De onde vem o Latour

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Queiroz e Melo, M. de F. A. de. Mas de onde vem o Latour? Mas de Onde vem o Latour? 1 But where does Latour come from? Maria de Fátima Aranha de Queiroz e Melo 2 Resumo Integramos, durante o doutorado, um grupo de pesquisa que se dedicou ao estudo das idéias de Bruno Latour das quais lançamos mão para desenvolver a nossa pesquisa. Trata-se de autor que têm provocado, ao mesmo tempo, controvérsia e curiosidade, instigando ao conhecimento de suas publicações. Pretendemos, neste ensaio, fazer a sua apresentação, sem a pretensão de esgotá-la, oferecendo alguns subsídios para a compreensão de como vem articulando Teoria Ator-Rede enquanto proposta teórico-metodológica para o trabalho científico. Palavras-chave: Bruno Latour, Woolgar, Teoria Ator-Rede; trabalho científico. Abstract During our graduate studies, we integrated a group of research dedicated to study Bruno Latour´s ideas, which we made use for developing our research. Latour is an author who has provoked, at the same time, controversy and curiosity, instigating the analysis of his publications. In this essay, we intend to present his thought, without the pretension of depleting it, offering some subsidies for understanding how the Actor Network Theory is a theoretician-methodological proposal well articulated for scientific work. Key words: Bruno Latour, Woolgar, Actor-Network Theory, scientific work Introdução Como ponderam Latour e Woolgar (2000, pp. 145, 146, 148), ao depararmo-nos com um objeto novo, podemos dizer o que ele é, falando de suas ações e submetendo-o a provações para, então, verificar se ele resiste e sobrevive. Por esta razão, tentamos dar a Bruno Latour um tratamento simétrico ao que dispensamos ao nosso objeto de estudo, ou seja, seguindo o traçado deixado pelos seus trabalhos, deixando que ele se revelasse ao mesmo tempo em que íamos testando a aplicabilidade das suas idéias. Ao resistir aos testes de força que lhes são impostos, fatos e artefatos vão sendo definidos/conhecidos pela sua performance, como um produto das conexões entre elementos muito heterogêneos que, articulados, lhes dão sustentação num campo agonístico de condições e enunciados equiprováveis. O Centre de Sociologie de l’Inovacion (CSI), dedica-se a estudar as produções sociotécnicas, dentro de um campo a que se denomina Ciência Tencologia e Sociedade, sob a ótica dos vínculos que humanos e não humanos estabelecem através do tempo (Dosse, 2003), sendo artefatos tecnológicos ou fatos científicos compreendidos como expressões de uma rede que tem seus efeitos em escala. Segundo Latour (1994a), “as redes são ao mesmo tempo reias como a natureza, narradas como o discurso, coletivas como a sociedade” (p. 12). Cada vez mais, dentro desta perspectiva, a Teoria Ator-Rede se constitui como valioso instrumento conceitual e prático para seguir os movimentos traçados nesta construção simultânea de homens e objetos em que materialidade e socialidade se mesclam, tendo como resultado a nossa condição de humanidade. Latour e Woolgar (2006) consideram urgente, para as ciências humanas, a exploração de novos domínios que podem passar pela tecnologia, pela saúde, pelos mercados, pelas artes, pela religião, pela lei, estabelecendo-se elos onde antes apenas estavam disciplinas isoladas umas das outras. A Teoria Ator-Rede proporciona uma forma alternativa para a prática das ciências, podendo ser uma ferramenta útil para redimensionar campos de estudo tradicionalmente limitados. Uma Sociologia Ator-Rede ou uma Psicologia Ator-Rede, levando em conta o estudo das fabricações humanas, são algumas das propostas que podem ser encaminhadas. Entendemos que é através de um Estudo Ator-Rede que se torna viável uma Psicologia Social do Objeto, uma das traduções 1 Este ensaio compõe um dos capítulos da Tese de Doutorado de Queiroz e Melo (2007). 2 Professora Doutora do Departamento de Psicologia e pesquisadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial (LAPIP) da Universidade Federal de São João Del-Rei, São João Del-Rei, Brasil. Contato: e-mail: [email protected] Pesquisas e Práticas Psicossociais 2(2), São João del-Rei, Fev. 2008 2

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  • Queiroz e Melo, M. de F. A. de. Mas de onde vem o Latour?

    Mas de Onde vem o Latour?1

    But where does Latour come from?

    Maria de Ftima Aranha de Queiroz e Melo2

    Resumo

    Integramos, durante o doutorado, um grupo de pesquisa que se dedicou ao estudo das idias de Bruno Latour das quais lanamos mopara desenvolver a nossa pesquisa. Trata-se de autor que tm provocado, ao mesmo tempo, controvrsia e curiosidade, instigando aoconhecimento de suas publicaes. Pretendemos, neste ensaio, fazer a sua apresentao, sem a pretenso de esgot-la, oferecendo algunssubsdios para a compreenso de como vem articulando Teoria Ator-Rede enquanto proposta terico-metodolgica para o trabalho cientfico.

    Palavras-chave: Bruno Latour, Woolgar, Teoria Ator-Rede; trabalho cientfico.

    AbstractDuring our graduate studies, we integrated a group of research dedicated to study Bruno Latours ideas, which we made use for

    developing our research. Latour is an author who has provoked, at the same time, controversy and curiosity, instigating the analysis of hispublications. In this essay, we intend to present his thought, without the pretension of depleting it, offering some subsidies for understandinghow the Actor Network Theory is a theoretician-methodological proposal well articulated for scientific work.

    Key words: Bruno Latour, Woolgar, Actor-Network Theory, scientific work

    Introduo

    Como ponderam Latour e Woolgar (2000, pp.145, 146, 148), ao depararmo-nos com um objetonovo, podemos dizer o que ele , falando de suasaes e submetendo-o a provaes para, ento,verificar se ele resiste e sobrevive. Por esta razo,tentamos dar a Bruno Latour um tratamentosimtrico ao que dispensamos ao nosso objeto deestudo, ou seja, seguindo o traado deixado pelosseus trabalhos, deixando que ele se revelasse aomesmo tempo em que amos testando aaplicabilidade das suas idias. Ao resistir aos testesde fora que lhes so impostos, fatos e artefatos vosendo definidos/conhecidos pela sua performance,como um produto das conexes entre elementosmuito heterogneos que, articulados, lhes dosustentao num campo agonstico de condies eenunciados equiprovveis. O Centre de Sociologiede lInovacion (CSI), dedica-se a estudar asprodues sociotcnicas, dentro de um campo a quese denomina Cincia Tencologia e Sociedade, sob atica dos vnculos que humanos e no humanosestabelecem atravs do tempo (Dosse, 2003), sendoartefatos tecnolgicos ou fatos cientficoscompreendidos como expresses de uma rede que

    tem seus efeitos em escala. Segundo Latour(1994a), as redes so ao mesmo tempo reias comoa natureza, narradas como o discurso, coletivascomo a sociedade (p. 12). Cada vez mais, dentrodesta perspectiva, a Teoria Ator-Rede se constituicomo valioso instrumento conceitual e prtico paraseguir os movimentos traados nesta construosimultnea de homens e objetos em quematerialidade e socialidade se mesclam, tendocomo resultado a nossa condio de humanidade.

    Latour e Woolgar (2006) consideram urgente,para as cincias humanas, a explorao de novosdomnios que podem passar pela tecnologia, pelasade, pelos mercados, pelas artes, pela religio,pela lei, estabelecendo-se elos onde antes apenasestavam disciplinas isoladas umas das outras. ATeoria Ator-Rede proporciona uma formaalternativa para a prtica das cincias, podendo seruma ferramenta til para redimensionar campos deestudo tradicionalmente limitados. Uma SociologiaAtor-Rede ou uma Psicologia Ator-Rede, levandoem conta o estudo das fabricaes humanas, soalgumas das propostas que podem serencaminhadas. Entendemos que atravs de umEstudo Ator-Rede que se torna vivel umaPsicologia Social do Objeto, uma das tradues

    1 Este ensaio compe um dos captulos da Tese de Doutorado de Queiroz e Melo (2007).2 Professora Doutora do Departamento de Psicologia e pesquisadora do Laboratrio de Pesquisa e Interveno Psicossocial (LAPIP) daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei, So Joo Del-Rei, Brasil. Contato: e-mail: [email protected]

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    possveis para uma Psicologia Ator-Rede. SegundoLatour e Woolgar (op. cit.), as cincias sociais(psicologia, sociologia, histria, geografia,lingstica,...) multiplicaram suficientemente asformas de existncia com as suas construes,sendo necessrio levar em conta a complexidade, aquantidade e diversidade das aes deflagradas. Asaes nunca esto restritas a um nico ator, poiseste apenas um alvo mvel de um enxame deentidades que se fundem sobre ele (2006, p. 67):acontece sempre em redes, se desloca, ultrapassada , influenciada, dominada ou retomadapor outros; traduzida e distribuda entre as vriasformas de existncia, nem sempre antropomrficas.

    De como buscar a simetria depois que fizerambifurcar a natureza.

    A curiosidade em torno de Bruno Latour freqente. fcil dizer onde nasceu, quais estudosrealizou, a formao que teve, de quem foidiscpulo, suas publicaes mais antigas e maisrecentes. Filho de um negociante de vinhos nointerior da Frana, no segue o mtier paterno. Optapelos estudos em filosofia na universidade e, graasao servio militar, vai frica e descobre aantropologia, tendo sido bastante influenciado pelotrabalho de Marc Aug, na Costa do Marfim.Percebe, nesta formao emprica comoantroplogo, que o tratamento dado s culturasestudadas estava longe de ser o mesmo aplicado nossa prpria cultura: amos ao corao das outrasculturas investigando seus patrimnios, festas etudo que permanecia de alguma forma arcaico(Latour & Woolgar 2005, p. 5), mas deixvamosintocado o nosso centro de produo de verdades(ibidem, p. 6). Nesta disposio de fazer umprograma de pesquisa inspirado na idia de umaantropologia simtrica, Latour tem a oportunidadede ir aos Estados Unidos e fazer pesquisas numlaboratrio onde se desenvolviam relevantespesquisas na rea da neuroendocrinologia. Anunciaaos seus pesquisados que, a partir de ento, terpara eles o olhar de algum que estuda uma triboextica, utilizando os mesmos mtodosantropolgicos aplicados, por exemplo, a uma triboafricana. Como resultado deste trabalho, publica,em 1997, com Steeve Woolgar, Vida deLaboratrio, livro em que nos possvel verificarque alguns conceitos por ele usados tiveram,assumidamente, a inspirao em outros autores.Para desenvolver seu ponto de vista sobre aatividade de laboratrio, evoca Michel Serres como conceito de circunstncias3, e a idia de por

    3 Ao invs de eliminar as circunstncias que permitem aemergncia de um fato cientfico para que s aparea o produtofinal de sua construo, Latour (1997) chama a ateno para ofato de que a prtica dos cientistas influenciada, parcialmentedependente ou causada pelas circunstncias (p. 271). Oconceito de circunstncia j havia sido desenvolvido em uma

    ordem no caos; em Bourdieu, resgata a noo decredibilidade4 com relao aos investimentos feitospelos pesquisadores; toma de emprstimo aBrillouin, da teoria da informao, a noo derudo, utilizando-a de maneira bastante metafricapara caracterizar a emergncia de um enunciadodito cientfico que difere entre outros enunciadosequiprovveis num campo agonstico; a idia deconstruo de Knorr-Cetina usada para mostrarque um laboratrio funciona como se fosse umausina de fatos, num lento e prtico processo em queas descries so mantidas e refutadas. Em outrostrabalhos (1994a, 2006) no nega a semelhana dasredes com a idia de rizoma postulada por Deleuzee Guattari. Seguir os rastros de todas essas e outrasinfluncias nas suas demais produes, entretanto,no a tarefa a que estamos nos propondo.Tentaremos aqui mapear apenas, em linhas gerais,algumas das principais idias que servem de guiaao pensamento do autor em foco, dentro daslimitaes deste trabalho.

    A preocupao de Latour com a questo de umtratamento simtrico nos procedimentosdesenvolvidos pelas cincias nas nossas sociedadesj fazia parte de um movimento em curso que athoje percorre todo o seu trabalho. Em Jamaisfomos modernos (1994a), Latour examina a posturadaqueles que levantaram a bandeira domodernismo. O autor entende que aqueles que sejulgaram modernos, na nsia de desbancar asantigas verdades, funcionaram sob a lgica daexcluso, pois, ao introduzirem novas idias,promoveram a ruptura e o apagamento daquelasque representavam o pensamento anterior, tidocomo obsoleto.

    A cena moderna, segundo Latour (ibidem),instaura um novo regime de pensamento em que seopera uma dupla ruptura: no tempo, por oposio auma antiguidade supostamente arcaica; e entregrupos de vencedores e de vencidos, nas guerrasdas idias pela supremacia de uma supostaverdade dos fatos. Com estas premissas, muitasoutras cises foram instaladas, ficando toda a lgicade se pensar as cincias viciada por essanecessidade de purificao atravs da diviso.

    Na hiptese de Latour (1994a), a constituiomoderna da verdade designa dois conjuntos deprticas que precisam estar apartadas uma da outrapara terem alguma eficcia: 1. As prticas de

    perspectiva filosfica por Michel Serres (1977) de quem Latourfoi discpulo.4A noo de credibilidade nos d a dimenso do custo de umainformao cientfica, dos esforos despendidos para que asfabricaes da cincia tenham crdito, levando em conta osinvestimentos em dinheiro dos organismos de financiamento, otempo e a energia j empregados nessa construo, a carreira dospesquisadores em questo, perfazendo, nesta rede, uma sntesedas noes econmicas (dinheiro, oramento, rendimento) comas noes epistemolgicas (certeza, dvida, prova). (Latour &Woolgar, 1997)

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    traduo, responsveis pelas misturas que fazemsurgir incessantemente os hbridos de natureza ecultura; 2. As prticas de purificao que negamas misturas efetuadas entre humanos e nohumanos, operadas pelo conjunto de prticasanteriormente mencionado e, portanto, s fazemsentido em funo deste.

    Essas prticas de purificao deixaram otrabalho das cincias calcado nas separaes entre oantigo e o novo, natureza e sociedade, cincia esenso comum. A prpria diviso da cincia seconstruindo estaria pautada nestas divises.

    Segundo Hochman (1994), a proposta deLatour uma reao tanto s concepesinternalistas da cincia, que colocam oconhecimento cientfico em um lugar privilegiadoentre outros tipos de conhecimento, estando sujeitos suas prprias leis, assim como s anlises quepriorizam o contexto de descoberta dos fatoscientficos, tambm chamadas de externalistas.Latour tenta fugir de ambos os casos quando osapresenta como duas formas de um reducionismofrequentemente cometido: como se fossem doislquidos que podemos fingir misturar pela agitao,mas que se sedimentam to logo deixados emrepouso (Latour & Woolgar, 1997, p. 20). O seutrabalho situa-se entre aqueles que fazem o esforode traar detalhadamente relaes entre contexto econtedo, sem isolar a dimenso cognitiva dosfatores sociais que circundam a produocientfica e dela fazem parte.

    Da Escola de Edimburgo5, herda os princpiosdo Programa Forte de David Bloor e Barry Barnes,em oposio ao que se chamou de Programa Fraco.O Programa Fraco se apia na idia de que suficiente cercar a dimenso cognitiva das cinciascom uns poucos fatores sociais para ser chamadode historiador ou socilogo. Um Programa Forte aquele que deve levar em conta o contexto social eo contedo das cincias, exigindo simetria em todasas explicaes do desenvolvimento cientfico(Latour & Woolgar, 1997).

    Segundo Palcios (1994), apesar de datar davirada do sculo XIX para o XX, a proposio - deque haveria uma relao a ser investigada entreconhecimento cientfico e o contexto social no qualera produzido - marcou uma abordagem singular noPrograma Forte de Bloor e Barnes, gerando muitascontrovrsias nos debates contemporneos daSociologia das Cincias, na dcada de 70. Atento, a sociologia do conhecimento seguia porduas vertentes: uma que estudava o conhecimentocomum, orientada para o entendimento, da cultura,das crenas compartilhadas pelos membros de um

    5A Escola de Edimburgo agrupava socilogos da Unidade deEstudos da Cincia da Universidade de Edimburgo, como BarryBarnes e David Bloor que, atravs de suas obras, passam a serconhecidos pela singularidade das idias defendidas em torno doPrograma Forte (Palcios, 1994).

    grupo social, mais centrada, portanto, nainvestigao antropolgica das sociedadesprimitivas; outra que se dedicava a estudos sobre oconhecimento cientfico, fosse investigando ahistria das descobertas cientficas, fosse fazendo aanlise das instituies contemporneas onde sedesenvolve a atividade cientfica. Esta ltimadiviso estabeleceu tacitamente uma atribuio deencargos. Sociologia das Cincias eramatribudos os estudos sobre as instituies dacincia moderna e a investigao histrica dasinovaes cientficas, centrados no contexto dadescoberta. Filosofia das Cincias caberiam osestudos relacionados com o contedo doconhecimento cientfico, na busca de relaes entreo contedo mesmo da descoberta cientfica e asquestes filosficas a ela inerentes.

    Na dcada de 70, houve uma ruptura noslimites entre a Sociologia das Cincias e a Filosofiadas Cincias, mesclando-se os objetos de estudodessas duas disciplinas. A Sociologia das Cinciasconsolidou-se como rea de especializaoreconhecida e abriu novas frentes de investigaoda atividade cientfica. O Programa Forte aparece,ento, neste momento, para formalizar a rupturaentre a abordagem tradicional da Sociologia dasCincias e esta abordagem emergente (Palcios,1994).

    O Programa Forte da Escola de Edimburgo, deacordo com Palcios (1994), apia-se em quatroprincpios: de Causalidade, defendendo umarelao estreita entre as variveis sociais e oscontedos das teorias cientficas; deImparcialidade, investigando tanto o verdadeirocomo o falso, o racional e o irracional; de Simetria,tomando os mesmos padres de explicao, quer setrate de acerto ou erro nas cincias; deReflexividade, aplicando-se tambm prpriaSociologia.

    Em Latour e Woolgar (1997), encontramos ocomentrio de que o Programa de Bloor eratriplamente forte: fortemente crtico, fortementecriticado e fortemente criticvel, dando indcios deque, embora herdeiro do Programa, este autor seriatambm seu dissidente. Com Latour, o Princpio deSimetria foi extremizado e estendido para a anlisedos elementos que compunham os plos Natureza eSociedade. Estes dois plos, ainda muito marcadosno Programa de Bloor, deixavam insustentvelqualquer posio que buscasse romper com osdualismos instaurados pelo pensamento moderno.A separao entre a representao das coisas(cincias) e a representao dos humanos (poltica)permanecia intocada nos trabalhos da Escola deEdimburgo. Para implementar de fato um Princpiode Simetria, Latour (1992) prope um movimentoainda mais radical, ao que chama de mais umavolta depois da volta social (p. 277).

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    A assimetria, anterior a Bloor, explicava averdade com a Natureza, ou seja, com opositivismo das cincias naturais, deixando o erropara o estudo das cincias sociais. s cinciasduras, era dado o estatuto do exato, do verdadeiro,enquanto que s cincias moles, creditava-se investigao do erro: uma cincia para estudar oselementos naturais e uma cincia para estudar oselementos humanos. A simetria introduzida porBloor busca, segundo Latour (ibidem), a explicaodo erro e da verdade no plo da sociedade, fazendouma volta social. s estruturas sociais, Bloor,fortemente influenciado pelas idias de Durkheimque tem o social como causa e princpio de todas ascoisas, teria atribudo um papel preponderante naexplicao dos sucessos e fracassos nodesenvolvimento da cincia, mantendo assim aassimetria dos modernos.

    Latour prope um segundo princpio desimetria para explicar a Natureza e a Sociedade,atribuindo-lhes igualdade de tratamento echocando-se, portanto, com a distino bipolarestabelecida por Kant, a mesma usada pelaConstituio Moderna da Verdade. Para Latour,nem Natureza nem sociedade so puras, assimcomo no esto previamente dadas. Ambas so oresultado das trocas de propriedades entreelementos humanos e elementos no-humanos(1994b). As misturas que ocorrem incessantementeentre esses elementos advm dessa cenaexperimental que faz fluir as prticas de traduo -negadas pelos modernos - gerando novos laossociais e redefinindo, ao mesmo tempo, do que sofeitas a natureza e a sociedade.

    A modernidade, segundo Latour (1992), seapia em dois iluminismos:

    Para destruir o obscurantismo, adominao e o fanatismo, a modernidade usou oplo Natureza, instituindo as cincias naturais pararepresent-la e para desbancar as falsas pretensesdo plo social

    Para desbancar o cientificismo eas falsas pretenses do plo natural, os modernosusaram as explicaes sociais (economia,psicanlise, sociologia, semitica).

    Inspirao em Whitehead

    Nenhum dos dois iluminismos abdicou da idiade explicar o mundo a partir de plos. Assim,Latour (2002) recorre a Whitehead para rechaaressa lgica assentada em plos que tem marcado opensamento ocidental. Operou-se, nessa forma dosmodernos de entender o mundo, o que Whiteheadchamou de bifurcao da natureza que ocorrequando aceitamos a premissa de que o mundo deveser dividido em dois conjuntos de coisas: umcomposto pelo que est na natureza, matria de queo universo constitudo, das coisas reais cujasqualidades primrias seriam independentes da

    existncia de um observador; outro, composto porqualidades que nossos sentidos atribuem a esteselementos do mundo, sendo, portanto, qualidadessecundrias. O primeiro conjunto seria passvel deestudo pelas cincias, enquanto que o segundo seriaa matria da qual nossos sonhos e valores soconstrudos (Latour & Woolgar, 2002, p. 2). Comesta diviso, os modernos criaram uma situaoimpossvel de resolver, um paradoxo em que oconhecimento s se torna possvel como umatentativa de aproximao das qualidades primrias(coisas em si) pelas qualidades secundrias(representaes). Aos primeiros elementos, osmodernos atriburam fixidez e a-historicidade,manobra para tornar o mundo possvel de sercapturado pela percepo humana. Aos segundos,maior dinamismo, historicidade e independnciacom relao aos primeiros. Como resultado, doisconjuntos de elementos separados por umverdadeiro abismo ontolgico (Latour &Woolgar, 2002a, 2002b), auto-suficientes paraexistirem de forma independente, sem precisaremse afetar mutuamente. Trata-se de uma viso quecongela, em grande medida, a possibilidade detransformao nas pontas, sem levar em conta queestas esto em contnua mistura, produzindohbridos incessantemente e indefinidamente.

    Evidenciando o gosto pelas idias do filsofoAlfred Whitehead, Latour encontra afinidades como trabalho de Isabelle Stengers, filsofa empenhadana tarefa de traar as linhas de uma cosmopoltica,empreendimento prximo ao que Latour chama deuma epistemologia poltica. A bifurcao danatureza foi, segundo Whitehead (apud Stengers,2002), um verdadeiro veneno para o pensamentomoderno. No livro em que Stengers (ibidem) temcomo proposta debruar-se sobre o pensamentodeste filsofo, ampliando-o e desdobrando-o pararefletir sobre questes da contemporaneidade,aponta para a bifurcao da natureza como umadiviso artificial entre o sujeito e o mundo que nemsempre foi assim: a natureza, tomada como objetode conhecimento e o humano dotado de conscinciacrtica, tornado pelos tericos do conhecimentocomo prottipo do sujeito cognoscente, foi umaconstruo e, como tal, passvel de ser testada nasua capacidade de operar ou travar o conhecimento.

    Os primeiros pensadores que propuseram distinguiruma natureza objetiva, caracterizada pelasqualidades ditas primrias (os pequenos corposmudos e figurados), da natureza da qual ns fazemosa experincia, rica de odores, de cores, designificaes, eram certamente aventureiros. Mas adistino tornou-se hoje palavra de ordem,transmitida sob o modo de evidncia, vetor deabsurdidade, produtor de impasses que no so

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    somente intelectuais mas tambm prticos, atpolticos (p. 21)6

    Para as questes que giram em torno da divisosujeito x objeto, Whitehead (apud Stengers,Ibidem) prope uma substituio, colocando em seulugar questes sempre pragmticas: devemos estarprontos para experimentar aquilo que pode produzirnovos hbitos, o que pode tornar possvel novasconvenes. com esta inspirao que Stengers(ibidem) usa o pensamento especulativo deWhitehead para lutar contra o empobrecimento daexperincia, contra a confiscao daquilo que fazsentir e pensar (p. 34). No se trata, segundo aautora, de substituir a idia de bifurcao danatureza por outras detendo um poder ainda maior,mas de permitir que a aventura de pensardivergentemente possa ter lugar a cada vez queformos confrontados com algum modo deexistncia que nos provoque a pensar e sentir deuma outra forma.

    Um Latour pragmatista

    Ao longo da extensa e recente produo deLatour, outras influncias, que no temos apretenso de esgotar, vo sendo percebidas.Comungando com bases metodolgicas muitosemelhantes s de Vinciane Despret, psicloga quese dedica a estudos etolgicos, podemos perceberque muito forte a influncia dos pragmatistasWilliam James e John Dewey de quem Latour sedeclara discpulo (Barron, 2003).

    Uma semelhana que encontramos entre Jamese Latour a forma como definem seus mtodos.James (1974), em sua Segunda Conferncia7,define o pragmatismo como um mtodo, uma teoriagentica do que se entende sobre verdade, que voltaas costas aos princpios firmados, aos sistemasfechados, s pretenses ao absoluto e s origens.Ao contrrio do racionalismo, que se sente vontade na presena de abstraes, o pragmatismosente-se mal longe dos fatos, fala das verdades noplural, pensa sobre sua utilidade, sobre as condiesde xito com que trabalham (p. 17). Opragmatismo tomado por James (ibidem) comoum mtodo que se harmoniza com vrias teorias,flexionando-as, tomando-as como instrumentos epondo-as a trabalhar na indicao de caminhospelos quais as realidades existentes podem sermodificadas (ibidem, p. 12).

    6 Traduo nossa.7 Escrita em 1907 e intitulada O que significa o Pragmatismo,esta conferncia compe uma srie de outras escritas por James,na primeira dcada do sculo XX, reunidas na obraPragmatismo: um novo nome para velhas maneiras de pensar,com o objetivo de explicitar as idias postuladas por esta novacorrente filosfica cujos princpios tambm eram compartilhadospor filsofos como Charles Pierce e John Dewey.

    Contra o racionalismo como uma pretenso e ummtodo o pragmatismo acha-se completamentearmado e militante. Mas, em princpio, pelo menos,no visa resultados particulares. No tem dogmas edoutrinas, salvo seu mtodo. Como o jovempragmatista italiano Papini disse muito bem, situa-seno meio de nossas teorias, como um corredor em umhotel. Inmeros quartos vo para ele. Em um, pode-se encontrar um homem escrevendo um volumeatestico; no prximo, algum de joelhos rezando porf e fora; em um terceiro, um qumico investigandoas propriedades de um corpo. Em um quarto, umsistema de metafsica idealista est sendoexcogitado; em um quinto, a impossibilidade dametafsica est sendo demonstrada. Todos, porm,abrem para o corredor, e todos devem passar pelomesmo, se quiserem ter um meio prtico de entrar esair de seus respectivos aposentos. (p. 13)

    A Teoria Ator-Rede, defendida por Latour e

    seus pares, segue a mesma tendncia observadaquando do surgimento do pragmatismo, definindo-se como um mtodo, mais do que como uma teoria.Podemos entend-la mais como um instrumento doque como um produto, mais um pincel do que apaisagem que ele pinta (Latour & Woolgar, 2006,p. 208). Est interessada no seguimento de eventosque ocorrem no mais somente em laboratrios,mas que tm sua insero na vida comum,resultando em conseqncias prticas para seusatores. A Teoria Ator-Rede tem encontrado suaaplicao nas reas mais diversas da pesquisa: daengenharia, da medicina, da msica, da psicologia,da religio, do direito, enfim, nas cincias duras oumoles, onde quer que as controvrsias se instalem,onde quer que algo esteja surgindo como invenoou polmica.

    Quando seus informantes misturam em uma mesmafrase organizao, hard-ware, psicologia e poltica,no comece a achar que eles esto errados pormisturarem tudo; tente, ao contrrio, seguir asassociaes que eles fazem entre estes elementos quelhe teriam parecido totalmente incompatveis unscom os outros se voc tivesse seguido a definiousual do social. (ibidem, p. 206)8

    Na Teoria Ator-Rede, a idia de uma teoriageral das relaes, ou filosofia das preposies,alm de influncias como a de Gabriel Tarde, queveremos adiante, mais diretamente herdeira dopensamento de Serres. O trabalho de Serres (1999)tem como proposta abranger o traado de mapas e atessitura de redes numa abordagem sem fronteirasdisciplinares. Pela lgica das tradues que operamaproximaes e efetuam passagens, Serres v asidias de tempo e espao em forma de redes e nomais regidas pelas linhas retas, elegendo a figura de

    8 Traduo nossa.

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    Hermes como a de um mediador livre que passeianesses tempos e espaos dobrados e que, portanto,tem a funo de estabelecer conexes (p. 87). DeSerres aos pragmatistas, num trajeto inverso, oscaminhos percorridos para conceber a Teoria Ator-Rede so muitos e errticos, quase um zig-zag nosquais nem sempre d para perceber claramente acostura das muitas influncias que compem a obrade Latour.

    Se examinarmos o pragmatismo, na verso deJames e Dewey, veremos que o que lhes interessa o valor prtico dos conceitos que s se validam naprpria experincia, tendo como fim enriquec-la.Para este que, segundo James, apenas um mtodo,no h conceito que possa ser tomado como final.Nomes encantados como Deus, Razo, Absoluto,Matria, Energia no podem ser tomados comodefinitivos, pois deles temos que extrair sempre oseu valor prtico, pondo-os para trabalhar dentro dacorrente da nossa experincia.

    Para Latour e Woolgar (2006), tambm hpalavras encantadas que no podem ser tomadascomo definitivas. Entre outras palavras comonatureza e sociedade, sempre produtosinstveis emergindo de redes de elementos muitoheterogneos, detm-se na anlise da idia desocial. Para ele, social uma m palavra, seusada como adjetivo, designando uma matria daqual so feitos os eventos, como se determinasse epr-existisse as interaes. O social , para Latour,algo em construo, a ser explicitado, pois nosabemos de antemo de que o mundo feito, umavez que as associaes podem se redefinirconstantemente e que sempre teremos novoselementos aspirando a fazer parte de suacomposio. Por isso, o social no pode serestabelecido previamente e transcendentemente.Latour e Woolgar (2006) nos do fartos elementospara estabelecermos a acepo de social que nosconvm em contraste com aquela que comumenteveiculada pelas chamadas Cincias Sociais. Noentendimento corrente para o termo social,encontramo-lo como uma sombra projetada sobreoutras atividades, como explicao bvia eantecipada para toda uma srie de eventos cujosatores j se encontram agrupados. Para Latour eWoolgar (ibidem), social no um domnioparticular, mas um princpio de conexo que deveser encarado como uma espcie de fluido emcirculao que novos mtodos de investigaodevem ser capazes de permitir seguir. Para tanto,ressalta que, como pesquisadores, deparamo-noscom uma srie de incertezas, quando pretendemosseguir os rumos que tomam os fenmenos. Seguiros acontecimentos, traar as conexes entre osvrios agentes que agem e fazem agir a outros atarefa de um Estudo Ator-Rede. So os relatriosque narram estes estudos e constituem os lugaresonde misturamos os fatos, fazendo desta

    experimentao uma prova de fora das idiascandidatas a um processo de verificabilidade.

    O conceito de verificabilidade ou validao deuma verdade em James incrivelmente prximo doque Latour e Woolgar (2006) definem poraccountability9. James (1974), no prefcio de Osignificado da verdade10, diz que esta (a verdade)no inerente a uma idia. Ao contrrio, elaacontece a uma idia, que se torna verdadeira pelaocorrncia dos eventos. Sua validao , por assimdizer, construda, validada, verificada junto a ummilho de outros processos em nossas vidas, semelhana do campo agonstico no qual ocorremas fabricaes cientficas relatadas em Latour eWoolgar (1997, 2000). Para Latour e Woolgar(2006), accountability um movimento inerente aesse processo que vai acontecendo na fabricaodos relatrios de pesquisa: um compte rendu prestacontas, constri, faz a validao das idias em umcampo de disputas, recusando-se a deixar de lado aquesto da sua veracidade (2006, p. 184). atravs deste processo que - coincidem estes doisautores, Latour e James - um fato cientfico poderiaser construdo. Mais que um prestar contas, umrelatrio de pesquisa leva em conta e d-seconta de uma verdade que, antes, no tinhapassado pelo processo de validao.

    Quando James (1974) define o pragmatismoem sua Segunda Conferncia, ele fala de como umanova verdade assimilada s crenas em estoque,de como esta nova idia se torna verdadeira,quando enxertamo-la no velho corpo da verdade,que se desenvolve, assim, de modo semelhante rvore que cresce pela atividade de uma novacamada de cmbio (p. 16). Em acordo com Deweye Schiller, o autor (ibidem) faz referncia s antigasverdades como tendo tambm passado pelo estatutode validao, antes de serem admitidas comoverdadeiras.

    Elas tambm em certo tempo foram plsticas. Foramtambm chamadas verdadeiras por razes humanas.Mediaram tambm entre verdades ainda mais antigase o que, naqueles dias, eram observaes novas. [...]A trilha da serpente humana, pois, est sobre tudo (p.16)

    Essa idia dos pragmatistas se assemelha aoargumento que Latour e Woolgar (2000)desenvolvem em Cincia em ao. Toda a cincia,tida como uma fabricao humana, tem duas faces,como as de Janus: uma jovem, em construo, a dosfatos quentes, ainda moles, aspirando por validaonum campo de disputas; e outra, madura, jestabelecida e tida como verdadeira, na medida emque as controvrsias em torno dos contedos em

    9 Palavra no traduzida na edio em francs de Latour (2006).10 Obra escrita em 1911.

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    questo j cessaram, podendo-se fechar a caixapreta de um conjunto de idias aceitas por todos,uma vez que se tornaram proveitosas para aquelesque com elas trabalham, pelo menos at que novascontrovrsias venham a desestabiliz-las.

    Outra idia encontrada em Latour e Woolgar(2002d) com assumida inspirao jamiana aconcepo de corpo e de aprendizagem. Utilizadatambm por Despret (2001) com relao ao estudodas emoes (apud Latour & Woolgar, 2002d), aconcepo de corpo de James a de um corpo queaprende a ser afetado por outras entidades, tantohumanas como no humanas, que o colocam emmovimento, deixando-o, ao mesmo tempo, maisvinculado e mais interessante. O corpo umainterface em que, atravs de uma trajetriadinmica, as aprendizagens vo sendo registradas, medida que nos tornamos sensveis ao que est aonosso redor: um corpo que se afeta um corpoligado ao mundo em que vive, sendo o seucontrrio um corpo empobrecido dos outros,centrado apenas em si. Esta idia far uma enormediferena se tomarmos para reflexo as questes daaprendizagem, da pesquisa e da produo deconhecimento, pois o privilgio de um sujeitocognoscente sobre um mundo que estpassivamente espera de ser conhecido passar aceder espao a uma prtica a que Despret (2002)chama de meio justo: uma troca de propriedadesentre partes que se encontram (antigas e novasverdades, pesquisadores e pesquisados, os que jesto e os que chegam, parceiros, colegas,oponentes...), num dilogo em que a novidade vaise validando a um custo menor para o que antesestava estabelecido. Ao invs da imposio deuma(s) parte(s) sobre outra(s), da substituio deuma(s) pela outra(s), como pretendeu o projetomoderno, as partes se transformam no contato comverses heterogneas, reunindo propriedadesatravs do ajuste de prticas e interesses hbridos,meio pelo qual estas partes recebem, umas dasoutras, a chance de transformao mtua. aJames que Despret recorre na empreitada destefazer conhecimento, tomando como valor acondio de que este conhecimento sejainteressante, de que nos d a possibilidade deenriquecer a realidade e no de simplesmentedubl-la, frmula extensamente utilizada pelosmodernos.

    Teriam ignorado, ento, os supostos modernosque no se pode negar a prpria herana, uma vezque esta funciona como um lastro de possibilidadespara a entrada de novos elementos e nonecessariamente para sua evitao? Como fazer aarticulao com o diferente, com o que chega?Como realizar as misturas entre elementos dspares,humanos e no humanos? O quanto deixar-se afetarpelo outro resultar em misturas proveitosas? Serpossvel conviver com o resultado dessas misturas?

    Para um pragmatista como James, este dueloentre antigas e novas verdades constante ecompreensvel na arena humana, mas a pacificaono se opera pela eliminao de outras verses, masatravs da possibilidade de realizar, com estas,aproximaes ao menor custo.

    Essa idia nova , ento, adotada como sendo averdadeira. Preserva o estoque mais antigo deverdades com um mnimo de modificaes,estendendo-as o bastante para faz-las admitir anovidade, mas concebendo tudo em caminhosmais familiares o quanto possvel. [...] Temosuma teoria verdadeira exatamente emproporo capacidade de solver esseproblema de mxima e mnima. Mas o xitoem resolver esse problema eminentementeum caso de aproximao.[...] Em um certograu, portanto, tudo aqui plstico. (James,1974, p.15)

    Outro pragmatista com quem Latour e Woolgar(2006) estabelecem um elo Dewey, atravs daidia de pblico. O pblico algo produzido pelascincias sociais que deveriam ter o compromisso deoferecer uma multiplicidade de verses daquilo quesomos, maneira de pensar completamente contrriaa de uma cincia com uma nica e totalizante visodos fatos cuja pretenso a de ser um reservatriode universalidade. Com a idia de pblico deDewey, Latour e Woolgar (ibidem) defendem umasociologia sempre renovada pelos novosingredientes que vo sendo introduzidos noscoletivos. Arendt (2006) toma a acepo de pblicoem Dewey, referindo-se s conseqnciasinesperadas de nossas aes frente s quais nohaveria especialistas, ou seja, de umaexperimentao coletiva que coloca cientistas ecidados no mesmo barco e que tem relao bviacom o conceito de simetria (pp. 5-6), como sugereLatour, ao reatar o conhecimento cientifico e oconhecimento do senso comum, sem maisnecessidade das purificaes operadas pelosmodernos.

    O que Latour e Woolgar (2004, 2005) trazemcomo proposta para a composio de um mundocomum a diplomacia, esta disciplina pela qualser possvel estabelecer negociaes e alianaspara o atingir este meio justo em que a troca depropriedades poderia fazer emergir uma terceirapossibilidade em que nenhuma das partes isoladasanteriores ao contato prevalecem, mas uma outraverso mais enriquecida pelo encontro de ambas.Para os modernos, a diplomacia no se fazianecessria, pois as outras culturas apenasprecisavam ser domesticadas para uma novaposio, via processo pedaggico. Ensinadas a sercomo cabia aos tempos modernos, as culturas

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    precisavam se transformar pela cincia, marcando adistino entre fatos e valores.

    Latour, herdeiro de Tarde

    Para Latour (1992), ao contrrio dopensamento moderno, a atividade ontolgica no seencontra nas extremidades, podendo serredistribuda entre os vrios actantes, dentro de umaperspectiva em redes. Com a idia de redes,podemos ter tantos plos quantos forem os atores,assumindo uma composio plural do mundo, emfuno da qual o autor (ibidem) coloca as idias demnadas11, campos, foras, redes, dando suporte aoseu pensamento.

    assim que Latour e Woolgar (2001) assumemque a Teoria Ator-Rede tem um antepassado.Localiza em Gabriel Tarde uma refernciarespeitvel para compor a rvore genealgica deuma causalidade em redes. Este autor, segundoLatour e Woolgar (ibidem), foi, na virada para osculo XX, uma figura maior na sociologiafrancesa, enquanto Durkheim era ainda uminiciante na carreira de professor. Com o passar dotempo, Durkheim torna-se o maior representante dasociologia na Frana e Tarde perde o prestgio,caindo no esquecimento. Ou seja, a histria dasociologia atribui a Tarde o papel de vencido, suasidias perdem a validade, passando a ser encaradascomo meras especulaes. Em pleno exerccio doPrincpio de Simetria de um programa realmenteforte, Latour dedica-se ao resgate e re-habilitaodas idias tardianas.

    Em Monadologia e Sociologia, livro de Tardere-publicado em 1999, Latour vai encontrar doisargumentos que do apoio Teoria Ator-Rede:

    A diviso entre a natureza e asociedade irrelevante para entender o mundo dasinteraes humanas.

    A distino entre macro e microsufoca qualquer tentativa de entender como asociedade est sendo gerada. (Latour, 2001a, p.117).

    Latour (ibidem) analisa as razes pelas quais asidias de Tarde no encontram um solo frtil para oseu desenvolvimento, permitindo a Durkheim acondio de vencedor ancorado na sua visomacrossocial: a sociedade da poca nocomportaria um pensador das redes, fato que s setornou possvel contemporaneamente, quase um

    11 A palavra mnada vem do grego com o significado deunidade, elemento mnimo, indivisvel do real. O termo foiutilizado pela primeira vez pelos pitagricos que se referiam mnada como a primeira unidade da qual derivam todos osnmeros. Foi utilizada por outros filsofos e tambm pelaespeculao crist. Com o renascimento, a noo de mnadaganha um sentido filosfico de grande importncia atravs daconcepo de unidade de todas as coisas, inserida namultiplicidade, que reflete em si, de forma contracta, o universo(Pitta, 1991: p. 934). Esta idia foi retomada por outrospensadores.

    sculo depois, num tempo em que as redes sousadas amplamente como modelo defuncionamento.

    Apoiado em Tarde, Latour (ibidem) prope quesubstituamos o termo social por associao. Umarede formada pela associao de elementosheterogneos, variados, mnimos. A anlise deTarde, em oposio quela de Durkheim, microssocial: do pequeno que tudo comea e lque encontramos a chave para entender o grande. Amnada o material primeiro do qual todo ouniverso composto. Tarde no s se recusou atomar a sociedade como a ordem maior e maiscomplexa para anlise, como tambm se negou aconsiderar o humano como nico material de suacomposio.

    Da mesma forma que o primeiro argumento deTarde, esboado acima, a Teoria Ator-Rede norespeita qualquer fronteira entre a natureza e asociedade, nem tenta explicar os nveis inferiorestomando os nveis superiores como referncia.Sociedades, para estas abordagens, no passam deassociaes. H sociedades de estrelas, hsociedades de tomos, h sociedades de clulas, hsociedades de organismos e h sociedades dehumanos que no devem gozar de nenhumacondio especial porque so simblicas ou porqueso capazes de gerar macro-organizaes. Se paraDurkheim devemos tratar os fatos sociais comouma coisa, em Tarde encontramos a idia de quetodas as coisas constituem sociedades, que qualquerfenmeno um fato social e que toda cincia temque lidar com assemblias de mnadas.

    O segundo argumento desenvolvido por Tardeaparece como uma conseqncia do primeiro: domicro ao macro ou do macro ao micro, o que temos uma variao de escala, uma extenso ou umareduo, sendo o nvel macro possvel de alcanarapenas estatisticamente. A estrutura social para aabordagem das redes resulta, em carter provisrio,da repetio, da rotinizao e da simplificao deelementos locais traduzidos para um idioma geral.Para ser um bom socilogo, Latour re-edita Tardecom a afirmao de que devemos olhar para baixo,para o pequeno, para o particular, para o detalhe epara as micro-histrias. l que as mnadasdiferem ao desenvolver sua ao imprevista, ao sechocarem, ao concorrerem, ao compartilharem suaexistncia, umas com as outras, sem que hajanenhuma fora superior regendo seu destino.Contrariamente s mnadas de Leibniz, as mnadasda abordagem das redes no obedecem a umprincpio divino de harmonia pr-estabelecida: elasse agregam e diferem incessantemente no seumovimento de existir. Para a concepo tardiana,tendo Latour como defensor, existir diferir, produzir efeitos. Podemos definir uma entidadequando conhecemos suas propriedades, sendo estas

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    conhecidas atravs dos efeitos provocados pelo seudetentor. De uma lgica das essncias, passamos auma lgica das performances.

    Latour, um construtivista no moderno.

    Alm da influncia da monadologia de GabrielTarde e de vrias idias dos pragmatistasmencionados, Latour Woolgar (2002c) tambm seassumem como construtivistas. Mas umconstrutivista no moderno. Matthews (1994) nosajuda a entender por que pensar um construtivismono moderno, apontando, como um paradoxoinerente ao construtivismo inspirado nos padresmodernos, ao qual estamos acostumados, a criaodesta necessidade de sempre se fazer umacorrespondncia entre idias e realidade como umacondio para o conhecimento. Trata-se, segundoMatthews (ibidem), de um erro herdado doparadigma epistemolgico empiricista aristotlicoque se manteve em toda doutrina construtivista. Oconstrutivismo o famoso velho lobo empiristavestido de ovelha contempornea [...] o vinhoempirista, to criticado pelos construtivistas,servido em garrafas novas (p. 81), diz ele. Talocorre, pois o paradigma em que se apia oconstrutivismo moderno re-edita o modeloempirista que preconiza uma realidade l, compostade coisas em seu estado puro, e de um sujeito peloqual tudo passa, no qual tudo se centra, cuja mente ativa na cognio porque intui formas e organizaas experincias proporcionadas por seus sentidos.

    Qualquer epistemologia que formule o problema doconhecimento em termos de um sujeito que observaum objeto e se pergunta at que ponto o que vreflete a natureza ou a essncia do objeto quintessencialmente aristotlico ou, maisgeralmente, empirista (Matthews, 1994, p. 83).

    Toda construo, seja ela terica, seja elamaterial, est muito mais merc de circunstnciasvariadas do que geralmente podemos nos dar conta.Nem tudo est sob, ou passa pelo controle dohomem, segundo Matthews (ibidem). Aqui, j nos possvel considerar a proposta de Latour comosendo construtivista, mas de um tipo em que se nose toma mais o velho paradigma dacorrespondncia como condio para oconhecimento. Para continuar utilizando a palavraconstrutivismo sem cair na escolha cominatriaentre construo e realidade, Latour e Woolgar(2002c) propuseram, inspirados em Ian Hacking(1999, apud Latour & Woolgar, ibidem)12, algumasgarantias para compor o que chamou de umaabertura diplomtica diferente para a interminvelquerela entre realistas e construtivistas:

    12 Hacking, I.(1999) The Social Construct of What? Cambridge, Mass, Harvard University Press.

    A primeira garantia toma a realidade comopremissa. Para Latour e Woolgar (1997, 2002c), arealidade aquilo que resiste presso de umafora e que no pode ser mudado vontade, sendolevada em conta, portanto, como real. O que existe aquilo que deixa traos, o que produz efeitos,sendo estas marcas uma conseqncia dessaexistncia que no se aplica apenas aos humanos.

    A segunda garantia prev um processo dereviso contnua com relao s entidades quepleiteiam o direito existncia, uma vez que noforam levadas em conta num mundo previamentearrumado por alguns. Para pensarmos num mundocomum, preciso garantir que as vozes dos novoscandidatos existncia sejam ouvidas, no estandoestas vozes limitadas somente aquelas doshumanos.

    A terceira garantia entende o mundo comumcomo uma meta a ser alcanada e no como algodado: no est pronto de uma s vez e para sempree deve ser construdo progressivamente por todos,jamais sob a regncia de uma nica lgica.

    A quarta garantia engaja humanos e nohumanos numa histria de associaes impossveisde serem desfeitas. A separao de humanos e nohumanos, natureza e cultura no pode ser mantidasob pena de se esvaziarem as nossas fabricaes.Tais associaes de mente e matria so, paraLatour e Woolgar (ibidem), uma fonteindispensvel de energia, aquilo que garante adurabilidade do que construmos, perdurando eresistindo, no tempo, para alm de nossaexistncia.

    A quinta garantia a de que no fiquemosparalisados pela escolha absurda sobre o que ouno construdo, mas que a superemos em prol daavaliao do que uma boa ou uma m construo.As boas construes seriam aquelas realizadas sobo signo da incluso, engajando a maior quantidadepossvel de actantes, tornando-os cada vez maisinteressantes e interessados do que eram no pontoinicial do processo. Latour e Woolgar (2006)comentam que, no francs, afirmar que uma coisa construda o mesmo que dizer que podemosidentificar-lhe uma origem humilde, visvel einteressante, no estando mais em questo se ascoisas so ou no construdas, mas se esto bem oumal construdas.

    Para Latour, portanto, o conhecimento construdo, mas depende de muitas outras coisasalm da mente dos humanos: envolve uma redeheterognea de materiais, representaes,financiamentos, presses econmicas, disputaspolticas, numa cadeia infindvel de elementos.Uma caracterstica diferencial desteconstrutivismo no moderno que acorrespondncia no mais a condio para oconhecimento, uma vez que no h mais plos

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    apartados a se fazer corresponder (de um ladosujeito que conhece e, de outro, um objeto que conhecido).

    Empreendendo tradues

    Vinho velho em garrafas novas? Sim e no,pois at o vinho difere quando envelhece. Suaspropriedades no so as mesmas de quando eraverde: h uma mudana no seu bouquet, na suacolorao, no quanto fica mais encorpado. J no o mesmo, sofreu sedimentaes, houve mudana nasua qumica, ficou apurado. Da mesma forma,ocorre com as idias na Sociologia da Traduocomo tambm chamada a Teoria Ator-Rede. PelaSociologia da Traduo, podemos entender oconhecimento como um processo em cadeias quedeslocam elementos (interesses, objetivos,enunciados, imagens) e que vo fazendo ummovimento de manter algumas propriedades, aomesmo tempo em que vo diferindo do que eramem seu incio, num desenrolar sem fim.

    Recorremos aqui a uma fbula usada porDespret (2001) e Stengers (2002) para ilustrar essemovimento de traduo que temos a chance defazer a todo momento com aquilo que nos dadocomo herana. Conta esta fbula rabe que umhomem velho, sentindo a proximidade da morte,chama os trs filhos e oferece-lhes o nico bem queresta para ser deixado como herana, composta por11 camelos, cabendo-lhes a seguinte diviso, feitasegundo a vontade do pai: ao primognito caberia ametade dos camelos; ao segundo ficaria um quartodeles e ao terceiro restaria um sexto. Os filhosmergulham em perplexidade, aps a morte doprogenitor, sem saberem como haveriam de darconta daquela situao. Recorrem a um velho sbioda cidade vizinha e este lhes oferece, comopossibilidade de ajuda, o emprstimo de um camelovelho e magro que lhes ajudar nas contas dadiviso almejada. O que fazer diante da vontade dopai? Como utilizar a sugesto oferecida pelo velhosbio? Haveria uma soluo para aquela herana?As duas autoras analisam a fbula como umaoportunidade de refletir sobre as nossas heranas e,neste caso, sobre como podemos tom-las como umproblema que possa valer a pena resolver.

    Segundo Stengers (2002), a fbula remete a umproblema de confiar nas possibilidades deresoluo para determinada situao que parece noter sada. Quando o que se apresenta oencaminhamento a um estado de guerra entreirmos, a aposta destes recai na busca de umasoluo emprestada que aparece de forma bizarrana figura de um camelo velho que deixar a divisopossvel, mas sequer ser incorporado herana,depois da partilha. Obviamente que o dcimosegundo camelo no era a soluo, mas serviu paraque os filhos construssem uma a partir doproblema que o pai lhes havia legado como

    herana. A soluo passa assim no pelasubmisso a um enunciado problemtico, mas pelainveno do campo onde o problema encontra suasoluo (p. 28), diz Stengers. Para esta autora, odcimo segundo camelo a oportunidade deespecular sobre algo novo, partindo do que j velho e conhecido.

    Despret (2001) v o dcimo segundo camelocomo o que nos pode ser emprestado dos outros, detodos aqueles que povoam este mundo, do que nospermite pensar a nossa experincia de uma outraforma. No se trata de recusar a herana, tomando-acomo impossvel, nem de aceit-la passivamente,sem acrescentar-lhe outros elementos que a tornemoperante na produo de modificaes. Trata-se deinventar uma nova maneira de nos tornarmosdignos dessa herana, colocando-nos o papel de ser,ao mesmo tempo, vetor e produto dela.

    Pensamos que o que est em jogo nestasreflexes se vamos aceitar ou negar as nossasheranas como ponto do qual partir, ou se vamostom-las como ponto final ao qual chegar e,destroando-as, no ter muito como seguir adiante.Os filhos poderiam muito bem ter iniciado umaguerra, ou poderiam ter matado os camelos edividido a sua carne, como sugeriu uma das autorasem seu texto. Talvez estas fossem algumas dassolues inspiradas na maneira moderna de agir,aquela baseada na ruptura, no apagamento doantigo. O que percebemos foi que, respeitando olegado e a vontade do pai, os filhos conseguiramachar uma soluo absolutamente incomum einesperada que nos pareceu bastante mais prximade uma sada diplomtica. A diplomacia umesforo de modificar o quanto possvel os termosiniciais de uma contenda para torn-los viveis spartes envolvidas no seu esforo de negociao. ,por excelncia, um campo de tradues, onde seoperam aproximaes, onde se efetuam passagens,onde o meio justo buscado, onde se faz a troca depropriedades, onde as misturas acontecemproduzindo as mais surpreendentes invenes.

    Encontramos, no pensamento de Latour, muitasidias j vistas em outros autores. Podemos v-locontrapondo-se tenazmente ao pensamentomoderno em sua negao a toda forma de fazeranlises a partir de escolhas cominatrias. A formade entendimento da realidade partindo dosextremos abandonada em prol de um caminharpelo meio, pelo ponto mdio onde as coisas semisturam e onde se opera o movimento de traduoe de produo de hbridos. Podemos v-lo tomandode emprstimo algumas idias de pensadoresmodernos, pois, assim como Law (2003), Latourno se obriga a aceitar ou negar por inteiro o pacoteda modernidade. Para ns, Latour coerente comos princpios que adota na abordagem das redes.Ele o prprio hbrido produzido a partir das

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  • Queiroz e Melo, M. de F. A. de. Mas de onde vem o Latour?

    inmeras tradues que foi operando sobre idiasque mantm ou com aquelas das quais diverge. nessa tenso que se produz a originalidade de seupensamento.

    Referncias

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    Categoria de contribuio: EnsaioRecebido em 20/02/08

    Aceito em 25/02/08

    Pesquisas e Prticas Psicossociais 2(2), So Joo del-Rei, Fev. 2008

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    http://www.comp.lancs.ac.uk/sociology/papershttp://www.ensmp.fr/~latourhttp://www.ensmp.fr/~latourhttp://www.ensmp.fr/~latourResumoAbstractIntroduoReferncias