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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 687 ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL DA IRREGULARIDADE DA PRESUNÇÃO DO PERICULUM IN MORA EM AÇÕES CIVIS PÚBLICAS 803 Trajano Santos Filho 804 Resumo O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a irregularidade da jurisprudência consolidada pelo STJ que autoriza aos juízes e tribunais presumirem o fumus boni juris em ações civis públicas ocupadas em acossar atos de improbidade administrativa, para efeito da concessão liminar de medida cautelar de indisponibilidade de bens. Para tanto, é desenvolvida uma breve análise acerca dos pressupostos para concessão das tutelas de urgência no novo Código de Processo Civil brasileiro, delineando de maneira crítica os elementos que emprestam definição às medidas de cautela processual, fundamentais à preservação de garantias constitucionais e à manutenção de pressupostos concretos de segurança e harmonia jurídica, concluindo pela impossibilidade de leitura subjetiva daquilo que, na lei, é claro e inequívoco. Palavras-chave: Tutela de urgência. Improbidade administrativa. Indisponibilidade de bens. REsp nº 1.343.257 (AM). THE IRREGULARITY OF PRESUMPTION OF PERICULUM IN MORA IN PUBLIC CIVIL ACTION Abstract The purpose of this study is to demonstrate the irregularity of the jurisprudence consolidated by the STJ, which authorizes judges and courts to presume the prima 803 Artigo submetido em 19/02/2017, pareceres de análise em 06/03/2017 e 10/03/2017, aprovação comunicada em 13/03/2017. 804 Pós-graduando em direito processual civil pela Faculdade Damásio. Endereço eletrônico: <trjn@ protonmail.com>.

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 687

ANAIS DO

SIMPÓSIO BRASILEIRO

DE PROCESSO

CIVIL

DA IRREGULARIDADE DA PRESUNÇÃO DO PERICULUM IN MORA EM AÇÕES CIVIS PÚBLICAS803

Trajano Santos Filho804

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a irregularidade da jurisprudência consolidada pelo STJ que autoriza aos juízes e tribunais presumirem o fumus boni juris em ações civis públicas ocupadas em acossar atos de improbidade administrativa, para efeito da concessão liminar de medida cautelar de indisponibilidade de bens. Para tanto, é desenvolvida uma breve análise acerca dos pressupostos para concessão das tutelas de urgência no novo Código de Processo Civil brasileiro, delineando de maneira crítica os elementos que emprestam definição às medidas de cautela processual, fundamentais à preservação de garantias constitucionais e à manutenção de pressupostos concretos de segurança e harmonia jurídica, concluindo pela impossibilidade de leitura subjetiva daquilo que, na lei, é claro e inequívoco.

Palavras-chave: Tutela de urgência. Improbidade administrativa. Indisponibilidade de bens. REsp nº 1.343.257 (AM).

THE IRREGULARITY OF PRESUMPTION OF PERICULUM IN MORAIN PUBLIC CIVIL ACTION

Abstract

The purpose of this study is to demonstrate the irregularity of the jurisprudence consolidated by the STJ, which authorizes judges and courts to presume the prima

803 Artigo submetido em 19/02/2017, pareceres de análise em 06/03/2017 e 10/03/2017, aprovação comunicada em 13/03/2017.

804 Pós-graduando em direito processual civil pela Faculdade Damásio. Endereço eletrônico: <[email protected]>.

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facie case in public civil actions occupied in prosecuting acts of administrative impropriety, for the purpose of granting injunctive relief assets. In order to do so, a brief analysis is made of the assumptions for granting the urgency orders in the new Brazilian Civil Procedure Code, critically delineating the elements that lend definition to procedural precautionary measures, fundamental to the preservation of constitutional guarantees and the maintenance of concrete presuppositions of security and legal harmony, concluding that it is impossible to read what is clear and unequivocal in the law.

Keywords: Emergency care. Administrative dishonesty. Unavailability of goods. REsp nº 1.343.257 (AM).

Sumário

1. Introdução; 2. A tutela de urgência e seus pressupostos legais; 3. A jurisprudência e a presunção de existência do periculum in mora em ações civis públicas; 4. A irregularidade da presunção do periculum in mora no âmbito das ações civis públicas; 5. Conclusão

1. Introdução

Atendendo ao fenômeno de hipertrofia criativa que se verifica da atuação judiciária no Brasil dos últimos anos, muitos dos mecanismos de expressão da prestação jurisdicional vêm assumindo perfil praeter legem, instaurando ordem jurídica paralela cuja identidade remete mais aos juízes e Tribunais do que à competência constitucional do legislador e do próprio Direito – realidade que Lênio Streck denuncia desde a primeira edição de Hermenêutica Jurídica e(m) Crise (1999).

Entretanto, se o tempo e a experiência permitem ao operador do Direito conhecer das deficiências que pululam a prática jurisconsulta, a fetichização do discurso jurídico parece não permitir a superação do “juiz solipsista” que excede ao conteúdo da lei buscando significá-la dentro do contexto de suas convicções e de sua consciência (STRECK, 2014), ainda que para tanto seja a lei diuturnamente subjugada.

É neste panorama que, em 23 de junho de 2015, no julgamento do REsp nº 1.343.257 - AM, de relatoria da Min. Regina Helena Costa, veio o Superior Tribunal de Justiça a consolidar entendimento de que no âmbito de ações regidas pela Lei de Improbidade Administrativa, está o juiz da causa livre para presumir o perigo na demora quando da apreciação de pleito liminar por medida cautelar de indisponibilidade de bens. Como consequência, autorizou-se o deferimento de tutelas provisórias fundamentadas em apenas um pressuposto fático, qual seja, a probabilidade do direito invocado – pressuposto esse que, data a máxima vênia, torna-se também presumível no arcabouço das ações civis públicas.

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Ocorre que, no que toca à manipulação de tutelas de urgência, referidas ações (competentes ao acossamento de atos de improbidade administrativa) devem observar a lei processual comum, e, segundo ela, tanto a probabilidade do direito quanto o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo são pressupostos inarredáveis para a concessão das medidas urgentes, configurando causas concretas de ameaça ao direito tutelado que justificam o adiamento do contraditório e das prerrogativas inerentes à ampla defesa.

Diante disso, fecunda-se a controvérsia: é legítima e constitucional a decisão que, in limine, concede a indisponibilidade de bens em autos de ação civil pública que apura ato de improbidade administrativa, mesmo que inexistam demonstrações mínimas do periculum in mora? Está o juiz autorizado a presumir aquilo que o Código de Processo Civil define como pressuposto para a concessão das tutelas de urgência? A hermenêutica jurídica prescinde de limites para o cerceamento de bens e direitos?

Visando responder aos questionamentos apontados, cuidar-se-á de rever – ainda que de maneira breve e sem pretensão de esgotar o tema – o tratamento que o Código de Processo Civil dispensa às tutelas de urgência, pontuando a leitura que a doutrina correspondente faz de seus pressupostos e comparando-a aos fundamentos invocados no julgamento do REsp nº 1.343.257 (AM), de maneira crítica e declaradamente reflexiva.

2. A tutela de urgência e seus pressupostos legais

Tendo sua estrutura normativa revitalizada com o início da vigência da Lei nº 13.105/2015, responsável pela unificação das tutelas provisórias satisfativas e conservartivas em um único livro, estão as Tutelas de Urgência hoje situadas em um plano de unidade funcional e procedimental. Segundo Humberto Theodoro Júnior, elas:

[...] têm em comum a meta de combater os riscos de injustiça ou de dano, derivados da espera, sempre longa, pelo desate final do conflito submetido à solução judicial. Representam provimentos imediatos que, de alguma forma, possam obviar ou minimizar os inconvenientes suportados pela parte que se acha numa situação de vantagem aparentemente tutelada pela ordem jurídica material (2015, p. 645).

Se houve mudanças no plano estrutural e procedimental das medidas urgentes, no entanto, elas permaneceram fundamentadas nos mesmos pressupostos que o eram na vigência do Código de Processo revogado: segundo o caput do art. 300, da Lei nº 13.105/2015, a tutela de urgência (compreendidas tanto as tutelas cautelares quanto satisfativas) deve ser concedida apenas quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

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Como nos lembra Daniel Amorim Assumpção Neves, “a tutela provisória é proferida mediante cognição sumária, ou seja, o juiz, ao concedê-la, ainda não tem acesso a todos os elementos de convicção a respeito da controvérsia jurídica” (2015, p. 504), motivo pelo qual seu fundamento deve necessariamente estar amparado na aparência do direito tutelado e na emergência de provimento acautelatório ou satisfativo, tendo em vista o risco ou o perigo de dano concreto que a espera pelo provimento final venha a subjugar o caso concreto.

Para além de serem meros pressupostos legais, tanto a fumus boni juris quanto o periculum in mora constroem-se no sistema processual vigente como catalisadores das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Isso porque muito embora a Constituição Federal, no inciso LIV do art. 5º, assegure que ninguém será privado de sua liberdade e ou de seus bens sem o devido processo legal, e, no inciso seguinte, afiance “que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, vem a legislação infraconstitucional a conceber hipóteses em que a privação de bens será operada antes mesmo de o réu tomar ciência da lide que tramita contra si, caracterizando as decisões proferidas inaudita altera parte que afastam, pois, ao menos temporariamente, o exercício do contraditório e da ampla defesa: e elas são, por definição, as tutelas de urgência previstas no novo códex de processo civil.

A doutrina, no entanto, ocupada em amparar a abordagem emergencial das medidas assecuratórias do direito no âmbito do processo, solucionou a aparente contradição entre as disposições da lei em face da Constituição, erigindo o entendimento hoje amplamente aceito do que chama de “contraditório postergado”, hasteado no que dispõe o inciso LXXVIII daquele mesmo art. 5º, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Reconhecido pela abordagem do tema no país, afirma Luiz Guilherme Marinoni:

Embora aí exista limitação do direito de defesa, não há violação do seu núcleo essencial, uma vez que a liminar é, pela sua própria essência, provisória. A provisoriedade da liminar permite que o réu apresente defesa e recurso contra o seu deferimento. A postergação do contraditório é obviamente legítima, pois atende a um princípio merecedor de atenção, isto é, à efetividade do direito fundamental de ação (2015, p. 393).

Não há a dúvida acerca da técnica hermenêutica de sopesamento operado entre a garantia ao contraditório e à ampla defesa, de um lado, e a efetividade e celeridade do exercício da jurisdição, de outro. Entretanto, como o próprio Marinoni tenciona:

A concessão de tutela urgente antes da oitiva do réu, para ser justificada, deve admitir que o tempo necessário para o demandado poder apresentar resposta é incompatível com a urgência de tutela do direito. Ou seja, a

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concessão de tutela urgente antes da ouvida do réu somente é legítima quando não se pode esperar a apresentação da resposta. Caso o juiz possa aguardar a defesa sem correr o risco de deixar o autor desamparado, não há racionalidade em aceitar a concessão da tutela antes da ouvida do demandado. Essa lógica tem sido acolhida pelo Bundesverfassungsgericht alemão mediante o argumento de que a negação do princípio da audiência prévia, por significar ingerência na esfera jurídica de alguém, somente pode ser admitida quando resultar imprescindível à consecução da própria finalidade do provimento ou da tutela do direito (2015, p. 392). (Destaques do autor).

Conclui-se, portanto, que a aplicação de medidas de urgência apenas e tão somente se justificam na fundamentação constitucional acima proposta, mediante a existência de circunstâncias inegavelmente emergenciais, identificadas pela demonstração sempre concorrente da probabilidade do direito e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Muito além de configurarem exigências legais devidas à prática de determinados atos judicias, estão os pressupostos das tutelas de urgência sustentados por uma formulação constitucional de abreviação de garantias institucionais que, por essa razão, devem estar restritas a hipóteses previstas em lei.

3. A jurisprudência e a presunção de existência do periculum in mora em ações civis públicas

A indisponibilidade de bens está prevista no art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa, erigida como medida cautelar passível de ser deferida no curso de ações civis públicas que se prestem a perseguir os atos previstos pelo referido diploma. Ela é, pois, espécie do gênero “tutelas de urgência”, e, nesta condição, deve obedecer à normatização dispensada pelo Código de Processo Civil no que toca ao procedimento e às hipóteses de cabimento da mencionada medida.

Em sendo o Brasil país cuja jovialidade institucional corriqueiramente sinaliza para a ineficácia de seus atos e funções, especialmente quando alcança a esfera de atuação dos agentes públicos, não poderia a tutela cautelar de indisponibilidade de bens ser tomado de maneira totalmente negativa – uma vez que capaz de assegurar, em última análise, o integral ressarcimento do dano causado ou a sanção sobre acréscimo patrimonial auferido pelo gestor improbo.

Ocorre, todavia, que se a composição normativa (acerca da possibilidade de deferimento liminar da medida cautelar em exame) tem subjacente a si própria um conjunto de formulações constitucionais voltadas à garantia de uma prestação jurisdicional célere e efetiva, que não sacrifica o contraditório e a ampla defesa, mas se sustenta em hipóteses específicas e taxativas nas quais a diferimento do direito de exercício de garantias constitucionais será razoável, posiciona-se a jurisprudência – inaugurada pelo Superior Tribunal de Justiça e esposada por todo o país – no sentido de alargar a liberdade dos juízes e, por via reflexa, restringir direitos fundamentais do cidadão, avançando o sentido da lei de maneira a erigir custosa violação à ordem constitucional.

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Demonstrando o fenômeno apontado de maneira convincente, cumpre transcrever, em parte, o acórdão de julgamento do já citado REsp nº 1.343.257 (AM), que apesar de não ter sido o primeiro com tal conteúdo, cristalizou de maneira objetiva o entendimento daquela Corte acerca da matéria. Redigiu a relatora:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. APLICAÇÃO DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DOS BENS DO PROMOVIDO. DECRETAÇÃO. REQUISITOS. EXEGESE DO ART. 7º DA LEI N. 8.429/1992, QUANTO AO PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. MATÉRIA PACIFICADA PELA COLENDA PRIMEIRA SEÇÃO. 1. Tratam os autos de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal contra o ora recorrido, em virtude de imputação de atos de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/1992). 2. Em questão está a exegese do art. 7º da Lei n. 8.429/1992 e a possibilidade de o juízo decretar, cautelarmente, a indisponibilidade de bens do demandado quando presentes fortes indícios de responsabilidade pela prática de ato ímprobo que cause dano ao Erário. 3. A respeito do tema, a Colenda Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1.319.515/ES, de relatoria do em. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator para acórdão Ministro Mauro Campbell Marques (DJe 21/9/2012), reafirmou o entendimento consagrado em diversos precedentes (Recurso Especial 1.256.232/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19/9/2013, DJe 26/9/2013; Recurso Especial 1.343.371/AM, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/4/2013, DJe 10/5/2013; Agravo Regimental no Agravo no Recurso Especial 197.901/DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 28/8/2012, DJe 6/9/2012; Agravo Regimental no Agravo no Recurso Especial 20.853/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 21/6/2012, DJe 29/6/2012; e Recurso Especial 1.190.846/PI, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 16/12/2010, DJe 10/2/2011) de que, “(...) no comando do art. 7º da Lei 8.429/1992, verifica-se que a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual ‘os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível’. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. Assim, a Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à norma afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art. 789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade,

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bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido”. 4. Note-se que a compreensão acima foi confirmada pela referida Seção, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.315.092/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 7/6/2013. 5. Portanto, a medida cautelar em exame, própria das ações regidas pela Lei de Improbidade Administrativa, não está condicionada à comprovação de que o réu esteja dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, tendo em vista que o periculum in mora encontra-se implícito no comando legal que rege, de forma peculiar, o sistema de cautelaridade na ação de improbidade administrativa, sendo possível ao juízo que preside a referida ação, fundamentadamente, decretar a indisponibilidade de bens do demandado, quando presentes fortes indícios da prática de atos de improbidade administrativa. 6. Recursos especiais providos, a que restabelecida a decisão de primeiro grau, que determinou a indisponibilidade dos bens dos promovidos. 7. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e do art. 8º da Resolução n. 8/2008/STJ. (REsp 1366721/BA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 19/09/2014). Omissis. Nessa linha, para a decretação da indisponibilidade dos bens, bastam fortes indícios da responsabilidade pelos atos de improbidade, não se exigindo a demonstração do periculum in mora. No caso em tela, a instância ordinária, ao exigir a comprovação do periculum in mora, para o deferimento do pedido de indisponibilidade de bens do Recorrido, adotou entendimento contrário à jurisprudência consolidada nesta Corte sobre a matéria, impondo-se o provimento do recurso especial. Isto posto, com fundamento no art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, DOU PROVIMENTO aos Recursos Especiais para, afastando a exigência de demonstração do periculum in mora, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que reexamine a pretensão de indisponibilidade dos bens do Recorrido. (Destaques e supressões do autor).

Da leitura do acórdão é possível sintetizar o argumento de que se a conduta perseguida no âmbito da Ação Civil Pública é regida pela lei de Improbidade Administrativa, existe a presunção tácita na lei de que os prejuízos suportados pelo erário não serão ressarcidos por aquele que lhes deu causa, motivo pelo qual a concessão liminar de tutela cautelar de indisponibilidade de bens do processado prescinde de demonstração do periculum in mora.

A tese apenas se relativiza, em certa porção da jurisprudência, quando o fundamento para a acusada improbidade administrativa está na violação a princípios da administração pública, nos quais não há, a priori, perda econômica do erário ou ganho ilícito de pecúnia pelo agente público. Nesses casos, pode-se falar na indisponibilidade de bens após a fixação em sentença de multa civil e o seu descumprimento voluntário, porém não como medida liminar, conforme destaca a decisão liminar concedida nos autos do Agravo de Instrumento de nº 1607797-9, de relatoria do Des. Carlos Mansur Arida, do TJPR, segundo o qual “[...] em face dos termos impostos no artigo 7º da Lei nº 8.429/92, incabível o bloqueio de bens para afiançar o pagamento de eventual multa civil que possa ser futuramente arbitrada na sentença”.

No mais, prosseguem os demais julgados no sentido de presumir o periculum in mora no ato que concede a medida cautelar de indisponibilidade de bens antes

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mesmo do recebimento da petição inicial (dependente de manifestação prévia do réu, conforme prescreve o art. 17, §7º, da Lei nº 8.429/92), conforme se demonstra a seguir:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – LIMINAR – INDISPONIBILIDADE DE BENS – PERICULUM IN MORA PRESUMIDO - Para que seja decretada a indisponibilidade de bens em sede liminar de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, é dispensada a demonstração do ‘’periculum in mora’’, por ser este requisito presumido, exigindo-se apenas indícios que evidenciam o ato ímprobo e o prejuízo ao erário (TJMG. Agravo de Instrumento Cv Nº 1.0027.12.009746-7/002 – Comarca de Betim. Rel. Des. Jair Varão. Julg. 29/08/2013).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. FUMUS BONI JURIS NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para se decretar a indisponibilidade de bens em ação civil pública por ato de improbidade administrativa não se faz necessário o periculum in mora, o qual estaria implícito no comando do art. 7º da Lei 8.429/92, sendo bastantes indícios da prática de ato de improbidade que acarrete dano ao erário. 2. Ausente o fumus boni júris na espécie, pois, em sede liminar, não houve a demonstração da existência de indícios acerca do desvio dos valores provenientes do convênio firmado com a Fundação Nacional de Saúde - FUNASA. 3. Se o agravante deixa de providenciar o traslado de documentos que possam dar suporte às suas alegações, limitando-se a juntar cópia da petição inicial do processo principal, não há como desconsiderar os fundamentos contidos na decisão agravada. 4. Agravo de instrumento não provido. (TRF-1. Agravo de Instrumento nº 500089320124010000. Terceira Turma. Rel. Des. Fed. Monica Sifuentes. Julg. 26/09/2014).

Foi demonstrado, anteriormente, que a construção institucional das tutelas de urgência, gênero da qual a indisponibilidade de bens é espécie, restringe a concessão de referidas medidas à presença de pressupostos taxativos que, no âmbito das ações civis públicas, vêm sido ignorados em razão da suposta existência de comandos implícitos na legislação vigente.

A questão é identificar até que ponto pode a jurisprudência enxergar, unilateralmente, comandos implícitos na lei, especialmente quando manipula medidas de cerceamento de direitos e liberdades comuns.

4. A irregularidade da presunção do periculum in mora no âmbito das ações civis públicas

Antes mesmo que se permita dialogar com relação aos limites da atividade criativa dos juízes que concebe presunções não previstas em lei e, por fim, se possa desenvolver uma tese satisfatória acerca da validade constitucional da presunção

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de existência do periculum in mora na apreciação liminar de pleito cautelar de indisponibilidade de bens de processado por ato de improbidade administrativa, importa conhecer uma definição funcional do próprio conceito de presunção.

Lecionando acerca da matéria, propõe Sidnei Amendoeira Jr. que:

Quando o juiz, partindo pura e simplesmente da prova sobre o fato auxiliar (aqui chamado de indício), deduz a ocorrência do fato principal sem que, ademais, tal ilação seja autorizada em lei, esse raciocínio recebe o nome de presunção hominis. A presunção hominis, segundo nos informa ARRUDA ALVIM, somente pode ser utilizada se a prova direta sobre o fato probando não puder ser produzida (2012, p. 409).

A presunção se exibe como uma espécie de “convencimento antecipado da verdade provável a respeito de um fato desconhecido” (FLECK, 2005, p. 493), que prescinde de demonstrações específicas daquilo que é adotado como presumido, tomado como verdadeiro pela razão exclusiva de circunstâncias laterais.

Do conceito se vislumbra a matéria sob exame: a construção jurisprudencial de uma presunção sem substrato legal de que todo investigado em ação civil pública, na qual se persegue ato de improbidade administrativa pretenderá pela frustração do ressarcimento do erário ou da sanção por enriquecimento ilícito. Presume-se, por conseguinte, que tão logo quanto ajuizada ação civil pública (não sendo necessário sequer o recebimento da inicial), devem os bens do processado ser constritos cautelarmente como forma de garantir um resultado que não se sabe nem se possível, quanto menos se ameaçado.

Presume-se, sem amparo legal, que a lei de improbidade administrativa inclui implicitamente um preceito acautelatório entre as suas disposições e que esse preceito deve ser aplicado em todo e qualquer caso, uma vez que os pressupostos da tutela cautelar tenham como objetivo final a observação do interesse público, não sendo necessária a reunião de demonstrações efetivas do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Todavia, é possível presumir aquilo que a lei indica depender de demonstração? A resposta certamente é negativa, sem prejuízo de se afastar aplicabilidade de normas infraconstitucionais vigentes mediante razões ilegítimas e métodos inconstitucionais.

Como demonstrado anteriormente, estão as tutelas de urgência amparadas por um regramento específico que, por mitigar o exercício do contraditório e das prerrogativas da ampla defesa, somente se justificam no âmbito de inequívoca urgência, manifesta pela presença de dois requisitos fundamentais: probabilidade do direito tutelado e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. É neste mesmo sentido que se posiciona Daniel Amorim Assumpção Neves, ao considerar desarrazoado a presunção do periculum in mora:

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Não consigo, do ponto de vista processual, aceitar a tese consagrada no Superior Tribunal de Justiça de periculum in mora presumido. Se o arresto cautelar depende da prova desse requisito, como pode uma medida ainda mais severa prescindir de tal prova? O argumento de que a defesa do Erário justificaria tal presunção pode parecer simpática à população já esgotada diante de tanto mau trato da coisa pública, mas não se sustenta juridicamente. (2016, p. 225).

A tese é igualmente adotada por Eduardo Peña, para quem:

A Lei 8.429/1992 em nenhum momento dá pistas de que estaria presumindo o periculum in mora. Se pretendesse isso diria expressamente, de sorte a diferenciar tal tutela cautelar da regra geral. Ademais, se presumisse o periculum in mora, como querem alguns, no mínimo admitiria que essa presunção fosse desfeita (v.g., provando-se a solidez do patrimônio ou a inexistência de risco de sua dissipação), como sói ocorrer nas hipóteses em que a lei cria presunções, a menos que se queira afirmar tratar-se de presunção absoluta, o que configuraria arbitrariedade incompatível com os princípios constitucionais (2013, p. 341)

Não se pode admitir que leis de conteúdo claro sejam alvo de tergiversações jurisprudenciais que importem, deliberadamente, no sacrifício de garantias de escopo constitucional, tais quais as que defendem a incolumidade do patrimônio do cidadão até que contra ele advoguem motivos concretos de suspeita e cautela processual.

Desta maneira, não se vislumbra justificativa plausível para que a indisponibilidade de bens se opere na ausência de demonstrações concretas do periculum in mora. Acaso a Constituição Federal assim pretendesse, da mesma forma como poderia a Lei de Improbidade Administrativa poderia querê-lo, elas o teriam feito de maneira literal, textual e inequívoca no âmbito de suas construções normativas. Não o fizeram e, portanto, não cabe ao judiciário exceder o sentido da norma para o fim de cercear direitos e liberdades individuais – valendo, em última análise, a presunção constitucional (e esta, autêntica) da inocência, seja o contexto em que o for.

5. ConclusãoAinda que as tutelas de urgência tenham recebido tratamento diferenciado pelo

Código de Processo Civil de 2015, é adequado afirmar que o substrato normativo que lhes assiste permaneceu incólume às modificações de ordem teórica e procedimental que lhes foi operada, preservando nelas as únicas hipóteses em que as garantias do contraditório e da ampla defesa podem ser efetivamente mitigadas – desde que, e apenas se, presentes demonstrações inequívocas de urgência.

Neste contexto, ao passo em que a cautelar de indisponibilidade de bens prevista na lei de improbidade administrativa seja espécie do gênero “tutelas de urgência”, deve ela preservar estrita observância aos pressupostos de acautelamento processual supramencionado, quais sejam, a probabilidade do direito tutelado e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

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É equivocada (quiçá açodada e inconstitucional), portanto, a posição infirmada pelo Superior Tribunal de Justiça de que o fumus boni juris, para efeito da concessão da indisponibilidade bens em autos de ação civil pública, possa ser presumido.

Se existem pressupostos legais para o deferimento de cautela processual, estes devem ser observados. Presunções hominis guardam sua validade dentro do exercício prático do direito, desde que não concorram com a validade de leis. Estas últimas, em última análise, além de revelarem o sentido da norma, preservam a garantia de direitos.

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