DE COZINHEIRO A GASTRÔNOMO: UM OLHAR PARA...

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ROSANA FERNANDEZ MEDINA TOLEDO DE COZINHEIRO A GASTRÔNOMO: UM OLHAR PARA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE GASTRONOMIA Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do Título de Mestre em Educação junto à Universidade Cidade de São Paulo- UNICID sob a orientação da Profa. Dra. Ecleide Cunico Furlanetto UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2010

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ROSANA FERNANDEZ MEDINA TOLEDO

DE COZINHEIRO A GASTRÔNOMO: UM OLHAR PARA FORMAÇÃO DO

PROFESSOR DE GASTRONOMIA

Dissertação apresentada como exigência

parcial para a obtenção do Título de

Mestre em Educação junto à

Universidade Cidade de São Paulo-

UNICID sob a orientação da Profa. Dra.

Ecleide Cunico Furlanetto

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2010

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Ficha Elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID

T649c

Toledo, Rosana Fernandez Medina. De cozinheiro a gastrônomo: um olhar para formação do professor de gastronomia. / Rosana Fernandez Medina Toledo. --- São Paulo, 2010. 83 p.; anexos. Bibliografia Dissertação (Mestrado) – Universidade Cidade de São Paulo - Orientadora: Profª. Dra. Ecleide Cunico Furlanetto. 1. Formação de professores. 2. Curso superior de formação específica. 3. Gastronomia – Formação de professores. I. Furlanetto, Ecleide Cunico. II. Título.

371.12

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_____________________________

Profa. Dra. Ecleide Cunico Furlanetto (Universidade Cidade de São Paulo – UNICID)

_____________________________

Profa. Dra. Margaréte May Rosito Berkenbrock (Universidade Cidade de São Paulo – UNICID)

_____________________________

Prof. Dr. José Carlos Victorino de Souza (Centro Universitário Módulo – Grupo Cruzeiro do Sul)

COMISSÃO JULGADORA

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Dedico este trabalho a Carlos Toledo, meu marido, amigo,

companheiro e maior incentivador de minha carreira docente.

Sem ele não teria chegado até aqui.

Ao Ariel, meu fiel companheiro das madrugadas de digitação.

Aos meus pais pela oportunidade que me proporcionaram

de ser professora de formação e profissão.

E finalmente aos meus queridos e eternos alunos,

razão de minha busca constante por

conhecimentos na área da gastronomia.

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AGRADECIMENTOS

Em especial, à minha orientadora, Profa. Dra. Ecleide Cunico Furlanetto, pela

sua competência, paciência e disponibilidade em nortear-me neste trabalho. A ela

ofereço essas palavras na tentativa de agradecer o apoio e incentivo dispensado a

mim em todos os momentos. Depois de uma longa espera consegui, finalmente, plantar meu jardim. Tive de esperar muito tempo porque jardins precisam de terra para existir. Mas a terra eu não tinha. De meu, só tinha o sonho. Sei que é nos sonhos que os jardins existem, antes de existirem do lado de fora. Um jardim é um sonho que virou realidade, revelação de nossa verdade interior escondida, a alma nua se oferecendo ao deleite do outro, sem vergonha alguma... Mas os sonhos, sendo coisas belas, são coisas fracas. Sozinhos, eles nada podem fazer; pássaros sem asas... São como as canções, que nada são até que alguém as cante; como as sementes, dentro dos pacotinhos, a espera de alguém que as liberte e as plante na terra.

Rubem Alves

À Profa. Dra. Margarete May Berkenbrock Rosito por me acolher sempre em

suas aulas de uma forma motivadora e pela preciosa contribuição no exame de

qualificação.

Ao Prof. Dr. José Carlos Victorino de Souza, por fazer parte de um momento

tão importante de minha vida profissional e pela valiosa contribuição no exame de

qualificação. Nossas vidas não se cruzaram por acaso e hoje posso chamá-lo de

amigo.

Aos professores do Programa de Mestrado em Educação da Universidade

Cidade de São Paulo -UNICID- Profa. Dra. Célia Maria Hass, Profa. Dra. Edileine

Vieira Machado, Prof. Dr. Jair Militão, Prof. Dr. Potiguara Acácio Pereira, Prof. Dr. Julio Gomes Almeida e Prof. Dr. João Gualberto de Carvalho Meneses, pela

presença marcante em minha vida de formação acadêmica.

Às secretárias do Programa – Sheila e Juliana - pela acolhida e

disponibilidade em atender todos os nossos pedidos e pelas orientações

burocráticas todas as vezes que necessitamos.

Aos professores que se disponibilizaram em participar da entrevista para

construção dessa pesquisa no primeiro convite, Rubens Vidigal, Carlos Ribeiro e

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Maria Georgina.

A amiga especial Mércia De Martini, sempre presente em minha vida, sendo

parte integrante da pesquisa como professora entrevistada. Fazendo toda revisão

ortográfica deste trabalho. Acompanhando-me nesta trajetória tão importante e

sempre disposta, pronta e sem medir esforços. Sem você, também, este trabalho

não seria o que é. Obrigada por existir e permitir que eu faça parte de sua vida.

Ao amigo Antonio Fernando, meu primeiro diretor em minha carreira

acadêmica no ensino superior e o primeiro a plantar a semente da pesquisa em meu

sangue. Amigo e professor que jamais será esquecido.

E finalmente a Universidade Cruzeiro do Sul por acreditar em meu trabalho.

Uma canção que expressa todo meu sentimento neste momento.

Começaria Tudo Outra Vez Gonzaguinha

Composição: Gonzaguinha Começaria tudo outra vez

Se preciso fosse, meu amor A chama em meu peito Ainda queima, saiba!

Nada foi em vão... A cuba-libre dá coragem

Em minhas mãos A dama de lilás

Me machucando o coração Na sêde de sentir Seu corpo inteiro

Coladinho ao meu... E então eu cantaria

A noite inteira Como já cantei, cantarei

As coisas todas que já tive Tenho e sei, um dia terei...

A fé no que virá E a alegria de poder

Olhar prá trás E ver que voltaria com você

De novo, viver Nesse imenso salão... Ao som desse bolero

Vida, vamo nós E não estamos sós

Veja meu bem A orquestra nos espera

Por favor! Mais uma vez, recomeçar.

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Educar é saborear... E saborear é educar...

É educar os sentidos num viés interdisciplinar... É (ultra)passar a mesmice da frágil

fragrância do instante do "mercado"... É sinestesiar de corpo e alma.

É degustar "coulis" de framboesa com sorvete de creme va-ga-ro-sa-men-te...

E num afago, permitir-se educar pela linguagem dos sabores como saberes...

É perceber-se sensível e singular por entre as ciências do sabor...

É sentir o sentido, sentindo! Prof. Dr. Luiz Fernando Santos Escouto

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................13 1. UM OLHAR PARA A GASTRONOMIA..............................................................18 1.1. A Gastronomia como curso superior de tecnologia..........................................28 1.2. Um olhar para a expansão e o contexto dos cursos tecnológicos no Brasil...28 1.3. Como se forma o profissional de gastronomia: o tecnólogo em gastronomia ou gastronônomo..........................................................................................................33 2. UM OLHAR PARA A FORMAÇÂO DOCENTE..................................................37 2.1. O que é docência..............................................................................................37 2.2. A formação docente..........................................................................................37 2.3. Dialogando com os saberes docentes..............................................................43 3. UM OLHAR SOBRE AS MATRIZES PEDAGÓGICAS.......................................51 3.1. Os sujeitos da pesquisa ...................................................................................54 3.2. A docência e seus símbolos ............................................................................56 3.3. A análise dos dados ........................................................................................58 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................73 REFERÊNCIAS.......................................................................................................76 ANEXOS ................................................................................................................83

 

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 PERFIL DOS ENTREVISTADOS ......................................................................56 QUADRO 2 REDE SIMBÓLICA.............................................................................................60

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Resumo

O estudo busca traçar um panorama sobre a formação de professores

atuantes no curso superior de tecnologia em gastronomia. Para isso, investiga os

saberes que os professores mobilizam para formar gastrônomos e como os

professores de gastronomia têm tido acesso a esses saberes.

Para o desenvolvimento da pesquisa, buscou-se referências teóricas em

autores que pesquisam o desenvolvimento da gastronomia como Flandrin (1998),

Montanari (1998), Franco (2001) e Leal (1998),em autores que investigam a

formação de professores como Tardif(2002), Furlanetto (2003), Freire (2000),

Gómez (1992), Nóvoa (1995) e Schön (1995) e nos estudos da Psicologia Analítica

elaborada por Jung (1964).

A pesquisa foi desenvolvida com quatro professores atuantes nos cursos

superiores de gastronomia em Instituições de Ensino Superior, na cidade de São

Paulo. Para isso, buscou-se entrevistar tanto professores com formação acadêmica

pedagógica como professores sem a referida formação.

Os docentes relataram suas histórias de vida localizando nelas: o que os

levou a optar pelo exercício da docência e como construíram as bases teóricas e

metodológicas para exercerem a profissão docente. Constatou-se que o eixo da

formação desses profissionais é a experiência adquirida em diferentes contextos.

Palavras – chave: gastronomia, formação de professores, formação do

professor de gastronomia, matrizes pedagógicas.

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Abstract

The study it searchs to trace a panorama on the formation of operating

professors in the superior course of technology in gastronomia. For this, to

know it investigates them that the professors mobilize to form gastrônomos

and as the gastronomia professors they have had access to these to know.

For the development of the research, one searched theoretical references in

authors who search the development of the gastronomia as Flandrin (1998),

Montanari (1998), Franc (2001) and Loyal (1998), in authors who investigate

the formation of professors as Tardif (2002), Furlanetto (2003), Freire (2000),

Gómez (1992), Nóvoa (1995) and Schön (1995) and in the studies of the

Analytical Psychology elaborated by Jung (1964). The research was

developed with four operating professors in the superior courses of

gastronomia in Institutions of Superior Education, in the city of São Paulo. For

this, one searched to interview as many professors with pedagogical academic

formation as professors without the related formation. The professors had told

its histories of life locating in them: he took what them to opt to the exercise of

the docência and as they had constructed the theoretical and metodológicas

bases to exert the teaching profession. One evidenced that the axle of the

formation of these professionals is the experience acquired in different

contexts.

Keywords: gastronomy, teacher training, teacher training of gastronomy, the

pedagogical matrices.

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Introdução

“Se o primeiro contato do homem com a comida foi por um impulso de sobrevivência, hoje essa relação contém aspectos técnicos e simbólicos que reproduzem valores, costumes e crenças de quem come. Ingredientes e modos de fazer definem sabores e aparências que se tornam referenciais de uma sociedade”. (Verônica Ginani, mestre em Nutrição pela UnB).

Sou educadora há 29 anos. Fiz magistério e trabalhei com o Ensino

Fundamental I, antigo 1º grau, por 15 anos. Nesse período, alfabetizei crianças e

adultos, mas senti necessidade de ampliar meus horizontes e, em 2002, fiz um

Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia.

Nesse curso, deparei-me com maneiras de formar profissionais diferentes

das que estava acostumada. Tinha me formado professora por meio de aulas nas

quais os professores transmitiam conhecimentos teóricos ou discutiam textos, lidos

previamente. Na Gastronomia, as aulas eram pautadas na “prática”. O professor

executava pratos do dia a dia na frente dos alunos, mostrava como fazer, sem a

preocupação de refletir sobre os porquês de misturar determinados ingredientes ou

sobre as raízes culturais dos pratos desenvolvidos. Por um lado, aprendia a fazer,

mas por outro, sentia falta de ser alimentada com outros conhecimentos além dos

culinários.

Ao finalizar o curso, como tinha experiência pedagógica, fui convidada,

inicialmente, a assumir a docência no curso de Gastronomia e, em 2005, tornei-me

coordenadora de um curso superior de gastronomia que formava o tecnólogo em

gastronomia: o gastrônomo, ou hoje como também é chamado, o gastrólogo. Ao ter

que refletir sobre a organização curricular do curso e contratar profissionais para

atuar nessa área, vi que minhas preocupações com a formação do tecnólogo e do

professor de gastronomia tornaram-se mais intensas.

Com o crescimento da área de gastronomia nas Instituições de Ensino

Superior, ficou ainda mais clara a carência de formação do professor de

gastronomia. Aliar competências especificas e pedagógicas é fundamental para a

boa formação do aluno e sua inserção no mercado de trabalho. Algumas questões

foram emergindo no meu cotidiano de coordenadora e me impeliram a buscar o

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mestrado. Qual é o perfil do Gastrônomo? Como preparar um professor de

Gastronomia e como inseri-lo no espaço acadêmico? Quais os saberes de que ele

dispõe para transmitir aos alunos?

No mestrado, foi possível discuti-las e, com base nessas discussões, delimitar

o tema da pesquisa: a formação do professor de gastronomia. Ao discutir o tema,

percebeu-se que a gastronomia por ser um curso novo está em processo de

definição do perfil do Gastrônomo. No entanto, é consenso na Área que as aulas de

gastronomia devem ir além do processo operacional, necessitam de embasamento

teórico. Refletir sobre a formação do docente em Gastronomia torna-se primordial

para que o papel do professor não se veja reduzido a preparar e executar receitas

culinárias. Cumpre ir além do fogão para atuar como gastrônomo e ainda mais como

formador de gastrônomos.

Durante muito tempo, acreditou-se que a formação do docente acontecia com

base em cursos sistemáticos de formação; pesquisas atuais demonstram que a

formação acontece também fora dos espaços destinados para tal.

O diálogo com Tardif (2002) possibilita uma maior compreensão de como os

saberes docentes se constituem. “Os saberes profissionais dos professores parecem ser, portanto, plurais, compósitos, heterogêneos, pois trazem à tona, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e manifestações do saber-fazer e do saber-ser bastante diversificados e provenientes de fontes variadas, as quais podemos supor também que sejam de natureza diferente”. (TARDIF, 2002, p. 61).

Os saberes docentes incorporam-se à vida do professor à medida que vão

sendo mobilizados pelo seu trabalho diário e, desse modo, constituindo a sua

identidade profissional. “A socialização é um processo de formação do indivíduo que

se estende por toda história de vida e comporta rupturas e continuidades”. (TARDIF,

2002, p. 71). As maneiras como um docente de gastronomia foi se apropriando de

seus saberes culinários foi delineando uma maneira de transmitir esses saberes.

O diálogo com Furlanetto (2003) permite aprofundar a compreensão desses

processos. Ela tem discorrido sobre os processos de formação das matrizes

pedagógicas dos professores que se apresentam como arquivos existenciais que

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articulam saberes experenciais e teóricos. Esses saberes são acionados quando o

professor exerce a docência sendo que, muitas vezes, ele não tem consciência

plena de suas matrizes e fica refém de modelos que nem sabe que existem.

Pesquisas (FURLANETTO, 2001) têm possibilitado compreender que as matrizes

pedagógicas contêm aspectos defensivos e criativos, elas podem ser responsáveis

tanto por práticas repetitivas, mas também possibilitam que o professor dê saltos e

inove em sala de aula.

Pude observar que os professores de gastronomia, apesar de não terem

formação específica, pautam-se em referências que, na maioria das vezes,

desconhecem. Alguns são considerados excelentes professores sem nunca terem

se preparado para tal, enquanto outros sentem dificuldade para exercer a docência.

Acredito que os professores não podem ser deixados à mercê de suas

matrizes pedagógicas; eles necessitam contar com espaços formativos que as

acolham, mas que ofereçam subsídios para que possam ir para além delas. É

sabido que os conhecimentos educacionais e pedagógicos aprendidos de maneira

sistemática são aspectos importantes para ampliação das matrizes pedagógicas e

para a construção da identidade profissional do docente.

A Gastronomia envolve outros saberes fundamentais como: Química, História,

Cultura, Geografia, Administração, Marketing, Lazer, Medicina, Metodologia que

necessitam ser disponibilizados também ao professor. Toledo enfatiza que “...diante

de tanta abrangência científica e cultural, cumpre assumir o pressuposto de que

preparar as iguarias culinárias requer fundamentação, bagagem de conhecimento.

(TOLEDO, 2005,p.61)

Hoje, ao executar uma produção em laboratório, acredita-se ser primordial

abordar a história do prato e do tempo em que foram criados, as reações químicas

dos ingredientes e sua finalização. Deve se pensar na teoria que sustenta essa

prática para que haja questionamentos e construção de significados. Jarmendia

coloca: “... é esse conjunto de significados, adequadamente problematizado, que

serve de ancoragem para a construção de novos saberes, tornando-os

significativos.” (JARMENDIA, 2005, p.120)

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Para o exercício da docência em Gastronomia é importante que o professor

expanda seus conhecimentos. Além dos saberes culinários que foram considerados

saberes menores em nossa cultura desenvolvidos por escravos e empregados

domésticos, o gastrônomo necessita de outros que não estiveram presentes na

cozinha brasileira, mas que também dão sustentação ao ato de cozinhar. Cabe ao

docente de gastronomia apropriar-se dos saberes que envolvem o ato de cozinhar e

também o de ensinar.

É importante que a produção culinária tenha uma característica teórica final

diferente da mesma que produzida por um técnico em culinária. “Teoria e prática é

uma unidade dialética que deve interagir o tempo todo.” (FREIRE, 2005)

Caminhando nessa direção, acredito ser importante investigar os saberes que

os professores mobilizam para formar gastrônomos e como os professores de

gastronomia têm tido acesso a esses saberes.

Esta dissertação está estruturada em três capítulos:

Capítulo 1: Um olhar para a Gastronomia Relata sobre a história da gastronomia buscando um breve panorama na

história da alimentação. Na sequência, apresenta um pouco sobre o início da

formação do profissional em gastronomia e a expansão dos cursos superiores

tecnológicos no Brasil, com um recorte especial nos cursos superiores de tecnologia

em gastronomia e como se dá a formação superior desse profissional: o

gastrônomo.

Capítulo 2: Um olhar para a formação docente Neste momento se discorre sobre o conceito de docência e como se dá essa

formação. Primeiramente sobre formação docente como um todo e em seguida

focando a formação docente universitária e os saberes necessários para exercer a

docência, ressaltando a experiência, história de vida, a formação acadêmica e o

tratar com as exigências curriculares das instituições universitárias.

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Capítulo 3: Um olhar sobre as matrizes pedagógicas Aqui se apresentam os procedimentos metodológicos adotados para a

elaboração dessa pesquisa e a análise dos dados obtidos, tomando como

referencial teórico a pesquisa simbólica desenvolvida por Jung (1964). Dialoga-se

principalmente com Furlanetto (1997), Tardif (2002), Freire (2000), Gómez (1992),

Nóvoa (1995) e Schön (1995) entre outros autores que pesquisaram sobre a

formação docente.

Por fim, as considerações finais que retomam os objetivos desta pesquisa,

com a conclusão do pesquisador e a verificação dos dados construídos.

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1. Um olhar para a Gastronomia

A boa cozinha é uma arte que alimenta ambos, o corpo e o espírito.”

Laurent Suadeau(chefe de cozinha francês)

O presente capítulo busca apresentar um breve panorama da história da

alimentação. Para percorrer esse caminho, retoma a história da gastronomia e da

alimentação.

A gastronomia é de natureza interdisciplinar, pois dialoga com várias ciências,

entre elas as ciências humanas, sociais e da natureza, dialogando também com a

área do Turismo e Lazer. Partindo deste pressuposto, entendemos que um

profissional egresso dos cursos em gastronomia necessita de um conhecimento que

ultrapasse os saberes culinários. Poulain e Proença (2003) em reflexões

metodológicas para o estudo das práticas alimentares relatam que o objeto da

alimentação envolve estudos pluridisciplinares. Para que possamos compreender a

Gastronomia articulada a processos culturais, sociais, econômicos, religiosos,

filosóficos, científicos e políticos e pensar a formação do professor de gastronomia

de forma mais ampla, precisamos inicialmente rever sua história imbricada na

história da alimentação.

O conceito de gastronomia pelo caminho etimológico se refere à conjunção

dos vocábulos gregos gaster (estômago) e nomo (lei) acrescido do sufixo ia,

portanto para Franco (2004) e Leal(1998), conceituar gastronomia como lei do

estômago torna-se insuficiente para os sentidos atribuídos ao substantivo. Segundo

Franco (2004), o termo foi relatado, ou melhor, usado pela primeira vez no século

XVIII, como significado ao bom comer e beber e à arte de preparar alimentos,

principalmente no que se refere à fabricação de pães e massas com levedura. Como

nos relata Bee Wilson, no Times Literary Supplement, com tradução de Clara Allain,

em junho de 2007: ”Ser aprendiz de padeiro na Paris do século 18 deveria ser algo que se aproximava muito do inferno. O aprendiz era, na prática, escravo -tanto de seu mestre quanto das exigências complexas da levedura utilizada no pão. O "dia" de trabalho começava perto da meia-noite. Usando roupas de baixo

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grosseiras e pouco confortáveis, feitas de velhos sacos de farinha, o aprendiz era obrigado a amassar até 90 quilos de massa de uma vez, usando só as mãos ou, em momentos de desespero, os pés. Esse trabalho de amassar era realizado não uma vez, mas várias vezes ao longo da noite, e em geral era feito num porão úmido, escuro demais para o aprendiz poder ver o que estava fazendo e tão quente que a massa às vezes se derretia antes de crescer”.

Relatos nos mostram que o homem cozeu seus alimentos muito antes da

descoberta do fogo, fazendo uso de fontes termais. Segundo Franco, “o homem teria

cozido caça em tais fontes de calor, numa tentativa bem sucedida de devolver-lhe a

temperatura e sabor de presa recém-abatida”.(2001, p. 17)

Com a descoberta do fogo, por observação do homem ao ver os primeiros

raios atingindo árvores, e a utilização desse fogo para cozer alimentos, a

humanidade deu um salto cultural. Ao cozinhar os alimentos in natura se descobriu

que, por intermédio da cocção, liberavam-se odor e sabor diferenciados, além de se

conservarem por mais tempo. Está descoberta a primeira técnica de conservação

alimentar.

“...cozinhando, o homem pôde restaurar o calor natural da caça, acrescentar-lhes sabores e torná-la mais digerível. Verificou também que as temperaturas elevadas liberam sabores e odores, ao contrário do frio, que os sintetiza ou anula. Percebeu ainda que a cocção retardava a decomposição dos alimentos, prolongando o tempo em que podiam ser consumidos. Identificava, assim, a primeira técnica de conservação.” (Franco, 2004, p. 17)

Após essa descoberta, o homem pôde caçar e cozer no fogo. Para cozinhar,

foi necessário desenvolver utensílios em que os alimentos fossem preparados e

dessa forma começaram a surgir as panelas de pedra e barro. Segundo Leal, “as

vasilhas possibilitavam ferver os líquidos e manter os sólidos em temperatura

constante”. (1998, p.19)

O habitat original humano sofreu mudanças com a descoberta de todos esses

artefatos e a civilização começou a se caracterizar como social. Flandrin, Montanari

(1998, p.108) relata que o homem civilizado não come somente para satisfazer uma

necessidade biológica, mas também para transformar esse momento em

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sociabilidade, carregado de um conteúdo social e comunicativo. Seria o que

poderemos chamar de comensalidade, o ato de comer junto. Segundo Bakhtin, o ato

de comer é o encontro do homem com o mundo, “o homem degusta o mundo, ele

sente o gosto do mundo, o introduz no seu corpo, faz dele uma parte de si.”

(BAKHTIN, 1999, p. 245)

O homem também começa a desenvolver a agricultura, além da caça. Inicia

o cultivo da terra e passa a plantar, gerando novas formas de se alimentar. O

homem começa a se fixar em territórios.

O ser humano sempre teve, no decorrer de sua existência, necessidade de se

alimentar e alimentar seus dependentes. Deixa de ser nômade para ser sedentário.

Passa a não comer somente por necessidade, mas também por prazer. Embora não

se possa precisar a época exata em que ocorreu essa mudança, há relatos de que

as primeiras aldeias surgiram por volta de 7000 a.C., numa região muito fértil na

época, que hoje talvez compreenda Irã, Iraque, Líbano e Jordânia.

A história da alimentação sofreu muitas mudanças, pois até o século XIX, era

relatada e confundida com a história de alguns alimentos, de forma individualizada.

Portanto, segundo Carneiro, “o gosto diferenciado é o que caracteriza os diferentes

povos e as diferentes épocas de uma mesma cultura”. (CARNEIRO, 2003, p. 124)

Somente a partir daí, o homem começou a exteriorizar seu conhecimento das

técnicas e produções culinárias, ressaltando a inventividade artística, por meio de

manuais e livros de receitas, escritos por informações transmitidas de geração a

geração.

O primeiro relato fiel sobre gastronomia data de 1825 e foi escrito por Jean

Anthelme Brillat Savarin, advogado, escritor e gourmet com o título original em

francês Physiologie du Goût, editada dois meses antes de sua morte, traduzido para

o português como Fisiologia do Gosto.1 O autor visava a ordenar harmonicamente

1 Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755 – 1826) foi um dos mais famosos gastrônomos franceses de todos os tempos. Nasceu na cidade de Belley e dedicou-se nos primeiros anos da sua vida ao estudo do direito, química e medicina, em Dijon, tendo chegado a praticar advocacia na sua cidade natal.

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os festins. Ofereceu uma série de normas práticas de como proceder para que uma

refeição fosse perfeita.

Savarin tomou como base para seus relatos a gastronomia que foi

desenvolvida nos séculos anteriores e associou ao conjunto de saberes que

desenvolveu sobre a importância do gosto no ato de cozinhar e de se alimentar.

Os primeiros conhecimentos que se têm de produções gastronômicas e

hábitos alimentares datam do século V, dentro de ordens religiosas.

Os Beneditinos e Franciscanos se preocuparam com o desenvolvimento da

arte da cozinha, enquanto os monges herdaram os conhecimentos da cozinha

romana, de grande importância para a época, pois ali nasciam todos os conceitos

culinários e transmitiram toda tradição culinária para os outros povos do ocidente,

assim como cultivaram a uva para o vinho, a maçã para a cidra e o malte para a

cerveja. O pão também era fabricação dos monges.

Segundo Franco (2001), nos mosteiros é que havia toda a fonte de

transmissão da tradição culinária. Na realidade os mosteiros eram as únicas fontes

bibliográficas existentes até o surgimento das primeiras universidades, no século XI.

Foram também responsáveis por preservar e transmitir a tradição culinária, entre

elas, os tradicionais doces portugueses a base de ovos.

A cozinha da Idade Média era muito luxuosa, porém seus ingredientes eram

simplesmente sobrepostos, não havendo preocupação com as combinações

saudáveis. O importante era como os pratos seriam apresentados, os alimentos que

o compunham não tinham relevância.

Foi na França que, em 1533, Catarina de Médici, uma italiana, casou-se com

o rei Henrique II, tornando-se dessa forma rainha. Ao se mudar para França, levou a

tradição culinária de sua família. Nesse momento, nasceu a gastronomia como

Considerado por muitos como “o pai da dieta baixa em hidrocarbonetos”, Brillat-Savarin é o autor de frases famosas (“Diz-me o que comes, dir-te-ei quem és” e “a descoberta de uma nova receita faz

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modelo que perdura como modelo até os dias atuais. Ainda hoje, ninguém estuda,

aprende e ensina gastronomia sem se remeter às técnicas da culinária francesa que

vêm sendo desenvolvidas a partir do século XVI.

Além dos mosteiros, temos ainda, como fonte de conhecimento gastronômico,

as receitas passadas de geração em geração que mantêm suas histórias, muitas

vezes não sendo relatados os segredos culinários mantidos por diversas famílias

tradicionais européias.

Inicia-se, no século XVIII, a era dos restaurantes onde se procura compor

manjares com base em uma maior lógica e uma maior elegância. Inicia-se o trabalho

brilhante de A. Carême2 e, posteriormente, de A. Scoffier3, visando à padronização

internacional da cozinha.

Somente no século XIX, com o filósofo François Marie Charles Fourier4, é

que se fala no advento da gastrosofia (arte dos prazeres da mesa). Gastrosofia é

cozinhar e conversar sobre o que se cozinha e a história sobre o que se cozinha.

Pensando na transmissão de conhecimentos gastronômicos, somente em

1895 é que aparece a primeira escola de Gastronomia, em Paris, França, para

ensinar as meninas de famílias ricas, a Le Cordon Bleu (1895). Hoje a Le Cordon

Bleu possui 30 escolas em 15 países, formando mais de 27000 estudantes em 70

idiomas diferentes, por ano..

mais pela felicidade do gênero humano do que a descoberta de uma estrela”, que constam em sua obra) 2 Conhecido como "cozinheiro dos reis e rei dos cozinheiros”. Tornou-se conhecido pela simplificação e codificação do estilo de culinária chamado haute cuisine, a chamada Alta Gastronomia Francesa, que é o centro da culinária da França. A relevância de Carême na gastronomia deu-se tanto na prática, quanto na teoria. Credita-se a ele a criação do tradicional chapéu de chef, o “Toque”. Criou novos molhos e pratos, publicou uma classificação de todos os molhos em grupos, baseado em 4 molhos básicos. 3 Auguste Escoffier ficou conhecido por ter revolucionado os métodos tradicionais da culinária francesa, tendo sido um dos maiores expoentes da chamada cozinha francesa moderna.Muitas foram as contribuições de Escoffier para o mundo gastronômico, além das muitas receitas que inventou, organizou as suas cozinhas por seções onde cada uma era comandada por um chef de partier, além de ter introduzido o conceito de serviço à russa, servindo um prato de cada vez segundo a ordem do menu, contrariando o comum serviço à francesa onde os pratos eram servidos todos ao mesmo tempo. 4 filósofo francês, idealista e socialista utopista, diz que uma sociedade se basta com os prazeres da comida.

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No século XX, mais precisamente por volta de 1960, surge o movimento da

nouvelle cuisine, como o próprio nome já diz: cozinha nova. Esse movimento se

volta para a valorização do sabor natural dos alimentos, sem excessos de molhos e

temperos. Os alimentos devem ser harmoniosos aos olhos e paladares. É a primeira

tentativa de diferenciar gastronomia e dietética, porém não deixando de se

preocupar com a saudabilidade do corpo, mas oferecendo uma cozinha mais

simples e com leveza nos molhos.

Todos os seres humanos, ou melhor, todos os seres vivos, nascem e

procuram um alimento. Dialogando com a espécie humana, o ato de se alimentar

sustenta um pilar primordial da Cultura. Esse ato caminha por culturas, sociedades,

grupos, raças e tudo que envolve o ser humano. A escolha alimentar se dá a partir

de uma trama entre normas, respeito, estética, tradição e ética. O alimento

nacionaliza uma cultura, pois por intermédio dele conseguimos mapear todo modo

de vida de um povo.

Cascudo e Freyre (1983) relatam que o paladar é o último a se

desnacionalizar no ser humano, pois caminha juntamente com a sociedade, a

cultura, o tempo, o espaço e sua história alimentar permeada por toda sua vida. O

paladar é talvez o último reduto do espírito nacional; quando ele se desnacionaliza

está desnacionalizado tudo o mais, há uma perda da identidade cultural.

A estética e as dimensões culturais na Gastronomia caminham juntas. O ato

de se alimentar tem que ser confortante e prazeroso. Comer não é somente um ato

fisiológico, ele está permeado de símbolos, sinais, cores, texturas, temperaturas,

ética e estética. De acordo com Lody (2006, p.144), “o valor cultural do ato de comer

é cada vez mais entendido como um ato primordial, pois a comida é tradutora de

povos, nações, civilizações, grupos étnicos, comunidades, famílias, pessoas”.

Todos nós comemos para muito além do cumprimento de uma função físico-

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biológica. Os sentidos que envolvem a alimentação são emblemáticos e simbólicos,

como utensílios, espaço arquitetônico, mobiliário, protocolo à mesa e tantos outros

que cada cultura reverencia.

A contemporaneidade se destaca pela globalização e com ela a padronização

de alimentos nas grandes redes de fast food que, no Brasil, a expressão está

geralmente associada a lanches e é caracterizada pelo excesso de calorias e

escassez de nutrientes. O significado, porém, é mais amplo e abrange todo tipo de

refeição resultante de um serviço rápido, seja sanduíche, salgadinho ou uma

refeição completa. Surgem os movimentos e as reações como o movimento slow

food que é, segundo Ruhlman (2009, p.268), “organização e movimento

internacionais que têm por objetivo proteger o melhor da comida – seu cultivo,

preparo, cozimento e consumo – contra o fast food, a comida homogeneizada,

produzida por indústrias, intensamente processada que domina cada vez mais a

dieta contemporânea. A expressão passou a ser associada a artesanal, e

atualmente vem sendo aplicada a itens feitos dessa maneira, sugerindo um estilo e

uma atitude culinária”; a nouvelle cuisine, a fusion food, que combina elementos de

várias tradições culinárias, enquanto não se encaixa em nenhuma especificamente.

O termo geralmente se refere às inovações em muitas cozinhas de restaurante

contemporâneo, conhecida como o resultado da globalização e do intercâmbio de

ingredientes, criando sabores até então desconhecidos. Nos preparos, alguns

ingredientes de várias partes do mundo podem ser usados de forma harmônica num

único prato. Uma erva asiática com um legume tipicamente europeu, por exemplo, e

ainda a cozinha de autor, que se caracteriza pela invenção de pratos por chefes

renomados e que autografam essas produções como verdadeiras obras

gastronômicas. Cada um desses movimentos corrobora para que a estética do gosto

evolua e estabeleça novos costumes gastronômicos e resgate a história de vida

alimentar de cada sujeito.

A estética do gosto está voltada para a memória gustativa da infância e

formação de cada sujeito, assim como a vivência que cada um traz em sua cultura.

Não podemos negar essa história de vida, de formação, de saberes que cada sujeito

traz em sua bagagem cultural e gastronômica. Não basta somente saciar a fome

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para estreitarmos a relação ser humano e alimento. A estética do gosto deve ser

entendida como parte da experiência gustativa de vida, relacionada à influência

cultural.

A mistura de alimentos e sabores, de culturas diferentes, de experiências

diferentes, deu explicações sólidas e legitimadas a uma cultura que aborda os

diferentes enfoques desse alimento.

O ato de se alimentar articula os diferentes aspectos e os desdobramentos

sociais em que o sujeito está inserido, marcado pela ética e pela estética do

alimento, do grupo e de sua história de vida. Os comportamentos se desdobram

socialmente e o alimento é o mediador desse comportamento.

Podemos nos alimentar sob vários enfoques, pensando que vivemos na era

das singularidades:

1. Cultural: visando a uma educação antropológica e analisando por que o

homem se alimenta e qual a cultura que o rege. Alimentação em grupos,

individuais, em família;

2. Religioso: alimentos permitidos(ou não de acordo com a crença, com a fé,

com rituais;

3. Político: como é o caso dos alimentos orgânicos: consumo por crer que esse

tipo de alimento salvará o planeta;

4. Filosófico: vão muito além do aspecto religioso, alimentos que fazem bem ao

espírito;

5. Econômico: ditado pela situação financeira propriamente dita;

6. Fisiológico: comer o que faz bem ao organismo, pensar em vitaminas e

proteínas.

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Todos os enfoques estão ligados a comportamentos definidos pela sua

bagagem, pela sua vida, pelos seus limites e modelos de família e educação.

Pensamos que em qualquer sociedade o alimento não é somente degustado,

mas também pensado, pesando seu significado, seu símbolo de acordo com sua

cultura e sua ética alimentar. O alimento possui um símbolo que vai muito além de

sua composição química.

Rubem Alves, em uma crônica, diz que se fosse arquiteto, suas casas seriam

planejadas em torno da cozinha. A sala de estar, jantar, livros, tevê, som, a

paisagem, tudo num enorme espaço em torno da cozinha. Alimentamo-nos não só

de alimento, mas também dos espaços divididos com os convivas e com suas

experiências de vida. Para Savarin (1995) “a mesa é o único lugar onde nunca se

sente tédio durante a primeira hora”. (SAVARIN, 1995, p.15)

O comportamento humano está ligado ao bom gosto, bom gosto também pela

comida e isso envolve todos os sentidos. Sentidos físicos e culturais ligados à

estética do gosto. Como relata Franco (2001), “o gosto é, portanto, moldado

culturalmente e socialmente controlado”. (FRANCO, 2001, p.24)

A relação da estética com as dimensões culturais está relacionada ao gosto

estabelecido por suas diferenças particulares e individuais, sendo que o fator

preponderante é o biológico, estabelecido por sua formação, por sua história

gustativa. Sua experiência individual de gosto é imutável, esse gosto traz em si o

belo, referência de vida.

Diante deste cenário, temos o panorama de quantos séculos se passaram para

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que a Gastronomia fosse fundamentada como ensinamento sistemático. Claro que,

com o modelo francês, outras tantas escolas surgiram, ainda na França, como:

Institut Paul Bocuse e a escola Lenôtre. Todas visando à formação de profissionais

cozinheiros, confeiteiros e padeiros para o mercado de trabalho e priorizando o

desenvolvimento de habilidades práticas específicas, o saber fazer.

Todo esse trajeto desde que o homem dominou o fogo, passando pelos

alimentos crus, depois cozidos até a globalização com a imigração de alimentos, é

que denominamos tradições gastronômicas.

Os franceses têm relevante importância no ensino da Gastronomia, formando

assim um vocabulário universal e procedimentos clássicos para o preparo de

receitas, pontos que até então eram motivo de grandes discordâncias. Com a

padronização da terminologia culinária, houve a identificação correta dos processos

de preparação. A cozinha francesa foi a precursora de toda divulgação internacional

da formação em gastronomia em todas as partes do mundo.

A gastronomia atualmente tem renomados profissionais nacionais e

internacionais, oriundos de países que se destacam nesse atual momento histórico,

porém todos com a bagagem tradicional e sólida da Europa antiga. Laurent Suadeau

(2006), relata: As bases da cozinha clássica são fundamentais para qualquer profissional, por mais moderno que seja. Elas incluem desde saber cortar um legume e usar corretamente a faca e o "vocabulaire culinaire" até a forma de cocção e finalização de um prato. Uma receita é a conseqüência do conhecimento, a última etapa de um processo passo a passo que dá certo porque vem sendo testado há séculos. Hoje, poucos dominam as bases, e isso pode levar à mera imitação dos outros.

Relata Araújo (1985) que a gastronomia é a história cultural da alimentação.

Nela temos a mudança nos hábitos culturais e sua história, embasada na

temporalidade, na visão do passado, na ética da alimentação e nas suas tendências.

(ARAUJO, 1985, p.15)

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1.1. A gastronomia como curso superior de tecnologia

Talvez o erro das pessoas mais conservadoras seja acreditar que

nada mudou ou mudará. (Fernando Leme do Prado)

Neste momento, traçamos um panorama da inserção dos cursos superiores

de tecnologia no Brasil. A educação superior brasileira, nos últimos vinte anos, tem

vivenciado uma verdadeira inovação nos seus cursos e na forma de apresentá-los

ao mercado, pois houve uma considerável transformação no mundo do trabalho

recorrente do avanço tecnológico e do processo de globalização.

Os cursos de educação superior tecnológica foram uma inovação trazida pela

Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996 (Lei nº 9394/96), no governo de

Fernando Henrique Cardoso, para certificação de um ensino totalmente voltado para

o mercado de trabalho. Nessa modalidade de ensino surge, entre tantos, o curso

superior de tecnologia em gastronomia sobre o qual abordaremos alguns aspectos

importantes no item que se inicia.

1.2. Um olhar para a expansão e o contexto dos cursos tecnológicos no Brasil.

O Ensino Secundário chegou ao Brasil no século XVI, com os jesuítas;

somente com a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro é que se abre

espaço no Brasil para o Ensino Superior, primeiramente com os cursos de

Medicina e Direito e numa região altamente elitizada. Em 1808, foi criada a

Academia da Marinha, por D. João VI. Em 1810, foi criada a Academia Real Militar,

na Bahia e Rio de Janeiro, como escolas técnicas e também hospitais militares.

(PRADO, 2006, p. 150). As primeiras escolas surgem em decorrência dos

movimentos ocorridos na Europa, já no século XVIII, que visavam a atender a nova

demanda que se instalava aqui no Brasil.

Após sua criação, observa-se que foi percorrida uma longa caminhada

direcionada por leis, pareceres e decretos que legitimaram o processo de

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implantação universitária no Brasil. Entre esses documentos legais, temos alguns

que dizem respeito, mais especificamente, ao ensino profissionalizante. Podemos

destacar entre eles a Lei no 4024/61, primeiro documento sobre as diretrizes e

bases da educação nacional, que no seu Art. 104, estabelecia: "Será permitida a organização de cursos ou escolas experimentais, com currículos, métodos e períodos escolares próprios, dependendo o seu funcionamento para fins de validade legal da autorização do Conselho Estadual de Educação, quando se tratar de cursos primários e médios, e do Conselho Federal de Educação, quando se tratar de cursos superiores ou de estabelecimentos de ensino primário e médio sob a jurisdição do governo federal."

A Lei Federal 5.540/68, nos artigos 18 e 23, já previa a criação de cursos

profissionais com duração e modalidades diferentes, para atender a realidades

diversas de mercado de trabalho. Além dos cursos correspondentes a profissões reguladas em lei, as universidades e os estabelecimentos isolados poderão organizar outros para atender às exigências de sua programação específica e fazer face a peculiaridades do mercado de trabalho regional. (Artigo 18) Os cursos profissionais poderão, segundo a área abrangida, apresentar modalidades diferentes quanto ao número e à duração, a fim de corresponder às condições do mercado de trabalho. (Caput do Artigo 23) Serão organizados cursos profissionais de curta duração, destinados a proporcionar habilitações intermediárias de grau superior. (§ 1º do Artigo 23) Os estatutos e regimentos disciplinarão o aproveitamento dos estudos dos ciclos básicos e profissionais, inclusive os de curta duração, entre si e em outros cursos. (§ 2º do Artigo 23)

Em 1970, através do Parecer CEE/SP nº. 50/70, o Conselho Estadual de

Educação de São Paulo autorizou a instalação e o funcionamento dos primeiros

cursos de tecnologia do Centro Estadual de Educação Tecnológica de São Paulo.

A Constituição Brasileira de 1988 ressalta: “É livre o exercício de qualquer

trabalho, ofício e profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei

estabelecer”. A Lei 9394/96, a LDB fixa, nos artigos 39 a 42, sobre a Educação

Profissional e o Decreto 2208/97 regulamenta os dispositivos referentes à Educação

Profissional, estabelecendo três níveis: o básico, o técnico e o tecnológico. Estão

instituídos os Cursos Superiores de Tecnologia no Brasil.

A Educação Superior Tecnológica vem sendo discutida, mais profundamente

no Brasil, a partir de meados da década de 1990, embora esse tipo de modalidade

de ensino já existisse em outros países capitalistas como nos Estados Unidos, país

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onde se originou, antecedendo até mesmo a revolução tecnológica da indústria

americana. Nos Estados Unidos, esses cursos tiveram como objetivo maior qualificar

e reciclar os profissionais responsáveis pelo sucesso da economia nacional.

No Brasil, o Governo Federal já mantinha os Centros Federais de Tecnologia

(CEFET) e o Governo Estadual, a Faculdade de Tecnologia (FATEC). Mas na

década de 1990, com a globalização, a internacionalização e a revolução

tecnológica, as universidades privadas passaram a assumir, também, essa

modalidade de ensino superior: o Tecnológico.

Tendo como panorama, nas duas últimas décadas, o crescimento e mudança

na educação superior brasileira, o avanço dos cursos superiores tecnológicos e o

processo da globalização e das redes tecnológicas, os cursos superiores se

adequam aos modelos exigidos pelo mercado de trabalho. Em 10 de maio de 2006,

foi publicado o Decreto nº. 5773, que relata sobre as funções de regulação,

supervisão e avaliação das instituições de ensino superior e dos cursos superiores

de graduação no sistema federal de ensino. Em junho de 2006, o MEC, em

cumprimento a esse Decreto, lança o Catálogo Nacional de Cursos Superiores de

Tecnologia, que passou a ser o guia para organização dos cursos na área

tecnológica. Constam do Catálogo as denominações, sumário de perfil do egresso,

carga horária mínima e infraestrutura mínima exigida para 98 cursos de graduações

tecnológicas organizadas em 10 eixos tecnológicos.

O curso superior de gastronomia encontra-se no eixo de hospitalidade e lazer

e diz: “ (...) os processos tecnológicos de planejamento, organização, operação e avaliação de produtos e serviços inerentes à hospitalidade e lazer. As atividades compreendidas nesse eixo referem-se ao lazer, relações sociais, turismo, eventos e gastronomia integrados ao contexto das ações humanas em diferentes espaços geográficos e dimensões socioculturais, econômicas e ambientais. A pesquisa, disseminação e consolidação da cultura, ética, relações interpessoais, domínio de línguas estrangeiras, prospecção mercadológica, marketing e coordenação de equipes são elementos comuns desse eixo. (Brasil, 2006, p. 87)

Nesse mesmo período, os cursos de bacharelado sofrem mudanças em suas

propostas pedagógicas. Pontos antes considerados imutáveis, como grade

curricular, currículo mínimo passam a ser flexibilizados e orientados pela LDB, que

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permite uma redução de tempo na formação assim como suas matrizes curriculares

vão ao encontro das diferentes formações, condizentes com o mercado de trabalho.

Na década de 90, temos um novo cenário configurando-se na Educação

Superior, delineado pela criação dos Cursos Tecnológicos, implantados pela LDB

9394/96. Esses novos cursos vêm ao encontro das necessidades do mercado de

trabalho que pressiona as Instituições de Ensino Superior para que preparem

profissionais mais afinados às suas necessidades. As transformações da

sociedade exigem da educação tecnológica mudanças e adaptações, pois o

mercado de trabalho requer profissionais competentes na técnica e nas interações

humanas.

Segundo Grispun (2001), a educação tecnológica pressupõe a aprendizagem

de conteúdos específicos, mas também, além da formação técnica, precisa

responsabilizar-se pela formação humana de cidadãos que fazem parte de uma

sociedade que necessita refletir sobre a utilização que faz da tecnologia. Relata

que “o conceito de educação tecnológica implica a formação de profissionais

habilitados a transmitir conhecimentos tecnológicos sem perder de vista a

finalidade última da tecnologia que é a de melhorar a qualidade de vida do homem

e da sociedade.” (Pereira, 1996, p. 58).

Os cursos superiores de tecnologia são focados em um campo de atuação e

privilegiam a educação profissional. Seu objetivo maior é preparar o aluno para o

mercado de trabalho, o que faz com que sejam mais específicos se comparados

com os cursos tradicionais de graduação, considerados mais generalistas. Esses

cursos também são procurados por quem já está inserido no mercado e pretende

aprimorar sua carreira.

É importante ressaltar a diferença existente entre os cursos superiores de

tecnologia e os cursos técnicos. Os cursos técnicos são de nível médio, voltados

para estudantes que ainda não tenham feito ensino médio ou que, apesar de já

terem cursado o Ensino Médio, pretendam preparar-se para o exercício de uma

profissão.

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O curso superior de tecnologia, o Tecnológico, como é considerado curso

superior de graduação, permite que seu egresso dê prosseguimento aos estudos em

pós-graduação, conforme artigo 44 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei

9394/1996, que diz: “A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas: III - de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino”.

Os cursos superiores de tecnologia ocupam uma área de conhecimento

emergente no Brasil e assumem uma importância significativa no processo de

formação de graduação superior tecnológica, de capacidades técnicas, justamente

por possibilitar uma formação técnica impregnada de seus ingredientes

socioculturais e profissionais da área.

Segundo dados do INEP, 2002:

Os cursos que formam tecnólogos cresceram 74,7% entre 2000 e 2002, mais que a totalidade dos cursos de graduação do Brasil, que apresentou aumento de 36%. Em 2002, existiam no País 636 cursos tecnológicos, que são voltados à formação de profissionais para o mercado de trabalho e têm, normalmente, dois ou três anos de duração. Do total de cursos, 66% são ofertados por instituições particulares. Nesse mesmo período, o número de matriculas nos cursos tecnológicos passou de 63.046 para 81.348, um crescimento de 29%. Já o número de concluintes subiu de 10.674, em 1999, para 12.673, um incremento de 18,7%. (INEP, 2004)

Outros dados importantes e relevantes do Inep (Censo da Educação Superior

de 2004) sobre os cursos tecnológicos:

Em 1999, os Centros de Educação Tecnológica a as Faculdades de Tecnologia ofereciam 74 cursos. Em 2003, esse número subiu para 495 cursos, representando um crescimento de 568,9% em relação a 1999. O Censo da Educação Superior registrava 16 Instituições de Educação Superior Tecnológica, todas públicas; em 2002, o número subiu para 53 e, em 2004, para 144 Instituições, representando um crescimento de 800% em cinco anos. (INEP, 2004)

Embora na origem esse modelo de organização acadêmica fosse

exclusivamente público, em 2004 o setor privado passou a responder por 66%

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dessas instituições.

1.3. Como se forma o profissional de gastronomia: o tecnólogo em gastronomia ou gastrônomo

No Brasil, temos relato da primeira escola de formação técnica profissional

para cozinheiros assim como outras capacitações, dentre elas garçom, barman,

porteiro, recepcionista e secretário de administração de hotéis e restaurantes, no

ano de 1964, denominada Escola Senac Lauro Cardoso de Almeida, em São Paulo,

mais precisamente na rua 24 de Maio.

Só então em 1970, o Senac lança, em Águas de São Pedro, no interior do

Estado de São Paulo, o primeiro curso de cozinheiro profissional, oferecido

gratuitamente para alunos carentes financeiramente. Os alunos, geralmente

oriundos de entidades como a extinta FEBEM, recebiam remuneração para estudar

e aprender uma profissão.

A partir dos anos 90, a Gastronomia entrou no Brasil pelas mãos de chefes de

cozinha oriundos da Europa, mais especificamente da França, que vinham ao Brasil

em busca de novos desafios, como explorar produtos brasileiros, principalmente as

frutas da Amazônia e Nordeste. Nesse período, os saberes culinários, apesar de

apreciados, eram desvalorizados pela sociedade brasileira. Aqui não existia mão de

obra qualificada para atuar nesse mercado que cada vez mais se tornava exigente,

profissional e glamouroso.

Nesse período, chegaram ao Brasil, também, as grandes redes hoteleiras que

necessitavam de mão de obra qualificada para os novos restaurantes que visavam a

atender um público exigente.

Como a Gastronomia era uma profissão bem vista e bem remunerada fora do

Brasil, e havia mercado de trabalho, não demorou para que ela passasse a ser mais

bem reconhecida no Brasil.

O turismo responde por 10% do PIB no Brasil, gerando empregos e abrindo

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oportunidades para novos negócios. Engloba diversas atividades que podemos

destacar em lazer, entretenimento, hotelaria, eventos e gastronomia. “A atividade turística ocupa, atualmente, um papel de fundamental importância na economia mundial, contribuindo relevantemente para a geração de empregos e, conseqüente, aumento do fluxo da circulação de riquezas, ocasionando uma elevação de renda per capta e geração de divisas.” (Caldas, 2005, p.395)

Diante deste panorama, o próprio Senac, em 1994, em Águas de São Pedro,

lançou o primeiro curso denominado Cozinheiro Chefe Internacional (C.C.I.), em

parceria com o The Culinary Institute of America (C.I.A.), sendo seu corpo docente

formado parte por chefes internacionais com vasta experiência em cozinha, vindos

dos Estados Unidos, e outra parte por chefes renomados que já residiam no Brasil,

porém egressos do C.I.A. Foi o primeiro curso pago e freqüentado por um público

altamente exclusivo. Segundo Campos (2000, p.129), o curso continha 32 alunos,

sendo 30 já com formação universitária completa. Era um público que aprendia um

novo conceito de cozinha, enquanto os alunos dos cursos gratuitos aprendiam o dia

a dia da cozinha do hotel e dormiam em alojamentos.

Um curso altamente elitizado e diferenciado do que até então havia sido

oferecido em termos de formação gastronômica. Alunos de alto padrão, que

custeavam suas mensalidades, estada, alimentação e transporte. Surgiu aí a

significativa valorização da profissão de chefe de cozinha.

No entanto, o curso Superior Tecnológico de Gastronomia, incluído na área

definida pelo MEC como Turismo e Hospitalidade – Lazer e Desenvolvimento Social,

só entrou no Brasil como curso superior em 1999, na Universidade do Sul de Santa

Catarina, na modalidade bacharelado. No mesmo ano, a Universidade Anhembi-

Morumbi, em São Paulo, ofereceu a modalidade seqüencial e a Universidade do

Vale do Itajaí, de Santa Catarina, ofereceu a modalidade graduação.

Dessa forma, foi regulamentada essa profissão que cresce a cada dia no

território nacional, respaldada pelo investimento no setor turístico o que faz com que

os cursos de graduação em gastronomia sejam bastante procurados, apesar de

ainda estarem em fase de consolidação. O mercado está crescendo muito e procura

por profissionais competentes para atender suas demandas.

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Hoje o Brasil conta com 97 cursos de Gastronomia no território nacional,

segundo dados do INEP (27.09.2009), sendo que 6 desses oferecem a titulação de

bacharel ao término de 6 a 8 semestres e os demais oferecem diploma de

tecnólogo. Os cursos de bacharelado concentram-se na região sul e nordeste do

País (quatro em Santa Catarina, um em Pernambuco e um na Bahia). Os tecnólogos

concentram-se em São Paulo, na capital com dezessete e interior com vinte e um,

num total de trinta e oito cursos oferecidos. Os demais se distribuem pela Federação

Brasileira. Esse crescimento se deu pela busca em suprir um mercado em pleno

crescimento e por uma escassez de profissionais capacitados para atender a essa

demanda atual.

Segundo Prof. Fernando Carvalho de Almeida, da Universidade do Sagrado

Coração, em Bauru, interior de São Paulo, em entrevista ao periódico interno,

Enfoque, 2005, escreve sobre o tema: Muito além das panelas, fala das

características da área e do profissional de gastronomia.

Desde os anos 90, a gastronomia ganhou evidência com o espaço na teledramaturgia. Galãs no papel de chefes de cozinha destacam o glamour da profissão. Um fato difícil de imaginar há 15 anos, período em que atividades ligadas à cozinha eram desvalorizadas pela sociedade brasileira. O profissional que atua na área de alimentos e bebidas, em restaurantes como Chef de Cozinha, uma pessoa com muita experiência em cozinha, pois não é só um diploma universitário que faz uma pessoa Chef. Esse é um fato muito importante. Os alunos começam a conhecer no curso que cozinha é uma área extremamente hierarquizada, rígida, com uma hierarquia militar, muitas vezes, na qual o mérito é um valor fundamental. Nesse caso, não é o fato de ser formado que vai determinar sua liderança. Ele terá de demonstrar que é capaz de gerenciar, liderar pessoas com qualidade. O curso oferece conteúdos, todas as ferramentas para aplicar em sua rotina, mas a liderança é nata. O Chef de Cozinha é um líder nato. São profissionais extremamente organizados, conscientes de seu trabalho. O Chef de primeiro time trabalha em média de 10 a 15 horas por dia, seis dias por semana. É muito puxado. No começo, é difícil, uma área absolutamente prática, por isso quem não possui essa experiência está fora. Mas o gastrônomo pode atuar em outras áreas, ser dono de seu próprio negócio, o que não quer dizer que vá trabalhar menos. Pelo contrário, existe a possibilidade de trabalhar com treinamento/qualificação, principalmente na área de higiene, manipulação, boas práticas, um mercado amplo. Outra área é o gerente de alimentos e bebidas (A&B) em hotéis. O curso oferece diferentes alternativas até no gerenciamento de uma cozinha. Ele pode ser um consultor, desenvolver produtos para empresas, trabalhar com eventos, banquetes e outros. Um mercado muito promissor no Brasil. (USC, 2005)

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Os cursos de Gastronomia hoje contam com poucos professores titulados na

área, principalmente para as disciplinas específicas, desenvolvidas nos laboratórios

gastronômicos. Por se tratar de um curso novo, os profissionais que ministram aulas

têm as mais diversas formações; hoje temos professores de Gastronomia arquitetos,

veterinários, administradores, advogados, engenheiros, nutricionistas e de várias

outras áreas. Eles possuem experiência profissional, mas aprenderam a cozinhar de

diversas maneiras, o que faz que possuam modelos muito distintos de ensinar a

cozinhar e não têm formação pedagógica específica para exercer a docência. Essa

pluralidade de formações e experiências dos professores dificulta a definição do

perfil do gastrônomo no Brasil e, consequentemente, a definição de sua formação.

Na busca de respostas a essa nova realidade socioeconômica, as Instituições

de Ensino Superior diversificam seus cursos e programas, tornando e educação

profissional uma importante estratégia de acesso às novas tecnologias postas no

mercado de trabalho.

Diante disso, podemos observar que o profissional de gastronomia exige,

além da formação técnica referente a produtos e serviços, também a compreensão

das relações humanas, enfatizando uma formação profissional interdisciplinar.

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2. Um olhar para formação docente

O importante é enxergar muitas esperanças gostosas do nosso dia-a-dia,

e acreditar que elas são factíveis, relevantes, geradoras de alegria,

embora nunca plenamente satisfatórias.

Hugo Assmann

2.1. O que é docência

A palavra docência tem seu sentido etmológico no latim – docere- que

significa ensinar, instruir, mostrar, dar a entender. Temos registro do termo docência

desde 1637 quando o abade francês Charles Démia, em 1672, funda um centro de

formação docente, em Lyon, que não sobreviveu a sua morte (ARAUJO, 2005).

Ainda temos como sinônimo de docência, segundo o dicionário Aurélio, exercício do

magistério.

Segundo Veiga (2005), no Brasil, a apropriação do termo docência data de

1916, indicando mais especificamente o trabalho dos professores. No sentido formal,

docência é o trabalho do professor.

2.2. A formação docente

A formação do professor na sociedade brasileira, segundo Saviani (1989), até

os meados da década de 30, fundamentava-se na pedagogia tradicional feita pela

transmissão de uma cultura geral.

A partir dos anos 30, após a revolução industrial, surgem as demandas por

uma educação pública que exigiram do Estado cumprir seu papel de educador, fato

já ocorrido na Europa no final do século XIX. Educação e escola passam a ser

entendidos a partir dos parâmetros dos ideais democráticos. Neste contexto, a

educação e a escola passam a ser elementos potencializadores do desenvolvimento

do país. O ensino primário é colocado ao alcance das classes populares, cujo

objetivo era oferecer um ensino de qualidade e, conseqüentemente, necessitava de

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uma melhora na formação docente. Entre os anos 30 e 40, preocupou-se com a

abertura de escolas para formação docente.

Mas só em 1946 o Governo Federal estabeleceu o currículo das escolas

normais para formação de professores primários. Caracterizava-se pela

centralização e pouca flexibilidade, eram programas únicos para todo território

brasileiro. Esses programas formavam tanto professores como administradores

escolares, com cursos de especialização após o término do curso normal.

A formação docente no Brasil, na primeira metade da década de 1970, pauta-

se, preferencialmente, em uma visão funcionalista da educação, privilegiando a

dimensão técnica da docência. Nesse modelo, o professor é visto como um

organizador dos processos de ensino-aprendizagem que devem ser rigorosamente

planejados para garantir resultados instrucionais eficazes. Nessa perspectiva, a

formação docente privilegia a instrumentalização técnica. Os professores que se

pautam em uma concepção tradicional acreditam que sua tarefa principal é transmitir

informações, regras e valores para as novas gerações. A partir da Lei de Diretrizes e

Bases 5692/71, mudou-se de curso normal para curso de magistério, em que o

professor cursava um núcleo comum de disciplinas nos três primeiros anos e depois

cursava um núcleo específico de formação pedagógica e práticas de ensino, em um

ano.

Na segunda metade da década de 1970, as teorias funcionalistas cedem

espaço às teorias sociológicas que consideravam a escola como reprodutora das

relações sociais. Nessa perspectiva, Bourdieu (1998) enfatiza que a função do

professor não é de transmitir os valores de uma determinada classe social, mas de

estabelecer uma crítica a respeito desses valores. O professor é visto como um dos

elos entre o social e o sistema político e econômico.

No entanto, com o surgimento de uma nova sociedade industrializada, o

ensino tradicional clássico foi perdendo seu vigor e seu sistema de ensino não

correspondia às necessidades dos interesses da sociedade capitalista.

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A nova pedagogia, ou seja, a Escola Nova, se voltava para o princípio do

“aprender fazendo”, concebia a construção do conhecimento através da

aprendizagem cooperativa e significativa. O professor exercia o papel de facilitador

no processo de aprendizagem, estimulando o aluno a explorar recursos adequados

e disponíveis para sua aprendizagem. O trabalho pedagógico passou a ser

valorizado na qualidade das técnicas, dos métodos e dos instrumentos de ensino

que serviam para transmitir ao aluno o conhecimento, fazendo que vários segmentos

da sociedade participassem desse processo.

Neste contexto histórico, percorrido desde os anos 30, quando ocorreram

tantas mudanças sociais, políticas e educacionais, pergunta-se qual o papel do

professor? Como se organiza sua formação profissional para atuar como docente

nesse complexo que é a formação de sujeitos?

A partir dos anos 80, ocorreu uma transformação nas pesquisas e na

literatura que aborda a formação docente. A escola passou a ser considerada um

ambiente formativo educativo, no qual trabalho e formação não são concebidos

como atividades distintas. As escolas têm a função histórica de educar os cidadãos

através de um processo de troca de saberes, individuais e coletivos. Nos espaços

coletivos de aprendizagem não só os alunos, mas também os professores se

educam.

Nóvoa (1995; p. 30) enfatiza que: “a aprendizagem em comum facilita a

consolidação de dispositivos de colaboração profissional (...) a concepção de

espaços coletivos de trabalho pode constituir um excelente instrumento de

formação”.

Tendo como referência as concepções de Gómez (1995; p. 103), podemos

dizer que a reflexão como ação necessária para desencadear processos formativos

“implica a imersão consciente do homem no mundo, da sua experiência, um mundo

carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências

afetivas, interesses sociais e cenários políticos”.

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Hoje a Escola tem um papel relevante na sociedade, tendo como referência

seu currículo, através do qual são pensadas as formas de se consolidar os rumos

que a escola pretende e que é concretizado por meio das práticas e engloba

dimensões cognitivas, afetivas, políticas, sócio-econômicas, tecnológicas bem como

a formação do professor e, por tudo isso, desempenha um papel bastante relevante

na formação dos alunos.

Nesse sentido, Gimeno Sacristán (2000) relata que: Retomar e ressaltar a relevância do currículo nos estudos pedagógicos, na discussão sobre a educação e no debate sobre a qualidade do ensino é, pois, recuperar a consciência do valor cultural da escola como instituição facilitadora de cultura, que reclama inexoravelmente o descobrir mecanismos através dos quais cumpre tal função e analisar o conteúdo e sentido da mesma(sic) (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p.19).

Ao levarmos em consideração que o currículo “supõe a concretização dos fins

sociais e culturais, de socialização, que se atribui à educação escolarizada”

(GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 15) e é a “seleção cultural estruturada sob chaves

psicopedagógicas dessa cultura que se oferece como projeto para instituição

escolar” (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p.19), justificamos a necessidade de

reflexões aprofundadas acerca da temática do currículo.

O professor em sua atuação docente é parte integrante desse processo, pois

tomará conhecimento do que ensinar por intermédio do currículo e projetos

desenvolvidos na instituição escolar. Nesse sentido, o papel do professor vai muito

além do trabalho somente de seus conteúdos disciplinares. Hoje há documentos a

serem consultados, como PDI5, PPI6 e PPC7, sobre os quais o professor deve tomar

ciência antes de elaborar seu plano de ensino. Para situar o papel docente em uma Instituição de Ensino, faz-se interessante

um recorte na legislação em que o artigo 13 – LDB 9394/96 – estabelece como

função docente e que permeia a docência em todos os níveis de ensino.

5 Plano de Desenvolvimento Institucional: instrumento de planejamento e gestão que considera a identidade da IES, no que diz respeito a sua filosofia de trabalho, a missão a que se propõem as diretrizes pedagógicas que orientam suas ações, a sua estrutura organizacional e as atividades acadêmicas que desenvolve e/ou pretende desenvolver. 6 Projeto Pedagógico Institucional: constitui-se em um documento construído com a participação da comunidade acadêmica, que explicita a visão política, filosófica e metodológica que a instituição assume diante do compromisso com o Ensino, a Pesquisa e a Extensão

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Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:

I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

III - zelar pela aprendizagem dos alunos;

IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;

V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;

VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.

Todo o processo de formação docente, suas funções e dimensões

atravessam os diversos níveis de aprendizagem. Ser professor perpassa os

ambientes de formação inicial e formação superior. Portanto, a docência

universitária também se tornou preocupação constante e passou a ocupar um

espaço relevante entre os estudiosos da área de formação docente. De acordo com

Zabalza (2004), atribuem-se três funções aos professores universitários: ensino,

pesquisa e administração, sem desprezar os espaços de orientação acadêmica que

exercem a respeito de monografias, dissertações e outros documentos elaborados

por alunos. Assim, o exercício docente ultrapassa os espaços de sala da aula,

tornando cada vez mais complexo o trabalho desse profissional. O professor é um

ser unitário permeado pelo percurso pessoal, profissional e institucional.

No Brasil, especificamente, fala-se sobre formação de professores

universitários realizada no cenário das linhas de pesquisa dos programas de pós-

graduação e aborda o grande interesse que essas pesquisas resultam para a

educação brasileira. Podemos destacar, dentro desse cenário, os saberes, os

conhecimentos e as competências primordiais à profissão docente, tendo como foco

sua considerável valorização e formação. Segundo Borges (2001, p.1), “pelo menos

7 Projeto Pedagógico de Curso: instrumento de concepção de ensino e aprendizagem de um curso.

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nos últimos vinte anos, a partir de concepções e orientações variadas, milhares de

pesquisas sobre ensino, os docentes e seus saberes têm sido produzidas [...] E a

cada ano, é publicado um número extraordinário de obras sobre esse tema, em

diversos lugares no mundo todo.”

A docência no ensino superior vem sendo ministrada por profissionais das

mais diversas áreas e que não possuem formação pedagógica. Um exemplo disso

são os docentes que transitam nos cursos de formação superior tecnológica, como

já relatado anteriormente, um curso superior voltado para formação profissional

diretamente ligada ao mercado de trabalho.

Segundo Masetto (1990), ao abordar os saberes docentes universitários, diz

que o professor se caracteriza como um especialista no seu campo de

conhecimento, sendo este requisito importante na seleção para contratação desse

docente. O que se nota também é que muitas vezes esse professor não domina a

área pedagógica, sendo um profissional que passa a viver num ambiente

educacional e com isso troca suas experiências com seus pares.

Há outros autores que dialogam sobre a formação docente universitária como

Pimenta (2002), Gil (2008) que argumentam que a formação se dá pelos saberes

experienciais.

Diante deste cenário, fica claro que a docência se faz ao longo da vida em

diversos contextos sociais. Para Tardif (2002), “... um professor é, antes de tudo,

alguém que sabe alguma coisa e cuja função consiste em transmitir esse saber a

outros.” (TARDIF, 2002, p.31).

As discussões a respeito da formação de professores partem de pressupostos

de que a formação se dá por uma perspectiva de vida, que cada ser humano possui

uma história de vida que não pode ser desvinculada de sua prática docente.

Os graduados dos cursos tecnológicos possuem formação direcionada pela

aplicação, desenvolvimento e difusão de tecnologias. São profissionais

especializados em um segmento de área específica e de total predominância em

questão.

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Desde a década de 80 do século XX, há uma expansão dos cursos superiores

e a educação superior é chamada a atender um mercado cada vez mais exigente,

que domine vários idiomas, que atenda as necessidades de mercado, que seja

versátil, empreendedor, criativo, inovador. Em contrapartida, há necessidade de que

haja docentes reflexivos, pesquisadores e profissionais, emergindo de um contexto

educacional com uma leitura pluralista, inseridos num contexto histórico-social

inovador e desafiador. Masetto ( 2003, p. 32) relata: “conciliar o técnico com o ético

na vida profissional é fundamental tanto para o professor quanto para o aluno”.

2.3. Dialogando com os saberes docentes

Nos últimos vinte anos, as pesquisas em torno do que é ser professor

cresceram de forma expressiva. Esse aumento se deu a partir da década de 80,

associado ao movimento reformista da educação básica iniciado nos Estados

Unidos, Canadá e Inglaterra, seguido da Bélgica e França e só depois chega à

América Latina, já na década de 90.

Autores como Mizukami (1996), Nóvoa (1992), Isaía (2003) são alguns dos

estudiosos que contribuem nas discussões da temática de formação docente.

Mizukami (1996, p.60), em estudos direcionados ao conhecimento da

docência, afirma que o “professor é [...] fonte de modelos, crenças, valores,

conceitos e preconceitos, atitudes que constituem, ao lado do conteúdo específico

da disciplina ensinada, outros tipos de conteúdos por ele mediados”.

A função social dessa profissão mantém sua importância, na medida que,

diante das transformações das sociedades e das exigências da pós-modernidade,

pressupõe-se um repensar como elemento fundamental junto a todas as profissões.

Em todos esses saberes, podemos perceber uma cultura de aproximação da

teoria com a prática. O professor vai aprendendo, com o exercício do magistério, a dialogar com a instituição onde trabalha, seu projeto educativo, seu discurso, suas

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práticas explícitas ou tácitas e seus métodos particulares. Por último, entram os saberes da experiência ou da prática, como um saber fazer e um saber ser. Com o tempo, o professor não só aprende a integrar e mobilizar os saberes de sua experiência como também vai aprendendo a profissão, vai sendo cada vez mais um profissional. (BOING, 2002, p. 2)

Durante muito tempo, acreditou-se que a formação do docente acontecia com

base em cursos sistemáticos de formação, mas pesquisas atuais demonstram que a

formação acontece também fora dos espaços destinados para tal.

Há um grupo de autores que defende a concepção de formação de professor

como formação plural de conhecimentos. São eles: Nóvoa (1991), Freire (1996),

Pimenta (1998), Tardif (2002), Furlanetto (2004) e Cunha (2004) que utiliza o termo

“saberes” para referir-se à formação e atuação docente exercida atualmente. Essa

formação passa por seu próprio processo de investigação formativa, articulando-se

com suas práticas educativas.

Algumas questões emergem e solicitam discussões aprofundadas, entre elas

podemos destacar: - quais os saberes necessários para o exercício da docência?–

como eles podem ser adquiridos? A formação universitária é suficiente? – Qual o

papel da experiência na formação do professor?

Constatamos que há questionamentos sobre o processo de concepção da

docência e que esta função requer formação profissional para seu exercício além

dos conhecimentos específicos. Deparamo-nos assim com dois caminhos

percorridos pelo professor: formação acadêmica e pedagógica e saberes docentes e

profissionais, entendidos como um objeto de estudos de vários especialistas como

Tardif (2000), Schön (1983), Perrenoud (1999), que conceituaram tipologias sobre

saberes docentes, tendo como convergência que o saber docente é um saber plural,

formado por elementos que, embora diferentes, são igualmente necessários como

constitutivos da profissão de professor. São saberes construídos pelos docentes ao

longo de suas trajetórias de vida pessoal e profissional.

Tais saberes são constituídos por três eixos:

1. O eixo científico define-se por saberes construídos no percurso acadêmico,

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no espaço de formação universitária e profissional e responsável pelo domínio

de conteúdos específicos da área de conhecimento da especialidade

profissional, o que exige estudos e conhecimento de bibliografia atualizada.

2. O eixo empírico reúne os saberes das experiências acumuladas ao longo da

vida pessoal e profissional dos professores ao realizarem o ensino, ou ainda

como alunos, bem como o saber da experiência do coletivo de professores.

3. O eixo pedagógico caracteriza a profissão de professor, trata de questões

específicas que permeiam o ensinar e, na maioria das vezes, não é do

conhecimento de profissionais de outras áreas. Auxilia na compreensão de

que o ensino está responsavelmente articulado à aprendizagem, embora

sejam processos distintos, e que as competências para ensinar são

construídas, melhoradas e ampliadas num processo de formação continuada.

Para Tardif (2002), a relação dos professores com os saberes é mediada pelo

trabalho, pela experiência vivida no seu dia a dia, enquanto Severino e Pimenta

(2002) afirmam que ser professor exige uma série de conhecimentos para poder

enfrentar situações incertas, conflituosas, violentas existentes nos espaços

escolares. Pimenta (2002, p.40) ainda defende que o “trabalho docente se constrói e

se transforma no cotidiano da vida social”, para tal pensa-se que o trabalho docente

abarque um cenário geral, além da docência.

Os caminhos dessa formação articulam-se com experiências de ensino e

aprendizagem relevantes para o sujeito. Perrenoud (2002) defende que o

profissional da educação valoriza suas aptidões e competências pedagógicas

quando percebe uma melhora em relação a sua prática pedagógica diante de seu

desenvolvimento juntamente com o outro, de seu agir pedagógico, baseado em sua

contextualização e na sua capacidade de agir diante de uma nova experiência.

Percebe-se o trabalho do professor norteado de saberes que não se limitam

somente à transmissão de conteúdos e conhecimentos técnicos. O professor está

preocupado, além do saber-pensar, também com o saber-fazer, que remete à

transmissão, de informações e orientações sobre técnicas

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“Os saberes profissionais dos professores parecem ser, portanto, plurais, compósitos, heterogêneos, pois trazem à tona, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e manifestações do saber-fazer e do saber-ser bastante diversificados e provenientes de fontes variadas, as quais podemos supor também que sejam de natureza diferente”. (TARDIF, 2002, p. 61).

Percebe-se que, nos dias atuais, os professores constroem e reconstroem

seus saberes a todo instante, por meio de sua vida e suas experiências. Hoje a

prática docente não se reduz aos conteúdos das ciências da educação, eles podem

ser trabalhados por outros saberes incorporados a uma educação pedagógica, que

seja legitimada cientificamente.

Sendo assim, os saberes docentes se modificam com o passar do tempo,

assim como mudam de acordo com a função exercida. Para Tardif (2002), os

saberes não se limitam a processos mentais e cognitivos dos sujeitos, mas

envolvem um saber social que se instaura na relação professor e aluno, professor e

seus pares.

O diálogo com Furlanetto (2004) permite aprofundar a compreensão desses

processos de saberes docentes. Ela tem discorrido sobre os processos de formação

das matrizes pedagógicas dos professores que se apresentam como arquivos

existenciais que articulam saberes experenciais e teóricos. Esses saberes são

acionados quando o professor exerce a docência, e muitas vezes, ele não tem

consciência plena de suas matrizes e fica refém de modelos que nem sabe que

existem. Pesquisas realizadas por Furlanetto (2002;2004;2008) têm possibilitado

compreender que as matrizes pedagógicas contêm aspectos defensivos e criativos,

elas podem ser responsáveis por práticas repetitivas, mas também possibilitam que

o professor dê saltos e inove em sala de aula. Cada vez fica mais claro que as professoras e os professores, mulheres e homens inacabados, contraditórios e multifacetados - com histórias pessoais forjadas nas relações que estabelecem com o outro, a cultura, a natureza e consigo mesmos –fazem escolhas, criam-se e recriam-se encontrando formas de crescer e de se exercer profissionalmente (FURLANETTO, 2007, p. 14).

A autora ainda faz referência a um professor interno, nem sempre reconhecido pela consciência.

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Pudemos perceber que pareciam possuir um professor interno, uma base da qual emanavam suas ações pedagógicas que não representavam somente a síntese de seus aprendizados teóricos, mas também de suas experiências culturais vividas a partir do lugar de quem aprende (FURLANETTO, 2004, p. 26).

A formação docente, por mais intencional que seja, transpassa a dimensão

cognitiva, ela vai muito além, envolvendo dimensões sociais, afetivas culturais e a

própria história de vida. Dessa forma, a condição de aprendiz envolve a

subjetividade, a memória, a história de vida e a história profissional.

Furlanetto (2004) em pesquisas sobre linguagem simbólica e formação

docente analisa essas trajetórias e conceitua como professor interno, relevando as

experiências pedagógicas não somente como saberes teóricos e pedagógicos, mas

como experiências de vida, que alimentam a formação docente. Esse conceito de

professor interno levou a pesquisadora a nomear o termo matrizes pedagógicas que

podem ser... (...)simbolicamente consideradas em espaços, nos quais a prática dos professores é gestada. Conteúdos do mundo interno encontram-se com os do mundo externo e são por eles fecundados, originando o novo. A matriz, além de configurar-se como local de fecundação e gestação, também se apresenta como possibilidade de retorno em busca da regeneração e da transformação (FURLANETTO, 2004, p. 27).

Quando se coloca a subjetividade em evidência, ressaltamos um termo que,

muitas vezes, pode gerar difícil compreensão. Envolve significados e sentidos e

consequentemente a compreensão de signos, que na nossa sociedade, possui

sentidos individuais, gerando diferentes interpretações.

Nos espaços formativos, a subjetividade se revela a todo o momento.

Docentes e aprendizes com diferentes histórias de vida atribuirão diferentes sentidos

aos símbolos que lhe são apresentados.

Para Furlanetto (2004), os caminhos da formação são singulares, ricos em

nuanças e facetas e o ato de aprender não é somente racional e sim um ato de amor

a si mesmo, de amor à vida e a tudo que ele abarca. A autora ainda dialoga com a

ótica junguiniana, em que relata que o sujeito não se basta com a repetição da

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cultura e sim ser produtor de sua própria aprendizagem. Para isso é necessário que

esse sujeito se conheça e vivencie processos de ampliação dessa consciência. Isso

implica em vasculhar lugares de que emergem conteúdos significativos e que

provocam emoções que transpassam a própria consciência.

No entanto, é sabido que os conhecimentos educacionais e pedagógicos são

aspectos importantes na construção da identidade profissional do docente. Mas

acredito que o docente possa associar esse aprendizado, no decorrer de sua

trajetória, paralelamente aos seus conhecimentos técnicos e profissionais nos quais

se insere.

Os saberes docentes incorporam-se à vida do professor à medida que vão

sendo mobilizados pelo seu trabalho diário e, desse modo, constituindo a sua

identidade profissional. Tardif (2002) relata que “A socialização é um processo de

formação do indivíduo que se estende por toda história de vida e comporta rupturas

e continuidades”. (TARDIF, 2002, p.71).

No saber docente está o saber ensinar e aprender. É importante considerar o

docente na sua dimensão maior de interação com a sociedade e com seu próprio

conhecimento para que sua atuação seja compreendida. Para pensar em formação de professores, neste momento, devemos levar em conta os avanços culturais e o surgimento dessa nova subjetividade. Não podemos mais pensar em um professor abstrato, genérico, não podemos mais acreditar, de maneira ingênua, que formação dos professores acontece somente nos espaços destinados a esse fim. (Furlanetto, 2004, p 14).

O ato de aprender está ligado ao conhecimento de cada um, as suas

referências. É preciso relacionar-se com o outro para colocá-lo no lugar de ensinante

e estabelecer uma relação de aprendizagem para que se possa entrar em contato

com o conhecimento. Cecília Faro, psicopedagoga, relata que:

Entre o ensinar e o aprender, abre-se um campo de diferenças onde se situa o prazer de aprender por intermédio do estabelecimento de uma relação vincular. Para que o sujeito aprenda, é necessário conectar-se com seus próprios conteúdos, mostrar seu conhecimento, autorizar-se a abrir ao outro e, assim, incorporar seus ensinamentos.

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O conhecimento prévio, fruto das vivências de cada um, faz parte do processo interno desse sujeito. Ele é acrescido de novas informações e transformado, para que possa ser vivenciado e incorporado. (Faro, 2006, p.4)

Temos, portanto, uma nova dimensão a ser considerada na formação docente

e a inserção desses profissionais nos cursos tecnológicos, já que o objetivo principal

desta modalidade de ensino superior é além da formação acadêmica, a inserção

regulamentada do educando no mercado de trabalho.

Aqui já não cabe mais o modelo de que ensinar se restringia às aulas

expositivas, o professor que sabe ensina o aluno que não sabe. Ainda citando Freire

(2006), “Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos,

apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um

do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.”

(FREIRE, 2006, p. 23)

Segundo Tardif (2002), o trabalho docente não é uma prática social por causa

da interação com os alunos, mas porque reflete a cultura e o contexto social ao qual

se inserem, portanto conhecimento pedagógico é importante, mas não pode ser o

único. “Um professor de profissão não é somente alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros, não é somente um agente de determinados mecanismos sociais, mas é um ator, sujeito que assume sua prática e possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria prática”. (TARDIF, 2002, p. 230)

Um professor constrói sua trajetória profissional pautada num contexto social,

cultural e experencial.

Observa-se aqui o grande desafio educacional que consiste em oferecer à

sociedade a oportunidade de uma formação com preparação técnica para inserção

no mercado de trabalho concomitantemente com uma formação integral do sujeito.

O diálogo com Tardif (2002), Furlanetto (2004) pode ampliar as referências

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teóricas da pesquisa, pois o processo de formação docente se constitui numa

abordagem pluralizada de ações experenciais e pedagógicas. Esse processo

formativo é permeado por arquivos simbólicos que podem ser imagens, sentimentos,

conceitos etc. Todos esses referenciais com alta relevância na reflexão sobre a

formação docente embasam o conceito que denominaremos matrizes pedagógicas. Do ponto de vista mitológico, palavra matriz também está relacionada ao útero, ninho de fecundidade de gestação da vida. Para Chevalier e Greerbran (1998), a mãe terra também é vista como uma grande matriz que gesta a natureza, responsabiliza-se pela sua fecundidade e regeneração. Para a mitologia indiana, as minas configuram-se como matrizes de onde se extraem os minerais, e as pedras preciosas crescem dentro dos rochedos que assumem o caráter de uma matriz. (...) a associação mais preciosa, rica origina-se no Veda. A matriz do Universo é reconhecida como Prakriti, a substância universal também identificada com Brama. Garbha (matriz) é também o recipiente que serve para conter o fogo do sacrifício. A matriz Veda ao mesmo tempo em que se apresenta como fonte do manifesto, é também o lugar da imortalidade, o vácuo central da Roda Cósmica. A matriz pode ser (...) local no qual o iniciado vive experiências iniciáticas e recebe a designação de seu novo nascimento. (FURLANETTO, 2004, p. 26/27).

Segundo Cunha (2008), as matrizes nos remetem ao nascimento e às

transformações. Furlanetto (2004) relata que os professores possuem um núcleo

central em que guardam registros que podem configurar sua compreensão do que

seja um professor.

O professor dialoga com suas matrizes pedagógicas muito antes da formação

sistemática. Ele dialoga desde os primeiros sentimentos em relação ao outro e essa

aprendizagem não termina com a vida adulta.

Segundo Furlanetto (2004), o processo de formação se constrói nos espaços

intersubjetivos, onde se tecem movimentos sutis por meio de encontros que ampliam

níveis de consciência e permitem olhar o mundo de outros lugares. Para isso, é

preciso a presença do afeto, do carinho e principalmente a aceitação do outro. Quem não se lembra do aperto no coração, da alegria que flui, do brilho no olho, quando vemos pela primeira vez o que esteve sempre ali, quando deciframos o oculto, quando percebemos um pequeno detalhe? Dessa forma, quando aprendemos, entregamo-nos aos sinais e, lendo os indícios, transcendemos e descobrimos outros níveis de realidade, que permitem que estabeleçamos conexões e reinventemos sentidos, recriando-nos nesse processo. (FURLANETTO, 2004, p.5).

Na pesquisa sobre a formação docente em gastronomia, de gastrônomo a

professor, se faz relevante refletir sobre as matrizes pedagógicas, pois suas

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referências teóricas estabelecem uma relação no processo de formação docente por

intermédio de símbolos que apóiam o ensinar e o aprender.

3. Um olhar sobre as matrizes pedagógicas

Para além da orelha existe um som,

à extremidade do olhar um aspecto,

às pontas dos dedos um objeto

– é para lá que eu vou.

Clarice Lispector

A pesquisa se ancora na abordagem qualitativa, a qual possibilita ao

pesquisador mergulhar na profundidade dos fenômenos sociais de forma

compreensiva, abrindo-se para aprender o fenômeno, considerando toda sua

complexidade, particularidade e ao mesmo tempo ter um contato direto com o fato

pesquisado. Esta abordagem não determina a generalização dos fatos, mas sim o

entendimento de sua particularidade.

Para se realizar uma pesquisa é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele. Em geral, isso se faz a partir de um estudo de um problema, que ao mesmo tempo desperta o interesse do pesquisador e limita a sua atividade de pesquisa a uma determinada porção do saber, a qual ele se compromete a construir naquele momento. Trata-se, assim, de uma ocasião privilegiada, reunindo o pensamento e a ação de uma pessoa, ou de um grupo, no esforço de elaborar o conhecimento de aspectos da realidade que deverão servir para a composição de soluções propostas aos seus problemas. Esse conhecimento é, portanto, fruto da curiosidade, da inquietação, da inteligência e da atividade investigativa dos indivíduos, a partir e em continuação do que já foi elaborado e sistematizado pelos que trabalharam o assunto anteriormente (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 1-2).

Como já mencionado, no curso superior de gastronomia, transitam

professores titulados e não titulados, vindos das mais diversas áreas do

conhecimento e, em sua maioria, trazem consigo uma bagagem e experiência

vivencial, bagagem definida como experiencial e singular. Esse cenário levou à

necessidade de identificar esses professores e então chegar ao objeto da pesquisa:

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- que saberes o professor do curso de gastronomia mobiliza para ensinar.

Para enriquecer a pesquisa, buscou-se também fundamentação na teoria

sobre pesquisa simbólica, pois esta nos fornece elementos que nos permitem traçar

um caminho investigativo que se pauta na localização e elaboração de símbolos que

emergem no contexto da investigação. Os sujeitos podem deixar aflorar os sentidos

que dão às suas vidas e às suas práticas e pensar como estão sendo construídos.

Pensamos no sujeito como um ser que tece e é tecido pela história e, ao viver

esses movimentos, atribui sentidos para eles.

Para Jung (1964), o indivíduo, ao elaborar símbolos que emergem em sua

trajetória, vive um processo de ampliação da consciência e amplia sua compreensão

a respeito dos caminhos que estão sendo traçados por ele. Esse movimento se

traduz em um processo de produção de conhecimento que pode ser vivido nos

cenários investigativos.

Furlanetto (2002) relata que “um símbolo pode ser uma idéia, uma emoção,

um acontecimento ou um objeto que, além de seu significado literal, possui outros

significados ocultos e até mesmo inconscientes”.

Jung (1964) também nos auxilia a definir símbolo: O que chamamos de símbolo é um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida diária, embora possua conotações especiais além de seu significado evidente e convencional. Implica alguma coisa vaga, desconhecida e oculta para nós” (Jung,1964.p.20).

Outra autora que também nos ajuda a compreender o que é um símbolo na

perspectiva Junguiana é Silveira (1981, p.80) que comenta: “um símbolo não traz

explicações; impulsiona para além de si mesmo na direção de um sentido ainda

distante, inapreensível, obscuramente pressentido e que nenhuma palavra de língua

falada poderia exprimir de maneira satisfatória.”

Etimologicamente o termo símbolo deriva do grego symbállo, “coloco junto”.

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Conta-se que, na antiga Grécia, era comum cortar ao meio uma moeda ou outro tipo

de objeto e dar uma parte a um amigo ou hóspede. Conservadas as metades por

tempos indeterminados, era comum reconhecer os descendentes. Na realidade, as

metades colocadas juntas designavam um reconhecimento de um pelo outro.

Aquilo a que nós chamamos de símbolo pode ser um termo, um nome ou até

uma imagem familiar na vida diária, embora possua conotações específicas além de

seu significado convencional e óbvio. Assim, uma palavra ou uma imagem é

simbólica quando implica alguma coisa além de seu significado manifesto e

imediato. Essa palavra ou imagem tem um aspecto inconsciente mais amplo que

não é nunca precisamente definido ou plenamente explicado.

Para Jung existe uma diferença entre signo e símbolo, o primeiro é algo que

pode ser usado no lugar de uma outra coisa, portanto possui uma função

substitutiva. Um símbolo, por sua vez, não substitui algo, ele destaca-se do pano de

fundo da vida por receber projeções que fazem com que ele demande ser

compreendido, nesse sentido sua função é formativa e transformativa.

Para Jung, um signo representa alguma outra coisa; um símbolo é alguma

coisa em si mesma, uma coisa dinâmica e viva. O símbolo representa a situação

psíquica do indivíduo e ele é essa situação num dado momento.

Neste sentido, ao elaborar um símbolo se promove uma ampliação, um

enriquecimento da consciência, que se dá através da vivência daqueles conteúdos

psíquicos carregados de forte tonalidade afetiva.

De acordo com as concepções junguianas, o significado de um símbolo não

pode ser apreendido de forma rígida, como um dado a priori. Os símbolos

designariam “aqueles” conteúdos conscientes que nos dão a chave para o substrato

inconsciente, que devem ser compreendidos como uma idéia intuitiva que ainda não

pode ser formulada de outra maneira, ou de uma melhor.

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3.1. Os sujeitos da pesquisa A pesquisa foi realizada com quatro professores atuantes no curso de

gastronomia de Instituições de Ensino Superior na cidade de São Paulo que também

transitam ou já transitaram pelo mercado de trabalho específico da área da

hospitalidade, como por exemplo, restaurante ou outro empreendimento

gastronômico.

Optamos pela entrevista reflexiva como instrumento da pesquisa, com

perguntas abertas possibilitando, dessa maneira, um contato direto, em que o

pesquisador pôde explicar cada questão e tirar dúvidas, se porventura houvesse.

Acreditamos também que na entrevista reflexiva os símbolos emergem de forma

natural. Pádua (2000,p.70) acentua que: “ as perguntas abertas, por exigirem uma

resposta pessoal, espontânea, do informante, trazem dados importantes para uma

análise qualitativa, pois as alternativas de respostas não são todas previstas como

no caso das perguntas fechadas.”

SZYMANSKI (2004) coloca:

Foi na consideração da entrevista como um encontro interpessoal no qual é incluída a subjetividade dos protagonistas, podendo se constituir um momento de construção de um novo conhecimento, nos limites da representatividade da fala e na busca de uma horizontalidade nas relações de poder, que se delineou esta proposta de entrevista, a qual chamamos reflexiva, tanto porque leva em conta a recorrência de significados durante qualquer ato significativo quanto a busca de horizontalidade (SZYMANSKI, 2004, p. 14-5).

Os professores foram entrevistados oralmente por um período que variou

entre vinte minutos e uma hora e meia. As entrevistas foram gravadas em áudio e

transcritas posteriormente em sua íntegra. A partir de questões formuladas pela

pesquisadora, desenvolvia-se um diálogo com os sujeitos no qual eram abordados

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aspectos relativos à experiência profissional do professor que, muitas vezes,

entrecruzavam-se a aspectos da vida pessoal.

Como o tempo médio das entrevistas foi 90 minutos, me chamou muito a

atenção a entrevista feita em vinte minutos. Então diante disso, refiz a entrevista,

depois de uma semana, solicitando ao entrevistado que falasse um pouco mais

sobre sua atuação docente, de uma forma mais livre, sem direcioná-lo com

perguntas. O resultado não acrescentou mais informações e a fala não passou de 20

minutos. A fala recorrente foi dizer que não escolheu ser docente e que essa

profissão lhe apareceu por acaso.

Suas falas comporão o decorrer do texto, que compreende a análise dos

dados.

Para cada professor foi esclarecido que se manteria a confidencialidade nas

respostas assim como seu consentimento para integrar esta pesquisa. Dessa forma,

os professores serão denominados por nome fictícios de personagens importantes

relatados nos filmes sobre gastronomia, sendo eles Martha8, Babette9, Ratattouile10

e Vatel11.

O grupo de entrevistados foi composto por dois professores do sexo

masculino e dois professores do sexo feminino, sendo a faixa etária entre 47 e 62

anos. Eis os entrevistados:

Martha: mestre em educação, ingressou na docência há 38 anos, sendo 6

8 Simplesmente Martha (2001). Martha é uma chef de cuisine, alemã, perfeccionista, que se refugia na arte culinária para fugir do mundo externo e do convívio com as pessoas. De repente, por uma fatalidade do destino, ela se vê tendo que dividir seu tempo entre o restaurante onde trabalha e uma sobrinha de 8 anos. 6 A Festa de Babette (1987). Babette é uma mulher francesa que vai viver em uma pequena cidade dinamarquesa, onde cuidará de casal de velhos, limpar a casa e cozinhar. E é cozinhando que ela se sai melhor, preparando grandiosos banquetes. 10 Ratatouille (2007) Conta a história de Rémy, um rato vivendo em Paris, que sonha em se tornar um chefe de cozinha. 11 Vatel. Um banquete para o rei (2000). Vatel é a história de um cozinheiro (François Vatel) extraordinário que, por causa de seu talento e grande sucesso, vivia entre dois mundos – em um purgatório entre o campesinato e a realeza. De qualquer forma, quando Vatel percebe a corrupção da corte e a traição de seu Príncipe, compreende que não pode continuar a exercer seu papel neste

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anos na gastronomia, como professora de Língua Portuguesa e também Didática, no

curso de Especialização Lato Sensu para formação de docentes em gastronomia.

Babette: especialista em docência em gastronomia, ingressou na docência

há 6 anos como professora de disciplinas práticas do curso, foi proprietária de

restaurante por 10 anos. Começou sua carreira trabalhando em cozinha de

coletividade.

Ratatouille: mestre em comunicação social e relações públicas, ingressou na

docência há 10 anos, sendo professor das disciplinas práticas que envolvem cozinha

e cultura brasileira. Hoje é proprietário de restaurante e já trabalhou em diversos e

renomados restaurantes de São Paulo.

Vatel: especialista em gestão de negócios, ingressou na gastronomia há 4

anos e ministra disciplinas voltadas às áreas de marketing e empreendedorismo.

Também ministra a disciplina de História da Gastronomia. Foi executivo por 18 anos

e proprietário de um restaurante por 3 anos.

O perfil dos docentes.

Doc

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Sexo

Martha 38 anos 6 anos sim sim sim sim não 62 F

Babette xxxx 6 anos não sim sim não não 48 F

Ratatouile xxxx 10 anos não sim sim sim não 50 M

Vatel xxxx 4 anos não sim sim não não 47 M

Quadro 1: Perfil dos Entrevistados

sistema brutal de poder hierárquico.

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3.2. A docência e seus símbolos

O material das entrevistas foi lido repetidas vezes para que dele emergissem

os símbolos na fala de cada sujeito em sua atuação docente, dando-lhe sentido .

No caso dos saberes mobilizados pelos professores nas atividades de

docência, estes vão se construindo durante toda a vida, em diferentes momentos da

história pessoal e profissional, atravessados pelos processos de formação. Quando

atuam em seus contextos de trabalho, as ações dos professores e aquilo que as

determinam derivam de experiências vividas no plano intersubjetivo e que são

internalizadas pelo sujeito. Para relatar esses símbolos serão tomados alguns eixos

que emergiram na própria fala do docente e que formam uma cadeia simbólica.

Segundo Furlanetto (2008), “os símbolos emergem espontaneamente, não são

produzidos conscientemente, eles aparecem e aos poucos vão revelando seu

potencial mediador, transformador e organizador.” (FURLANETTO, 2008)

Segundo Furlanetto, 2005, o movimento da análise da cadeia simbólica se dá

por três etapas. São elas: circundação, ampliação e reconstelação.

A circundação compreende buscar os símbolos que emergem no teor da

pesquisa, circundando-a e olhando-a de diversos ângulos. Esse movimento de

circundação consiste em ficar em torno do símbolo e buscar tudo que possa ser

desvelado. “Busca compreender a realidade, compreender no sentido de abraçar e acolher o real, uma forma matriarcal de produzir conhecimento, diferente do sentido de entender, talvez, mais comprometido com o penetrar, um movimento patriarcal de conhecer.” (FURLANETTO, 2007, p.6)

A ampliação consiste em buscar todas as probabilidades de esclarecimento

que o símbolo revela e sua multiplicação de sentidos, conforme Furlanetto (2007)

seria a multiplicação dos sentidos: “O processo de elaboração simbólica configura-se como um processo de produção de conhecimento. No trato com seus pacientes, Jung buscava provocar processos de ampliação de consciência e para isso os estimulava a olhar seus dilemas, dificuldades como símbolos que, ao serem vistos por outros ângulos, permitiram a construção de novos significados que redimensionam o lugar e a energia que ocupavam na psique.”(FURLANETTO, 2007, p. 4)

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E por fim, o movimento de reconstelação consiste em olharmos o símbolo de

outro lugar, um estágio de consciência que nos permite encontrar novos caminhos,

fora do caminho que estamos acostumados. Uma visão além dos lugares comuns.

Outro ponto a ser explorado na análise das entrevistas são as categorias

sobre os saberes docentes apontados por Tardif (2002), saberes que os professores

mobilizam para ensinar, objetivando assim contribuir para reflexão e formação dos

professores de Gastronomia, conforme relata: “caberia perguntar se o corpo docente não lucraria em liberar os seus saberes da prática cotidiana e da experiência vivida, de modo a levá-los a serem reconhecidos por outros grupos produtores de saberes e impor-se, desse modo, enquanto grupo produtor de um saber oriundo de sua prática e sobre a qual poderia reivindicar um controle socialmente legítimo. (TARDIF, 2002, p. 54)

Tomando os saberes docentes construídos em sua prática e experiência de

vida, como fatores determinantes da análise dessa pesquisa, apresenta-se a seguir

tal análise.

3.3. A análise dos dados

Neste item, foram analisados os dados das entrevistas, buscando sentido na

compreensão das falas dos entrevistados.

Para analisar os dados coletados, pautamo-nos nos princípios da pesquisa

simbólica, que Furlanetto (1997) desenvolve baseada nas pesquisas que realiza e

orienta uma maneira de investigar que implica ler os símbolos que se constelam no

cenário investigativo. Furlanetto se baseia nas referências teóricas da Psicologia

Analítica, teoria inicialmente elaborada por Jung (1964).

Um primeiro passo é a leitura do material pesquisado, buscando criar

entendimentos significativos nas entrevistas. Neste caso, faço o movimento de

circundação relatado anteriormente na pesquisa simbólica. Segundo Furlanetto

(2004), circundação “indica literalmente o percurso de uma dança ritual que, como

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tal exerce uma ação sobre os atores (Pieri, 2002, p. 84). Ele pode ser tecido de

forma circular delimitando um espaço sagrado interno, distinguindo-o do espaço

externo profano ou assumir a forma espiral que aponta para a conjunção de

elementos já existentes distintos e visíveis na direção de um elemento central ainda

não perceptível racionalmente a não ser como algo que transcende as partes” (op.

cit., p. 14).

Partindo de leituras, busca-se criar registros de ações ou palavras que

causem significado para a ação docente de cada entrevistado.

Os dados das entrevistas foram transcritos de maneira detalhada e

posteriormente foram circundados os termos emergentes e significativos na fala de

cada docente.

Lendo os textos originados pelas entrevistas, percebem-se fatos permeados

com vários momentos de suas histórias de vida, uns com dose de alegria, de

satisfação e outros com dose de dor ou até de momentos gerados pelo acaso.

Sendo assim, cada trecho deu a dimensão da busca de eixos articulados com

símbolos.

Diante desses símbolos e que se repetiram na fala dos docentes, imaginei

uma rede onde todos eles fossem ao encontro de um símbolo em comum: a

docência (ponto principal da minha pesquisa). Com isso visualizei os pontos fortes

na fala dos docentes e iniciei a análise dos dados, conseguindo assim dimensionar o

significado de cada um e sua respectiva importância na trajetória docente .

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Quadro 2: Rede Simbólica (construção da pesquisadora)

A pesquisa simbólica contribui por revelar aquilo que está por trás das

palavras, ou seja, busca compreender o que está latente.

A entrevista foi iniciada com os professores com a seguinte pergunta: seu

trabalho em sala de aula é baseado em sua experiência profissional, em sua

experiência docente ou na sua teoria na área gastronômica?

O primeiro símbolo que apareceu na fala dos docentes entrevistados foi a

palavra experiência, seja ela profissional ou acadêmica. Emergiu na fala dos quatro

docentes entrevistados como um símbolo importante na formação docente. Ao

emergir a experiência como fonte de saber docente, se faz necessária a retomada

da história de vida e a memória, como exercício constante dessa prática docente.

Eixo da rede simbólica Martha Ratatouille Babette Vatel

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“Especialmente em experiência acadêmica, trabalho em sala de aula há 38 anos e isso dá uma condição para que eu possa continuar desenvolvendo até hoje a cada dia mais um pouquinho para passar para os alunos. E os alunos ensinam muito a gente também. Então tudo que eu aprendo em aula, eu acrescento um pouquinho mais, das leituras, das pesquisas e com isso nós vamos montando o nosso arcabouço para poder passar para os alunos.” (MARTHA) “...muito mais em experiência profissional, eu fiz um caminho de primeiro trabalhar em restaurante, para depois fazer um curso de Gastronomia...o que me facilita dar aulas hoje em dia é ter tido uma vivência em cozinha.” (BABETTE) “A gente tem de ter experiência profissional, que isto é muito gratificante nos longos anos de vida; e a teoria e a prática, elas têm de andar juntas. A teoria é mais importante que a prática, porque você só é você, você só tem respostas fundamentadas, redondas ou quadradas, quando você tem uma boa formação teórica, em qualquer área.” (RATATOUILLE) “Eu comecei a lecionar há uns 4 anos. Nunca tinha atuado na área. Só que assim, como executivo, no começo de minha carreira eu trabalhei com treinamento, dentro da empresa, para grupos pequenos. De certa forma, eu já tinha tido alguma experiência relacionada, e eu achava que eu servia para a coisa. Surgiu a oportunidade.” (VATEL)

Verificamos que os saberes adquiridos na trajetória profissional auxiliam na

compreensão dos saberes desenvolvidos em sala de aula. Pesquisas revelam a

importância da experiência como saber docente.

Tardif (2002) considera oportuno ampliar a discussão sobre o conceito dos

saberes da experiência e traz algumas considerações relevantes sobre saberes

experenciais: “O saber experencial é um saber ligado às funções dos professores...É um

saber prático...É um saber interativo, mobilizado e modelado no âmbito das

interações entre professor e os outros atores educativos.” (TARDIF, 2002, p.

109)

Dessa forma verificamos que os saberes provenientes da formação

profissional são relevantes para a prática docente e se faz presente na constituição

do professor.

Recorrendo ao estudo de Tardif (2002), podemos dizer que se consideram os

diversos tipos de saberes como integrantes da prática docente, tendo como ponto

importante a relação que o docente tem com cada um deles. Dentre esses saberes

destacamos os curriculares e os experenciais, adquiridos em sua trajetória de vida.

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Portanto, podemos considerar o professor como um profissional que adquire e

desenvolve conhecimentos a partir da prática e no confronto com as necessidades

do dia a dia em sala de aula.

Segundo Tardif (2002), ...quanto mais um saber é desenvolvido, formalizado, sistematizado, como acontece com as ciências e os saberes contemporâneos, mais se revela longo e complexo o processo de aprendizagem que exige, por sua vez, uma formalização e uma sistematização adequada. (TARDIF, 2002, p. 219)

Diante disso, fica claro que o professor aprende ao longo de sua vida inserido

em diversos contextos sociais. Nunca tinha atuado na área. Só que assim, como executivo, no começo de minha carreira eu trabalhei com treinamento, dentro da empresa, para grupos pequenos. De certa forma eu já tinha tido alguma experiência relacionada, e eu achava que eu servia para a coisa. Surgiu a oportunidade. Aí vem uma questão muito forte na minha vida. Eu sempre tive muito sucesso profissional, eu sempre fui muito dedicado àquilo que abracei. Nunca tinha atuado na área. Só que assim, como executivo, no começo de minha carreira eu trabalhei com treinamento, dentro da empresa, para grupos pequenos. De certa forma eu já tinha tido alguma experiência relacionada, e eu achava que eu servia para a coisa. Surgiu a oportunidade. Aí vem uma questão muito forte na minha vida. Eu sempre tive muito sucesso profissional, eu sempre fui muito dedicado àquilo que abracei.(VATEL)

Quando nos referimos à prática docente, podemos pensar na vivência

profissional transformado em vivências docentes, ou melhor dizendo, em saberes da

experiência. Saberes que são articulados com outras formas de saberes. Tardif

(2002), quando analisa saberes experenciais, destaca que: Estes saberes não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias. São saberes práticos ( e não da prática: eles não se superpõem à prática para melhor conhecê-la, mas se integram a ela e dela são partes constituintes (prática docente) e formam um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões. (TARDIF, 2002, p. 49)

Para os professores, ficou evidenciado em suas falas que as experiências

profissionais oriundas das práticas exercidas no mercado de trabalho auxiliam de

forma direta o exercício da docência, pois três deles afirmaram que utilizam a

experiência profissional na docência.

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Porém é importante constatar que a experiência não se confunde com o saber

fazer, com a prática, mas sobre o saber fazer, com a reflexão sobre a prática.

Segundo Tardif (2002), os saberes profissionais do professor são o conjunto de

conhecimentos (técnicos e práticos) e competências (habilidades, capacidades e

atitudes) que estruturam a prática e garantem a atuação do professor.

O segundo símbolo relevante na atuação docente dos entrevistados, diante

das perguntas : _Por que você escolheu ser professor (a)? _ Quais as bases que

sustentam a sua atuação docente? _foram as palavras missão, dom e paixão que

emergiram na fala de três dos docentes entrevistados.

Paixão. Paixão pelo que eu faço, paixão pelos meus alunos. A cada turma, eu falo claramente para meus alunos que eu sou apaixonada por eles e que pela paixão que sinto por eles, eu confio plenamente no sucesso e eu cobro muito isso deles. Eu sempre digo que o que me move é o amor que sinto pela profissão que abracei e eu sempre procurei levar para meus alunos a minha amizade (Martha)

Eu nasci professor. Eu nasci professor porque a gente imita o professor, eu tive mãe professora, tia professora. O meu pedigree é de professor.(Ratouille)

Isso tudo me fez apaixonar pela docência. Eu vou ao encontro de uma missão que sei que tenho. A gente acompanha a evolução do aluno. É importante que o aluno tenha boas referências. E a maioria dos professores não está interessada nisso em que eu estou interessado. Eles vão lá para cumprir um planejamento e receber um salário, que é baixíssimo. Eu tenho uma reserva que me possibilita exercer o que eu gosto, que faço bem e de uma forma que é extremamente prazerosa pra mim. O professor nasce professor. Eu não voltaria para a área executiva. É uma profissão para poucos. Você precisa ter o dom. O professor tem de ter carisma. Não basta dominar o conteúdo. O que pode acontecer é a pessoa ser trabalhada e se tornar um bom professor. Mas para ser o the best tem que nascer professor. Eu nasci professor, tenho certeza. (Vatel)

Se pensarmos na etimologia de cada palavra _dom, missão, paixão_ segundo

o Aurélio, teremos assim conceituado:

Dom: [do latim donu] S.m. 1. Donativo, dádiva, presente. 2. Dote ou qualidade

natural, inata.

Missão: [do latim mission] S.f. 1. Função ou poder que se confere a alguém para

fazer algo; encargo, incumbência. [...] 5. Obrigação, compromisso, dever a cumprir.

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Paixão: [do latim passione] S.f. 1. Sentimento ou emoção elevados a um alto grau

de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão. 2. Amor ardente; inclinação

afetiva e sensual intensa.[...] 4. Entusiasmo muito vivo por alguma coisa.

Neste momento a docência que emerge na fala nos relata um significado mais

sonhador do que é ser docente. Cumpre-se aqui a imagem do professor missionário.

Enfim, o discurso do cuidado, do afeto e da vocação, distanciado de questões mais

ligadas às dimensões do profissionalismo e da valorização no mercado do trabalho.

Na fala dos entrevistados emergem símbolos por intermédio das palavras

evidenciadas que nos mostra a profissão docente como algo que vem carregada de

sentimentos, compromissos e comprometimento. Comprometimento com o fazer, o

ser e com o outro. Quando falamos em missão, dom e paixão relatamos uma

dimensão sem fronteiras, imbuídas de doação para a ação, para a formação.

Relatamos algo que não nos impede de caminhar, de transpor quaisquer barreiras

para doar ao outro e ver o sucesso desse outro. ...eu falo claramente para meus alunos que eu sou apaixonada por eles e

que pela paixão que sinto por eles, eu confio plenamente no sucesso e eu

cobro muito isso deles.(Martha)

Esse caminho nos leva a dialogar com Alarcão (2004), quando relata que “é

preciso vencer inércias, é preciso vontade e persistência”, e Larrosa(2004) que

relata sobre o professor reflexivo, aqui entendido como “movimento teórico de

compreensão do trabalho docente” (PIMENTA, 2002, p.18), que diz que a

experiência emerge da concepção que um ser tem de sua existência e de sua

essência, relata: ...pensar a experiência a partir da paixão; de uma reflexão do sujeito sobre

si mesmo do ponto de vista da paixão, uma vez que o sujeito da experiência

é um sujeito passional: receptivo, aberto, exposto... Da paixão também se

desprende uma epistemologia, uma ética, uma política e uma pedagogia.

(LARROSA, 2004, p. 24)

Ainda dialogando com Tardif (2002), traçamos um apontamento que relata

que o saber docente é plural, formado pelos saberes curriculares e experenciais,

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relacionados com o desenvolvimento prático baseado nas experiências cotidianas

dos alunos.

Fazendo uma analogia com a obra de Freire (2000), relatamos que os

saberes necessários à prática educativa exigem um entrar de corpo e alma na

docência, extraindo dos professores e alunos o que há de melhor. Freire relata que

“Aprendi como ensinar na medida em que mais amava ensinar e mais estudava a

respeito” (FREIRE, 2000, p. 38).

Dessa forma, é possível entender a docência como componente de busca de

uma vida melhor, em que o professor deve ter o compromisso de reconhecer sua

profissão como além do transmissor de conhecimentos teóricos e ajudar o aluno a

encontrar o sentido da educação, superando suas dificuldades, descobrindo seus

valores e sua missão sublime.

O terceiro símbolo também bastante explorado pelos entrevistados foi a

palavra troca.

Os docentes entrevistados relataram a troca como parte importante na troca

de experiências, tanto com seus pares como com os alunos. A importância de ser

receptivo às experiências que ressaltam nas conversas, nos conteúdos e no

cotidiano de cada sujeito foi um ponto bastante relevante.

E os alunos ensinam muito a gente também. Então tudo que eu aprendo em aula, eu acrescento um pouquinho mais, das leituras, das pesquisas e com isso nós vamos montando o nosso arcabouço para poder passar para os alunos. (Martha) Eu sempre gostei de interagir com as pessoas e vem uma coisa muito espiritual minha. Eu sei que tenho uma missão aqui, e essa missão é ajudar as pessoas e é muito engraçado. Eu sempre gostei de interagir com as pessoas e vem uma coisa muito espiritual minha. Eu sei que tenho uma missão aqui, e essa missão é ajudar as pessoas e é muito engraçado.(Vatel) Eu converso muito com os alunos. Coisa que toda faculdade que eu fiz eu nunca tive isso. Eram professores que dominavam os respectivos conteúdos, mas eram extremamente frios. E eu quando dou uma aula me esforço demais e o aluno percebe isso. Há uma troca muito grande e não há dinheiro que pague.(Vatel)

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Eu ao mesmo tempo que falo com o aluno eu aprendo muito com ele, muito mesmo. (Ratatouille)

Como podemos constatar, a troca de experiência é algo muito constante na

profissão docente, podemos considerar um aspecto humano relevante. Nóvoa

(1995), Tardif (2002) consideram importante resgatar a história de vida do professor

e a importância do saber docente ser construído nas experiências de trabalho e do

cotidiano de cada sujeito integrante neste processo.

Dialogando com esses autores, a troca de experiência e a troca de saberes

se consolidam nos espaços formativos, onde os professores são chamados a

desempenhar o papel de formador e formando, o diálogo é algo fundamental para

consolidar os saberes que emergem da prática profissional dos professores.

Sendo assim, (...) “as práticas de formação que tomem como referência as

dimensões coletivas contribuem para a emancipação profissional e para a

consolidação de uma profissão que é autônoma na produção dos seus saberes e

seus valores”. (NÓVOA, 1995, p. 27)

No diálogo com Tardif (2002) e destacando a troca como aspecto importante

na formação docente, ele nos remete a uma reflexão sobre a importância desta não

somente entre os docentes, mas também entre os discentes. Para corroborar essa

afirmativa, relata que: “A grande importância dessa perspectiva reside no fato de os professores

ocuparem, na escola, uma posição fundamental em relação ao conjunto dos

agentes escolares: em seu trabalho cotidiano com os alunos, são eles os

principais atores e mediadores da cultura e dos saberes escolares. Em

suma, é sobre os ombros deles que repousa, no fim das contas, a missão

educativa da escola. Nesse sentido, interessar-se pelos saberes e pela

subjetividade deles é tentar penetrar no próprio cerne do processo concreto

de escolarização, tal como ele se realiza a partir do trabalho cotidiano dos

professores em interação com os alunos e com os outros autores

educacionais.” (TARDIF, 2002, p. 228)

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O relacionamento professor-aluno, no que se refere à troca de experiências

profissionais, possibilita uma enorme quantidade de interação, sendo ponto

importante na formação de ambos os lados, como a própria entrevistada nos relatou: E os alunos ensinam muito a gente também. Então tudo que eu aprendo em aula, eu acrescento um pouquinho mais, das leituras, das pesquisas e com isso nós vamos montando o nosso arcabouço para poder passar para os alunos. (Martha)

O professor não é mais o único que transmite a informação, os alunos

chegam com ela. Cabe ao professor ajudar a selecioná-las e transformá-las em

conhecimento científico, usando suas teorias na prática. Ele deve ‘aprender a

aprender’ com os alunos.

Neste quarto símbolo a ser considerado na entrevista é uma união de

palavras referentes à escolha da profissão docente. Então foram relatados: ser

professor por escolha ou por um simples acaso do destino. Neste caso, simples

acaso, tornaram-se professores porque iniciaram com treinamento na vida

profissional fora da docência, e este treinamento os levou para a vida docente. Aliás

um símbolo também considerado foi treinamento.

Diante do questionamento – por que você escolheu ser professor –

deparamo-nos com falas que nos levaram a pensar um pouco sobre o porquê de

exercer tal profissão e a razão de sua escolha profissional.. Eu acho que não foi uma escolha minha, foi a docência que me escolheu. (...)Foi, parece que a vida me encaminhou para a docência e não uma escolha minha determinada que era o ser professora. Então me senti professora. (Martha) Eu nasci professor. Eu nasci professor porque a gente imita o professor, eu tive mãe professora, tia professora. O meu pedigree é de professor. Então eu sou muito feliz.(...) é um mundo de sagrados. Eu tenho muito respeito e muito orgulho dos professores da USP, porque os professores lá ficam endeusados. Professor merece isto. Merece dignidade. (Ratatouille) Eu comecei a lecionar há uns 4 anos. Nunca tinha atuado na área. Só que assim, como executivo, no começo de minha carreira, eu trabalhei com treinamento, dentro da empresa, para grupos pequenos. De certa forma, eu já tinha tido alguma experiência relacionada, e eu achava que eu servia para a coisa. Surgiu a oportunidade.(Vatel) Na verdade as coisas aconteceram. Não escolhi muito não. Justamente por ter trabalhado em restaurante, ter feito curso, eu já sabia o que queria fazer. Fui para a área de treinamento. E num treinamento que eu precisava fazer, eu precisava de um local, uma cozinha. Acabei alugando a cozinha de uma escola que me convidou pra ser professora dos cursos que a escola

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oferecia. Então, as coisas aconteceram por acaso, não foi por escolha. (Babette)

Neste momento, ao relatar as falas dos entrevistados, dialogo com Paulo

Freire que diz “ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades

para a sua produção ou sua construção” (1996, p.25). Sendo assim, o conhecimento

é um produto de interação do sujeito com o objeto, e o processo de conhecer é,

essencialmente, ativo.

De acordo com Jean-Pierre Astolfi (1990), a profissão de professor é antes de

tudo uma profissão de tomada de decisão em sistemas complexos em que

interagem inúmeras variáveis das quais o professor faz parte; nessa perspectiva,

exercer a profissão de magistério no ensino superior é desafiante, uma vez que

precisa mudar sua concepção de mera transmissora de conhecimentos para a

educação de futuros cidadãos na nova sociedade. Assim, a educação precisa se

aproximar mais de aspectos éticos, coletivos, comunitários comportamentais e

emocionais, estando a serviço de uma educação democrática dos futuros cidadãos.

Então, para ser um bom docente universitário é necessário ter uma

compreensão sistematizada da educação e, especificamente, do trabalho

pedagógico que se desenvolve para além do senso comum, tornando-se uma

atividade intencional.

Quando se relata docência por escolha, associada a dom e missão, podemos

nos embasar nos autores descritos nesta pesquisa anteriormente e fundamentar

esse símbolo na vida do professor. Porém, quando nos deparamos em ação docente

associada a treinamento, precisamos ressaltar que este está ligado à área de

Recursos Humanos dentro das instituições.

Treinamento é entendido como um processo de assimilação cultural a curto

prazo, que objetiva repassar ou reciclar conhecimentos, habilidades ou atitudes

relacionados diretamente à execução de tarefas ou à sua otimização no trabalho.

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Os entrevistados que relataram que se tornaram professores após ministrar

treinamento, são profissionais docentes oriundos de empresas e não iniciaram sua

trajetória profissional na docência.

Eu comecei a lecionar há uns 4 anos. Nunca tinha atuado na área. Só que assim, como executivo, no começo de minha carreira, eu trabalhei com treinamento, dentro da empresa, para grupos pequenos.(Vatel)

Fui para a área de treinamento. E num treinamento que eu precisava fazer, eu precisava de um local, uma cozinha. Acabei alugando a cozinha de uma escola que me convidou pra ser professora dos cursos que a escola oferecia. Então, as coisas aconteceram por acaso, não foi por escolha. (Babette)

Podemos ressaltar aqui a Pedagogia aliada ao Recurso Humano, ou

pedagogia do treinamento, em que ensinar significa estimular, guiar, orientar e

dirigir o processo de aprendizagem.

A atividade e o esforço do treinando é que irão promover o ensino e não

exatamente os métodos e técnicas de treinamento.

Segundo Ribeiro (2003), a educação preocupa-se em integrar,

produtivamente, o homem à sociedade, preparando-o para seu desenvolvimento e é

através desse contorno que o treinamento é visto como educação.

O quinto símbolo que emerge na fala dos entrevistados é a prática. Essa

resposta veio ao encontro de uma especificidade nos cursos superiores de

gastronomia, que são as aulas práticas, executadas em laboratórios gastronômicos.

Prática no sentido exato da palavra, segundo o Dicionário Aurélio (2000), refere-se

a: prática: s.f. [...] 7. Pôr em prática, realizar: pôr em prática uma teoria.

Nos cursos superiores de gastronomia trata-se de uma teoria que deve ser

executada na prática, pois segundo o currículo, as disciplinas são, em sua grande

parte, ministradas num laboratório gastronômico. O relato dos professores, diante

dessa questão faz-se claro. Mais de prática que teórica. Mas de qualquer forma uma disciplina prática sempre tem uma introdução teórica. Mas o que eu gosto mesmo é de disciplina pratica. (Babette)

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Os alunos tinham uma pretensão: queriam aprender a cozinhar. O restante, pra eles, era supérfluo.(Martha) Quando vou dar aula teórica, eu gosto de dar junta (teoria e prática).(Ratatouille)

No sentido de refletir sobre a prática docente, podemos formar um tecido

teórico acerca de autores que discutem o professor reflexivo, como Pimenta (2005) e

Freire (1996) que têm se destacado através de pesquisas e estudos acerca dessa

temática, entre outros.

Com base nesse referencial teórico, desenvolvemos nossa análise no sentido

de compreendermos que a formação docente é construída historicamente antes e

durante o percurso profissional do professor, e que, como preconiza a abordagem

sóciohistórica, é também construída no social. Partindo desse princípio, podemos

dizer que essa formação depende essencialmente, tanto das teorias, quanto das

práticas desenvolvidas no cotidiano escolar, sendo, portanto, necessário

compreendermos essa interação como condição sine qua non para a construção dos

saberes.

Com o objetivo de refletir sobre a dicotomia entre teoria e prática, Pimenta

(2005) explicita que a atividade docente é práxis. A atividade teórica por si só não

leva à transformação da realidade; não se objetiva e não se materializa, não sendo,

pois práxis. Por outro lado, a prática também não fala por si mesma, ou seja, teoria e

prática são indissociáveis como práxis (PIMENTA, 2005).

Nesse sentido, Freire (1996) elege uma categoria fundamental para a efetiva

realização da práxis ou de uma nova práxis. Segundo esse autor, a reflexão crítica

sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria-prática, sem a qual a teoria

pode tornar-se “blábláblá” e a prática “ativismo”.

Neste diálogo podemos concluir que o exercício da ação docente requer

preparo. Preparo que não se esgota nos cursos de formação, mas, para o qual há

uma contribuição específica como formação teórica (em que a unidade teoria e

prática são fundamentais) para a práxis transformadora.

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Portanto, analisando a formação docente, a partir de um contexto de práxis,

na perspectiva da construção de novos conhecimentos, que não se limitam ao

momento da formação inicial, mas principalmente, estende-se por todo percurso

profissional do professor, podemos dizer que a tríade: formador, formando e

conhecimento se faz mediante uma relação dialética, sendo esta uma característica

necessária à realização da práxis. Nesse sentido, Freire (1996, p.25) nos coloca

que: “[...] ensinar não é só transferir conhecimentos”, a nosso ver, o ato de ensinar

descontextualizado da práxis não transforma, assim, concordamos com esse autor

quando diz: “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”.

Por fim, um símbolo relatado por um entrevistado, mas que emergiu com

muita força na fala e na formação foi sedução pedagógica. Este símbolo nos

mostrou um momento de prazer ao ser professor. Eu sou sedutor. Eu seduzo os meus alunos. Eu uso essas qualidades que eu tenho para seduzir o aluno. O meu interesse não é só cumprir o cronograma que eu estabeleço no semestre. É óbvio que eu vou cumprir aquilo tudo. Eu gosto de trabalhar numa escola como a Unitec, que tem um nível baixo de alunos carentes. Porque eu sinto que posso contribuir mais. Eu procuro de uma certa forma passar para eles valores de vida, conhecimento que eu tenho de viagens, de um monte de coisas que eu vi na vida. Então a aula se torna interessante porque você vai cortando a monotonia da disciplina com assuntos que você vai trazendo e que vai chamando a atenção do aluno e vai despertando o aluno para outras coisas. Tive uma homenagem na Universidade e uma aluna chegou para mim e disse: - Professor quando alguém muda sua vida é muito importante falar para essa pessoa. E você mudou a minha vida. Hoje em dia eu to fazendo um curso de Marketing por causa de suas aulas -. E esse tipo de depoimento já aconteceu comigo várias vezes. De o aluno se apaixonar por aquele conteúdo, que isso faz parte de todo esse processo de sedução que eu faço com a classe. E esse processo eu posso exercitar melhor nas aulas de História da Gastronomia. Sou muito teatral na sala de aula e os alunos vibram. O mais importante é você estimular o aluno e fazer ele ir atrás. Eu converso muito com os alunos. Coisa que toda faculdade que eu fiz eu nunca tive isso. Eram professores que dominavam os respectivos conteúdos, mas eram extremamente frios. E eu quando dou uma aula me esforço demais e o aluno percebe isso. Há uma troca muito grande e não há dinheiro que pague. (Vatel)

Diante deste relato podemos ver o docente atuando como “artista da

educação”. O professor aqui usa de suas qualidades sedutoras para “prender” a

atenção do aluno em sala de aula.

Pensamos: Será possível sedução na pedagogia? Sedução na arte de

ensinar? Sedução como formação docente? Acredito que a expressão causa

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espanto ou até mesmo escândalo. “Como é possível imaginar que uma coisa tão

perversa como essa esteja ocorrendo em nossas salas de aula?” Como é possível

afirmar que os professores lançam mão de um procedimento dessa dimensão?

Se refletirmos, poderemos pensar que a sedução é algo que seduz, no

entanto passados os primeiros momentos de aula, momentos de resistência, todos

nós, professores, lançamos mão dessa técnica quando ensinamos.

Dessa maneira, deixamos de lado todo e qualquer preconceito quanto à

expressão “sedução pedagógica”, pois vemos aqui sedução como prazer no que

está sendo transmitido e prazer no que está sendo recebido.

No exercício da arte de seduzir pedagogicamente, o professor deve buscar a

autenticidade dos seus atos pedagógicos e pessoais, já que é visto como um todo,

devendo zelar pela verdade, já que esta, no campo pessoal e intelectual, simboliza o

caminho para exercício da confiança, da criatividade e da liberdade dentro do grupo

e fora dele. É importante ousar na arte de educar, buscando conhecer todos os

métodos e recursos já experimentados e provados. Torna-se imperativo a todos

envolvidos romper velhos paradigmas e abraçar a missão de educar sem medo, sem

receio de se aproximar demais, de estreitar os laços de afeto e, sobretudo, sem o

excessivo pudor de exercer por amor a sutil arte de seduzir pedagogicamente os

que esperam com avidez pelo saber libertador.

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4. Considerações Finais

Esta pesquisa buscou conhecer um pouco sobre os saberes que os docentes

atuantes nos cursos superiores de tecnologia em gastronomia mobilizam para

ensinar, objetivando contribuir para reflexão sobre a formação desses docentes.

Foi realizada uma entrevista com quatro docentes atuantes na área de

gastronomia, sendo que todos eles estão ou já estiveram em sala de aula

ministrando aulas para alunos de gastronomia. Tais docentes foram entrevistados

separadamente e relataram suas trajetórias de vida até a docência.

Dos quatro professores que fizeram parte desta pesquisa, três não possuem

formação específica para docência e somente um a tem. Dessa forma, se buscou

saber como esses docentes chegaram à docência, o que os mobilizou para ensinar.

Utilizaram-se, como referencial teórico de análises das entrevistas, as

concepções de saberes docentes propostas por Maurice Tardif (2002), o qual

argumenta que a formação docente não se limita à formação docente.

Também embasaram a pesquisa os conceitos elaborados por Furlanetto

(2003, 2004, 2005,2006, 2007, 2008, 2009) sobre matrizes pedagógicas, os quais se

baseiam na psicologia analítica de Jung (1964).

Nos relatos dos entrevistados, buscou-se identificar símbolos que emergiram

como pontos relevantes na sua trajetória docente. A leitura simbólica possibilitou

captar sentido para a atuação docente e perceber que cada um tem sua linguagem

própria, seu idioma pessoal e podem relatar sobre suas vivências de prazeres e

sofrimentos que formam o arcabouço de sua experiência. O idioma pessoal, portanto, é derivado do modo singular de uma

pessoa, a partir do qual ela tem uma maneira peculiar de interpretar a

existência e de emprestar às palavras, imagens e atos, uma semântica

existencial pessoal. (SAFRA, 2006, p. 26)

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Ao concluir esta pesquisa, podemos perceber alguns pontos relevantes na

docência dos entrevistados:

• Os docentes revelam que mobilizam saberes para ensinar que são

adquiridos ao longo da vida e originam-se de fontes diversas, como

relata Tardif (2002): saberes adquiridos com a família e no ambiente

social, saberes da formação escolar não especializado, saberes da

formação para o magistério e saberes adquiridos na própria prática

pedagógica com seus pares e com os alunos;

• Os fatores relevantes para formação do bom professor são: experiência

profissional em estabelecimentos de serviços de alimentação para o

aprimoramento de suas habilidades, prazer pelo ato de ensinar, pela

docência e dedicação ao que se propõe fazer → ensinar, ensinar e

ensinar.

• A formação acadêmica não é fator primordial para o exercício da

profissão docente. Ter a competência numa determinada área faz com

que exerça a docência de forma satisfatória. Nesta perspectiva o fator

primordial para o professor de gastronomia é ser profissional da área

em que atua.

A área da gastronomia como curso superior é nova (1999) no Brasil e está em

ascensão, necessitando de professores de práticas titulados e com formação

específica para docência. Há grande necessidade de aprofundamento dos estudos

sobre as necessidades formativas de professores de gastronomia, objetivando o

desenvolvimento de programas para formação inicial e continuada de professores.

Relato e concluo que, pelo fato de os cursos superiores de gastronomia

serem recentes no Brasil, há grandes possibilidades de continuidade desse trabalho,

buscando conhecer como o discurso docente, dentro dos laboratórios gastronômicos

e salas de aulas, se materializam na prática. Quais as diferenças de atuação de

professores titulados dos não titulados. Como ocorre a docência de gastronomia em

países europeus, onde a gastronomia já galgou espaços renomados, em

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comparação ao Brasil. Como se dá a formação de professores de gastronomia em

outros países. Na Argentina, por exemplo, há um curso superior de licenciatura em

gastronomia, oferecido pela Universidad Argentina de la Empresa (UADE), dentro da

Faculdade de Comunicação e Desenho (www.uade.edu.ar).

Esta pesquisa não se esgota aqui. Termino com um trecho de Aluísio de

Azevedo que nos mostra que a vida está sempre em transformação provocando

mudanças nos nossos jeitos de ser, pensar, comer e beber. Ao nos comunicarmos e

trocarmos surgem novas receitas, que misturam ingredientes e temperos

possibilitando a experimentação de novos sabores.

“ A revolução afinal foi completa: a aguardente de cana substituiu o vinho;a farinha de mandioca sucedeu à broa; a carne seca e o feijão preto, ao bacalhau com batatas e cebolas cozidas; a pimenta-malagueta e a pimenta-de-cheiro invadiram vitoriosamente a sua mesa; o caldo verde, a açorda e o caldo de unto foram repelidos pelos ruivos e gostosos quitutes baianos, pela moqueca, pelo vatapá e caruru... ”

O cortiço, de Aluísio de Azevedo (1890).

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ANEXOS

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Entrevista 1. Perfil: 1. Martha 2. Mestre em Educação pela UNIMEP. Atua na docência há 38 anos, sendo 6 anos no CST Gastronomia. Disciplina: Didática no curso de Docência em Gastronomia - Pós graduação (Lato Sensu). Português para Gastronomia no curso de graduação tecnológica.

a) Seu trabalho em sala de aula é baseado em sua experiência profissional, em sua experiência acadêmica ou na sua teoria na área gastronômica?

Especialmente em experiência acadêmica, trabalho em sala de aula há 38 anos e isso dá uma condição para que eu possa continuar desenvolvendo até hoje a cada dia mais um pouquinho para passar para os alunos. E os alunos ensinam muito a gente também. Então tudo que eu aprendo em aula, eu acrescento um pouquinho mais, das leituras, das pesquisas e com isso nós vamos montando o nosso arcabouço para poder passar para os alunos.

b) Você é docente de disciplina prática, teórica ou prática e teórica? As minhas disciplinas são essencialmente teóricas, eu sou professora de língua portuguesa e sou professora de didática. Agora para a didática, há necessidade de, além da teoria, a prática, para que os alunos da pós-graduação aprendam a dar aula, tem essa parte prática também.

c) Por que você escolheu ser professora? Ah, ah, ah, ah... Eu acho que não foi uma escolha minha, foi a docência que me escolheu. Eu comecei muito criança a me dedicar a leitura, me apaixonei pela literatura e por isso escolhi i curso de Letras. Mas já na infância eu sempre procurava passar para as outras pessoas tudo aquilo que eu lia. Ali acho que comecei já de certa forma a dar aulas sobre o que eu lia. Dali para frente foi assim uma coisa tão natural que quando eu percebi eu estava numa sala de aula. Foi, parece que a vida me encaminhou para a docência e não uma escolha minha determinada que era o ser professora. Então me senti professora. Foi uma preocupação muito grande quando assumi as aulas de língua portuguesa na Gastronomia em fazer com que os alunos percebessem a importância de falar corretamente e de escrever corretamente, porque normalmente os alunos, principalmente na época em que comecei a dar aulas. Os alunos tinham uma pretensão: queriam aprender a cozinhar. O restante, pra eles, era supérfluo. E eu me deparei com a seguinte situação: Como um profissional da Gastronomia poderia elaborar uma receita, dar uma explicação ou treinar os próprios funcionários, participar de entrevistas? Atualmente é tão comum se ligar a televisão e se ver aí profissionais apresentando pratos, bem ou não tão bem elaborados, mas eles estão na mídia. Eu dizia para os meus alunos: - se um dia vocês forem se apresentar num programa de televisão ou numa entrevista de jornal, uma revista especializada... se

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cometerem erro de português não digam que eu fui sua professora, porque eu nego. Se eu quero ensiná-los, eu quero realmente que vocês apliquem. Com essa preocupação, eu comecei a trabalhar elaboração de cardápios, trabalhando ortografia, elaboração de receitas, além da ortografia, a elaboração de texto, modo de preparo era fundamental aí eu tive uma inspiração: eu passei a trabalhar com eles histórias infantis. Os alunos tinham que ler as histórias, fazer os resumos, aí já estavam exercitando a leitura e a elaboração de texto. Só que as histórias nem sempre traziam uma situação de refeição, então neste caso os alunos deveriam criar uma situação de refeição e elaborar um cardápio para completar o trabalho. E felizmente foi um trabalho desenvolvido de uma forma tão alegre! Os alunos no inicio ficaram meio apreensivos, mas depois passaram a desenvolver a atividade de forma tão espontânea e com tanta alegria e com tanta disposição que os trabalhos saíram de forma maravilhosa. Nós tivemos um resultado extraordinário. Tanto que eu tenho os trabalhos guardados e a nossa pretensão é colocar todos num volume. Vamos ver. Assim que for possível....

d) Pensando em sua história de vida, qual o caminho que percorreu? Como se constituiu um professor?

Quando eu comecei a fazer o meu curso de Letras, já no primeiro ano, tive um convite para dar aulas e comecei a lecionar numa escola em Higienópolis, então era um mundo novo pra mim, além da experiência inicial de docência, eu passei a conviver com alunos de uma classe social superior a minha, e existia todo um receio em trabalhar numa escola daquele nível. Mas foi uma experiência gratificante. Ali eu pude ver que os alunos da classe mais elevada economicamente falando, tinham problemas muito mais sérios do que eu que era de uma família simples, né? Filha de trabalhadores, eu era muito feliz e os alunos ali me apresentavam problemas seriíssimos, problemas existenciais. Dali eu comecei a perceber que professor não era só aquele que transmitia alguma coisa de conteúdo técnico. Eu não estava ali para ensinar somente língua portuguesa. No meu primeiro contato com os alunos, descobri que precisavam de alguém que os escutasse. Fora do nosso horário de aula, os alunos já passaram a me procurar, para conversar, para me contar coisas; coisas de arrepiar. Depois disso, eu comecei a dar aulas em escolas do Estado e dar aulas na Grande São Paulo (dei aula em São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul) e depois em São Paulo mesmo, vim dar aula em ensino médio. Fui me aprofundando, fui me dedicando muito aos cursos de literatura. Até que também tive um convite para dar aulas em faculdade, que era nova. Comecei a dar aula de língua portuguesa em curso de Ciências Contábeis e Administração de Empresas. Ali eu tinha um colega que já estava fazendo mestrado, foi ele que me levou a Piracicaba e assim parti somente para o ensino superior. Passei por escolas, universidades, até chegar á UniHotec que me deu oportunidade de dar aula de língua portuguesa para o curso de Gastronomia. E lá permaneço até hoje.

e) Como organiza/ planeja sua prática e no que se baseia? Fale um pouco sobre sua atuação docente.

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É meio difícil falar da atuação. Eu sempre digo que o que me move é o amor que sinto pela profissão que abracei e eu sempre procurei levar para meus alunos a minha amizade. E os alunos sempre perceberam isso. Até hoje, quando preparo as minhas aulas, eu procuro, junto com o conteúdo que eu preciso passar, levar algo que possa acrescentar um pouquinho mais a cada um. Então às vezes comento de livros que esteja lendo, filmes que tenha visto, músicas que me trazem alguma mensagem. Textos que eu recebo. Eu acho que isso vai acrescentando não só para mim. Procuro fazer que os alunos participem disso. Então eu não me limito a planejar, a preparar apenas o conteúdo propriamente dito, eu procuro sempre apresentar algo mais que possa trazer alguma contribuição para o aluno profissional e o aluno pessoa, humano, carente de uma série de coisas. Isso eu tenho a preocupação muito grande de levar para os alunos.

f) Quais as bases que você classificaria como sustentação de sua prática docente?

Paixão. Paixão pelo que eu faço, a paixão pelos meus alunos. A cada turma, eu falo claramente para meus alunos que eu sou apaixonada por eles e que pela paixão que sinto por eles, eu confio plenamente no sucesso e eu cobro muito isso deles. Eu sempre digo que eles são muito capazes e precisam mostrar pra mim e pra que eu não me frustre também. E eu tenho tido respostas extraordinárias. Eu confio muito nos meus meninos. Eu acho que é uma troca de muito respeito, de muita admiração. E acima de tudo de muito carinho. Isso é muito difícil hoje em dia ter dos alunos e que eles também tenham essas respostas pra gente. Eu faço o possível pra cultivar isso nos meus meninos.

g) O que a fez apaixonar-se pela docência (se houve paixão)? Espero continuar me apaixonando por cada turma.

h) Depoimento espontâneo: Eu queria elogiar o trabalho, o tema que a Rosana escolheu, porque é uma das minhas preocupações também. Com a formação de profissionais. De três anos pra cá, dando aula em curso de docência na Gastronomia, eu vejo como essa área principalmente tem carência de professores de Gastronomia e não simplesmente chefes, eles podem ser grandes conhecedores do assunto, ter assim um cabedal de conhecimentos de receitas, de elaborações, de decomposições de sabores, enfim, de técnicas todas que eu não domino. Mas infelizmente a educação propriamente dita é deixada de lado na maior parte das vezes. E isso conta muito na hora de você dar uma aula, porque os alunos, embora sejam de gastronomia, entram num curso superior para aprimorar os conhecimentos, mas continuam sendo alunos necessitando de professores que entendam todas essas necessidades, além do entendimento propriamente de gastronomia. Parabéns pra você. Sempre comentamos muito entre nós sobre a importância da formação do professor, principalmente da formação do professor de Gastronomia. Fico feliz por ainda participar de uma pesquisa de mestrado.

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Circundação

a) Seu trabalho em sala de aula é baseado em sua experiência profissional, em sua experiência acadêmica ou na sua teoria na área gastronômica?

Especialmente em experiência acadêmica, trabalho em sala de aula há 38 anos e isso dá uma condição para que eu possa continuar desenvolvendo até hoje a cada dia mais um pouquinho para passar para os alunos. E os alunos ensinam muito a gente também. Então tudo que eu aprendo em aula, eu acrescento um pouquinho mais, das leituras, das pesquisas e com isso nós vamos montando o nosso arcabouço para poder passar para os alunos.

b) Você é docente de disciplina prática, teórica ou prática e teórica?

As minhas disciplinas são essencialmente teóricas, eu sou professora de língua portuguesa e sou professora de didática. Agora para a didática há necessidade de além da teoria, a prática, para que os alunos da pós-graduação aprendam a dar aula, tem essa parte prática também.

c) Por que você escolheu ser professora? Ah, ah, ah, ah... Eu acho que não foi uma escolha minha, foi a docência que me escolheu. Eu comecei muito criança a me dedicar a leitura, me apaixonei pela literatura e por isso escolhi o curso de Letras. Mas já na infância eu sempre procurava passar para as outras pessoas tudo aquilo que eu lia. Ali acho que comecei já de certa forma a dar aulas sobre o que eu lia. Dali para frente foi assim uma coisa tão natural que quando eu percebi eu estava numa sala de aula. Foi, parece que a vida me encaminhou para a docência e não uma escolha minha determinada que era o ser professora. Então me senti professora. Foi uma preocupação muito grande quando assumi as aulas de língua portuguesa na Gastronomia em fazer com que os alunos percebessem a importância de falar corretamente e de escrever corretamente, porque normalmente os alunos, principalmente na época em que comecei a dar aulas. Os alunos tinham uma pretensão: queriam aprender a cozinhar. O restante, pra eles, era supérfluo. E eu me deparei com a seguinte situação: Como um profissional da Gastronomia poderia elaborar uma receita, dar uma explicação ou treinar os próprios funcionários, participar de entrevistas? Atualmente é tão

experiência acadêmica sala de aula eu aprendo sala de aula. Troca das leituras, das pesquisas Disciplinas teóricas Didática necessita da Prática Não foi uma escolha minha, foi a docência que me escolheu. Letras Gostava de passar para os outros Professora de língua portuguesa na Gastronomia. Os alunos tinham uma pretensão: queriam aprender a

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comum se ligar a televisão e se ver aí profissionais apresentando pratos, bem ou não tão bem elaborados, mas eles estão na mídia. Eu dizia para os meus alunos: - se um dia vocês forem se apresentar num programa de televisão ou numa entrevista de jornal, uma revista especializada... se cometerem erro de português não digam que eu fui sua professora, porque eu nego. Se eu quero ensiná-los, eu quero realmente que vocês apliquem. Com essa preocupação, eu comecei a trabalhar elaboração de cardápios, trabalhando ortografia, elaboração de receitas, além da ortografia, a elaboração de texto, modo de preparo era fundamental aí eu tive uma inspiração: eu passei a trabalhar com eles histórias infantis. Os alunos tinham que ler as histórias, fazer os resumos, aí já estavam exercitando a leitura e a elaboração de texto. Só que as histórias nem sempre traziam uma situação de refeição, então neste caso os alunos deveriam criar uma situação de refeição e elaborar um cardápio para completar o trabalho. E felizmente foi um trabalho desenvolvido de uma forma tão alegre! Os alunos no inicio ficaram meio apreensivos, mas depois passaram a desenvolver a atividade de forma tão espontânea e com tanta alegria e com tanta disposição que os trabalhos saíram de forma maravilhosa. Nós tivermos um resultado extraordinário. Tanto que eu tenho os trabalhos guardados e a nossa pretensão é colocar todos num volume. Vamos ver. Assim que for possível.

d) Pensando em sua história de vida, qual o caminho que percorreu? Como se constituiu um professor?

Quando eu comecei a fazer o meu curso de Letras, já no primeiro ano, tive um convite para dar aulas e comecei a lecionar numa escolha em Higienópolis, então era um mundo novo pra mim, além da experiência inicial de docência, eu passei a conviver com alunos de uma classe social superior a minha, e existia todo um receio em trabalhar numa escola daquele nível. Mas foi uma experiência gratificante. Ali eu pude ver que ali os alunos da classe mais elevada economicamente falando, tinham problemas muito mais sérios do que eu que era de uma família simples, né? Filha de trabalhadores e era muito feliz e os alunos ali me apresentavam problemas seriíssimos, problemas existenciais. Dali eu comecei a perceber que professor não era só aquele que transmitia alguma coisa de conteúdo técnico. Eu não estava ali para ensinar somente língua portuguesa. No meu primeiro contato com os alunos precisavam de alguém que os escutassem. Fora do nosso horário de aula, os alunos já

cozinhar. O restante, pra eles, era supérfluo Preocupação com a prática pedagógica Eixo as necessidades dos alunos ( práticas) Alunos pedem a prática Olhar para o outro Docência se constitui na relação com o outro professor não era só aquele que transmitia alguma coisa de conteúdo técnico

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passaram a me procurar, para conversar, para me contar coisas; coisas de arrepiar. Depois disso eu comecei a dar aulas em escolas do Estado e dar aulas na Grande São Paulo (dei aula em São Bernardo dos Campos e São Caetano do Sul) e depois em São Paulo mesmo, vim dar aula em ensino médio. Fui me aprofundando, fui me dedicando muito aos cursos de literatura. Até que também tive um convite para dar aulas em faculdade, que era nova. Comecei a dar aula de língua portuguesa em curso de Ciências Contábeis e Administração de Empresas. Ali eu tinha um colega que já estava fazendo mestrado, foi ele que me levou a Piracicaba e ali parti somente para o ensino superior. Passei por escolas, universidades, até chegar à UniHotec que me deu oportunidade de dar aula de língua portuguesa para o curso de Gastronomia. E lá permaneço até hoje.

e) Como organiza/ planeja sua prática e no que se baseia? Fale um pouco sobre sua atuação docente.

É meio difícil falar da atuação. Eu sempre digo que o que me move é o amor que sinto pela profissão que abracei e eu sempre procurei levar para meus alunos a minha amizade. E os alunos sempre perceberam isso. Então a medida que até hoje preparo as minhas aulas eu procuro junto com o conteúdo que eu preciso passar, eu procuro sempre levar algo que possa acrescentar um pouquinho mais a cada um. Então eu às vezes comento de livros que esteja lendo, filmes que tenha visto, músicas que eu escuto e me trazem alguma mensagem. Textos que eu recebo. Eu acho que isso vai acrescentando não só para mim. Eu procuro fazer que os alunos participem disso. Então eu não me limito a planejar, a preparar apenas o conteúdo propriamente dito, eu procuro sempre apresentar algo mais que possa trazer alguma contribuição para o aluno profissional e o aluno pessoa, humano, carente de uma série de coisas. Isso eu tenho a preocupação muito grande de levar para os alunos.

f) Quais as bases que você classificaria como sustentação de sua prática docente?

Paixão. Paixão pelo que eu faço, a paixão pelos meus alunos. A cada turma, eu falo claramente para meus alunos que eu sou apaixonada por eles e que pela paixão que sinto por eles, eu confio plenamente no sucesso e eu cobro

Articulação entre o objeto de desejo dela e dos alunos Trajetória de professora a Gastronomia Amor pela profissão e amizade eu não me limito a planejar, a preparar apenas o conteúdo propriamente dito, eu procuro sempre apresentar algo mais que possa trazer alguma contribuição para o aluno profissional e o aluno pessoa. Paixão pelo outro aluno e conhecimento

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muito isso deles. Eu sempre digo que eles são muito capazes e precisam mostrar pra mim e pra eu não me frustre também. E eu tenho tido respostas extraordinárias. Eu confio muito nos meus meninos. Eu acho que é uma troca de muito respeito, de muita admiração. E acima de tudo de muito carinho. Isso é muito difícil hoje em dia ter dos alunos e que eles também tenham essas respostas pra gente. Eu faço possível pra cultivar isso nos meus meninos.

g) O que fez apaixonar pela docência (se houve paixão)?

Espero continuar me apaixonando por cada turma.

h) Depoimento espontâneo: Eu queria elogiar o trabalho, o tema que a Rosana escolheu, porque é uma das minhas preocupações também. Com a formação de profissionais. De três anos pra cá, dando aula em curso de docência na Gastronomia, eu vejo como essa área principalmente tem carência de professores de Gastronomia e não simplesmente chefes, eles posem ser grandes conhecedores do assunto, ter assim um cabedal de conhecimentos de receitas, de elaborações, de decomposições de sabores, enfim, de técnicas todas que eu não domino. Mas infelizmente a parte da educação propriamente dita é deixada de lado na maior parte das vezes. E isso conta muito na hora de você dar uma aula, porque os alunos, embora sejam de gastronomia, entrem num curso superior para aprimorar os conhecimentos, mas continuam sendo alunos necessitando de professores que entendam todas essas necessidades, além do entendimento propriamente de gastronomia. Parabéns pra você. Sempre comentamos muito entre nós sobre a importância da formação do professor, principalmente da formação do professor de Gastronomia. Fico feliz por ainda participar de uma pesquisa de mestrado.

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Entrevista 2. Perfil: 1. Babette 2. Especialista em Docência em Gastronomia pela HOTEC. Atua na docência no CST Gastronomia há 06 anos e 23 anos na área de restaurantes de coletividade. Disciplina: Cozinha Brasileira, Cozinha Fria, Cozinha de Criação, Técnicas e Práticas de Cozinha

a) Seu trabalho em sala de aula é baseado em sua experiência profissional, em sua experiência acadêmica ou na sua teoria na área gastronômica?

Rosana, muito mais em experiência profissional, eu fiz um caminho de primeiro trabalhar em restaurante, para depois fazer um curso de Gastronomia. O que me facilita dar aulas hoje em dia é ter tido uma vivência em cozinha.

b) Você é docente de disciplina prática, teórica ou prática e teórica? Mais de prática que teórica. Mas de qualquer forma, uma disciplina prática sempre tem uma introdução teórica. Mas o que eu gosto mesmo é de disciplina prática.

c) Por que você escolheu ser professora? Na verdade as coisas aconteceram. Não escolhi muito não. Justamente por ter trabalhado em restaurante, ter feito curso, eu já sabia o que queria fazer. Fui para a área de treinamento. E num treinamento que eu precisava fazer, eu precisava de um local, uma cozinha. Acabei alugando a cozinha de uma escola que me convidou pra ser professora dos cursos que a escola oferecia. Então, as coisas aconteceram por acaso, não foi por escolha.

d) Pensando em sua história de vida, qual o caminho que percorreu? Como se constituiu um professor?

Não. Eu quando comecei lá atrás, fiz o curso de Técnico de Nutrição, fui trabalhar em cozinha de indústria. Na época sempre tive bons empregos, há muitos anos era fácil mudar de emprego para outro. E acabei que fiz cursos nesta área e não fiz graduação, sempre trabalhei em cozinha, tive o meu restaurante e quando fechei o restaurante fiquei meio sem rumo, foi quando apareceu o curso de Gastronomia. Eu fiz o curso de Gastronomia e você tem de resolver o que quer fazer da vida. Então foi quando eu optei por trabalhar na área de treinamento. Porque essa área de treinamento sempre foi muito pobre, nunca teve instrutores com conhecimento, tendo passado por uma escola. E como já falei anteriormente, por causa de um desses treinamentos que eu precisei fazer, eu aluguei à cozinha de uma escola, e foi quando me convidaram para dar aula lá. E aí fui. Fui ser professora, mas nunca tinha pensado em ser professora não. As coisas aconteceram mesmo. Eu me tornei uma professora.

e) Como organiza/ planeja sua prática e no que se baseia? Fale um pouco sobre sua atuação docente.

A gente tem de preencher o plano de ensino, tem de pensar em que forma a gente vai constituir essa aula. Mas eu vou muito em cima das experiências. O quanto já cozinhei na vida, quanto participei de cursos. Eu procuro tirar da experiência prática mesmo. É lógico que tem de fazer consulta em livros, pesquisar um pouco. Mas

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sempre pensando na experiência prática.

f) Quais as bases que você classificaria como sustentação de sua prática docente?

Eu gosto muito de ser professora. Eu acho que é uma maneira de não sair da cozinha. Estar na cozinha sem estar na cozinha. Porque lógico que a “batida” do restaurante é uma “batida” completamente diferente de laboratório. Então como eu gosto muito de fazer, eu gosto muito de ensinar. E tudo que a gente gosta de fazer, gosta que os outros aprendam também. Então acho que isso que acabei gostando. Depois também ter feito a pós-graduação, ter convivido com pessoas que são professores há muito mais tempo que eu. Você vai tirando um pouco de cada um e vai formando o seu lado profissional. A gente vai se apaixonando de pouco. Como comigo eu não escolho ser professora, eu me tornei professora você vai aprendendo no dia a dia. Tenho o primeiro professor que tive na faculdade como exemplo, ele era muito rígido, ele falou que me dava tarefas que ele percebia que eu era capaz de cumprir, por isso ele me puxava. Muito aprendi com ele e o tenho como espelho até hoje.

g) O que a fez apaixonar-se pela docência (se houve paixão)? Eu sinto que já fiz o curso está completando 10 anos, a primeira turma que se formou em Gastronomia no Brasil (?). E de repente, isso virou muito moda. As pessoas acham que podem chegar, só porque fizeram uma escola, podem virar professor. Mas a coisa não é bem assim que funciona. A gente tem de estudar muito, tem que aprender, eu acho que tem que ter uma vivência prática de cozinha, fica mais fácil de você entender, pois como é que você vai ensinar como é um movimento de uma cozinha se você nunca viveu, naquela coisa do tempo, disciplina, no entrosamento de equipe, quanto isso é importante. Não existe o escolher serviço dentro da cozinha; está lá e você tem de fazer. Você não pode dizer eu não vou fazer porque eu não quero. Então eu só fico pensando nisso, quando esses cursos foram lançados, a idéia era poder dar uma formação para a pessoa que estava no mercado e precisava de um diploma para poder crescer na empresa. Então estes cursos tecnológicos foram pensados para pessoa de mais idade, não molecada. E hoje a gente percebe que ele virou um caminho mais curto para chegar ao mercado. Eu não sei até que ponto isso é muito bom, porque a gente vê assim muito professor sem experiência nenhuma. Vai fazer mais curso, se capacitar. Às vezes a gente escuta cada barbaridade que fica em dúvida se está certo, ou será que está errado. Eu acho que mesmo as escolas, as faculdades quando abrem as vagas têm de passar por um teste, têm de selecionar melhor este professor. Não é qualquer um que passa pela porta pode estar lá na frente. E tem que pensar que o aluno está sempre testando a gente. O aluno pega. Você consegue enganar uma vez, duas, mas chega uma hora que você não engana. Circundação:

a) Seu trabalho em sala de aula é baseado em sua experiência profissional, em sua experiência acadêmica ou na sua teoria na área gastronômica?

Rosana, muito mais em experiência profissional, eu fiz um caminho de primeiro trabalhar em restaurante, para depois fazer um curso de Gastronomia. O que me facilita dar aulas hoje em dia é ter tido uma

Experiência

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vivência em cozinha.

b) Você é docente de disciplina prática, teórica ou prática e teórica?

Mais de prática que teórica. Mas de qualquer forma, uma disciplina prática sempre tem uma introdução teórica. Mas o que eu gosto mesmo é de disciplina prática.

c) Por que você escolheu ser professora? Na verdade as coisas aconteceram. Não escolhi muito não. Justamente por ter trabalhado em restaurante, ter feito curso, eu já sabia o que queria fazer. Fui para a área de treinamento. E num treinamento que eu precisava fazer, eu precisava de um local, uma cozinha. Acabei alugando a cozinha de uma escola que me convidou pra ser professora dos cursos que a escola oferecia. Então, as coisas aconteceram por acaso, não foi por escolha.

d) Pensando em sua história de vida, qual o caminho que percorreu? Como se constituiu um professor?

Não. Eu quando comecei lá atrás, fiz o curso de Técnico de Nutrição, fui trabalhar e cozinha de indústria. Na época sempre tive bons empregos, há muitos anos atrás era fácil mudar de emprego para outro. E acabei que fiz cursos nesta área e não fiz graduação, sempre trabalhei em cozinha, tive o meu restaurante e quando fechei o restaurante fiquei meio sem rumo, foi quando apareceu o curso de Gastronomia. Eu fiz o curso de Gastronomia e você tem de resolver o que quer fazer da vida. Então foi quando eu optei por trabalhar na área de treinamento. Porque essa área de treinamento sempre foi muito pobre, nunca teve instrutores com conhecimento, tendo passado por uma escola. E como já falei anteriormente, por causa de um desses treinamentos que eu precisei fazer, eu aluguei a cozinha de uma escola, e foi quando me convidaram para dar aula lá. E aí fui. Fui ser professora, mas nunca tinha pensado em ser professora não. As coisas aconteceram mesmo. Eu me tornei uma professora.

e) Como organiza/ planeja sua prática e no que se baseia? Fale um pouco sobre sua atuação docente.

A gente tem de preencher o plano de ensino, tem de pensar em que forma a gente vai constituir essa aula. Mas eu vou muito em cima das experiências. O quanto já cozinhei na vida, quanto participei de cursos. Eu procuro tirar da experiência pratica mesmo. É lógico que tem de fazer consulta em livros, pesquisar um pouco. Mas sempre pensando na experiência pratica.

Prática Gosta da Prática Começou com a cozinha Restaurante Treinamento Professora por acaso Técnica em Nutrição Cozinha em Indústria Dona de Restaurante Curso de Gastronomia Área de Treinamento Baseia a atuação como docente em sua experiências, Experiência ter cozinhado e participado de cursos Pesquisa um pouco ,sempre

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f) Quais as bases que você classificaria como sustentação de sua prática docente?

Eu gosto muito de ser professora. Eu acho que é uma maneira de não sair da cozinha. Estar na cozinha sem estar na cozinha. Porque lógico que a “batida” do restaurante é uma “batida” completamente diferente de laboratório. Então como eu gosto muito de fazer, eu gosto muito de ensinar. E tudo que a gente gosta de fazer, gosta que os outros aprendam também. Então acho que isso que acabei gostando. Depois também ter feito a pós-graduação, ter convivido com pessoas que são professores há muito mais tempo que eu. Você vai tirando um pouco de cada um e vai formando o seu lado profissional. A gente vai se apaixonando de pouco. Como comigo eu não escolho ser professora, eu me tornei professora você vai aprendendo no dia a dia. Tenho o primeiro professor que tive na faculdade como exemplo, ele era muito rígido, ele falou que me dava tarefas que ele percebia que eu era capaz de cumprir, por isso ele me puxava. Muito aprendi com ele e tenho ele como espelho até hoje.

g) O que a fez apaixonar-se pela docência (se houve paixão)?

Eu sinto que já fiz o curso está completando 10 anos, a primeira turma que se formou em Gastronomia no Brasil. E de repente isso virou muito moda. As pessoas acham que podem chegar, só porque fizeram uma escola, podem virar professor. Mas a coisa não é bem assim que funciona. A gente tem de estudar muito, tem que aprender, eu acho que tem que ter uma vivencia pratica de cozinha, fica mais fácil de você entender, pois como é que você vai ensinar como é um movimento de uma cozinha se você nunca viveu, naquela coisa do tempo, disciplina, no entrosamento de equipe, quanto isso é importante. Não existe o escolher serviço dentro da cozinha está lá você tem de fazer. Você não pode dizer eu não vou fazer porque eu não quero. Então eu só fico pensando nisso, quando esses cursos foram lançados, a idéia era poder dar uma formação para a pessoa que estava no mercado e precisava de um diploma para poder crescer na empresa. Então estes cursos tecnológicos foram prensados para pessoa de mais idade, não molecada. E hoje a gente percebe que ele virou um caminho mais curto para chegar no mercado. Eu não sei até que ponto isso é muito bom, porque a gente vê assim muito professor sem experiência nenhuma. Vai fazer mais curso, se capacitar. Às vezes a gente escuta cada barbaridade que fica em dúvida se está certo, ou será que está errado. Eu acho que mesmo

calcada experiência prática. Gosta de ensinar porque gosta de fazer, laboratório substitui cozinha. Formou-se professora com base nas experiências como aluna, observando outros professores Para ser professor precisa estudar e ter experiência prática de cozinha Não diferencia cozinha de sala de aula

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as escolas, as faculdades quando abrem as vagas têm de passar por um teste, têm de selecionar melhor este professor. Não é qualquer um que passa pela porta que pode estar lá na frente. E tem que pensar que o aluno está sempre testando a gente. O aluno pega. Você consegue enganar uma vez, duas, mas chega uma hora que você não engana.

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Entrevista 3. Perfil: 3. Ratatouille Mestre em Comunicação Social e Relações Públicas pela USP Atua na docência no CST Gastronomia há 10 anos, tendo como outra atividade chefe de cozinha e proprietário do restaurante “Na Cozinha”. Ministra aulas também, como convidado, nos cursos de Pós graduação (Lato Sensu). Disciplina: Cultura Brasileira nos cursos de Pós graduação (Lato Sensu). Práticas de Cozinha e Cozinha Brasileira no curso de graduação tecnológica.

a) Seu trabalho em sala de aula é baseado em sua experiência profissional, em sua experiência acadêmica ou na sua teoria na área gastronômica?

Parabéns Rosana por estar fazendo o mestrado. Parabéns pela escolha de seu trabalho e parabéns pela pergunta, porque é difícil, pelo menos na minha concepção pessoal, separa estes itens, todos estão juntos. A gente tem de ter experiência profissional, que isto é muito gratificante nos longos anos de vida; e a teoria e a prática, elas têm de andar juntas. A teoria é mais importante que a prática, porque você só é você, você só tem respostas fundamentadas redondas ou quadradas, quando você tem uma boa formação teórica, em qualquer área.

b) Você é docente de disciplina prática, teórica ou prática e teórica? Das duas. Quando vou dar aula teórica, eu gosto de dar juntas. Mas ás vezes, dependendo da maturidade ou imaturidade da classe, principalmente em gastronomia que os alunos são muitos jovens, eles são deslumbrados com a beleza que é a gastronomia, porque é uma profissão muito bonita. Só que não é bem assim como a mídia “pinta”. A coisa é muito mais pesquisada, é um trabalho artesanal, é um trabalho escravo. Eu gosto muito da opinião da Roberta Sudbrak que diz que o cozinheiro entra e sai pelas portas dos fundos, mesmo o cozinheiro do rei, que foi o caso dela, cozinhou dois mandatos, 8 anos. E ela é o que é, não é de “escândalo” na mídia, mas tem muita sabedoria. Agora teoria é fundamental. Tem que ler muito Câmara Cascudo e aprender associar as outras obras literárias com a prática. Eu me orgulho muito quando termino um livro, terminei agora “Gastronomia Solidária” em que o Ricardo Castilho escreve sobre a minha pessoa dizendo: - o Carlos é um profissional que consegue em tudo, ver gastronomia. Então ler Cora Coralina, Raquel de Queiroz tem o fundo da cozinha, raiz, cozinha da terra, cozinha da mãe e eu me sinto orgulhoso. Até uma vez para fazer um trabalho pra ABIPECS eu li muito esses romancistas brasileiros. E hoje a mídia fala de mim e eu fico orgulhoso porque é um trabalho teórico.

c) Por que você escolheu ser professor? Eu nasci professor. Eu nasci professor porque a gente imita o professor, eu tive mãe professora, tia professora. O meu pedigree é de professor. Então eu sou muito feliz, eu fiz muito professor, você é uma delas. A vida do professor é militar, tem de ter disciplina. Eu sou extremamente desorganizado, mas sou extremamente consciente do meu papel. Eu me assusto quando... hoje mesmo um aluno me ligou e disse: - Professor eu lembro quando o senhor falava isso.... que medo! A gente dá aula porque gosta mas as palavras têm uma força muito grande na vida daquele estudante. Eu liguei para ele que me disse eu devo ao senhor... não, pelo amor de Deus, você construiu sua vida. E você sabe que o eco da voz do professor é muito

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forte. Eu ao mesmo tempo que falo com o aluno eu aprendo muito com ele, muito mesmo. Eu lembro de uma coisa que eu gosto de falar muito e até me emociona [parada/choro] ninguém valoriza professora primaria. A professora primária é mal paga, é o pior lugar pra ela. Eu aprendi a ler e a escrever com quatro anos, na minha casa.

d) Pensando em sua história de vida, qual o caminho que percorreu? Como se constituiu um professor?

Estudei muito. Nunca tive medo de nada. Sempre tive muita vontade de aprender. E continuar aprendendo. Acho que o professor deveria ser preservado de um monte de coisa: imposto de renda, de crise. Deveria ficar naquele mundo para cuidar daquele mundo. Não é um mundo de alienados, é um mundo de sagrados. Eu tenho muito respeito e muito orgulho dos professores da USP, porque os professores lá ficam endeusados. Professor merece isto. Merece dignidade. É como no Japão. O tempo que eu passei no Japão como professor lá, eu já era adulto, já tinha acho que 45 anos. E quando chegava na sala os alunos se levantavam na universidade para o professor. Isto era igual ao primário quando eu estudei, e cantavam. No Brasil eu acho que o povo valoriza o professor, mas a política de educação não, ela nem existe se você for pensar. O professor não merece. Não estou falando em dinheiro, mas no descaso.

e) Como organiza/ planeja sua prática e no que se baseia? Fale um pouco sobre sua atuação docente.

Bom, eu sou muito desorganizado. Todo mundo sabe disso. Eu tenho uma velocidade muito grande. Eu consigo acumular tudo num dia. E hoje me orgulho, porque sou visto pelos jornalistas como um professor de Gastronomia que usa a literatura brasileira para falar do porco. Literatura brasileira é muito rica desde a senzala. Eu tive a oportunidade de escrever um livro recente que chama “Comida é Arte” e eu falo do milho de todos os elementos que alimentam e deixam à margem. Eu analiso as obras ligada à gastronomia. As obras são releituras. Um quadro da Tarsila colocou cebola, cebolinha... Não existe esta cena, porém lembra Tarsila. Foi desenhado por um aluno e eu me orgulho porque é fruto meu, ele aprendeu a pensar. O professor tem de saber pensar e fazer os meninos pensarem. Prática é isso. Eu sou muito desorganizado, mas alinho o pensamento e formalizo. Este mesmo aluno agora está fazendo um livro sobre Cordel. A cozinha de Cordel. Aguarde. Sou uma pessoa extremamente desorganizada, mas eu consigo planejar, dentro da minha loucura, e as pessoas que me acompanham, conseguem verbalizar aquilo que eu peço.

f) Quais as bases que você classificaria como sustentação de sua prática docente?

g) O que o fez apaixonar-se pela docência (se houve paixão)?

Obs: aqui foram respondidas duas perguntas juntas Hoje eu fui tentado dar aula em uma faculdade de novo. Mas eu disse não. Pagam mal. Já estava pronto, com livro, já estava tudo ensaiado, mas eles são terríveis, são muito mercantis e eu não vou ceder para eles. Minha atuação como docente é esta eu sou aquele docente da cultura. Eu aprendi,

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descobri muita coisa depois que conclui o mestrado na USP. Não é fácil sair, lá você aprende de verdade, eles te dão o céu e a terra e você aprende a ser autodidata. E você se vira, você sabe que a minha paixão é Canclini e Ortiz. E aí eu consegui com esses dois ter minhas veias escritas na docência.

g) Depoimento espontâneo: Estudem. Escrevam o que já sabem. Registrem. Busquem conhecimento. Aproveitem oportunidade. Saibam otimizar este conhecimento e dividir também. Somar e dividir são muito importantes. Somar, dividir, multiplicar é coisa bem aritmética, mas são bem importantes, mas isso faz parte do dia a dia da gente. Lutem pelos seus ideais. Temos muita responsabilidade com esta geração nova. Eles só querem cozinhar com a barriga no fogão. E a cozinha não é só isso. Eles dizem que cozinham bem e eu digo que é obrigação. Agora sem técnica... A técnica é a teoria. O cliente não quer saber se a omelete foi feita com carinho se ela foi queimada nas pontas. Então eu estou muito orgulhoso do Brasil que já tem grandes chefes como Mara Sales, Alex Atala, Rodrigo Oliveira, que é um menino e eu, que já estou velho. Nós todos estamos falando coisas importantes para o país. A teoria da cozinha brasileira. Há um erro educacional achar que uma faculdade forma. Eu não acredito em cursos de 2 anos. O aluno acha que sabe, é teimoso e inconsistente. Então o que falta neles: teoria. Circundação:

a) Seu trabalho em sala de aula é baseado em sua experiência profissional, em sua experiência acadêmica ou na sua teoria na área gastronômica?

Parabéns Rosana por estar fazendo o mestrado. Parabéns pela escolha de seu trabalho e parabéns pela pergunta, porque é difícil, pelo menos na minha concepção pessoal, separa estes itens, todos estão juntos. A gente tem de ter experiência profissional, que isto é muito gratificante nos longos anos de vida; e a teoria e a pratica, elas tem de andar juntas. A teoria é mais importante que a pratica, porque você só é você, você só tem respostas fundamentadas redondas ou quadradas, quando você tem uma boa formação teórica, em qualquer área.

b) Você é docente de disciplina prática, teórica ou prática e teórica?

Das duas. Quando vou dar aula teórica, eu gosto de dar junta. Mas as vezes, dependendo da maturidade ou imaturidade da classe, principalmente em gastronomia que os alunos são muitos jovens, eles são deslumbrados com a beleza que é a gastronomia, porque é uma profissão muito bonita. Só que não é bem assim como a mídia “pinta”. A coisa é muito mais pesquisada, é um

a teoria e a pratica, elas tem de andar juntas. A teoria é mais importante que a pratica, porque você só é você, você só tem respostas fundamentadas redondas ou quadradas, quando você tem uma boa formação teórica, em qualquer área. eles são deslumbrados com a beleza que é a gastronomia, porque é uma profissão muito

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trabalho artesanal, é um trabalho escravo. Eu gosto muito da opinião da Roberta Sudbrak que diz que o cozinheiro entra e sai pelas portas dos fundos, mesmo o cozinheiro do rei, que foi o caso dela, cozinhou dois mandatos, 8 anos. E ela é o que é, não é de “escândalo” na mídia, mas tem muita sabedoria. Agora teoria é fundamental. Tem que ler muito Câmara Cascudo e aprender associar as outras obras literárias com a pratica. Eu me orgulho muito quando termino um livro, terminei agora “Gastronomia Solidária” em que o Ricardo Castilho escreve sobre a minha pessoa dizendo: - o Carlos é um profissional que consegue em tudo, ver gastronomia. Então ler Cora Coralina, Raquel de Queiroz tem o fundo da cozinha, raiz, cozinha da terra, cozinha da mãe e eu me sentimos orgulhoso. Até uma vez para fazer um trabalho pra ABIPECS eu li muito esses romancistas brasileiros. E hoje a mídia fala de mim e eu fico orgulhoso porque é um trabalho teórico.

c) Por que você escolheu ser professor? Eu nasci professor. Eu nasci professor porque a gente emita o professor, eu tive mãe professora, tia professora. O meu predigree é de professor. Então eu sou muito feliz, eu fiz muito professor, você é uma delas. A vida do professor é militar, tem de ter disciplina. Eu sou extremamente desorganizado, mas sou extremamente consciente do meu papel. Eu me assusto quando... hoje mesmo um aluno me ligou e disse: - Professor eu lembro quando o senhor falava isso.... que medo! A gente dá aula porque gosta mas as palavras tem uma força muito grande na vida daquele estudante. Eu liguei para ele que me disse eu devo ao senhor... não, pelo amor de Deus, você construiu sua vida. você sabe que o eco da voz do professor é muito forte. Eu ao mesmo tempo que falo com o aluno eu aprendo muito com ele, muito mesmo. Eu lembro de uma coisa que eu gosto de falar muito e até me emociona [parada/choro] ninguém valoriza professora primaria. A professora primaria é mal paga, é o pior lugar pra ela. Eu aprendi a ler e a escrever com quatro anos, na minha casa.

d) Pensando em sua história de vida, qual o caminho que percorreu? Como se constituiu um professor?

Estudei muito. Nunca tive medo de nada. Sempre tive muita vontade de aprender. E continuar aprendendo. Acho que o professor deveria ser preservado de um

bonita. cozinheiro entra e sai pelas portas dos fundos, mesmo o cozinheiro do rei, Então ler Cora Coralina, Raquel de Queiroz tem o fundo da cozinha, raiz, cozinha da terra, cozinha da mãe e eu me sentimos orgulhoso. Percebe a relação da gastronomia com outras áreas, relacionada a um todo. Eu nasci professor. Eu nasci professor porque a gente emita o professor, eu tive mãe professora, tia professora. Valorização da profissão de professor Estudei muito. Nunca tive medo de nada. Sempre tive muita vontade de aprender. E continuar

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monte de coisa: imposto de renda, de crise. Deveria ficar naquele mundo para cuidar daquele mundo. Não é um mundo de alienados, é um mundo de sagrados. Eu tenho muito respeito e muito orgulho dos professores da USP, porque os professores lá ficam endeusados. Professor merece isto. Merece dignidade. É como no Japão. O tempo que eu passei no Japão como professor lá, eu já era adulto, já tinha acho que 45 anos. E quando chegava à sala os alunos levantavam na universidade para o professor. Isto era aqui no primário quando eu estudei, e cantavam. No Brasil eu acho que o povo valoriza o professor, mas a política de educação não, ela nem existe se você for pensar. O professor não merece. Não estou falando em dinheiro, mas no descaso.

e) Como organiza/ planeja sua prática e no que se baseia? Fale um pouco sobre sua atuação docente.

Bom, eu sou muito desorganizado. Todo mundo sabe disso. Eu tenho uma velocidade muito grande. Eu consigo acumular tudo num dia. E hoje me orgulho, porque sou visto pelos jornalistas como um professor de Gastronomia que usa a literatura brasileira para falar do porco. Literatura brasileira é muito rica desde a senzala. EU tive a oportunidade de escrever um livro recente que chama “Comida é Arte” e eu falo do milho de todos os elementos que alimentam e deixam à margem. Eu analiso as obras ligada a gastronomia. As obras são releituras. Um quadro da Tarsila colocou cebola, cebolinha... Não existe esta cena, porém lembra Tarsila. Foi desenhado por um aluno e eu me orgulho porque é fruto meu, ele aprendeu pensar. O professor tem de saber pensar e fazer os meninos pensarem. Pratica é isso. Eu sou muito desorganizado, mas alinho o pensamento e formalizo. Este mesmo aluno agora está fazendo um livro sobre Cordel. A cozinha de Cordel. Aguarde. Sou uma pessoa extremamente desorganizada, mas eu consigo planejar, dentro da minha loucura, e as pessoas que me acompanham, conseguem verbalizar aquilo que eu peço.

f) Quais as bases que você classificaria como sustentação de sua prática docente?

h) O que fez apaixonar pela docência (se houve paixão)?

Obs: aqui foram respondidas duas perguntas juntas Hoje eu fui tentado a dar aula em uma faculdade de novo. Mas eu disse não. Pagam mal. Já estava pronto, com livro, já estava todo ensaiado, mas eles são terríveis, são

aprendendo. é um mundo de sagrados eu sou muito desorganizado E hoje me orgulho, porque sou visto pelos jornalistas como um professor de Gastronomia que usa a literatura brasileira para falar do porco. Literatura brasileira é muito rica desde a senzala. Eu tive a oportunidade de escrever um livro recente que chama “Comida é Arte” e eu falo do milho de todos os elementos que alimentam e deixam à margem. Eu analiso as obras ligada a gastronomia.

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muito mercantis e eu não vou ceder para eles. Minha atuação como docente é esta eu sou aquele docente da cultura. Eu aprendi, descobri muita coisa depois que conclui o mestrado na USP. Não é fácil sair, lá você aprende de verdade, eles te dão o céu e a terra e você aprende a ser auto didata. E você se vira, você sabe que a minha paixão é Canclini e Ortiz. E aí eu consegui com esses dois ter minhas veias escritas na docência.

g) Depoimento espontâneo: Estudem. Escrevam o que já sabem. Registrem. Busquem conhecimento. Aproveitem oportunidade. Saibam otimizar este conhecimento e dividir também. Somar e dividir são muito importantes. Somar, dividir, multiplicar é coisa bem aritmética, mas são bem importantes, mas isso faz parte do dia a dia da gente. Lutem pelos seus ideais. Temos muita responsabilidade com esta geração nova. Eles só querem cozinhar com a barriga no fogão. E a cozinha não é só isso. Eles dizem que cozinham bem e eu digo que é obrigação. Agora sem técnica... A técnica é a teoria. O cliente não quer saber se a omelete foi feita com carinho se ela foi queimada nas pontas. Então eu to muito orgulhoso do Brasil que já tem grandes chefes como Mara Sales, Alex Atala, Rodrigo Oliveira, que é um menino e eu, que já estou velho. Nós todos estamos falando coisas importantes para o país. A teoria da cozinha brasileira. Há um erro educacional achar que uma faculdade forma. Eu não acredito em cursos de 2 anos. O aluno acha que sabe, é teimoso e inconsistente. Então o que falta neles: teoria.

Minha atuação como docente é esta eu sou aquele docente da cultura. E você se vira, você sabe que a minha paixão é Canclini e Ortiz. E aí eu consegui com esses dois ter minhas veias escritas na docência.

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Entrevista 4. Perfil: 4. Vatel Especialista em Gerenciamento de Negócios pela Escola Superior de Propaganda e Marketing Atua na docência no CST Gastronomia há 04 anos, e 18 anos como executivo de multinacionais e empresários. Disciplina: História da Gastronomia, Empreendedorismo e Marketing

Obs: este professor pediu para ler as perguntas e deixá-lo falar.

a) Seu trabalho em sala de aula é baseado em sua experiência profissional, em sua experiência acadêmica ou na sua teoria na área gastronômica?

b) Por que você escolheu ser professor? Eu comecei a lecionar há uns 4 anos. Nunca tinha atuado na área. Só que assim, como executivo, no começo de minha carreira eu trabalhei com treinamento, dentro da empresa, para grupos pequenos. De certa forma eu já tinha tido alguma experiência relacionada, e eu achava que eu servia para a coisa. Surgiu a oportunidade. Aí vem uma questão muito forte na minha vida. Eu sempre tive muito sucesso profissional, eu sempre fui muito dedicado àquilo que abracei. E quando eu era executivo, eu gostava daquilo, ganhei muito dinheiro, viajei muito. Com 26 anos já era gerente, com 34 anos já era diretor da Ericsson e que eu não gostava daquele ambiente de trabalho, daquela competição nociva, uma série coisas. Até que surgiu a oportunidade de eu sair da Ericsson, montar meu negócio, como sempre gostei de Gastronomia e aí que as coisas começam fechar, eu montei um restaurante com um sócio (Carême). Montamos um negócio do zero, construímos uma marca durante 3 anos. Toda parte de construção, não só de cardápio, com ficha técnica, sem nunca ter estudado Gastronomia eu já entendia que precisava ter ficha técnica, tinha que ter fator de correção. Tenho tudo salvo até hoje no computador. Toda parte de seleção de cardápio fui eu que fiz, fui eu que fui atrás. Muito em função da minha experiência internacional, que era um restaurante de delivery de cozinha internacional. Só que é assim, o restaurante não deu certo, ou melhor, ele tinha um tempo de maturação do negócio muito longo, por ser só delivery. Por mais que tivéssemos uma estrutura de custos reduzida, a questão do delivery onera demais os seus custos. Você tinha que ter uma base de clientes muito grande para ter um volume de faturamento relativamente alto para pagar os seus custos. Por 2 anos e meio com o restaurante aberto, a gente foi colocando dinheiro todos os meses. E tendo uma reserva e vendo diminuir, eu e me sócio, tudo bem que cada vez punha menos, mas a gente via que não teríamos fôlego. Eu querendo vender e meu sócio não. Visão de gestão diferente. Conflitos administrativos diários. Até que chegou um ponto que meu sócio aceitou vender e a gente praticamente deu o restaurante para o cozinheiro. Ele pagou o estoque. Pra minimizar o nosso prejuízo. Um pouco antes disso, mais ou menos uns 6 meses antes, surgiu a oportunidade de trabalhar na Unitec, eu vi um anúncio no jornal, eles precisavam de professor de Marketing com experiência em gastronomia. Eu sempre gostei de interagir com as pessoas e vem uma coisa muito espiritual minha. Eu sei que tenho uma missão aqui, e essa missão é ajudar as pessoas e é muito engraçado. Quando tinha 3 anos, meu pai era médico, ele ganhava muita amostra grátis e uma vez ele ganhou uma amostra grátis de um sedativo que vinha num

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piãozinho . Eles deixaram (pai e mãe) a amostra grátis em cima de um armário, saíram e eu fiquei com a empregada. Peguei o piãozinho e tomei tudo. Entrei em coma em último grau. No 2ºdia meu pai ligou pra casa, chorando, dizendo que eu ia morrer. Esse tempo que eu fiquei em coma, eu tive uma viagem. Eu fui pra uma outra dimensão, eu poderia ter morrido, se eu quisesse, eu não morri porque eu não quis. Eu tenho essa missão de ajudar o próximo.

c) Você é docente de disciplina prática, teórica ou prática e teórica?

Sou professor de disciplina teórica. d) Pensando em sua história de vida, qual o caminho que percorreu? Como se

constituiu um professor? e) Como organiza/ planeja sua pratica e no que se baseia? Fale um pouco sobre

sua atuação docente. f) Quais as bases que você classificaria como sustentação de sua prática

docente? Eu sou sedutor. Eu seduzo os meus alunos. Eu uso essas qualidades que eu tenho para seduzir o aluno. O meu interesse não é só cumprir o cronograma que eu estabeleço no semestre. É óbvio que eu vou cumprir aquilo tudo. Eu gosto de trabalhar numa escola como a Hotec, que tem um nível baixo de alunos carentes. Porque eu sinto que posso contribuir mais. Eu procuro de uma certa forma passar para eles valores de vida, conhecimento que eu tenho de viagens, de um monte de coisas que eu vi na vida. Então a aula se torna interessante porque você vai cortando a monotonia da disciplina com assuntos que você vai trazendo e que vai chamando a atenção do aluno e vai despertando o aluno para outras coisas. Tive uma homenagem na Universidade e uma aluna chegou para mim e disse: - Professor quando alguém muda sua vida é muito importante falar para essa pessoa. E você mudou a minha vida. Hoje em dia eu estou fazendo um curso de Marketing por causa de suas aulas -. E esse tipo de depoimento já aconteceu comigo várias vezes. De o aluno se apaixonar por aquele conteúdo, que isso faz parte de todo esse processo de sedução que eu faço com a classe. E esse processo eu posso exercitar melhor nas aulas de História da Gastronomia. Sou muito teatral na sala de aula e os alunos vibram. O mais importante é você estimular o aluno e fazer eles irem atrás. Eu converso muito com os alunos. Coisa que toda faculdade que eu fiz eu nunca tive isso. Eram professores que dominavam os respectivos conteúdos, mas eram extremamente frios. E eu quando dou uma aula me esforço demais e o aluno percebe isso. Há uma troca muito grande e não há dinheiro que se pague.

g) O que o fez apaixonar-se pela docência (se houve paixão)? Isso tudo me fez apaixonar pela docência. Eu vou ao encontro de uma missão que sei que tenho. A gente acompanha a evolução do aluno. É importante que o aluno tenha boas referências. E a maioria dos professores não está interessado nisso que eu estou interessado. Eles vão lá para cumprir um planejamento e receber um salário, que é baixíssimo. Eu tenho uma reserva que me possibilita exercer o que eu gosto, que faço bem e de uma forma que é extremamente prazerosa pra mim. O professor nasce professor. Eu não voltaria para a área executiva. Cada dia eu gosto mais do que faço e acho que faço melhor. Eu sinto cada vez mais um carinho maior por parte dos alunos. Uma troca de

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energia e interação fantásticas. Cada vez me sinto mais confiante. É uma profissão para poucos. Você precisa ter o dom. O professor tem de ter carisma. Não basta dominar o conteúdo. O que pode acontecer é a pessoa ser trabalhada e se tornar um bom professor. Mas para ser o the best tem que nascer professor. Eu nasci professor, tenho certeza. Circundação:

i) Seu trabalho em sala de aula é baseado em sua experiência profissional, em sua experiência acadêmica ou na sua teoria na área gastronômica?

j) Por que você escolheu ser professor?

Eu comecei a lecionar uns 4 anos. Nunca tinha atuado na área. Só que assim, como executivo, no começo de minha carreira eu trabalhei com treinamento, dentro da empresa, para grupos pequenos. De certa forma eu já tinha tido alguma experiência relacionada, e eu achava que eu servia para a coisa. Surgiu a oportunidade. Aí vem uma questão muito forte na minha vida. Eu sempre tive muito sucesso profissional, eu sempre fui muito dedicado àquilo que abracei. E quando eu era executivo, eu gostava daquilo, ganhei muito dinheiro, viajei muito. Com 26 anos já era gerente, com 34 anos já era diretor da Ericsson e que eu não gostava daquele ambiente de trabalho, daquela competição nociva, uma série coisas. Até que surgiu a oportunidade de eu sair da Ericsson, montar meu negócio, como sempre gostei de Gastronomia e aí que as coisas começam fechar, eu montei um restaurante com um sócio (Carême). Montamos um negócio do zero, construímos uma marca durante 3 anos. Toda parte de construção, não só de cardápio, com ficha técnica, sem nunca ter estudado Gastronomia eu já entendi a que precisava ter ficha técnica, tinha que ter fator de correção. Tenho tudo salvo no até hoje no computador. Toda parte de seleção de cardápio fui que fiz, fui eu que fui atrás. Muito em função da minha experiência internacional, que era um restaurante de delivery de cozinha internacional. Só que é assim, o restaurante não deu certo, ou melhor, ele tinha um tempo de maturação do negócio muito longo, por ser só delivery. Por mais que tivéssemos uma estrutura de custos reduzida, a questão do delivery onera demais os seus custos. Você tinha que ter uma base de clientes muito grande para ter um volume de faturamento relativamente alto para pagar os seus custos. Por 2 anos e meio com o restaurante aberto, a gente foi colocando dinheiro todos os meses. E tendo uma reserva e vendo diminuir, eu e me sócio, tudo bem

como executivo, no começo de minha carreira eu trabalhei com treinamento. Montou o próprio negócio – Restaurante Montagem do Cardápio, ficha técnica, Restaurante não deu certo. surgiu a

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que cada vez punha menos, mas a gente via que não teríamos fôlego. Eu querendo vender e meu sócio não. Visão de gestão diferente. Conflitos administrativos diários. Até que chegou um ponto que meu sócio aceitou vender e a gente praticamente deu o restaurante para o cozinheiro. Ele pagou o estoque. Pra minimizar o nosso prejuízo. Um pouco antes disso, mais ou menos uns 6 meses antes, surgiu a oportunidade de trabalhar na UNITEC, eu vi um anúncio no jornal, eles precisavam de professor de Marketing com experiência em gastronomia. Eu sempre gostei de interagir com as pessoas e vem uma coisa muito espiritual minha. Eu sei que tenho uma missão aqui, e essa missão é ajudar as pessoas e é muito engraçado. Quando tinha 3 anos, meu pai era médico, ele ganhava muita amostra grátis e uma vez ele ganhou uma amostra grátis de um sedativo que vinha num piãozinho . Eles deixaram (pai e mãe) a amostra grátis encima de um armário, saíram e eu fiquei com a empregada. Peguei o piãozinho e tomei tudo. Entrei em coma em último grau. No 2ºdia meu pai ligou pra casa, chorando, dizendo que eu ia morrer. Esse tempo que eu fiquei em coma, eu tive uma viagem. Eu fui pra uma outra dimensão, eu poderia ter morrido, se eu quisesse, eu não morri porque eu não quis. Eu tenho essa missão de ajudar o próximo.

k) Você é docente de disciplina prática, teórica ou prática e teórica?

Sou professor de disciplina teórica.

l) Pensando em sua história de vida, qual o caminho que percorreu? Como se constituiu um professor?

m) Como organiza/ planeja sua pratica e no que se baseia? Fale um pouco sobre sua atuação docente.

n) Quais as bases que você classificaria como sustentação de sua prática docente?

Eu sou sedutor. Eu seduzo os meus alunos. Eu uso essas qualidades que eu tenho para seduzir o aluno. O meu interesse não é só cumprir o cronograma que eu estabeleço no semestre. É óbvio que eu vou cumprir aquilo tudo. Eu gosto de trabalhar numa escola como a Unitec, que tem um nível baixo de alunos carentes. Porque eu sinto que posso contribuir mais. Eu procuro de uma certa forma passar para eles valores de vida, conhecimento que eu tenho de viagens, de um monte de coisas que eu vi na vida. Então a aula se torna interessante porque você vai cortando a monotonia da disciplina com assuntos que você vai trazendo e que vai

oportunidade de trabalhar na Unitec, eu vi um anúncio no jornal, eles precisavam de professor de Marketing com experiência em gastronomia. gostei de interagir com as pessoas Docência como missão Sou professor de disciplina teórica. Sedução pedagógica Então a aula se torna interessante porque você vai cortando a monotonia da disciplina com assuntos que você vai trazendo e que vai chamando a atenção do aluno e vai despertando o aluno para outras coisas Gosta de provocar paixões.

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chamando a atenção do aluno e vai despertando o aluno para outras coisas. Tive uma homenagem na Universidade e uma aluna chegou para mim e disse: - Professor quando alguém muda sua vida é muito importante falar para essa pessoa. E você mudou a minha vida. Hoje em dia eu to fazendo um curso de Marketing por causa de suas aulas -. E esse tipo de depoimento já aconteceu comigo várias vezes. De o aluno se apaixonar por aquele conteúdo, que isso faz parte de todo esse processo de sedução que eu faço com a classe. E esse processo eu posso exercitar melhor nas aulas de História da Gastronomia. Sou muito teatral na sala de aula e os alunos vibram. O mais importante é você estimular o aluno e fazer ele ir atrás. Eu converso muito com os alunos. Coisa que toda faculdade que eu fiz eu nunca tive isso. Eram professores que dominavam os respectivos conteúdos, mas eram extremamente frios. E eu quando dou uma aula me esforço demais e o aluno percebe isso. Há uma troca muito grande e não há dinheiro que se pague.

o) O que fez apaixonar pela docência (se houve paixão)?

Isso tudo me fez apaixonar pela docência. Eu vou ao encontro de uma missão que sei que tenho. A gente acompanha a evolução do aluno. É importante que o aluno tenha boas referências. E a maioria dos professores não está interessado nisso que eu estou interessado. Eles vão lá para cumprir um planejamento e receber um salário, que é baixíssimo. Eu tenho uma reserva que me possibilita exercer o que eu gosto, que faço bem e de uma forma que é extremamente prazerosa pra mim. O professor nasce professor. Eu não voltaria para a área executiva. Cada dia eu gosto mais do que faço e acho que faço melhor. Eu sinto cada vez mais um carinho maior por parte dos alunos. Uma troca de energia e interação fantásticas. Cada vez me sinto mais confiante. É uma profissão para poucos. Você precisa ter o dom. O professor tem de ter carisma. Não basta dominar o conteúdo. O que pode acontecer é a pessoa ser trabalhada e se tornar um bom professor. Mas para ser o the best tem que nascer professor. Eu nasci professor, tenho certeza.

Professor artista aluno platéia? Eu vou ao encontro de uma missão que sei que tenho. O professor nasce professor. Eu não voltaria para a área executiva Cada dia eu gosto mais do que faço e acho que faço melhor. Eu sinto cada vez mais um carinho maior por parte dos alunos. Uma troca de energia e interação fantásticas. Você precisa ter o dom . Mas para ser o the best tem que nascer professor. Eu nasci professor, tenho certeza..