De doença desconhecida à problema de saude publica

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SOBRE A HISTÓRIA SOCIAL DO CÂNCER

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

Presidente da RepúblicaLuís Inácio Lula da Silva

Ministro da SaúdeJosé Gomes Temporão

PresidentePaulo Marchiori Buss

DiretoraNara Azevedo

Diretor-geralLuiz Antonio Santini

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SOBRE A HISTÓRIA SOCIAL DO CÂNCER

De doença desconhecida a problemade saúde pública: o INCA e o controle

do câncer no Brasil

LUIZ ANTONIO TEIXEIRA CRISTINA OLIVEIRA FONSECA

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

Copyright © 2007, Ministério da Saúde

ISBN: 978-85-334-1446-4

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada afonte.

Ministério da Saúde

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Instituto Nacional de Câncer (INCA)Praça Cruz Vermelha, 23 – Centro20231-130 – Rio de Janeiro – RJwww.inca.gov.br

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Coordenação geral do projeto na Casa de Oswaldo Cruz/FIOCRUZLuiz Antonio Teixeira

Coordenação geral do projeto na Divisão de Comunicação Social/INCAClaudia LimaCristina RuasRodrigo Feijó

Elaboração de textoLuiz Antonio TeixeiraCristina FonsecaLina Faria

Pesquisa de fontes textuais e textos preliminaresRômulo de Paula Andrade

Pesquisa iconográficaManuela Castilho Coimbra Costa

Apoio à pesquisa iconográficaMarcos VieiraViviane Queiroga

Auxiliar de pesquisaClaudio Arcoverde

Revisão de textoJacqueline Gutierrez

Reproduções fotográficasRoberto de JesusVinicius Pequeno

AgradecimentosAdilia Maria Teixeira da SilvaAlexandre Octavio Ribeiro de CarvalhoCarla GruzmanEvandro CoutinhoGisele SanglardMarina KroeffMarília MarchRenato Silva

Projeto GráficoIdéia D – Designers Associadoswww.ideiad.com.br

ParceriaCoordenação Geral de Documentação e Informação – CGDI/MSSecretaria Executiva

ImpressãoGráfica Esdeva

T266d Teixeira, Luiz Antonio (Coord.)De Doença desconhecida a problema de saúde pública: o

INCA e o controle do Câncer no Brasil / Luiz Antonio Teixeira;Cristina M. O. Fonseca.- Rio de Janeiro : Ministério da Saúde, 2007.172 p. : il. ; 26 cm.

1. Saúde pública-história-Brasil. 2. Política de saúde-história-Brasil.3. Neoplasias. 4. INCA. I. Título

CDD614.0981

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SOBRE A HISTÓRIA SOCIAL DO CÂNCER

Sumário

Apresentação 7

Introdução 9

CAPÍTULO 1Sobre a história social do câncer 13

CAPÍTULO 2O desenvolvimento da cancerologia no Brasil 25

CAPÍTULO 3Construindo uma política de controle do câncer para o país 41

CAPÍTULO 4Mario Kroeff e a criação de um espaço para o tratamento do câncer no Distrito Federal 57

CAPÍTULO 5O Serviço Nacional de Câncer e a institucionalização da política de controle do câncer no Brasil (1940-1960) 73

CAPÍTULO 6Saúde: bem público ou privado? O INCA e a política de controle do câncer no período autoritário (1964 – 1979) 103

CAPÍTULO 7Parcerias públicas em benefício público: co-gestão e inovação institucional no INCA 127

CAPÍTULO 8O INCA, o SUS e os desafios da saúde pública brasileira 141

Linha do Tempo 161

Referências Bibliográficas 163

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Apresentação

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SOBRE A HISTÓRIA SOCIAL DO CÂNCER

A trajetória institucional do INCA segue o mesmo percurso da história natural da doença no Brasil. Refletirsobre o processo que fez o câncer passar de doença pouco conhecida a objeto de uma política de saúde pública épensar sobre os caminhos que levaram à construção do próprio INCA. A instituição completa hoje 70 anos e seorgulha de ter alcançado a maturidade para enfrentar os enormes desafios do presente e do futuro.

O trabalho apresentado aqui é um olhar sobre a história construída na assistência, prevenção, detecção precoce,vigilância epidemiológica, educação e pesquisa sobre o câncer. Os autores nos convidam a acompanhar a trajetórianão apenas do desenvolvimento técnico-científico que permitiu tratar a doença, mas da visão do poder público e dasociedade sobre o problema.

De todas as iniciativas propostas para esta comemoração, a publicação deste livro é o marco mais importante.Ele é fruto da parceria entre o INCA e a Casa de Oswaldo Cruz, unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz,que, desde 1985, se dedica ao estudo da história das ciências e da saúde no Brasil, atuando decididamente no campoda preservação do patrimônio científico e cultural da saúde.

Tratando de um tema ainda pouco explorado pelos analistas dos processos e dos agentes da institucionalizaçãodas políticas públicas, este livro se soma aos esforços empreendidos por historiadores e cientistas sociais que, nasúltimas duas décadas, vêm renovando a história das ciências e da saúde em nosso País. Nesse sentido, amplia o hori-zonte dessas reflexões, que apresentam interesse para o mundo acadêmico, mas também para a atuação conseqüentede políticas públicas que promovam a saúde como um valor e um direito de cidadania.

Luiz Antonio SantiniDiretor-geral do Instituto Nacional de Câncer – INCA

Nara AzevedoDiretora da Casa de Oswaldo Cruz

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Introdução

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SOBRE A HISTÓRIA SOCIAL DO CÂNCER

Ao longo da história brasileira, o câncer foi visto de diversas formas. De tumor maligno e incurável à neoplasia,de tragédia individual à problema de saúde pública, sua história foi marcada pelo incessante esforço da medicina emcontrolá-lo pela via da prevenção, aliada ao uso das mais modernas tecnologias médicas de tratamento. No entanto,as dificuldades técnicas para a cura de muitas de suas formas, o alto custo das tecnologias empregadas com esseobjetivo e seu caráter individual mostram-se como limitadores da ação terapêutica, fazendo com que a doença sevincule cada vez mais ao campo da prevenção e da saúde pública.

Ao construir a história dessa doença em nossa formação social, optamos por trazer à luz uma multiplicidade deatores e instituições que ajudaram a construir primeiramente o câncer como problema médico e em seguida comoobjeto da saúde pública. Nesse conjunto, despontou como objeto privilegiado de análise o Instituto Nacional deCâncer. Acompanhamos sua trajetória, desde a sua criação, como Centro de Cancerologia do Distrito Federal, em1937, até o início do nosso século, momento em que a instituição passa a se responsabilizar pela formulação, acom-panhamento e implantação da política de atenção oncológica no País. Embora saibamos que o recorte utilizado nãodê o devido destaque a alguns aspectos da história da doença, como as angústias e sofrimento dos doentes e osdetalhes dos avanços técnico-científicos utilizados em seu controle, os limites da obra nos impuseram essa escolha.

Nosso longo caminho se inicia com os primeiros trabalhos sobre o câncer apresentados em nossas academiasmédicas e tem como ponto de chegada a configuração das políticas de controle da doença, no início do século XXI,e a atuação do INCA nesse contexto. Para guiar o leitor nesse passeio, dividimos o texto em seções, em algumamedida, formatadas pelos marcos das transformações da nossa história sócio-política, acrescidas das grandes trans-formações na história do combate a doença no País.

Iniciamos nossa empreitada construindo um quadro geral sobre a doença, que mostra como ela foi construídacomo um problema social. Ou seja, como se deu a passagem de uma visão do indivíduo doente para uma outra, quevia a doença como um problema coletivo, a ser tratado pela saúde pública. Ao tratar desse aspecto, também nosremetemos aos avanços científicos em relação à doença, procurando ressaltar o paradoxo encerrado no fato de que,quanto mais ela foi sendo descortinada pelas ciências médicas, mais aumentou o temor das populações diante dela.

No segundo capítulo, nossa narrativa se volta para os primeiros estudos sobre o câncer no País, analisandocomo ele se transforma em problema médico. Mostramos que, a partir do início do século XX, os médicos brasileiroscomeçaram a se debruçar sobre o câncer, mais como uma forma de seguir a tendência de seu campo profissional –cada vez mais às voltas com as observações da ampliação da incidência da doença na Europa e nos Estados Unidos – doque como um modo de resolver um real problema de saúde pública. Na verdade, nossos médicos tiveram que sedesdobrar para mostrar a importância do câncer, visto sua pequena expressão epidemiológica naquele momento. Dequalquer forma, foram felizes na aceitação social de seu discurso que previa a ampliação dos índices da doença vis àvis ao processo de modernização do País.

A ação desses pioneiros se caracteriza como o primeiro passo para o enquadramento do câncer como um pro-blema de saúde pública. Já em 1920, ele passou a ser objeto de uma inspetoria do Departamento Nacional de SaúdePública. Sua inclusão no organograma da saúde pública se relacionou ao surgimento de uma demanda social visandoao aumento do escopo das ações governamentais de saúde, até então voltadas para o controle das epidemias. Alémdisso, ela também se relacionou ao processo de maior profissionalização de nossos sanitaristas, que passaram a ternas noções da moderna saúde pública, surgidas nos Estados Unidos, sua base de atuação.

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A trajetória das primeiras instituições voltadas para o controle do câncer também são alvo de nossa narrativa.Observamos o surgimento do Instituto do Radiun de Belo Horizonte e do Instituto do Câncer Dr. Arnaldo, em SãoPaulo. Também analisamos o malsucedido projeto de um hospital do câncer levado à frente pelo industrial GuilhermeGuinle em consórcio com uma associação de médicos do Distrito Federal.

O terceiro capítulo se volta para o período que se estende entre o final da década de 1920 e a metade dos anos1930, momento em que os médicos se convenceram da necessidade de ampliação das ações de saúde contra o câncer.O I Congresso Brasileiro de Câncer, ocorrido em 1935 no Distrito Federal, foi o auge desse processo, ao trazer a públicoas primeiras propostas para o enfrentamento da doença em nível nacional. Ressaltamos nesse momento a atuação deJoão de Barros Barreto, então dirigente da saúde pública, que trouxe à luz um projeto para o combate ao câncer emnível nacional. Como contraponto, analisamos a proposta apresentada por Mario Kroeff e mostramos como eleconseguiu pôr em marcha as atividades que acabariam por consolidar a ação contra o câncer no país.

O capítulo seguinte é dedicado a Mario Kroeff e seus “combates contra o câncer”. Traçamos uma breve biografiado personagem e analisamos a criação e a trajetória do centro de cancerologia, embrião do Instituto Nacional deCâncer. Também nos voltamos para sua atuação na criação da Associação Brasileira de Assistência aos Cancerosos.Nossa análise procura mostrar a grande habilidade e perspicácia de Kroeff tanto na criação do Centro de Cancerologiacomo, de forma mais ampla, em todo o processo de desenvolvimento de uma política de controle do câncer no País,entre o final dos anos 1920 e a década de 1950. Usando de grande argúcia, ele foi capaz de compreender as mudançasque vinham ocorrendo em relação à prevenção e ao tratamento do câncer e de reformular suas concepções para seguiressas diretrizes de forma mais eficaz. Se no início de sua carreira, suas propostas para o controle do câncer no Paísapregoavam quase que exclusivamente a maior utilização da eletrocirurgia, com o passar dos anos, elas passaram a tercomo base a criação de uma rede de instituições que tratassem os doentes com o conjunto de tecnologias que a medi-cina oferecia, implementassem campanhas publicitárias em relação à necessidade de diagnóstico precoce e que tambémpudessem oferecer cuidados paliativos para os desprovidos de recursos. Com esse propósito, ele moveu uma luta particu-lar para ampliar as iniciativas de controle da doença, tanto no âmbito da instituição que dirigia como fora dela.

No capítulo cinco, nossa análise se volta para as políticas públicas relacionadas ao câncer, primeiro analisandoa criação e o lento desenvolvimento do Serviço Nacional de Câncer (SNC). Procuramos ressaltar que essa instituição,em seus primeiros anos de atividades, concentrou sua atuação no Centro de Cancerologia. A partir do final dogoverno Vargas, o SNC ampliaria bastante sua atuação, principalmente no incentivo às ligas e outras instituiçõeslocais. Nesse capítulo também observamos as campanhas de prevenção postas em marcha a partir de 1946 e analisa-mos o processo de ampliação e modernização do então Instituto Nacional de Câncer, enfatizando seu papel naformulação das políticas de câncer para o País.

O sexto capítulo se detém nas décadas de 1960 e 1970, analisando o período de instabilidade política quemarcou a transição para um gradativo regime político autoritário no Brasil. Observamos o fortalecimento gradualde propostas voltadas para a privatização dos serviços de saúde e as principais mudanças institucionais que ocorre-ram na esfera da saúde. No âmbito das ações de controle do câncer, destacamos a criação da Campanha Nacional deCombate ao Câncer, as atividades desenvolvidas nesse setor, bem como a elaboração do Plano Nacional de Combateao Câncer. Acompanhando estas mudanças destacamos o impacto destas transformações no Instituto Nacional deCâncer (INCA), configurando um período marcado por grande instabilidade institucional, a falta de verbas e a redu-ção de sua equipe profissional, entre outros fatores.

O capítulo seguinte procura estabelecer um paralelo entre o processo de redemocratização que tem início nadécada de 1980 e a reformulação institucional que ocorre no INCA, quando o Instituto começa a superar as dificul-

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dades e problemas por que passou nas décadas anteriores. A realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, em1986, e a promulgação da nova Constituição brasileira em 1988, representaram momentos decisivos da história dasaúde no País e tiveram impacto também sobre o Instituto. Para o INCA, essa década representou um período de impor-tantes mudanças que implicaram a expansão das atividades de controle e tratamento do câncer. Foram criadas novasinstâncias gerenciais com a implementação da co-gestão além da criação de novos setores e serviços, como o Pro-Onco e o CEMO.

O oitavo capítulo, observando o contexto de consolidação da democracia no País, e a aprovação do SistemaÚnico de Saúde (SUS), procura analisar o papel do INCA diante dos desafios apresentados no processo de implemen-tação e consolidação do SUS. Estabelecemos um diálogo entre as ações de controle e tratamento do câncer empreen-didas pelo Instituto e as transformações em curso na área da saúde, destacando seu papel na definição de estratégiase diretrizes políticas para o setor. Constatamos a crescente especialização médica nesse campo, acompanhada de umaampla e extensa diversificação institucional, de novos parâmetros de relação com os meios de comunicação e novasestratégias de prevenção e controle sobre a doença. Observamos que o INCA enfrentou os desafios apresentados pelonovo modelo de gestão institucionalizado pelo SUS e se consolidou como uma instituição pública, prestadora deserviços de qualidade. Neste sentido, o fio condutor da análise fortalece a caracterização do câncer como uma ques-tão social, de saúde pública.

Este livro contou com o valioso trabalho da pesquisadora Lina Faria que participou como co-autora dos textosreferentes aos capítulos seis, sete e oito. Para a elaboração desse trabalho, utilizamos uma enorme quantidade defontes, sendo que os artigos e comunicações às sociedades médicas e congressos de medicina foram os mais emprega-dos nos capítulos que trataram dos primórdios da cancerologia no país. A análise das políticas públicas em relaçãoao câncer e do desenvolvimento institucional do INCA teve como principal matéria prima os documentos oficiais,em especial a legislação, os relatórios do Instituto e os artigos de seus dirigentes publicados na Revista Brasileira deCancerologia. Não podemos deixar de citar três trabalhos que foram fundamentais à escrita desse livro. O primeiro foio livro História e Saúde Pública: a política de controle do câncer no Brasil, escrito sob a coordenação de Regina Bodstein aexatos dez anos e publicado pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Primeiro trabalho acadêmico a sis-tematizar a história das políticas em relação ao câncer no País, nos serviu como bússola, indicando os caminhos aserem percorridos. Além disso, fizemos largo uso das entrevistas elaboradas por seus autores. Outro trabalho quemerece menção especial é a dissertação de mestrado de Alexandre Octavio de Carvalho, O Instituto Nacional de Câncere sua memória: uma contribuição ao estudo da invenção da cancerologia no Brasil (2006). Da mesma forma que o livroprecedente, sua dissertação foi uma fonte fecunda de informações e de referências a serem analisadas. Por fim, nãopodemos deixar de citar o grande conjunto de escritos de Mario Kroeff, em particular o livro Resenha da luta contra ocâncer no Brasil (1947) no qual o autor enfeixa uma longa série de documentos, artigos e manchetes de jornais sobreo desenvolvimento da cancerologia no País que constituíram fontes de inestimável valor.

Embora nossa pesquisa tenha conseguido levantar um grande e rico conjunto de fontes, o perfil editorial ado-tado para o livro fez com que nossa narrativa se concentrasse nos aspectos mais gerais, tanto no que concerne àspolíticas de saúde pública, como em relação à trajetória do INCA. Por isso, o leitor pode deixar de encontrar informa-ções específicas sobre políticas voltadas para o controle do câncer e sobre algumas atividades realizadas no Institutoem diversos momentos de sua história. Nesse sentido, acreditamos que esse trabalho possa ser um ponto de partidapara outras investigações e estimule o interesse por novos temas relativos à história da instituição e de seu papel nocontrole do câncer no País.

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CAPÍTULO 1

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SOBRE A HISTÓRIA SOCIAL DO CÂNCER

O câncer encerra em sua história um estranho para-doxo relacionado ao fato de que, à medida que a medi-cina foi alargando os conhecimentos e desenvolvendotecnologias cada vez mais poderosas contra seus nefas-tos efeitos, o pavor das populações em relação a ele tam-bém se ampliou. Durante muito tempo quase nada sesabia sobre a doença, e era nula a capacidade dos médi-cos em evitar o sofrimento e as mortes que causava. Noentanto, o câncer era pouco percebido na sociedade, fa-zendo parte de um grande rol de mazelas que impingiamsofrimento e morte. Às suas vítimas, só restavam a ago-nia e muitas vezes a execração social causada pelo temorde sua contagiosidade. A partir de meados do século XXessa situação começou a se transformar. Os promissorestratamentos surgidos, ainda no início do século, come-çaram a se sofisticar, se mostrando mais eficazes, ao mes-mo tempo em que a prevenção pelo diagnóstico precoceentrou na ordem do dia da medicina. No entanto, o maiorconhecimento da doença e o surgimento de alguma es-perança no tratamento dos acometidos também am-pliavam a compreensão da extensão do mal, de suas di-versas faces e da limitada capacidade da medicina emdomá-lo, intensificando com isso o temor da sociedade,que passou a ver o câncer como o flagelo da modernidade.

A doença é conhecida desde longa data. Egípcios,persas e indianos, 30 séculos antes de Cristo, já se refe-

Sobre a história social do câncer

riam a tumores malignos, mas foram os estudos da escolahipocrática grega, datados do século IV a. C., que a defi-niram melhor, caracterizando-a como um tumor duroque, muitas vezes, reaparecia depois de extirpado, ou quese alastrava para diversas partes do corpo levando à mor-te. Então denominado de carcicoma ou cirro, o câncerera visto pelos hipocráticos como um desequilíbrio dosfluidos que compunham o organismo. No início do pe-ríodo cristão, a medicina galênica reforçou a idéia docâncer como desequilíbrio de fluidos. Essa noção man-teve-se presente na medicina ocidental até o século XVII,sendo que, a partir do século XV, a descoberta do sistemalinfático fez com que a doença fosse relacionada ao dese-quilíbrio da linfa nos organismos. Pensar a doença comodesequilíbrio de fluidos representava pensá-la como umproblema orgânico mais geral, em que os tumores eramapenas as manifestações visíveis. Tal concepção desacon-selhava intervenções cirúrgicas ou medicamentosas, pos-tulando que as terapêuticas voltadas para a obtenção doequilíbrio corpóreo – como as sangrias – eram mais ade-quadas ao restabelecimento completo do doente.

Somente no século XVIII, o câncer passou a ser vistocomo uma doença de caráter local. Para essa mudançamostrou-se fundamental o desenvolvimento da anato-mia patológica e dos conhecimentos sobre as células.Nesse terreno, o anatomista italiano Giovanni Battista

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Morgagni (1662-1771) e o médico francês Marie FrançoisXavier Bichat (1771-1802) foram de grande importância.O primeiro enfatizou a localização corpórea das doen-ças, que passavam a se caracterizar como uma entidadeespecífica, localizada em determinado órgão do corpo.Já Bichat elaborou um tratado revolucionário, mostran-do que os órgãos são formados por diferentes tecidos,cujas lesões apontavam a localização das várias patolo-gias. Seus estudos favoreceram a compreensão das for-mas distintas de câncer, a partir de seus efeitos diferen-ciados em diversas localizações tissulares. Ainda nesteperíodo, outro médico francês, René Théophile Laënnec(1781-1826), aumentou a precisão do diagnóstico aodistinguir os quistos dos rins e dos ovários e os fibromasuterinos dos casos de câncer. Por fim, Joseph Claude

Anthelme Recamier (1774-1852), observando um tumorsecundário no cérebro de uma paciente inicialmente atin-gida por um câncer no seio, deu início a utilização doconceito de metastase para o câncer. Seus estudos apon-tavam para o fato de a invasão de células cancerosas nacorrente sanguínea ou linfática provocar o surgimentode novos tumores em outros órgãos dos doentes. Essaspesquisas, assim como diversas outras realizadas no pe-ríodo, possibilitaram a compreensão do câncer como umapatologia local, relacionada às mais diminutas estrutu-ras orgânicas.

No século XIX, o desenvolvimento da teoria celu-lar, a partir dos trabalhos de Virchow (1821-1902), fi-nalmente possibilitou a vinculação da doença às célulase seu processo de divisão. O próprio Virchow propôs essa

Remoção de um tumor. Ilustrações de 1741

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idéia, no entanto, ele acreditava que o câncer era causadopor uma irritação crônica e se propagava como um líqui-do no organismo. Em meados do século XIX, o anato-mista Wilhelm Waldeyer (1836-1921) mostrou que ascélulas cancerosas se desenvolvem a partir de célulasnormais, e que o processo de metastase, como postularaRecamier, era resultado do transporte das células cance-rosas pela corrente sanguínea ou linfática.

Apesar do grande avanço do conhecimento sobrea doença, as possibilidades de tratamento eficazes per-maneciam inexistentes, restando aos acometidos ainternação em asilos para desenganados, nos quais emmeio ao sofrimento, esperavam o momento da morte.Nesse campo, a assistência aos desamparados foi a açãocontra a doença de maior alcance. Na Europa, ainda noséculo XVIII começaram a surgir hospitais com esse obje-tivo. Já em 1742, a cidade de Reims, na França, criou umasilo para cancerosos. Em 1799, seria fundado, na Ingla-terra, o Cancer Charity of the Middlesex Hospital, comas mesmas características. Em meados do século XIX,várias instituições voltadas à proteção aos doentes decâncer começaram a proliferar em diversos países euro-peus. Na França, a Associação de Senhoras do Calvário,ou Obra do Calvário, criada em 1842 na região de Lyon,por Jeanne Garnier-Chabot, implantou um asilo paramulheres cancerosas, mantido e administrado por viú-vas voltadas para a caridade. Depois da morte de sua fun-dadora, em 1853, a associação criou diversas casas deabrigo na França, nas quais as viúvas da ordem traba-lhavam cuidando de mulheres atingidas pela doença.

Em meados do século XIX, os avanços da cirurgiapareciam dar uma nova esperança em relação ao câncer.As primeiras cirurgias de cânceres do reto e histerctomiasdatam da década de 1840, quando a utilização do éter edo clorofórmio como anestésicos possibilitou a execu-ção de cirurgias mais invasivas. No entanto, o grandenúmero de insucessos dessas operações e o dissenso so-bre sua eficácia fizeram com que, naquele momento, elasfossem postas de lado. Somente com o desenvolvimentodas técnicas de assepsia e anti-sepsia criadas por JosephLister (1827-1912) na década de 1860 e da progressiva Mastectomia. Ilustrações do Armentarium Chirurgicum, 1741

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Retirada de um tumorno seio. Traité Completde l’Anatomie del’homme, 1866-67

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aceitação da transmissão microbiana das doenças a par-tir dos trabalhos de Pasteur (1822-1895), duas décadasmais tarde, as cirurgias passaram a ser mais viáveis. Oscuidados com a assepsia caracterizaram-se como umaverdadeira revolução no campo cirúrgico, possibilitandoa segurança necessária para o desenvolvimento de diver-sas incisões até então marcadas pelo fracasso em virtudede infecções secundárias. Nesse contexto, diferentes ini-ciativas cirúrgicas começaram a ser bem-sucedidas. Em1881, o cirurgião alemão Theodor Billroth (1829-1894)obteve o primeiro sucesso na remoção de um câncer deestômago; em 1890, Willian Stewart Halsted realizouuma bem-sucedida mastectomia ampliada no HospitalJohns Hopkins, em Nova York; e, em 1900, em Viena, oaustríaco Ernest Wertheim (1864-1920) publicou umtrabalho sobre uma técnica de histerctomia do câncerde útero com a qual havia reduzido índice de óbitos re-sultantes dessa cirurgia, no Elizabeth Hospital, de 72%para a impressionante cifra de 10%. À medida que astécnicas cirúrgicas de assepsia foram se desenvolvendo,aumentava o número de médicos que voltavam seu in-teresse para as cirurgias de diversos tipos de câncer, fa-zendo com que cada vez mais a doença se vinculasse acirurgia.

Apesar da ampliação das possibilidades de inter-venção contra o câncer, abertas pelo desenvolvimentodas técnicas cirúrgicas, as grandes transformações no tra-tamento viriam da aproximação da medicina de outroscampos de investigação, como a física e a química. Osprimeiros passos nesse sentido surgiram com a descobertados raios X, em 1895. A partir de 1896, os médicos seapropriaram da descoberta, se interessando por suas ex-traordinárias potencialidades diagnósticas. Logo tam-bém passaram a testá-la freneticamente na busca da curade diversas doenças. No caso do câncer, a utilização daradioterapia parecia ser promissora. Já em 1902, surgi-ram os primeiros trabalhos na Associação Americana deCirurgia, afirmando a importância dos raios X no trata-mento das displasias. A partir de então, a técnica come-çou a ser utilizada por alguns médicos no tratamento decânceres cutâneos e, em seguida, em tumores internos,

com a utilização de tubos que eram introduzidos nospacientes para que o efeito dos raios atingissem seus ór-gãos afetados. Apesar das primeiras tentativas de usomédico dos raios X, não havia uma compreensão bioló-gica sobre sua forma de ação nos organismos. Foi em1905 que o radiologista francês Jean Bergonié e o his-tologista Louis Tribondeau esclareceram seu princípiode ação curativa, mostrando que as células cancerosassão mais sensíveis a ele que as células sãs. Seu trabalhodeu fundamentação biológica à utilização da radiotera-pia e abriu caminho para a sua utilização científica con-tra os mais diversos tumores. Apesar dos avanços, a novatecnologia mostrava-se perigosa, pois causava queima-duras e, se utilizada em altas doses, chegava a ser can-cerígena. Além disso, a impossibilidade de mensuração epadronização de sua dosagem impediam sua utilizaçãode forma segura. Por muito tempo, a maioria dos médi-cos tanto da França, como de outros países tiveram umaposição conservadora sobre os raios X, continuando ater na cirurgia a principal indicação para o câncer. So-mente a partir da década de 1910, esta situação come-çou a mudar com o desenvolvimento dos tubo de raioscatódicos (1913) e de potentes geradores (1921) que per-mitiam um maior controle da intensidade dos raios,possibilitando sua utilização de forma mais segura.

Pouco tempo depois do desenvolvimento da radio-terapia, a descoberta do rádio pelo casal Pierre e MarieCurie, em 1898, traria novos avanços ao tratamento docâncer. Tal qual os raios X, o rádio produzia um efeitocauterizante sobre a pele, por isso, Marie Curie e AntoineBecquerel, seu orientador, foram os primeiros a sugerirseu uso médico. A partir de 1904, os médicos começarama experimentá-lo contra as mais variadas doenças, e prin-cipalmente o câncer. No entanto, de forma diferente aoque ocorrera com os raios X, a terapia pelo rádio foi de-senvolvida numa aproximação maior entre físicos, quí-micos e o campo médico, o que causou a diminuição dosacidentes provenientes de sua utilização terapêutica.Além disso, como a radiação gerada pelo rádio é direta-mente proporcional à quantidade do elemento empre-gado, seu controle era facilitado. Novas descobertas sobre

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Karl Gussenbauer, iniciando uma intervenção num caso de tumor cerebral,em 1897

a radiação fizeram com que sua aplicação passasse serfeita com o emprego de agulhas recobertas de platina,contendo pequenas quantidade de rádio. Esse isolamentodiminuía os efeitos indesejados do produto, que pene-trava no organismo dos doentes e aproximava-se ou atin-gia o tumor provocando a sua destruição.

O emprego do rádio se voltou inicialmente paracasos de cânceres cutâneos e outras dermatoses, se am-pliando gradualmente para outros tipos de tumores. Nofinal da segunda década do século XX, a utilização dorádio no tratamento do câncer do colo do útero passoua ser cada vez mais freqüente na Europa. Trabalhos pos-teriores possibilitaram uma maior precisão na dosagemradioativa do produto, permitindo seu uso de forma maissegura. A difusão da radioterapia acabou por originarum novo grupo de profissionais voltados para o câncer:os radiologistas, encarregados da pesquisa e aplicaçãode terapias radiativas nos pacientes. Esse novo campomédico, na maioria das vezes, atuava em consórcio coma cirurgia. Em muitos casos, pacientes que tinham seustumores extraídos cirurgicamente eram enviados paratratamento radioterápico com a finalidade de evitar oreaparecimento da doença; em outros, os pacientes eram

Em 1895, o físico alemãoWilhelm Konrad Roentgen (1845-1923), estudando fenômenos deluminescência, observou que apassagem de corrente elétricaem tubos de vácuo produzia umaradiação capaz de velar umachapa fotográfica. Essasradiações também tinham opoder de transpassar corposopacos, produzindo marcasdiferenciadas, nas chapasveladas, de acordo com omaterial atravessado. Após

várias experiências com objetos,Roentgen resolveu pôr a própriamão entre o dispositivo e o papelfotográfico. A imagem produzidana chapa fotográfica revelou aestrutura óssea detalhada de suamão. Foi a primeira imagem docorpo feita com o uso dos raiosX, nome dado pelo cientista à suadescoberta. Por seus estudos nocampo dos raios X, Roentgenseria agraciado com o PrêmioNobel de Física, em 1901. Antesdisso, sua descoberta passou a

Os raios X

Wilhelm Roentgen, físico responsávelpelo desenvolvimento dos raios X

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SOBRE A HISTÓRIA SOCIAL DO CÂNCER

ser estudada pelos médicosatentos às grandespossibilidades de sua utilizaçãono campo do diagnóstico dedoenças pela visão dasestruturas internas do organismo.Cinco meses depois do relato dadescoberta, surgia o primeirotrabalho sobre o uso diagnósticoda radiologia, no entanto, até oinício da década de 1910, quandoinovações tecnológicaspermitiram o aperfeiçoamento datécnica, sua utilização foi

bastante precária em virtude dolongo tempo de exposiçãonecessário para a elaboração deuma chapa (mais de 30 minutos)e do alto grau de radiação quegerava. Um outro aspecto dadescoberta que logo interessouaos médicos foi o fato de osraios-X causarem vermelhidão equeimaduras na pele e, no casode exposições mais intensas, adestruição dos tecidos e lesõescancerígenas – váriospesquisadores que lidavam com

essa tecnologia foram vítimasdesses agravos. Caracterizadainicialmente como umaconseqüência negativa, essapropriedade dos raios X empouco tempo passou a ser vistacomo uma nova possibilidadeno tratamento do câncer, poispoderia ser utilizada nadestruição de tumorescancerígenos.

Primeiraradiografia docorpo humano

submetidos inicialmente ao tratamento radiológico e de-pois tinham seus tumores retirados por meio de cirurgia.

Esse conjunto de inovações no tratamento do cân-cer ampliou sobremaneira o interesse pela doença, quepassou a ser objeto de diversos estudos, muitos deles vol-tados para a análise de sua incidência. Esses estudos pare-ciam mostrar que o câncer se alastrava na Europa e nosEstados Unidos. O maior conhecimento de suas diversasformas diminuía a subnotificação, dando a impressãode permanente ampliação dos índices. Além disso, osprimeiros sucessos da bacteriologia no controle das doen-ças epidêmicas, ao mesmo tempo em que geravam oti-mismo frente à possibilidade de controle do câncer, per-mitia uma observação mais acurada de um mal menosfreqüente que as epidemias que até então atacavam asgrandes cidades. O câncer transformava-se em um malcada vez mais observado e temido

O interesse pelo câncer foi rapidamente globalizadopelos congressos internacionais de medicina, onde avul-tavam trabalhos sobre a doença. Logo o câncer passariaa ser tema de encontros específicos, nos quais se discuti-am suas causas e possível contagiosidade e, principal-mente, a ampliação de sua incidência nas diversas par-

tes do o mundo. Em 1906, se daria a Primeira Conferên-cia Internacional contra o Câncer, em Paris. Quatro anosmais tarde, uma segunda conferência ocorreu na Bélgica,realizando-se, em 1923, o primeiro Congresso Interna-cional do Câncer em Estrasburgo. As resoluções dessescertames normalmente apontavam para a necessidadede ampliação das pesquisas e para a criação de institui-ções específicas para o tratamento dos acometidos, in-centivando o surgimento de novas iniciativas em rela-ção à doença.

As primeiras instituições de incentivo à pesquisadatam do alvorecer do século XX. Ainda em 1900 foiorganizado o German Central Committe for CancerResearch na Alemanha. Dois anos mais tarde, surgiu naInglaterra o Imperial Cancer Research Fund. Em 1906,como conseqüência da Primeira Conferência Internacio-nal contra o Câncer, foi criada a Association Françaisepour l’etude du Cancer, no ano seguinte a AmericanAssociation for Cancer Research. Nessa mesma épocacomeçaram a surgir, nos Estados Unidos e na Suécia, osprimeiros centros de radioterapia que conjugavam pes-quisas experimentais e tratamento médico. O mais céle-bre entre eles foi fundado em Paris, pela própria Marie

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

Utilização de diagnóstico por raios X durante a Primeira Guerra Mundial

Curie, sob as expensas do governo francês, como umadivisão do Instituto Pasteur voltada à pesquisa biomédicae ao atendimento hospitalar.

No que tange à organização dos serviços de saúde,a utilização de novas tecnologias de tratamento basea-das em aparelhagem de alto custo, como as bombas derádio e os aparelhos de altas voltagens, surgidos a partirdo final dos anos 1920, formatou o perfil dos serviçoscontra o câncer nos países desenvolvidos. A França con-tou com diversos centros locais, voltados para a preven-ção, diagnóstico e terapêutica de menor complexidade –custeados pelo governo com o auxílio da filantropia –, ecom alguns institutos modelos, aptos a realizar procedi-mentos mais diversificados e a desenvolver pesquisasbiomédicas sobre a doença. O consórcio Estado-Filan-

tropia no controle do câncer foi uma regra na maioriados países europeus, nos Estados Unidos e, em algumamedida, no Brasil, onde as ligas e outras organizaçõesajudaram a implantar e manter serviços voltados para otratamento e a pesquisa.

No âmbito da luta social contra doença, o fim daPrimeira Guerra Mundial engendrou um interesse aindamaior em seu controle. Foi assim que surgiu, em 1918, aLiga Franco-Anglo-Americana contra o Câncer. Congre-gando médicos, financistas, comerciantes e industriaisdessas nações e contando com os auspícios de seus em-baixadores e ministros da saúde e do Instituto Pasteur, aLiga objetivava ampliar a conscientização da opiniãopública sobre o problema do câncer e favorecer a criaçãode centros de pesquisa e tratamento da doença nos paí-

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SOBRE A HISTÓRIA SOCIAL DO CÂNCER

Marie Curie e a radioterapia

Marie Curie e sua filha Irene em 1925

ses membros. Na França, sua atuação se voltou para acriação de dispensários e para a formação de enfermei-ras visitadoras. Uma outra esfera de suas atividades ti-nha como esteio o trabalho filantrópico das senhorasvisitadoras, que se voltaram para o auxílio aos incurá-veis e a elaboração de inquéritos epidemiológicos sobrea doença. A Liga Franco-Anglo-Americana inspiraria acriação de instituições nacionais similares em diversospaíses, elevando a ação social contra a doença aos níveisdas já existentes contra a tuberculose e a sífilis. Em di-versas partes do mundo ocidental – inclusive no Brasil –,as ligas, apoiando-se nas postulações médicas de então,se empenharam em levar à opinião pública a idéia de

que o câncer era curável se descoberto e tratado quandode seu início, bem como em criar e ajudar a manter cen-tros de tratamento da doença e fornecer cuidados aosincuráveis em asilos específicos.

No período que se estende entre as duas guerrasmundiais, a preocupação com o problema do câncer pa-receu se ampliar ainda mais em todo o mundo. Os inqué-ritos epidemiológicos realizados nos diversos paísesmostravam que a extensão da doença era ainda maiordo que se imaginava, tendendo a se elevar mais ainda àmedida que melhores condições de vida possibilitassemo maior envelhecimento da população. No campo daação médica, o desenvolvimento da cirurgia aumentava

Curie e seu marido Pierre Currie

Em 1898 a polonesa radicada na França MarieCurie (1867-1934) estudava a radioatividade do urâniono laboratório do renomado físico francês AntoineHenri Becquerel (1852-1908). Suas pesquisas, maistarde laureadas com o Prêmio Nobel de Física (1903)e de Química (1911) levaram-na à descoberta de doisnovos elementos químicos, o polônio e o rádio,apontando para a intensa radioatividade dessassubstâncias. Somente em 1902, Marie Curie e seumarido Pierre Curie (1859-1906) conseguiram isolar orádio, no entanto, muito antes disso, ele já era objetode pesquisa no meio médico. Ainda em 1900, opróprio Becquerel, foi convidado para um congressomédico em Londres e levou no bolso do seu paletóum tubo contendo uma amostra com forteconcentração de rádio. Quinze dias mais tarde eleobservou que sua pele, à altura do bolso do paletó,apresentava uma inflamação e, consultando ummédico, concluiu a similaridade das feridas com asobtidas por raios X. Essa constatação fez com que acomunidade científica deixasse de lado as hipótesesque atribuíam as alterações celulares provenientesdos raios X à eletricidade, abrindo caminho para o

estudo da radioatividade como um novo domínioterapêutico. Tal qual os raios X, o rádio, em virtude deseu poder de destruir células malformadas, foiamplamente usado pela medicina com objetivo de

destruir tumores cancerígenos. Sua descobridora,com o auxílio do governo francês, fundou o Institutode Radiun de Paris – instituição científica voltadapara as pesquisas em radioterapia e tratamentoradioterápico do câncer. Em seus laboratórios, elatrabalhou até a morte.

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

a taxa de sucesso nas retiradas de tumores malignos emdiversos órgãos internos, já a radioterapia era utilizadacom sucesso nos cânceres cervicais, mamários, uterinose cutâneos. No entanto, com exceção desses últimos, apossibilidade de cura dos diversos tipos de câncer aindaera bastante baixa, sendo que as novas descobertas dasciências médicas que mudariam esse panorama em mea-dos do século XX – como a quimioterapia e outras tera-pias medicamentosas – ainda eram promessas em fasede desenvolvimento nos laboratórios científicos. Nessecontexto, de ampliação de conhecimentos sobre a doen-ça e de possibilidades restritas de tratamento, o câncerprogressivamente passou a ser motivo de atenção dosEstados, das instituições de pesquisa e dos médicos emgeral, cada vez mais confrontados com um mal que pa-recia tomar o lugar das grande pragas do passado, cadavez mais em vias de controle pela medicina. Instituto Marie Curie

A quimioterapia contra o câncerA quimioterapia é um tratamento à base de substâncias químicas com o

objetivo de controlar o processo de reprodução celular. A partir da década de1950, ela transformou-se numa das principais armas da medicina contra ocâncer. O desenvolvimento desse tipo de terapia se relaciona a estudoselaborados por médicos americanos, na primeira década do século XX, quemostravam a capacidade de certos compostos químicos destruírem osleucócitos. Nas décadas seguintes foram feitos diversos estudos nesse sentido,sendo que, durante a Primeira Guerra, várias investigações nesse campo sevoltaram para o gás mostarda – substância química altamente tóxica que foivárias vezes usada pelas tropas em combate. Pesquisas médicas realizadas emsoldados que haviam tido contato com o gás mostravam a diminuição dosleucócitos em suas medulas ósseas e no seu sistema linfático, abrindo apossibilidade de utilização do produto, ou de um derivado, no combate àleucemia. Somente em 1941, pesquisadores da Universidade de Yale, sob adireção dos farmacologistas Alfred Gilman e Louis Goodman, estudando osefeitos do gás nos tecidos, demonstraram que, em cobaias, a substânciacausava a remissão de alguns linfomas. No ano seguinte, eles publicariam umtrabalho mostrando que ela também proporcionava o desaparecimento de

tumores em pessoas doentes. Posteriormente, a indústria farmacêuticadesenvolveu vários quimioterápicos, muito deles apresentando maior efetividadequando utilizados em associação.

As crônicas jornalísticas e de divulgação científica normalmente atribuem odesenvolvimento da quimioterapia à pesquisa de guerra. Uma dessas versõesafirma que, em dezembro de 1943, os alemães bombardearam o porto de Baridestruindo barcos carregados de gás mostarda. Os médicos militaresencarregados de cuidar das vitimas, ao observarem a diminuição de leucócitosno sangue dos soldados que estiveram em contato com o gás, concluíram queele poderia ser usado contra leucemia. Em seu livro sobre a pesquisa do câncer,a historiadora Ilana Löwy nos lembra que esse tipo de construção é confortadorà medida que transforma um produto mortífero criado pelo ser humano em umagente de cura. No entanto, ele não se ajusta a realidade, pois o caminho quelevou ao desenvolvimento dos quimioterápicos foi bastante longo e relacionado aum complexo conjunto de fatores em que sobressaem o desenvolvimento dosantibióticos e da indústria farmacêutica de base moderna, o investimento degrandes somas de recursos para a pesquisa biomédica em meados do séculopassado e a ampliação do número de mortes causadas pela doença (Löwy, 2002).

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SOBRE A HISTÓRIA SOCIAL DO CÂNCER

Os primeiros aparelhos de raios-X chegaram ao Brasil ainda em 1897, trazidos por médicos do Rio de Janeiro e da Bahia que retornavam de viagens à Europa. Omédico Alvaro Alvim foi o pioneiro no uso da nova técnica no Rio de Janeiro. Em 1897, ele instalou um aparelho de raios X em seu consultório de fisioterapia.Posteriormente fundou um instituto de radiologia no qual trabalharia com a técnica até 1928, quando faleceu em virtude de lesões ocasionadas pelo seu uso. No mesmoano em que Alvaro Alvim iniciou seus trabalhos com os raios X, o médico Alfredo Thomé Britto, catedrático da cadeira de Propedêutica Médica da Faculdade deMedicina da Bahia, instalou um aparelho de raios X no Hospital Santa Isabel, anexo a sua cátedra. Segundo o historiador da medicina Antonio Carlos Nogueira Britto,Alfredo Britto teria sido o pioneiro na utilização do raios-X em cirurgia de guerra, examinando soldados que participavam das batalhas da Guerra de Canudos (http://www.medicina.ufba.br/historia_med/hist_med_art03.htm). Em São Paulo, também seriam criados gabinetes radioterápicos, ainda no final do século XIX.

As comunicações apresentadas à Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo e à Academia Nacional de Medicina mostram que a nova técnica foi recebidacom interesse no que tange à sua função diagnóstica, sendo mencionada em várias dessas comunicações. No entanto, não foram apresentados trabalhos sobretentativas de usá-la de forma terapêutica até meados da década de 1910. De forma análoga a observada na Europa, o uso da radioterapia contra o câncer no Brasilpermaneceu extremamente restrito, por muito tempo, sendo visto pelos médicos como uma técnica adequada a poucos tipos de câncer e, mesmo assim, poucoeficiente. O comentário do médico Antonio de Mello sobre a radioterapia, em um trabalho sobre o câncer do seio apresentado no jornal Brasil Médico, em 1908, mostracomo os médicos viam as limitações da nova técnica.

“Os agentes químicos e físicos até hoje não conseguiram produzir a cura radical do câncer. Será licito esperar no futuro dos agentes físicos e especialmente daeletricidade? (...) se os raios-X foram preconizados como meio curativo do câncer, todavia, não tivemos oportunidade de ler, nem de ver a realidade da eficiênciaanunciada. Nas revistas estrangeiras temos lido alívios, só alívios promovidos pela ação da radiologia clínica, mas nem uma só cura. (...). Nessas condições será paraabandonar a radioterapia? Temos que não, mesmo porque casos há inacessíveis à cirurgia. Nestes casos a radioterapia poderá preencher um dos fins da medicina queé consolar os enfermos, e ser, portanto, útil, quando não seja eficaz”.

O início da radioterapia no Brasil

Referência ao gabinete deradioterapia de Alvaro Alvimna imprensa carioca

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

CAPÍTULO 2

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O DESENVOLVIMENTO DA CANCEROLOGIA NO BRASIL

O câncer como problema médico

As últimas décadas do século XIX marcam um pe-ríodo de grandes transformações na medicina brasilei-ra. Num contexto de crise sanitária e modernizaçãomaterial vivido em nossas principais capitais, teve iní-cio um processo de mudanças surgido no campo do en-sino médico e, posteriormente, radicalizado com osurgimento de novos paradigmas científicos que trans-formariam as antigas artes de curar em ciências da saúde.

Data de 1880 o início do processo de reforma doensino médico na Faculdade de Medicina do Rio de Ja-neiro. Empreendida na gestão do Visconde de Sabóia(1880-1889), as alterações curriculares visaram sintoni-zar a formação médica com o que vinha ocorrendo naEuropa. Para tanto, o ensino de cunho prático passou aser mais valorizado e foram criadas novas cadeiras – comoa oftalmologia, clínica de crianças, medicina legal, obs-tetrícia e psiquiatria – e laboratórios direcionados à prá-tica da medicina experimental. Como resultado, a for-mação generalista existente até então foi substituída poruma crescente especialização aos poucos direcionada àmedicina de cunho experimental em franco desenvolvi-mento nos países europeus.

No que concerne aos conhecimentos médicos, essemomento foi marcado pela chegada ao país dos primei-ros ecos da medicina dos micróbios. Fruto da aproxima-ção entre a medicina experimental, a química e a biolo-

O desenvolvimento dacancerologia no Brasil

gia, a microbiologia teve grande desenvolvimento a par-tir dos trabalhos do químico francês Louis Pasteur. Osestudos sobre os micróbios não demorariam a chegar aoBrasil, se transformando em objeto de estudos de algunsmédicos na Faculdade de Medicina. A partir da décadade 1890, com o surgimento de institutos biomédicosdedicados a estudos nessa área em São Paulo e no Rio de

Prédio da Santa Casa da Misericórdia, onde funcionava a Faculdade deMedicina do Rio de Janeiro, 1880

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

Janeiro, a microbiologia começaria e a se consolidarcomo campo da medicina.

De forma geral, a medicina e a saúde pública brasi-leiras muito se beneficiariam do desenvolvimento dosconhecimentos microbiológicos. A utilização de vacinase soros, contra as doenças transmissíveis, o isolamentode portadores de doenças contagiosas, as diversas for-mas de destruição de vetores de doenças transmissíveis –principalmente os mosquitos – e os diagnósticos bacte-riológicos foram armas utilizadas pela saúde pública nasgrandes campanhas sanitárias ocorridas no início doséculo XX, que lograram melhorar as condições de saúde

Brigadas sanitárias concentradas no pátio do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, situado na rua do Lavradio. Rio de Janeiro, entre 1903 e 1906

das principais capitais do Sudeste brasileiro. Mas as trans-formações na atuação médica não se limitaram à açãopreventiva contra as epidemias. No campo da cirurgia, aassepsia e as novas técnicas de anestesia possibilitaramaos médicos intentar com sucesso ações mais demora-das e invasivas. Além disso, tanto os laboratórios de pes-quisa como as enfermarias e consultórios cada vez maisse beneficiariam das novidades tecnológicas provenien-tes da utilização da energia elétrica na atividade medica.No campo da terapêutica, as velhas práticas médico-farmacêuticas oitocentistas pareciam cada vez mais ul-trapassadas. Sangrias, cataplasmas e as diversas receitas

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O DESENVOLVIMENTO DA CANCEROLOGIA NO BRASIL

secretas estavam condenadas a dar lugar a novos medi-camentos baseados na etiologia específica das doenças.Nesse campo, a aproximação da medicina com a quími-ca faria surgir os primeiros medicamentos sintéticos degrande eficácia frente a diversos males.

Nesse contexto de modernização e ampliação daeficácia da medicina, observamos o surgimento de preo-cupações mais sistemáticas com o câncer. As primeirasdelas surgiram nas sociedades médicas do Rio de Janeiroe de São Paulo e em artigos publicados na imprensa mé-dica. Tratavam de casos clínicos, cuidados paliativos,utilização de novas técnicas cirúrgicas e da possível conta-giosidade da doença. Quanto ao tratamento, as restritaspossibilidades médicas da época tornavam a cirurgia aúnica arma possível contra os tumores cancerígenos, as-sim vários médicos brasileiros trabalharam nesse cam-po, sendo que alguns deles obtiveram sucesso em proce-dimentos inovadores. Ainda em 1900, o médico ArnaldoVieira de Carvalho, da Santa Casa da Misericórdia deSão Paulo, obteve o primeiro sucesso na extirpação totalde um estômago – gasterectomia – atacado por um cân-cer do piloro. Essa cirurgia é celebrada pela história damedicina brasileira como uma prova da capacidade denossos cirurgiões, visto ter sido a quinta desse tipo reali-zada no mundo (Guimarães, sd).

O interesse dos médicos no problema do câncer noBrasil se estabeleceria a partir de seus contatos com aliteratura internacional sobre o tema e, principalmente,por sua atuação em congressos médicos internacionais.Como já observamos, no início do século XX, a doençacada vez mais era alvo de atenção da medicina ociden-tal. Cresciam a publicidade sobre o aumento de seus índi-ces na Europa e nos Estados Unidos, o desenvolvimentode novas técnicas de tratamento e as primeiras ações so-ciais filantrópicas de patrocínio à pesquisa e aos cuida-dos lhe davam maior visibilidade. Além disso, o interessepelo câncer passou a ser tema corrente nos congressos demedicina de todo o mundo. Nossa elite médica, fiel par-ticipante desses encontros, se voltaria ao problemapara não ficar alheia a um novo campo de estudos quese inaugurava. No entanto, o interesse pela doença se

relacionava prioritariamente à possibilidade de perten-cimento ao campo médico internacional, pelo compar-tilhamento dos mesmos objetos de estudos. Nossos mé-dicos não tinham em mira a resolução de um problemade saúde de grande extensão em nossa sociedade, o quefazia o câncer ser analisado sempre pela forma como elese configurava ou era visto nos países desenvolvidos.Assim, se os primeiros estudos sobre o tema mostravamsua pouca incidência no país, essa singularidade era vistacomo temporária ou fruto das dificuldades de notifi-cação da doença. Para os médicos que se voltavam parao câncer, o caminhar de nossa sociedade rumo ao de-senvolvimento nos levaria aos preocupantes índices dadoença observados nos países desenvolvidos.

O primeiro estudo sobre a freqüência do câncer noPaís foi apresentado no II Congresso Médico Latino-Americano, em Buenos Aires, e publicado no Brasil Médicoem 1904, pelo médico Azevedo Sodré. Neste trabalho,ele observava a dificuldade de obtenção de dados sobre adoença no Brasil em virtude de as estatísticas oficiais, àépoca, se resumirem às principais capitais do País, emostrava através de diversas comparações a pequenaincidência da doença entre os brasileiros. Olhando pe-las mesmas lentes que a medicina usava para analisar atuberculose, ele assegurava que a pouca incidência sedevia ao fato de o câncer ser uma doença da civilização,mais freqüente em países prósperos. Sodré também sedetinha na observação da menor freqüência da doençana região Norte do País – o que talvez estivesse ligado auma subnotificação. Quanto a isso, sua análise seguia osditames da medicina climatológica do século XIX, pro-pondo que o câncer era um mal dos países frios, que os-cilava em relação às latitudes, tendo pequena incidên-cia nas regiões tropicais.

A apreciação de Sodré sobre a baixa freqüência docâncer no País mostra o valor relativo que a medicinanacional atribuía à doença no início do século XX. Noentanto, a comunidade médica latino americana – pormeio dos congressos médicos latino-americanos e pan-americanos – direcionava a visão do câncer para o mes-mo caminho observado nos países do hemisfério norte,

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

Esquema da Gasterectomia realizada pelo cirurgião paulista Arnaldo Vieira de Carvalho em 1900

contribuindo para uma mudança na forma de nossosmédicos verem a questão. Em 1909, o IV Congresso La-tino-Americano (CMLA), ocorrido no Rio de Janeiro,aprovou um acordo para a organização de comissõesdestinadas ao estudo do câncer com vistas à participa-ção na conferência internacional sobre a doença, queocorreria em Paris no ano seguinte. Também foi aprova-do em assembléia geral que as repúblicas latino-ameri-canas deveriam envidar esforços para aderir à iniciativada Europa e da América do Norte para o estudo do cân-cer (Ramos, 1911:39). No congresso seguinte (V CMLA),ocorrido em Lima, em 1913, um trabalho com dadosestatísticos sobre a ocorrência de câncer na América,apresentado pelo médico Julio Etchepare, do Uruguai,causou grande interesse entre a audiência, provocadorecomendações no sentido de ampliar a divulgação do

problema do câncer entre a população e mostrar a im-portância do diagnóstico precoce. Além disso, na pautade recomendações do Congresso foi incluída a necessi-dade de criação de um Comitê Pan-Americano de Estudoe Luta contra o Câncer, a ser sediado na Argentina, e acriação de institutos experimentais de pesquisa e trata-mento da doença (Almeida, 2003).

Ainda em 1910, sob o impacto da Segunda Confe-rência Internacional do Câncer, ocorrida em Paris, umnovo estudo sobre a freqüência do câncer, elaborado pelomédico paulista Olympio Portugal e também publicadono jornal carioca O Brasil Médico, refutava a posição deSodré sobre a baixa incidência da doença no Brasil mos-trando, através de novos dados, que ela era bastante alta,principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo(Portugal, 1910). O autor afirmava que, no Estado de

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O DESENVOLVIMENTO DA CANCEROLOGIA NO BRASIL

São Paulo, a mortalidade da doença também vinha semostrando ascendente nos últimos anos, reiterando anecessidade de serem tomadas providências para a mu-dança desse quadro. A seu ver, o câncer possivelmenteera uma doença transmissível, mas, tal qual a lepra, nãose conheciam os meios pelos quais ela se difundia. Essedesconhecimento não era um impeditivo para que seengendrassem medidas de saúde pública – como a desin-fecção ou o isolamento dos doentes – para impedir suaampliação.

No ano seguinte à publicação do artigo de OlympioPortugal, surgia, no Rio de Janeiro, uma nova publica-ção médica: os Archivos Brasileiros de Medicina. Dirigidopelos médicos Juliano Moreira e Antonio Austregesilio,da Academia Nacional de Medicina, o periódico se vol-tava à apresentação das diversas instituições médicasexistentes no País e à publicação de trabalhos sobre ostemas mais expressivos do campo médico. Por todo oano de 1911, os Archivos Brasileiros de Medicina publica-ram a “seção permanente do cancro”, dirigida pelo mé-dico Álvaro Ramos, na qual eram apresentados artigossobre o tema. Na primeira aparição da coluna, seu edi-tor deixava claros seus motivos e expectativas em rela-ção à sua iniciativa. Com um olho na comunidade mé-dica internacional e outro em nossos médicos, ele afir-mava a importância da elaboração de estudos no novocampo.

“De pleno acordo com os desígnios da associação inter-nacional para o estudo do câncer procuramos secundaros ingentes esforços (...) na divulgação das descobertas edos fatos importantes que se produziram no domínio dasinvestigações sobre o câncer, bem como no transumptodos relatórios, conferências e discussões relativas as afecçõescancerosas nas sociedades médicas, e de tudo quanto possainteressar ao estudo desse terrível mal.

Não basta, porém conhecermos o que se passa no exterior,torna-se indispensável que voltemos atenção para a nos-sa terra. Enquanto lá fora, outros melhor aparelhados, sóagora se ocupem em bem estuda-lo para melhor combate-lo, que não nos descuidemos de sua existência entre nós,apuremos a sua freqüência, as suas múltiplas manifesta-ções, conheçamos as preferências para certas zonas, com-paremos o seu aparecimento nas diferentes raças que for-

mam a nossa população, bem como estabeleçamos as pro-porções por idades, sexos, profissões classes de indivíduose regiões do organismo afetadas.

No vivo empenho de contribuir de alguma forma para oestudo do câncer no Brasil, solicitamos encarecidamentea colaboração de toda a classe médica brasileira, interes-sada como é, na resolução desse importante problema,crentes que não apelamos em vão.” (Ramos, 1911:32)

A partir de seu primeiro número, a coluna come-çou a publicar trabalhos de médicos brasileiros sobre otema, algumas traduções de artigos estrangeiros e umesforço do próprio Álvaro Ramos de sintetizar a situaçãodos estudos sobre o tema naquele momento. No entanto,a coluna teve vida curta, deixando de existir no ano se-guinte. Apesar de seu desaparecimento poder sugerir ainexistência de um número de trabalhos suficientes paramantê-la, a observação de outros periódicos médicos na-cionais – como a Revista Médica de São Paulo, o Brasil Médicoe os Anais da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo –mostra que não foi esse o motivo de sua interrupção, poiscada vez mais foi se ampliando o número de trabalhos ediscussões a respeito do tema nesses periódicos.

O interesse da medicina brasileira pelo câncer teveuma ascensão relacionada a eventos de cunho interna-cional, como a Conferência Internacional sobre o Cân-cer, ocorrida em Paris, em 1910, e por seus desdobramen-tos nos congressos médicos latino-americanos. A partirde 1910, estudos de médicos cariocas e paulistas que pro-curavam mostrar a progressiva ampliação da incidênciado câncer no País e sua possível contagiosidade acaba-ram reforçando esse interesse. Todo esse processo logrouuma vinculação efetiva da doença às preocupações damedicina nacional, num caminho ascendente ,que leva-ria à sua incorporação pela saúde pública, a partir dadécada de 1920.

Câncer e saúde pública

Os últimos anos da década de 1910 marcam umamudança de eixo na saúde pública brasileira. Até então,as ações perpetradas pelo Estado nesse campo estavamvoltadas para as grandes epidemias que atacavam cons-

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

tantemente a capital federal, impedindo a entrada deimigrantes e de capitais externos, fatores de primordialimportância para o projeto de modernização então vi-gente. Para detê-las, o Estado fazia uso de campanhas devacinação e de destruição de vetores, da fiscalização dosportos, para impedir a entrada de navios infectados, ediversas outras medidas de saneamento urbano. Emboraessa política em vários momentos tenha se mostrado efi-caz ao conseguir dar fim às constantes epidemias queemergiam a cada ano na capital federal, ela deixava àmargem das ações de saúde todo o interior do País, ondeas condições de vida eram, na maioria das vezes, pioresque as das grandes cidades, com a prevalência de diversosproblemas, como a desnutrição, as verminoses e a malá-ria. Além disso, sempre se mostrava como uma ação pro-visória, se limitando aos momentos de crise sanitária.Terminados os problemas, todos os serviços eram des-montados.

Essa diretriz começou a se modificar num contextoem que se misturam uma forte dose de nacionalismosurgido em virtude da guerra na Europa; o sentimentode deterioração das condições sanitárias, intensificadopela epidemia da gripe espanhola de 1918, que deixouum saldo de milhares de mortos em nossas principaiscidades; e o conhecimento das agruras vividas no ser-tões do País, trazido a público em obras literárias e nosrelatórios das missões científicas enviadas por institui-ções de pesquisa ao interior do país. A junção desses in-gredientes fez com que a visão idílica sobre a saúde dapopulação do interior, compartilhada pelas elites doscentros urbanos, começasse a se modificar, originandoum verdadeiro movimento pela melhoria das condiçõesde saúde dos sertões. Esse processo, que passou para ahistória com a denominação de movimento pelo sanea-mento rural, se desdobraria em várias frentes, unindomédicos, políticos, intelectuais e diversos outros grupos.

A agitação social pelo saneamento rural teve pro-fundas influências na sociedade brasileira, transformandoinclusive nossa identidade, que passou a ter no homemdo campo um dos símbolos da nossa nacionalidade. Emrelação à saúde, ela conseguiu colocar em marcha algu-

mas ações voltadas para o controle de endemias que as-solavam as zonas rurais. Além disso, foi responsável pelacriação dos primeiros serviços de saúde pública de cará-ter nacional. O Departamento Nacional de Saúde Públi-ca (DNSP), criado em dezembro de 1919, teve como seuprimeiro diretor o médico Carlos Chagas, que tambémdirigia o Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Suacriação ampliou a abrangência territorial das ações desaúde, através da atuação de seu Serviço de ProfilaxiaRural e de acordos com a Fundação Rockefeller para ocombate a epidemias no interior do País. Em relação àspopulações urbanas, foram criadas inspetorias de Higie-ne Industrial e Alimentar e de Profilaxia da Tuberculoseno Rio de Janeiro. Além da expansão dos serviços, o DNSPpassou a se responsabilizar pela elaboração de estatísti-cas demográfico-sanitárias em nível nacional e pela pro-dução dos soros, vacinas e medicamentos necessários aocontrole das grandes epidemias que afetavam o País.

O DNSP incorporou em seus quadros um grandenúmero de sanitaristas com formação específica em saú-de pública. Muitos deles haviam passado por cursos naJohn Hopkins University, berço das modernas concep-ções neste campo. Esta formação os fazia defensores deum novo modelo de saúde pública, agora vista como áreaautônoma frente aos interesses políticos do Estado e àsações específicas da medicina individual de caráter cura-tivo. Essa perspectiva fazia com que a ação em saúde sevoltasse para novas doenças, a partir de sua expressãoepidemiológica e da possibilidade técnica de sua preven-ção. Para esses novos sanitaristas, o processo de adoeci-mento caracterizava-se como um fenômeno coletivo quetinha origem na relação do indivíduo com seu meio, sen-do passível de prevenção através da higiene e da educa-ção sanitária. À saúde pública caberia o papel de agenteprincipal na concepção e execução das atividades nessecampo, devendo também coordenar a ação da iniciativafilantrópica. Nesse contexto, o câncer como doença pre-venível e mal possivelmente contagioso, passaria a serfoco dessa renovada saúde pública.

A transformação do câncer em objeto da saúdepública não se deveu somente à conjuntura interna que

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desaguou na reforma sanitária de 1919. Ela também serelacionou ao processo que vinha se desenrolando emdiversos países do mundo ocidental, onde o câncer cadavez mais era visto como um grande flagelo. Com o fimda Primeira Guerra Mundial, o avanço das pesquisas nocampo da radioterapia e o surgimento das primeiras li-gas contra a doença, esse processo se intensificou aindamais. A luta contra o câncer agora deveria ter como baseo diagnóstico precoce e o tratamento, a serem efetuadospor médicos conhecedores das especificidades da doençae das formas adequadas para combatê-la. A transforma-ção do câncer em mal prevenível tornava-o um objetotípico da saúde pública.

No entanto, um aspecto deve ser observado. Os ín-dices de câncer no País não acompanhavam o expres-sivo crescimento observado nas estatísticas européias edos Estados Unidos. Tal discrepância poderia determi-nar uma dificuldade maior em justificar uma ação maisampla contra a doença. Todavia, nossos médicos forameficientes em demonstrar que a diferença em relação àsua freqüência em nosso País e nas regiões desenvolvi-das do hemisfério norte era momentânea e se verificavaem virtude da pouca precisão de nossas estatísticas sani-tárias e da forte incidência de outras doenças entre nos-sa população. Os altos índices de malária, tuberculeose,ancilostomíase e outros males crônico-degenerativos fa-ziam parecer pouco grave a incidência do câncer no país.O aprimoramento das estatísticas e o controle de outrasdoenças de prevenção e tratamento mais simples certa-mente levariam à observação de que o câncer também seampliava entre os brasileiros (Clark, 1921; Rabello, 1922)

A reforma sanitária que deu origem ao DNSP foi oprimeiro passo em relação à incorporação do câncercomo problema de saúde pública. No organograma danova instituição, ele passou a ser objeto de atenção deuma inspetoria, também voltada às doenças venéreas eà lepra. A nova seção foi entregue à direção do professorda Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, EduardoRabello, que era especialista em sífilis e doenças da pele ejá vinha desenvolvendo trabalhos sobre a prevenção docâncer de pele e do útero (Sanglard, 2005). A atuação da

nova Inspetoria se restringia ao Distrito Federal e secentrava no estabelecimento de estatísticas mais adequa-das de óbitos de câncer. Também previa a execução dasprovidências sanitárias necessárias nos domicílios ondetivesse havido caso de óbito de câncer; a gratuidade dosexames de laboratório necessários aos diagnósticos; or-ganização de uma campanha educativa contra a doençae a fundação de institutos de câncer com fins terapêuticose experimentais (Atos do Poder Executivo, 1923).

A nova legislação tinha como objetivo principalpossibilitar à saúde pública um conhecimento mais apu-rado sobre os níveis de incidência da doença. Para tan-to, buscou unificar as notificações de óbitos por inter-médio de formulários padronizados que eram distribuí-dos pelas delegacias de saúde. Os dados obtidos eramprocessados pela Inspetoria da Lepra e das Doenças Vené-reas, gerando relatórios pra a saúde pública. Como amedicina da época trabalhava com a hipótese de o cân-cer ser uma doença transmissível, a legislação encampoumedidas voltadas para a desinfecção de ambientes emqueocorressem mortes pela doença. Naquele momento,as discussões médicas sobre a possibilidade de contágiodo câncer eram intensas, e muitos pesquisadores defen-diam que ele teria uma forma de transmissão análoga à dalepra. O próprio diretor da Inspetoria considerava a me-dida pouco rigorosa, postulando que a doença fosse con-siderada contagiosa e de notificação compulsória(Rabelllo, 1922).

A nova Inspetoria também objetivava levar à po-pulação informações que possibilitassem a prevenção dadoença, para tanto, previa-se a montagem de uma cam-panha de educação. A medida tinha como focos princi-pais a conscientização sobre a possibilidade de cura doscasos de câncer precocemente diagnosticados e adequa-damente tratados, o esclarecimento sobre o perigo deformas alternativas de cura – charlatanismo – e a elimi-nação dos fatores que a medicina da época imputavacomo causas predisponentes e manifestações pré-cance-rosas. Em relação ao charlatanismo, é importante res-saltar que a ação da saúde pública não visava somente acurandeiros e outros não iniciados nas ciências médicas.

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Pelo contrário, ela se voltava também para os médicos efarmacêuticos que faziam uso de tratamentos e fórmu-las não validados pela medicina do período. No queconcerne à eliminação de causas predisponentes da do-ença, a saúde pública trabalhava com a concepção deque irritações continuadas – principalmente as cutâneas– poderiam levar à formação de tumores cancerosos, enesse sentido, era imperioso evitá-las. A propaganda de-veria ser feita por meio de folhetos, cartazes, conferên-cias, palestras, filmes e exposições educativas. As enfer-meiras visitadoras também deveriam levar as informa-ções sobre a doença às famílias sob seus cuidados.

Um outro aspecto inovador da legislação sobre ocâncer criada com o DNSP dizia respeito à possibilidadede o Governo elaborar acordos com associações ou esta-belecimentos privados, com fim de fundar-se um insti-

tuto de câncer, no qual deveriam ser elaboradas pesqui-sas experimentais e oferecido tratamento gratuito aosnecessitados. Esse instrumento certamente foi inspira-do no processo de expansão do Instituto de Radiun deParis e sua transformação em Fundação Curie. Criadoainda durante a Primeira Guerra para abrigar as pesqui-sas de Marie Curie sobre radioterapia, o instituto rece-beu um aporte financeiro do médico Henri de Rothschild,em 1920, que lhe possibilitou construir um dispensáriono qual foram iniciados tratamentos unindo cirurgia eradioterapia. Associando essas atividades à pesquisa bio-médica sobre o câncer, a Fundação Curie acabou se trans-formando numa instituição modelar para novas inicia-tivas em diversas partes do mundo.

Apesar do esforço dos sanitaristas em trazer o pro-blema do câncer para a órbita da saúde pública, sua ação

Organograma do Departamento Nacional de Saúde Pública, 1923

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não logrou obter resultados imediatos, ficando a Inspe-toria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas comuma ação bastante limitada em relação ao câncer. Seurelatório referente ao ano de 1927 informava que a úni-ca medida com relação ao câncer que a saúde públicahavia conseguido pôr em prática havia sido a amplia-ção de quesitos nos atestados de óbitos pela doença, como objetivo de obtenção de dados mais confiáveis para asestatísticas (Sanglard, 2005).

Com o objetivo de reverter esse quadro, ainda em1927, o DNSP enviaria o médico Sergio Lima Barros deAzevedo à França e à Alemanha para estudar as medidas queestavam sendo tomadas nesses países contra a doença. Orelatório apresentado por ele quando de sua chegada res-saltava a importância atribuída à educação sanitária nes-ses países. Também enaltecia o sistema francês que tinhacomo base o funcionamento de centros regionais de tra-tamento espalhados por todo aquele país, circundadospor uma rede de proteção social filantrópica. A partir dasinformações obtidas, Azevedo propunha algumas medi-das a serem tomadas em nosso País. A principal delas se-ria a ampliação das estatísticas sobre a doença, favore-cendo uma ação mais adequada da saúde pública. Paratanto, propunha a notificação compulsória da doença ea criação de uma rede de laboratórios de saúde públicaapta a proceder aos exames de biópsia e soro-reação decasos suspeitos. Outro aspecto que seu relatório valori-zava dizia respeito à capacitação do médico para a ela-boração de um diagnóstico inicial qualificado. A seu ver,essa capacitação deveria ser adquirida por meio de pu-blicações especiais dirigidas aos médicos, conferênciasministradas nas sociedades médicas e cursos especiaissobre o tema oferecidos nas faculdades médicas. Por fim,Azevedo propunha que seguíssemos a orientação france-sa no estabelecimento de uma rede de controle da doen-ça. Essa deveria ter como base a criação de centros regio-nais de tratamento dotados de uma parte hospitalar eambulatorial e outra voltada para os estudos labora-toriais sobre a doença. A esses centros deveria somar-seum serviço social voltado para o acolhimento dos doen-tes (Azevedo, 1927).

Apesar de grande parte dos médicos do períodocomungarem com as propostas de Azevedo, a saúde pú-blica brasileira na época não tinha uma estrutura capazde suportar uma organização tão complexa e custosa.Assim, o DNSP, por toda a sua existência, se limitou a pôrem prática iniciativas voltadas para a divulgação de co-nhecimento sobre a doença como forma de evitá-la outratá-la precocemente e medidas de refinamento de suanotificação. Embora o câncer fosse visto pela classe mé-dica como um problema de grande importância, os ní-veis de sua incidência e o valor simbólico a ele atribuídonão se comparavam aos de outras doenças como a malá-ria, a tuberculose e a sífilis, vistas como empecilhos aodesenvolvimento do País e marca de seu atraso. Assim,mesmo considerado relevante, o controle do câncer, pormuito tempo, ficou relegado a um plano inferior, em quesomente medidas de baixo custo e pouco alcance seriamtomadas.

O Instituto do Radium de BeloHorizonte

Nossa primeira instituição unicamente voltada paraas pesquisas radiológicas e o tratamento do câncer surgiuem 1922, em Belo Horizonte. Sua criação deve-se ao mé-dico Eduardo Borges da Costa, na época diretor da Facul-dade de Medicina de Minas Gerais. Borges da Costa for-mou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e ela-borou sua tese de doutoramento nos laboratórios do Ins-tituto Oswaldo Cruz, no qual se aproximou da medicinaexperimental. Posteriormente transferiu-se para Belo Ho-rizonte, onde ingressou na equipe de cirurgiões da SantaCasa de Misericórdia. Com a criação da faculdade em 1911,foi chamado para a cadeira de clínica cirúrgica. Em 1918,quando da entrada do Brasil na Primeira Guerra Mun-dial, incorporou-se ao grupo da faculdade que se apresen-tou como voluntário. Ao fim do conflito, Borges da Costavoltou triunfante a Belo Horizonte, recebendo diversashomenagens por sua iniciativa patriótica.

Impressionado com a atmosfera de cruzada contraa doença existente na Europa, ele se dedicou à missão de

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Entrada prédio onde funcionou o Instituto de Radium de Belo Horizonte, hoje Hospital Borges da Costa da UFMG

criar na capital mineira um instituto unicamente volta-do para as pesquisas e o tratamento do câncer, nos mol-des do Instituto de Radiun de Paris. Aproveitando a po-pularidade auferida por sua participação no conflito eu-ropeu e o interesse pela doença também existente no País,ele conseguiu obter apoio dos Governos federal e esta-dual para a construção do instituto e compra do rádio –que naquele momento custava uma verdadeira fortuna.

O Instituto foi erguido em um terreno doado pelaprefeitura, próximo à Faculdade de Medicina. Instaladonum belo prédio de estilo neoclássico, especialmenteconstruído para abrigá-lo, foi inaugurado em 7 de setem-bro de 1922, durante os festejos de comemoração do cen-

tenário da independência. Tinha como objetivo oficialo estudo do rádio e demais substâncias radioativas; asaplicações terapêuticas do rádio e dos raios X; e estudos,pesquisas e tratamento do câncer, pré-canceres e doen-ças afins (Salles, 1966:63). Em suas dependências, con-tava com um serviço de roentgenterapia, inicialmente che-fiado por Jacyntho Campos, e de curieterapia, chefiadopor Mário Penna. Na parte administrativa, o Institutocontava com total autonomia frente à Faculdade deMedicina.

Segundo as histórias contadas pelos veteranos mé-dicos da Faculdade de Medicina de Minas Gerais, o sur-gimento do Instituto deveu-se em muito a boa relação

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do Brasil com a Bélgica na época. Dois anos antes dafundação do Instituto, o rei Alberto I tinha vindo ao Brasile visitado Belo Horizonte com o então presidente ArthurBernardes. Como resultado dessa visita, no ano seguinteseria fundada a companhia Belgo Mineira para a produ-ção de ferro a partir das jazidas de minério da região. Osinteresses belgas logo se voltaram para outros campos.Como eles mantinham o monopólio da produção do rá-dio, elaborado a partir do minério extraído das jazidasexistentes no então Congo Belga, tinham grande inte-resse em financiar a criação de institutos que fizessemuso do produto, que naquele momento era comercia-lizado por quantias exorbitantes. Por isso, teriam feitoum lobby junto às autoridades do Estado e dado apoiofinanceiro à criação do Instituto do Rádio de Belo Hori-zonte1.

Um importante momento da história do Institutodo Rádio de Belo Horizonte foi a visita de Marie Curie esua filha Irene à instituição, em agosto de 1926. As duasforam conhecer o Instituto e proferir conferências sobrea radioatividade e suas aplicações na Medicina. Até hojeas paredes da Faculdade de Medicina envergam placascomemorativas a essas visitas.

O Instituto funcionou regularmente por muitosanos. Em 1950, com a morte de Borges da Costa ele rece-beu o seu nome e, em 1967, foi integrado à Faculdade deMedicina da UFMG. Nesse período já estava em deca-dência e, dez anos mais tarde, foi desativado em virtudedas péssimas condições de sua edificação. Em 2001, aUFMG pôs em marcha uma grande reforma de suas ins-talações, reinaugurando-o em 2003. Hoje, o HospitalBorges da Costa faz parte do complexo do Hospital dasClínicas da UFMG, funcionando como centro voltadopara a oncologia adulta e pediátrica, para a quimiote-rapia e cirurgia ambulatorial e atende a um grande nú-mero de pessoas, principalmente crianças de várias re-giões do estado, que vêem a Belo Horizonte buscar trata-mento para a doença.

1 Informações provenientes de depoimento informal prestado pelo Dr. JoãoAmilcar Salgado, em 11/09/2007.

Marie Curie em visita ao Instituto do Radium de Belo Horizonte em 1926

Assinatura de Marie Curie e de sua filha Irene no livro de visitas do Instituto doRadium de Belo Horizonte

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As primeiras instituiçõesfilantrópicas voltadas para o câncer

Transformado em preocupação do campo médicoa partir do início do século XX e em objeto de atuaçãoda saúde pública no alvorecer da década de 1920, o cân-cer passaria também a ser alvo das atenções dos grupossocais que neste período se voltavam para a ação filan-trópica. Num contexto de valorização da saúde comoredenção do País, setores de nossa elite econômica, sob ainfluência dos ideais do campo médico, passam a apoiariniciativas em relação ao câncer como forma de suple-mentar a atuação estatal.

Por muito tempo a ação da filantropia no Brasilesteve voltada prioritariamente ao campo hospitalar,tendo como principais instituições as Santas Casas deMisericórdias e outras irmandades e ordens terceiras li-

gadas à Igreja católica. A partir do final do século XIX,essa atuação se modificaria, deixando de se circunscre-ver à prática religiosa e de assistência aos necessitados.O desenvolvimento da pesquisa médica experimental eseus promissores resultados no controle de diversas do-enças atraíram o interesse da elite econômica que se vol-tava para a filantropia, as novas possibilidades de açãorelacionadas ao financiamento a instituições de pesqui-sa e ou de tratamento de enfermidades específicas.

A criação e manutenção de instituições médico-assistenciais e a organização de entidades civis voltadasà resolução de problemas sociais foram as grandes áreasde atuação da atividade filantrópica na primeira décadado século XX; e as ligas foram a expressão mais típica daação filantrópica desse período. Bastante diferenciadasentre si, e congregando um grande número de partici-

Prédio do Hospital da Santa Casada Misericórdia de São Paulo onde funcionou o Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho

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pantes, elas se voltavam para os mais diversos proble-mas sociais, em que vislumbravam o poder de auxiliar oEstado ou defender causas de grupos específicos. São desseperíodo a já observada liga pró-saneamento, as ligasnacionalistas, eugênicas e várias outras. No campo da saú-de, essas instituições atuaram em relação a diversas do-enças como a tuberculose, a sífilis, a lepra etc. Seu traba-lho se voltou tanto à busca de fundos para a criação emanutenção de instituições de cuidados com os doentes,como para as ações de educação sanitária e propaganda.

O patrocínio à criação de institutos e hospitais foioutra forma de ação filantrópica no campo da saúde.Segundo a historiadora Gisele Sanglard (2005), a medi-calização dos hospitais ocorrida no século XIX, ao geraruma nova mentalidade médico-assistencial, fez com queessas instituições se tornassem um campo fértil para oinvestimento filantrópico laico. Até então, a medicinahospitalar sempre esteve nas mãos da filantropia reli-giosa, no entanto, o desenvolvimento das ciências mé-dicas e o processo de expansão e centralização das açõesde saúde sob a égide do Governo federal possibilitaramo encontro do capital industrial com a ciência e com amedicina hospitalar, a partir do surgimento de um novodiscurso que via a regeneração do pobre como uma tarefada medicina – e não da Igreja – organizada pelo Estado eassistida por seus novos mecenas.

Em relação ao câncer, a criação de um conjunto deinstituições filantrópicas no campo da pesquisa e do tra-tamento se relacionou ao fato de esse modelo já ser abase do combate à doença em diversos países da Europa.Na França, por exemplo, a transformação do Institutode Radiun, criado pelo Instituto Pasteur, que se tornou aFundação Marie Curie, em 1920, se deveu à doação deuma grande soma pela família Rothschild, que possibi-litou o desenvolvimento da vertente terapêutica da ins-tituição que se juntou à pesquisa científica no campo daradioterapia. Com o final da Primeira Grande Guerra, aLiga Francesa Contra o Câncer patrocinaria a criação decentros e dispensários anticancerosos, por aquele país.No Brasil, observa-se o surgimento de iniciativas com omesmo sentido. À medida que se ampliava o sucesso na

utilização do rádio para tratamento da doença, surgiamnovas iniciativas de instituições filantrópicas para a uti-lização dessa técnica.

São Paulo tomaria a primeira iniciativa nesse sen-tido. Ainda em 1920, Arnaldo Vieira de Carvalho fun-dador e primeiro diretor da Faculdade de Medicina deSão Paulo, subiu à tribuna da Sociedade de Medicina eCirurgia para sugerir a criação de um instituto de radio-terapia na cidade.

“É espantoso o número, cada vez mais crescente, de casosde câncer. Impressionado pelos resultados que a cirurgiatem apresentado na cura desse mal, e ao mesmo tempoassombrado com o que a Europa nos manda dizer a pro-pósito de seu tratamento por meio de radium, ocorreu-me de levantar aqui a idéia de tomarmos a iniciativa dafundação do instituto de radio de São Paulo” (Palma Gui-marães, 190)

Arnaldo Vieira de Carvalho era o mais afamadomédico da cidade, já havia participado de várias inicia-tivas filantrópicas, como a criação da Policlínica de SãoPaulo. Também havia presidido importantes associaçõescomo a Sociedade de Medicina e Cirurgia e a SociedadeEugênica de São Paulo. Sua proposta foi prontamenteaceita na Sociedade de Medicina, que nomeou uma co-missão para levantar fundos para a nova instituição,integrada por ele próprio, Oswaldo Portugal e RaphaelPenteado de Barros. O grupo não teve dificuldades emobter as primeiras doações, conseguindo em quatro me-ses auferir mais de quinhentos contos de reis. No entan-to, a morte de Arnaldo, em 1920, adiaria a inauguraçãodo Instituto. Embora constituído de direito em 1921,ele só começaria a funcionar em 1929, nas instalaçõesdo Hospital Central da Santa Casa da Misericórdia, soba direção de Ovídio Pires de Campos.

Caracterizado como uma instituição filantrópicasem fins lucrativos, o Instituto do Câncer Dr. Arnaldotinha como objetivos estatutários o diagnóstico, preven-ção e tratamento do câncer. Prestava serviços gratuitosaos que não tinham condições de pagar por tratamen-tos particulares, e cobrava dos doentes com melhorescondições econômicas. Durante muitos anos suas ativi-

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dades se realizaram nas enfermarias do Hospital Centralda Santa Casa. Somente em 1934, a instituição conse-guiu inaugurar suas instalações próprias, em terreno con-tíguo ao da Santa Casa. O Instituto contava com 20 lei-tos e era composto pelos serviços de rádio, radioterapiae eletroterapia, cirurgia geral e ginecologia, otorrino-laringologia, urologia e gastro-enterologia. Contava tam-bém com um laboratório de anatomia patológica e aná-lises clínicas. O radiodiagnóstico e a cirurgia eram a almada instituição, que desde a sua instalação recebia váriascentenas de doentes anualmente, em busca de diagnós-tico e tratamento. Esses ocupavam os leitos do Institutosomente quando em tratamento de tumores, sendo queos considerados incuráveis eram removidos pela própriaSanta Casa para seu asilo de inválidos. O Instituto doCâncer Dr. Arnaldo contava com rendas próprias, pro-venientes do tratamento de doentes contribuintes, dedonativos particulares e de auxílios dos poderes públi-cos estadual e federal. Em outubro de 1936, pelo DecretoFederal nº 1.146, a instituição foi considerada de utili-dade pública (Portugal, 1936). Até hoje, o Instituto doCâncer Dr. Arnaldo continua funcionando regularmentecomo hospital voltado para o tratamento do câncer.Conta com mais de cinqüenta leitos, nos quais atende adoentes do SUS e de diversos convênios, um centro ci-rúrgico, laboratórios e o pronto atendimento para casode emergência. Como diversas outras instituições domesmo perfil, é membro da Associação Brasileira de Ins-tituições Filantrópicas de Combate ao Câncer (ABIFCC).

Muito antes da inauguração do Instituto ArnaldoVieira de Carvalho, outra iniciativa filantrópica no cam-po da cancerologia agitaria o campo médico. Ainda em1922, uma proposta de criação de um hospital voltadoao tratamento do câncer, na então capital federal, mo-veria os médicos e a filantropia carioca. O projeto surgiude entendimentos entre o diretor da Inspetoria da Le-pra, Doenças Venéreas e Câncer do DNSP, EduardoRabello, com o industrial Guilherme Guinle, num pro-cesso que também congregou um seleto grupo de médi-cos empenhados em homenagear a memória de OswaldoCruz através da criação de uma obra grande vulto.

Em 25 de agosto de 1922, antigos colegas e discí-pulos de Oswaldo Cruz criaram oficialmente uma enti-dade jurídica denominada Fundação Oswaldo Cruz, como objetivo de unir o nome “do grande saneador do Bra-sil” ao primeiro hospital de câncer no Distrito Federal.Como seu presidente de honra foi escolhido o industriale grande benemérito Guilherme Guinle. Já contando comrecursos auferidos numa grande campanha posta emmarcha para construir um monumento em sua home-nagem, o grupo reorientou o projeto em direção à cons-trução de um hospital para estudos e tratamento do cân-cer. Apoiados pelo seu presidente de honra, que se pro-punha a financiar a construção e o aparelhamento danova instituição, o grupo elaborou os planos para a cons-trução do hospital (Sanglard, 2005).

O malogrado processo de construção do hospitalfoi analisado detalhadamente pela historiadora GiseleSanglard (2005). Ela mostra que o motor que movia es-sas atividades era a convergência dos interesses de Gui-lherme Guinle em atuar em prol da saúde pública, comos objetivos do diretor da Inspetoria da Lepra, DoençasVenéreas e Câncer, Eduardo Rabello, de ter na iniciativafilantrópica o esteio necessário para pôr em prática suaproposta de controle das doenças de responsabilidadede sua inspetoria. A concepção de enfrentamento dadoença de Eduardo Rabello, que aproximava a ação es-tatal da iniciativa filantrópica, já existia em relação adiversas doenças, e se reforçaria em relação ao câncer, apartir das décadas seguintes, com a criação de diversasligas voltadas para a doença.

Em 1922, no já citado Congresso Nacional dos Prá-ticos, Eduardo Rabello já apostava no Instituto do Cân-cer a ser criado em parceria com os Guinle. Em seu dis-curso afirmava: “Posso, entretanto, anunciar que tam-bém nesta parte vai ter seguimento o programa de lutacontra o câncer estabelecido pelo Departamento de Saú-de Pública, pois, mercê de generosa doação da famíliaGuinle, que já fez a oferta à Fundação Oswaldo Cruz,vamos ter brevemente um Instituto de Câncer onde setrate não só da parte experimental como também da te-rapêutica, empregando-se neste último caso todas as ar-

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mas de que dispomos” (Rabelo, 1924 apud Kroeff, 1946,p. 22).

Ainda em 1922, Carlos Chagas, diretor do Depar-tamento Nacional de Saúde Pública, reafirmava a espe-rança na criação do Instituto no discurso de inaugura-ção do primeiro instituto exclusivamente voltado parao tratamento do câncer, naquele tempo criado em BeloHorizonte. Em seu discurso informava “Eu vos possoanunciar, com alegria, meus ilustres amigos, que não seráem vão o grande exemplo civilizador da vossa iniciativa.Do altruísmo de brasileiros ilustres, que bem entende-ram cultivar em obras de ciência a memória abençoadade mortos queridos, espero e me fio, seguro de que tam-bém na Capital do pais teremos em breve organizados

os trabalhos sobre o câncer, em moldes amplos, faculta-dos pela generosidade de moços de fortuna e de senti-mento” (Chagas, 1922).

Apesar da convergência de interesses entre a saúdepública e a filantropia, nesse momento representada porGuilherme Guinle, a parceria não logrou obter sucesso.Durante vários anos, o projeto caminhou a passos len-tos, sendo que, em 1936, Guilherme Guinle, sem obter oapoio que imaginava do Governo federal, resolveu reti-rar seu auxílio à instituição, o que a tornou inviável.Ainda naquele ano, ela foi extinta, e o prédio iniciadodoado à prefeitura do Distrito Federal, que, a seu modo,concluiu a edificação, instalando no local o Hospital Mu-nicipal Barata Ribeiro (Sanglard, 2005).

Projeto para o Hospital do Câncer, de autoria do arquiteto Porto D’ave

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CAPÍTULO 3

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CONSTRUINDO UMA POLÍTICA DE CONTROLE DO CÂNCER PARA O PAÍS

A chegada aos anos 1930

A transformação do câncer em problema de saúdepública nos anos 1920 foi o efeito e também a causa daintensificação do interesse médico pela doença. A ques-tão principal era conhecer a sua incidência no País, oumelhor, mostrar que essa era muito maior do que mos-travam as estatísticas existentes na época. O próprioCarlos Chagas, diretor do Departamento Nacional deSaúde Pública, no discurso de inauguração do Institutodo Radium de Belo Horizonte, em 1922, questionava:“Qual a freqüência do câncer entre nós? Onde estão osdados de uma estatística aproximada, que nos habili-tem a ajuizar da difusão do mal e apreciar suas conse-qüências saciais? Sabemos apenas, e tanto basta para avi-var a nossa previdência, que as afecções cancerosas fa-zem elevado número de vítimas em toda a vasta extensãodo nosso território” (Chagas, 1922). Vários outros mé-dicos alertavam para o problema da subnotificação eindicavam a constante ampliação dos casos de câncerno País. Sem contar com uma base estatística segura parasuas afirmações, esses apóstolos da luta contra a doençatomavam como base suas observações clínicas e a obser-vação da freqüência de doentes em diversos hospitais dacidade.

A valorização da doença pelo campo médico tinhacomo principais espaços institucionais a Academia Na-

Construindo uma política decontrole do câncer para o país

Brasão da Academia Nacional de Medicina

cional de Medicina, a Sociedade de Medicina e Cirurgiado Rio de Janeiro e os Congressos Médicos. Seu melhorexemplo pode ser visto na proposta de Fernando de Ma-galhães apresentada ao Congresso Nacional dos Práti-cos, realizado pela classe médica, no Rio de Janeiro, emcomemoração ao centenário da independência (1922).

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Nesse momento, Fernando Magalhães ocupava a presi-dência da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio deJaneiro e, por isso, era relator do tema no congresso. Seuprojeto inspirava-se no modelo de organização de com-bate à doença existente na França e também foi apre-sentado em seção da Academia Nacional de Medicina.Bastante abrangente, o projeto se voltava para os diver-sos aspectos da prevenção e tratamento da doença quecomeçavam a ser prática na Europa e, sob o título de “Aluta contra o Câncer”, previa a criação de Institutos doCâncer, de caráter estatal, em vários pontos do País, vol-tados para a pesquisa científica sobre a doença; a cria-ção de hospitais públicos exclusivos para cancerosos,estabelecendo-se por lei que a sua hospitalização se da-ria somente nesses estabelecimentos; a notificação com-pulsória dos casos de câncer e a utilização dos princípiosde profilaxia geral em todos os locais em que surgissemcasos da doença; a visita de enfermeiras da saúde públicaaos cancerosos para orientá-los no seu tratamento e nasmedidas de precaução de seus familiares; o aperfeiçoa-mento do ensino do câncer nas faculdades médicas; adivulgação de noções básicas da doença para a popula-ção; e a organização de reuniões médicas regulares emvários estados do Brasil, sob o patrocínio do Governo,para informação das estatísticas e conhecimento dasobservações e os conceitos clínicos sobre a doença (Ma-galhães, 1922). Os espaços institucionais ocupados porFernando Magalhães já mostram a centralidade que seupleito adquiria, além disso, a observação das revistas demedicina do período deixam claro que essas preocupa-ções também estavam no horizonte de diversos outrosatores de nossa elite médica.

A construção do câncer como problema médico deâmbito nacional, a partir dos anos 1920, se deu simul-taneamente ao desenvolvimento de técnicas que amplia-ram a capacidade da medicina frente à doença. No iní-cio dos anos 1920, a radioterapia começava a se mostraruma importante aliada da medicina européia no trata-mento dos cânceres epiteliais e ginecológicos. Esse pro-cesso ampliou o interesse dos médicos brasileiros na novatécnica, fazendo surgir institutos de radioterapia volta-

dos para o tratamento de cânceres. Além disso, os gabi-netes de diagnóstico radiológico passaram a atrair osmédicos interessados em novas formas de tratamento docâncer. O Serviço de Radiologia da Faculdade de Medici-na, criado em 1919, foi um deles; lá trabalhava o médicoAntonio da Costa Junior, que começou utilizar o rádiocom sucesso em casos de câncer de pele, escrevendo di-versos artigos no Brasil Médico, enaltecendo a nova técni-ca (Carvalho, 2006). Dois anos depois, Firmino Doellingerda Graça – que há anos dirigia um serviço de diagnósticoradiológico na Beneficência Portuguesa, e tinha se espe-cializado em radioterapia em instituições européias eamericanas – criou e equipou um consultório particularpara tratar os portadores de câncer. De maior amplitudeforam o Instituto do Câncer de Belo Horizonte, fundadoem 1922, e o Instituto do Câncer Dr. Arnaldo, inaugura-do em 1929, já observados anteriormente.

Ao desenvolvimento da radiologia viria se juntaruma nova técnica cirúrgica que chegou ao Brasil, emmeados dos anos 1920, pelas mãos do cirurgião MarioKroeff. A eletrocirurgia ou diatermia era elaborada por

Brasão da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro

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Mario Kroeff demonstrandoa utilização do aparelhode eletrocirurgia

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meio de um bisturi que transmitia intenso calor aos te-cidos por meio de energia elétrica de alta freqüência. Elapossibilitava incisões mais amplas com menorsangramento, por coagular os tecidos próximos à açãodo bisturi. A técnica seria utilizada por diversos cirurgi-ões, inicialmente em retiradas de pequenos melanomascutâneos e em cirurgias de cânceres da boca, ainda nosanos 1920 passaria a ser empregada nas mais variadascirurgias de câncer. Um dos locais pioneiros na sua utili-zação foi a enfermaria da Santa Casa da Misericórdia doRio de Janeiro chefiada pelo cirurgião Brandão Filho. Lá,

A cirurgia elétrica segundoMario Kroeff, seu principal divulgador

“Tinha trazido da Europa um aparelho. O primeiro introduzido noBrasil. Assisti à sua aplicação na Europa por dermatologistas, contrapequenas lesões de pele, e pensei em aproveitá-lo, em escala maior,no tratamento do câncer, contra as grandes lesões externas. Com elepratiquei no Serviço do prof. Brandão Filho, na Santa Casa, a primeiraeletrocoagulação realizada entre nós, em 1926” (Kroeff, 1971:203).

“A diatermia ou destrói in loco um tumor, coagulando-o com aponta do eletrodo na área doente, ou extirpa-o por inteiro peladissecação elétrica. Não age, pois, pelo efeito da corrente paracombater o elemento neoplásico, durante uma ou mais aplicaçõescomo podem supor os que não forem afeitos a cirurgia. É umacirurgia armada, que corta pela eletricidade, por isso é dotada dequalidades especiais na terapêutica do câncer, em condições deproduzir melhores resultados que o bisturi sangrento, quandoprocede a ablação de um órgão doente ou de toda uma regiãoafetada.

Na sua ação destrutiva, ela influi também até certa distância,além do ponto de contato do eletrodo, por propagação do calor, cujoefeito cresce em proporção à intensidade de duração da corrente.(...) Assim, além da destruição propriamente coagulante local dostecidos no ponto de contato do eletrodo, a diatermia possui um efeitoanticanceroso, até certo limite, contra as células malignas que seacharem à pequena vizinhança da zona coagulada” (Kroeff, 1934). Kroeff e equipe realizando uma eletrocirurgia

Mario Kroeff se especializaria em sua utilização e elabo-raria, em 1929, uma tese de livre-docência, para o in-gresso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, ver-sando sobre a técnica na qual se transformaria em umgrande divulgador. Em 1927, a Academia Nacional deMedicina abrigou um intenso debate sobre a utilizaçãoda nova forma de cirurgia que vinha despertando o in-teresse de diversos médicos. No ano seguinte, aportavano Rio de Janeiro o cirurgião Franz Keysser, responsávelpelo aperfeiçoamento da eletrocirurgia. O alemão haviaconseguido construir aparelhos muito mais potentes que

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os já existentes e faria várias visitas ao Brasil para divul-gar – e vender – seu equipamento, obtendo grande su-cesso em seu empreendimento (Carvalho, 2006).

Esse momento também inaugura as primeiras açõesvoltadas à formação em cancerologia e para a divulga-ção da doença no meio médico e leigo. Ainda em 1927,o médico carioca Ugo Pinheiro Guimarães – que maistarde dirigiria o Serviço Nacional de Câncer –, com umabolsa da Fundação Rockefeller, obteve um estágio noMemorial Hospital de Nova York, centro mais impor-tante de estudos sobre o câncer das Américas. No anoseguinte, seguiu para a Europa para ampliar ainda maissua especialização no tema. De volta ao Brasil em 1929,empreendeu um ciclo de palestras sobre as diversas for-mas de câncer e os meios de combatê-las e passou a mi-

nistrar um curso de especialização médica sobre can-cerologia na Faculdade de Medicina. Outro que se vol-tou para o ensino da cancerologia foi o já citado FirminoVonn Doellinger da Graça, que proferiu diversas pales-tras sobre o tema na Faculdade de Medicina. Em 1929,ele foi incumbido pelo então diretor do DepartamentoNacional de Saúde Pública, Clementino Fraga, de se de-dicar ao estudo do câncer, com o objetivo de dar subsí-dios ao Departamento. Logo elaborou um alentado tra-balho sobre a doença. Seu estudo tinha a forma de umagrande resenha de divulgação científica para médicos,relacionando os conhecimentos mais modernos sobre ocâncer existentes no período. Seu autor apresentou-o emdiversas conferências públicas, muitas das quais trans-mitidas pelo Radio Club do Brasil e pela Rádio Sociedade(Graça, 1929).

Ainda em 1929, as principais sociedade médicas doRio de Janeiro – Academia Nacional de Medicina e Socie-dade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro – resolve-ram elaborar uma programação conjunta para pôr o cân-cer em maior evidência tanto para os médicos como parao público leigo. Entre 4 e 10 de novembro de 1929, tevelugar na Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Ja-neiro a Semana do Câncer. O evento era composto dediversas atividades: duas seções especiais voltadas para adoença, nas quais reputados médicos da casa apresenta-riam trabalhos sobre o tema; reunião com os médicos deoutras instituições para discussão do problema do cân-cer no País; e uma seção espacial da Academia Nacionalde Medicina também inteiramente voltada para a doença.A Semana do Câncer contou com o apoio de ClementinoFraga, diretor do Departamento Nacional de Saúde Pú-blica e de Oscar Silva Araújo, então diretor da Inspeto-ria da Lepra, das Doenças Venéreas e Câncer. A RadioClub do Brasil também se voltou para o evento garan-tindo a sua propaganda.

No que tange às iniciativas concretas em relação àcriação de um local exclusivo para o tratamento dosdoentes no Distrito Federal, os primeiros passos foramdados por Mario Kroeff, que, em 1931, iniciou a cons-trução de um pavilhão para o tratamento cirúrgico doUgo Pinheiro Guimarães, pioneiro do ensino de cancerologia no Brasil

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câncer anexo ao Hospital da Triagem, depois chamadoHospital Estácio de Sá. Kroeff tirava proveito da conjun-tura favorável relacionada à chegada dos gaúchos aopoder, e assim conseguiu de seu conterrâneo, o ministroda fazenda Oswaldo Aranha, os recursos que necessitavapara construir um pequeno pavilhão. Embora a obra te-nha sido concluída em 1933, o prédio, na última hora,foi destinado à outra cadeira da Faculdade de Medicina,frustrando a iniciativa de Kroeff. Somente seis anos de-pois seu projeto de criação de uma instituição totalmentevoltada ao tratamento do câncer no Rio de Janeiro co-meçaria a se encaminhar, mas, antes disso, um grandeevento ocorrido na capital federal chamaria a atençãopara a necessidade de combate à doença e mostraria aexistência de outros projetos nesse sentido.

Essas iniciativas mostram que, entre o final da dé-cada de 1920 e o início da seguinte, o câncer estava naordem do dia. Tanto no que concerne à saúde pública,como em relação aos médicos e suas organizações pro-fissionais, a doença assumia um caráter de centralidade.Toda essa movimentação se relacionou à construção dadoença – primeiramente através de trabalhos que mos-travam a amplitude de sua incidência no País, o desen-volvimento de novas técnicas para o seu tratamento e anecessidade da classe médica de vinculação a uma ques-tão que no nível internacional tinha um forte destaque.Soma-se a tudo isso o fato de que, na época, a classe mé-dica dormia acalentada pela possibilidade de surgimentode um grande centro de cancerologia na capital da Repú-blica. Embora o sonho alimentado pela família Guinle,pelo Departamento Nacional de Saúde Pública e pelosmédicos ligados à Fundação Oswaldo Cruz não chegassea se realizar, aquele momento ele era o guarda-chuva quepotencializava e dava sentido às iniciativas em relação àdoença. Talvez por isso, em 1935, quando o projeto dohospital da Fundação Oswaldo Cruz estava prestes anaufragar, os médicos empenhados em sua realizaçãomais uma vez buscaram reforçar a denúncia sobre a im-portância da doença e pôr em marcha novas iniciativas.Foi assim que no ano seguinte veio à luz o Primeiro Con-gresso Brasileiro do Câncer.

Mario Kroeff realizando uma eletrocirurgia

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O I Congresso Brasileiro de Câncer eas propostas em jogo

Em meados dos anos 1930, o contexto nacional jáera bastante diferente do observado na década anterior.A chegada de Getúlio Vargas à presidência, em outubrode 1930, havia mudado os rumos do pacto político do-minado pelas oligarquias agrárias, levando ao aparelhode Estado novas demandas de diferentes grupos, até en-tão distantes dos poderes decisórios. No campo da saúdepública, o primeiro governo de Getúlio Vargas atendeuao antigo desejo dos sanitaristas de criação de um mi-nistério para a área. Instituído, ainda em 1930, o Minis-tério da Educação e Saúde Pública (MESP) unia saúde eeducação. Sua criação também se relacionava às novasdiretrizes centralizadoras do Estado, que previam a for-mação de uma burocracia central capaz de coordenar aação das administrações locais.

Nesse cenário, realizou-se no Rio de Janeiro, emnovembro de 1935, o I Congresso Brasileiro de Câncer.O encontro foi uma iniciativa da Sociedade de Medicinae Cirurgia do Rio de Janeiro como comemoração ao seucinqüentenário. Maurity Santos, então diretor da insti-tuição, procurou organizá-lo de forma a dar-lhe um ca-ráter oficial e garantir o comprometimento das princi-pais autoridades relacionadas ao setor saúde com o pro-blema do câncer. Assim convidou para a sua presidênciade honra o ministro da Educação e Saúde Pública,Gustavo Capanema, o prefeito do Distrito Federal, PedroErnesto e o filantropo Guilherme Guinle, que naquelemomento ultimava os derradeiros esforços na tentativade soerguer o projeto do hospital do câncer da Funda-ção Oswaldo Cruz, que ajudava a financiar.

O evento tinha como um dos principais objetivoschamar a atenção das autoridades públicas para o proje-to do Hospital do Câncer da Fundação Oswaldo Cruz,que estava em vias de naufragar em meio a dificuldadesfinanceiras. Já no discurso de abertura do evento, o mi-nistro Gustavo Capanema informava o interesse do Go-verno em apoiá-lo e tirava aplausos do plenário afirman-do que em breve despenderia verbas para a sua finali-

Getúlio Vargas e outros no palácio do Catete no dia de sua chegadaà capital federal

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Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Câncer, 1935

zação. O outro objetivo era potencializar a ação da saúdepública em relação ao câncer. Para tanto, o Congressodedicou a sua primeira seção aos aspectos sociais da doen-ça, convidando como um dos oradores oficiais o diretordo Departamento de Saúde do Ministério da Educação eSaúde Pública, o sanitarista João de Barros Barreto. Aolado de Jansen de Mello, que dissertou sobre a mortali-dade de câncer no País, Barros Barreto apresentou umaconferência chamada “Projeto de Luta Anticancerosa noBrasil” na qual expôs as diretrizes da saúde pública emrelação ao câncer.

Em sua apresentação, Barros Barreto, herdeiro dosideais de saúde pública que animaram os anos 1920,postulava que o controle ao câncer deveria ter como baseprincipal a prevenção. Essa deveria se dar pela propa-ganda e educação sanitária, acompanhada de medidascompulsórias que possibilitassem afastar os trabalhado-res dos riscos do câncer profissional. Alias, seu trabalhodava grande importância a esse aspecto, se mostrandocomo o primeiro a discutir a questão da necessidade decuidados específicos com profissionais que lidavam comradioterapia. Acompanhando o pensamento da maio-ria dos médicos do período, Barros Barreto acentuava ovalor do diagnóstico precoce para uma atuação médicabem-sucedida e a importância da atualização dos médi-cos nos conhecimentos básicos sobre a doença, comoforma de alcançar esse objetivo. Também afirmava queo controle do câncer deveria ter como principais insti-tuições os centros de cancerologia. Esses abrigariam umamédia de 20 leitos e teriam o recurso de diferentes am-bulatórios – ginecologia, urologia, oftalmologia etc. Paraproceder aos diagnósticos, contariam com serviços deradiologia, histopatologia e outros laboratórios de exa-mes. Para o tratamento, disporiam dos serviços de radio-terapia e cirurgia.

Uma originalidade de seu projeto se colocava emrelação ao que ele denominava de organizações subsidiá-rias. Barreto havia se especializado na Escola de Higienee Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins e, se-guindo as noções da moderna saúde pública, via nos cen-tro de saúde a alma do atendimento primário e o pilarda estrutura de saúde pública. A seu ver, estes centros,que começavam a se estruturar no país, teriam um papelfundamental na defesa contra a doença, se ocupando dapropaganda e do primeiro diagnóstico dos casos suspei-tos, que seriam enviados ao centro de cancerologia. Oscentros de saúde também se ocupariam dos cuidados aosdoentes através de suas enfermeiras visitadoras. A outraorganização subsidiária aos centros de cancerologia se-riam as instituições de cuidados paliativos. Barreto assi-nalava a importância da filantropia nesse campo e pro-punha a criação de instituições que pudessem garantir o

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acolhimento dos enfermos incuráveis, ao estilo da Obrado Calvário, que, desde o final do século XIX, se ocupavadessa tarefa na França.

O ponto mais importante da comunicação de Bar-ros Barreto dizia respeito à criação de um centro decancerologia no Distrito Federal. A seu ver essa ação erafundamental e deveria ser posta em prática imediatamen-te, até para servir de ponta de lança à criação de outrasinstituições do mesmo tipo em outras regiões. Com base

na experiência paulista do Instituto Dr. Arnaldo e fa-zendo uso de uma lógica administrativa fundamentadana racionalização dos custos e na possibilidade imedia-ta de implantação dos serviços, propunha a criação doprimeiro centro de cancerologia do Rio de Janeiro juntoao Hospital da Santa Casa da Misericórdia. A institui-ção seria dirigida por uma comissão composta por re-presentantes da Santa Casa, da Faculdade de Medicinado Rio de Janeiro, do Ministério da Educação e Saúde

Gustavo Capanema e outros em seu gabinete

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Pública, da Fundação Oswaldo Cruz e da Liga BrasileiraContra o Câncer – no caso, seu fundador Ugo PinheiroGuimarães. Cada uma das instituições envolvidas colo-caria à disposição do novo centro pessoal e equipamen-tos dos setores relacionados às necessidades da nova ins-tituição O ministério contribuiria com seus serviços debioestatística e propaganda, com seus centros de saúde eserviço de enfermeiras visitadoras; a Santa Casa da Mise-ricórdia facilitaria a instalação do serviço no Hospital

São Miguel, reservando os leitos para os doentes; e a Fa-culdade de Medicina do Rio de Janeiro trabalharia comdiversas clínicas e com o serviço de radiologia. A novainstituição também contaria com recursos do Governofederal para instalações e material. Barreto encerrava seutrabalho afirmando que a esse centro de cancerologiapodiam se seguir outros em hospitais do Rio de Janeiro,como o Estácio de Sá e outros que a prefeitura viesse aconstruir.

Gustavo Capanema com funcionários do ministério. João de Barros Barreto está a sua esquerda, de terno branco

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De acordo com a racionalidade que presidia a saú-de pública no período em que Gustavo Capanema diri-giu o ministério, Barreto imaginava que o poder públicofederal seria responsável pela organização e norma-tização das ações contra o câncer, cabendo aos Estados emunicípios, em concurso com a filantropia, a atuaçãonesse campo nas diversas regiões do país. A ação do Go-verno central se faria pela implantação do centro decancerologia do Distrito Federal – que poderia ser mon-tado sem grandes custos, a partir dos serviços já existen-tes – e seria acompanhada pelos estados e municípioscom suas organizações próprias. O que se mostra maisinteressante é o fato de a saúde pública, naquele momen-to, trazer a público um projeto de controle do câncerque não se limitava mais à propaganda e à verificaçãoda incidência da doença, como o instituído pela Inspe-toria da Lepra, das Doenças Venéreas e Câncer, nos anos1920. Nesse momento tratava-se da criação de uma ins-tituição inteiramente voltada para o tratamento dosdoentes no Distrito Federal, que era apresentada pelo seuorganizador como a ponta de lança para uma atuaçãoestatal mais ampliada que desse conta do problema emtodo do território nacional.

Embora a proposta de Barros Barreto se situassecomo a fala da saúde pública e se colocasse no Congressocomo diretriz oficial, outras apresentações também mos-trariam diferentes posições sobre a questão. O Trabalhode Mario Kroeff, por exemplo, apesar de estar inscritonuma seção voltada exclusivamente para a cirurgia, secaracterizava como uma proposta de organização médi-ca para a intervenção contra a doença. Kroeff se centravana sua especialidade, postulando que ela poderia ser opilar desta intervenção. Ele partia do princípio de que avastidão de nosso território e as grandes dificuldadeseconômicas existentes no interior do País inviabiliza-riam uma campanha contra o câncer centrada na cria-ção de centros de cancerologia regionais. A seu ver, eladeveria ter como base a capacitação dos médicos das re-giões mais distantes para a primeira ação contra a doen-ça. Isso se faria pela divulgação da diatermia e habilita-ção dos médicos locais para o emprego dessa técnica em

casos mais simples, como os pequenos cânceres de pele.A utilização da diatermia seria acrescida do incentivo àspráticas de utilização de exames laboratoriais, que po-deriam ser enviados das regiões mais distantes aos cen-tros maiores pelos correios. Para Kroeff, essas medidaslevariam à cura precoce da maioria dos casos, evitando aevolução da lesão para estágios incuráveis. Além disso,favoreceriam a compreensão da possibilidade de cura docâncer quando tratado desde seu início. Nos casos maiscomplexos, os doentes seriam enviados aos municípiosmaiores, em que já houvesse hospitais de caridade ouclínicas particulares aparelhadas. Nesses locais, cirurgiõestambém trabalhariam com a eletrocirurgia, só que emâmbito mais complexo, procedendo a cirurgias, com baseem noções fornecidas por especialistas em cirurgias anti-cancerosas. Somente nas maiores cidades do País seriamcriados centros anticancerosos nos moldes dos institu-tos do câncer europeus, nos quais, além do emprego dediversas técnicas para o tratamento da doença, seriamrealizados estudos experimentais e diversos tipos de diag-nósticos mais sofisticados (Kroeff, 1935).

O trabalho de Kroeff no fundo era uma propostade incentivo à utilização da diatermia como principalforma de controle da doença. Sua forma de pensar tinhacomo base a impossibilidade de levar às regiões mais dis-tantes do País os meios mais complexos de tratamentoda doença. Além disso, naquele momento, ele estava ena-morado pela eletrocirurgia, o que o fazia pensar que essatécnica poderia definir uma estrutura de atuação médi-ca contra a doença diferenciada da posta em prática emdiversos países desenvolvidos, em particular na França,onde os centros anticancerosos voltados para o trata-mento radiológico dominavam a cena.

Num congresso centrado em diversas discussõestécnicas sobre o câncer, suas formas de tratamento e pre-venção, as falas de Barros Barreto e Kroeff têm especialimportância por propor duas formas diferenciadas deorganização de ações públicas direcionadas à doença.Barros Barreto trouxe a público um projeto com a chan-cela de sua posição de liderança na administração dasaúde pública nacional. Já Kroeff apresentou uma pro-

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Mario Kroeff e seu aparelho de eletrocirurgia

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posta baseada em sua experiência de cirurgião especia-lizado em operações de casos de câncer. Apesar dadisparidade do peso relativo dessas duas figuras no cená-rio nacional, a forte militância de Kroeff na busca deimplantação de um centro de tratamento exclusivo docâncer na capital federal, favorecida pela chegada ao po-der de uma elite gaúcha que mantinha com ele laços deamizade e solidariedade, fez com que a política de con-trole do câncer no País, estabelecida a partir do final dadécada de 1930, acabasse mesclando elementos dessasduas propostas.

Antonio Prudente e a propostapaulista de combate ao câncer

Os estudiosos que analisaram o desenvolvimentoda saúde pública no País apontam a singularidade deSão Paulo nesse processo, mostrando que, durante a Re-pública Velha, esse estado prescindiu da ajuda federalem relação à saúde, procurando pôr em prática um pro-jeto autônomo para essa área (Castro Santos, 1993;Hochman, 1998). Em relação ao câncer não seria dife-rente; ainda em 1934 ele seria rascunhado pelo médicoAntonio Prudente, que mais tarde viria a dirigir o ServiçoNacional de Câncer. Antonio Prudente era neto de Pru-dente de Moraes, nosso primeiro presidente civil, estu-dou medicina na Faculdade de Medicina de São Paulo eesteve na Alemanha se especializando em eletrocirurgiacom o médico Franz Keysser. De volta ao País passou a sededicar às cirurgias de reconstituição.

O interesse de Antonio Prudente pelo câncer levou-o a escrever, em 1933, uma série de cinco artigos sobre otema no jornal O Estado de S.Paulo. Seus escritos analisa-vam a freqüência do câncer no país e as várias configu-rações da doença, propondo uma política estadual parao seu controle. Sua proposta seria apresentada no I Con-gresso de Câncer de 1935, como a diretriz dos cance-rologistas paulistas para o controle da doença. Prudentepostulava que o papel do Governo central no controledo câncer devia se limitar à coordenação das atividadesestaduais e ao controle estatístico, aos estados ficaria a

organização e manutenção de suas estruturas de controleda doença. Nesse sentido, ele postulava que a organiza-ção dos serviços de saúde paulistas deveria ter como basequatro diferentes requisitos: a facilitação do diagnósti-co precoce, a possibilidade de tratamento dos tumoressegundo as técnicas mais adequadas a cada caso, a dis-ponibilidade de tratamento hospitalar e social aos can-cerosos, a pesquisa e o controle estatístico da doença nosdiversos ramos da cancerologia (Prudente, 1939). Paraalcançar esses objetivos, ele propunha a instauração deuma rede de nove postos voltados para o diagnóstico –de acordo com a distribuição populacional do Estado –centralizados por um instituto de oncologia na capital.Orientado para o tratamento, o centro manteria um nú-mero de leitos definido pelas estatísticas dos casos exis-tentes no Estado. Segundo seus cálculos, naquele momen-to, seria necessário implantar 240 leitos para os doentestratáveis e 60 para abrigar os incuráveis. Caso o sistemautilizasse o trabalho das enfermeiras visitadoras na ori-entação e tratamento domiciliar, esses leitos seriam sufi-cientes para garantir o tratamento de todos os doentesdo estado. O instituto de oncologia deveria se comporde um dispensário, com serviços de consultas, laborató-rio clínico e tratamento ambulato-rial; serviços de ci-rurgia, eletrocirurgia, radiodiagnóstico, radioterapia, fi-sioterapia e quimioterapia; laboratórios de pesquisa comserviços de biologia, fisioquímica, fotografia e desenho;um museu; e um anfiteatro para a implementação de cur-sos de oncologia dedicados aos médicos e de palestrasvoltadas ao público leigo e de seções de estatística, pro-paganda e administração.

O serviço idealizado por Antonio Prudente estavabaseado no que havia de mais moderno na Europa. Parageri-lo, ele imaginava a criação de uma inspetoria decombate ao câncer no âmbito do Serviço Sanitário doEstado. Tal qual a Inspetoria da Lepra, naquele momentomuito ativa no Estado, essa inspetoria deveria coorde-nar as ações dos postos de diagnóstico com as do centrode cancerologia. Na impossibilidade de criação dessa novainspetoria, Prudente propunha que as ações contra ocâncer fossem dirigidas por uma sociedade composta de

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médicos e leigos. Uma liga que se voltaria principalmentepara as ações de educação e propaganda contra a doença.

A partir de 1934, Antonio Prudente se convenceuque uma liga contra o câncer seria o melhor caminhopara potencializar o combate à doença no Estado. Nessesentido, ele se dedicou a obter aliados para a fundaçãoda nova instituição. No ano seguinte atingiu seu objetivofundando a Associação Paulista de Combate ao Câncer,que passou a ser dirigida por Antônio Cândido deCamargo, seu antigo professor da Faculdade de Medici-na de São Paulo. A associação tinha como objetivo arre-cadar fundos para a construção de um Instituto de Cân-cer na cidade de São Paulo com as finalidades principaisde diagnosticar e tratar cancerosos. Também buscavadesenvolver campanhas de educação, potencializar odesenvolvimento da especialização médica em relação àdoença e manter intercâmbio de programas com orga-nizações similares no Brasil e exterior. Seus estatutos tam-bém indicavam o ideal de fundar centros e postos anti-cancerosos em diversas localidades do Estado, para atuar

em conjunto com o Instituto do Câncer da Cidade deSão Paulo (Estatutos da Liga Paulista de Combate ao Cân-cer, 1936).

Após passar um longo período elaborando campa-nhas de arrecadação de fundos junto às elites econômi-cas do estado, em 1953, a Associação Paulista de Com-bate ao Câncer, em parceria com a Rede Feminina deCombate ao Câncer, criada em 1946 por Carmem Pru-dente – esposa de Antonio Prudente –, conseguiu fundarum hospital para o tratamento do câncer, o HospitalAntônio Camargo que, em 1961, passou a ser conside-rado Instituto Complementar da USP. No ano de 1973,a Associação Paulista de Combate ao Câncer passou adenominar-se Fundação Antonio Prudente, caracterizan-do-se como uma entidade filantrópica reconhecida ofi-cialmente pelo estado de São Paulo. Antonio Prudenteviria a ser por duas vezes diretor do Serviço Nacional deCâncer do Ministério da Saúde. Ele faleceu em 17 de se-tembro de 1965, na cidade do Rio de Janeiro.

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CAPÍTULO 4

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MARIO KROEFF E A CRIAÇÃO DE UM ESPAÇO PARA O TRATAMENTO DO CÂNCER NO DISTRITO FEDERAL

Se a ciência nacional, e em particular a medicina,tem em Oswaldo Cruz o seu principal símbolo, a can-cerologia tem em Mario Kroeff um personagem do mes-mo quilate. Personagem de estatura mitológica, pela ca-pacidade de engendrar iniciativas de amplo alcance so-cial, Kroeff ficou na memória de seus contemporâneos ena história da medicina brasileira como o principal ar-tífice na transformação do câncer em problema de saúdepública e na implantação de ações médicas para o seucontrole. Para além de sua atuação na criação de insti-tuições voltadas para a doença, seu cuidado na guardade documentos e informações sobre a história da can-cerologia no País foi de fundamental importância parao resgate da história social desta doença no País.

Mário Kroeff nasceu em 13 de outubro de 1891, napequena cidade de São Francisco de Paula de Cima daSerra, no Rio Grande do Sul. Após terminar o ensinomédio, matriculou-se no curso de medicina em PortoAlegre, em 1910, transferindo-se dois anos mais tardepara a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, na qualse formou em 1915. Em suas memórias, contadas no li-vro Imagens do Meu Rio Grande, ele relembra que iniciousua vida profissional em Campos Novos, em SantaCatarina, onde foi clinicar para pagar as dívidas adqui-ridas nos anos de formação universitária. No pequenovilarejo exerceu a clínica por um curto período, transfe-rindo-se em 1917 para a cidade de Brusque, em Santa

Mario Kroeff e a criação de umespaço para o tratamento do câncer

no Distrito Federal

Catarina. Em Brusque passou a clinicar para a colôniaalemã, dando consultas na língua nativa de sua clientela.Ansioso de voltar à efervescência cultural da capital gaú-cha, Kroeff retornou para Porto Alegre já no ano seguinte,ingressando na Assistência Municipal, onde trabalhoucomo médico por alguns anos.

Em 1917, Kroeff voltou ao Rio de Janeiro, com oobjetivo de se alistar no Corpo de Saúde da Armada.Naquele momento a Primeira Guerra Mundial incendiavaa Europa, e o Brasil, vivendo uma onda nacionalista,amplificada pelo torpedeamento de navios nacionais porsubmarinos alemães, se preparava para entrar no confli-to em apoio aos aliados. Na Europa as tropas brasileiras,participariam principalmente de missões de apoio mé-dico e fornecimento de matérias-primas aos batalhõesaliados. Em um de seus batalhões estava o 1o tenentemédico Mario Kroeff, encarregado inicialmente da mis-são de manter um hospital de campanha no interior daFrança. Posteriormente Kroeff seria deslocado para Tours,onde trabalhou no serviço de cirurgia, atendendo a pri-sioneiros alemães, e para Paris, onde chefiou uma enfer-maria no “Hôpital Brésilien”.

Com o fim da guerra, Mario Kroeff retornou ao Riode Janeiro, onde foi admitido por concurso para o car-go de subinspetor sanitário, sendo logo designado dire-tor do Dispensário Central de Doenças Venéreas. Seu in-teresse pelo tema o fez retornar à Europa em 1924, numa

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comissão governamental para estudar a Organização daLuta contra a Sífilis e as Doenças Venéreas. Foi nesta via-gem que Kroeff voltou seu interesse para o tratamentocirúrgico do câncer, em particular para as cirurgias feitascom uma nova tecnologia que utilizava a eletricidadepara aquecer o bisturi e cauterizar os tumores e tecidosafetados. Trabalhando na enfermaria do Cirurgião Bran-dão Filho, na Santa Casa da Misericórdia do Rio de Ja-neiro, Kroeff se especializaria na eletrocirurgia, obtendosucesso em complicadas cirurgias de tumores que dificil-mente chegariam a bom termo com a utilização de ou-tras técnicas cirúrgicas. Depois de publicar diversos traba-lhos sobre o tema, Kroeff fez concurso para livre-docenteda Faculdade de Medicina da Universidade Federal doRio de Janeiro, com uma tese intitulada “Diatermo Coa-

gulação no Tratamento do Câncer”. Aprovado, conti-nuou a trabalhar com o tema na Clínica Cirúrgica.

Na década de 1930, Mario Kroeff estava imbuídoda importância do diagnóstico precoce do câncer, dopapel positivo da cirurgia em grande parte dos casos edos ascendentes sucessos da radioterapia. Com o objetivode reunir esses recursos em uma mesma instituição, elelutaria firmemente pela implantação de um hospitalcontra câncer no Rio de Janeiro. Depois de um intensotrabalho de convencimento das autoridades políticas ede diversos avanços e reveses, o então presidente GetúlioVargas criou um centro de cancerologia no então Distri-to Federal e convidou Kroeff para dirigi-lo em 1937. Àfrente do centro, Kroeff colocaria em marcha uma ver-dadeira cruzada contra o câncer baseada no atendimento

Mario Kroeff na ambulância do pronto-socorro, como interno em 1915

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MARIO KROEFF E A CRIAÇÃO DE UM ESPAÇO PARA O TRATAMENTO DO CÂNCER NO DISTRITO FEDERAL

Corpo clínico e auxiliares da 15a Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, 1934

aos doentes, na busca de amparo social aos incuráveis eprincipalmente na propaganda para o diagnóstico pre-coce da doença.

A ação de Kroeff na busca de uma resolução para oproblema do câncer no País e, em particular, sua atua-ção na criação do Instituto de Cancerologia fizeram comque a Academia Nacional de Medicina o recebesse comomembro em 1940. No ano seguinte, o Governo federaltornaria o grande sonho de Kroeff em realidade ao trans-formar o Centro de Cancerologia em um serviço de âm-bito nacional a ser por ele dirigido. O Serviço Nacionalde Câncer (SNC) era o órgão central da política de con-trole da doença, cabendo-lhe o papel de organizar, ori-entar, fiscalizar e executar, em todo o país, as atividadesrelacionadas ao Câncer. Na direção do SNC, Kroeff se

transformaria em um arauto da prevenção como a ativi-dade central em relação à doença, sendo responsável pelaelaboração de diversas exposições, programações radio-fônicas e mesmo um filme que buscava levar ao públicoas informações necessárias sobre as formas de se prote-ger da doença.

Em suas preocupações somavam-se à prevenção eao tratamento a atenção social aos incuráveis. Com esseobjetivo, reuniu fundos e conseguiu criar um HospitalAsilo para os Cancerosos Incuráveis, inaugurado no bairroda Penha em 1944 – hoje Hospital Mario Kroeff – e tra-balhou continuamente para a melhoria das condiçõesdo Hospital do Câncer.

Kroeff dirigiu o SNC até 1954. Mesmo afastado docargo administrativo, continuou a atender às solicita-

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

ções dos serviços que necessitavam de seus conhecimen-tos sobre a doença. Mario Kroeff faleceu em 23 de de-zembro de 1983, em Vassouras, no Estado do Rio de Ja-neiro, tendo sido sepultado nessa mesma cidade.

A criação do Instituto deCancerologia

O I Congresso Brasileiro de Câncer, ocorrido nacapital federal, em novembro de 1935, havia deixado adoença ainda mais em evidência no meio médico, entreas autoridades e na imprensa; afinal uma grande quan-tidade de especialistas havia vindo à cidade discutir onovo problema nacional e as possíveis formas de combatê-lo. O próprio ministro da Educação e Saúde Pública,Gustavo Capanema, tinha aberto o Congresso, no qualseu escudeiro, João de Barros Barreto, diretor do Depar-tamento Nacional de Saúde Pública, apresentou o pro-jeto oficial de combate à doença. No ano seguinte, esseclima permaneceria vivo no Distrito Federal, principal-mente em virtude de dois acontecimentos, o primeirodeles foi mais uma visita do cirurgião alemão FranzKeysser à cidade. Como já observamos, Keysser tinha

• Idealizador, Fundador e 1º Diretordo Serviço Nacional de Câncer(1938 -1954)

• Membro Titular da AcademiaNacional de Medicina - ocupandoa cadeira nº 27

• Fundador e Ex-Presidente daAssociação Brasileira deAssistência aos Cancerosos

• Diretor-Executivo da FundaçãoNapoleão Laureano

• Fundador e Ex-Presidente daSociedade Brasileira deCancerologia

• Fundador e Ex-Diretor da RevistaBrasileira de Cancerologia

• Ex-Presidente do ConselhoAdministrativo do Hospital dosServidores do Estado

• Co-Fundador do ColégioBrasileiro de Cirurgiões

• Livre-Docente de ClínicaCirúrgica da Faculdade deMedicina da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro

• Comendador da Ordem do Mérito

desenvolvido potentes máquinas de eletrocirurgia e aper-feiçoado suas formas de utilização. Em 1931, ele haviaescrito o livro Die Elektrochirurgie, sobre a nova técnica, ecorria o mundo divulgando seus saberes e vendendo seusinstrumentos. Embora ele já tivesse vindo ao País outrasvezes, o clima pró- germânico vivenciado no período fezcom que sua visita – ocorrida em agosto de 1936 – fossetratada como um grande acontecimento; o médico foinotícia em diversos jornais e chegou a ser condecoradopelo próprio Getúlio Vargas com a Ordem do Cruzeiro(Kroeff, 1947).

A visita do alemão virava os holofotes da mídiatambém em direção a Kroeff, já apontado pela imprensacomo seu continuador. Na verdade, Keysser tinha emKroeff seu principal aliado na propaganda de sua apare-lhagem de eletrocirurgia. Assim suas declarações à im-prensa sempre colocavam em primeiro plano o colegabrasileiro, que, por seu turno, também elogiava o traba-lho do alemão num processo de valorização recíprocaque favorecia o alcance dos objetivos de ambos. Poucosmeses depois da visita de Keysser, Kroeff voltava a sermanchete na imprensa em virtude do lançamento de seulivro sobre a eletrocirurgia. Tratamento do Câncer pela

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MARIO KROEFF E A CRIAÇÃO DE UM ESPAÇO PARA O TRATAMENTO DO CÂNCER NO DISTRITO FEDERAL

Eletro-cirurgia era uma obra de divulgação baseada em suatese de livre-docência, que explanava diversos aspectosdesse tipo de cirurgia e sua importância nos tratamen-tos de câncer. Tal qual a visita do alemão, o livro de Kroefffez grande sucesso, sendo comentado em diversos jor-nais e merecendo grandes elogios da classe médica emseus periódicos.

O sucesso da elterocirurgia e o reconhecimento deKroeff chamaram a atenção do inspetor dos centros de saú-de do Distito Federal, José Paranhos Fontenelle, que re-solveu aproximar a profilaxia do câncer ao rol de ativi-

dades executadas nos postos de saúde. Da mesma formaque Barros Barreto, Fontenelle tinha se especializado naFaculdade de Saúde Pública da Universidade JohnsHopkins, se tornando apostolo do modelo americano desaúde pública. Sua formação o transformara num dosprincipais defensores do sistema distrital baseado empostos de saúde descentralizados e direcionados a umaação preventiva, educativa e multiprofissional. Comoinspetor destes centros no Distrito Federal, ele se empe-nhava em ampliar e tornar eficiente a ação destas uni-dades. Com esse objetivo, convidou Kroeff para elaborar

Primeira sede do Centro de Cancerologia, 1938

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

um plano para a instalação de um ambulatóriode cancerologia para funcionar como um anexoao posto de saúde de nº4, na rua Camerino, nocentro do Rio.

Kroeff, aproveitando a chance que se apre-sentava, formatou sua proposta como um li-belo em favor da luta contra o câncer no País,mostrando que a criação de um serviço anexoao posto de saúde só faria sentido se fosse rela-cionada à criação de um centro de cancerologiabem equipado, no qual os doentes, após o dia-gnóstico, pudessem ser tratados de forma ade-quada. Com astúcia e perspicácia, Kroeff apro-ximava sua proposta dos anseios dos líderesda saúde pública. Em lugar de postular somente

a ampliação da técnica cirúrgica que o nota-bilizara, agora ele apostava na criação de um

centro de cancerologia que também tivessecomo base a radioterapia e a propaganda contra ocâncer. Na verdade, era esse fator que mais aproxi-mava sua proposta à da liderança da saúde públicado período.

Sua estratégia surtiu algum efeito, pois emdezembro de 1936 já estava em construção umnovo pavilhão, no Hospital Estácio de Sá, parahospi-talização de cancerosos. Seguindo a di-retriz apontada por Barros Barreto, em 1935, o

centro deveria fazer uso dos diversos serviços dohospital e de outras instituições, se instituindo da formamais econômica possível, com serviços exclu-sivos somen-te no campo da radioterapia e cirurgia. Nesse mesmo mês,Kroeff enviaria uma carta ao ministro de educação e saú-de, na qual já previa a transformação do pavilhão emconstrução num centro de cancerologia dotado dos re-cursos necessários para profilaxia, diagnós-tico e trata-mento da doença. Sua missiva relatava a solicitação deFontenelle e trazia em anexo sua proposta para a açãoanticancerosa em comum com os postos de saúde. Destafeita, Kroeff alcançaria seu objetivo. Em janeiro de 1937,o Decreto-Lei nº 378, que reformulava o Ministério daEducação e Saúde Pública, criava um instituto de câncer

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MARIO KROEFF E A CRIAÇÃO DE UM ESPAÇO PARA O TRATAMENTO DO CÂNCER NO DISTRITO FEDERAL

no âmbito do Distrito Federal. Surgia o Centro deCancerologia, embrião formador do atual Instituto Na-cional de Câncer.

O pleito de Kroeff se frutificaria num solo adubadopelo processo de mudanças que vinha ocorrendo noâmbito da saúde pública. Os primeiros anos do governode Getúlio Vargas haviam sido de inoperância nesse cam-po. As dificuldades econômicas derivadas da crise mun-dial deflagrada com a queda da bolsa em 1929 e a insta-bilidade política relacionada a diversidade de interessesa serem acomodados no Governo fizeram que em todo operíodo do governo provisório pouco fosse feito em re-

lação à saúde pública. A partir de 1935, essa situação ha-via mudado com a retomada das campanhas que tinhamsido paralisadas e a implantação de novas ações. O augedesse processo se daria em janeiro de 1937, com a refor-ma do ministério, promovida pelo ministro GustavoCapanema. Com a reformulação, o Ministério da Edu-cação e Saúde Pública passou a chamar-se simplesmenteMinistério da Educação e Saúde (MES) e teve modifica-dos sua estrutura e funcionamento. Uma das marcas dessareforma foi a busca de maior controle central das ativi-dades de saúde. A outra novidade era a maior atençãoaos serviços hospitalares do Distrito Federal. Num con-

Edificação que abrigou o Centro de Cancerologia entre 1943 e 1946

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texto de valorização das camadas médias urbanas e dostrabalhadores do mercado formal, o Governo criava noDistrito Federal um serviço de assistência hospitalar con-gregando os hospitais Estácio de Sá, São Francisco deAssis e Pedro II. Foi justamente no âmbito desse serviçoque a lei previa a criação de um centro de cancerologiadestinado à profilaxia e ao tratamento do câncer anexoao Hospital Estácio de Sá, no Distrito Federal.

A criação do Centro de Cancerologia não se enqua-draria nas diretrizes do projeto da saúde pública em re-lação à doença, esboçado por Barros Barreto, diretor doDNSP, no I Congresso Brasileiro de Câncer em 1935.Naquele momento, Barreto previa a criação de um insti-tuto do câncer pela articulação de vários serviços exis-tentes em diversas instituições do Distrito Federal. Noentanto, o empenho de Kroeff junto aos membros dogoverno, sua estratégia de mostrar a importância de cria-ção de um centro anticanceroso como suporte à açãoprofilática contra a doença a ser efetuada nos postos desaúde e a necessidade de leitos para os acometidos modi-ficaram a proposta inicial da saúde pública.

Após a publicação da lei criando o Centro deCancerologia, o pavilhão em construção no HospitalEstácio de Sá recebeu novos recursos que permitiram otérmino das obras em maio de 1937. Seu serviço técnicocontaria com 40 leitos, um ambulatório, salas de cirur-gia, de curativos e esterilização, aparelhagem de radio-diagnóstico de radioterapia, se caracterizando como umpequeno centro de tratamento (Kroeff, 1947). Em dezem-bro de 1937, em meio às tensões sociais e políticas quecercaram a instauração da ditadura do Estado Novo porGetúlio Vargas, a Portaria nº 158, do Ministério da Edu-cação e Saúde, designou Kroeff para a diretoria do Cen-tro de Cancerologia. O Centro foi inaugurado em 14 demaio de 1938, pelo presidente Getúlio Vargas, com apresença de Gustavo Capanema, ministro da Educaçãoe Saúde, e de Barros Barreto, diretor de seu Departamentode Saúde.

O discurso de Kroeff na solenidade de inauguraçãoinformava o perfil que ele daria à instituição. Ele come-çava afirmando que o Centro não era um depósito de

incuráveis, mas sim um espaço de cura em consonânciacom os avanços médicos no conhecimento sobre o cân-cer. Nesse sentido, os trabalhos a serem desenvolvidosna nova instituição teriam como lema a idéia de que ocâncer é curável, desde que tratado precocemente. No seujargão de antigo combatente, agora apropriado ao Esta-do ditatorial recém-instaurado, informava que as armasa serem usadas contra a doença seriam a eletrocirurgia, aradiologia e a radioterapia, permanecendo essa últimano aguardo da aquisição de maiores quantidades de rá-dio para o tratamento simultâneo de um maior númerode doentes. Também citava seus principais colaborado-res na nova empreitada, entre eles destacava-se o cirur-gião Alberto Coutinho, professor da Faculdade de Medi-cina e antigo colega de Kroeff na enfermaria de BrandãoFilho na Santa Casa da Misericórdia. A parte mais inte-ressante de sua peça de oratória mostrava que a unidadeinaugurada estava muito aquém dos objetivos de seu cria-dor, mas era o primeiro passo no sentido de criação deuma estrutura hospitalar contra a doença. De forma pro-fética, Kroeff afirmava:

“Somos acanhados em face da grandeza da missão a cum-prir. Mas, este pequeno hospital, pequenino mesmo, cres-cerá por certo pelos benefícios que há de prestar. É a pri-meira pedra lançada, na construção do grande edifício;será o núcleo em torno do qual virão se juntar novasampliações. Os trabalhadores desta casa serão, por certo,substituídos por outros de amanhã, dotados talvez demaiores aptidões.

Compreendemos bem que uma organização dessa natu-reza, só pelo nome que traz, assume graves compromis-sos, até fora da nossa vida interna. Pesa-lhe a responsabi-lidade patriótica de manter acesa e profícua a colabora-ção internacional e corresponder no intercâmbio cientí-fico às suas congêneres estrangeiras” (Kroeff, 1947:68).

Após a inauguração, o Instituto não começou logoa funcionar, mas, mesmo antes de entrar em atividade,Kroeff saiu a campo para formatar sua proposta de atua-ção e obter recursos suplementares para colocá-la emprática. Uma de suas primeiras iniciativas foi reunir aimprensa da capital federal para divulgar o trabalho aser desenvolvido no centro e pedir a colaboração para

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Mario Kroeffe equipe deenfermagemdo Centro deCancerologia

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

uma campanha de propaganda contra a doença. Tirandoproveito do interesse da imprensa pela fundação do Cen-tro, ele pretendia usar o poder de fogo dos jornalistasem favor da propaganda pelo diagnóstico precoce. Umaoutra importante iniciativa foi dirigir-se ao grupo demédicos que liderava a fundação que pretendeu criar umhospital contra o câncer no Rio de Janeiro para home-nagear a memória de Oswaldo Cruz, e lhes solicitar osterrenos que a fundação tinha obtido para a construçãodo hospital. Os recursos provenientes da alienação des-ses terrenos seriam usados por Kroeff numa viagem deestudos aos Estados Unidos e na compra de rádio paraCentro de Cancerologia.

Reuni os jornalistas, numa entrevista coletiva, pra pedir acolaboração da imprensa na campanha contra o câncer,ora iniciada pelo governo, com a criação do Instituto decancerologia, no Serviço de Assistência Hospitalar do Dis-trito Federal. O papel da imprensa pode ser nesse sentidode capital importância (...)

Como o grande público nada sabe a respeito da doença,cumpre-nos a tarefa de difundir largamente certas noçõespráticas de cancerologia, por meio de conselhos e peque-nas notícias publicadas em jornais, em cartazes sugesti-vos, pregados pelos muros, em folhetos, distribuídos agranel, em conferências populares, em palestras pelo rá-dio, etc., etc., para assim, atrair os doentes a exame e tra-tamento.(...)

A profilaxia do câncer fica sendo assim, em última análiseuma questão de propaganda. A imprensa poderá desempe-nhar relevante serviço educacional e sanitário, se quisercolaborar conosco, com o Centro de Cancerologia, ondese encontram agora reunidos, os meios clássicos de trata-mento, para a grande massa popular. (Kroeff, 1947: 285).

O Centro de Cancerologia do Hospital Estácio deSá começaria a funcionar efetivamente no segundo se-mestre de 1938, após a obtenção de um crédito especialdo ministério para atender às suas necessidades maisprementes e à contratação de pessoal técnico. Logo seusleitos foram ocupados, foi dado início às cirurgias eimplementadas atividades de capacitação dos profissio-nais. Ainda em 1938, Kroeff traria ao Centro de Cance-rologia o médico alemão Wisswange, especialista emradioterapia, que estava na Argentina proferindo pales-

tras sobre sua especialidade. Sua vinda fazia parte de umprojeto de Kroeff de estreitar os laços com a comunidadecientífica alemã que na época vinha se notabilizandono desenvolvimento de técnicas de tratamento da doen-ça. No Centro de Cancerologia, Wisswange ministrouum curso sobre radioterapia aberto a todos os profissio-nais interessados no assunto. O novo espaço institu-cional também funcionaria como vitrine da atuaçãoanticancerosa e como ponta de lança para a colocaçãoem marcha de outras iniciativas voltadas para o combateà doença. Um bom exemplo disso foi a criação da Asso-ciação Brasileira de Assistência aos Cancerosos e seu hos-pital para cuidados paliativos no subúrbio carioca daPenha Circular, posta em marcha por Kroeff e seus cola-boradores a partir de uma visita da primeira-dama DarcyVargas ao Centro de Cancerologia (Kroeff, 1947).

Figura central na criação do Centro de Cancero-logia e, de forma mais ampla, em todo o processo dedesenvolvimento de uma política de controle do câncerno País entre o final dos anos 1920 e a década de 1950,Mario Kroeff foi bastante perspicaz para compreender asmudanças que vinham ocorrendo em relação à preven-ção e ao tratamento do câncer no período, e para refor-mular suas concepções iniciais sobre o tema. Se, no iní-cio de sua carreira de cancerologista, suas propostas parao controle do câncer no País apregoavam quase que ex-clusivamente a maior utilização da eletrocirurgia, como passar dos anos elas passaram a ter como base a cria-ção de uma rede de instituições que tratassem os doen-tes com o conjunto de tecnologias que a medicina ofere-cia, implementassem campanhas publicitárias em rela-ção à necessidade de diagnóstico precoce e que tambémpudessem oferecer cuidados paliativos para os desprovi-dos de recursos. Com esse propósito, ele moveu uma lutaparticular para ampliar as iniciativas de controle da do-ença, tanto no âmbito da instituição que dirigia comofora dela. No entanto, nem sempre suas iniciativas fruti-ficaram rapidamente, muitas vezes injunções diversasfizeram com elas tivessem de ser adiadas ou reformuladas.Assim seria com o próprio Centro de Cancerologia.

Pouco tempo depois de iniciadas as atividades do

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Centro de Cancerologia, ele sairia da órbita do Ministé-rio da Educação e Saúde. Em 11 de janeiro de 1939, umcontrato efetivava a transferência dos hospitais que com-punham a Diretoria de Assistência Hospitalar do Distri-to Federal para os serviços de saúde da prefeitura do Dis-trito Federal. Embora essa mudança se inscrevesse noâmbito mais geral de acertos políticos entre o executivofederal e a prefeitura do Distrito Federal, e objetivasseprincipalmente descentralizar a ação do poder públiconessa área, a medida atingia diretamente o Centro deCancerologia. Ele havia sido pensado por seu diretor comoum projeto de âmbito nacional, ponta de lança para umcontrole mais efetivo da doença no País, e repentina-mente transformava-se numa instituição oficialmentevoltada para a o atendimento dos acometidos por cân-cer na capital da República. Esse contratempo, no en-

tanto, não poria abaixo a formulação inicialmente pen-sada; em pouco tempo o projeto nacional se tornariauma realidade com a criação do Serviço Nacional deCâncer.

A Associação Brasileira deAssistência aos Cancerosos

No discurso de inauguração do Centro de Cance-rologia do Distrito Federal, em 1938, Mario Kroeff jáassinalava a importância de criação de um novo estabe-lecimento voltado para os doentes incuráveis:

“Um asilo destinado a atenuar as penas dos desengana-dos, proporcionando-lhes uma morte suavizada com as-sistência afetiva na dor física e moral, há de surgir natu-ralmente à margem desse centro, talvez pela iniciativa pri-vada, que entre nós sempre encontra quem se compadeça

Assembléia de fundação da Associação Brasileira de Assistência aos Cancerosos, sob a presidência de Darcy Vargas (ao centro) 27-06-1939

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dos náufragos da sorte. (...) Por menos de meia dúzia decontos mensais, quem quisesse ter um gesto de caridadeevangélica proporcionaria hospitalização para 30 dessesdesenganados pela ciência, que não requerem mais do queassistência afetiva e alívio para o sofrimento” (Kroeff,1947:73).

Sua preocupação com os incuráveis vinha de longadata, pois, segundo ele, doía no coração ter que rejeitarpacientes por estarem em estágio tão avançado que nãopermitia um tratamento médico eficaz. Menos de um anodepois de criado o Centro de Cancerologia, Kroeff sairiaem campo para tornar seu objetivo realidade. Para tantodeu a maior publicidade possível a sua causa, passando amencioná-la em todas as entrevistas que dava aos jor-nais. Aproveitando-se de uma visita da primeira-dama,Sra. Darcy Vargas, ao Instituto, convenceu-a a prestar

apoio à sua iniciativa. Logo estava na Sociedade Sul-Riograndense, cercado de senhoras dispostas a auxiliá-lo em sua empreitada, sendo que a Sra. Vargas, no seupapel de patronesse mor da República, tornou-se presi-dente de honra da associação criada para angariar fun-dos para a nova instituição.

Organizada como as outras instituições filantró-picas do período, a Associação Brasileira de Assistênciaaos Cancerosos era composta por vários sócios, que, men-salmente, contribuíam financeiramente para a consecu-ção do objetivo da associação. Sua especificidade era acolaboração com o Centro de Cancerologia, previstacomo sua principal atividade em seus estatutos. Com aajuda de Darcy Vargas e, principalmente, de Antonio deAlmeida Gonzaga, a associação conseguiu adquirir umantigo prédio no subúrbio da Penha Circular que foi adap-

Edificação primitiva do asilo de incuráveis da Penha

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Construção do Hospital dos Cancerosos, anexo ao Asilo da Penha, 1954.

tado para receber os doentes incuráveis desprovidos derecursos. As palavras de nosso empreendedor mostramcomo foi finalizada a aquisição do imóvel que viria a sero asilo e posteriormente abrigar o novo hospital.

“O acaso aproximou-me do primeiro benfeitor, AntonioAlmeida Gonzaga Jr. Pedi-lhe uma casa apropriada paraos cancerosos que não tinham teto onde morrer. Ofere-ceu-me prontamente um prédio na Rua André Cavalcante.Julgando-o inadequado às finalidades previstas, propusvende-lo ao próprio doador. A resposta foi curiosa: –‘Quanto você quer por minha casa?’ – ‘Cem contos’, res-pondi. – ‘Está fechado o negócio, não precisa de escritura,porque a propriedade se acha em meu nome’. E deu-meum cheque sem pechinchar. Com esse dinheiro, a Asso-ciação comprou, em agosto de 1943 um velho casarão iso-lado, no centro de vasto terreno, à Rua Magé 326, naPenha Circular. Ali, em 2 de fevereiro de 1944 foram inter-

nados os primeiros asilados” (Kroeff, 1971:274).

Inaugurado o asilo, a direção técnica foi confiadaa Kroeff, que passou a acumular essa função com a dediretor do Serviço Nacional de Câncer (SNC). Era umainstituição privada e filantrópica, destinada a auxiliar osistema de saúde, recebendo doentes incuráveis e, assim,desafogando os hospitais gerais. Inicialmente o asilo ocu-pou uma antiga construção já existente, que foi refor-mada para abrigar 15 leitos. Acabadas as festividades, oincansável Kroeff se voltou para uma nova empreitada.Agora objetivava obter rapidamente financiamento daprefeitura do Distrito Federal, da Legião Brasileira deAssistência e do próprio SNC para a manutenção do asi-lo, que até então, era feita somente com os donativosprivados. A partir de 1945, seus objetivos começam a

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serem encaminhados, mas ainda por meio da iniciativafilantrópica. Com a ajuda financeira do comendador JoséMartinelli, Kroeff consegue erguer dois pavilhões ao ladodo prédio principal e um necrotério. No ano seguinte,com a morte do industrial, a fundação herda novos re-cursos, que lhe permitem ir aos poucos ampliando o nú-mero de internações.

Tanto Kroeff, como Alberto Coutinho, que o substi-tuiria na direção do asilo a partir de 1949, achavam que ainstituição deveria se complementar com um hospitalpara cancerosos erguido na mesma propriedade. Assim,com as rendas da associação e auxílios governamentaisdo SNC, começou-se, ainda em 1949 a construção do novohospital. Em 1952, a associação moveria uma grande cam-panha para a sua finalização, que contou com o apoio daimprensa, de diversas instituições filantrópicas, de repre-sentantes de nossa elite econômica e, também, da popu-lação. A soma dos recursos auferidos permitiu que doisanos depois fosse inaugurado o novo hospital, agora vol-tado para o tratamento mais geral da doença.

Em 1954, o hospital passou a denominar-se Hos-pital Mario Kroeff. Em tom de brincadeira, Kroeff atri-buiu a homenagem ao fato de ele ter precisado fazer umarepentina viagem aos Estados para tratar de um graveproblema de saúde. Na sua ausência, os dirigentes da Asso-ciação, querendo homenageá-lo e vislumbrando seu pos-sível desenlace, resolveram rebatizar o hospital com seunome (Kroeff, 1971). A partir da década de 1970, o Hos-pital Mario Kroeff passou a ter parte de suas rendas pro-venientes das internações pagas pela previdência social.Hoje ele se volta para diversos campos das atividadesmédicas, mas se mantém fiel a sua especialidade de cen-tro de referência no tratamento do câncer. Ainda man-tido pela Associação Brasileira de Assistência aos Cance-rosos (ABAC), atende diariamente entre 150 e 200 pes-soas, provenientes em sua maior parte das regiões maiscarentes da cidade e de cidades próximas ao Rio de Ja-neiro. A grande maioria de seus leitos está voltada a aten-dimento ao SUS, que garante grande parte dos seus re-cursos, ainda complementados pela iniciativa filantró-pica (http://www.mariokroeff.org.br).

Mario Kroeff mostrando o aparelho de eletrocirurgia à primeira dama,Sra. Darcy Vargas Mario Kroeff em visita ao Hospital dos Cancerosos da Penha

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MARIO KROEFF E A CRIAÇÃO DE UM ESPAÇO PARA O TRATAMENTO DO CÂNCER NO DISTRITO FEDERAL

”Ao despedir-se, o Presidente acaricia meus filhos; Marina e Mariozinho”.No fundo, João Pinheiro Filho (Mario Kroeff, sd)Natal no Asilo da Penha, 1953

Visita ao Hospital dos Cancerosos da Penha, 1943

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

CAPÍTULO 5

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O SERVIÇO NACIONAL DE CÂNCER

Os primeiros passos do ServiçoNacional de Câncer

Em novembro de 1937, pouco antes da criação doInstituto de Cancerologia, a pretexto de um pretensogolpe planejado por comunistas, o então presidente Ge-túlio Vargas fechou o Congresso Nacional e iniciou umperíodo ditatorial que ficou conhecido como Estado Novo.O País começaria a viver um momento autoritário emque as aspirações republicanas de caráter liberal e fede-rativo foram abafadas pelo ideal de um poder centralforte, no qual o Governo, amparado por interventoresestaduais, colocava em prática uma política centraliza-da com pinceladas fascistas. Seguindo essa diretriz, foiconcebido um perfil centralizado para a saúde pública,que tomava por base a intensificação do poder normativodo ministério em relação às ações estaduais (Lima, Fon-seca e Hochman, 2005).

A centralização da política de saúde era o pré-requi-sito para pôr em prática de um segundo objetivo: a am-pliação de seu raio de ação. Agora, elas deveriam ultra-passar os limites das grandes cidades e favorecer a maiorintegração das diversas regiões do País. A implantaçãodesse novo modelo era justificada pela demanda de agên-cias internacionais – como a Organização Pan-America-na de Saúde (OPAS) – que começavam a ampliar suas ati-vidades na América Latina e pregavam a maior norma-

O Serviço Nacional de Câncer e ainstitucionalização da política de

controle do câncer no Brasil(1940-1960)

tividade das ações de saúde como garantia de sua maioreficiência (Lima, Fonseca e Hochman, 2005).

Nesse contexto, a demanda pela ampliação das ini-ciativas de combate ao câncer para o âmbito nacionalpostulada por dirigentes da saúde pública, desde mea-dos dos anos 1930, tomaria um novo rumo. Ainda em1939, Kroeff reforçava essa idéia, ao sugerir a transfor-mação do Centro de Cancerologia que criara na capitalfederal numa instituição nacional.

“Figurando a profilaxia e o tratamento do câncer entreas capitais questões sanitárias do País, como o impaludis-mo, a lepra, a febre amarela, é imprescindível que esteja àsua frente um organismo centralizador do Governo fede-ral, destinado a estabelecer normas gerais de natureza te-órica e prática, para orientar a campanha contra o cân-cer, promover a educação popular, formar técnicos, reali-zar cursos e extensão universitária, purgar pela obtençãodos custosos aparelhos fisioterápicos, raios x, rádio etc.,que, ao lado da cirurgia, constituem o recurso necessárioà luta anticancerosa” (Kroeff, 1947:115).

Apesar do empenho de Kroeff e de seus seguidorespara a implantação de um serviço de atuação nacionalcontra o câncer, o Governo por muito tempo relutou emcriá-lo. Para o Ministério da Educação e Saúde, o proble-ma do câncer podia ser tratado em três esferas diferen-ciadas, e nenhuma delas demandava a criação de umainstituição nos moldes de um centro de cancerologia de

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abrangência nacional. No entender do ministro Capa-nema, se o problema do câncer estava relacionado à pes-quisa científica, deveria ser sanado com a criação de umaseção no Instituto Oswaldo Cruz, voltada priorita-riamente para pesquisas nessa área. Se estivesse afeito àformação de pessoal técnico, o ideal seria a criação decursos de cancerologia na Faculdade de Medicina do Riode Janeiro. Se a questão tivesse como principal aspecto aassistência, a orientação do Governo era deixar esse se-tor nas mãos dos governos estaduais e das instituiçõesfilantrópicas.

No entanto, a resistência do governo na criação deum instituto para o câncer seria ultrapassada pelo pro-cesso de transformações das políticas do setor saúde,possibilitando uma solução de consenso que recolo-cariam a doença no âmbito federal. Em 1941, uma novareforma da saúde, de cunho ainda mais centralizador,reorganizava o Departamento Nacional de Saúde instau-rando 13 serviços nacionais, todos relacionados ao con-trole de doenças específicas que na época se mostravamprioritárias (Decreto lei no 3.643, de 23 de setembro).Todos os Serviços Nacionais, então instituídos, tinhamsua equipe exclusiva nos estados, normas e orientaçõesespecíficas, e disputavam entre si os recursos financeirosque, dependendo da conjuntura sanitária, eram mais oumenos concentrados nas ações de erradicação ou con-trole de uma determinada doença. Os serviços deveriamatuar em conjunto com as delegacias federais e com osórgãos locais, mas, em verdade, cada um deles era umainstância de poder burocrático em disputa permanentecom os demais (Fonseca, 2007). Entre esses serviços, esta-va o Serviço Nacional de Câncer. A criação de um serviçonacional voltado para o controle da doença, embora ge-rasse um perfil institucional diferenciado do previsto porKroeff, à medida que buscava ações locais – governamen-tais e filantrópicas –, em detrimento da maior valoriza-ção de um instituto central para a realização de açõescontra a doença, acabaria por lhe permitir pôr em práticaseu projeto de ampliação das ações contra a doença.

O Serviço Nacional de Câncer incorporava defini-tivamente o câncer na pauta das ações de saúde pública.

Com poderes normativos e supletivos em todo o territó-rio nacional, o Serviço era mais uma das ações da políticacentralizadora do Estado Novo. Muito mais do que aidéia de um centro de pesquisas clínicas e assistência aosdoentes, o Ministério lhe atribuiu um perfil de ponta delança de uma campanha permanente contra o câncer,voltada prioritariamente para os estudos epidemioló-gicos, para a prevenção, baseada na propaganda dirigidaao diagnóstico precoce e para o auxílio federal a inicia-tivas locais de criação de unidades de tratamento de doen-tes (Capanema, 1941).

O Decreto que criou o Serviço Nacional de Câncerem seu artigo 2o dispunha que ele teria como objetivoorientar e controlar em todo o País a campanha contrao câncer, tendo suas ações centradas em cinco pontos prin-cipais: a investigação sobre a etiologia, a epidemiologia,a profilaxia, o diagnóstico e a terapêutica da doença; aexecução de ações preventivas de natureza individual ecoletiva; a propaganda das práticas dos exames periódi-cos de saúde para obtenção do diagnóstico precoce; o tra-tamento e vigilância dos recuperados; e o internamentodos cancerosos necessitados de amparo (Brasil, 1941).Essas medidas não ficariam a cargo da ação direta doServiço; a ele cabia somente coordenar as ações das re-partições estaduais, municipais e privadas que atuassem nosetor, além de patrocinar a criação de novas instituiçõesvoltadas para o câncer. Para efetivar essas ações, a novalegislação estabelecia a criação de um centro de can-cerologia no Distrito Federal e também objetivava a coo-peração com a Faculdade de Medicina na formação deprofissionais para a área, por meio de cursos de especia-lização em cancerologia. O Decreto ainda fazia mençãoà criação de uma revista de cancerologia a ser publicadapelo novo serviço.

Na semana seguinte à criação do Serviço Nacionalde Câncer, Mario Kroeff foi nomeado seu diretor. Parachefes de serviço foram convidados os médicos SérgioLima de Barros Azevedo e Alberto Lima de Moraes Cou-tinho. O novo serviço foi organizando no Centro deCancerologia que Kroeff dirigia no Hospital da Estáciode Sá, e contava com 11 médicos assistentes: Luis Carlos

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Estrutura do Serviço Nacional de Câncer, 1944

Fonte: Kroeff, 1947

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de Oliveira Junior, Jorge Marsilac Motta, Egberto PenidoBurnier, Osolano Machado, João Brancroft Vianna, Eva-risto Netto Jr., Turíbio Braz, Francisco Fialho, Moacir dosSantos Silva, Antonio Pinto Vieira, Amador Correia Cam-pos. Muitos desses pioneiros cumpririam uma longa car-reira no campo da cancerologia, vindo a se transformarnos principais atores do processo de institucionalizaçãodessa área, tanto no que concerne ao seu lado acadêmico,como em relação às políticas de saúde.

Embora instituído com pompa e circunstância, oServiço Nacional de Câncer (SNC) não teve como iniciarrapidamente o grande conjunto de atividades que seudiretor apregoava como centrais. Em seu primeiro ano deatuação, limitou-se à elaboração de um inquérito epide-miológico sobre a doença nas principais capitais do Paíse dar continuidade às atividades que já vinham sendorealizadas no Centro de Cancerologia. Apesar da abran-gência da legislação que agora sustentava o controle do

“Membros do Corpo Clínico, técnico, de Enfermagem e Administrativo do SNC em 1953” (Mario Kroeff)

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O SERVIÇO NACIONAL DE CÂNCER

câncer, o poder central não atribuiu recursos para umareal expansão das atividades no setor. Na verdade, o Ins-tituto de Câncer, único órgão em funcionamento nessaengrenagem, sofria grande dificuldades pela falta de re-cursos e instalações adequadas para desenvolver seus tra-balhos.

Em 11 de junho de 1942, Kroeff viajou para os Es-tados Unidos com o objetivo de estudar a organizaçãocontra o câncer daquele país e adquirir rádio para final-

mente dar início às atividades de radiologia no SNC.Neste período, seu assistente Sérgio Barros Azevedo, osubstituiu na direção do SNC. A viagem de Kroeff deixa-ria um vazio em relação à política de câncer, diminuindoa capacidade de seus seguidores em pôr em prática suasdemandas frente ao Estado. Dois aspectos ressaltam essafragilidade: a perda da sede da instituição e a disputa comSão Paulo pela elaboração de um projeto nacional decontrole do câncer.

Ainda em 1942, o chefe de polícia do Distrito Fe-deral solicitou ao gabinete de Getúlio Vargas um novohospital para sua corporação. Com seu poder fortalecidoem virtude do estado policialesco instaurado pela dita-dura, ele não teve dificuldades em conseguir seu pleito.Logo, lhe foram oferecidos os hospitais Pedro Ernesto,em Vila Isabel, e o Hospital Estácio de Sá, que ele achoumais adequado às suas necessidades. A doação do hospi-tal à polícia militar implicava a retirada do SNC do Hos-pital Estácio de Sá. Para tentar dar uma solução parcialao problema, o Ministério da Educação e Saúde arren-dou um sobrado no centro do Rio para instalação provi-sória do SNC. O problema é que o velho casarão não eracompatível com os serviços a serem instalados e, alémdo mais, estava caindo aos pedaços. Feita a mudança,muitos aparelhos deixaram de ser utilizados por não te-rem como ser instalados e o número de leitos teve de serreduzido. Para complicar ainda mais a situação, as chu-vas do verão de 1943 fizeram desabar uma parte da va-randa do casarão, dificultando ainda mais os serviçosali realizados. O SNC ficaria por alguns anos nesse estadode penúria, sem ter como ampliar sua funções, de acordocom sua nova missão institucional.

O outro aspecto que mostra a fragilidade do SNCem seus primeiros anos diz respeito ao processo de cria-ção da política nacional de controle do câncer. Criado oServiço, era necessário um plano para sua atuação, noentanto, ele não foi prontamente demandado ao SNC.Num gesto inesperado – talvez relacionado à tentativade agradar os paulistas após a demissão do interventorAdhemar de Barros por suspeita de corrupção –, GetúlioVargas solicitou a Antonio Prudente, fundador da Asso-

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ciação Paulista de Combate ao Câncer, a elaboração deum projeto de ação contra a doença em nível nacional.Prudente rapidamente elaborou documento nesse senti-do, tomando por base suas propostas, que vinham sendopublicadas em jornais e periódicos científicos desde 1934.O projeto intitulado de Rede Nacional Contra o Câncerprevia a criação de 2.352 leitos inteiramente voltadospara doentes de câncer, aproveitando a capacidade ins-talada de diversas instituições do território nacional, osquais ficariam sob a coordenação das faculdades de me-dicina dos diversos estados. Além disso, previa a criaçãode um instituto nacional de câncer e de outros centrosanticancer nas principais cidades, também ligados àsfaculdades de medicina. Todo esse aparato teria autono-mia administrativa, mas estaria sob controle e fiscali-zação do SNC.

De pronto, a aparição do projeto de Antonio Pru-dente criaria um grande mal-estar entre a direção do SNCe o Ministério da Educação e Saúde. Sérgio Azevedo, quesubstituía Kroeff na direção do Serviço, se apressou emmostrar ao ministro Capanema que grande parte daspropostas de Antonio Prudente já estava nos planos delee de Kroeff. Em pouco ele também elaboraria um projetode organização para o SNC. Sua proposta, apresentadaao diretor do Departamento Nacional de Saúde ,em 5 dejaneiro de 1943, tinha como foco a utilização imediatadas instituições de combate ao câncer já existentes emSão Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e, tam-bém, as que estavam em vias de serem inauguradas emPernambuco e no Ceará. Elas conformariam as bases deuma campanha de controle da doença que, com o tem-po, iria se expandindo. Em São Paulo, Sérgio Azevedoapontava a Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho e oHospital Humberto Primo como instituições aptas aparticipar dessa rede. Elas deveriam ser complementadascom um instituto de câncer a ser criado com o concursode verbas estaduais e federais. No Rio Grande do Sul, aação seria liderada pela Associação Médica de Combateao Câncer e complementada por postos anexos a hospi-tais e Santas Casas, a serem criados no interior do Estado.Em Minas, o Instituto do Rádium faria esse papel aglu-

tinador. Na Bahia, a Liga Baiana de Combate ao Câncerestava em vias de criar um centro anticanceroso que de-veria fazer parte da campanha. Também nesse estado oServiço de Radiologia do Hospital Sanatório Espanholseria utilizado. No Ceará e em Pernambuco, seriam uti-lizadas instituições hospitalares privadas que se dedica-vam ao tratamento da doença.

No que tange à ação a ser desenvolvida, a propostade Sérgio Azevedo se dividia em três partes, a primeiradedicada à profilaxia; a segunda, ao tratamento; e a úl-tima, a estudos e pesquisas. Em relação à profilaxia, se-guiam-se os preceitos médicos da época, postulando umaintensa propaganda de esclarecimento sobre a doença.Propunha, também, a capacitação de outros profissio-nais da saúde para que pudessem auxiliar os médicos noreconhecimento precoce do câncer e a capacitação dosmédicos não especializados. Todas essas ações teriamcomo pano de fundo a criação de cursos de aperfeiçoa-mento e a concessão de bolsas para médicos que se inte-ressassem em estudar a doença em centros estrangeiros.No que concerne às pesquisas e aos estudos epide-miológicos, previa-se a ação dos institutos, que, além deproduzirem trabalhos científicos em seus laboratórios,deveriam se dedicar ao ensino da cancerologia. Por fim,os cuidados paliativos aos desprovidos de recursos deve-riam ser efetuados quando possível nos próprios domi-cílios ou em asilos onde os doentes pudessem ter amparomédico e religioso.

As duas propostas de organização de uma rede decontrole do câncer no País eram frutos do desejo da classemédica de implantar uma estrutura adequada de vigi-lância, prevenção e tratamento aos acometidos. No en-tanto, o Ministério da Educação e Saúde, naquele mo-mento tinha suas atenções voltadas para outros serviçosnacionais dedicados a doenças de maior incidência,como a febre amarela e a malária, e supunha que o com-bate ao câncer estava relacionado exclusivamente à pro-paganda e à ação dos estados na hospitalização dos do-entes. Por isso, não moveu muitos esforços para viabilizarmuitos dos pontos das novas propostas. A criação de umgrande número de centros anticancerosos em diversas

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Sala de radioterapia comum aos hospitais da época

localidades e de institutos mais aparelhados nos gran-des centros não foi à frente. De forma semelhante, as pou-cas verbas do Serviço impediram a rápida ampliação dasatividades do instituto sede do SNC no Distrito Federal.

O movimento que marcou esse início de atuaçãodo SNC foi a progressiva vinculação de instituições vol-tadas para a doença existente nos principais estados dafederação ao novo serviço, num processo que conformoua então denominada Campanha Nacional contra o Cân-cer. Em novembro de 1942, a Sociedade de Combate o

Câncer do Rio Grande do Sul se vinculou à Campanha,no ano seguinte foi a vez da Associação Paulista de Com-bate ao Câncer, em 1944, a Liga Baiana de Combate aoCâncer e o Instituto do Radium de Belo Horizonte tam-bém seguiram o mesmo caminho. A incorporação des-sas instituições à Campanha Nacional contra o Câncerseria um passo importante na ação nacional integradacontra a doença. A seu modo, cada uma delas desempe-nhava ações contra a doença: o Instituto de Belo Hori-zonte, além do tratamento cirúrgico, fazia tratamentos

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radioterápicos e mantinha leitos para os pacientes, já asligas gaúcha, paulista e baiana se voltavam priorita-riamente para a propaganda de prevenção e buscavamfundos para a construção futura de centros ou hospitaisde cuidados paliativos. Vinculadas à Campanha contrao Câncer, elas teriam acesso a recursos federais o que lhespossibilitavam a ampliação de seu raio de ação.

Em 1944, o SNC teve seu funcionamento regula-mentado por um regimento que detalhava sua estrutura,objetivos e formas de atuação (Decreto no15971 de 14/07/1944). Ele previa que o Serviço seria composto de três

Fonte: Bodstein, 1987:59

Estrutura do Departamento Nacional de Saúde em 1941

seções, uma administrativa e duas outras voltadas paraas atividades fins: o Instituto de Câncer e a Seção de Orga-nização e Controle. O primeiro nada mais era que o Cen-tro criado por Kroeff no Hospital Estácio de Sá, que,embora seguisse efetuando importante ação de diagnós-tico e tratamento, atendendo a mais de mil pessoas acada ano, vivia uma verdadeira via-crucis na busca deuma sede definitiva na qual pudesse efetuar seus traba-lhos em instalações adequadas. A Seção de Organizaçãoe Controle deveria estabelecer e ser responsável pelo plano– ou campanha – de controle da doença em todo o País.

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Seguindo o espírito normatizador da política de saúdeentão vigente, deveria orientar, padronizar e uniformi-zar as atividades das instituições públicas e privadas emnível nacional. Também prestaria consultoria ao Minis-tério em relação à subvenção federal a instituições pri-vadas. Esta se faria através de convênios tripartidos, en-volvendo recursos do Ministério através do SNC, doestado no qual estava organizada e das próprias insti-tuições. Além dessas atividades, a Seção de Organizaçãoe Controle era responsável pela execução das medidaspreventivas necessárias em relação à doença. Ou seja,cabia a ela a elaboração e a execução da política nacio-nal contra ao câncer.

Apesar da amplitude das incumbências atribuídasao SNC, durante todo o Estado Novo sua ação foi bas-tante tímida, tendo como principais atividades os trata-mentos clínicos e as primeiras ações de educação sanitá-ria desenvolvidas pelo Instituto de Câncer. Os relatóriosdo Serviço mostram que até 1945 havia sido iniciadoum inquérito epidemiológico e começavam a ser postasem marcha algumas iniciativas de educação sanitáriacentradas na distribuição de panfletos educativos sobrea doença e em palestras radiofônicas. No campo da for-mação de pessoal técnico, o Instituto de Câncer tinhadado início a um curso de capacitação voltado para osmédicos. Visando ampliar a clientela e alcançar os mé-dicos das diferentes regiões do país, esse curso ofereciabolsas para os médicos de outras regiões interessados notema. Fora as atividades atinentes ao Instituto de Cân-cer, postas em marcha inicialmente por Kroeff e, em se-guida, por Alberto Coutinho, que em 1944 passou a di-rigi-lo, muito restava a ser feito no que concernia à exe-cução de uma política consistente contra a doença.

Consolidando um projeto

O ano de 1945 marca a derrocada da ditadura deGetúlio Vargas e o início do processo de democratizaçãodo País. No campo da saúde pública, essa mudança nãoimplicou de pronto grandes alterações organizacionais,pois a estrutura criada no Estado Novo, com a reforma

Capanema, permaneceria quase inalterada até a criaçãodo Ministério da Saúde em 1953. Em relação ao câncerobservamos o mesmo processo, no entanto, o período mar-ca a consolidação da forma de atuação do Estado em re-lação à doença, em que o papel governamental se cen-trava na normatização, no auxílio técnico e financeiroe na fiscalização da iniciativa privada filantrópica ouestadual conjugada a uma atuação direta centrada noDistrito Federal. Em relação ao SNC, o período tambémmarca o início da institucionalização de suas duas ver-tentes, representadas pela Seção de Controle e pelo Ins-tituto de Câncer. A primeira, aos poucos, foi ampliandosua capacidade propositiva no campo das políticas desaúde, já o Instituto de Câncer, instalado em nova sede,começou a pôr em marcha um processo de ampliação emodernização de suas atividades que o transformaria nomais importante centro de tratamento e pesquisa sobreo câncer na América Latina.

Todo esse processo, em alguma medida, se relacio-nou à capacidade dos cancerologistas de garantir o mo-nopólio em relação às propostas de políticas públicaspara combate à doença e de mostrar ao Estado a impor-tância de sua atuação profissional no controle de umproblema cada vem mais valorizado socialmente. Paratanto, foi fundamental a criação de espaços institu-cionais e regulamentações profissionais que os auxilias-sem na legitimação de suas proposições. A Sociedade Bra-sileira de Cancerologia, fundada em 25 de junho de1946, na sede da Sociedade de Medicina e Cirurgia doRio de Janeiro, foi central nesse projeto. Mantendo emseus quadros – e mesmo em sua presidência – médicosdo SNC, ela atuou no reforço das demandas desses espe-cialistas frente ao Estado, se caracterizando como o seuprincipal espaço de afirmação. No que tange ao controleprofissional de seu campo de atuação, os cancerologistasconseguiram em 1949 alterar o regimento do SNC, res-tringindo as chefias do Instituto de Câncer e da Seção deOrganização e Controle somente a funcionários da car-reira de médico sanitarista ou por médicos extranu-merários que possuíssem certificados do Curso de Can-cerologia do Departamento Nacional de Saúde, minis-

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trado pelo Instituto de Câncer desde 1942 (Decreto Nº26.313, de 04/02/1949).

Ainda visando à afirmação dos cancerologistas,Kroeff e sua equipe permaneceram investindo na forma-ção de profissionais nessa área, através dos cursos minis-trados no Instituto de Câncer. Além disso, buscaramimpulsionar ainda mais a capacidade institucional doSNC, levando para estágios no instituto sanitaristas es-trangeiros com experiência na elaboração de políticasbem-sucedidas contra o câncer em seus países de origem.Assim, desenvolveram atividades temporárias no SNC ocancerologista argentino Angel Roffo, em 1945; o fran-cês Antoine Lacassagne, em 1948; a inglesa MargaretTodd, em 1948; o austríaco Paul Werner, em 1950; e oamericano J. Meredith, em 1953 (Carvalho, 2006).

No seu âmbito mais geral de atuação, o SNC conti-nuou coordenando e estimulando as ligas e outras insti-tuições que paulatinamente iam se incorporando à Cam-panha contra o Câncer. Em 1950 já existiam 16 insti-tuições vinculadas à Campanha, totalizando a cifra de530 leitos inteiramente voltados para os doentes em todoo País. Embora a vinculação dessas instituições ao SNCmostre sua progressiva institucionalização e ampliaçãogeográfica, a quantidade era ainda considerada muitobaixa para um País onde o próprio diretor do serviço decâncer estimava existirem 109 mil doentes, estipulandoa necessidade de 6 mil leitos para suprir essa demanda(Kroeff, 1951).

O maior desenvolvimento das atividades de com-bate à doença teria por base o Instituto de Câncer doDistrito Federal. Em 1945, após a deposição de Vargas,ele seria transferido para um setor do Hospital GafreéGuinle na rua Mariz e Barros, no bairro da Tijuca, quefora arrendado para instalá-lo em melhores condições.No Gafreé Guinle, o Instituto instalou laboratórios deanálise clínica e anatomia patológica e construiu umpavilhão de radioterapia, além disso, passou a dispor de80 leitos para seus doentes – capacidade logo aumentadapara 120 leitos. No mesmo ano em que o Instituto ocu-pou o Hospital Gafreé Guinle, o então prefeito do Dis-trito Federal, Filadélfio de Azevedo, empreendeu uma

negociação com o Executivo Federal com o objetivo depassar à União um terreno da prefeitura, na praça daCruz vermelha, a ser utilizado para a construção de umasede definitiva para o SNC. Por trás de seu bonito gestoestava o fato de ele ser irmão de Sérgio de Azevedo, chefeda seção de pesquisas do SNC. O importante é que final-mente o Instituto teria uma sede própria para abrigarseus serviços.

Os 11 anos em que o Instituto de Câncer permane-ceu no Hospital Gafreé Guinle marcam um período degrande desenvolvimento de suas atividades. Sob a batutade Mario Kroeff, aos poucos foram se ampliando o nú-mero de leitos dedicados aos doentes, criando-se novasseções e expandindo-se os cursos de especialização vol-tados para os médicos das mais diversas partes do país.Um importante momento desse processo de expansãoinstitucional do SNC se localiza no início da década de1950, quando o Instituto de Câncer conseguiu ampliarseu orçamento e seu pessoal técnico, dando início a no-vas atividades que o desenvolvimento da medicina e aexpansão de sua capacidade institucional tornavam im-prescindíveis. Entre elas estava a organização de um Ser-viço Social para o Instituto – que ficou a cargo de Mariada Graça Silveira – e a criação de um novo bloco cirúrgico,inaugurado, ainda em agosto de 1950, pelo ministro daEducação e Saúde Pedro Calmon.

No ano seguinte, um acontecimento insólito au-mentaria a visibilidade do Instituto, favorecendo o aportede novos recursos e conseqüentemente seu fortalecimentoinstitucional. O médico e vereador paraibano NapoleãoLaureano, sofrendo de um câncer terminal e já desenga-nado por uma junta médica americana foi em busca deacompanhamento no Instituto. Em meio a sua agonia, elecoordenou uma campanha para a criação de um hospi-tal do câncer em sua região de origem. Sua iniciativa teverepercussão nacional por meio da imprensa, tendo comoseu ponto alto um debate realizado na sede do jornalDiário Carioca sobre o problema do câncer no País. Coma presença do ministro da Educação e Saúde, represen-tando o próprio Presidente da República, de Kroeff e dediversos médicos do Instituto de Câncer, o debate foi

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O SERVIÇO NACIONAL DE CÂNCER

A partir de sua criação, a RBC deu especialatenção à divulgação de pesquisas de médicosbrasileiros e estrangeiros. O objetivo era levar osúltimos avanços tecnológicos e científicos sobre ocâncer aos técnicos do SNC e a outros médicosinteressados no tema. Seguindo a diretriz do decretoque a criou, a revista buscava divulgar os cursos deespecialização do Serviço, para isso criou a seção“Notícias”, que constantemente alertava para osnovos cursos a serem ministrados. Os congressosinternacionais também tiveram ampla cobertura,com destaque à edição de agosto de 1954 (Vol.8 nº11), toda dedicada ao VI Congresso Internacional doCâncer, que foi realizado em São Paulo.Acontecimentos relevantes às instituições voltadaspara o controle do câncer também mereceramdestaque. A edição de 1958, por exemplo, foiinteiramente dedicada à inauguração do novo prédiodo Instituto Nacional de Câncer na praça da CruzVermelha (Vol.14, nº17). A revista também abriaespaço para as questões profissionais relacionadasà comunidade de cancerologistas, como aobrigatoriedade ou não de uma cadeira decancerologia na formação geral dos médicos,muitas vezes debatidas em seus artigos.

A RBC nem sempre teve uma periodicidaderegular, mas, mesmo com hiatos de anos, continuoua ser publicada. Embora desconheçamos suatiragem, sabemos que, durante os anos 1940 e1950, ela era distribuída a todas as instituiçõespúblicas e privadas integradas à campanha docâncer. Acompanhando os artigos publicados narevista, observamos sua progressivaespecialização no campo da oncologia. Enquantonos anos 40 e 50, artigos relacionados àorganização dos serviços relacionados ao câncer eà política mais geral do Estado nesse campo eramfreqüentes, a partir dos anos 1960, 1970 e 1980, apreeminência de artigos científicos se consolidou.Mesmo assim ela continuou publicando algunspoucos estudos de caráter histórico, que tinham porobjetivo reforçar a identidade dos técnicos do SNCatravés da glorificação de seus feitos iniciais. Já noséculo XXI, a revista revitalizou sua preocupaçãocom a memória histórica da oncologia brasileira ao

Revista Brasileira de CancerologiaO decreto que criou o Serviço Nacional de

Câncer, em 1941, previa que uma de suas seções –o Instituto de Cancerologia – teria um centro deestudos e pesquisas responsável, entre outrasatividades, por editar uma revista científica decancerologia e cooperar com as faculdades demedicina no ensino da especialidade. A criação deuma revista voltada para as questões atinentes aocampo de atuação do SNC seguia uma diretriz maisgeral do Ministério da Educação e Saúde, tambémposta em prática nos Serviços dedicados a outrasdoenças. A iniciativa tinha por objetivo difundir osconhecimentos específicos de cada serviço e,também, gerar um instrumento de difusão dasnormas técnicas que deveriam subjazer a atuaçãodos serviços locais.

Apesar do empenho de Kroeff e sua equipe emcolocar à frente a iniciativa do Ministério, a revistacientífica só seria editada a partir de 1947. Entre asrazões para o atraso estavam a escassez detécnicos especializados, as dificuldades financeirasdo Instituto de Cancerologia e a precariedade desuas instalações, que impediam a consolidação deum núcleo de ensino e pesquisa.

Em setembro de 1947 foi finalmente lançado operiódico. Chamava-se Revista Brasileira deCancerologia e foi inicialmente editada por MoacyrSantos Silva. Seu primeiro número trazia umeditorial do chefe do Serviço Nacional de Câncer,Mario Kroeff. A RBV tinha o objetivo de divulgar àcomunidade científica o campo da cancerologia,através de artigos que expunham casos clínicos. Osdois primeiros números continham uma seção cujoobjetivo era informar tanto a população leiga quantomédicos do interior que não tinham acesso àspesquisas de ponta. A seção, intitulada “Perguntas eRespostas”, continha respostas de especialistas aperguntas elaboradas pela redação com vistas apossibilitar a apresentação dos aspectos principaisda doença e de sua prevenção. No primeiro número,Mario Kroeff respondeu ao seguintequestionamento: “O Câncer é curável?”; no segundoexemplar, de dezembro de 1947, Sérgio Azevedoredigiu um artigo em resposta à pergunta: “OCâncer é hereditário?”.

criar uma seção intitulada História do InstitutoNacional de Câncer, que durou entre os anos de2000 e 2003. A seção apresentava o histórico dediversas seções do Instituto Nacional do Câncer emostrava sua atividade contemporânea

A Revista Brasileira de Cancerologia foi umprojeto idealizado pelos médicos dos anos 1930 e1940 especializados na oncologia. Acompanhando ahistória da revista, além de percebermos odesenvolvimento da medicina no campo docombate ao câncer, podemos acompanhar asdiferentes concepções sobre as políticas acerca dadoença defendidas pelos cancerologistas e asdiversas representações sobre a doença, por elesestabelecidas no curso destes 60 anos.

Atualmente, a Revista Brasileira deCancerologia é o órgão oficial de trabalhos técnico-científicos em oncologia do Ministério da Saúde. Épermutada com as bibliotecas universitárias,Centros de Estudo das unidades assistenciais deoncologia, Sociedades Científicas, profissionais eex-alunos do INCA. A revista também estádisponível em versão on-line, no site do INCA e noportal da CAPES (www.periodicos.capes.gov.br).Está indexada à base de dados LILACS (LiteraturaLatino-Americana em Ciências da Saúde) e, desde2004, faz parte do acervo de títulos nacionaisclassificado pelo programa QUALIS.

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transmitido pelas rádios Mayrink e Veiga e Nacional epublicado pelo Diário Carioca (Carvalho, 2006). A trans-missão gerou uma forte comoção popular e, além de pro-porcionar um grande número de doações para a funda-ção do Hospital Laureano, deixou o Instituto de Câncerem grande evidência. Ainda em 1951, como conseqüên-cia desse acontecimento, a Comissão de Saúde do Con-gresso Nacional chamaria Kroeff para proferir conferên-cia numa seção exclusivamente voltada para o câncer.Presidida pelo médico Jandui Carneiro, conterrâneo eamigo de Laureano, a Comissão propôs um projeto delei concedendo um crédito de 100 milhões de cruzeirospara o SNC. Recursos que seriam utilizados no apoio àsinstituições de combate ao câncer nos estados, na mo-dernização do Instituto de Câncer principalmente nafinalização de sua nova sede na praça da Cruz Vermelha(idem).

Com os novos aportes de recursos, o Instituto deCâncer conseguiu ampliar seu pessoal e reestruturar suasatividades. A partir de 1952, ele passaria a contar comvárias áreas relacionadas às especialidades médicas e ci-

rúrgicas. Entre elas estavam a Seção deCirurgia do Tórax, a Seção de Cirurgiada Cabeça e do Pescoço e um Labora-tório de Citologia vinculado à Seçãode Anatomia Patológica. Esse últimoera chefiado por Edésio Maesse, quehavia se especializado em citologiaesfoliativa no Medical College daCornell University. Ainda em 1952,seria criado o primeiro ambulatório depreven-ção do câncer ginecológico noInstituto (Marsillac, 1968). No anoseguinte, Sérgio Barros de Azevedo eAntoine Canteiro (diretor do “Ins-

Hospital da Fundação Gaffreé e Guinle, fachada principal, projeto Porto d‘Ave & Haering. Enga e Archos

Napoleão Laureano

titute du Cancer” de Montreal) dão os primeiros passospara a introdução da pesquisa básica na instituição, ob-tendo bolsas e enviando médicos para treinamento noCanadá.

Ampliando cada vez mais os convênios com insti-tuições locais e intensificando suas ação de pesquisa etratamento em seu Instituto de Câncer, o SNC foi cami-

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nhando a passos largos em seu processo de institucio-nalização. A intensificação dos ideais desenvolvimentis-tas que marcam os anos 1950 reforçaria o interesse do Es-tado no controle do câncer, favorecendo a consolidaçãodo SNC e de seu Instituto de Câncer. No entanto, esse novomomento da “luta contra o câncer” se daria sem a pre-sença de Kroeff, que, em 1954, num processo mais geralde renovação dos quadros da saúde pública, deixaria adireção do SNC, sendo substituído por Antonio Prudente.

Desenvolvimentismo e políticascontra o câncer

Embora o segundo governo Vargas (1951-1954)tenha limitado sua ação em saúde pública à continuidadedas atividades e arranjos institucionais forjados no Es-tado Novo, o período que se estende até o golpe de Estadode 1964 encerra importantes acontecimentos no campoda saúde pública com conseqüências para a política decontrole do câncer. Um deles foi a criação do Ministérioda Saúde, em 1953, que, embora se constituísse comouma antiga demanda dos sanitaristas, não significou umgrande avanço para saúde, uma vez que a ele foi destinadoapenas um terço dos recursos alocados no antigo Minis-tério da Educação e Saúde Pública. No âmbito mais res-trito da política de controle do câncer, a criação do Mi-nistério veio determinar a substituição de Kroeff nadireção do SNC em janeiro de 1954. Num processo derenovação de dirigentes, o então ministro Miguel CoutoFilho o substituiu pelo cancerologista paulista AntonioPrudente de Moraes, que permaneceria à frente do SNCpor menos de um ano, passando o cargo a Ugo PinheiroGuimarães, em 1954. Em sua curta estada à frente doServiço, Prudente separou fisicamente o SNC do Institutode Câncer, transferindo a sede do Serviço para o prédioocupado pelo Ministério da Saúde no centro do Rio.

Como pano de fundo dessa mudança institucional,vinha se fortalecendo uma nova forma de pensar a saú-de que passou para a história com a denominação desanitarismo desenvolvimentista. Essa concepção, surgidanos anos 1950, se contrapunha às idéias que tinham nas

grandes campanhas contra doenças específicas e no usointensivo de tecnologias de alto custo com objetivos res-tritos a seus principais instrumentos. A idéia central deseus defensores era de que o nível de saúde de uma popu-lação estava relacionado diretamente ao grau de desen-volvimento econômico de sua região ou país. Assim, asmedidas sanitárias só seriam efetivas quando acompa-nhadas de um processo mais amplo de desenvolvimento.Os sanitaristas desenvolvimentistas postulavam a cria-ção de um modelo de saúde pública, apropriado às neces-sidades do País, com ampla cobertura e uma atuaçãohorizontal rotinizada. Essa estrutura deveria ter como basea municipalização dos serviços, deixando no nível fede-ral somente as ações de coordenação e controle. Emboragrande parte dos sanitaristas compartilhasse esse diag-nóstico, nem todos apostavam nas mesmas diretrizespara a saúde. Muitos deles continuaram apoiando as açõescampanhistas – relacionadas prioritariamente a doen-ças transmissíveis e baseadas em atividades específicasde curta duração. Essas práticas ocupariam lugar de des-taque nos anos 1950, incrementadas pelos promissoresavanços científicos no campo da imunização e da des-truição de vetores e pelo incentivo das agências inter-nacionais de saúde como a OPS e posteriormente a OMS.

Em relação ao câncer, essas formas de pensar a saú-de implicavam concebê-lo como um problema de saúdepública, passível de controle pela contínua prevençãoassociada a ações curativas de base local. Para os cancero-logistas, esse encaminhamento seria muito mais factívele eficaz do que o simples investimento em tecnologia eem ações curativas pelo poder central. A ampla aceitaçãosocial dessa diretriz foi facilitada pelo processo de forta-lecimento dos cancerologistas observado inicialmentecom a criação do curso de cancerologia no Instituto deCâncer e, no período em tela, pela criação da SociedadeBrasileira de Cancerologia (1946) e pela reunião do Con-gresso Internacional do Câncer em São Paulo, em 1954.Essas instituições e eventos apontavam que o caminho docontrole do câncer no país passava por uma forte açãodo Estado na orientação e supervisão das ações da ini-ciativa privada, na suplementação de recursos a essas ins-

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Construção do edifício que abrigaria o Instituto Nacional de Câncer, na praça Cruz Vermelha

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tituições e na manutenção de centros de referência nosdiversos aspectos relacionados ao controle da doença(Guimarães, 1959). Essa diretriz deu o tom à política docâncer durante todo esse período. Nas palavras de UgoPinheiro Guimarães:

“O entrosamento integral da ação oficial e da iniciativaprivada, muito particularmente a de caráter filantrópico,não constitui, por certo, originalidade de organizaçãoanticancerosa brasileira [...] a ação isolada, digamos,monopolizadora, seria impraticável entre nós, dada a ex-tensão da campanha e a reconhecida impossibilidade ma-terial do governo em arcar com todo o ônus inevitável. [...]

A ação oficial isolada, digamos monopolizadora, seriaimpraticável entre nós dada a extensão da campanha e areconhecida impossibilidade material do governo em ar-car com todo o ônus inevitável.

Um ou outro governo estadual considerou vantajoso cons-tituir organismos locais próprios. Entretanto, a tendênciageral foi a de prestigiar a obra das organizações privadasque se fundaram. Esta mesma ação oficial estadual, quan-do existente, procura, atuar em cooperação com a entidadeprivada filantrópica que funciona no Estado. [...]

Contam-se atualmente entidades privadas voltadas para aluta anticancerosa em todos os estados da federação comple-mentando a ação governamental. A todos, o Ministérioda Saúde através do SNC, fornece ajuda financeira e téc-nica” (Guimarães, 1959: 9-11).

O governo de Juscelino Kubitschek (1955-1960) foium importante momento no cenário de mudanças quevinham ocorrendo na década de 1950. Resgatado pelahistória por sua política desenvolvimentista, ou seja,pelas grandes transformações econômicas e estruturaisque promoveu a partir de seu plano de metas, no campoda saúde, o governo de Juscelino investiu no controledas então chamadas doenças de massas, como a malá-ria, a varíola e a febre amarela, que foram objetos de gran-des campanhas específicas patrocinadas pelo recém-criadoDepartamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu).O controle dessas doenças ia ao encontro de sua propostade governo, que se propunha a pôr o Estado a serviço dasuperação dos entraves para o desenvolvimento do Paíspor meio de uma ação planejadora que encaminhassesoluções para os problemas das questões relativas à

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Projeto para o Instituto Nacional de Câncer, 1957

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pobreza e conseqüentemente à saúde. Em relação ao con-trole do câncer, Juscelino destinou maiores recursos aoSNC, possibilitando a ampliação das verbas destinadasàs instituições privadas filantrópicas ou dos estados quese vinculavam ao Serviço. Essa iniciativa fazia parte deuma diretriz de aumento dos gastos com a medicina hos-pitalar, e com a previdenciária em geral, que foi posta emprática no final do seu governo com a aprovação da LeiOrgânica da Previdência Social.

Juscelino Kubitschek ficaria identificado com ocontrole do câncer no País por ter inaugurado a sede pró-pria do Instituto de Câncer na praça da Cruz Vermelha.Fruto de uma longa luta de Mario Kroeff e de seus cole-gas cancerologistas, o hospital da Cruz Vermelha, en-fim, proporcionaria ao Instituto de Câncer instalaçõesadequadas a suas atividades, que, desde a sua instalaçãonas dependências do Hospital Gafreé Guinle vinham setornando mais complexas. Meses antes da inauguração,Juscelino já havia estado no Instituto pra inaugurar suaprimeira bomba de cobalto, importante instrumento notratamento do câncer. Em agosto de 1957, ele retornariaao instituto para descerrar sua placa de inauguração. Odiscurso que proferiu na ocasião assinalava que a doen-ça era uma ameaça ao desenvolvimento e reforçava aimportância dada ao Instituto como elemento centralda organização anticancerosa e a necessidade de amplia-ção da rede hospitalar de tratamento da doença (Kubits-chek, 1958:12).

Com a inauguração do novo prédio, o Institutopassou a contar com instalações de primeira linha. Trata-va-se de um monobloco de 11 andares com capacidadepara 350 leitos, no qual seriam instalados os serviçosespecializados. Mais que uma mudança de endereço, anova sede representava um reforço do compromisso doscancerologistas do Instituto com seu projeto em relaçãoao câncer. O discurso de Ugo Pinheiro Guimarães na so-lenidade de inauguração do prédio deixa claro a diretrizque deveria ser perseguida nesse sentido.

“Nosso instituto dispõe de quanto existe de mais avança-do para atingir essa finalidade. No âmbito da terapêutica,ao lado das seções cirúrgicas e odontológicas, dotadas de

todo o material, possuímos a bomba de cobalto 60, oitoaparelhos de radioterapia de alta e baixa voltagem, trêsgramas de rádio bem distribuído. Agentes quimiotera-pêuticos de valor cientificamente comprovados são utili-zados.

Cultivar-se-á, de mais em mais a experimentação clínica eexperimental, para o que tenho distribuído crescentes re-cursos. Deste modo, não nos esquecemos que o problemado câncer não é apenas médico, mas de biologia, abran-gendo as complexas cogitações da genética, da biofísica,da bioquímica, da hormonologia, da imunologia, entreoutros.

Aplicaremos e refinaremos, pelo regime de bolsas de estudoe de residência o preparo dos técnicos, função que o SNCse orgulha de vir executando.

Esperamos que nosso Instituto, desempenhando sua mis-são, seja um foco de irradiação de conhecimentos, de pa-dronizações técnicas, de progresso em múltiplo sentido,médico, de enfermagem e mesmo de administração hos-pitalar” (Guimarães, 1958).

Junto com a inauguração do novo prédio, o Insti-tuto elaborou uma proposta de regimento para seu fun-cionamento. O documento procurava tornar legal umaorganização já existente. Ele previa a divisão do Institutoem seis divisões: Conselho Técnico-Administrativo; Cen-tro de Estudos e de Ensino; Serviço de Pesquisa e Expe-rimentação; Divisão de Medicina e Cirurgia; Serviçode Administração e Manutenção e Secretaria. A Divisão deMedicina e Cirurgia era um dos espaços centrais da ins-tituição, responsável pelos diagnósticos e tratamentosefetuados na parte hospitalar. Ela se subdividia nos ser-viços de clinica médica, cirurgia especializada, radiote-rapia, radiodiagnóstico, laboratório, enfermagem, rea-bilitação e assistência social e diretoria. Cada um dessesserviços contava com diferentes seções especializadas,como as de oncologia pediátrica, de mastologia, de gine-cologia e de citologia, criadas quando da inauguração donovo prédio e as de estatística e arquivo médico e a detecidos conectivos, incorporadas no ano seguinte. A ou-tra importante divisão, de Pesquisa e Experimentação sesubdividia nos serviços de biologia e química e na seçãode radiobiologia. Ela seria instituída, em 1958, pelo pes-quisador Sérgio Barros de Azevedo.

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Serviço de Pesquisa do Instituto Nacional de Câncer, em 1958

O presidente Juscelino Kubitschek durante a inauguração do Instituto deCâncer. Ao lado, Ugo Pinheiro Guimarães

As novas instalações do Instituto de Câncer mar-cam o início de uma nova fase de sua história. Bem apa-relhado e contando com uma equipe médica de mais decem pessoas, o Instituto se caracterizava como a maiorinstituição do gênero na América Latina, exercendomúltiplas atividades no campo do controle, pesquisa eda formação profissional. Sua rápida consolidação se deunum período favorável, onde o orçamento para o Servi-ço Nacional de Câncer foi constantemente ampliadocom o objetivo de controlar uma doença de índicespreocupantes que chamava a atenção dos poderes públi-cos por ser considerada um entrave ao processo de de-senvolvimento do País (Bodstein, 1987). No entanto, essaconjuntura promissora não impediu que na década se-guinte o Instituto passasse por novos reveses.

As campanhas educativas comoprotagonistas da prevenção

Data do final da década de 1910 o surgimento dasprimeiras práticas educativas em saúde no País. Nessemomento, nossos sanitaristas, antenados com as con-cepções de saúde pública americanas, popularizadas pelaFundação Rockefeller, passaram a ter nessas atividadesuma alternativa às autoritárias ações de saúde baseadasprincipalmente na imposição de medidas obrigatórias auma população passiva. Inicialmente votadas para apopularização da prevenção de doenças evitáveis pelaincorporação de hábitos simples, a educação em saúdelogo se ampliaria em diversos campos, dando origem aprofissões práticas e instituições de saúde específicas.Enfermeiras visitadoras, exames periódicos, postos desaúde passam a ser os novos instrumentos de uma saúdepública cada vez mais voltada para uma postura ativada população pronta a assimilar os preceitos saudáveispela educação.

Nesse contexto, Mario Kroeff fez sua entrada nomundo da saúde pública, ainda como inspetor sanitárioda Inspetoria da Lepra, Doenças Venéreas e Câncer. Suapassagem nesta seção do Departamento Nacional de Saú-de Pública, fortemente empenhada em ações educativas

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A política de controle do câncer na visão do candidato àpresidência da República Juscelino Kubitschek

(...) Desejo chamar-lhes a atenção para um novo problema de saúde que nãoé apenas nosso, mas de todos os povos civilizados – o problema do câncer.Basta pronunciar essa palavra para sentirmos uma verdadeira repulsão. É umadoença que ninguém gosta de ouvir falar e que enche o homem de pavor. Sendo,assim, implacável e amedrontadora, zombando em quase todos os casos dospoderes atuais das ciência, isso é mais um motivo para discuti-la e tratar damelhor maneira de combatê-la. É uma doença horrível, traiçoeira e quasesempre inapelável.

Parece que devemos olhar o câncer de frente, com decisão corajosa. Tratarde vencê-lo e não deixar que ele nos aterrorize e vença. Como podemos cruzaros braços sabendo que o Brasil deve ter cerca de 103 mil cancerosos,registrando-se anualmente cerca de 72 mil casos novos e 36 mil mortes. Paraesses doentes, contamos apenas com 500 leitos prontos e 1.300 em construção,quando precisamos de 4 mil! Podemos cruzar os braços, podemos deixar defalar desse problema porque mete medo, porque é desagradável? De modoalgum, sobretudo sabendo-se ser o câncer muitas vezes curável, quando sobdiagnóstico precoce. Para combatê-lo, portanto, reduzindo seus efeitos, cumpreao Governo promover inicialmente ampla campanha educativa, destinada aensinar a todos noções fundamentais sobre o câncer. Ensinar ao povo que adescoberta do câncer ou da lesão pré-cancerosa é essencial na profilaxia dadoença; que o tratamento do seu início é o principal fator para a prevenção damorte prematura; que a doença não é irremediável, nem incurável, mas a suaprofilaxia requer ativa cooperação do paciente do seu médico particular e dosserviços centrais de diagnóstico precoce e tratamento. Essa campanhaeducativa intensa poderá particularizar certos aspectos – ensinar a reconheceras primeiras manifestações das anormalidades que podem predispor ou járealmente constituem um câncer em princípio de evolução; fazer com que aspessoas aprendam a procurar competente orientação médica, logo que apareçao mais precoce dos sinais de câncer ou de lesão pré-cancerosa.

Para os bons resultados dessa campanha, será preciso dotar o Brasil doaparelhamento necessário. Deverá haver centros de diagnóstico, localizados empontos estratégicos de fácil acesso. Na maior parte dos casos, essesdispensários exigirão o apoio financeiro do governo e deverão ser orientados porespecialistas. Os pacientes serão encaminhados aos dispensários por seusmédicos particulares, e os serviços prestados devem ser gratuitos. Ahospitalização do canceroso é um condicional para o tratamento pronto eadequado. Devem ser previstos também os meios para que cada assistênciaseja gratuitamente prestada a pessoas que não possam arcar com as despesas.É também recomendável que os hospitais gerais disponham dos recursosnecessários ao tratamento do câncer, compreendendo rádio, raios X einstalações cirúrgicas. Alguns hospitais localizados em centros estratégicospoderão ser equipados com aparelhamentos mais especializados, como porexemplo a radioterapia. Tudo isso visa aparelhar-nos convenientemente na lutacontra o mal. Nossa rede hospitalar, os centros para diagnóstico e tratamento docâncer estão aumentando com o impulso dado pela Campanha Nacional doCâncer, que cada dia maior cooperação vem recebendo das classes e do povo.Mas estamos ainda longe de ter um aparelhamento à altura das nossasnecessidades. (...)

O câncer será vencido no mundo e no Brasil, com tanto maior rapidez quantomaior a coragem e serenidade com que o enfrentarmos. O que um Governo nãopode fazer é voltar-lhe as costas, por seus aspectos amedrontadores oudesagradáveis. Deve olhá-lo de frente, sem temor, certo de que, mais tarde oumais cedo, mais cedo talvez do que se pensa, a ciência e o Brasil o possamvencer definitivamente”.

Programa de saúde pública do candidato à Presidência da RepúblicaJuscelino Kubitschek 1955

PresidenteJuscelinoKubitschekdiscursando nasolenidade deinauguração doInstitutoNacional deCâncer, 1957

PresidenteJuscelinoKubitschek nainauguração doInstituto Nacionalde Câncer, 1957

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Fonte: Regimento Interno doInstituto Nacional de Câncer.(RBC, 1958: 29-60)

Organização do Instituto Nacional de Câncer, em 1958

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contra as doenças venéreas, certamente marcou-o, nosentido de transformá-lo em apóstolo da educação emsaúde voltada para o câncer. Desde os primórdios de suaatuação nessa área, ele imputou importante papel àsações educativas que levassem à população a noção, tãocara à medicina da época, de que o câncer, se descobertoem sua fase inicial, poderia ser facilmente curado. Alémdisso, seu interesse pelas novas tecnologias, facilmenteobservável em relação à sua trajetória médica, tambémse verificava em relação à comunicação e à informação,em que pôs a serviço de sua causa o que havia de maismoderno, como o rádio e o cinema.

Seguindo a orientação já estabelecida por Kroeffem relação ao Centro de Cancerologia, a lei que criou o

SNC, em 1941, previa em seu artigo 2º que uma das atri-buições do Serviço era a propaganda intensiva da práti-ca dos exames periódicos de saúde para a obtenção dodiagnóstico precoce da doença. Para dar início a essa ati-vidade, Kroeff produziu material gráfico que passou adistribuir a consultórios médicos, escolas e outras insti-tuições, e se empenhou em proferir palestras públicassobre o tema, muitas vezes transmitidas pelo rádio. Apartir de 1942, a Rádio Ministério da Educação e Saúdecomeçou a transmitir diversas conferências proferidaspelos médicos do SNC, com o objetivo de informar osmédicos das mais distantes regiões do país sobre a pre-venção e tratamento do câncer (Carvalho, 2006). É tam-bém dessa época a produção de um filme sobre o câncer

Cartazes das campanhas educativas da Associação Paulista de Combate ao Câncer

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Propaganda americana de prevenção do câncer. Nova York, década de 1940À esquerda, cartazes educativos do SNC da década de 1940

pelo próprio Mario Kroeff. Também voltado para a di-vulgação dos diversos aspectos da doença, visando à pro-moção do seu diagnóstico precoce, a película seria apre-sentada em seções especiais de alguns cinemas do DistritoFederal, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul (idem).

Mas Kroeff não estava sozinho, nem era pioneiro nasações de educação em saúde em relação ao câncer. Muitoem voga nos Estados Unidos nos anos 1930, essas iniciati-vas, no Brasil foram fortemente incentivadas por Anto-nio Prudente, que, através da Associação Paulista deCombate ao Câncer, criou diversas atividades educativasvoltadas para o câncer, que também funcionavam comoformas de incentivar a arrecadação de fundos para a fun-dação de um hospital para a Associação. Ainda em 1946,Prudente instituiu em São Paulo a “Campanha contra oCâncer” visando ampliar a propaganda sobre a doença.Nesse momento, além de uma grande distribuição depanfletos explicando a doença e as formas de preven-ção, foi montada uma exposição sobre a doença no cen-tro da cidade de São Paulo, que obteve grande sucesso depúblico.

Seguindo os passos de Prudente, em novembro de1948, Kroeff inauguraria a primeira campanha educativacontra do SNC. Ele tinha em mente criar uma progra-mação nos moldes do mês do câncer – evento realizadoa cada mês de abril pela American Cancer Society, quepatrocinava ações educativas voltadas para a doença emtodos os Estados Unidos. Há muito querendo investirnessa atividade, mas sem ter recursos governamentaispara implantá-la, ele conseguiu obter auxílio do JockeyClub e alugou uma loja na região central do DistritoFederal para montar uma exposição. A mostra era com-posta de fotografias e desenhos elaborados pelo artistagráfico John Rabong especialmente para esse fim. Emdiversos painéis eram apresentadas imagens sobre os di-versos tipos de cânceres, localização no corpo, regiõesgeográficas de maior incidência etc. Um alto-falante es-condido explicava ao público os temas abordados nospainéis. No centro do salão foi instalada uma barricadestinada a receber doações do público me favor do asiloda Penha.

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À esquerda freiras dominicanas visitam a exposição educativa,1948. Acima, o Presidente EuricoGaspar Dutra visita a exposição educativa de 1948, acompanhado por Mario Kroeff

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Kroeff queria causar impacto na opinião pública,que, a seu ver, estava alheia ao problema do câncer e delequeria se afastar por acreditar na sua incurabilidade. Seuobjetivo era educar impressionando, pois imaginava quea força dos símbolos pictóricos de sua exposição comple-mentaria as ações educativas baseadas em informaçõesverbais veiculadas pelo rádio. Por isso, uma das princi-pais mensagens apresentadas era a possibilidade de curada doença se diagnosticada em seu início. A inaugura-ção da exposição contou com a presença do PresidenteDutra e foi visitada por mais de 200 mil pessoas. Nosanos seguintes, várias remontagens foram feitas criandouma tradição nesse campo.

Na década de 1950, quando Kroeff já havia deixadoa direção do SNC, o mês do câncer passou a ser comemo-rado em abril e aos poucos foi se institucionalizandocomo o período de realização de campanhas em todo oPaís. As campanhas eram realizadas em colaboração comas entidades filiadas e permanentemente incentivadas.A cada abril, instalavam-se nas capitais dos estados e emalgumas grandes cidades várias exposições educativasrealizadas pelas instituições associadas ao SNC, que for-necia o material a ser exposto. Agora a diretriz do SNC

Veículos adaptados para utilização na campanha contra o câncer

previa que as campanhas buscassem alertar para os peri-gos da doença sem, no entanto, gerar uma cancerofobia.Eram cartazes, mapas de distribuição da doença, impres-sos e fotografias de diversos tipos. A partir de 1958, oDistrito Federal passou a elaborar exposições volantesutilizando como suporte um caminhão do serviço, queficava estacionado em diversas regiões da cidade, emparticular nos subúrbios, onde era maior o desconheci-mento sobre a doença. Em conjunto com as exposições,era efetuada uma campanha educativa sobre a doençadifundida pela imprensa escrita e radiofônica. Em váriasdelas, foi feito uso de um filme cinematográfico espe-cialmente elaborado pelo SNC para difundir noções bási-cas sobre a doença e articular a necessidade de seu diag-nóstico precoce. Em maio de 1959, o SNC conseguiu orecorde de executar 30 campanhas simultâneas nas di-versas cidades do País (Guimarães, 1959).

O jornalista Alexandre Octávio, em recente traba-lho sobre o desenvolvimento da cancerologia no Brasil,revela uma outra faceta das ações educativas posta emmarcha por Kroeff e seguida por seus continuadores. Aseu ver, essa utilização dos meios de comunicação, ao mes-mo tempo em que buscava levar à população informa-

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ções sobre a doença se caracterizava também como umaforma de afirmação da cancerologia no País, num con-texto de pouco interesse do Estado no combate a doença.

“Relações frágeis, política incerta, pouco interesse e em-penho caracterizariam historicamente a aproximação en-tre a atenção ao câncer e o Estado. Nesta marcha deindefinições, o aperfeiçoamento dessa relação, a princí-pio, restrita ao círculo e entidades médicas públicas e pri-vadas, teria como novidade, no início da década de 1940,a entrada em cena do envolvimento da população atra-vés dos meios de comunicação e da propaganda (...)” (Car-valho, 2006:79)

Ampliando seu comentário, podemos afirmar quepossivelmente, o maior legado do interesse de Kroeff eseus continuadores pela educação em saúde e, em parti-cular pelas ações educativas em relação ao câncer, estáno fato de essas atividades terem criado uma tradição nasinstituições brasileira e nas gerações posteriores de cance-rologistas gerando o “saber fazer” necessário ao desen-

volvimento das grandes ações educativas de prevenção àdoença elaboradas a partir da década de 1990.

O ensino da cancerologia no Brasil

O maior interesse de medicina pelo câncer a partirdas primeiras décadas do século XX foi acompanhadoda ampliação das preocupações com a formação de pro-fissionais com conhecimentos e habilidades específicaspara lidar com a doença. Entre o final do século XIX e asprimeiras décadas do XX, as preocupações se voltavampara as possibilidades de divulgação de conhecimentossobre tratamentos específicos de tumores malignos. Umexemplo dessas preocupações foi o curso ministrado porAntônio Augusto de Azevedo Sodré (1864-1929), profes-sor da cátedra de Patologia Interna, da Faculdade de Me-dicina do Rio de Janeiro, sobre “Moléstias do Estômago”,no qual sobressaía o tema dos “tumores do estômago”, emque o médico ensinava como tratar a enfermidade.

Posteriormente, com o acúmulo de conhecimen-tos sobre as diversas formas da doença e os diferentesmeios de tratá-las, as idéias sobre a melhor maneira depromover o ensino da cancerologia passaram a se centrarem duas posições antagônicas, que dividiam o campodos especialistas em cancerologia: para alguns, o ensinodas matérias relacionadas ao câncer deveria se diluir nocurrículo médico, se inserindo nos espaços dirigidos àsdiversas matérias médicas. Assim, o estudo do câncer deestômago deveria se enquadrar no campo mais vasto dagastroenterologia, os cânceres de pele deveriam ter seusestudos vinculados às cadeiras de dermatologia, e assimpor diante. Para outros cancerologistas, o estudo do cân-cer deveria ser feito em bloco em cursos de especializa-ção, o que garantiria o desenvolvimento desse conheci-mento como uma especialidade médica.

Até hoje, a cadeira de oncologia não é obrigatóriano currículo médico, no entanto, os estudos sobre o cân-cer deram origem a várias iniciativas voltadas para a es-pecialização dos profissionais após a faculdade. A pri-meira delas deveu-se a Ugo Pinheiro de Guimarães, que,em 1928, ministrou na Universidade do Brasil o primeiro

Propagandada exposiçãoeducativa edo selobeneficentedo Asilo dosCancerososda Penha

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curso de extensão universitária sobre cancerologia. Em1939, Alberto Lima de Moraes Coutinho, em conjuntocom Amadeu Fialho, ministrou o 1º Curso sobre CâncerBucal no então Centro de Cancerologia do Distrito Fe-deral, tendo a primeira turma formada em 1942. Com oapoio de Abelardo de Brito e Chryso Fontes, ex-diretoresda Faculdade Nacional de Odontologia, Coutinho orga-nizaria, entre 1941 e 1953, cursos da mesma naturezapara dentistas e estudantes de odontologia da mesmafaculdade. Coutinho foi o pioneiro na luta pela implan-tação do ensino da cancerologia no Brasil, no entanto,ele nunca conseguiu ver concretizada a sua idéia. Porém,suas iniciativas nesse campo possibilitaram a formaçãode um grande número de especialistas que vieram a ocu-par cargos centrais na luta contra a doença nas diversasinstituições criadas no País a partir da década de 1940.

A preocupação em formar profissionais voltadospara a cancerologia relacionava-se a um contexto am-plo de especializações das áreas médicas, observado ini-cialmente nos Estados Unidos a partir das reformas daeducação médica ocorridas no início do século XX. Co-nhecida como Reforma Flexner, as transformações daeducação médica estadunidense foi, aos poucos, difun-dida nas mais diversas regiões do ocidente pelas açõesda Fundação Rockefeller. A filosofia que subjazia a refor-ma Flexner defendia que a formação médica deveria es-tar centrada no ensino das disciplinas biológicas e naspráticas de laboratório, incorporando-se o método cien-tífico à prática clínica. Nesse sentido, o modelo biológicona medicina se consolidaria por meio da educação mé-dica. Desse ponto de vista, tanto os professores de ciên-cias básicas quanto os de ensino clínico deveriam serespecializados e dedicar-se exclusivamente ao ensino e àpesquisa. Sob tal orientação, as escolas médicas procu-ravam pautar a formação em um “sólido” conhecimentocientífico, incentivando o estudo ‘desinteressado’ dasciências biológicas em geral e criando homens de ciênciacapazes de agir em consonância com o incessante pro-gresso da medicina.

Na década de 1940, essa forma de pensar a educa-ção médica era hegemônica entre nossos médicos. Em

1942, uma reforma nos serviços de saúde regulamentouos cursos de aperfeiçoamento e especialização do Depar-tamento Nacional de Saúde (DNS), para diversas áreas,incluindo o câncer. Seguindo a diretriz citada, ela pro-curou formar especialistas no estudo da etiopatogeniada doença, no diagnóstico e tratamento, na profilaxia ena organização da luta contra o câncer. Mas, a meta demuitos cancerologistas era a aprovação da cadeira decancerologia nas faculdades de medicina

Em 1947, Alberto Coutinho enviou ao CongressoNacional um memorial solicitando a criação do ensinoregular de cancerologia nas faculdades federais de medi-cina, no entanto, seu pleito não foi atendido. Em 1952,Mario Kroeff afirmava que só com o ensino técnico sepoderiam formar os cancerologistas. Com a ampliaçãoda tecnologia envolvida no tratamento da doença e oaparente aumento dos índices mundiais de mortalidadede câncer, os médicos passavam a considerar vital a espe-cialização na doença. Em 1962, ocorreu a criação doComitê Nacional de Ensino de Cancerologia (CNEC) queteria como objetivo incentivar o ensino da cancerologia,favorecendo a participação e a cooperação dos médicose de outros profissionais da saúde no combate à doença.A criação do CNEC seria um esforço para implementarde vez um programa de ensino de cancerologia nas uni-versidades e faculdades públicas e privadas.

A movimentação em torno da implantação do en-sino de cancerologia na década de 1960 fez com que vies-sem a público várias iniciativas nesse sentido. Em 1969,o então diretor do Serviço Nacional de Câncer, AdayrEiras de Araújo propôs que o ensino da cancerologia sedeveria se dar de três maneiras diferenciadas: por meiode cursos destinados a dar noções de cancerologia aosestudantes nas faculdades, inserindo-se assim a inclusãoda cancerologia no curso médico; por meio de cursosdestinados a dar aos médicos noções intensivas de atua-lização; e, finalmente, por meio de cursos de pós-gradua-ção, destinados a formar especialistas, que deveriam serministrados por intermédio de convênios dos grandeshospitais especializados com as universidades. Em 1976,o deputado Inocêncio de Oliveira propôs a criação da

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O SERVIÇO NACIONAL DE CÂNCER

cátedra obrigatória de oncologia nas faculdades de me-dicina. Mas os esforços em criar a cadeira obrigatória decancerologia não tiveram resultado efetivo.

Em 1980, Jorge Marsillac apontava que poucas fa-culdades médicas e de odontologia tinham uma disci-plina de oncologia, pois a opinião predominante entreos órgãos oficiais de ensino era de que não havia neces-sidade de criar uma cátedra específica, pois a matéria se-

ria melhor ensinada por meio de outras especialidadesmédicas e cirúrgicas, como a anatomia patológica, biofí-sica, bioquímica e terapêutica das irradiações. O debatesobre a cadeira obrigatória de oncologia persiste até hoje,haja vista que não é unanimidade entre as instituiçõespúblicas e particulares de ensino a presença dessa disci-plina, sendo mais comum encontrá-la em cursos de resi-dência e de pós-graduação.

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CAPÍTULO 6

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SAÚDE: BEM PÚBLICO OU PRIVADO?

Os anos 1960 marcam um período de grandestransformações para a saúde pública brasileira, para oSNC e para seu Instituto de Câncer. No contexto de ins-tabilidade política e social e da progressiva perda dos di-reitos civis iniciada com o golpe militar de abril de 1964,as propostas dos cancerologistas para uma nova políticapara a doença que vinham se configurando na décadaanterior passariam por grandes reveses. De forma seme-lhante, o Instituto Nacional de Câncer atravessaria umaforte crise determinada pelo encaminhamento mais ge-ral da política de saúde do período que, navegando narota contrária de grande parte dos nossos sanitaristas,via na privatização dos serviços o caminho adequadopara melhoria das condições de saúde da população.

Os primeiros anos desta década caracterizam umperíodo marcado pela instabilidade política, decorrentede um contexto de transição para um regime autoritá-rio de Governo, que gradativamente acentuou seu cará-ter repressor ao longo da década de 1960. Um conjuntode alterações nas orientações econômicas adotadas noPaís reconfiguraram a participação brasileira no mercadointernacional. Essas transformações se refletiram na dinâ-mica interna da economia, acentuando o crescimentodo país com base em crescente concentração de renda. Foino decorrer dessa década também que assistimos à in-tensificação do processo de urbanização da sociedadebrasileira, com grande deslocamento da população ru-

Saúde: bem público ou privado?O INCA e a política de controle do

câncer no período autoritário(1964 – 1979)

ral para as grandes cidades, transformando o quadro doinício dos anos 1960, quando o Brasil ainda era definidocomo um país de população predominantemente rural(Santos, 1985). Esse momento de transição política,acompanhado pelas transformações sociais e econômi-cas que ocorreram, repercutiu sobre as condições de saúdeda população e sobre o desenho institucional do setor,que passaria por mudanças significativas em diversossegmentos.

No decorrer dos primeiros anos da década de 1960,que antecederam ao golpe de 1964, dois eventos impor-tantes marcariam a história política da saúde públicano País. O primeiro deles foi a reunião do XV Congressode Higiene, realizado em dezembro de 1962, em Recife.No evento, o então ministro da Saúde, Souto Maior, trou-xe a público uma nova visão sobre a saúde que deveriaformatar as novas políticas para o setor. Partindo daspostulações dos sanitaristas desenvolvimentistas, ele ar-gumentava que as condições de saúde da população es-tavam vinculadas às suas condições de via e trabalho.Também reconhecia a relação entre pobreza e doença,subordinando a interrupção desse círculo a um projetode desenvolvimento nacional baseado em reformas estru-turais da sociedade com melhoria da distribuição da ri-queza nacional. No ano seguinte, sob o impacto das reco-mendações surgidas no Congresso de Higiene, seria rea-lizada a III Conferência Nacional de Saúde (CNS). Lide-

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

rada pelo então ministro da Saúde Wilson Fadul, a IIICNS contou com a participação de gestores, médicos edemais profissionais do campo, além de lideranças po-líticas da área da saúde. Foi palco de caloroso debate acer-ca do formato institucional até então imposto aos servi-ços de saúde, que, subordinados às diretrizes do Ministé-rio da Saúde, eram marcados pelo viés centralizador quehavia originado sua configuração, quando da época decriação da estrutura institucional existente durante osanos 1930.

O foco prioritário dos debates no decorrer desteevento foi o caráter centralizador da estrutura institu-cional do Ministério e a necessidade de se adotar umaforma mais descentralizada de gestão na área da saúde,fortalecendo o papel dos municípios na gestão dos ser-viços. A III CNS é considerada um marco institucional napolítica de saúde pública brasileira, por ter asseguradoum espaço político para a formalização de novas pro-postas para o setor. As idéias preconizadas neste evento,bem como o próprio evento, constituiriam referência paraaqueles que, no decorrer dos anos seguintes, seguiriampropondo mudanças para a área da saúde e lutariam poruma gestão mais democrática na saúde, acompanhadapor um sistema de saúde mais universal e igualitário. Ape-sar do período autoritário que viria em seguida, as idéiase propostas ali debatidas semeariam e gerariam frutosalgumas décadas depois. Nesse sentido, a III CNS deveser lembrada por seu papel no contexto político daquelaépoca, e pela importância que teria como norteador depropostas para a política pública de saúde nas décadasseguintes.

Após 1964, com a instauração do governo militar, aspropostas de mudança vocalizadas no decorrer da III CNSnão encontraram eco na nova conjuntura, tornando-seincompatíveis com as propostas e diretrizes do Governopara o setor.

Nesse sentido, observa-se uma série de transforma-ções e alterações institucionais, amparadas em reformaslegislativas, que alteraram gradativamente o perfil dasinstituições públicas e privadas no âmbito da assistên-cia médica e da saúde pública. Entre elas, podemos des- “Golpe militar de 1964: soldados montam barricadas no Palácio Guanabara”

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SAÚDE: BEM PÚBLICO OU PRIVADO?

tacar: o desenho e formato de prestação de serviços, como crescimento da demanda por assistência médica noâmbito dos institutos de aposentadoria e pensões (queculminaria com a criação do INPS em 1966/67); a am-pliação e fortalecimento da indústria farmacêutica quereplicou sobre o fortalecimento da medicina curativa/hospitalar; o crescimento da especialização no âmbitoda prática médica, com a fragmentação do ato clínico,acompanhada da sofisticação do processo de diagnósti-co, do tratamento e das ações terapêuticas; e a expansãodo trabalho assalariado dos profissionais da saúde (Bragae Paula, 1986; Bodstein, 1987).

As estratégias do novo governo para enfrentar osproblemas de saúde que se apresentavam naquele con-texto apontavam para o fortalecimento da prática mé-dico-hospitalar e da compra de serviços privados pormeio de convênios com a previdência social. Nessa lógi-ca, uma importante alteração institucional daria supor-te a essas diretrizes: a criação do Instituto Nacional dePrevidência Social (INPS), que unificou todos os institu-tos de Aposentadoria e Pensões. Com isso os recursos fi-caram concentrados no INPS, sob a justificativa de faci-litar a ampliação da cobertura dos serviços médicos; ex-tinguindo dessa forma a representação classista que ha-via anteriormente, quando os institutos eram organiza-dos por categorias profissionais. Como conseqüência, nodecorrer dos anos seguintes o INPS passou a ser o grandecomprador dos serviços médicos privados. O Estadoatuou, portanto, segundo uma lógica de prestação deserviços públicos, que favorecia interesses privados e for-talecia o mercado privado de saúde, que, como veremosadiante, se consolidaria com o passar dos anos.

Essas mudanças tiveram início na gestão do mi-nistro Raimundo de Britto (que assumiu em 15 de abrilde 1964, nomeado por Castello Branco, passando assimda pasta estadual – RJ, para o Governo Federal) e reper-cutiram sobre a estrutura organizacional da saúde pú-blica de forma gradativa, colocando a pique as propos-tas dos sanitaristas desenvolvimentistas e construindoum novo modelo para a saúde no País.

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Ação social sistemática, controle epesquisa

[O câncer] é um problema que, devido a sua natureza e exten-são, só pode ser resolvido por uma ação social sistemática domesmo gênero da que foi aplicada com sucesso na luta contraas moléstias infecciosas e contagiosas, no passado. (Heller, J.apud: Prudente, 1960:259)

No campo da política para o controle do câncer,ocorria o mesmo processo observado em relação à polí-tica nacional de saúde, com os cancerologistas navegan-do na contramão do projeto que começava a ser gestadopelo Estado. As divergências que marcariam esse períodose relacionariam tanto à visão mais geral da política dosetor como em relação ao Instituto de Câncer. Nesse pri-meiro campo, os cancerologistas continuavam a perse-verar na proposta surgida no âmbito do desenvolvimen-tismo que postulava a vinculação das condições de saú-de às condições econômicas e propunha a busca de solu-ções para os problemas de saúde relacionada à realidadeeconômica social do país. O discurso de Jorge Marsillac,diretor da Seção de Organização e Controle do SNC, naVII Conferência Internacional do Câncer, realizada em1958, demonstra de forma precisa essa forma de pensar:

“Nos países em baixo desenvolvimento econômico, as carac-terísticas nosológicas e demográficas são, corresponden-temente, diversas. Neles, a mortalidade de doenças trans-missíveis é ainda elevada, embora os novos recursos de tra-tamento tenham concorrido notavelmente que pudesse serrebaixada. Por motivos econômicos, sociais e administra-tivos, esses recursos não produzem efeitos tão intensosnesses países quanto nos que são economicamente desen-volvidos [...] As endemias que os acometem atingem ex-tensamente o avultado número de pessoas, mostrando-secomo doenças de massa e exigindo, para seu atendimento,métodos de medicina de massa, que se apliquem extensivae descentralizadamente a toda a população a ser benefi-ciada. Os recursos indicados para este fim pertencem àmedicina de quantidade, que não exige o aprimoramentoda medicina de qualidade dos países desenvolvidos (Mar-sillac, 1960:43)”.

Para os cancerologistas do Serviço Nacional deCâncer (SNC), era indiscutível que o problema do cân-

Jorge Marsillac e Mario Kroeff emsolenidade da Academia Nacional de Medicina

cer havia ultrapassado os limites dos hospitais, enferma-rias e consultórios médicos, se constituindo, de fato,numa questão de saúde pública e, como tal, deveria serenfrentado. A luta contra a doença também não poderiase restringir ao aspecto do tratamento hospitalar, poisseus crescentes índices de incidência mostravam a

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SAÚDE: BEM PÚBLICO OU PRIVADO?

Em 1956, o Presidente Juscelino Kubitschek perdeu sua sogra emvirtude de um câncer ginecológico. A partir de então ele procurouincentivar a ação preventiva contra ao doença. Assessorado peloprofessor Arthur Fernandes Campos da Paz Filho criou o Centro dePesquisa Luíza Gomes de Lemos (CPLGL), no âmbito da Fundação dasPioneiras Sociais, no Rio de Janeiro. Como a cidade já contava com doisgrandes centros de referência no tratamento do câncer – o InstitutoNacional de Câncer e o Hospital Mário Kroeff, o centro especializou-sena prevenção da doença, especificamente em mulheres (câncer demama e do aparelho genital) (Guimarães et alii, 2002).

Em 1977, o CPLGL expandiu-se com a construção do Hospital SantaRita, que posteriormente passou a ser denominado Instituto Nacional deGinecologia Preventiva e de Reprodução Humana. Com a extinção desseInstituto, em 1982, todo o conjunto (ambulatório e hospital) passou achamar-se Centro de Ginecologia Luiza Gomes de Lemos, comatividades ambulatoriais e cirúrgicas, de ginecologia e mastologia.

Após a extinção da Fundação das Pioneiras Sociais, decretada pelaLei no 8.246, de 22 de outubro de 1991 – a mesma que instituiu o ServiçoSocial Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, o CentroGinecológico foi incorporado ao INCA, por intermédio da PortariaMinisterial nº 968, de l0 de setembro de l992. Posteriormente, com onovo regimento do Ministério da Saúde, estabelecido pelo Decreto nº2.477, de 28 de janeiro de 1998, recebeu a atual denominação deHospital de Câncer III do INCA (idem).

inviabilidade de uma política prioritariamente voltadapara o aspecto curativo. Além disso, a detecção, a pre-venção, o diagnóstico, o tratamento e a pesquisa do cân-cer demandavam especialistas altamente treinados, alémda instalação de equipamentos custosos. Ao Governofederal, com o apoio dos estados e municípios, deveria

As Pioneiras Sociaise o INCA III

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caber a maior responsabilidade e participação, pois, osrecursos provenientes de campanhas populares ou dedoações não seriam capazes de suprir os meios necessá-rios para o controle da doença (Araújo e Marsillac, 1969).Neste sentido, somente o Estado teria condições de assu-mir uma estrutura capaz de conduzir, com mais rigor, aluta contra o câncer em esfera nacional.

Em maio de 1965, durante as comemorações anu-ais do mês do câncer, seria realizada a primeira reuniãoanual dos presidentes e diretores das entidades partici-pantes da rede de instituições vinculadas ao SNC. Essefórum – tal qual a III Conferência Nacional de Saúde –vocalizava o projeto dos sanitaristas da área em relaçãoao câncer. Suas propostas se relacionavam à maior auto-nomia econômica e financeira para o SNC, à criação deum detalhado cadastro – relacionando as instituiçõesvinculadas, suas atividades e número de atendimentos –e à necessidade de ampliação dos recursos para o Serviço.Nesse sentido, os dirigentes apelavam ao Executivo queo SNC não fizesse parte do plano de economia de recur-sos do Governo federal (Bodstein, 1987). Além desses te-mas, as reuniões do grupo geralmente se voltavam paraos meios de manutenção de todos os centros voltadospara o tratamento e controle da doença, a promoção decampanhas efetivamente nacionais, a organização de no-vos programas de atendimento e de pesquisa e, para asestratégias de formação de técnicos e especialistas. (Araújoe Marsillac, 1969).

Nas duas primeiras reuniões do grupo, a estruturado SNC e a relação entre suas diversas instituições foium aspecto intensamente discutido. Para muitos cance-rologistas, a organização em forma de rede dificultava aconjugação dos esforços para a melhoria do sistema comoum todo. Esse diagnóstico levou a proposições de unifi-cação operacional das instituições que compunham oServiço, sob a égide de uma entidade que deveria orien-tar e coordenar nos estados o plano geral estabelecidopelo SNC (Bodstein, 1987). Tais propostas aproximariama política pensada para o câncer das campanhas nacio-nais contra diversas doenças que seriam instituídas, em1966, pelo Ministério da Saúde, sem a inclusão do câncer.

Na verdade, os cancerologistas já tinham em mente umaatuação nacional nesse modelo. Para isso, propunham acriação de um Fundo Nacional de Câncer destinado afinanciar a Campanha Nacional. Os recursos seriam bus-cados com a criação de taxas e impostos sobre produtosconsiderados cancerígenos, em virtude da notória exigüi-dade de verbas federais destinadas ao combate ao câncer.

A Campanha Nacional de Combate aoCâncer

Na época em que dirigiu o Serviço Nacional doCâncer – 1963-1967, Moacyr Alves dos Santos Silva –clínico, cancerologista e um dos fundadores do Centrode Cancerologia, embrião do INCA – tentou dinamizar asatividades por meio da organização de uma CampanhaNacional de Combate ao Câncer, nos moldes da Campa-nha contra a Tuberculose. A institucionalização da Cam-panha Nacional de Combate ao Câncer, regulamentadapelo Presidente Costa e Silva e pelo Ministro Leonel Mi-randa, sempre fora uma aspiração dos cancerologistasdesde a criação dos Serviços Nacionais de Saúde, em 1941.

Em dezembro de 1967, quando Leonel Tavares Mi-randa ocupava o Ministério da Saúde, e Arthur da Costae Silva a Presidência da República, foi finalmente publi-cado o Decreto nº 61.968, que instituiu no Ministérioda Saúde a Campanha Nacional de Combate ao Câncer.

“Artigo 1º. Fica instituída no Serviço Nacional de Cân-cer, do Departamento Nacional de Saúde, do Ministérioda Saúde, nos termos dos artigos 1º e 2º da Lei n° 5.026,de 14 de junho de 1966, a Campanha Nacional de Com-bate ao Câncer (CNCC) (Decreto 61.9688, de 22/12/1967)”.

Para impulsionar a luta contra a doença em todoo País, várias instituições, em diversos estados vieram aconstituir a Campanha Nacional. Algumas dessas insti-tuições já existiam, outras foram criadas para esse fim,entre as primeiras estavam: a Associação Brasileira deAssistência aos Cancerosos (fundada por Mario Kroeff);a Associação Paulista de Combate ao Câncer (por Anto-nio Prudente); a Liga Baiana contra o Câncer (por Aris-tides Maltez); a Liga Paranaense contra o Câncer (por

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Campanha de Combate ao Câncer 1961. Doação

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Erasto Gaertner); o Núcleo de Combate ao Câncer deMaceió (por Ib Gatto Falcão); e a Associação de Combateao Câncer do Brasil Central (por Mário Palmério).

A CNCC, como seria chamada, foi inaugurada ofi-cialmente em 06 de maio de 1968, em sessão solene noINCA, e juridicamente institucionalizada. Se destinaria a

“intensificar e coordenar, em todo o território nacional, asatividades públicas e privadas de prevenção, de diagnós-tico precoce, de assistência médica, de formação de técni-cos especializados, de pesquisa, de educação, ação social ede recuperação relacio-nadas com as neoplasias malignasem todas as suas formas clínicas, com a finalidade de redu-zir-lhes a incidência (Decreto 61.9688, de 22/12/1967)”.

Previa ainda medidas para ampliação e aparelha-mento de unidades médico-hospitalares especializadas,formação de pessoal técnico em diagnóstico e ensinosobre detecção e profilaxia da doença. Apesar das metasambiciosas que a Campanha se propunha e da amplitude eimportância do programa, ela se viu seriamente ameaçadapela política governamental de contenção de despesasna área da saúde.

Dispondo de um orçamento pequeno, a Campa-nha deu início aos trabalhos em quase todos os estados.Várias entidades privadas de combate ao câncer recebe-ram auxílio, entre elas: Núcleo de Combate ao Câncerda Santa Casa de Misericórdia de Alagoas; AssociaçãoFeminina de Combate ao Câncer do Espírito Santo; Hos-pital Mario Kroeff (mantido pela Associação Brasileirade Assistência aos Cancerosos); Associação Mato-Gros-sense de Combate ao Câncer; Hospital Borges da Costade Minas Gerais; Instituto Ofir Loyola do Pará; SociedadeParaibana de Combate ao Câncer; Hospital Erasto Gaert-ner do Paraná; Clínica de Câncer da Sociedade Pernam-bucana de Combate ao Câncer; Hospital Luiz Antonio daLiga Norte Rio-Grandense contra o Câncer; InstitutoArnaldo Vieira de Carvalho de São Paulo; Hospital Álva-ro Alvim do Rio de Janeiro; entre outras instituições. Valea pena ressaltar que os recursos consignados pelo do Ser-viço Nacional de Câncer para manutenção dessas ins-tituições, praticamente duplicaram entre 1968 e 1969(Araújo e Marsillac, 1969). Aparelho utilizado no diagnóstico de câncer, 1961

Campanhas educativas e formaçãode especialistas

Diferentemente da tônica dada às ações educativasnas décadas anteriores à criação da CNCC, cujo enfoqueera o de alertar a população da possibilidade de contraira doença por meio do “pavor” e da “morte anunciada”, aCNCC chamaria a atenção para os recursos disponíveis epara os avanços no tratamento da doença. O objetivo eradivulgar, por “atitudes de alerta e não de alarme”, umanova forma de diagnosticar e tratar a doença.

Entre as metas propostas, estava a de incentivar aCampanha Educativa Social quanto ao valor da preven-ção e detecção do câncer, entre médicos e leigos. A preo-cupação com a prevenção por meio da educação higiê-

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SAÚDE: BEM PÚBLICO OU PRIVADO?

Exame radiográfico. Hospital das Pioneiras Sociais, 1965

Metas da CampanhaNacional de Combate aoCâncer para 1968

1 – Incentivar a Campanha Educativa Social quanto ao valor daprevenção e detecção do câncer, entre médicos e leigos.

2 – Dar divulgação ampla do valor da residência em hospitais decâncer através da Campanha dirigida às faculdades de medicina doterritório nacional, para a formação de especialistas em cancerologia.

3 – Divulgar a necessidade das entidades de combate ao câncer,incentivar a formação de técnicos especializados, mediante estágio emhospitais de câncer credenciados pela Campanha.

4 – Estudar e propor as medidas legais para incluir a cancerologia nafase curricular e ou na fase de pós-graduação do ensino médico.

5 – Procurar incentivar a instituição de registro de câncer nasdiversas regiões do Território Nacional.

6 – Promover uma reunião anual, com os dirigentes de entidadespúblicas ou privadas participantes da CNCC, para a fixação edeterminação de diretrizes ao combate ao câncer no país.

7 – Estudar normas que deverão reger o funcionamento educacionale técnico administrativo das coordenadorias educacionais.

8 – Iniciar estudo para preparo de material especializado emdivulgação e propaganda da CNCC.

9 – Lançar as bases de um levantamento minucioso (pessoal,material e técnico) da situação atual das entidades públicas e privadasque participam do combate ao câncer em nosso país contando com aparticipação da SOC do Serviço Nacional de Câncer.

10 – Estudar plano para a instituição de uma campanha financeiracom finalidade levantar fundos para a CNCC.

(RBC, 1968)

nica veio a ser a pedra de toque da política pública emsaúde. O objetivo, portanto, era fornecer elementos aosmédicos para que pudessem diagnosticar a doença logono seu início e alertar a população para os primeirossintomas, uma vez que, quando diagnosticada precoce-mente, poderia ser curada. Daí a ênfase na junção entrepropaganda e educação higiênica para detecção e trata-mento profilático dos doentes em hospitais de câncer.

Para Adayr Eiras de Araújo, as campanhas teriamum caráter esclarecedor e seriam realizadas em moldesdiversos das campanhas anteriores. Para tanto, dizia ele,

“(...) serão contratados técnicos especializados em propa-ganda que, através dos meios modernos de divulgação,levarão ao povo em caráter constante mensagens deensinamento e esperança, destinadas a fazer desaparecero grande espantalho que representa a palavra câncer, mos-

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Campanha de Combate ao Câncer do ano de 1964, organizada no Aeroporto Santos Dumont

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trando como reconhecer o mal em seus primeiros sinto-mas e as medidas a serem tomadas quando estes se mani-festarem (Araújo, 1967: 22)”.

A Campanha Educativa Social procurava, portanto,ensinar a população a reconhecer anormalidades e tomaras medidas necessárias para combatê-las. Além disso, in-centivava a realização de exames periódicos sistemáti-cos em pessoas com mais de 40 anos de idade, uma vezque o aumento da incidência de câncer acompanhava aidade (Marsillac, 1968).

O sucesso da Campanha demandava a formaçãode novos quadros. A questão do ensino da cancerologianas faculdades de medicina era um problema enfrentadona formação de profissionais. Havia, segundo Prudente,uma resistência entre os médicos de não se aceitar a can-cerologia como uma especialidade clínica. E, desinteressepelos estudantes de medicina no problema dos tumores,pois o mesmo lhes é apresentado sob aspectos os mais diversos,fragmentariamente, por professores que quase sempre têm opi-niões diferentes, senão antagônicas, sobre as questões funda-mentais referentes aos tumores (Prudente, 1959: 65).

O problema da educação profissional vinha sendodebatido em vários trabalhos publicados na Revista Bra-sileira de Cancerologia, na Revista Brasileira de Cirurgia, etc.Discutia-se a criação de cursos formais, especializados, e,ao mesmo tempo, a intensificação do ensino da cance-rologia no meio médico. Para os cancerologistas do Insti-tuto Nacional de Câncer, uma vez que o câncer era vistocomo um problema de saúde pública, fazia-se indispen-sável a junção entre formação profissional e campanhaseducativas mais generalistas. Acreditavam que a cance-rologia como cadeira, tinha tanta importância quantoa dermatologia, a tisiologia, a urologia ou outras especia-lidades. Diziam eles que, na maioria dos casos, um diag-nóstico tardio impossibilitava a realização de cirurgias,radioterapia e quimioterapia, e que isso se devia em gran-de parte à falta de conhecimento sobre a doença.

Na luta organizada contra o câncer, três setoresdeveriam ganhar destaque: a pesquisa em cancerologia,destinada a estabelecer novos conhecimentos e fornecerinformações inéditas a respeito dos tumores e os meios

eficazes para combatê-los; o controle, visando à aplica-ção de medidas e métodos de combate ao câncer (tantode caráter coletivo quanto individual), e a educação pro-fissional, funcionando com um elo entre pesquisa e con-trole. Em trabalhos publicados na Revista Brasileira deCirurgia, Antonio Prudente dizia que, muito mais im-portante do que estabelecer se a cancerologia é especiali-dade ou não, seria procurar preparar “indivíduos capa-zes de dirigir a luta, num âmbito médico-social muitoamplo. [...] médicos que possuam todos os conhecimen-tos necessários para essa tarefa” (Prudente, 1960: 217).

O Instituto e suas áreas de atuação

Com a institucionalização da Campanha, o Insti-tuto Nacional de Câncer deixou de ser o principal for-mulador das políticas de combate à doença no País. Mas,apesar disso, manteve um papel de destaque por meio daprestação de serviços médicos, ensino, pesquisa e elabo-ração de programas educativos. No período que prece-deu a crise que se abateria sobre a instituição a partir de1968, o Instituto funcionava a todo vapor, mantendo oentusiasmo que a inauguração da nova sede proporcio-nara a seus técnicos.

No início de 1968, quando começou a CampanhaNacional de Combate ao Câncer, o Instituto, instaladona praça da Cruz Vermelha, no Rio de Janeiro, tinha ca-pacidade para 331 leitos. Havia cerca de 120 médicos e830 funcionários atuando na instituição. O bloco cirúr-gico, construído anexo ao prédio principal, tinha oitoandares com salas de operação e de recuperação de trata-mento intensivo, bem como um Centro de Aneste-siologia. Esse bloco, criado e equipado durante a gestãode Francisco Fialho no INCA e de Moacyr Alves dos San-tos no Serviço Nacional de Câncer, constituía um pontode apoio para algumas seções do prédio principal, quefuncionavam precariamente. Ao terminar as obras, es-sas seções mudaram-se, em caráter definitivo, para o novobloco.

Outras sessões importantes do Instituto e que am-pliaram seu campo de atuação nos anos 1960 e 1970

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Tomografia para diagnóstico de câncer

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SAÚDE: BEM PÚBLICO OU PRIVADO?

foram: o Laboratório de Anatomia Patológica, na época,chefiado por Francisco Filho e que, com a inauguraçãodo prédio anexo, passou a funcionar em todo o 5º an-dar; a Seção de Radiodiagnóstico, com sete aparelhos; osLaboratórios de Análises e de Citologia; as Seções deRadioisótopos e de Experimentação e Pesquisa; a Seçãode Fisioterapia; e o Departamento de Medicina, a cargo deMoacyr Santos Silva, no qual estavam incluídos a Seçãode Linfomas e a Unidade de Pediatria. O Instituto contava,ainda, com um Banco de Sangue, uma Biblioteca, umAuditório com capacidade para 270 pessoas, uma Tipo-grafia e uma Seção de Fotografia. Continha doze am-bulatórios, com dezenas de salas e boxes. Do ponto devista da medicina preventiva, havia os Serviços de Pre-venção e Detecção do Câncer Ginecológico, da Boca edo Pulmão.

A Seção de Radioterapia, uma das mais atuantes eequipadas do INCA, recebeu novos investimentos, pas-sando a contar com aparelho de roentgenterapia, alémde produtos específicos para esse fim, como cobalto-60 erádio em tubos e agulhas, dois aparelhos de radiotera-pia superficial e quatro para radioterapia profunda con-vencional. Em 1964, havia sido criado o Setor de Físicade Irradiação Aplicada à Medicina. Para chefiá-lo, foi con-vidada a física Esther Nunes Pereira. Até esse período, ha-viam sido formados, em estágio especializado, 40 radio-terapeutas, que tiveram sua formação técnica na Seçãode Radioterapia do Instituto Nacional de Câncer. Pos-teriormente, durante a gestão de Adayr Eiras de Araújo(1974-78), novos equipamentos foram adquiridos na áreade Medicina Nuclear, Radiologia e Radioterapia (Mar-sillac, 1988; Araújo e Marsillac, 1969).

No Instituto, havia o Centro de Estudos e EnsinoAmadeu Filho, responsável, entre outras atividades, pelapublicação de um boletim com todas as realizações doINCA, pelo patrocínio de cursos de especialização emRadioterapia, Cirurgia de Pescoço e Cabeça e Ginecolo-gia e pela colaboração nas campanhas de educação po-pular, programadas pelo Serviço Nacional de Câncer. Esteaspecto, de educação em saúde, era um programa pio-neiro no País. O Centro atuava ainda na promoção de

intercâmbios com entidades congêneres, nacionais e es-trangeiras, bem como na formação técnico-auxiliar, nasfunções destinadas à cancerologia e, finalmente, na orien-tação e coordenação da residência no Instituto Nacionalde Câncer.

Após desmembrar-se da Seção de Cabeça e Pescoço(a primeira dessa especialidade a ser criada no País, em1952), a Seção de Cirurgia Plástica tornou-se uma espe-cialidade no INCA. Foi o primeiro serviço a realizar, noBrasil, a reconstrução mamária com retalhos miocutâ-neos do reto-abdominal. Introduziu no serviço públicoa microcirurgia como técnica cirúrgica, formou várioscirurgiões plásticos no País e organizou vários cursosnacionais e internacionais em cirurgia plástica recons-trutora. Ressalta-se ainda que inúmeros médicos ocupa-ram cargos importantes na Sociedade Brasileira de Cirur-gia Plástica (Kogut, et. alii, 2000).

Com o aumento das atribuições do Instituto, aantiga Seção de Estatística e Epidemiologia foi desmem-brada em duas seções: Seção de Estatística e ArquivoMédico e Seção de Epidemiologia e Estatística, com oobjetivo de realizar análise, codificação, auditoria e ar-quivamento dos prontuários do INCA.

A Seção de Experimentação e Pesquisa do Institutoocupava todo um pavimento. Nela realizavam-se pesqui-sas básicas e o estudo do efeito terapêutico de algunsmedicamentos para o tratamento do câncer. O Institutoinstalou no Serviço de Hemoterapia a Unidade de Sepa-ração Celular Emil J. Freireich, sendo o primeiro serviçodo País a executar aférese em equipamento de fluxo con-tínuo. Nessa mesma época, foi instalado o laboratóriode Imuno-Sorologia, pioneiro na implantação de testespara doença de chagas, sífilis e hepatite B.

Em 1967, durante as comemorações do 30º ani-versário do Instituto, inaugurou-se o primeiro ambula-tório preventivo de câncer oral. Outra Seção de destaquedo Instituto era a de Ginecologia, que também contin-ha um Ambulatório de Prevenção ao Câncer Ginecoló-gico. Na seção de Cirurgia Urológica e Genital Masculina,organizada em 1953, haviam sido praticadas até o mo-mento 1.728 operações urológicas.

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Fotografia aérea da atual Praça da Cruz Vermelha onde estão localizadas diversas seções do INCA, inclusive seu prédio principal, em destaque

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SAÚDE: BEM PÚBLICO OU PRIVADO?

As dificuldades institucionais que atingiram oINCA a partir de 1968 causaram uma interrupção emseu processo de expansão institucional. A transferênciapara o Ministério da Educação e a restrição das ativida-des principalmente ao campo do ensino fizeram que oInstituto, entre o final da década de 1960 e o início dadécada seguinte, passasse por encolhimento de suas áreasde atuação.

De volta à saúde pública

As transformações da saúde pública iniciadas como Governo Castello Branco repercutiram sobre a estru-tura organizacional da saúde pública de forma gradativa.Foram consolidadas na gestão de Leonel Miranda noMinistério da Saúde, destacando-se o ano de 1970 comoum importante momento de reformulação nos princí-pios orientadores da política de saúde pública, com re-percussões na estrutura administrativa do Ministério daSaúde.

O novo ministro acompanhando as proposições emvigor naquele período – que observavam a melhoria dascondições de saúde da população como essenciais para odesenvolvimento do País – se dedicou a formulação deum amplo Programa de Ação, que elaborou para imple-mentar no Ministério da Saúde, no período 1967-71. Neleapresentava um diagnóstico das condições de saúde eprocurava definir ações voltadas para a prevenção e con-trole dos problemas de saúde, orientadas por técnicas deplanejamento (Bodstein, 1987:102). Entretanto, nãoobteve tempo para executá-lo, pois foi substituído porLeonel Miranda no próprio ano de 1967. Diante disso,podemos apontar a aprovação da Lei Orgânica das Cam-panhas Sanitárias como um dos principais eventos ins-titucionais promovidos durante sua gestão.

A Lei nº 5.026, de 14 de junho de 1966, estabele-ceu normas gerais para a instituição e execução de cam-panhas de saúde pública, exercidas ou promovidas peloMinistério da Saúde. Seu objetivo era o de intensificar ecoordenar em todo o País as atividades públicas e parti-culares destinadas à prevenção e combate de doenças que

constituíssem problema coletivo. Essa proposta procura-va centralizar as ações de saúde e enfraquecia os serviçoslocais. O texto legislativo que a normatizou reforçava aidéia de campanhas conjunturais, para atender à epide-mias, com colaboração de instituições particulares, semindicar um caráter de permanência nas atividades deprevenção. Havia também uma excessiva preocupaçãocom os custos e a contratação de terceiros para as ativida-des temporárias, explicável se considerarmos que as cam-panhas proporcionaram uma alternativa de gestão derecursos no setor da saúde. Tendo em vista o contextopolítico conturbado, a lei orgânica das campanhas sani-tárias representou mais uma tentativa de redirecionar aatuação pública na saúde, abrindo espaço para que ins-tituições particulares aumentassem sua participação nagestão dos serviços de saúde (Fonseca, 2001) .

Com a posse de Leonel Miranda e a instituição doPlano Nacional de Saúde (PNS), um novo momento seiniciou na esfera da saúde no País, trazendo repercus-sões diretas sobre o Instituto Nacional de Câncer. A apro-vação do Decreto–Lei nº 200 em 25/02/1967, que dis-punha sobre a organização da administração federal,criou um importante respaldo jurídico para as altera-ções administrativas que ocorreriam nos próximos anos.

O PNS procurou traduzir para a esfera da saúde asdiretrizes indicadas pelo Decreto- Lei nº 200, estimulan-do a ação no campo da saúde como um campo de inves-timento econômico. Nesse sentido, previa como um dosmecanismos de descentralização, a passagem de órgãos públi-cos para a órbita privada mediante concessões e contratos. Porisso mesmo, o PNS deve ser visto como o instrumento políticoque tentou adequar o setor saúde à nova política de desenvolvi-mento nacional, respaldado na retomada do dinamismo dainiciativa privada (Bodstein, 1987).

Em 1968 era bastante estreita a relação entre oGoverno federal e os produtores privados de serviços desaúde, na medida em que o INPS passou a ser o grandecomprador de serviços médicos privados organizados emmoldes empresariais (Koch, et alii, 1986). Para o sanita-rista Carlos Gentile de Melo, o Plano Nacional de Saúde,além de representar os interesses desses produtores privados de

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serviços médicos e das empresas médicas, trazia imbuído emseus princípios a privatização integral das atividades médico-hospitalares. O argumento principal do PNS era a da ineficiên-cia comprovada dos serviços públicos (Gentille, 1977: 65).

Por outro lado, o PNS procurava canalizar exclu-sivamente para o Ministério da Saúde as ações de assis-tência médico-hospitalar, até então principalmente soba órbita da Previdência Social, priorizando a área da me-dicina assistencial em detrimento da saúde pública es-pecificamente.

Com relação a esta última ocorreria também umaimportante reformulação institucional, traduzindo tam-bém os princípios que estavam sendo priorizados paraeste setor. Dois anos depois da aprovação do Decreto-Leinº 200, foi criada a Superintendência de Campanhas deSaúde Pública (SUCAM) (Decreto nº 65.253, de 01/10/1969). Com esta nova organização institucional as Cam-panhas Sanitárias, sob responsabilidade do novo órgão,ficaram subordinadas à Secretaria de Saúde Pública quepassou a ser integrada pelos seguintes órgãos: a) Depar-tamento Nacional de Profilaxia e Controle de Doenças(composto pelas Divisões Nacionais de Educação Sani-tária, Engenharia Sanitária, Epidemiologia e Estatísticada Saúde,Tuberculose e de Lepra); b) SUCAM ; c) DivisãoNacional de Fiscalização; e d) Divisão Nacional de Or-ganização Sanitária.

A criação da SUCAM – resultante da fusão do Depar-tamento de Endemias Rurais (DNERu), da Campanha deErradicação da Varíola e da Campanha de Erradicação daMalária – apontava para um novo contexto no âmbitoda saúde pública, expressando um viés de ação pública,um formato de gestão e uma visão política para esse cam-po. Com autonomia administrativa e financeira, ficou coma responsabilidade pela execução direta das atividadesde erradicação e controle de endemias nas áreas em quehavia transmissão atual ou potencial. As antigas circuns-crições do DNERu desapareceram e foram incorporadaspelas novas Delegacias Federais de Saúde.

Este processo de alteração institucional no âmbitoda saúde continuou em curso na década seguinte, man-tendo uma orientação que favorecia e fortalecia a assis-

tência médica e sua gradativa privatização. Dois impor-tantes eventos que ocorreram no mesmo ano de 1974atestam esse movimento: a criação do Ministério da Pre-vidência e Assistência Social (MPAS) e a aprovação doPlano de Pronta Ação (PPA). Três anos depois em 1977seria também criado o Sistema Nacional de Previdênciae Assistência Social (SINPAS).

Esta trajetória institucional fortalecia a separaçãoentre o Ministério da Saúde e sua área de abrangência, –a saúde pública – e a área da previdência que ganhavapeso e relevância como política pública prioritária desaúde. A criação do MPAS evidenciava esses parâmetrose retirava da órbita original do Ministério do Trabalho aregulação sobre a assistência médica dos trabalhadores.Segundo Escorel (1999), após sua criação, o MPAS passoua deter o segundo maior orçamento da União.

O PPA, instituído pela Portaria nº MPAS-39, de 05de setembro de 1974, tinha como objetivo facilitar oacesso dos beneficiários da Previdência Social aos servi-ços de saúde, criando, dessa forma, as condições legis-lativas necessárias à consolidação das ações preconizadaspelo novo MPAS. O resultado de sua aplicação evidenciaum aumento vertiginoso dos custos da Previdência comassistência médica, viabilizado pelos contratos de presta-ção de serviços de saúde com o setor privado, por inter-médio de convênios com hospitais e clínicas particulares.(Braga e Paula, 1986). Segundo dados apresentados porEscorel (op. cit) foram realizados 33.585 convênios em1975. Deste total, 3.191 foram com empresas, 390 comsindicatos, 30 com governos estaduais, 24 com prefeitu-ras e 17 com universidades, dados que, na interpretaçãoda autora, evidenciam o modelo privatizante em curso.

Já na segunda metade da década de 1970, come-çam a surgir as primeiras propostas voltadas para a refor-mulação desse modelo de gestão que havia sido implan-tado a partir de 1964. O debate relativo à descetralizaçãodos serviços de saúde, iniciado nos anos 1960, durante aIII CNS, ressurge em propostas como a do Programa deInteriorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS),elaborado em 1976, já sob a gestão do ministro Paulode Almeida Machado.

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SAÚDE: BEM PÚBLICO OU PRIVADO?

Começaram também a ter repercussão as diretrizesinternacionais de fortalecer a atenção primária de saúdee a participação comunitária, preconizadas pela Orga-nização Mundial de Saúde a partir da Conferência deAlma-Ata, realizada em 1978, cujo objetivo se expres-sava no slogan Saúde Para Todos no Ano 2000. Nessa li-nha, foi elaborado o Programa Nacional de ServiçosBásicos de Saúde (PREV-SAÚDE), que, apesar de não tersido implantado, alimentou o debate em torno dessestemas.

Esse panorama geral de alterações políticas einstitucionais na saúde repercutiu diretamente sobre ocampo de ação viabilizado nas estruturas institucionaisdedicadas ao controle do câncer no Brasil. As ações nessaárea tiveram que se adaptar e acompanhar as mudançasinstitucionais, adequando suas necessidades e priori-dades, e as dificuldades enfrentadas às diretrizes ditadaspelo novo contexto político. O INCA, em particular, pas-saria por mudanças significativas, que deixariam mar-cas significativas em sua história institucional.

O combate ao câncer na mira daprivatização

A reorientação da política de saúde, a partir da dé-cada de 1960, originaria mudanças que beneficiavam amedicina assistencial e reduziriam drasticamente o or-çamento do Ministério da Saúde. As medidas tomadasresultaram em muitas modificações estruturais e funcio-nais para o Instituto Nacional de Câncer num processode declínio institucional que, por algum motivo impe-diu o instituto de cumprir sua missão institucional comoinstituição de referência no controle do câncer.

O ingresso de Leonel Tavares (1967-69) no Minis-tério da Saúde e, posteriormente, a formulação do cha-mado “Plano Nacional de Saúde” (PNS) deixaram oscancerologistas do INCA extremamente preocupados,pois o plano era uma decorrência da política expressapelo Decreto-Lei nº 200 (de 25/02/1967), que previa apassagem de órgãos públicos para a órbita privada, me-diante concessões e contratos. Nesse momento, os altos

escalões do Ministério colocavam em dúvida a premissados cancerologistas de que o câncer era uma questão desaúde pública, argumentando que ele poderia tambémser classificado como um problema de saúde individuala ser tratado pela medicina assistencial. Essas discussõesgiravam em torno de questões como: O câncer é ende-mia? O câncer é epidêmico? O câncer é contagiante? Exis-tem vetores transmissores? Na visão de Leonel Miranda,o câncer estaria diretamente relacionado às doenças quenão tinham um caráter de saúde pública.

Para os cancerologistas do INCA, essas discussõesvisavam, entre outros pontos, conter os gastos do Mi-nistério da Saúde em relação ao câncer, em virtude daperda de prestígio político e do empobrecimento doMinistério, tornando explícita a dicotomia entre medi-cina assistencial e saúde pública. Não restavam dúvidasde que o câncer deveria ser entendido como uma ques-tão de saúde pública. A própria Organização Mundial deSaúde e a Associação Latino-Americana de AcademiasNacionais de Medicina, diziam eles, já haviam reconhe-cido o câncer como um problema de saúde pública. Alémdisso, as cifras de morte pela doença, em 1969, eram alar-mantes, não só no Brasil, mas em vários países. No Bra-sil, nas capitais de alguns estados (Rio de Janeiro, SãoPaulo, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte), o câncerocupava o primeiro lugar como causa de morte, supe-rando as doenças de coração (Araújo e Marsillac, 1969).

Na Reunião Especial dos Ministros de Saúde dasAméricas, ficou explicitada a nova diretriz do ministroLeonel Miranda para o setor saúde. Nas suas palavras, asaúde não pode mais ser considerada somente como fator debem-estar, mas como investimento da mais alta rentabilidadee fundamental a infra-estrutura do processo de desenvolvimento(BRASIL – Ministério da Saúde, s/d). Apesar da valoriza-ção da saúde para o processo de desenvolvimento nacio-nal nesse período, enfatizou-se a importância da consti-tuição do setor saúde como campo de investimentos al-tamente rentáveis. Ou seja, o bem-estar da populaçãodependeria, nas palavras do ministro, da capacidade dosetor saúde em transformar-se num campo atraente para ocapital privado (Bodstein, 1987: 112).

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

As preocupações dos técnicos do INCA não eramsem sentido. A nova política de assistência médicaconsubstanciada no Plano Nacional de Saúde foi postaem prática durante a gestão de Leonel Miranda, afetan-do profundamente os rumos do Instituto Nacional deCâncer.

O movimento dos cancerologistas do INCA con-tou com o apoio de várias entidades de saúde e da im-prensa em geral. Em nota intitulada “Hospital e Auto-móveis”, o Jornal do Brasil denunciava a concorrênciapública que o Governo realizaria para arrendamentodo Hospital do Câncer; a medida é coerente com a orienta-ção adotada pelo Ministro Leonel Miranda de transferir a ter-ceiros, sempre que possível a concessão de serviços médicos ori-ginariamente realizadas pelo governo (Jornal do Brasil, 30 deabril de 1969).

O período em que Leonel Miranda ocupou a dire-ção do Ministério trouxe grandes dificuldades para o Ins-tituto Nacional de Câncer. Segundo as palavras do mé-dico Ary Frauzino, que vivenciou as dificuldades do pe-ríodo colocando-se ao lado dos que resistiam as propos-tas de mudança:

“Leonel Miranda modificou a filosofia da política de saú-de do Governo [...]. Todos os serviços criados sob a égideda estatização foram privatizados, ficando extremamenteociosos.

(...) instalamos um estado de beligerância dentro da ins-tituição. Fazíamos assembléias permanentes e publicaçõesnos jornais combatendo o Ministro. [...]. Foi sem dúvidauma fase negra para a instituição, pois não havia verbapara sua manutenção nem por parte do Ministério daSaúde nem, tampouco, do Ministério da Educação e Cul-tura (Frauzino, sd)”.

Em setembro de 1968, os cancerologistas doINCA lançaram um memorial de descontentamentoem relação à atitude do Governo. O memorialcoincidiu com o 30º aniversário da instituição. Dizia oMemorial:

Considerando

1. que o primeiro direito do homem é o DIREITO ÀVIDA, que implica DIREITO À SAÙDE;

2. que as populações brasileiras estão assoladaspor múltiplas, extensas e graves endemias;

3. que faltam, de modo geral, às cidades, grandese pequenas, condições de saneamento básico;

4. que é alarmante o índice de mortalidadeinfantil;

5. que o câncer, na esmagadora maioria doscasos, atinge o homem na fase máxima de suaprodução;

6. que o combate ao câncer tem ainda âmbito earmas muito limitados;

7. que a assistência médica é precária, nãoalcançando o homem do campo e sendo limitada nascidades;

Publicação comemorativa dos 30 anos doINCA, 1968

8. que o desenvolvimento do País só pode serconseguido como empresa de homem sadio;

9. que os serviços de saúde públicos e privadossofrem falta de recursos até para o essencial;

10. que os hospitais privados dedicados aocâncer lutam para sobreviver, tendo inclusivediminuído o número de seus leitos;

11. que a dotação global do Ministério da Saúde éinexpressiva diante do vulto das tarefas a enfrentar;

12. que tal dotação, ao invés de crescer, reduziu-se à metade, em termos reais, nos últimos dez anos;

13. que, além disso, ela sofre no seu emprego,cortes profundos e adiantamentos perturbadores.

Formula o mais veemente e enérgico apelo paraser enviado aos Excelentíssimos Senhores Presidenteda República e ministros de Estado da Saúde, daFazenda, do Interior e do Planejamento eCoordenação Geral, no sentido de se adotar umapolítica nacional de saúde mais vigorosa (RBC,outubro, 1968, v. 24, n. 38).

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SAÚDE: BEM PÚBLICO OU PRIVADO?

Marsillac pertencia à primeira geração de técnicos do Instituto Nacional deCâncer, onde ingressou ainda em 1938, como médico recém-formado. Chegou àdireção em 1967 e foi um dos que mais lutou contra a privatização do Instituto emesmo contra a sua vinculação à FEFIEG. Sua opinião, embora eivada de forterepulsa a qualquer mudança no projeto original da instituição, moldado por seugrupo, sob a liderança de Mario Kroeff, é bastante reveladora sobre o processoque vinha se desenrolando.

“Estava em marcha a privatização do Instituto Nacional de Câncer, já entãoconfirmada por largo noticiário da imprensa.

Porém, somente no dia 6 de maio de 1969, o diretor do Serviço Nacional deCâncer, professor Adayr Eiras de Araújo e eu mesmo fomos convocados aogabinete ministerial. Não para opinar a respeito de tão importante matéria, masapenas para ouvir do Senhor ministro da Saúde, Dr. Leonel Miranda, a decisão játomada de entregar o Instituto Nacional de Câncer à iniciativa privada, nãoconfirmando a palavra que empenhara comigo na presença daquele ilustrecolega, de que nenhuma decisão definitiva seria tomada a respeito do destino doInstituto Nacional de Câncer sem primeiro ouvir-nos. Era a repetição do que jáocorrera com os demais diretores.

Em face das ocorrências que se seguiram, enviei no mesmo dia pelocorreio, mediante registro, já que seu gabinete se recusara a aceitá-lo, o meupedido de demissão de diretor do Instituto Nacional de Câncer, vazado nosseguintes termos:

Ofício no 264-1969, de 6 de maio de 1969Do diretor do Instituto Nacional de CâncerAo Exmo. Sr. Ministro da SaúdeAssunto: Pedido de demissão.Excelentíssimo Senhor Ministro da Saúde:

Estou no mais completo desacordo com o anteprojeto da reformaadministrativa a ser aplicada no Instituto Nacional de Câncer e cujos termos,hoje, V. Exa. revelou em seu gabinete. Tendo sido ele elaborado a revelia e,principalmente, sem o concurso de qualquer cancerologista do Instituto Nacionalde Câncer, que está repleto dos mais ilustres e experientes do país, faltaram-lheas bases necessárias para garantir o progresso e a vida do Instituto Nacional deCâncer, do Ministério da Saúde, órgão que, sem modéstia, enriquece os meiosmédicos brasileiros e coloca o País entre os vanguardeiros da luta contra ocâncer em todo o mundo.

A tentativa de privatização do Instituto Nacional deCâncer na visão de Jorge Marsillac

Nesses termos venho, solicitar a V. Exa. a demissão do cargo em comissãode diretor do Instituto Nacional de Câncer. Faço-o movido pelos mesmossentimentos do austero general Anápio Gomes, que, ao pedir demissão do altocargo de presidente do Banco do Brasil, disse “que o fazia para não vermalbaratados 40 anos de fiel dedicação à causa pública”.

Respeitosamente, prof. Jorge Sampaio de Marsillac Motta,Diretor do Instituto Nacional de Câncer

Em face da nossa vigorosa reação e que foi logo referendada pelas maisrepresentativas associações da classe, pela esmagadora maioria dos médicosdo Instituto Nacional de Câncer, por inúmeros colegas, pela imprensa e pormuitos outros cidadãos que têm acompanhado a luta contra o câncer no País, oSenhor Ministro da Saúde, viu-se compelido a voltar atrás de sua decisão. Numclima emocional de ira mal contida, ordenou a entrega imediata do InstitutoNacional de Câncer à Fundação Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro,mediante a assinatura de um contrato apressadamente redigido. Tal foi aurgência, que até o inventário dos bens públicos lá existentes sucedeu à entrega.

Na realidade, a nova solução foi uma fuga, pois a repulsa pela privatizaçãofora total. Não querendo reestudar nossa proposta, ou mesmo manter aInstituição como se achava, tomou uma resolução pessoal desastrosa, emprejuízo da pública que poderia e deveria ter sido adotada.” (Marsillac,1971: 428)

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

Havia o medo de que o ministro Leonel Mirandaextinguisse o Instituto Nacional de Câncer. Esse medoera compartilhado por Francisco Fialho, Jorge MarsillacMotta, Adayr Eiras de Araújo e outros membros do INCAque por toda a vida lutaram pela construção da institui-ção. Neste sentido, eles apresentaram ao ministro doisprojetos para tentar evitar a asfixia do Instituto. Umprimeiro, elaborado por Marsillac e Eiras, propunhatransformar o Instituto do Câncer numa Fundação doMinistério da Saúde. Já o projeto apresentado por Fran-cisco Fialho propunha sua subordinação a uma univer-sidade.

A subordinação do Instituto a uma instituição deensino não era vista com bons olhos pelos cance-rologistas e funcionários do INCA. A maioria dividia aopinião de que o Instituto corria grande risco de ter al-terada sua missão institucional, passando a se centrarsomente na área a formação em cancerologia. A oposi-ção ao projeto era tão forte que, em 29 de maio de 1969,

quando Francisco Fialho tomou posse na di-retoria do Instituto, a solenidade de

transmissão do cargo foi assistida porpoucos médicos e funcionários. Ao

contrário de Jorge MarsillacMotta e Adayr Eiras de Araújo,Fialho acreditava, que o Insti-tuto iria se tornar um espetacu-

lar viveiro de futuros cancerologistas.Na sua visão, o INCA era “muitocaro” para servir apenas à assistên-cia aos cancerosos (Fialho, 1969).

A posição de Fialho mostraque, embora existisse uma resistênciageral ao desmonte da instituição, em

seu interior germinavam diferentesprojetos que vislumbravam formas

diversas de o Instituto contribuircom a política do câncer no

País. A posição de Fialho se

relaciona ao ideal de diversos cancerologistas que viamno fortalecimento do ensino da especialidade a tarefaprioritária a ser cumprida. Ou seja, havia um grupo den-tro do INCA, que, de certa forma, era favorável à reformaadministrativa do Instituto. Por outro lado, essa mudan-ça implicava um enfraquecimento hierárquico da insti-tuição e o seu distanciamento frente ao SNC. As divisõesem torno dessas propostas acabou gerando um clima deanimosidade e descontentamento entre os cancero-logistas.

Em face da vigorosa reação da maioria dos médi-cos do INCA e da cobertura dada pela imprensa à possí-vel privatização do Instituto, Leonel Miranda viu-se com-pelido a voltar atrás de sua decisão. No entanto, orde-nou que ele fosse entregue à Federação de Escolas Fede-rais Isoladas do Estado da Guanabara (FEFIEG – atualUni-Rio), entidade ligada ao Ministério da Educação eCultura. A FEFIEG foi instituída em 20 de agosto de 1969pelo Decreto-Lei nº 773, com o objetivo de reunir e inte-grar, sob a forma de fundação, estabelecimentos isola-dos do sistema federal de ensino entre os quais foi inclu-ído o INCA. Faziam parte da FEFIEG, entre outras insti-tuições, a Fundação Escola de Medicina e Cirurgia doRio de Janeiro, a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto e aEscola Central de Nutrição. Foi neste momento que ocâncer saiu da esfera do Ministério da Saúde e entrou naesfera do Ministério da Educação. Como conseqüênciaprática da mudança, o Instituto momentaneamente dei-xou sua especificidade em relação ao câncer, passando atratar também outras doenças.

Além do descontentamento com a cessão do Insti-tuto, a crise estava sendo provocada pela exigência dadireção de que fosse cumprido expediente diário, obri-gando a maioria dos médicos a abdicarem de seus plan-tões em outros hospitais. Vários médicos pediram demis-são por não concordarem com a “partilha maldita”, naspalavras de Marsillac. Foram organizadas assembléias,lançados manifestos de repúdio condenando o açoda-mento com que se houve o Ministério em concretizar aentrega de seu patrimônio e uma fundação (Jornal do Bra-sil, 05/06/1969, p. 20).Francisco Fialho

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SAÚDE: BEM PÚBLICO OU PRIVADO?

O episódio da cessão do INCA à FEFIEG, gerado àrevelia dos diretores e dos cancerologistas do Institutopelo Ministério da Saúde, teve ampla repercussão nosmeios médicos e na imprensa. Por não aceitarem as de-terminações do ministro e estarem em total desacordocom o anteprojeto da Reforma Administrativa que seriaaplicada ao Instituto Nacional de Câncer, Adayr Eirasde Araújo e Jorge Marsillac foram exonerados de seuscargos.

Os dois anos e três meses durante os quais o INCAesteve subordinado ao Ministério da Educação foramcaracterizados como um retrocesso em todas as frentesde atuação do Instituto Nacional de Câncer, com confli-tos internos e repercussão externa (Bodstein, 1987;Motta, 1983). Dirigiram o Instituto neste período Fran-cisco Fialho (1969-70) e Ugo de Castro Pinheiro Guima-rães (1970-72) que procuraram enfatizar a área de ensino,de formação e capacitação profissional.

Em 1971, o Instituto retornou ao Ministério. Nessemomento, devido aos anos de crise, ele encontrava-setotalmente combalido, em virtude da transferência dequase a metade de sua equipe técnica para outras insti-tuições de saúde (Frauzino, sd). Além disso, a capacidadede atendimento aos doentes tinha sido extremamentereduzida. De acordo com Motta (1983), no período em

que o Instituto esteve vinculado ao Ministério da Edu-cação, não houve um programa de reestruturação. A ins-tituição sairia de sua maior crise fragilizada, tanto noque diz respeito aos recursos humanos – cerca de 200funcionários saíram do Instituto – quanto pela escassezfinanceira. No campo dos recursos humanos, o proble-ma era ainda mais grave pela impossibilidade novascontratações. Uma das conseqüências mais graves da cri-se para o Instituto Nacional de Câncer foi a redução donúmero de leitos. O Instituto passou a ocupar apenas ametade do prédio em que funcionava.

A Campanha Nacional de Controle do Câncer –que funcionava no 3º andar do INCA – também foi atin-gida pela transferência do Instituto para a FEFIEG. Du-rante o período compreendido entre 1969 e 1973, todoo processo de organização da campanha oficial contra ocâncer foi interrompido.

Neste ínterim, em 1970, já na gestão de Rocha La-goa no Ministério da Saúde, o SNC foi transformado emDivisão Nacional do Câncer (Decreto nº 66.623). Parachefiar a nova Divisão, foi indicado Moacyr Santos Sil-va, um dos opositores à rígida posição de Francisco Fialhona direção do Instituto. Dois anos depois, em 1972, aDivisão Nacional do Câncer, na época dirigida por JoãoSampaio Góes, foi transferida para Brasília.

Outro pioneiro do Instituto, o médico João Carlos Cabral –chefe do Serviço de Radiodiagnóstico (1970-1978) e diretorem 1978 – fala sobre a saída de funcionários do INCA noperíodo da gestão de Leonel Miranda no Ministério da Saúde

“... um cancerologista não se faz de um dia para o outro, aformação de um especialista dessa área se faz durante muitotempo e foi lamentado que aqui pontificaram grandes vultos dacancerologia nacional e, devido aos fatos ocorridos naquelaocasião, um grande número desses colegas foram e nãovoltaram mais, e o tempo que se demandou para asubstituição deles foi muito grande e essa ausência eu acho

que é lamentada até hoje. [...] Isso sem levar emconsideração as perdas forçadas a que o Hospital se viuobrigado durante a instalação do regime de 1964. Existia aquium cirurgião renomado, ex-diretor da casa, Dr. Luís Carlos deOliveira, que foi retirado desta casa por motivos políticos eque fez muita falta – está lá o retrato dele lá. Dr. Luís Carlos deOliveira Júnior, um dos maiores cirurgiões que eu já conheci,e foi retirado daqui sob a alegação de que ele era comunista,[...]. Foi aposentado compulsoriamente. [...], além de outrosque foram também afastados, mas que eu não conheci direito”(Cabral, 1985).

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

O Plano Nacional de Combate aoCâncer

Quando em 1970, o Serviço Nacional do Câncerfoi transformado em Divisão Nacional do Câncer (DNC),foi implantado o Plano Nacional de Combate ao Cân-cer (PNCC), que incluía em suas metas o ensino e pes-quisa no campo da oncologia. A Revista Brasileira deCancerologia ficaria responsável pela divulgação de cur-sos para aperfeiçoamento de médicos clínicos.

Na prática, o Plano Nacional de Combate ao Cân-cer iniciou suas atividades durante a gestão de JoãoSampaio Góes. Caracterizou-se principalmente pelo com-bate ao câncer em âmbito nacional e pela formação derecursos humanos, em especial, citotécnicos, uma vez queas atividades de radioterapia e diagnóstico precoce docolo uterino eram vistas como fundamentais para evitaro alastramento da doença. Na época, as maiores freqüên-cias registradas para as neoplasias malignas no Brasil,eram as de colo uterino, pele, mama e cavidade bucal.Tais localizações eram justamente as que permitiam dia-gnóstico precoce, sendo, portanto, representativa a por-centagem das lesões aí sediadas passíveis de detecção(Garrafa e Rosa, 1975).

Em 1972, Moacyr Alves dos Santos foi designadopara a direção do INCA. João Sampaio Góes Júnior esta-va na direção da Divisão Nacional do Câncer. MoacyrAlves ficaria na direção do Instituto até 1974, sendo subs-tituído por Adayr Eiras de Araújo, ainda com João Sam-paio na direção da Divisão.

Quando o INCA voltou à administração do Minis-tério da Saúde, assumiu nova orientação. Um novo regi-mento foi elaborado buscando como meta a elevaçãodo padrão dos serviços médicos oferecidos pelo Institutoà população. No entanto, a escassez aguda de recursosfinanceiros federais, suprimidos desde inícios dos anos1960, constituiria um entrave à execução dos serviços.

A retomada das atividades e da própria campanhacontra o câncer em âmbito nacional aconteceria, segun-do Marsillac, de maneira árdua a partir de 1974, durantea gestão de Eiras de Araújo, e somente em 1977 ganha-ria novamente força. Adayr Eiras de Araújo permaneceuna direção do Instituto Nacional de Câncer até iníciosde 1978. Neste período houve um incremento na áreaassistencial, com a construção de novos ambulatórios eum bloco cirúrgico, que ocupava todo o 11º. andar do Ins-tituto. Aumentou-se, ainda, o número de leitos do Hos-pital e contrataram-se alguns funcionários (Mota, 1983).

O Programa de Controle do Câncer

Em 1975, João Sampaio de Góes Júnior foi substi-tuído por Humberto Torloni na direção da DNC. Nestemesmo ano, foi criado novo programa – ‘Programa deControle do Câncer’ (PCC). Esse Programa trazia em suajustificativa a situação alarmante do câncer no País. Aincidência já havia alcançado cifras elevadas nos princi-pais centros urbanos e em diversas capitais ocupava umdos primeiros lugares das causas de morte. O Programafoi efetivado durante o período de 1976 a 1980, sendosua atuação dirigida para medidas de profilaxia e detec-ção através do diagnóstico precoce. O Programa oficiali-zava a universalização dos procedimentos relativos aocontrole do câncer em âmbito da Previdência Social einstituía comissões locais e regionais com vistas à açãointegrada no combate à doença.

Vale ressaltar, ainda, o incentivo dado à formaçãode profissionais não só nas faculdades de medicina, mastambém nas de odontologia, uma vez que os dados esta-tísticos em hospitais filiados à Campanha Nacional deCâncer, em 1968, indicavam que o câncer da boca ocu-

Orçamento destinado ao Serviço Nacional de Câncer,1956-1969

Fonte: Braga e Paula, 1986.

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SAÚDE: BEM PÚBLICO OU PRIVADO?

pava o segundo lugar em incidência (Garrafa e Rosa,1975). Partia-se do princípio de que cânceres de outrasnaturezas poderiam ser tratados quando detectados nafase inicial. Nesse sentido, com a aplicação dos métodosde prevenção, seria possível reduzir a incidência do cân-cer. De acordo com Garrafa, naquela época, os cânceresde maior incidência no País eram exatamente aquelesmais sensíveis à prevenção e detecção.

A DNC participaria do Programa por meio do in-centivo à formação de profissionais, em conjunto com aSociedade Brasileira de Cancerologia e faculdades afins.Além disso, participaria dos programas de prevenção,diagnóstico, tratamento e pesquisa do câncer.

Dois anos depois do início do Programa de Con-trole do Câncer, em 23 de janeiro de 1978, a DNC foiextinta, e, em seu lugar, foi criada a Divisão Nacional deDoenças Crônico-Degenerativas (DNDCD), que compu-nha a Secretaria Nacional de Programas Especiais (SNEPS).A DNDCD era uma divisão do Ministério da Saúde semrecursos orçamentários próprios. João Yunes foi nomeadoSecretário da SNEPS. Neste mesmo ano, Humberto Tor-loni assume a direção da SNEPS, e a DNDCD passa a serdirigida por Alberto Coutinho Filho (1978-79).

Apesar da extinção da DNC e da criação de uma es-trutura que tentaria reorganizar todas as atividades re-lativas ao câncer, o Instituto Nacional de Câncer con-tinuaria passando por séria dificuldade financeira e depessoal. Não havia repasse de verba por parte da DNDCD.Muito poucos recursos foram direcionados para as ativi-dades do Instituto tanto no que se refere à assistênciatanto no tocante à pesquisa e formação de pessoal.

A década de 1970 chegou ao fim deixando claro quehouve por parte dos gestores da saúde, uma série de ini-ciativas para intervir na institucionalização das açõesneste campo. Vários órgãos foram criados ou reforma-dos, a partir dos que já existiam, no decorrer de um curtoperíodo de tempo, acompanhados de programas que re-fletiam as estratégias políticas para o setor e as priori-dades definidas pelas lideranças da área.

Nessa lógica, a década começa com a criação da Di-visão Nacional do Câncer, em 1970, e a implantação, dois

anos depois, do Plano Nacional de Combate ao Câncer.Em 1975 seria elaborado o Programa de Controle doCâncer, implementado a partir do ano seguinte (1976).Dois anos depois, em 1978, a Divisão Nacional do Cân-cer daria lugar à Divisão Nacional de Doenças Crônico-Degenerativas. Dessa forma, em oito anos foram implan-tadas duas reformas institucionais e dois modelos estra-tégicos de ação pública nesta área.

Todas essas alterações institucionais, em tão curtoperíodo de tempo, evidenciam uma atenção política como tema e disponibilidade para enfrentar os custos quetais medidas acarretam, pois toda reforma institucionaldemanda articulação política para sua elaboração eimplementação. Tornava-se evidente que o câncer esta-va ganhando relevância política na agenda de priorida-des da saúde, fortalecendo-se como problema público.Os anos 1980 intensificaram essa trajetória institucio-nal, que acompanharia as grandes transformações queestariam por vir na saúde pública brasileira.

Campanha de prevenção do câncer realizada pela Fundação dasPioneiras Sociais, 1975

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CAPÍTULO 7

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PARCERIAS PÚBLICAS EM BENEFÍCIO PÚBLICO

Nos primeiros anos da década de 1980, o processode redemocratização que se iniciava possibilitou o sur-gimento de diversas propostas de reformulação para asociedade em geral e para a saúde em particular. Nessemomento, o INCA, começando a superar as dificuldadespor que passara nas décadas anteriores, conseguiu pôrem marcha um processo de expansão baseado em umengenhoso modelo institucional onde os Ministérios daSaúde e da Previdência e Assistência Social partilhavamsua gestão. Esse modelo inovador possibilitou um saltode qualidade em suas atividades, devolvendo-lhe o pa-pel de protagonista no campo das ações médicas e dasformulações de políticas para o controle do câncer no país.

Para entendermos as mudanças que ocorreram noInstituto nesse período é preciso estar atento ao contextopolítico no qual essas propostas foram elaboradas, bemcomo aos princípios que a orientavam, e ao significadopolítico que espelhavam. A implementação do sistemade co-gestão representou uma inversão na lógica que vi-nha orientando a política de saúde nas décadas anterio-res, – que favorecia e estimulava a medicina privada –,ao demonstrar a viabilidade de uma parceria entre o Mi-nistério da Previdência Social e o Ministério da Saúde, porintermédio do INCA. Ou seja, a co-gestão possibilitouuma parceria entre instituições públicas, visando ao be-nefício público. Nesse sentido, o INCA foi palco de umaexperiência pioneira em gestão na saúde pública.

Parcerias públicas em benefíciopúblico: co-gestão e inovação

institucional no INCA

A co-gestão e a política pública desaúde: principais diretrizes

No contexto de transição política de um regimeautoritário para o fortalecimento das instâncias demo-cráticas – que a assinatura da lei da anistia, em 1979, ha-via evidenciado –, a área da saúde também passaria pormudanças que reforçariam seus fóruns políticos, instân-cias de debate e proposições para o setor. Medidas desti-nadas a enfrentar os problemas decorrentes da excessivacentralização administrativa que caracterizava a estru-tura do Ministério da Saúde, e as dificuldades constata-das na gestão da Previdência Social, se destacaram comoprioritárias nas novas proposições políticas para a área.Nesse sentido, as duas Conferências Nacionais de Saúde(CNS) realizadas no decorrer da década de 1980 forampalco de importantes debates e proposições para o setorda saúde no País, induzindo políticas que teriam reper-cussão direta sobre o Instituto Nacional de Câncer.

A VII CNS, realizada em março de 1980, ou seja,cinco meses antes da instituição do sistema de co-gestãono INCA, destacava pela primeira vez como tema cen-tral a “Extensão das ações de saúde através dos serviçosbásicos”. Dentre os subtemas selecionados para debateconstavam a regionalização e organização de serviços desaúde nos estados; a articulação dos serviços básicos comos serviços especializados no sistema de saúde; e a parti-cipação comunitária. Essa orientação temática acompa-

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8a Conferência Nacional de Saúde, 1986

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PARCERIAS PÚBLICAS EM BENEFÍCIO PÚBLICO

nhava as resoluções que haviam sido aprovadas na Con-ferência de Alma-Ata, em 1978, e que foram incorpora-das às metas da Organização Mundial de Saúde (OMS).Por outro lado, estimulava o debate, trazendo para a are-na política questões relativas à implementação do Pro-grama Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚ-DE), que, elaborado em 1979 com o intuito de reestru-turar os serviços básicos de saúde, ainda não havia sidoimplantado (BRASIL – Ministério da Saúde. Anais da VIICNS, 1980).

O INCA, por sua vez, teria que enfrentar, nesse mes-mo ano de 1980, a redução de seus recursos. Ao terminaro II Programa de Controle do Câncer (PCC), foi paralisa-da a destinação de verbas à Divisão Nacional de Doen-ças Crônico-Degenerativas (DNDCD), para manutençãodas campanhas de combate ao câncer em todo o país. Aescassez de recursos federais agravou ainda mais a situa-ção das instituições ligadas ao câncer, em especial do INCA.

“Então tinha acabado o PNCC. Não havia mais orçamen-tariamente recursos para um segundo convênio: não foiincluído, como programa específico no 3º PND como ha-via sido no2º PND (...) então passou a ser uma atividadede rotina do Ministério, como tuberculose, como derma-tologia, como psiquiatria, ou seja, vivendo de recursosorçamentários do Ministério e não mais de recursos espe-cíficos a ele alocados(....) O desafio seria equacionar ocâncer dentro da linha mestra que era de serviços básicosde saúde, já que a política do Ministério foi esta (...) tra-tava-se então de definir o papel do Instituto Nacional doCâncer. O que é isso ? Para que serve? “ ( Pastorello, 1985)

O Ministério da Saúde, naquele momento condu-zido por Waldyr Arcoverde, procurou reverter esse qua-dro de crise propondo a transferência do complexo hos-pitalar (principalmente câncer e psiquiatria) para o Mi-nistério da Previdência e Assistência Social. O ministroArcoverde teve um papel importante nesse processo aogerar condições favoráveis à integração do sistema nacio-nal de saúde. A nova modalidade de articulação interins-titucional contou também com o apoio do Presidentedo Inamps, Júlio Dickstein (Motta, 1983).

Nesse contexto, as lideranças de três instituiçõespúblicas vinculadas a esse setor se articularam para pro-

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por ao Ministro da Saúde uma nova alternativa de ges-tão. Edmur Flávio Pastorello, superintendente da Cam-panha Nacional de Combate ao Câncer, Nildo Aguiar,diretor do Inamps e Ary Frauzino Pereira, diretor doINCA, defendiam um convênio de co-gestão entre o Mi-nistério da Saúde e o Ministério da Previdência e Assis-tência Social. Esses dois Ministérios passariam a gerirconjuntamente as instituições hospitalares. O objetivoera o de promover a coordenação dos ministérios comos governos dos estados e dos municípios.

A co-gestão era entendida, então, como uma admi-nistração conjunta que procurava manter a identidadedas instituições envolvidas por meio da co-participaçãogerencial e administrativa, envolvendo recursos huma-nos, materiais e financeiros. Caberia à Comissão Inter-ministerial de Planejamento (CIPLAN), criada em marçode 1980, discutir e organizar a co-gestão, que funciona-ria por meio de um Conselho Técnico-Administrativo(CTA). Esse Conselho definiria a programação dos tra-balhos do Instituto, a partir de proposta orçamentáriaencaminhada pelo seu diretor. Na prática, essa articula-ção faria com que o INCA ficasse subordinado ao CTA,formado por seis membros indicados pelo Ministério.

Juridicamente a co-gestão nasceu da PortariaInterministerial no 9, de 26 de agosto de 1980. Nesse ano,o INCA passou a ser gerido conjuntamente pelo Minis-tério da Saúde e pelo Ministério da Assistência e Previ-dência Social (MS/MPAS). Para Marsillac (1985), a co-gestão foi “salvadora e oportuna”. No seu entender, oempenho de Ary Frauzino e do ministro Waldyr Arco-verde para que esse modelo de gestão fosse adotado, im-pediu a ampliação da crise financeira que já afetava forte-mente o Instituto. Para Motta (1983), a articulação criouum novo conceito administrativo na instituição e per-mitiu a ampliação da área de produção e divulgação deconhecimentos sobre o câncer.

“Em suma, a co-gestão significou um artifício jurídico parasatisfazer necessidades e preencher lacunas entre as insti-tuições cooperantes. De um lado, o Ministério da Saúdepode se beneficiar dos recursos do Inamps, antes dire-cionados às entidades privadas – mesmo quando o INCA

atendia a beneficiários da previdência, não recebia qual-quer remuneração pela prestação dos serviços. De outro oInamps, pode usufruir de um hospital especializado no tra-tamento do câncer, sem similar na rede privada. A coope-ração resultou em benefícios comuns e garantiu a recupe-ração e progresso de uma instituição pública, remuneradacom recursos públicos, e cujo relativo abandono significavaprejuízo para o próprio interesse público”. (Motta, 1983: 9)

Ao viabilizar a aplicação de um novo modelo degestão, o INCA demonstrava na prática a possibilidadede integração entre duas instituições prestadoras de ser-viços de saúde, rompendo com a dualidade institucionalque se encontrava nas origens de nosso modelo de polí-tica pública de saúde. Por outro lado, a co-gestão repre-sentou uma modalidade de resposta institucional aosproblemas que estavam em pauta na agenda política,indicando uma sintonia entre o debate nacional sobresaúde e um órgão específico do Ministério da Saúde. Essasafinidades com o debate político na área da saúde teriamcontinuidade nos anos seguintes, acompanhando astransformações que estavam em curso na área da saúdepública, orientadas pelo projeto de Reforma Sanitária,que vinha sendo gestado em diferentes instâncias polí-ticas e institucionais envolvendo diferentes categoriasprofissionais. Esse modelo de gestão seria estendido tam-bém a outras instituições na área da psiquiatria, da tu-berculose (hospitais) e ao Instituto Fernandes Figueirada Fiocruz.

Em 1981, visando buscar soluções para a crise quevinha enfrentando o sistema previdenciário, quando setornava evidente a necessidade de uma avaliação da apli-cação de recursos, foi criado o Conselho Consultivo deAdministração da Saúde Previdenciária (CONASP). Seuobjetivo era o de propor alternativas à prestação de as-sistência médica viabilizando outras formas de finan-ciamento e aplicação dos recursos da previdência. Deacordo com essas diretrizes, foi elaborado um plano queresultou na apresentação, em 1983, da proposta das AçõesIntegradas de Saúde (AIS).

As AIS consubstanciaram mais um mecanismoinstitucional na direção de fortalecer a descentralizaçãodos serviços de saúde e de maior integração entre as ins-

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PARCERIAS PÚBLICAS EM BENEFÍCIO PÚBLICO

tâncias executivas municipais, estaduais e federais. Pro-punha convênios entre o Ministério da Previdência, oMinistério da Saúde, as Secretarias de Estado de Saúde,que envolvia postos do Inamps, centros e postos de saú-de locais, ambulatórios e hospitais de ensino (Bodstein,1985). Nesse sentido, o modelo preconizado pelas AISseguia os mesmos princípios que haviam orientado omodelo de co-gestão, dando prosseguimento e fortale-cendo as diretrizes que já estavam sendo aplicadas noINCA. Apresentavam uma clara intenção de valorizaçãodo setor público, por meio de mecanismos de integraçãoinstitucional, e com essa orientação invertia a lógica queaté então vinha orientando a política de saúde, voltadapara a compra de serviços no setor privado (Escorel,1999).

As AIS viabilizavam assim uma parceria entre osMinistérios, com a incorporação também nos anos se-guintes do Ministério da Educação. Essa estratégia deação política para a saúde intensificou o antigo debateem torno da relação entre o Inamps e o Ministério da Saú-de, centrado no tema de como unificar as ações de saúdee assistência médica, divididas desde sua origem entre oMPAS e o MS. Com este tema em pauta, foi realizada aVIII Conferência Nacional de Saúde, em março de 1986.

A VIII CNS foi um evento significativo para a his-tória da saúde pública brasileira. Expressou em sua rea-lização a parceria institucional que já vinha sendo imple-

Assembléia Constituinte, 1988

mentada pelos Ministérios da Previdência e AssistênciaSocial, da Saúde e da Educação, contando com a partici-pação efetiva em sua comissão organizadora de repre-sentantes dos três ministérios (Escorel, 2005).

Marcada por expressiva participação da sociedadecivil, com mais de 4 mil participantes – a conferênciaanterior havia contado com cerca de 400 participantes –,foi responsável pela consolidação das propostas de criaçãode um sistema único e descentralizado de saúde, que as-segurasse o acesso universal à população brasileira. Aspropostas aprovadas no decorrer da Conferência con-substanciaram a matriz da Reforma Sanitária, cujos prin-cípios fundamentais foram incorporados na nova Cons-tituição brasileira, que seria promulgada dois anos de-pois, em 1988. Com a nova carta, ficava assegurado atodo cidadão brasileiro que “a saúde é um direito de todos eum dever do Estado” (Constituição da República Federativado Brasil, 1988).

Foi, portanto, nesse ambiente político e intelectual,voltado para a busca de soluções que possibilitassem amaximização e a racionalização dos recursos da Previdên-cia Social, buscando formas de integração entre os dife-rentes ministérios prestadores de serviços de saúde, e devalorização das instituições públicas de saúde, ancoradasnas propostas de Reforma Sanitária, que a co-gestão foiimplementada no INCA. Ela respondia às novas diretri-zes e à busca de novas estratégias para melhorar a pres-tação de serviços públicos de saúde no País, e, nesse sen-tido, a experiência do INCA seria importante para forta-lecer uma nova proposta de gestão para outros setorespúblicos de saúde.

Paralelamente a esses eventos que foram definindouma trajetória de reformas e mudanças para a política desaúde no Brasil ao longo de toda a década de 1980, oINCA, contando com os novos recursos e possibilidadesadministrativas e financeiras que o modelo de co-gestãolhe proporcionava, atravessou esse período procurandose reerguer institucionalmente, redefinindo seu papel esuas atribuições nesse novo cenário institucional proje-tado para a saúde pública brasileira.

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

Reformulação institucional ereferência na política nacional decontrole do câncer

O fortalecimento do INCA, por meio da gestão con-junta, proporcionou a ampliação de suas áreas de assis-tência médica, ensino e pesquisa, além de lhe conferir acoordenação das ações de câncer em âmbito nacional.Os anos 1980 marcaram, portanto, o crescimento e aretomada de sua missão institucional. A partir de então,ele passaria a operar como uma referência institucionalnos diversos campos da cancerologia.

Antes do advento da co-gestão, o INCA passava porsérias dificuldades financeiras e carência de profissionais(Motta, 1983: 3). A possibilidade de ampliação dos ser-viços dependia de investimentos elevados e sistemáticospara sua concretização, que só foram viabilizados com oadvento da co-gestão. Ary Frauzino, que dirigiu o Insti-tuto entre 1980 e 1985, em editorial à Revista Brasileirade Cancerologia, exaltou os “novos tempos” do Institutoe a continuidade da publicação da Revista, que havia fi-cado suspensa por mais de cinco anos:

“A Revista Brasileira de Cancerologia volta a ser editadacomo uma decorrência, natural e esperada, do esforço con-jugado de todos quantos estamos empenhados no cum-primento dos programas desenvolvidos pelo Instituto Na-cional de Câncer. Quem quer que esteja, direta ou indireta-mente, vinculado aos problemas de proteção e recupera-ção da saúde no Brasil tomou conhecimento de que o INCA,a partir de 1980, depois de enfrentar toda a sorte de dificul-dades, os mais diversificados contratempos, depois de atingiruma situação de extrema precariedade, iniciou uma traje-tória de recuperação nas áreas de prestação de assistência,bem como nos campos de ensino e pesquisa (Frauzino,1984:4)”.

Para enfrentar inicialmente os problemas encontra-dos e investir na retomada e no incremento das ações de-senvolvidas pelo INCA, de imediato duas questões preci-savam ser solucionadas: a administração dos recursos fi-nanceiros, viabilizando o repasse de verbas oriundas doMinistério da Previdência; e a contratação de profissio-nais para suprir a grave carência neste campo. Para isso, foireativada a Campanha Nacional de Controle do Câncer. Revista Brasileira de Cancerologia, 1988

Naquele momento, os ministérios não podiam efe-tuar contratações, em decorrência de impedimento le-gal instituído por decreto do então Presidente da Repú-blica, João Figueiredo. Foram discutidas algumas alter-nativas para o problema. Uma delas propunha contratospor excepcionalidade, permitidos por lei. Uma segundasugeria o repasse dos funcionários do Hospital de On-cologia do Inamps e, ainda, uma outra proposta previaa contratação de pessoal pela Campanha Nacional deCombate ao Câncer (CNCC). Essa última estratégia foiconsiderada a mais viável. Pela CNCC se faria também orepasse de verbas do Inamps para o INCA, evitando one-rar o orçamento do Ministério da Saúde. Sendo assim, a

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PARCERIAS PÚBLICAS EM BENEFÍCIO PÚBLICO

CNCC, desativada desde o final do Programa Nacionalde Combate ao Câncer, ressurgiu como instrumento paraviabilizar a transferência de recursos para o desenvolvi-mento do programa de ações integradas INCA/CNCC/Inamps (Bodstein, 1987). Essa iniciativa fortalecia o setorpúblico, à medida que os recursos do Inamps para a com-pra de serviços relacionados ao câncer em vez de se ende-reçarem à iniciativa privada eram repassados ao INCApor meio da CNCC e do Ministério da Saúde (Carvalho,2006).

Sala de radiologia do INCA, década de 80

Por outro lado, ao favorecer a recuperação do INCA,esse mecanismo aumentou significativamente sua capa-cidade de resposta em diversas áreas, como na de radio-terapia, por exemplo, se apresentando como uma alter-nativa à continuidade dos convênios do Inamps com asclínicas privadas, no formato existente até então. Dessamaneira, o novo desenho de parceria institucional que-brou a relação que havia se estabelecido desde os anos1960 entre o Inamps e o setor privado de prestação deassistência médica.

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

Edmur Flavio Pastorelo assumiu a direção da CNCCem 1980, sendo substituído por Geniberto Paiva Cam-pos em 1985. No curto intervalo entre março e julho de1983, Ary Frauzino ocupou a direção. Em outubro de 1980,foram feitas as primeiras contratações e elaborou-se umplano de orçamento para os anos seguintes. Também fo-ram iniciadas a contratação de pessoal, a compra de equi-pamentos, a ampliação das instalações físicas e os pro-gramas de intercâmbio com universidades, secretarias desaúde e órgãos governamentais. Em 1982, as obras derecuperação física do Hospital tiveram continuidade, eas atividades de ensino e pesquisa ganharam impulso.

Com essa nova configuração institucional tripar-tite, a Campanha se estabelece em novos parâmetros e

Sala de quimioterapia. INCA década de 1980

passa a ser o principal elo no gerenciamento dos recur-sos que financiavam a co-gestão. A CNCC passa a ser umimportante agente nesse processo de mudança gerencial,contribuindo para a simplificação do processo decisório,ao deter maior autonomia para gerir os recursos de formadescentralizada.

A co-gestão favoreceu a projeção do Instituto Na-cional de Câncer, em âmbito nacional, como um centrode referência para o estudo e o tratamento do câncer emtodo o País. Em dois anos, o número de consultas aumen-tou em 100%. O Instituto ampliou o ensino nas áreas deradioterapia, cirurgia, quimioterapia, imunologia, físicamédica e enfermagem, bem como as atividades de pes-quisa básica e clínica. Era chegada a hora, portanto, de se

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PARCERIAS PÚBLICAS EM BENEFÍCIO PÚBLICO

estabelecerem novos critérios de desenvolvimento de umapolítica nacional de combate ao câncer.

A partir daí, inicia-se um processo de redefiniçãodas relações do INCA e da CNCC com as instituições decâncer no Brasil. A Sociedade Brasileira de Cancerologiafoi órgão atuante na transmissão da nova orientaçãopolítica da CNCC para aquelas instituições. Fundamen-talmente devia-se explicar qual a proposta da co-gestãoe qual o sentido do repasse de recursos da Previdênciapara o Instituto Nacional de Câncer. O meio mais eficazpara se criar uma nova base de relacionamento do INCAe da CNCC com as demais instituições de câncer era arecuperação do antigo prestígio do Instituto, chamandoa atenção para o importante papel que ele desempenhavano campo da cancerologia no Brasil. A questão centralera a consolidação de uma nova relação de trabalho e decooperação com os hospitais de câncer, definindo-se umapolítica de controle do câncer nos estados.

Nessa linha de raciocínio, foi entregue à CIPLAMum projeto para a criação de um Sistema Integrado deControle do Câncer (SICC) para todo o país. Tinha comoobjetivo organizar um consórcio, congregando todos osórgãos atuantes na área de prevenção e atividades básicasde saúde, que racionalizasse a prestação de assistênciamédica. Destinava-se a coordenar 22 instituições hospi-talares, assegurando um padrão assistencial abrangente euniforme.

Em agosto de 1982, a CIPLAM aprovou a propostade criação do SICC. Os objetivos eram claros:

“...promover a utilização de modernas formas de gestãoadministrativa, econômica e técnica em todos os níveisdo sistema; proceder à descentralização executiva das ativi-dades técnicas e administrativas pertinentes ao combateao câncer no país; assegurar suporte econômico e finan-ceiro às instituições que integram o SICC para execuçãode suas atividades assistenciais; promover a execução dosplanos e programas dessa área, estabelecer metas e recur-sos; bem como assegurar o aperfeiçoamento das institui-ções envolvidas (INCA, 1982)”.

A partir de 1983, todas as atividades relativas aocâncer, antes sob a coordenação da Divisão Nacional de

Doenças Crônico-Degenerativas (DNDCD), foram trans-feridas para o INCA. Dois novos centros foram criados:o Centro Nacional de Transplante de Medula Óssea(CEMO), no próprio Instituto Nacional de Câncer, quandodo início de suas atividades realizava transplantes alogê-nicos (entre pessoas diferentes) e autólogos (de uma pes-soa para si mesma) de medula óssea, atendendo a pacien-tes do Rio de Janeiro e demais regiões do Brasil; e o Cen-tro de Referência para os Tumores da Infância (CENARTI),funcionando no Centro de Investigação e Treinamentoem Patologia Pediátrica, no Rio de Janeiro.

Centro Nacional de Transplante de Medula Óssea

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

Nessa linha de ação, o INCA gradativamente vairetomando seu papel como instituição central no con-trole do câncer no país, atuando em nível nacional pormeio de programas diversos de prevenção, informação,registro e formação de recursos humanos, além da açãode assistência em seus hospitais.

Uma nova proposta de trabalho para os anos de1983 e 1984 foi elaborada pelos Ministérios da Saúde eda Previdência Social, com base em questionários envia-dos às instituições de câncer. A proposta sugeria aindaque o INCA assumisse um papel central na condução danova política de combate ao câncer. Para tanto, fazia-senecessário que o Instituto consolidasse sua posição decentro de referência nacional. Era preciso que ele passassepor uma revisão institucional, ultrapassando seu perfilde hospital voltado para o diagnóstico e tratamento docâncer rumo ao de hospital-instituto com capacidade deacompanhar o comportamento da doença em todo oPaís. Dessa forma, o INCA assumiria gradativamente aresponsabilidade pelo funcionamento das demais insti-tuições, se comprometendo também com o levantamentodas taxas de mortalidade e morbidade por câncer, além daelaboração de normas de procedimento para o controleda doença.

As seções do INCA

Os anos 1980 foram de grandes transformaçõespara as várias seções do Instituto. Nessa época, eram res-ponsáveis pela direção do INCA: Ary Frauzino Pereira(1980-1985) e Walter Roriz de Carvalho (1986-1990). Oadvento da co-gestão modificou sensivelmente as con-dições do Hospital: ampliou-se o índice de atendimentoe prestação de serviços médicos; aumentou-se o númerode leitos e houve uma redução nas taxas médias de per-manência. No que se refere às atividades ambulatoriais,houve um aumento significativo das consultas externase de internações cirúrgicas.

As seções de radioterapia, hemoterapia, medicinanuclear e patologia clínica tiveram após a implantaçãodo sistema de co-gestão um desenvolvimento dos mais ex-

pressivos. Essas atividades passaram por um desenvolvimentotécnico acentuado, sendo inteiramente reorganizadas com no-vos recursos humanos, equipamentos e procedimentos admi-nistrativos, além da ampliação do tempo de trabalho (Motta,1983: 13-15).

O Serviço de Radiodiagnóstico do Instituto rece-beu equipamentos modernos na área de imagenologia,aparelhos de ultra-sonografia e de tomografia computa-dorizada (Cabral, 2001). Foram criadas novas instânciasgerenciais, além de novos programas e serviços, como oCEMO e o CENARTI. O modelo de gestão compartilhadapermitiu ao INCA desenvolver o Programa Integrado deMedicina Nuclear, Radioterapia e Atividades Afins (PIMN).Também nessa época, a Seção de Hemoterapia amplioua unidade de Separação Celular, para apoiar o recém-inaugurado Centro Nacional de Transplante de MedulaÓssea (CEMO).

O Setor de Imunossorologia adquiriu equipamen-tos de radioimunoensaio para o diagnóstico de vírus dahepatite B. Foi designado o Subsistema de Hemoterapiada Cidade do Rio de Janeiro, com o Serviço de Hemote-rapia do INCA orientando a instalação das unidades hemo-terápicas do Hospital Fernandes Figueira e do Hospital

Retirada de medula óssea para transplante no INCA.

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PARCERIAS PÚBLICAS EM BENEFÍCIO PÚBLICO

Corredor do INCA

Raphael de Paula Souza. Em 1985, o Instituto foi o pri-meiro no País na realização de teste para Aids em doa-dores de sangue e em hemoderivados (Guimarães, 2001).

O Laboratório de Anatomia Patológica ganhougrande impulso durante a chefia de Antônio Nascimento.Na área de ensino e formação de pessoal, atraiu patolo-gistas de outros estados e, até mesmo de outros países,para treinar no Instituto Nacional do Câncer. No meioda década de 1980, assumiu a chefia o médico Antônio Nas-cimento, [...] que usou todo o seu talento para o ensino e lide-

rança, [...], para iniciar uma verdadeira revolução dos procedi-mentos relativos à rotina de Patologia Cirúrgica e Citopatológica,com profundos reflexos no funcionamento do INCA (Guima-rães et alii, 2003).

A Seção de Medicina Nuclear, chefiada pelo médicoDauro de Sá Villela Pedras, ampliou substancialmentesua área de atuação com a incorporação de novos equi-pamentos e recursos humanos. É importante chamar aatenção para o fato de que a área de medicina nuclearfoi organizada por meio do Programa Integrado de Medi-

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

cina Nuclear (PIMN) em convênio com o Hospital dosServidores do Estado, compartilhando recursos técnicos(Motta, 1983: 14).

A exemplo de outras seções, a de Farmácia iniciouuma nova fase. A farmacêutica Elizabeth Michiles foi con-vidada para integrar a equipe da Seção. Dentre os prin-cipais desafios, estavam: 1. determinar a nova política deação da assistência farmacêutica no INCA; 2. participarde padronização de medicamentos; 3. elaborar o Manual dePadronização de Medicamentos; e 4. viabilizar o convênio coma Central de Medicamentos CEME /MS (Pires et alii, 2002).Com a co-gestão, firma-se o convênio para a programa-ção de medicamentos com a CEME.

No decorrer da gestão de Walter Roriz de Carvalho(1986-1990), o Instituto obteve, dentro do Projeto Brasil-Canadá, um equipamento de planejamento compu-tadorizado para radioterapia. Nessa época, foram concluí-das as obras do bloco D, exclusivo para a radioterapia.

A Seção de Urologia do INCA alcançou prestígioentre os anos de 1983 e 1995, durante a chefia do médicourologista Antônio Luiz Correia Seixas. Seus profissio-

nais foram responsáveis pela participação em vários con-gressos nacionais e internacionais e pela publicação detrabalhos em revistas de excelência.

Em 1987, o Programa de Oncologia (Pro-Onco) daCNCC foi institucionalizado com o objetivo de implan-tar ações de âmbito nacional no campo da prevenção edo diagnóstico precoce do câncer. Em março de 1990, oPro-Onco foi transferido para o INCA. No Instituto, per-maneceu atuando em três áreas distintas: informação,educação e prevenção, trabalhando em parceria com assecretarias estaduais e municipais de saúde, os serviços ehospitais de câncer, as universidades e setores da socie-dade civil (Abreu, 1987).

Em 1989, foi estabelecido o Programa Nacional deControle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco (PNCT).Entre os principais objetivos do Programa estavam: açõeseducativas para prevenção à iniciação do tabagismo epromoção de ações políticas e legislativas de regulamen-tação dos produtos derivados de tabaco (INCA, 2004).

A co-gestão possibilitou, ainda, uma ampliaçãosensível da área de produção e divulgação de conheci-mentos sobre o câncer, além do investimento na forma-ção e capacitação de especialistas nesta área. Durante agestão de Ary Frauzino (1980-1985), a Residência Médicado Instituto foi credenciada pela Comissão Nacional deResidência Médica, e passou a oferecer 70 vagas para asáreas de oncologia cirúrgica, oncologia clínica, radio-terapia, anatomia patológica, radiologia, cirurgia plásti-ca, anestesiologia e cirurgia de cabeça e pescoço.

Acompanhando em detalhes as transformações porque passaram os diversos setores do Instituto, é possívelconstatar que suas seções ampliaram seu raio de atuaçãode forma acentuada, e que houve um aumento substan-cial dos atendimentos e da prestação de serviços médi-cos. Podemos concluir que a implantação da co-gestãopossibilitou ao INCA fortalecer-se como espaço de atua-ção, transformando-se no órgão de referência e de co-mando das ações voltadas para o diagnóstico e o trata-mento da doença em todo o território nacional.

Dessa forma, o INCA chegou ao final da década de1980 consolidando-se como um centro de referência noMedicamentos utilizados no tratamento do câncer

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PARCERIAS PÚBLICAS EM BENEFÍCIO PÚBLICO

tratamento e prevenção de câncer no Brasil. Não apenasem função da qualidade e quantidade de serviços presta-dos, mas pelo conhecimento que foi capaz de transmitirpor meio da disseminação do conhecimento de seus pro-fissionais por vários estados brasileiros. Assim, o INCA,como órgão coordenador da política nacional de pre-venção e controle do câncer, deve ser entendido comoum núcleo catalisador de competências científicas na

área médica. Nesse sentido, um grande número de espe-cialistas, recrutados e treinados na instituição, firmaram-se, em todo o país e em círculos internacionais, comoreferências de atuação científica, preventiva e terapêutica,no campo da cancerologia. Quando têm início os anos de1990, a Instituição já se encontrava em condições de en-frentar e responder os novos desafios decorrentes do pro-cesso de implantação da Reforma Sanitária brasileira.

Cartazes veiculados durante a década de 1990

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

CAPÍTULO 8

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O INCA, O SUS E OS DESAFIOS DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA

A década de 1990 abre um período marcado porimportantes significados. Iniciava-se o primeiro governodemocraticamente eleito pelo voto direto nas urnas em1989, depois de 25 anos de regime autoritário. Apesardas incertezas que a liderança de Fernando Collor de Meloacarretavam – recém chegado ao cenário político nacio-nal – as expectativas diante de mudanças para a novadécada eram grandes.

Em particular na área da saúde, a recente consa-gração da “saúde com um direito de todos e dever doEstado”, reconhecida na nova Constituição brasileira,permitia às lideranças deste setor apostar na possibili-dade de melhorias efetivas na prestação de serviços àpopulação brasileira. A garantia de acesso universal rom-pia com a lógica excludente que havia marcado a traje-tória das políticas de saúde até então, e, aliada ao prin-cípio de descentralização e unificação dos serviços, fi-nalizava a dualidade entre medicina preventiva e medi-cina curativa, procurando integrar os Ministérios da Pre-vidência Social e o Ministério da Saúde. Por outro lado,estas medidas estimulavam o debate acerca das estratégiasnecessárias para viabilizar a implementação dos projetospreconizados pelo movimento da Reforma Sanitária.

Neste sentido duas arenas disputariam a primaziacomo fórum de decisão da política de saúde para o País:o Ministério da Saúde e o Congresso Nacional. No âm-bito do Legislativo, uma série de medidas, leis e normas

O INCA, o SUS e os desafiosda saúde pública brasileira

foram votadas e aprovadas, espelhando o confronto deinteresses neste campo, que envolvia cada vez mais umnúmero diversificado de atores, como secretários esta-duais e municipais de saúde, considerando o papel quepassaram a desempenhar em função das propostas de des-centralização dos serviços de saúde. Em particular, a LeiOrgânica da Saúde de 1990, que regulamentava o SUS, eduas Normas Operacionais Básicas, de 1993 e de 1996, sedestacaram como referências legislativas neste processode normatização e regulamentação da saúde públicabrasileira.

Na esfera do Executivo federal, o Ministério da Saúde(MS) veria crescer seu poder de intervenção sobre as deci-sões e regulamentações definidas para a saúde, em parti-cular no decorrer do governo Fernando Henrique Car-doso, e da gestão do ministro José Serra. A partir de 1990,o MS se torna a principal arena decisória no processo dedefinição da política de saúde para o País, e detentor demaior poder neste processo. (Arretche, 2005: 294).

Diante desta configuração institucional, é impor-tante compreendermos como o INCA participou desseprocesso, e que atribuições e responsabilidades foram-lhe delegadas tanto na esfera legislativa, como tambémpela política interna, pelas diretrizes internas definidaspelo MS, em acompanhamento das diretrizes políticasmais gerais definidas para a saúde. Ou seja, é importantecompreender como o INCA acompanhou e sofreu as

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

conseqüências das disputas e dos debates realizados emtorno dos desdobramentos propostos para o SUS. Quepapel lhe foi atribuído nesse processo, e como se conso-lidou sua relação com as instâncias estaduais e munici-pais nesse contexto em que o debate acerca da relaçãointrafederativa ganhou relevância no cenário políticonacional.

Não podemos portanto compreender o papel e aimportância cada vez maior do INCA no âmbito da po-lítica nacional de saúde, se não compreendermos as mu-danças que se puseram em curso nas relações institu-cionais no âmbito dos serviços de saúde. Estas mudan-ças passaram por três questões-chave: a incorporação porparte do Ministério da Saúde das ações de assistência mé-dica; a redefinição das relações entre as três instânciasfederativas – Governo federal, estados e municípios – esuas respectivas atribuições no âmbito das ações de saúde;e a reconfiguração da presença dos serviços privados desaúde no cenário nacional.

As ações de assistência médica, antes executadasprincipalmente pelo Ministério da Previdência Social,por intermédio do Instituto Nacional de Previdência So-cial (Inamps), foram incorporadas ao MS em 1990, acar-retando três anos depois a extinção do Inamps. Dessaforma, quebrou-se a lógica que vinha sendo adotada des-de os anos 1960, quando a Previdência pagava aos esta-belecimentos privados a ela conveniados pelos ser-viços de assistência médica prestados aos seus segurados.Ficaria a partir daí, o MS responsável pelas ações na áreada medicina curativa, de forma universal, não restritiva.Por outro lado, essa incorporação pressupunha o repas-se de recursos financeiros do MPAS para o MS, questãoque se tornaria cada vez mais polêmica, em particular apartir de 1993, quando o então ministro da Previdên-cia, Antonio Britto, suspendeu o repasse de verbas parao MS (Arretche, 2005: 298).

A questão do financiamento do SUS seria durantetoda a década de 1990 um dos principais objetos de de-bates e propostas, com o intuito de viabilizar os princí-pios assegurados pela Constituição em 1988. Diretamenteatrelada a esse tema, surgia a necessidade de definir quais

seriam as atribuições das esferas executivas federal, esta-dual e municipal, e quais as regras que normatizariamas relações entre elas. Nesse campo, situava-se também adefinição sobre que modalidade de serviço seria atribuídaàs esferas estaduais e municipais, a quem caberiam a pres-tação de assistência medica hospitalar e a execução deserviços básicos de saúde, envolvendo ações de medicinapreventiva.

Para atender a essas definições, as relações intrafe-derativas passariam assim por diversas formas de regu-lação, na definição de custos e responsabilidades finan-ceiras delegadas a cada ente federativo, bem como nasresponsabilidades do Governo federal com relação àsregras para repasses de recursos aos estados e municípios.As duas Normas Operacionais Básicas (NOB) adotadasprocurariam atender a esses objetivos. A primeira delas,a NOB 93, estabelecia parâmetros para que os estados emunicípios definissem as atividades de saúde que incor-porariam como suas atribuições. A NOB 96 manteve al-gumas diretrizes da primeira, mas adotou medidas deindução e estímulo para que estados e municípios inten-sificassem suas ações na área de saúde pública, e se com-prometessem com investimentos na área de medicinapreventiva, aumentando o repasse de recursos com esseintuito (Arretche, 2005: 302).

Acompanhando essas reformulações que procura-vam fortalecer o papel do setor público na prestação deserviços de saúde, os atores com interesses constituídosna área da medicina privada investiram com sucesso emmedidas que asseguraram sua autonomia e permitiram oaumento da procura pela medicina de grupo e coopera-tivas médicas, inseridas no que foi definido como medici-na suplementar (Pereira, 1996: 443). Dessa forma, duranteos anos de 1990, constatam-se o crescimento do setor pri-vado de saúde e um gradativo afastamento das metas pre-conizadas pelo movimento da Reforma Sanitária.

Nesse percurso de transição institucional, o INCAfortaleceu sua presença e seu papel no processo de con-solidação de serviços públicos de saúde de qualidade atoda população brasileira. Paralelamente ao crescimentodo poder político do Ministério da Saúde na imple-

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O INCA, O SUS E OS DESAFIOS DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA

mentação das prioridades políticas definidas para o se-tor da saúde, o INCA foi também fortalecendo seu papelno interior do MS, consolidando-se como referência nadefinição de políticas de controle do câncer no país. Essaorientação se amparava no fato de que, apesar dos avan-ços na área de assistência ao câncer, as ações de diagnós-tico, tratamento e prevenção não estavam alterando operfil da mortalidade da doença no País, que continuavaa atingir níveis altíssimos. Em vários estados, constituía asegunda causa de morte, superada apenas pelas doençascardiovasculares (Koch, et alii, 1986).

A primeira referência legislativa nessa direção foiem 1990, com a promulgação da Lei Orgânica da Saúde.Em seu artigo 41, o INCA foi identificado como órgãode referência no estabelecimento de parâmetros e avalia-ção da prestação de serviços oncológicos ao SUS. O regi-mento do Ministério da Saúde atribuía ao Instituto com-petência de órgão assessor, executor e coordenador daPolítica Nacional de Prevenção e Controle do Câncer.

“Art. 41. As ações desenvolvidas pela Fundação das Pionei-ras Sociais e pelo Instituto Nacional do Câncer, supervisio-nadas pela direção nacional do Sistema Único de Saúde –SUS, permanecerão como referencial de prestação de servi-ços, formação de recursos humanos e para transferência detecnologia” (Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990)

Os decretos presidenciais de 1991, 1998 e 2000 re-forçariam o papel do INCA como órgão responsável porassistir o Ministro da Saúde na formulação da PolíticaNacional e como agente condutor das ações do Ministé-rio na prestação de serviços oncológicos, no âmbito doSistema Único de Saúde. A criação do SUS trouxe, por-tanto, desafios para as instituições vinculadas à saúdepública brasileira, quando precisaram buscar mecanismosque assegurassem a implementação de serviços públicosde qualidade, nas esferas federal, estaduais e municipais.

Em diálogo com a sociedade e seus pares no meiocientífico, e tendo como meta responder às demandasapresentadas pelo SUS, foi criado em 1992 o ConselhoConsultivo do INCA (Consinca), responsável pela ela-boração de normas para assistência oncológica, no âm-bito do SUS. O Consinca era formado por entidades re-

presentativas de vários setores, entre elas: AssociaçãoBrasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO); Sociedade Bra-sileira de Radioterapia; Sociedade Brasileira de Can-cerologia; Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica;Sociedade Brasileira de Enfermagem Oncológica; Socie-dade Brasileira de Oncologia Clínica; Sociedade Brasi-leira de Oncologia Pediátrica; Associação dos HospitaisUniversitários e de Ensino (Abrahue); e o Conselho Nacio-nal de Secretários de Saúde (Conass) (INCA, 2004: 14).

Nesse sentido, o INCA foi bem-sucedido em suasrespostas aos desafios apresentados pelo SUS no decor-rer dessa década. A adesão a um projeto de universa-lização da prestação de serviços pressupunha que a ins-tituição deveria se preparar para atender ao aumentoda demanda por parte da população. Sua estrutura foi setornando cada vez mais complexa, acompanhando acrescente especialização nesse campo e a ampliação daprestação de serviços médicos em sua área de atuação.Incorporou as inovações tecnológicas e apresentou in-tenso investimento em pesquisa, na formação profissio-nal e na sistematização de dados estatísticos que pudes-sem orientar a definição de políticas para o setor, asse-gurando por meio dessas medidas sua consolidação insti-tucional. Comprovou com essa trajetória a viabilidadede um serviço público de qualidade que concilia açõesde prevenção e vigilância, de assistência oncológica e deensino, pesquisa e divulgação técnico-científica, ampa-radas em forte projeto de desenvolvimento institucional.

A seguir apresentamos alguns eventos que se desta-caram nesse percurso de uma década e que exemplificama trajetória institucional neste período, quando o INCAdefinitivamente se consolida no cenário da política na-cional de saúde.

Caminhos da história institucionalna década de 1990

Nesse trajeto de uma década, o INCA contou com aliderança de Marcos Moraes, que ocupou o cargo de dire-tor-geral da instituição durante oito anos seguidos, de1990 a 1998. Neste ano foi sucedido por Jacob Kligerman,

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

que permaneceu à frente do INCA até o ano de 2003. Nodecorrer desse período, fortaleceram-se as atribuições doInstituto como interlocutor do Ministério da Saúde nadefinição de políticas públicas para o controle do câncer,destacando-se entre elas as de:

“assistir ao ministro do Estado na formulação da PolíticaNacional de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento de Cân-cer; planejar, organizar, executar, dirigir, controlar e su-pervisionar planos, programas, projetos e atividades, emâmbito nacional, relacionados à prevenção, diagnósticoe tratamento das neo-plasias malignas e afecções correlatas;exercer atividades de formação, treinamento e aperfeiçoa-mento de recursos humanos em todos os níveis, na áreade cancerologia; realizar pesquisas clínicas, epidemioló-gicas e experimentais em cancerologia e prestar serviçosmédico-assistenciais aos portadores de neoplasias malig-nas e afecções correlatas” (INCA, 2004: 10).

As seções do Instituto viriam a ser profundamenteafetadas por esse processo. Foi um momento de crescente

especialização médica, acompanhado de uma ampla eextensa diversificação de suas atividades e de novas estra-tégias de prevenção e controle da doença. Além disso,ampliaram-se os programas em curso e criaram-se outrosvoltados à detecção precoce do câncer. Ao INCA coubeassumir a organização de algumas instituições como oHospital de Oncologia (antes vinculado ao Inamps) e oHospital Luiza Gomes de Lemos (vinculado à Fundaçãodas Pioneiras Sociais). Ficou responsável ainda pela con-dução do Pro-Onco, Programa de Oncologia da Campa-nha Nacional de Combate ao Câncer, que passou a serdirigido pela Coordenação de Programas de Controle deCâncer do Instituto.

Houve um aumento de clientela, acompanhado pelocrescimento da capacidade técnica, pela aquisição denovos equipamentos e pela contratação de recursos hu-manos. Vários acordos foram assinados visando à coo-peração técnico-científica na área de pesquisa e de con-

Hospital do Câncer IIIHospital do Câncer II

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O INCA, O SUS E OS DESAFIOS DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA

Os recursos administrados pela Fundação provi-nham da prestação de serviços médico-assistenciais doINCA ao SUS (que remunerava os serviços de assistênciaoncológica prestados pelo Instituto); de doações de pes-soas físicas e empresas; e de convênios e contratos de pa-trocínio. Os recursos eram aplicados em projetos volta-dos para atividades assistenciais de prevenção, diagnós-tico, tratamento e reabilitação de pacientes com câncer.Eram aplicados também: na formação de profissionais;em campanhas educativas; em pesquisa básica e aplicada;e na promoção e realização de eventos científicos e dedivulgação de conhecimentos (FAF, 2005: 8).

trole do câncer. O INCA firmou-se definitivamente comoum centro de referência para o estudo e o tratamento docâncer em todo o País.

Fundação Ary Frauzino

Para apoiá-lo financeiramente, criou-se a Funda-ção Ary Frauzino (FAF), em 1991. A Fundação foi organi-zada com o intuito de apoiar o INCA em sua função deórgão normativo e executor da Política Nacional de Pre-venção e Controle de Câncer no País. Entidade filantró-pica, dotada de autonomia patrimonial, administrativae financeira, contou entre seus fundadores com: MarcoMoraes, Jayme Brandão de Marsillac, Ulpio Paulo deMiranda e Magda Cortês Rodrigues Rezende. Nas pala-vras de Marcos Moraes, criamos a Fundação Ary Frauzinopara Pesquisa e Controle do Câncer (FAF) com o objetivo deapoiar o Instituto Nacional de Câncer em todas as suas áreasde atuação (FAF, 2005: 7).

Realização de examediagnóstico no INCA

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

Exposição educativa.Dia de Combateao Fumo 2005

Oficina de Rede de Atenção Oncológica

Exposição educativa.Dia de Combateao Fumo 2005

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O INCA, O SUS E OS DESAFIOS DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA

Alunos da redemunicipal do Riode Janeiro visitamexposição. Abaixo,material educativo

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

O INCA como um centro especializado de ensino epesquisa oncológica – O Pro-Onco

Outra importante inovação institucional foi a queocorreu no Programa de Oncologia (Pro-Onco), que ha-via sido criado em 1986, subordinado à estrutura técnico-administrativa da Campanha Nacional de Combate aoCâncer (CNCC). Em 1991, com a nova Lei Orgânica daSaúde que havia sido aprovada em 1990, o Ministérioda Saúde passou por mudanças internas e a CNCC foidesativada. Novos organogramas foram aprovados parao INCA, e o Pro-Onco foi transferido para o Instituto, coma denominação de Coordenação de Programas de Con-trole de Câncer (Barreto, 2005).

O objetivo era estruturar um serviço de abrangêncianacional voltado para as ações de prevenção e diagnós-

tico precoce da doença. Entre os muitos problemas en-frentados estava o da inexistência de informações con-fiáveis e abrangentes sobre a incidência do câncer no Bra-sil. Duas linhas básicas de trabalho guiaram a atuaçãodo Pro-Onco: a educação e a informação sobre o câncer.

Na área da educação, a atuação estava voltada espe-cificamente para a prevenção e o diagnóstico precoce docâncer no colo uterino, na mama feminina, na boca e napróstata, por estarem entre os de maior incidência nopaís. Várias campanhas educativas foram organizadas,incentivando às mulheres para a prática do auto-examedas mamas e realização de exames ginecológicos. Entreas ações nessa área, destaca-se o programa Viva Mulher– Programa de Controle do Câncer do Colo do Útero –,que se voltava para todas as mulheres brasileiras entre

Campanha publicitária

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O INCA, O SUS E OS DESAFIOS DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA

Campanhaspublicitárias

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

35 e 49 anos de idade. A divulgação dos fatores de risco edos mecanismos de prevenção era feita de forma perma-nente, por meio de campanhas e dos agentes sanitários.O Programa tinha como meta tentar reduzir em até 50%a incidência deste tipo de câncer (Abreu, 1997). O objeti-vo era prestar um serviço rápido e eficiente, informandoas mulheres e incentivando-as a se submeterem aos exa-mes preconizados na prevenção e detecção da doença.As propagandas enfocavam a importância da detecçãoprecoce como um meio eficaz para a cura: “A cura é possí-vel. Conhe-cer é necessário”. Em 1999, o Programa contoucom a asses-soria do Cancer Care International, da Fun-dação Ontário, no Canadá. Nesse mesmo ano, foi criadoo Conselho de Bioética (ConBio-INCA), responsável pordiscutir, no contexto da política sanitária brasileira, asquestões morais e filosóficas da assistência oncológica, afim de orientar a adoção de medidas de prevenção e aten-dimento médico-hospitalar (INCA 2002: 22).

O trabalho desenvolvido pelo Pro-Onco recebiaapoio das secretarias estaduais e municipais de saúde edos serviços e hospitais de câncer. Nesse aspecto, as estra-tégias institucionais adotadas por esse setor do INCAacompanhavam as preocupações e diretrizes destacadasno âmbito da política nacional de saúde, quando pro-curavam estabelecer articulações com os governos esta-duais e municipais. Estabelecia-se, assim, um trabalhode parceria entre um órgão federal e as instâncias execu-tivas locais.

A informação sobre o câncer também recebeu aten-ção especial do Pro-Onco. Em 1991, o Brasil passou acontar com cinco Registros de Câncer de Base Popula-cional, sendo um em cada região brasileira: Belém, For-taleza, Campinas, Goiânia e Porto Alegre. Em 1997, jáeram 11 os Registros de Câncer instalados no País: Belém,Recife, Fortaleza, Natal, Salvador, Rio de Janeiro, SãoPaulo, Campinas, Goiânia, Curitiba e Porto Alegre. Comisso, gradativamente constituía-se uma rede de comuni-cação e sistematização de informações para subsidiar aspolíticas tanto no âmbito nacional como regional. OPro-Onco foi responsável ainda pela publicação de doisimportantes trabalhos: (1) Câncer no Brasil:dados dos re-

gistros de câncer de base populacional e (2) Estimativas deincidência e mortalidade no Brasil (Abreu, 1997).

Para dar subsídios a essa estratégia de ação insti-tucional, o Pro-Onco desenvolvia, desde o início de suasatividades em 1986, programas de formação e capacita-ção de profissionais de nível médio. No decorrer da dé-cada de 1990, essas atividades se concentraram na for-mação de registradores, que inicialmente era itinerante,passando, a partir de 1994, a ser um curso regular, mi-nistrado todos os anos. Além disso, manteve-se o cursode formação de citotécnicos, que, com duração de umano e em regime de tempo integral, formava cerca de 30

Registro Hospitalar de Câncer, 1993

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O INCA, O SUS E OS DESAFIOS DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA

A prevenção do câncerno calendário anual31 de maio: Dia Mundial sem Tabaco29 de agosto: Dia Nacional de Combate ao Fumo27 de novembro: Dia Nacional de Combate ao Câncer

profissionais por ano. Atualmente esse curso é voltadopara qualificação de profissionais de vários estados doPaís, capacitando-os a atuar no Programa de Prevençãodo Câncer de Colo do Útero.

Em 1998, já na gestão de Jacob Kligerman, o Pro-Onco passaria por nova reformulação institucional. ACoordenação Nacional de Controle de Tabagismo e Pre-venção Primária do Câncer (Contapp) e o Pro-Onco fo-ram transformados em uma única coordenação respon-sável pela prevenção do câncer – a Conprev e os serviçosassistenciais nas unidades hospitalares foram unificados.

Outras Seções

Os anos 1990 foram importantes também para ou-tras seções do INCA.

O Serviço de Hemoterapia alcançou grande desen-volvimento tecnológico nas áreas de Imuno-Hemato-logia, Imunossorologia, Fracionamento de Sangue eAférese. Passou a abrigar um Banco de Sangue de CordãoUmbilical e Placentário, para a oferta de células precur-soras de medula óssea (Guimarães et alii, 2001).Atual sede da CONPREV

Campanhaseducativas

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

A Seção de Medicina Nuclear foi transferida para o3º andar do Instituto, ganhando acomodações maiores enovos aparelhos cintilográficos, aumentando o númerode exames (Antonucci e Guimarães, 2002).

A Seção de Farmácia, que havia sido inauguradaem 1961, a partir de 1992, passou por uma reforma im-portante, quando contratou novos farmacêuticos e téc-nicos, com o objetivo de: implantação do Sistema de Dis-pensa de Medicamentos por Dose Unitária (SDMDU); racio-nalização do uso de medicamentos; informatização dos servi-ços prestados; e incentivo ao processo de implantação damelhoria de qualidade dos medicamentos e correlatos compra-dos pelo INCA (Guimarães et alii., 2002: 617-621).

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O INCA, O SUS E OS DESAFIOS DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA

Os Hospitais de Câncer II e III e a unificação daMastologia no INCA

Em 1992, com a reformulação orientada pela LeiOrgânica da Saúde que criou o SUS, os Hospitais deOncologia e o Centro de Pesquisa Luiza Gomes de Le-mos, respectivamente, Hospital do Câncer II e Hospitaldo Câncer III, foram incorporados ao Instituto. Após aincorporação, o atendimento – cirúrgico e quimioterá-pico – da mulher com câncer de mama passou para oHospital do Câncer III e as atividades de ginecologia fo-ram concentradas no Hospital do Câncer II. A unificaçãoteve como objetivo reduzir os gastos operacionais e obter ummelhor aproveitamento dos recursos humanos e materiais, o

que gerou maior produtividade e qualidade dos serviços presta-dos pelo Instituto (Guinarães et alii, 2002: 138). Com a in-corporação das instituições, o INCA passou a contar commais duas seções de Mastologia, além da existente noHospital do Câncer I.

O Hospital do Câncer II foi construído em terrenodoado por Getúlio Vargas para o Instituto Brasileiro deOncologia. O prédio, com sete andares, foi inauguradoem 1967 e incorporado ao Inamps. Após sua integraçãoao INCA, passou a ser unidade assistencial que concen-trava as atividades do Serviço de Ginecologia Oncológicada instituição. O Hospital do Câncer III dedicava-se ex-clusivamente ao tratamento do câncer de mama e apa-

Vista do INCA III

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

relho genital. Construído em 1956, o Centro de PesquisaLuiza Gomes de Lemos, da Fundação das Pioneiras So-ciais, atendia somente a casos de câncer feminino e dis-punha de consultórios ginecológicos, laboratórios decitologia e histopatologia e da Escola de Citopatologia,para formação de citotecnologistas. Em 1977, foi cons-truído, anexo ao Centro Luiza Gomes, o Hospital SantaRita, para tratamento de câncer ginecológico, que tam-bém foi incorporado ao INCA (Guimarães et alii, 2002:135-138).

Desde a gestão de Marcos Moraes vinha-se lutandopela unificação das seções de Mastologia das três unida-des médico-hospitalares. Porém, a unificação só ocorreuem 1999, por determinação de Jacob Kligerman, con-centrando todo o atendimento cirúrgico e quimiote-rápico da mulher com câncer de mama no Hospital LuizaGomes de Lemos, que se transformou em um dos maio-res centros de tratamento desse tumor. A parceria comos Hospitais do Câncer I e III teve impacto positivo. Empouco tempo conseguiu-se reduzir o intervalo entre amatrícula e o início do tratamento.

Em 1998, foi inaugurado o Centro de Suporte Tera-pêutico Oncológico – uma unidade hospitalar dedi-cadaexclusivamente aos cuidados paliativos –, sendo essa aprimeira de uma série de ações internas de reorganiza-ção do Instituto, com o objetivo de tornar a prática dacancerologia mais associada à oferta equilibrada dos ser-viços prestados à população.

No ano seguinte, o Programa de Qualidade emRadio-terapia (PQRT) foi inaugurado. O objetivo era es-tender o Programa a todos os serviços de radioterapiaque prestavam atendimento ao SUS, fazendo com que otratamento radioterápico fosse aplicado em conformi-dade com os padrões internacionais de qualidade e se-gurança. Por ter obtido significativos resultados, o PQRTfoi incluído entre os Programas Nacionais do INCA(INCA, 2004: 65).

Em 2003, uma crise administrativa deixa as Uni-dades Assistenciais do Instituto parcialmente desabas-tecidas. A mobilização de diretores e funcionários doINCA e a rápida interferência do Ministério da Saúde

restabelecem a normalidade no atendimento aos pacien-tes, mas resultam em mudanças nos processos gerenciais.Sob a direção de José Gomes Temporão (2003-2005), oInstituto estabelece um modelo de gestão mais partici-pativo, baseado nos princípios da ética, transparência eresponsabilidade social, comprometido com as premis-sas do Sistema Único de Saúde (SUS), de universalidade,eqüidade, integralidade e descentralização, e, em especial,acesso aos serviços.

Durante a gestão de José Gomes Temporão no INCAforam implantados os projetos “Expande”, “Humaniza-ção” e “Acreditação Hospitalar”. Outros avanços forama criação do Banco Nacional de Tumores e DNA e o lan-çamento da Campanha de Doação de Medula Óssea emtodo o território nacional, que, em apenas um ano, du-plicou o número de cadastramentos no Registro de Doa-dores de Medula Óssea (Redome). Estimulou a colabora-ção com outras instituições como a Fundação OswaldoCruz, a Anvisa, o Instituto Adolfo Lutz, a Unicamp, aUSP, a School of Hygiene and Public Health, da Univer-sidade Johns Hopkins, a Organização Mundial da Saúde,a União Internacional contra o Câncer, a Fundação SwissBridge, entre outras.

A expansão da assistência oncológica – osProjetos Expande, Acreditação Hospitalar eHumanização

Uma das atribuições do INCA é a reorganização daassistência oncológica no Brasil. O Projeto Expande foilançado em 2000, pelo Ministério da Saúde, com a fina-lidade de expandir a capacidade de serviços oncológi-cos do Sistema Único de Saúde e garantir para toda apopulação assistência oncológica integral de qualidade.O Ministério da Saúde publicou a portaria 3.535, queregulamentou o Projeto Expande e atribuiu ao INCA suacoordenação. O Projeto consolidou-se durante a gestãode José Temporão. Com esse fim, planejou-se a criação decentros de oncologia em hospitais gerais – os já conhe-cidos Centros de Alta Complexidade em Oncologia(Cacon) –, para a expansão da oferta de serviços diag-nósticos, cirúrgicos, quimioterápicos, radioterápicos e de

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O INCA, O SUS E OS DESAFIOS DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA

“A capacidade instalada do INCA é inteiramente destinada ao SUS, emplena consonância com o artigo 41 da Lei nº 8.080/1990, que regulamenta aresponsabilidade legal do Instituto de parâmetro da prestação de serviçosoncológicos a esse Sistema e da importância estratégica que isso representapara o Brasil. Nos últimos anos, o perfil assistencial dos três hospitais doINCA foi sendo gradualmente ajustado a essas necessidades, que implicamum atendimento integrado e padronizado de serviços oncológicos.

Em 2002, o INCA concluiu as mudanças estruturais e operacionaispromovidas em seus três Hospitais do Câncer (HC I, HC II e HC III), queresultaram na fusão de serviços duplicados ou triplicados; na racionalização enormalização de processos; na documentação das rotinas assistenciais; naorganização e divulgação de 24 condutas diagnóstico-terapêuticas; e naaplicação de indicadores de atendimento e de qualidade. Nesse processo,foram fundamentais a informatização do Instituto e a avaliação comparativa dagestão.

A evolução do perfil dos pacientes atendidos nos três hospitais do INCA(de apenas 26,9% de pacientes com tumores malignos em 1992 para 75% em2002) demonstra o quanto esses hospitais cumpriam o papel de unidadesassistenciais gerais no início da década passada. Com a progressivautilização da capacidade médico-hospitalar instalada para a real vocação edestinação dessas unidades, não só corrigiu-se essa distorção, aumentando afreqüência dos casos de câncer aqui atendidos, mas principalmentereorientaram-se os critérios de atendimento às finalidades e responsabilidadesdo Instituto frente ao SUS.

Por outro lado, essas alterações tiveram impacto direto na produçãohospitalar do Instituto. Com a redefinição do perfil do paciente atendido noINCA, nos últimos anos, reduziu-se, por exemplo, o número de matrículas,mas com aumento do número de procedimentos. Os dados, a seguir, sãoapresentados por unidade assistencial” (INCA, 2002: 35).

As transformações do INCAe a prestação de serviçosmédico-hospitalares ao SUS

cuidados paliativos em áreas geográficas antes sem co-bertura para a população local.

No Rio de Janeiro, um dos maiores pólos da PolíticaNacional de Prevenção de Controle do Câncer, a assis-tência oncológica se dá no âmbito dos Centros de AltaComplexidade em Oncologia, dos serviços isolados dequimioterapia (PQQT) e dos serviços isolados de radio-terapia (PQRT). Os Cacon são hospitais gerais, vincula-dos ao SUS, que dispõem de recursos humanos e tecno-lógicos necessários à atenção integral ao paciente comcâncer, desde o seu diagnóstico até os cuidados paliati-vos. Em 2003, foram implantados em Minas Gerais(Divinópolis e Montes Claros), Rio de Janeiro/RJ (duasunidades), Tocantins (Araguaína), Rio Grande do Sul(Ijuí) e Bahia (Itabuna). Em 2004, havia mais quatrounidades em processo de implantação nos municípiosde Maceió, Brasília, Belém e Rio Branco. Para o período2004-2007, a meta era estabelecer pelo menos mais oitounidades no Maranhão (São Luiz e Imperatriz), no Pará(Tucuruí) e outros estados brasileiros. O Programa davaprioridade às regiões onde a assistência oncológica nãoestava disponível ou era insuficiente e inadequada(INCA, 2004).

O Projeto Expande inaugurou uma nova forma deassistência oncológica, fortalecendo, por um lado, o mo-delo de atenção integral ao paciente de câncer, concen-trando os serviços em uma mesma estrutura organi-zacional e, por outro, contribuindo para o crescimentodessa rede de assistência a partir de critérios epidemio-lógicos e de cobertura. Ao mesmo tempo em que ampliao atendimento à população, contribui para a capacitaçãode profissionais. O processo de implantação dos Centros deAlta Complexidade em Oncologia, mobiliza recursos doINCA e do Ministério da Saúde. Ao INCA cabe a assesso-ria técnica à Coordenação de Alta Complexidade da Se-cretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde, eàs Secretarias de Saúde, além do credenciamento e acom-panhamento das atividades dos Cacon inaugurados.

O Projeto Acreditação Hospitalar tem como finali-dade melhorar a qualidade dos cuidados oferecidos àpopulação e colocar à disposição de médicos e funcioná-

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

rios dos hospitais um ambiente seguro e agradável parase trabalhar, de acordo com as normas do Consórcio Bra-sileiro de Acreditação.

O projeto Humanização, vinculado à Política Na-cional de Humanização do Ministério da Saúde, busca aqualidade de vida dos pacientes e não apenas a ausênciada doença, No Hospital do Câncer IV, vários setores fo-ram reformulados com o intuito de adaptar a unidadeaos padrões de um hospital exclusivamente voltado aoscuidados paliativos (INCA, 2005).

Área de Ensino Médico

No decorrer dos anos 1990, a área de ensino ga-nhou mais visibilidade e amplitude. O Programa de En-sino em Oncologia aumentou significativamente a ofer-ta de cursos nas áreas de enfermagem, grandes áreas dasaúde e ensino técnico. O programa de residência médicacompreende 13 áreas de especialização, são elas: aneste-siologia; cirurgia de cabeça e pescoço; cirurgia plástica;hematologia e hemoterapia; mastologia; medicina in-tensiva; medicina nuclear; cancerologia clínica; cance-rologia cirúrgica; oncologia cirúrgica/ginecologia/masto-logia; patologia; radiologia; e radioterapia. As grandes áreasda saúde abrangem oito categorias profissionais: estoma-

tologia; farmácia; física médica; fisioterapia; nutrição;patologia clínica; psicologia e serviço social.

O ensino de enfermagem é um dos mais procura-dos do INCA. Oferece vários cursos, entre eles: Programade Residência em Enfermagem Oncológica; EnfermagemOncológica; Assistência de Enfermagem em Radiotera-pia; Assistência de Enfermagem em Cuidados Paliativos;Assistência de Enfermagem em Tumores Ginecológicosetc. O ensino da cancerologia nos cursos de graduação,especialização e aperfeiçoamento em enfermagem vemse constituindo em fator estratégico para ampliação docontrole da doença no País. O INCA forma ainda Técnicoem Citologia, Histologia, Patologia e Radiologia. (INCA,2004)

Cartaz comemorativo da criação da residência médica no INCATratamento quimioterápico no INCA

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O INCA, O SUS E OS DESAFIOS DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA

Estratégias institucionais nos registros dedoadores de medula óssea – política solidária

Criado em 1983, o Centro de Transplante de Me-dula Óssea (CEMO) é um dos mais importantes e atuan-tes do País no tratamento de doenças do sangue, como aanemia aplástica e as leucemias. Cabe ao INCA, por meioda coordenação técnica do CEMO, sediar o Registro Na-cional de Doadores de Medula Óssea (Redome), o Regis-tro de Receptores de Medula Óssea (Rereme) e o Banco deSangue de Cordão Umbilical e Placentário (BSCUP). Nagestão de José Gomes Temporão, o CEMO comemorou

Cartaz alusivo ao aniversário de 20 anos do primeiro transplante de medula óssea realizado pelo CEMO

20 anos de atuação, dando início a uma nova políticanacional de transplante de medula óssea (TMO). As me-didas determinaram mudanças não só no acesso ao sis-tema de armazenamento de dados sobre exames e buscapor doadores, mas no tocante ao aumento da oferta deleitos e do Registro de Doadores. Em 2004, foi lançada aCampanha Nacional de Captação de Doadores de Me-dula Óssea. Praticamente quintuplicou-se o número dedoadores em determinadas regiões do País.

Neste mesmo ano, realizou-se o primeiro transplantede medula óssea com sangue de cordão umbilical, pro-

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O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

veniente do Banco de Sangue do INCA. Em maio de 2005,foi inaugurado o Banco Nacional de Tumores e DNA, como intuito de reunir informações necessárias para a ela-boração do perfil genético da população brasileira, possi-

bilitando estudos voltados ao aprimoramento do diag-nóstico e do tratamento do câncer. Espera-se com issoque, nas próximas décadas, seja possível definir terapiasindividualizadas, a partir de características regionais eétnicas de cada paciente, aumentando a eficiência no tra-tamento (INCA, 2004).

Essas foram algumas das referências que espelhama trajetória institucional do INCA e suas transformaçõesinternas. O Instituto chegou assim ao início do novo sé-culo assegurando sua vocação pública para liderar asações nesse campo em constante mudança. Os desafios,entretanto, se tornam cada vez mais complexos e se diver-sificam. Acompanhando as diretrizes mestras indicadasno SUS, o problema da inclusão e da garantia de acessoda população aos serviços vinculados ao tratamento e pre-venção do câncer permanece como questão a ser enfren-tada. Só que nesse novo contexto se deslocam para anecessidade de expansão dessas ações para outras regiõesdo País, pois elas continuam concentradas nos grandescentros urbanos. A consolidação de ações descentraliza-das e a intensificação de políticas focais e específicas seapresentam como os novos desafios deste novo séculoque se inicia. Acompanhando sua trajetória histórica,podemos acreditar que o INCA apresenta condições deenfrentá-las com competência e sucesso e que permane-cerá reafirmando seu protagonismo na política de con-trole do câncer no País, com certeza, com muito sucesso.

“O INCA foi reconhecido em 2002 como instituiçãode referência mundial no controle do câncer. Na publicação Programasnacionais de controle do câncer – políticas e diretrizes gerenciais, lançadadurante o 18º Congresso Internacional de Câncer da UICC – Union Internationalecontre le Cancer, realizado em Oslo, a OMS considerou o Programa de Controlede Câncer do Brasil um dos cinco melhores das Américas”. (INCA, 2002: 31)

Enfermaria do Hospital do Câncer I

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O INCA, O SUS E OS DESAFIOS DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA

Ações educativas no atendimento pediátrico do INCA

Brinquedoteca do INCA I

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Linha do tempo

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1900-1910 – Progressivo aumento donúmero de comunicações e artigos sobre ocâncer na Academia Nacional de Medicina.1911 – O periódico médico ArchivosBrasileiros de Medicina passa a publicar a“seção permanente do cancro” dirigida pelomédico Álvaro Ramos. Primeiro espaçoeditorial voltado exclusivamente para artigossobre o tema.1919 – Criação do Departamento Nacional deSaúde Pública (DNSP). Surgimento daprimeira instância de saúde públicadirecionada ao câncer: a Inspetoria da Lepra,Doenças Venéreas e Câncer.1922 – Inauguração do Instituto do Radiunde Belo Horizonte.1929 – Inauguração do Instituto de CâncerDr. Arnaldo, em São Paulo.1929 – A Sociedade de Medicina e Cirurgiado Rio de Janeiro organiza a Semana doCâncer. O evento foi realizado entre 4 e 10 denovembro em conjunto com a AcademiaNacional de Medicina e congregou um grandenúmero de médicos interessados na doença.1930 – Criação do Ministério da Educação eSaúde Pública (MESP).1935 – I Congresso de Câncer no Rio deJaneiro. Surgimento das primeiras propostaspara a organização de uma rede de atuaçãonacional contra o câncer.1937 – Reformulação do Ministério daEducação e Saúde Pública. Criação do Centrode Cancerologia do Distrito Federal, embriãodo que viria a ser o INCA1938 – Inauguração do Centro deCancerologia do Distrito Federal, no HospitalEstácio de Sá.1941 – Criação do Serviço Nacional deCâncer.1944 – Aprovação do estatuto do SNC. OCentro de Cancerologia é transformado emInstituto de Câncer. Estrutura do SNC:Instituto de Câncer; Seção de Organização eControle e Seção Administrativa. Diretor doInstituto: Dr. Alberto Lima de Morais Coutinho.1946 – O SNC passa a funcionar no HospitalGaffrée Guinle.

1953 – Criação do Ministério da Saúde.1954 – Mario Kroeff deixa o SNC, sendosubstituído por Alberto Coutinho1957 – Inauguração do prédio do Institutode Câncer na praça da Cruz Vermelha.1961 – Reconhecimento oficial do InstitutoNacional do Câncer pelo Decreto nº 50.251de 1961.1968 – Inauguração oficial da CampanhaNacional de Combate ao Câncer.1969 – O INCA é cedido à Fundação Escolade Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro,saindo da órbita do Ministério da Saúde.1970 – O SNC passa a ser denominado deDivisão Nacional do Câncer. Decreto nº 66.523.1971 – Recondução do INCA ao Ministérioda Saúde. Lei nº 5.734 de 16/11/1971.1978 – A Divisão Nacional do Câncer éextinta, sendo criada a Divisão Nacional deDoenças Crônico-Degenerativas (DNDCD),que compunha a Secretaria Nacional deProgramas Especiais (SNEPS).1980 – O INCA passa a ser geridoconjuntamente pelo Ministério da Saúde epelo Ministério da Assistência e PrevidênciaSocial.1983 – A Portaria nº 92 transfere para o INCAas atividades até então exercidas pela DNDCD.1986 – Criação da Semana Nacional deCombate ao Fumo.1987 – Criação do Projeto de IntegraçãoDocente-Assistencial na Área do Câncer(PIDAAC), que objetivava instituir a cadeira decancerologia nas universidades públicas eprivadas do País.1988 – Criação do Dia Nacional de Combateao Câncer.1988 – Criação do Serviço TerapêuticoOncológico, renomeado para Hospital doCâncer IV em 2004.1991 – Criação do Pró-Onco, Coordenaçãode Programas de Controle do Câncer.1991 – Incorporação do Hospital deOncologia ao INCA.

1991 – Novo regimento do Ministério daSaúde, que passou a atribuir ao INCA afunção de órgão assessor, executor ecoordenador da Política Nacional dePrevenção e Controle do Câncer. O regimentofoi mantido pelos decretos de 1998 e 2000.1991 – Criação da Fundação Ary Frauzinopara Pesquisa e Controle do Câncer (FAF),entidade filantrópica de direito privado, quepresta assistência social e é dotada deautonomia patrimonial, administrativa efinanceira.1992 – Criação do Conselho Consultivo doINCA (Consinca), responsável pelaelaboração de normas para assistênciaoncológica, no âmbito do SUS, por meio deconceitos e processos discutidos em reuniõessemanais.1992 – Incorporação dos Hospitais deOncologia e do Centro de Ginecologia LuizaGomes de Lemos (1992), respectivamente,Hospital do Câncer II e Hospital do Câncer III.1993 – Criação da casa Ronald McDonald,através de parceria entre o INCA, oMcDonald’s e a AACN.1996 – Criação do Programa Viva Mulher,voltado para a prevenção e controle do câncerdo colo do útero1998 – 17º Congresso Mundial de Câncer,promovido pela União Internacional contra oCâncer (UICC), no Rio de Janeiro, nos dias 23a 28 de agosto.1999 – Criação do Conselho de Bioética(ConBio-INCA), que discute, no contexto dapolítica sanitária brasileira, as questõesmorais e filosóficas da assistênciaoncológica, a fim de orientar a adoção demedidas de prevenção e atendimento médico-hospitalar.2003 – Crise político-administrativa do INCA.2003 – Início do processo de gestãoparticipativa e compartilhada do INCA2004 – Lançamento da Campanha Nacionalde Doação de Medula Óssea2005 – Inauguração do Banco Nacional deTumores

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Referências Bibliográficas

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SITEShttp://www.curie.fr/http://www.cancer.org/docroot/home/index.asphttp://www.whonamedit.com/doctor.cfm/2078.htmlhttp://www.icavc.com.br/http://www.mariokroeff.org.br/http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ConstituicaoConstitui%C3%A7ao.htmhttp://www.sbhm.org.br/

DEPOIMENTOS ORAIS*Entrevista: Adayr Eiras de Araújo, realizada em 27/02/1985Entrevista: Dr. Jorge Marsillac, realizada em 14/01/1985Entrevista: Ary Frauzino Pereira, 30/01/1985Entrevista: Osolando Júrice Machado, realizada em 26/01/1985Entrevista: Nildo Eimar de Almeida Aguiar, realizada em 06/02/1985Entrevista: Edmur Flávio Pastorello, realizada em 16/01/1985Entrevista: D. Ligia Pratini de Moraes, realizada em 30/01/1985Entrevista: Carmem Prudente, realizada em 26/12/1985Entrevista: José Monteiro de Castro dos Santos, realizada em 28/01/1985Entrevista: Luiz de Oliveira Neves, realizada em 14/02/1985Entrevista: João Carlos Cabral, realizada em 13/02/1985Entrevista: Edelberto Luiz da Silva – consultor jurídico do Ministério daSaúde, sd.

FONTES PRIMÁRIASAcademia Nacional de Medicina

– PASTAS DE TITULARES DA ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA MARIO KROEFFKROEFF, Mario. Discurso de posse na Academia Nacional de Medicina.Rio de Janeiro, 18 de julho de 1940.ALBERTO LIMA DE MORAES COUTINHOCOUTINHO, Alberto Lima de Moraes. Discurso de posse na AcademiaNacional de Medicina. Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1957.COUTINHO, Alberto Lima de Moraes. Projeto de lei para a instituiçãoobrigatória da prevenção do câncer ginecológico no Brasil. Rio deJaneiro, 24 de janeiro de 1973.

Biblioteca Nacional – Periódicos

JORNAL DO BRASIL - 25/05/1969 a 05/06/1969

Leis, Decretos e documentos oficiais

BRASIL. DECRETO nº 1.146, de outubro de 1936. Considera o Institutode Câncer Dr. Arnaldo de utilidade pública.

* Todos os depoimentos citados foram produzidos para o projeto “História esaúde pública: a política de controle do câncer no Brasil”, coordenado por ReginaCele Andrade Bodstein, realizado na ENSP/Fiocruz entre 1985 e 1987.

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Página 22 www.scielo.br/img/fbpe/rb/v34n4/11242f1.jpg.

Página 23 Centro de Memória da Eletricidade no Brasil. “A vidacotidiana no Brasil moderno”. Fundação casa de Rui Barbosa.Rio de Janeiro, 2001.

Capítulo 2

Página 25 Acervo COC/ FIOCRUZ.

Página 26 Acervo COC/ FIOCRUZ.

Página 28 Acervo Academia Nacional de Medicina.

Página 34 Fotografia de Luiz Antonio Teixeira

Página 35 Acervo Instituto Radiun (BH). Reprodução fotográfica: LuizAntonio Teixeira

Página 35 Acervo Instituto Radiun (BH). Reprodução fotográfica: LuizAntonio Teixeira

Página 36 Nataline, G e Amaral, J. L. G. Quatrocentos e cinqüentaanos de história da medicina paulista. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004.

Página 39 Acervo COC/ FIOCRUZ

Capítulo 3

Página 41 Academia Nacional de Medicina

Página 42 Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro

Página 43 Acervo Família Kroeff

Página 44 Acervo Família Kroeff

Página 45 Acervo Academia Nacional de Medicina, pasta Ugo PinheiroGuimarães

Página 46 Acervo Família Kroeff

Página 48 Acervo Fundação Getúlio Vargas

Página 49 Acervo Academia Nacional de Medicina. Reproduçãofotográfica: Roberto de Jesus e Vinícius Pequeno

Página 50 Acervo Fundação Getúlio Vargas

Página 51 Acervo Fundação Getúlio Vargas

Página 53 Acervo Família Kroeff

Capítulo 4

Página 58 Acervo Família Kroeff

Página 59 Acervo Família Kroeff

Página 60 Acervo Família Kroeff

Página 61 Acervo Família Kroeff

Página 62 Acervo Família Kroeff

Página 63 Acervo Família Kroeff

Página 65 Acervo Família Kroeff

Página 67 Acervo Família Kroeff

Página 68 Acervo Família Kroeff

Página 69 Acervo Família Kroeff

Página 70 Acervo Família Kroeff

Página 70 Acervo Família Kroeff

Página 71 Acervo Família Kroeff

Página 71 Acervo Família Kroeff

Página 71 Acervo Família Kroeff

Capítulo 5

Página 76 Acervo Família Kroeff

Página 79 Acervo Academia Nacional de Medicina

Página 83 Acervo Academia Nacional de Medicina. Reproduçãofotográfica: Roberto de Jesus e Vinícius Pequeno.

Page 170: De doença desconhecida à problema de saude publica

169

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Página 84 http://www.hlaureano.org.br/fundacao.php

Página 84 Acervo COC/ FIOCRUZ

Página 86 Acervo Família Kroeff

Página 88 Acervo Família Kroeff

Página 90 Acervo Agência O Globo

Página 90 Acervo Agência O Globo

Página 91 Acervo Família Kroeff

Página 91 Acervo Família Kroeff

Página 93 Acervo CEMEMOR. Reprodução fotográfica: Adília MariaTeixeira da Silva

Página 93 Acervo CEMEMOR. Reprodução fotográfica: Adília MariaTeixeira da Silva

Página 94 Acervo família Kroeff

Página 95 Acervo família Kroeff

Página 96 Acervo família Kroeff

Página 97 Acervo família Kroeff

Página 98 Acervo família Kroeff

Página 98 Acervo família Kroeff

Página 99 Acervo família Kroeff

Página 101 Acervo família Kroeff

Capítulo 6

Página 104 Acervo Agência O Globo

Página 106 Acervo Família Kroeff

Página 107 http://www.guaratuba.com.br

Página 109 Acervo Agência O Globo

Página 110 Acervo Agência O Globo

Página 111 Acervo Agência O Globo

Página 112 Acervo Agência O Globo

Página 114 Acervo Agência O Globo

Página 116 PCRJ. Reprodução

Página 120 Acervo Academia Nacional de Medicina. Reproduçãofotográfica: Manuela Costa

Página 121 Acervo da Academia Nacional de Medicina

Página 122 Acervo Academia Nacional de Medicina. Reproduçãofotográfica: Manuela Costa

Página 123 Acervo da Academia Fluminense de Medicina

Página 125 Acervo Agência O Globo

Capítulo 7

Página 128 Acervo RADIS/ FIOCRUZPágina 131 http://www.senado.gov.br

Página 132 Acervo Academia Nacional de Medicina. Reproduçãofotográfica: Roberto de Jesus e Vinícius PequenoPágina 133 Acervo Agência O Globo

Página 134 Acervo Agência O Globo

Página 135 Acervo Agência O Globo

Página 136 Acervo Agência O Globo

Página 137 Banco de Imagens do INCA

Página 138 Banco de Imagens do INCA

Página 139 Acervo INCA

Página 139 Acervo INCA

Capítulo 8

Página 144 Fotografia Roberto de Jesus e Vinícius Pequeno

Página 144 Fotografia Roberto de Jesus e Vinícius Pequeno

Página 145 Banco de Imagens do INCA

Página 146 Banco de Imagens do INCA

Página 146 Banco de Imagens do INCA

Página 146 Banco de Imagens do INCA

Página 147 Banco de Imagens do INCA

Página 147 Banco de Imagens do INCA

Página 148 Banco de Imagens do INCA

Página 149 Banco de Imagens do INCA

Página 149 Banco de Imagens do INCA

Página 149 Banco de Imagens do INCA

Página 150 Acervo Academia Nacional de Medicina. Reproduçãofotográfica: Roberto de Jesus e Vinícius Pequeno

Página 151 Fotografia Roberto de Jesus e Vinícius Pequeno

Página 151 Banco de Imagens do INCA

Página 151 Banco de Imagens do INCA

Página 152 Banco de Imagens do INCA

Página 152 Banco de Imagens do INCA

Página 152 Banco de Imagens do INCA

Página 153 Fotografia Roberto de Jesus e Vinicius Pequeno

Página 156 Acervo INCA

Página 156 Fotografia Roberto de Jesus e Vinicius Pequeno

Página 157 Acervo INCA

Página 158 Fotografia Roberto de Jesus e Vinicius Pequeno

Página 158 Fotografia Roberto de Jesus e Vinicius Pequeno

Página 159 Fotografia Roberto de Jesus e Vinicius Pequeno

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170

O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

Page 172: De doença desconhecida à problema de saude publica

171

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Page 173: De doença desconhecida à problema de saude publica

172

O INCA E O CONTROLE DO CÂNCER NO BRASIL

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Papel:Couchê matt 150 g/m2

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Rio de Janeiro, novembro de 2007.

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