encarada

como a solução para os problemas históricos que vem afligindo os afro-descendentes. Como

no passado, muitos dos quilombos apresentam uma segregação espacial muito forte, no caso

de Pitombeira a cidade mais próxima encontra-se á aproximadamente á 8 km de distância e a

comunidade apresenta-se isolada no semi-árido. O desafio maior é a de garantir a cidadania

plena dos moradores (as) destes territórios, assegurando os direitos constitucionais. A

execução de projetos eficazes de valorização cultural, de geração de emprego e renda, capazes

de eliminar a vulnerabilidade social presente em inúmera comunidade e impedir a migração

dos moradores da comunidade para a cidade são de igual importância. Em entrevista com a

liderança da comunidade de Pitombeira, Dona Cristina, traz essa preocupação: “lamento o

desinteresse dos jovens da comunidade, muitos não se reconhece como descendentes de

escravos, não reconhecendo o caráter histórico da comunidade e nem a importância de lutar

para o seu desenvolvimento.” (Informação verbal). Ausência de oportunidades e o preconceito

da sociedade contribuem bastante para essa apatia com a realidade social por parte da

juventude, os mais idosos lutam para garantir a preservação da sua historia e o

desenvolvimento da comunidade.

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4. Conclusão

Apesar das pressões exercidas pelas campanhas liberais durante o século XIX, a

abolição da escravidão em nosso país teve mais interesses econômicos do que humanitário, a

prova disto é a completa ausência de iniciativas para introduzir os negros na estrutura política

e social do Brasil pós 1888. A Lei Áurea foi de fato, um marco para os afro-descendentes,

contudo pouco representou a melhoria de sua qualidade de vida, pelo contrário foi

abandonado na sociedade, sem terras para sobreviver e principalmente sem direito algum. A

Lei de Terras (Lei n. 601, de 18/9/1850), segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (Incra) apud MARTINS (1986, p.3) se responsabilizava de proibir a aquisições de

terras devolutas por outro título que o de compra. A iniciativa prejudicou diretamente os

negros libertos em 1888, como explica Martins (1986, p.42):

A Lei de Terras transformava as terras devolutas em monopólio do Estado e

Estado controlado por uma forte classe de grandes fazendeiros. Os

camponeses não-proprietário, os que chegassem depois da Lei de Terras ou

aqueles que não tiveram suas posses legitimadas em 1850, sujeitavam-se,

pois, como assinalaria na época da Abolição da escravatura um grande

fazendeiro de café e empresário, a trabalhar para a grande fazenda,

acumulando pecúlio, com o qual pudessem mais tarde comprar terras, até do

próprio fazendeiro.

Assim, livres, porém sem terra e sem direitos. Muitos sequer saíram das fazendas em

que eram explorados. A Constituição de 1988 representou a possibilidade da garantia dos

direitos das minorias étnicas. Cerca de quatorze anos depois da promulgação da constituição,

o Decreto nº 4.887/2003 se apresenta acompanhada de uma política de reconhecimento e

reparação social dos fatos relatados na historia do país. Contudo, como no passado, ainda hoje

os interesses da classe dominante é determinante na nossa sociedade, isto se apresenta através

de constantes obstáculos na garantia dos direitos constitucionais, como por exemplo, da

ADIN em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o Decreto 4.887/2003 aliada

com toda a burocracia existente no Estado; que impede, por exemplo, o início da elaboração

dos Relatórios Técnicos e a delimitações das 23 comunidades quilombolas reconhecidas no

Estado da Paraíba.

Por fim, em um mundo que está sofrendo profundas mudanças nas relações sociais, a

“emergência étnica” dos povos afro-descendentes, neste contexto de globalização, é mais uma

forma de contestação da desigualdade social promovida pela estrutura capitalista. Grupos

organizados como a Coordenação estadual das comunidades negras e quilombolas da Paraíba

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(CECNEQ) e a Coordenação Nacional das Comunidades de Quilombos (CONAQ) e tantas

outras entidades, vêem pondo nas pautas de discussões o fim do preconceito racial e religioso

e a luta pelos direitos fundamentais do ser humano. Corroboramos com Santos (2000), apud

RODRIGUES (2007) quando coloca o espaço universitário quanto “lugar do livre pensar, de

criar idéias e discuti-las”. A geografia, inserida neste espaço, assume um importante papel ao

buscar compreender esta nova relação que se estabelece entre o homem e o meio,

representado neste trabalho pelos quilombolas e o território, na produção de novas

espacialidades.

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