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    DE LINGUA LATINA

    I ORIGENS DA LNGUA LATINA

    1. O Latim pertence grande famlia das lnguas indo-europias. A maior parte das lnguas hoje faladas na Europa e nas Amricas, assim como no Ir e na ndia, apresentam uma srie de analogias surpreendentes no plano lexical e gramatical que se explicam por uma origem comum, isto , se originam de uma nica e mesma lngua, falada numa poca muito antiga, que se chama convencionalmente o indo-europeu. Por exemplo, o nome do nmero dois:

    latim duo francs deux italiano due espanhol dos portugus dois grego dyo ingls two alemo zwei russo dva snscrito dvau persa antigo duva persa moderno do 2. O indo-europeu apresentava uma srie de caractersticas que se encontram em

    geral nas lnguas derivadas, e que se opem aos outros grupos lingsticos, como o semtico (rabe, hebreu, aramaico, etc.), o chins, etc. Suas principais caractersticas: o papel importante do sistema flexional (conjugao dos verbos, declinao em

    oito casos dos nomes e dos adjetivos,...); o as desinncias se encontram sempre no fim da palavra, nunca no incio; o elas exercem muitas vezes vrias funes simultaneamente (p.ex., em

    portugus, -mos em estudamos indica a pessoa e o nmero); o o verbo muda de forma em funo de seu sujeito, jamais em funo de seus

    complementos; o os nomes tm um gnero; a oposio fundamental entre o gnero animado

    (posteriormente separado entre masculino e feminino) e o gnero inanimado ou neutro;

    o a ordem das palavras tem pouca importncia gramatical. 3. Todos estes traos no subsistiram tais quais em todas as lnguas indo-europias,

    mas a presena da maioria dentre eles num estado antigo de uma lngua permite lig-la ao grupo indo-europeu. Estes traos esto fortemente presentes em latim.

    4. No tendo permanecido da lngua europia nenhum documento escrito, o indo-europeu hoje no mais existe como lngua.

    5. At hoje no se pode determinar a sede do povo indo-europeu. O certo que eram nmades. Levados por seu esprito aventureiro e impelidos pela falta de lugar devido a numerosa populao, dispersaram-se em busca de novas terras.

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    6. Pelo ano 2000 a.C. um ramo do povo indo-europeu penetrou na Itlia e fundiu-se com os povos que a habitavam. Originaram-se da dois grupos de lnguas: o latino-falisco (o latim e o falisco (muito semelhante ao latim)) e o scio-mbrico (scio, mbrico, sablico, sabnico, volsco, etc.).

    7. Sobretudo a lngua dos etruscos (povo de origem asitica, e de lngua no pertencente famlia indo-europia) e a dos gregos exerceu grande influncia sobre a formao dos diversos dialetos indo-europeus na Itlia. Mais tarde, com a invaso dos celtas na regio do P, novas influncias atuaro sobre a evoluo lingstica.

    8. Quando Roma assumiu a hegemonia tanto social como poltica, o dialeto romano (o latim) conseguiu alcanar a importncia de lngua mundial. O latim ento a lngua veicular da parte ocidental; o grego, da oriental.

    9. extraordinria expanso poltica e militar est ligado o desenvolvimento de uma cultura brilhante, inicialmente simples variedade local do helenismo, depois, pouco a pouco, sempre mais original. Esta cultura greco-romana, junto com o cristianismo, a base do que se convencionou chamar a civilizao ocidental.

    10. Estudar a lngua latina no um fim em si mesmo. O estudo lingstico est intrinsecamente atado ao histrico-cultural. O objetivo aprender a se servir de um instrumento que permite compreender textos de uma importncia maior para a histria de nossa civilizao: por causa de sua qualidade intrnseca, e porque todos aqueles que os seguiram os imitam, os citam, os comentam e se inspiram sem cessar; re-ver o passado, reavaliando o presente.

    II A ROMANIZAO

    11. O Estado romano teve origem no sculo VIII ou IX a.C. (a tradio fixa em

    753 a.C. a fundao de Roma), e engrandeceu-se progressivamente at constituir, em sua fase de maior esplendor, no primeiro sculo de nossa era, um dos mais vastos imprios de todos os tempos.

    12. A histria romana se divide em trs fases, correspondentes s trs formas de governo: da Realeza (das origens a 509 a.C.), da Repblica (de 509 a.C. a 27 a.C.) e do Imprio (de 27 a.C. a 476 d.C.).

    13. Com os povos submetidos, os romanos adotaram geralmente uma poltica bastande aberta para a poca. Impunham o direito romano e exploravam economicamente a regio, mas respeitavam as tradies religiosas dos vencidos, e permitiam que estes continuassem a utilizar a sua lngua materna, ao menos nos contatos entre si.

    14. As lnguas com que o latim entrou em contato por efeito das conquistas pertenciam a diferentes famlias lingsticas, e eram bastante diferentes entre si.

    15. O latim no suplantou as lnguas indgenas em todo o territrio do Imprio. A fala dos vencedores conviveu por dcadas e mesmo por sculos com as locais, sendo o bilingismo a situao tpica depois da conquista.

    16. O latim, contudo, presente nas regies submetidas numa variedade popular (o latim falado do exrcito, dos comerciantes e, em certos casos, dos veteranos assentados como colonos), e numa variedade erudita (a variedade dos magistrados, da jurisdio e, at onde esta existia, da escola) ia-se impondo como a lngua que

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    exprimia uma cultura mais avanada e que abria melhores perspectivas de negcios e ascenso poltica e social.

    17. No sculo III, a absoro pelo latim das lnguas indgenas da poro ocidental do Imprio Romano era fato consumado, e essa unidade lingstica representava para os povos latinizados o trao mais evidente de uma forte unidade espiritual. Para denominar essa unidade lingstica e cultural, emprega-se o termo Romania.

    18. Romania deriva de romanus, e este foi o termo a que naturalmente recorreram os povos latinizados, para distinguir-se das culturas barbricas circundantes.

    19. Sobre romanus formou-se o advrbio romanice, " maneira romana", "segundo o costume romano", e a expresso romanice loqui se fixou para indicar as falas vulgares de origem latina, em oposio a barbarice loqui, que indicava as lnguas no romnicas dos brbaros, e a latine loqui que se aplicava ao latim culto da escola. Do advrbio romanice, derivou o substantivo romance, que na origem se aplicava a qualquer composio escrita em uma das lnguas vulgares.

    20. Pelo termo Romnia designa-se modernamente a rea ocupada por lnguas de origem latina. Os limites da atual Romnia no coincidem com o Imprio Romano.

    As razes por que o latim no conseguiu manter-se como lngua falada em todo o Imprio so vrias:

    a) Romanizao superficial; b) Superioridade cultural dos vencidos; c) Superposio macia de populaes no-romanas.

    III O LATIM VULGAR

    21. Todas as lnguas vivas apresentam naturalmente uma variao vertical

    (correspondente estratificao da sociedade em classes), e horizontal (correspondente a diferenas geogrficas); alm disso, os falantes expressam-se de maneiras diferentes conforme o grau de formalidade da situao da fala. O latim no poderia escapar a essa regra.

    22. Um aspecto da diversificao da sociedade romana o aparecimento da literatura latina; durante muito tempo, os autores latinos procuraram pautar seus escritos pelo ideal da urbanitas, evitando formas ou expresses que conotassem arcasmo ou provincianismo. Essa variedade do latim conhecida como latim clssico. O latim clssico, porm, apenas uma das variedades do latim, ligada criao de uma literatura aristocrtica e artificial, que teve seu apogeu no final da Repblica e incio do Imprio. Outra era a lngua efetivamente falada no mesmo perodo.

    23. As lnguas romnicas no derivam do latim clssico, mas das variedades populares. A semelhana entre as lnguas romnicas deixa entrever que na antiga Romnia, nos primeiros sculos, deve ter sido falada uma lngua latina relativamente uniforme. A essa variedade, que aparece assim como um "proto-romance", isto , como um ponto de partida da formao das lnguas romnicas, Diez chamou de latim vulgar, termo com que visava a op-la ao latim literrio.

    24. O proto-romance foi uma lngua vulgar no sentido de lngua popular, expresso de camadas sociais que no tiveram acesso cultura formal e escrita.

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    25. O latim vulgar se constituiu ao mesmo tempo que o latim clssico, e j se encontrava formado, em seus traos essenciais, quando este atingiu seu apogeu. Isto elimina a hiptese antiga de que o latim vulgar teria surgido da "corrupo" do latim literrio.

    26. O latim clssico e o latim vulgar refletem duas culturas que conviveram em Roma: de um lado a de uma sociedade fechada, conservadora e aristocrtica; de outro, a de uma classe social aberta a todas as influncias, sempre acrescida de elementos aliengenas.

    27. O latim literrio aparece como uma lngua extremamente estvel, ao passo que o latim vulgar inova constantemente. O latim vulgar foi derivando para variedades regionais que, no fim do primeiro milnio, j prefiguravam as atuais lnguas romnicas. A essas variedades costuma-se chamar "romances".

    28. O proto-romance foi uma entre outras variedades de latim falado na sociedade romana, e no foi uma lngua escrita. Desde a formao do latim literrio, as pessoas que se propunham a tarefa de escrever, por menor que fosse sua cultura, procuraram faz-lo usando a variedade culta, que permaneceu como norma por vrios sculos.

    29. O uso consciente dos romances na escrita s ocorreu na ltima etapa de sua emancipao: costuma-se entender que as lnguas romnicas nascem quando substituem o latim como lnguas escritas, na redao de textos prticos, literrios ou de edificao religiosa. Mas para comear a escrever conscientemente as lnguas faladas de seu tempo os letrados romnicos precisaram tomar conscincia de que o latim, tal como era escrito, alm de no ter mais qualquer contato com a lngua falada, tambm se havia distanciado irremediavelmente dos modelos clssicos. Com o renascimento dos estudos latinos ("Renascena Carolngea") pode ser avaliada de maneira mais exata a distncia entre o latim e a lngua falada, abrindo-se espao para que os vulgares passassem a ser escritos, em pocas que variam de regio para regio, mas que se localizam perto do fim do primeiro milnio.

    30. As fontes do latim vulgar: o textos que opem intencionalmente duas formas de latim; o obras em que o latim vulgar penetra parcialmente; o inscries; o termos latinos vulgares transmitidos por emprstimo s lnguas no-romnicas

    vizinhas.

    ..... 31. Caractersticas fonolgicas do latim vulgar - - Perda da durao das vogais - o latim clssico apresentava cinco vogais (a, e, i,

    o, u), sendo que cada uma podia ser pronunciada com durao longa ou breve; a durao possibilitava distinguir palavras e morfemas gramaticais. No latim vulgar, s diferenas de durao foram-se associando diferenas de abertura que acabaram suplantando as primeiras.

    - Alteraes na natureza do acento - paralelamente perda da quantidade, desapareceu em latim vulgar o acento tonal do latim literrio que foi suplantado pelo acento "tnico", ou seja, o acento de intensidade tal como o conhecem hoje as lnguas romnicas.

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    - A posio do acento da palavra era determinada em latim culto pela quantidade da penltima slaba: as palavras do latim clssico so paroxtonas quando a penltima slaba longa e proparoxtonas quando a penltima slaba breve.

    - O acento de intensidade do latim vulgar recai normalmente na mesma slaba que era portadora do acento tonal do latim culto.

    - Posio tona e posio tnica - com o desenvolvimento de intensidade modifica-se a qualidade tnica ou tona da prprias vogais: os fonemas voclicos reduzem-se; h uma tendncia de as vogais tonas carem ou contrairem-se.

    - As mtricas romnicas: tonicidade e rima - com a perda da quantidade voclica, desaparece obviamente a possibilidade de uma poesia baseada na durao das slabas, como foi a poesia do latim literrio. A mtrica romnica recorrer ento a uma contagem de slabas que se faz at a ltima slaba tnica, e a uma distribuio estratgica dos acentos tnicos no verso. A rima aparece inicialmente nos cnticos cristos como um recurso mnemnico.

    - Os ditongos - os quatro ditongos do latim clssico (ae, au, oe, eu) reduzem-se a uma nica vogal no latim vulgar, e novos ditongos aparecem pela queda de consoantes intervoclicas, ou pela vocalizao de consoantes.

    - Os hiatos - os numerosos hiatos do latim clssico correspondem geralmente a uma nica vogal em latim vulgar.

    - As consoantes - o sistema consonantal do latim clssico compunha-se de 17 consoantes, includas as duas semivogais j e w e a aspirada h. A partir desse sistema consonantal o latim vulgar introduz com o tempo alteraes que resultam num sistema que explora mais amplamente o trecho anterior da cavidade bucal, prenunciando a grande variedade de consoantes anteriores que entraro em contraste fonolgico nas lnguas romnicas. (Cf. cap. 6 in Lingstica Romnica. Vide bibliografia)

    * As expresses "perodo latino" e "perodo romnico" referem-se, respectivamente, at o final do Imprio, quando a Romnia ainda se conservava unida, e a partir da queda do Imprio Romano, no sculo V d.C., com o conseqente desmembramento da Romnia numa srie de domnios lingsticos mais ou menos estanques.

    32. Caractersticas morfolgicas do latim vulgar - - A morfologia dos nomes - uma caracterstica notvel do latim clssico era a

    riqueza de sua morfologia nominal, caracterizada pela presena de declinaes, pela existncia de trs gneros gramaticais (masculino, feminino e neutro) e pela formao de comparativos e superlativos sintticos para os adjetivos.

    - A perda das declinaes - as declinaes so cinco paradigmas de desinncias nominais relativas s funes sintticas dos nomes na orao.

    O que distinguia as cinco declinaes presentes no latim clssico era a vogal final do tema.

    * Em cada um desses paradigmas, os substantivos e os adjetivos latinos dispunham de terminaes chamadas "casos", especialmente apropriadas para indicar a funo que desempenhavam na frase. Os casos do latim clssico eram seis:

    a) o nominativo, que identificava o sujeito das oraes com verbo em forma finita; b) o genitivo, caso do nome dependente de outro nome; c) o dativo, que identificava o objeto indireto, ou mais exatamente o indivduo

    beneficiado (prejudicado) pela ao descrita no predicado; d) o acusativo, caso do objeto direto, do lugar tomado como ponto final de um

    movimento e do tempo encarado como durao; e) o vocativo: e

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    f) o ablativo, caso da maioria dos adjuntos adverbiais (meio, causa, instrumento etc.), do lugar em que se desenrola uma ao, e do lugar de onde parte um movimento.

    * Graas ao recurso dos casos, era possvel marcar as principais funes sintticas na frase latina sem recorrer ordem das palavras e sem lanar mo de preposies.

    * O latim vulgar simplificou radicalmente tais traos morfolgicos: - Praticamente desapareceram a 4a. e 5a. declinaes, cujos vocbulos foram

    incorporados s trs primeiras. - Perderam-se as oposies casuais; confundiram-se certos casos: o nominativo

    com o vocativo; o acusativo com o ablativo; o genitivo com o dativo. Como resultado dessas trs fuses, o latim vulgar utilizou um sistema de casos em que se opunham o nominativo, o acusativo e um terceiro caso composto por aquilo que restava dos antigos genitivo e dativo.

    - Reinterpretao dos paradigmas de declinao como expresso do gnero- tendeu-se para interpretar como femininos os substantivos da 1a. declinao, e

    como masculinos, os da 2a. Os substantivos da 3a. declinao passaram a femininos ou masculinos.

    - Desaparecimento do neutro - os substantivos neutros acabaram geralmente absorvidos pelos masculinos da mesma declinao.

    - O grau dos adjetivos - abandono dos processos de formao sintticos (altus, altior, altissimus) e substituio por perfrases com magis ou plus para o comparativo e multum para o superlativo.

    - Os pronomes - criao de um pronome de terceira pessoa com base no demonstrativo ille. A declinao dessa classe de palavras compe-se de nominativo, dativo e acusativo.

    * Dos pronomes relativos, a lngua vulgar conservou o principal, qui, que identificou-se com o interrogativo quis.

    * A partir dos demonstrativos, desenvolve-se a classe dos artigos definidos, que era desconhecida do latim clssico.

    - A morfologia do verbo - em confronto com o latim literrio, a morfologia verbal do latim vulgar apresenta importantes inovaes. As principais so:

    * As vozes derivadas do tema do perfeito, que indicavam ao acabada em latim literrio, foram reinterpretadas como indicando passado;

    * Alguns verbos mudaram de conjugao; algumas dessas mudanas prevaleceram apenas em determinadas regies da Romnia;

    * Com exceo da primeira, as conjugaes tradicionais chegaram a uma espcie de petrificao, deixando de formar-se nelas verbos novos; essa situao foi parcialmente compensada pela criao de uma nova conjugao, baseada na forma de um conjunto de verbos que em latim literrio tinham sentido incoativo. Muitos verbos foram criados por meio de sufixos. Os sufixos -esco e -isco, que formavam verbos incoativos a partir de nome (tipo tabesco, "ficar podre" a partir de tabes, "podrido"), forneceram o paradigma para a criao de um contingente extremamente numeroso de verbos novos.

    * Perdeu-se a passiva sinttica, compensada por uma passiva analtica baseada principalmente no verbo sum;

    * Desapareceram os verbos depoentes, assimilados aos ativos da mesma conjugao;

    * Desapareceram vrios tempos do indicativo, subjuntivo e imperativo, e vrias formas nominais.

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    * O latim vulgar teve um quadro de tempos relativamente limitado: a) dos seis tempos que compunham o indicativo em latim clssico, apenas o

    presente, o imperfeito e o perfeito sobreviveram em todas as lnguas romnicas. Do futuro restam apenas alguns vestgios insignificantes, porque o futuro sinttico foi suplantado por perfrases baseadas em habeo ou volo (expressando compromisso, obrigao, e variando em pessoa e nmero) + o infinitivo. Desapareceu tambm o futuro perfeito e o mais-que-perfeito (excetuando a Ibria).

    b) dos tempos do subjuntivo, conservou-se o presente e desapareceu o perfeito; o imperfeito e o mais-que-perfeito se confundiram; prevaleceu por toda parte, excetuando a Sardenha, a forma do mais-que-perfeito (se eu soubesse).

    c) no imperativo, as formas do futuro eram de pouco uso mesmo na lngua literria, e a lngua vulgar no as conheceu.

    Reinterpretao dos tempos do perfectum. A distino entre infectum e perfectum, no latim clssico, apontava para uma oposio aspectual e no temporal, como no latim vulgar. A perda da distino de aspecto ajuda a explicar porque certas formas se tornaram dispensveis, como por ex., o subjuntivo imperfeito e mais-que-perfeito.

    * Regionalmente, verbos importantes como esse, ire e outros perderam algumas de suas formas tornando-se defectivos; as formas faltantes foram buscadas s vezes em outros verbos de sentido prximo, por um recurso que conhecido em morfologia como "supletividade".

    - As palavras invariveis - na classe dos advrbios, o latim vulgar perdeu os recursos morfolgicos que permitiam formar advrbios de modo a partir de adjetivos.

    33. Caractersticas sintticas do latim vulgar - - os adjetivos - o latim literrio indicava a matria de que um objeto feito por

    meio de dois recursos: vas aureum; vas ex auro. Prevaleceu a construo preposicional, com a preposio de: vasum de auro.

    * A substantivao de adjetivos no neutro plural era uma peculiaridade marcante do latim literrio, e perdeu-se no vulgar, tambm pela tendncia de reinterpretar os neutros plurais como femininos singulares: per angusta ad augusta; per aspera ad astra; omnia bona mea mecum porto.

    - pronomes pessoais - o uso no enftico do sujeito pronominal em latim vulgar evoluiu para duas situaes distintas: o pronome hoje obrigatrio em algumas lnguas romnicas (francs), ao passo que normalmente omitido em outras (portugus).

    * O vulgar expressa o pronome objeto, enquanto que o literrio deixava que fosse inferido pelo contexto ("assim que viu o pai, abraou(-o)").

    * O reflexivo se assume algumas funes totalmente desconhecidas na sintaxe clssica:

    a) realar a espontaneidade da ao expressa pelo verbo: ir-se, s'en aller. b) partcula apassivadora: "vendem-se casas". c) expresso de reciprocidade. "eles se amam". d) indce de indeterminao do sujeito: "aqui no se vive, vegeta-se". - formas nominais do verbo - * Enquanto que o supino se perdeu por completo, o infinitivo presente ampliou

    consideravelmente seu leque de empregos: a) como substantivo verbal ("aumenta meu sofrer");

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    b) com verbos de movimento, precedido ou no de preposio ("viemos ver", "mandamos chamar");

    c) regido de preposio, que o torna apto para o papel de complemento nominal ("feliz por saber", "vontade de fazer");

    d) com sujeito prprio ("infinitivo pessoal") ("depois de eles chegarem"); e) como imperativo negativo ("no atravessar"); f) como orao susbtantiva reduzida, em contextos de interrogao indireta ("no

    sei o que dizer"); g) uso com auxiliares de modo, j comum em latim clssico ("devo dizer"). * De toda a declinao do gerndio s sobreviveu o ablativo, cujas funes

    coincidem com a lngua clssica, indicando o modo e o meio: morreu lutando. A partir dessa funo desenvolveram-se:

    a) expressando causa, condio, sequncia etc. ("chegando atrasado, no entra"); so estes empregos, em que o gerndio equivale a vrios tipos de oraes subordinadas, que o tornam apto construo de vrios tipos de orao reduzida;

    b) indicando atitude, funcionando como um verdadeiro adjetivo verbal ("vi-o bebendo de novo");

    c) formando perfrases verbais ("o teto est rachando"). - preposies - a regncia das preposies se alarga para compreender no s

    advrbio de tempo e lugar (de hoje em diante, daqui at l), mas tambm locues cujo primeiro termo j uma preposio (dentre eles, para com eles); so a aglutinao de duas ou mais preposies latinas: desde < de ex de.

    34. A sintaxe da orao - a perda dos casos obrigou a buscar novos meios para indicar as funes sintticas, tarefa que passou a ser desempenhada pela ordem das palavras e pelo uso de preposies.

    - regncia - * Com o desaparecimento do genitivo, o recurso mais importante para indicar

    subordinao no interior do sintagma nominal passa a ser a preposio de, de uso extensssimo, ligando o nome ncleo do sintagma nominal a:

    a) um adjunto que exprime avaliao (o pobre do Joo); b) um aposto (cidade de Roma); c) um complemento partitivo (alguns de ns); d) um restritivo (a festa de ontem); e) um adjunto que exprime qualidade (homem de 90 quilos); f) um adjunto de matria (vaso de ouro); g) um adjunto de destinao (roupa de gala); h) ao termo que representa no sintagma nominal o sujeito ou o objeto de uma

    orao subjacente que foi nominalizada (ataque/medo/derrota dos inimigos). * Os principais complementos de adjetivos so o complemento do comparativo, do

    superlativo, e de medida. O primeiro foi expresso por quomodo, no caso de comparao de igualdade (grande como um gigante), por quam ou de no caso de desigualdade (maior que um gigante, mais de cinco); os dois ltimos, pela preposio de (maior de todos, uma rvore de trs metros).

    * No tocante aos termos essenciais e integrantes da orao, o sujeito e o objeto continuaram a ser expressos pelo nominativo e acusativo, mas suas posies na orao tenderam a cristalizar-se antes e depois do verbo. O objeto indireto passou a ser indicado pela preposio ad. Os verbos que se construam com duplo acusativo tendem a tranformar-se em transitivos comuns (ensinar algo a algum). De, de+ab passam a introduzir o agente da passiva.

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    * No domnio dos adjuntos adverbiais, as preposies cum, de e outras concorreram paralelamente:

    a) cum, que introduzia originalmente o adjunto de companhia, passou a indicar tambm:

    - o meio (mover com uma alavanca), em concorrncia com ad (matar faca) e de (matar de pauladas);

    - o modo (observar com cuidado), em concorrncia com de; b) de, herdeira de muitos empregos do genitivo e do ablativo, fixou-se tambm na

    construo dos complementos de: - tempo, em concorrncia com ad (de manh, noite); - procedncia (partir de Lisboa); - modo (responder de bom grado); - causa (morrer de medo); etc. c) in e ad repartiram-se a expresso das circunstncias de lugar; d) per alternou com a ausncia de preposio para indicar a durao (ficar quatro

    anos/ por quatro anos nesta cidade). 35. A sintaxe do perodo - a subordinao no latim vulgar tem um papel muito

    menos importante que no clssico: contenta-se em justapor (parataxe) expresses entre as quais o latim clssico explicitaria nexos de dependncia (hipotaxe).

    - oraes substantivas - pertencem classe das substantivas os dois tipos oracionais em que o latim vulgar mais se afasta do uso do latim clssico, a saber as substantivas declarativas e as substantivas interrogativas indiretas.

    * As oraes subordinadas exigidas pelos verbos que indicavam aes de dizer, pensar, perceber e sentir eram construdas em latim literrio como "oraes de acusativo e infinito", assindticas (sem conectivos), foram suplantadas, no vulgar, por construes sindticas com o conectivo quod (ou quia, quid) (eu sei que tudo isso mentira).

    * As oraes interrogativas constituam em latim clssico um tipo bem caracterizado, seu verbo ia para o subjuntivo e o nexo com a orao regente era expresso por uma srie de conjunes e pronomes usados apenas em contextos interrogativos. O vulgar substituiu o subjuntivo pelo indicativo e os conectivos perderam a especificidade.

    - oraes adjetivas - a perda quase total da declinao dos pronomes relativos fez com que aparecesse o tipo de construo que hoje o mais comum no portugus falado do Brasil, e que consiste em retomar o relativo por meio de um pronome pessoal, antepondo a ele e no ao relativo, a preposio exigida pelo verbo da subordinada: o menino que falei com ele.

    - oraes adverbiais - duas tendncias se afirmam nas oraes adverbiais do latim vulgar:

    a) perde terreno o subjuntivo, que funcionava em latim clssico como uma espcie de modo da subordinao;

    b) generaliza-se o uso de quod/quid como conectivo de valor mltiplo em substituio aos conectivos especficos da lngua clssica.

    * De todos os tipos de subordinada adverbial, as que sofreram as alteraes mais profundas foram as condicionais.

    36. O lxico em latim vulgar - o lxico latino vulgar pode ser descrito em duas partes:

    a) processos mais produtivos para a formao de palavras novas, sob um carter marcadamente morfolgico, pela discusso das noes de composio e derivao;

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    b) mudanas de sentido, sob um carter marcadamente semntico. 37. Processos de formao de palavras - distinguem-se tradicionalmente dois

    grandes processos: a) a composio, que compreende por sua vez a composio propriamente dita ou

    justaposio (res + publica = repblica) e a prefixao (sub + mittere = someter); b) a derivao, que pode ser prpria, isto , baseada no uso de sufixos (quercus +

    ea > quercia), ou imprpria, isto , baseada na transferncia de uma palavra de uma classe morfossinttica a outra (kat, preposio grega, dando pronome indefinido portugus cada).

    38. Mudana de significado - entre outras, pode-se destacar cinco ordens de circunstncias (Ullmann, 1962): lingsticas, histricas, sociais, psicolgicas e de necessidade de um novo termo.

    a) Circunstncias lingsticas - uma palavra pode mudar de significado por razes estruturais/contextuais; uma palavra pode deixar de pertencer ao lxico comum e passar a fazer parte dos recursos gramaticais da lngua.

    Non uidi rem natam (No vi coisa nascida/criada) > no vi nada; no quero nada; no disse nada...

    b) Circunstncias histricas - Monere (admoestar, dar conselhos) > moeda, moneda, monnaie, moneta. O nexo

    entre os dois significados: os romanos veneravam a deusa Juno como boa conselheira e me das musas; nesse mesmo templo funcionava tambm a prensa em que se cunhavam as moedas romanas.

    c) Circunstncias sociais - uma palavra pode ter sua significao alterada (por especificao ou generalizao) ao passar do uso de um grupo fechado para o domnio comum ou vice-versa.

    Sancio (proibir) > sanctus, e uir (varo) > uirtus representavam respectivamente a propriedade de ser intocvel por razes religiosas e as prerrogativas de virilidade que se esperam do homem numa sociedade tipicamente machista (fora fsica, habilidade para a guerra, etc). O Cristianismo reinterpretou estas palavras, entre outras, no contexo de seus prprios valores: uirtus passou a significar fora moral, e sanctus, a bem- aventurana extra-terrena e o tipo de conduta terrena necessria para merec-la. Este tipo de alterao descrito como um caso de especializao de sentido. Como exemplo de generalizao de sentido, pode-se exemplificar com o verbo latino impedire, em portugus impedir. Em sua significao primitiva, no verbo latino, estava ainda presente a imagem do pastor que derruba a ovelha segurando-a pelos ps (pes, pedis) com o cajado; era um termo de pecuria. Em sua passagem ao vocabulrio comum subsistiu apenas a idia de obstculo (de qualquer tipo). d) Necessidades de denominao - correspondentes ao aparecimento numa cultura de objetos, tcnicas ou noes novas. Quando estes so importados de povos vizinhos, comum que seja simultaneamente adotado o termo que os designava na cultura de origem; quando surgem dentro da prpria comunidade lingstica mais comum criar-se sentidos novos para palavras j existentes. A extenso e a criao metafricas de sentido correspondem catacrese - figura de linguagem j conhecida por Aristteles.

    * Fatores psicolgicos como o medo, a delicadeza ou a decncia podem criar algum tipo de necessidade de denominao. A existncia de palavras tabu explica o uso lingstico de outras palavras e a ampliao dos sentidos destas por eufemismo; mas no confronto entre o latim clssico e o vulgar o que aparece frequentemente

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    o disfemismo, isto , a busca de expresses que desqualificam a realidade a que se faz referncia.

    39. Dimenses da mudana de significado - as mudanas se do ao longo de trs linhas principais:

    a) metafrica - duas realidades so representadas como similares aplicando-se-lhes o mesmo significante. O vocabulrio, aplicado a realidades diferentes na tentativa de compreend-las, sofre naturalmente ampliaes e alteraes de significado.

    Pecunia, peculium, peculatus < pecus, pecoris. b) metonmica - o significado primitivo e o posterior mudana se relacionam por

    algum tipo de contigidade. Busto - lugar onde havia incinerado algum cadver. O hbito de plantar nesses

    lugares esculturas de meio corpo representando os defuntos ilustres deu origem ao sentido atual.

    c) especificidade - mesmo quando a reconstituio aproximativa do significado de uma expresso possvel, no sempre fcil apontar a circunstncia aproximativa que atuou como fator determinante.

    Cubare (dormir) > ital. covare (chocar ovos). 40. Preferncias e diferenas regionais - algumas diferenas referentes ao

    vocabulrio hoje observadas entre as lnguas romnicas j deviam estar presentes ao menos como preferncias regionais no latim vulgar falado durante o Imprio.

    IV A FORMAO DAS LNGUAS ROMNICAS

    41. Fatores de dialetao do latim vulgar - no final do primeiro milnio, a

    Romnia apresentava-se fragmentada numa quantidade de dialetos de origem latina, sendo que alguns deles se transformaram com o tempo em lnguas nacionais. Premidos pela necessidade de tornar sua fala mais exata ou mais expressiva, os falantes criam o tempo todo palavras e construes sintticas novas com os materiais disponveis em sua prpria lngua; mudanas fnicas surgem pelas tenses paradigmticas que ocorrem no interior do sistema e pelas tenses sintagmticas que ocorrem entre sons contguos na fala; em menor grau, alteraes de todo tipo podem resultar de fatores "externos", isto , do contato entre lnguas diferentes. Vrios fatores concorreram para a dialetao romnica e o conseqente aparecimento das lnguas neolatinas: o tempo, a poltica de dominao dos romanos, a vastssima extenso geogrfica do Imprio e a sua fragmentao poltica e, principalmente, a ao do substrato e do superstrato.

    42. Substrato - aos conjuntos dos falares diversos dos povos vencidos e conquistados, cuja lngua se infiltrou na do povo vencedor (isto , o dominador assimila certos traos da lngua do conquistado), d-se o nome de substrato lingstico. A absoro das lnguas encontradas pelo latim nas regies conquistadas se consumou atravs de situaes mais ou menos persistentes de bilingismo. E as lnguas dos povos romanizados se mantiveram determinando tendncias dialetao do latim.

    43. Superstrato - "nome que se d lngua de um povo conquistador, quando ele a abandona para adotar a lngua do povo vencido. [...] O superstrato persiste no

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    lxico da lngua adotada, que se enriquece com termos referentes a traos especficos da cultura do povo conquistador". (J.M.Cmara, 1984). Os superstratos exercem influncia menos significativa, limitando-se quase que apenas ao vocabulrio. Depois da queda do Imprio, multiplicaram-se na Romnia as invases de territrios por povos vindos do leste. O Cristianismo era a religio preponderante em toda a Romnia na poca das invases, e muitos dos povos invasores adotaram essa religio, instituies dos povos submetidos e a lngua.

    44. Adstrato - a metfora do substrato e superstrato evoca de algum modo a imagem de uma separao no tempo (primeiro os substratos, depois o latim, depois os superstratos) que no lingsticamente correta. Nestas noes est embutida a noo de adstrato: as camadas no se superpem, mas se interpenetram. Adstrato : "toda lngua que vigora ao lado de outra, num territrio dado, e que nela interfere como manancial permanente de emprstimos" (J.M.Cmara, 1984). O grego transmitiu um grande nmero de palavras ao latim vulgar atravs do Cristianismo, que surgiu num ambiente judaico-helnico. O latim literrio prestou grande contribuio gramtica e ao vocabulrio dos romances.

    45. Emprstimo - a expresso emprstimo lingstico indica a transmisso de formas lingsticas (sobretudo lxicas) entre lnguas em contacto. A tendncia normal dos emprstimos serem absorvidos de maneira completa na nova lngua depois de uma fase mais ou menos longa em que sua origem estrangeira sensvel para os falantes.

    46. Aps a queda do Imprio Romano, vrios fatores de peso concorreram para que as influncias dos substratos e superstratos agissem com maior fora no sentido de modificar localmente o latim falado. Comeou assim um processo de diversificao regional do latim vulgar, origem dos dialetos. Alguns desses dialetos transformaram-se em lnguas nacionais.

    47. O acesso dos romances escrita - por vrios sculos os romances foram variedades lingsticas tipicamente faladas. E por muito tempo as pessoas tiveram a impresso de que o latim literrio, chamado s vezes de "gramtica", nada mais era do que a verso escolar e correta de sua lngua materna, ou seja, o latim literrio e os "vulgares" foram vistos por longo tempo como aspectos de uma mesma lngua. No fim do primeiro milnio, contudo, o fosso que se havia criado entre ambos j revelava a existncia de duas lnguas distintas. A redao consciente numa lngua autnoma, distinta do latim, revela-se, sobretudo, em dois tipos de textos:

    a) os que foram escritos com o intuito de reproduzir as palavras textuais de algum;

    b) os que foram escritos especificamente para comentar um texto latino. Em muitos dos primeiros textos romnicos apresentam-se trs caractersticas: a) interferncia do latim; b) presena de traos "dialetais" (em oposio posterior definio de standards

    nacionais); c) busca do carter de koin (os redatores teriam procurado expressar-se numa

    espcie de lngua comum, compreensvel para falantes de vrios dialetos). 48. A constituio das lnguas nacionais - hoje, no mundo romnico, cabe

    reconhecer o status de lnguas nacionais a seis idiomas: o portugus, o espanhol, o catalo, o francs, o italiano e o romeno. Uma lngua nacional no apenas um dialeto que desenvolveu uma literatura de valor; tambm imprprio defini-la com base apenas em condies polticas ou jurdicas. As razes para considerar um determinado idioma como lngua nacional dizem respeito s funes que esse

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    idioma desempenha na comunidade que o fala: uma lngua nacional um idioma que responde a todas as necessidades de uma sociedade. Essas necessidades variam conforme a poca. Na formao das lnguas nacionais, o contacto com todas as esferas da atividade humana se reflete primeiramente na fixao de convenes ortogrficas.

    V HISTRIA DO PORTUGUS

    49. Aps sete sculos de dominao muulmana na Pennsula Ibrica (711-1492),

    Granada, o ltimo reduto da resistncia moura, foi recuperada em 1492, no reinado dos reis catlicos da Espanha, Fernando e Isabel.

    No ano de 1085, aps a conquista de Toledo, Afonso VI de Castela confiou dois feudos localizados na faixa mais ocidental de seu reino a dois cavaleiros borgonheses que haviam colaborado na luta contra os rabes, junto com a mo de suas duas filhas Tareja e Urraca: a Henrique de Borgonha coube o Condado Portucalense (entre o Minho e o Mondego), e a Raimundo de Borgonha a Galiza (ao norte do Mondego). Com a morte de Henrique de Borgonha, a viva assume o poder e causa o descontentamento do povo e de seu filho Afonso Henriques, que na Batalha de So Mamede (1128) tomou o poder e se fez proclamar rei. Em 1143, na Conveno de Zamorra, Afonso VII lhe reconhece a realeza. Portugal tornou-se assim reino independente da Galiza, e estendeu-se para o sul anexando as regies conquistadas. Afonso Henriques e seus sucessores prosseguiram na luta contra os mouros, at que em 1250 Afonso III concluiu a conquista do Algarve, fixando ento os atuais limites de Portugal.

    50. At o sculo XIV a lngua falada continuou sendo o galaico-portugus. Mas o deslocamento para o sul da capital e da Corte determinou a quebra da relativa unidade lingstica galego-portuguesa. Pela influncia que o centro poltico exercia sobre os hbitos lingsticos, o portugus culto foi-se amoldando fala culta da regio que se situa entre as cidades de Coimbra e de Lisboa. Esse deslocamento "geogrfico" da variedade adotada como norma soma-se aos efeitos de trs sculos de evoluo, experincia acumulada na elaborao de uma prosa hagiogrfica, doutrinria e histrica, s influncias do Humanismo e da Renascena.

    Esse novo padro literrio consolidou-se e estabilizou-se no perodo quinhentista, em particular com as obras "renascentistas" de Lus de Cames, que permaneceram durante sculos como um fator de imobilidade do padro portugus culto.

    51. Na Renascena d-se o reencontro com a cultura greco-latina, donde resulta uma incorporao ao vocabulrio e sintaxe das lnguas romnicas de um nmero considervel de latinismos. A Renascena, por outro lado, foi tambm um perodo de dignificao e valorizao das "lnguas vulgares": entre as gramticas, escritas sobre a pauta das gramticas latinas da poca, aparecem as portuguesas de Ferno de Oliveira (1536) e Joo de Barros (1450); entre os tratados que sustentam a superioridade de uma lngua romnica em face do latim ou de outras lnguas contemporneas encontram-se o Dilogo em Louvor de Nossa Lngoa, do humanista, gramtico e historiador portugus Joo de Barros (1540), o Dilogo em

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    Defenso da Lngua Portuguesa, de Pedro de Magalhes Gndavo (1574), a Origem da Lngua Portuguesa, de Duarte Nunes de Leo (1606).

    52. No perodo Barroco, seguinte Renascena, os pases de lngua romnica sentiram fortemente os efeitos da Contra-Reforma (sc. XVII), o movimento pelo qual a Igreja Catlica procurava retornar antiga austeridade, segundo as diretrizes do Conclio de Trento. Dois fenmenos so sobretudo tpicos desse momentos:

    a) o multiplicar-se de academias que se atribuam a funo de sistematizar a lngua e de zelar por sua pureza e nobreza;

    b) o aparecimento de gramticos e literatos que foram encarados durante algum tempo como autoridades em matria de lingstica.

    53. O estudo da evoluo da lngua portuguesa pode ser dividido didaticamente em trs pocas (entre outros critrios e divises):

    a) poca pr-histrica (das origens at o sc. IX) - o perodo da evoluo do latim falado na Galiza e na Lusitnia, desde a conquista da Pennsula Ibrica at a formao dos romances, no sc. V. reduzido o material lingstico documental dessa poca.

    b) poca proto-histrica (do sc. IX ao sc. XII) - o sc. IX marca o estgio de definio do romance galaico-portugus como lngua corrente, e o sc. XII registra o fato histrico da independncia de Portugal.

    c) poca histrica (do sc. XIII em diante) - esta poca subdivide-se em duas fases: a arcaica e a moderna, tendo como marco divisrio o sc. XVI.

    No sc. XIII aparecem os primeiros textos redigidos numa lngua distinta da latina, nico instrumento at ento, da expresso escrita. Na fase arcaica a lngua era, nos sculos XIII e XIV, o galego-portugus, denominao dada expresso oral e escrita do romance galego-portugus. Esta era ento a lngua exclusiva da poesia lrica em toda a Pennsula Ibrica.

    54. A partir do sc. XIV, ainda na fase arcaica, por motivos histricos e sociais, a relativa unidade lingstica galego-portuguesa comea a se cindir, e tal ciso se completa no sc. XVI, quando, no Renascimento, se marca a fixao do portugus padro. Quase no limiar da poca moderna, o fato literrio de maior importncia a publicao de Os Lusadas (1572).

    Fontes: CMARA, J. Mattoso. Dicionrio de Lingstica e Gramtica. Petrpolis: Vozes, 11a.

    ed., 1984. HAUY, Amini Boianain. Histria da Lngua Portuguesa - Sculos XII, XIII e XIV. Rio

    de Janeiro: tica, 1989. ILARI, Rodolfo. Lingstica Romnica. So Paulo: tica, 1992.