De como o poder se produz -tese - Estudo Geral como o... · Narrativa III – De Lusaka (132)...

464
De como o poder se produz: Angola e as suas transições Catarina Antunes Gomes Dissertação de Doutoramento em Sociologia Faculdade de Economia Universidade de Coimbra Orientador: Professor Fernando Ruivo Com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia Fevereiro de 2009

Transcript of De como o poder se produz -tese - Estudo Geral como o... · Narrativa III – De Lusaka (132)...

De como o poder se produz: Angola e as suas transies

Catarina Antunes Gomes

Dissertao de Doutoramento em Sociologia

Faculdade de Economia

Universidade de Coimbra

Orientador: Professor Fernando Ruivo

Com o apoio da Fundao para a Cincia e Tecnologia

Fevereiro de 2009

De como o poder se produz: Angola e as suas transies Indce Temtica (1)

Contexto (2)

Contingncia e Complexidade (4)

Sistema (9)

A produo do sistema (13)

Sistema politico e democracia (16)

Hipteses (21)

Metodologia (24)

Estrutura (27)

Parte I

Captulo I Da poltica colonial (31)

Narrativa I Do liberalismo e da I Repblica (31)

Narrativa II Do Estado Novo (35)

Narrativa III Da queda do regime colonial (47)

Captulo II Do nacionalismo (51)

Narrativa I Da resistncia (52)

Narrativa II Do nacionalismo (56)

Das dinmicas da luta contra colonialismo (58)

Dimenses das fracturas (59)

Momento I: O processo de ocidentalizao na formao do

espao poltico policntrico (60)

Reino do Congo (63)

Reino Mbundu (65)

A diferenciao do espao poltico (66)

Os espaos e as elites (68)

Momento II: As diferentes experincias do colonialismo (71)

Momento III: Os movimentos (73)

Narrativa III Do MPLA e do exerccio do poder: a formao do sistema de

poder (83)

Contradies (84)

Captulo III Da independncia (95)

Narrativa I Alvor (96)

Narrativa II A chegada ao poder (102)

27 de Maio (104)

Narrativa III Do partido nico (112)

Captulo IV Da guerra e da paz: sinopse histrica (117)

Narrativa I Dos caminhos de Bicesse (117)

Narrativa II De Bicesse (121)

Narrativa II Do ps-92 (127)

Narrativa III De Lusaka (132)

Narrativa IV De Luena (144)

Parte II (149)

Captulo I Da produo do poder pelo unipartidarismo (150)

Narrativa I Do imperativo da unidade nacional e do pensamento nico (152)

Narrativa II Da ditadura revolucionria e a construo do Estado (166)

O sistema de poder (168)

A boneca russa: Estado, Partido, Presidncia (169)

Narrativa III Das polticas (184)

Narrativa IV Da ditadura paradoxal: balano da produo de poder (206)

Virtualidades da actuao clientelar e da gesto

patrimonial na produo das estratgias de poder (206)

Limites da actuao clientelar e da gesto patrimonial e incio da

abertura econmica (214)

Incio da abertura econmica (216)

Captulo II Pela abertura poltica (233)

Narrativa I Da abertura poltica (239)

Estratgia I: A lei como instrumento (241)

Estratgia II: Presidencializao (250)

Estratgia III: Neutralizao, co-optao e integrao dominada (265)

Actores polticos (266)

Actores civis (277)

Estratgia IV: Partidarizao (283)

Estratgia V: Predao (287)

A produo do poder (295)

Narrativa II Das novas oportunidades: balano da produo do poder (307)

Parte III (315)

Captulo nico Do processo eleitoral (317)

Enquadramento genrico (319)

Narrativa I Do processo constitucional (322)

A Comisso Constitucional (324)

A queda do processo constitucional (328)

Os mapas de poder (335)

Narrativa II Da Comisso Nacional de Eleies (339)

O registo eleitoral e a Comisso Nacional de Eleies (339)

A composio da Comisso Nacional de Eleies (345)

Narrativa III Do Registo, da observao e da fiscalizao (351)

Observao (354)

Fiscalizao (357)

Narrativa IV Da oposio (362)

A crise como capital poltico (363)

A produo da fragilidade e as aspiraes patrimoniais-clientelares

(368)

Narrativa V Do MPLA (372)

Poltica de recrutamento e renovao das bases (373)

Poltica de consultas (377)

Personalizao do poder (383)

Narrativa VI Da sociedade civil (388)

Unidade Tcnica de Coordenao da Ajuda Humanitria (389)

Politizao/ Despolitizao (393)

Reflexo final (403)

Nota (408)

Bibliografia (410)

Tabelas e Grficos Tabela 1 Resultados nacionais das eleies legislativas e presidenciais de 1992 (127).

Tabela 2 Fixao de preos de peixe fresco e congelado (Despacho conjunto n. 25/79 de 6 de Junho) (193). Tabela 3 Preos dos bens alimentares nos mercados oficial e paralelo em 19878 e em 1990 (196).

Grfico 1 Comparao dos preos dos mercados oficial e paralelo em 1987 (196). Grfico 2 Comparao dos preos dos mercados oficial e paralelo em 1990 (197).

Tabela 4 Indicador de Ambiente Condicionador da Poltica Econmica Angolana (215).

Tabela 5 Produo agrcola ( 000 toneladas): 1973; 1986; 1987; 1988 e 1979 (217).

Tabela 6 Produo industrial: 1973; 1984; 1985, 1986 e 1987 (218-219). Tabela 7 Indicador da produo industrial em 1973 e 1987 (219). Grfico 3 Indicador da produo industrial em 1973 e 1987 (220). Tabela 8 Produo petrolfera ( 000 b/d) de 1980 a 1989 (220). Grfico 4 Produo petrolfera ( 000 b/d) de 1980 a 1989 (221). Tabela 9 Variao dos preos e da produo petrolfera de 1980 a 1986 (221). Grfico 5 - Variao dos preos e da produo petrolfera de 1980 a 1986 (222).

Tabela 10 PIB por sector em 1989 (223).

Tabela 11 Composio das exportaes (em milhes USD$) em 1981; 1983; 1985; 1987; 1989 e 1990 (223).

Grfico 6 Exportaes de petrleo e PIB per capita (1960-1997) (224). Tabela 12 Tipos de regime poltico segundo Dahl (1971) (273). Tabela 13 Evoluo dos valores do Indce de Desensolvimento Humano e PIB per capita e respectivas posies nos Relatrios Mundiais de Desenvolvimento Humano

(296). Tabela 14 Distribuio de renda segundo o Coeficiente de GINI por Provncias (298). Tabela 15 Calendarizao da organizao do processo eleitoral Proposta MPLA, 2004 (320). Tabela 16 Comparao das propostas do MPLA e da oposio parlamentar relativamente composio da Comisso Nacional de Eleies (346).

me. Ao pai.

Mariazinha.

Ao Roberto.

Por Angola.

Pelas suas esperanas.

Agradecimentos. A Angola e a todos que me receberam nos seus caminhos. A Fernando Ruivo. Por

tudo. A Michel Cahen. A Rn Otayek. A Franz Heimer. Alexandra. Tambm por

tudo.

This is similar to a ship that finds its position and direction by locating itself

within the horizon of the sea. Of course, this horizon continuously changes.

Through its motion, the ship continuously relocates itself within a horizon and

thus has the horizon change with it. The horizon the ships environment is a

direct product of the ships own operations, of its movements. () A ship

relocates itself within its horizons but thereby realizes that it can move. The

ship is not bound only by its actual location; its horizon is a horizon of

possibilities. It could also be elsewhere. (Moeller, 2006: 66-67).

TEMTICA

O desafio central que motivou a realizao deste trabalho partiu da

constatao, fundamentada num esforo de familiarizao para com o percurso

histrico de Angola, segundo a qual a hegemonia poltica vigente, construda e

desenvolvida a partir do MPLA Movimento Popular de Libertao de Angola, tem

demonstrado historicamente uma notvel resistncia problemtica histria do pas e

uma assinalvel capacidade para sobreviver e adequar-se a distintas e,

inclusivamente, antagnicas agendas ideolgicas e polticas1.

Comeou-se, assim, por questionar os modelos e os mecanismos dessa auto-

preservao e se, tal dinmica implicaria mudanas substanciais no tipo de hegemonia

poltica observado ao longo do tempo, isto , nos modos de exerccio do poder e nas

suas fontes e estratgias de legitimao.

Com esta interrogao fundadora, procurou-se analisar como tal hegemonia foi

construindo e reunindo, ainda que de maneira contingencial, as condies que vieram

a assegurar a sua viabilidade ao longo das sucessivas transies que Angola

conheceu do ponto de vista poltico: do colonial ao ps-colonial, da independncia ao

Partido nico sob a bandeira do marxismo-leninismo, deste abertura ao

multipartidarismo nos anos 90, e desta que retratada, desde 2002, como a fase da

consolidao da transio para a democracia2.

1 O mesmo , por exemplo, claramente assinalado por Vidal, quando afirma que a estrutura poltica serve a lgica patrimonial/ clientelista, independentemente do modelo poltico formal existente (socialista monopartidrio ou capitalista multipartidrio), permitindo um tipo especfico de dominao, combinando a distribuio selectiva e cooptao com represso, fragmentao social e alienao poltico-econmica da maioria da populao (2006: 12). 2 Para alm destas, saliente-se a transio da guerra paz, a transio de um modelo de economia centralizada para uma suposta economia de mercado e a transio de um modelo de interveno humanitria de emergncia a um modelo de interveno ps-conflito, centrado, em grande parte, nas necessidades de reconstruo, desenvolvimento e democratizao.

Contexto

bem conhecido o facto do Estado ps-colonial angolano ter nascido do caos e da

violncia de uma guerra civil que, desde o incio, foi contempornea da luta pela

independncia. Num contexto de um conflito civil atroz e da vigncia de um sistema de

partido nico de inspirao marxista-leninista, Angola viveu um longo perodo de

represso, autoritarismo e violncia, cujos efeitos foram sendo magnificados pelo

desenvolvimento de formas de governao corruptas e excludentes3.

Messiant (cf. 1994, 1995, 2006), uma das mais proeminentes especialistas em

histria poltica angolana, correlaciona esta dinmica de formao do Estado ps-

colonial com o percurso histrico particular de Angola, onde se assistiu ao

desenvolvimento de um sistema de poder baseado numa nomenclatura petrolfera,

cuja evoluo, sinteticamente, Pestana (2002) mapeou como a transmutao do

Estado patrimonial em Estado predador.

Por uma confluncia complexa de factores4, este sistema de dominao conheceu

uma profunda crise a partir de meados da dcada de 80. Antecedida por um programa

de liberalizao econmica, a abertura do regime culminou no abandono do sistema

de partido nico, na instaurao do multipartidarismo e na instituio formal e

constitucional do Estado de direito democrtico.

Inserido, naturalmente, numa dinmica de longa durao, este momento, descrito

pela historiografia oficial como transio democrtica, cedo se revelou

profundamente problemtico. De facto, as eleies de 1992 marcaram a transio

formal de Angola para o sistema multipartidrio. Todavia, elas foram realizadas num

contexto onde, para alm das ento irreconciliveis rivalidades e da

instrumentalizao de procedimentos democrticos para a conquista absolutista do

poder, se procedeu a um esvaziamento do movimento de liberalizao poltica5.

A contestao dos resultados eleitorais pela UNITA deitou definitivamente por terra

a esperana de dar vida transio e forneceu aos detentores do poder a justificao 3 Na realidade, uma das marcas mais significativas do desenvolvimento do Estado ps-colonial foi a prevalncia das relaes privatsticas e clientelares de interdependncia entre poder e elites (Chabal, 1994; 2002). Ver tambm, entre outros, Mdard, 1991; Birmingham, 2002, assim como os trabalhos de Messiant indicados na bibliografia. 4 Dos quais se destaca a situao militar do conflito civil, a grave crise socioeconmica do regime e a alterao dos interesses e do jogo de foras da comunidade internacional. 5 Para alm das referncias mencionadas, veja-se tambm, v.g., Messiant, 1992, 1994a, 1999a, 2002, 2004 e 2006; Mabeko-Tali, 1997; Vidal; Andrade, 2006.

para encetar o que uma quantidade significativa de autores classificou como uma

poltica de conteno democrtica. Este reacender da guerra, efemeramente

interrompida pelo protocolo de Lusaka, foi ainda marcado pelo novo mpeto dado

predao, impunidade e ao desenvolvimento de um Estado militar-policial (Messiant,

2006).

Em 2002, com a derrota da UNITA, Angola conhece finalmente a paz militar.

Desde ento, vrios progressos tm sido observados e esperanas foram depositadas

no desenrolar de esforos no sentido de institucionalizar e consolidar essa mesma

transio, assim como o prprio processo de democratizao. A organizao das

eleies legislativas em 2008 e presidenciais, previstas para 2009, constitui, neste

sentido, um momento de inegvel importncia para a dinmica de longa durao da

transio poltica e para a histria contempornea de Angola.

Todavia, os limites da abertura poltica e as fragilidades do modelo de

desenvolvimento adoptado permanecem como caractersticas estruturais de um

sistema de poder que se mantm hegemnico. Numa ptica crtica, os mltiplos

obstculos que o processo de democratizao tem enfrentado e claramente

assinalados pela literatura especializada , tm-se feito sentir a um tal ponto que

certos autores questionam a validade heurstica do emprego da expresso transio

poltica, preferindo, em seu detrimento, os significados veiculados pelas expresses

de reconverso ou de recomposio do poder. Estas expresses procuram

precisamente assinalar, terica e empiricamente, as dinmicas de continuidade e de

recomposio das formas de exerccio de poder e de governao de cariz autoritrio,

excludente e repressivo. Neste sentido, autores como Messiant (cf. 1992, 1994, 1994,

1995, 1999, 2002, 2004, 2006), Mabeko-Tali (1997; 2005), Birmingham (2002), Chabal

(1994, 2002), Vidal e Andrade (2006), Vidal (2007), entre outros, tm reflectido sobre a

reconfigurao do impulso hegemnico do partido no poder, no contexto formal do

multipartidarismo, enfatizando a forma pela qual o iderio democrtico pode, em

determinadas circunstncias e como Bayart (cf., 1989; 1997) salientou criticamente

, operar como recurso de legitimao do regime vigente.

Messiant (2006) identifica o vasto leque de mecanismos de perpetuao, ainda

que metamorfoseada, da hegemonia poltica do MPLA no ps-2002. A pletora dos

instrumentos de reproduo do poder , na realidade, significativa e sintomtica das

condicionantes do processo de democratizao angolano. Ela inclui, v.g., o controlo

partidrio do Estado e da Administrao Pblica, a captao massiva numa lgica de

privatizao de recursos nacionais, o controlo e a subalternizao do sistema judicial,

o cerceamento dos media, a poltica de neutralizao da sociedade civil com a

criao do que poderia ser compreendido atravs do conceito de sociedade civil

ntima do poder, i.e., a sociedade civil criada e mantida pelo poder, e com o

cerceamento das organizaes independentes , e um controlo acentuado do

processo eleitoral que conduziu realizao das eleies legislativas em Setembro de

2008.

Com a definio da interrogao fundadora e com a familiarizao para com o

percurso histrico e poltico de Angola, uma imagem conceptual comeou a ecoar na

procura de uma linha de anlise: a imagem do processo de autopoiesis que, numa

traduo literal do grego, significa auto-produo. E com esta imagem, a interrogao

fundadora desenvolveu-se numa outra questo que lhe era claramente congnere:

como se tem produzido o poder no contexto da histria poltica contempornea de

Angola?

Contingncia e Complexidade

A aplicao do conceito de autopoiesis s Cincias Sociais foi desenvolvido e

elaborado no mbito da teoria dos sistemas de sociais de Niklas Luhmann (1927-

1998). A sua obra uma vasta tentativa para reinterpretar os princpios de

organizao social em sociedades complexas e diferenciadas, o que lhe exigiu uma

reviso crtica do quadro conceptual e epistemolgico da sociologia6.

Luhmann foi uma figura polmica nos desenvolvimentos das Cincias Sociais,

especialmente da Sociologia, do sculo XX, tendo sido, inclusivamente, classificado

pelos seus crticos como um neopositivista conservador. Schmutz, por exemplo,

critica o que considera ser o neopositivismo de Luhmann, nomeadamente quando este

opera a substituio do funcionalismo clssico, baseado em esquemas causais, por

um funcionalismo de equivalncias que permitiria, aos olhos de Luhmann, reinterpretar

factos sociais e identidades como funes que se combinam numa srie de

possibilidades. Com isto, conclui Schmutz que pour la sociologie luhmannienne, le

monde apparat comme dsnchant, se rduisant une oprativit, une

communication et une rgulation purement techniques (1999: 9)7.

6 Luhmann procurou, na realidade, uma ruptura epistemolgica radical que passou pelo desenvolvimento de um paradigma de elevado grau de abstraco a ser aplicado ao estudo da multitude de subsistemas que forma a sociedade contempornea, desde a poltica e a economia at arte e ao amor. Sobre o conceito de autopoiesis, ver Maturana e Varela, 1997. 7 O mundo conceptual da teoria de Luhmann apresenta um grau mximo de abstraco em relao empiria, o que lhe permite postular a obsolescncia do conceito de sujeito. A proposta de Viskovatoff (1999) no sentido de entrecruzar a anlise dos sistemas sociais com a teoria do actor bastante pertinente. Para Moeller, por exemplo, Yes, social systems theory denies the human being a central role in society, but this is not because of a lack of respect for humans, their bodies, their feelings, their rights, and their values. It is rather because of the insight that the human being is, in reality, such a complex assemblage that it cannot be adequately understood in terms of a single concept. Human reality is too

Todavia, se numa primeira leitura existe, de facto, uma tendncia para

identificar no seu pensamento essa qualidade positivista, numa segunda leitura torna-

se bastante claro que, na realidade, Luhmann rompe esta tradio (cf. Luhmann, 2000;

Luhmann, Hayles, Rash, Knodt & Wolfe, 2000; Rash e Wolfe, 2002). Como nos

explicam Bettencourt e Curto, Luhmann abandona o conceito tradicional de funo

como invarincia entre causas especficas, sendo a noo reelaborada em termos

no causais. O objectivo desta postura epistemolgica no a explicao das

relaes necessrias ou provveis entre causas e efeitos, mas a determinao das

relaes de equivalncia funcional entre vrias causas possveis com vista a um efeito

problemtico. Assim, o significado na anlise funcional est na pesquisa comparada

que relaciona entre si vrias causas possveis de um mesmo efeito ou vrios efeitos

possveis de uma mesma causa, descobrindo novas possibilidades na relao entre

fenmenos sociais e tratando causas e efeitos como simples variveis intermutveis, e

no como estruturas ontolgicas (1991: vii-viii, sublinhado nosso)8.

Subjacente abordagem de Luhmann est, pois, o mtodo comparativo. Na

realidade, o que Luhmann procura tornar inteligvel o mundo social como horizonte

de possibilidade, descrevendo os processos pelos quais algumas possibilidades se

convertem em normalidades. Partindo do pressuposto da complexidade do mundo

social, o que significa que este caracterizado por uma multitude de sistemas,

Luhmann postula precisamente que a inteligibilidade deste passa, ento, pela

construo de formaes sistmicas que do conta das relaes (ou comunicaes

na sua terminologia), entre fenmenos e eventos no seio de um mundo complexo que

os organiza e lhes atribui funo. A consequncia desta postura a mudana de

perspectiva do ponto de vista da teoria do conhecimento: trata-se de deixar de pensar

em termos de relao unvoca entre mundo e sistema, de abandonar o esquema

vertical da relao entre expresso e representao, e problematizar a complexidade

como efeito das relaes contingentes entre ambos.

Distanciando-se de Schmutz, Rasch (2000; 2002) e Eva Knodt (1995)

consideram Luhmann como um terico da modernidade que, critica e pertinentemente,

complex to be subsumed under the single heading of human being. Luhmanns theory should be read (...) not as a denial of human experience, but as an attempt to sort out and do justice to the extreme multiplicity, or to put it more dramatically, the existential division of such experiences. In a certain sense, the project of modernity can be described as the attempt to reunite the Cartesian subject that was split into mind and body with the help of an overarching humanism. Luhmann gives up his attempt and rather tries to grant all the different dimensions of bodily life, of conscious experience, of communicative practice their own right of existence. Luhmann is neither a monist nor a dualist, he is a thinker of multiplicity and difference and in this respect he is more postmodern than modern. (...) Present systems are not the end of human beings and not the end of history; they are temporary and transitory forms of life, consciousness, and communication (2006: ix x). Ver tambm a reflexo de Rasch (2000, 2002) e Knodt (1995) a este propsito. 8 esta preocupao comparativa que inspira, igualmente, a realizao deste trabalho, nomeadamente ao procurar comparar as formas de produo do poder em distintos cenrios poltico-ideolgicos.

se aproxima das abordagens ps-modernas aos fenmenos sociais, ao aceitar a

obsolescncia das metanarrativas obsolescncia esta que se manifesta, na sua

perspectiva, no reconhecimento pleno da incapacidade da condio moderna ocupar o

lugar tradicionalmente reservado viso do olho-de-Deus9.

De facto, para Luhmann, a modernidade define-se pela dissoluo da razo

transcendente e pela existncia de um mundo sem centro, onde proliferam vises

rivais. A modernidade , assim, o nome do mundo da contingncia. Sublinhe-se que,

para Luhmann, contingncia in no way means chance, uncertainty, will or arbitrary

choice in experience and action. Contingncia conduz, antes de tudo, realizao de

uma escolha, de uma seleco e ambas mean increasing dependence on conditions

and limitations. For the same reasons, increase in power also lead to problems in

theory, in organization and techniques of decision-making and thus more conditions

can be raised, more limitations built up and more reflection demanded (1979: 160)10.

A sua radical aceitao de um mundo sem centro distancia Luhmann de

Habermas (cf. 1997; 2002). Em Habermas, v.g., encontra-se a procura de uma base

normativa para a vida social, consubstanciada na ideia de consenso. Rasch (2000),

por exemplo, referindo-se precisamente a Habermas, pergunta se tal procura no

corresponder procura de uma forma de transcender a ansiedade provocada por um

mundo sem centro. Argumenta, tal como Luhmann, que o produto final de Habermas

a univocalidade (consenso), pela qual se busca reconstruir um conceito de totalidade.

Assim, ao contrrio do projecto das Luzes que acomodava a primazia dada aco

dos sujeitos, unidos pela fico do contracto, ou sua interaco subjectiva, dado o

pressuposto da disposio para comunicar, e que ecoa na longa tradio que vai de

Kant a Habermas, Luhmann centra-se na maneira pela qual toda a identidade

subjectiva se encontra construda por diferentes funes e relaes no seio do sistema

global da sociedade. Para ele, h, pois, que questionar o antropomorfismo que tem

caracterizado a teoria do conhecimento, ao postular um lao entre sujeito e objecto,

como tambm o prprio conceito de racionalidade (v.g., razo como abstraco

9 Expresso de Hillary Putnam que traduz a esperana platnica de ascender a um ponto de vista a partir do qual se podem ver as inter-relaes entre todas as coisas (Rorty, 1991: 28). Tambm Rasch considera que it is the peculiar goal of the western philosophical tradition (...) to attain a global, rational understanding of the cosmos (...). The aim of this knowledge is to be total and valid for all times, and the ability to attain this knowledge depends upon the use of unblemished reason. Reason, it is said, raises us above partially above both historical and cultural limitation and the occluded vision that comes with interest to afford us a comprehension of the whole (2002: 1). 10 O que aproxima Luhmann dos contributos relativos ao novo institucionalismo, baseados mormente nos conceitos de path dependency e contingncia estruturada. O conceito de contingncia estruturada, por exemplo, sublinha como precedentes estruturais moldam em parte eventos actuais e, por outro lado, como decises privadas do presente podem modificar mesmo instituies pblicas durveis. () permite compreender como as pessoas podem fazer a sua prpria histria, mesmo sob condies que no escolheram (Bratton e Van de Walle, 2002: 45). O conceito deriva de Terry Lynn Karl (1990). Para mais detalhes sobre a sinergia conceptual aqui assinalada ver, v.g., Viskovatoff (1999), Quantin (2004), assim como Bratton e Van de Walle (2002).

transcendente) o que , como se ver, demonstrativo do construtivismo que

Luhmann perfilha.

Significa isto tambm questionar a teoria poltica e os postulados clssicos

sobre o lao entre cidado e instituio. De facto, o problema central, aos olhos de

Luhmann, no deriva unicamente da concepo tradicional de legitimidade ancorada

no direito e no legalismo. Nem to pouco reside na participao activa dos cidados

que se pode revelar como ilusria (Luhmann, 1999; 2006b). Para ele, o problema

central o da regulao da complexidade social, sobretudo ao nvel dos

procedimentos decisrios, polticos e administrativos que considera ser, em grande

parte, no democrticos. Aos seus olhos, sous letiquette de lgitimit, on ne trouve

finalement gure plus que la popularit des gouvernements et la rhtorique politique.

Le choix du terme de lgitimation devrait ds alors pas conduire forger des images

illusoires: il ne sapplique aujourdhui strictemet rien de plus quaux problmes de

pronostic et aux problmes pratico-rhtoriques de la rlection ou de la non-rlection

des gouvernements (Luhmann, 1999: 149).

Retomando: o ponto de partida da sua abordagem s sociedades

contemporneas reside, pois, na fundamental noo de contingncia, qual se

associa a ideia de complexidade (Rash; Wolfe, 2002). Com esta ltima, Luhmann

argumenta que a sociedade moderna e a sua modalidade de organizao no se

deixam capturar por nenhum ponto de vista arquemediano. As consequncias deste

pluralismo inescapvel no mundo contemporneo conduzem obviamente crtica da

noo renascentista de razo una e universal. De facto, na viso luhmanniana, cada

mundo (v.g. cada sistema social) desenvolve a sua razo: if the modern world is a

differentiated world, then, too, modern reason is a differentiated reason, distinguishing

itself from itself, dividing itself into system-specific and function-specific rationalities.

Accordingly, modern reason is precisely that modern and can no longer lay claim to

a position from which it might serve as the means of transcending modernity (Rasch,

2000: 12) 11.

Contingncia e complexidade. Estes so, na realidade, os pilares do

construtivismo radical que Luhmann adopta. De carcter assumidamente funcional, o

seu construtivismo encara cada situao como sendo contingente e construda

(Luhmann, 2006). Citando Schmutz, ce constructivisme signifie quil ne rest plus un 11 Nesta ptica, the dillemma of modernity dictates that no matter what instrument we call upon, whether mathematics, symbolic logic, or natural language (...), the observing eye must remain blind to itself. No epistemological privileged centre or margin, no transcendental ground or transcendental watchtower, no transparent meta-language, metanarrative, or metasystem can possibly encompass or compose the unity of the restlessly self-replicating and expanding internal differentiation of () modernity. Modernity, therefore, remains ultimately inaccessible to itself, or rather, gains descriptions that can make no claim to absolute validity, because each description must reckon with the possibility that it, too, could be otherwise that it is (Rasch, 2000: 23).

seule principe de droit qui anticiperait sur la manire dont une observation sapplique

des faits. Il sensuit que la connaissance ne peut pas tre une reprsentation de quoi

que ce soi, mais seulement (...) la production dune diffrence entre un systme qui

constitue sa propre realit de second ordre partir duquel son environnement pourra

tre observ. Les anciens rapports rflexifs sont ainsi vacus au profit dune vision en

terms de rapport permanents entre systme et environnement. Un systme se dfinit

alors comme une identit qui se maintient dans un environnement complexe et

changeant par la stabilisation dune difference mouvante entre intrieur et xterieur,

connu et inconnu, et il deviant par l meme constitutive de sens (1999: 21-22,

sublinhado nosso).

Encontramos aqui o cerne da viso construtivista de Luhmann, em que a

identidade, v.g., de um sistema, possui uma natureza marcada e inescapavelmente

processual, sendo produto de uma contnua actividade de diferenciao entre este e o

seu ambiente. Diz-nos Luhmann: Self-reference can be realized in the actual

operations of a system only when a self (...) can be identified by itself and set off as

different from others. Systems must cope with the difference between identity and

difference when they reproduce themselves as self-referential systems; in other words,

reproduction is the management of this difference. () Systems are oriented by their

environment not just occasionally and adaptively, but structurally and they cannot exist

without an environment. They constitute and maintain themselves by creating and

maintaining a difference from the environment, and they use their boundaries to

regulate this difference. Without difference from an environment, there would not even

be a self-reference (1995: 10/ 16-17)12.

Com a abordagem construtivista, Luhmann afasta definitivamente a sua teoria

dos sistemas sociais das perspectivas positivistas clssicas e da sua proclividade em

naturalizar a vida social como se esta fosse organizada ao redor de essncias

invariantes. Tambm Moeller procura esclarecer o construtivismo luhmanniano,

argumentando que If one conceives the world on the basis of notions of causation

and deliberate design, then production is likely to be conceived as a result of an

external producer, be it a demiurge (as in Platos Timaios), a first mover (as with

Aristotle), or a Creator God (as in Christianity). System theory diverges from such

classical models and replaces the notion of external agency or input with the notion of

12 Num outro texto esclarece, We do not ask what something identical is, but how something is generated that, as identical, grounds observation. With this, the concept of identity shifts in the direction that today is designated as constructivist. () Finally, in the concept of autopoietic systems, the concept of identity designates only the form that secures the continuing of the sequence of operations in a system; to be exact, it secures them through the distinction identical/nonidentical (Luhmann, 2002: 120).

self-construction. Reality is no longer a created one () but a constructivist

complexity (2006: 13).

Sistema

Abordar a contingncia e a complexidade do mundo social significou, para

Luhmann, o desenvolvimento da sua teoria dos sistemas sociais13.

A anlise aqui desenvolvida decorre de uma leitura crtica desta teoria14.

Embora foquem essencialmente aquilo a que o autor denomina de sociedades

funcionalmente diferenciadas15, as propostas tericas de Luhmann apresentam um

rigor conceptual mpar para descrever e compreender os processos de produo e

actualizao do poder nas sociedades contemporneas. Elas tornam-se ainda mais

pertinentes quando permitem an analysis of the ways in which a given political system

might fail to reflect the plurality of societal differences around it. Indeed, it also shows

how a political system might fall behind or even obstruct the democratic conditions

(King; Thornhill, 2005: 70). Por esta razo tambm, o recurso teoria dos sistemas

sociais permitiu desenvolver uma espcie de pedagogia do raciocnio por

contraposio, a qual conduziu e disciplinou o confronto comparativo entre o

pensamento de Luhmann e uma realidade emprica que, em tantos aspectos se

distancia do objecto de Luhmann, e que, noutras dimenses, ganha em inteligibilidade

com os insights proporcionados pela abordagem sistmica.

Segue-se uma breve e inevitavelmente incompleta problematizao do trabalho de

Niklas Luhmann.

Um dos conceitos centrais de Luhmann o de sistema social. Ao contrrio do que

normalmente concebido por sistema estrutura relativamente rgida e mecanizada

, Luhmann conceptualiza-o como conexo dotada de sentido de aces que se

referem umas s outras e que so delimitveis no confronto com um ambiente

(Bettencourt; Curto, 1991: VIII).

Neste sentido, a noo de sistema passa a ser ancorada, no numa estrutura

essencialista, mas em processos de interaco social: um dado sistema seja a

13 Profundamente interdisciplinar, o quadro epistemolgico de Luhmann construdo a partir de fontes diversas que incluem a ciberntica, as cincias cognitivas, as teorias de informao e comunicao, a teoria dos sistemas e os contributos de Heinz von Foerster, a teoria da lgica das formas de George Spencer Brown, a problemtica sobre metodologia de Edgar Morin e a neurogentica de Humberto Maturana e Francisco Varela. 14 Tendo-se dado particular realce sua abordagem aos sistemas poltico, legal e econmico. 15 Para Luhmann, todays world society is dominated by functional differentiation, that is, by the dividing lines between different function systems, namely the economy, politics, the education system, and so forth (Moeller, 2006: 220).

poltica, seja a economia, seja a famlia, seja a religio, etc. encontra-se sempre num

e em relao a um ambiente, composto por outros sistemas sociais. Assim, por

exemplo, um sistema poltico existe sempre num contexto de existncia concreto que

o obriga a recompor-se e a actualizar-se em permanncia por relao ao seu

ambiente, esteja ele marcado pela inflao da economia, pelo progresso cientfico,

pela contestao social, etc. Neste enquadramento, o sistema delimitvel quando

detentor de uma identidade que, simultaneamente, resulta da e produz a sua

diferenciao relativamente ao seu contexto de existncia (Luhmann, 1995). Porque

se insere na abordagem construtivista, a teoria dos sistemas sociais parte claramente

do princpio da diferena e no da unidade ou da mesmidade com que o senso-

comum descreve a noo de sistema.

No seio da abordagem construtivista, considera-se que cada sistema produz-se

a si mesmo e, dessa forma, produz a sua prpria realidade. O mundo deixa de ser

uma unidade e a realidade no um todo de vrias partes; uma variedade de

realidades sistmicas auto-produzidas, em que cada uma forma o ambiente da outra.

Por conseguinte, cada sistema tem a sua verso do mundo especfica, mas consegue

observar que existem no seu meio outros sistemas com distintas vises que no

podem ser reunidas num todo16. No existe, pois, um mundo absolutamente comum,

pois a realidade , em cada instncia, o efeito individual da autopoiesis de um

sistema. Como eloquentemente Moeller nos diz: Reality is transformed from created

oneness to constructed difference (2006: 14).

Como se processa, pois, o assegurar da identidade do sistema, isto , o

garantir a sua diferenciao relativamente complexidade do seu ambiente?

Luhmann argumenta que os sistemas complexos como os que caracterizam as

sociedades contemporneas so incapazes de captar completamente a sua prpria

complexidade e criar uma representao total e cabal de si prprios. De facto,

Complexity (...) is seen as an observers inability to define completely all these

elements connections and interactions (Rasch, 2000: 47).

Mas a viabilidade do sistema depende, como mencionado, de uma identidade

que lhe seja prpria. Esta questo da identidade assume, assim, claramente, uma

natureza auto-referencial que permite a diferenciao do sistema em relao ao meio

e que possibilita ao sistema orientar e dirigir as suas operaes17.

Na medida em que a complexidade se afigura incomensurvel e indomvel, o

sistema deve encetar quer a observao do seu ambiente, quer uma auto-observao.

16 Luhmann (1995) fala a este propsito de uma situao de policontexturalidade. 17 Relembre-se a observao de Luhmann, atrs citada, sobre a natureza auto-referencial dos sistemas sociais e que consiste na produo e manuteno da diferena entre sistema e ambiente.

Ambas constituem tentativas contingentes para se adquirir informao quer sobre o

meio, quer sobre si prprio18. E ambas so realizadas mediante o emprego de

esquemas diferenciais (v.g., que procuram identificar e traar a diferena entre sistema

e ambiente); o mesmo dizer, auto-referencialmente (cf. Luhmann, 1995; 2002; Rash,

Wolfe, 2002).

A observao, por seu turno, implica a seleco e a tematizao da

complexidade, para que esta se torne manejvel. Isto significa que estas operaes

de seleco e de tematizao constituem estratgias de reduo da complexidade

que produzem descries do ambiente e auto-descries, as quais so elas mesmas

simplificaes19. A natureza auto-referencial da observao abordada novamente

por Rasch da seguinte forma: On a higher level of abstraction, observation can be

seen as a moment of self-observation through constitutive selection, and not a God-like

act of creation by an outside observer. The elements of a system are not ontic

substances, but arise as elements of the system, only when that system selects them

to be its elements, its ultimate, constitutive, non decomposable units. () Systems

constitute themselves by constituting the elements that constitute them, that is, by

selecting them, forming them as elements in the act of distinguishing them from a

background (2000: 26-47).

Quando o sistema e o seu ambiente se tornam mais complexos, tudo o que

tem que ser seleccionado, tematizado, elaborado e comunicado ser objecto de uma

escolha entre muitas possibilidades. Esta escolha uma seleco de alternativas de

actuao baseada em critrios (Luhmann, 1995). Para os sistemas sociais, tais

critrios so consubstanciados no conceito de sentido (Sinn), o qual necessita do

suporte de normas, valores, metas, isto , de uma ordem de preferncias formada por

critrios de sentido. Moeller utiliza metaforicamente a este respeito a imagem de um

navio: This is similar to a ship that finds its position and direction by locating itself

within the horizon of the sea. Of course, this horizon continuously changes. Through its 18 Por razes de economia de texto, no naturalmente possvel escalpelizar pormenorizadamente a teoria de Luhmann. Por isso, refira-se apenas que neste momento do texto se faz meno a duas questes tericas: a questo relativa dupla contingncia e que marca a comunicao entre sistema e ambiente e a questo da observao de primeira ordem e da observao de segunda ordem. De um modo sumrio, mas esclarecedor, veja-se Moeller: First-order observation can simply observe something and, on the basis of this, establish that things factuality: I see that this book is black thus the book is black. Second-order observation observes how the eye of an observer constructs the colour of this book as black. Thus, the simple is of the expression the book is black becomes more complex it is not black in itself but as seen by the eye of its observer. () A prime example () is the relation between politics and the mass media. () This public opinion is a mass media observation that observes the observation of politics. Public opinion might, for instance, agree or disagree to a certain extent with the observations of the government. In turn, the government has to continuously observe how it is observed by the mass media. Political communication observes not only simply facts, but also how fact are observed (2006: 72/76). 19 Para Luhmann, The reduction of complexity that lies in observing only one observer and having only to designate and distinguish this one is the condition of possibility for an increase in the complexity of possibilities of observation (2002: 115).

motion, the ship continuously relocates itself within a horizon and has the horizon

change with it. The horizon the ships environment is a direct product of the ships

own operations, of its movements. () A ship relocates itself within its horizons but

thereby realizes that it can move. The ship is not bound only by its actual location; its

horizon is a horizon of possibilities. It could also be elsewhere. Sense making is this

interplay between the actual and the possible. What we think makes sense within a

horizon of possibilities (2006: 66-67).

A seleco de um elemento significa, por seu turno, uma excluso de

possibilidades. E cada seleco contingente. Por isso, meaning () is not an

image or model of complexity used by conscious or social systems, but simply a new

and powerful form of coping with complexity under the unavoidable condition of

enforced selectivity (...). Since, however, enforced selectivity is the hallmark of

complexity itself, meaning is nothing but complexity choosing or referring to itself

(Rasch, 2000: 52, sublinhado nosso). E, assim, forando seleco, a observao cria

informao de que o sistema necessita para se recompor e se produzir a si mesmo em

ambientes complexos e mutveis.

A possibilidade de realizar a observao e de sustentar a sua diferena

relativamente ao seu ambiente, implica que o sistema deve ser, simultaneamente,

fechado e aberto: fechado no domnio da sua auto-referencialidade e aberto do

ponto de vista da informao que oriunda do seu ambiente. O fechamento e a

abertura no devem ser, por isso, compreendidos como oposio entre diferentes

tipos de sistema, mas sim como formas de regular a relao entre sistema e ambiente

para que a diferenciao entre os dois seja produzida: elles sont prendre dans une

relation daugmentation. Vu de cette manire, il sera intressant de considrer les

conditions sous lesquelles une fermeture plus forte pourrait apporter une ouverture

plus large (Luhmann, 1999: 113). No sistema poltico, por exemplo, encontra-se,

assim, le paradoxe de la fermeture comme condition de louverture, de

lautorfrence permanent comme condition de la sensibilit lgard des informations

issues de lenvironnement du systme (Luhmann, 1999: 115). Luhmann concretiza

esta observao sobre o sistema poltico, argumentando tambm que un plus grand

nombre dinformations implique un plus grand dsordre interne, plus de problmes

dans la reproduction dun ordre partir dordre et de dsordre, et par consquent un

plus grand besoin de dcisions et une prise en compte plus forte de tous les

mcanismes classiques qui devraient assurer une combinaison de souverainet, de

contrainte et de lgitimation. (1999: 133-134).

A produo do sistema

Autopoiesis deriva do grego e significa auto-produo ou auto-criao.

Formulada inicialmente no mbito da biologia por Francisco Varela e Humberto

Maturana (cf., 1997), a teoria dos sistemas autopoiticos tem como conceito central a

autopoiesis dos organismos vivos20.

A tese central que um sistema autopoitico ser aquele capaz de utilizar o

seu ambiente para, atravs dos elementos da sua estrutura, se produzir a si mesmo21.

Ao aplicar a teoria dos sistemas autopoiticos aos sistemas sociais, Luhmann procede

a uma conceptualizao especfica destes ltimos como sendo definidos

estruturalmente, na medida em que orient each reproduction of their own operations,

whatever the external causes may be, on their own structures. (...) (they) create

differentiations through the realization of their own operations; create boundaries,

accumulate their own history (...), and with all this define their own environment

(Luhmann, 1994: 373).

Luhmann introduz o conceito de autopoiesis do sistema para explicar a lgica

auto-referencial do seu funcionamento interno. Autopoiesis visa, assim, explicar a

maneira pela qual um sistema se auto-re-produz de maneira recorrente, sendo a

invariante fundamental a sua prpria organizao. Autopoiesis consiste no facto do

sistema diferenciar-se e definir as suas prprias fronteiras e no facto de produzir e

reproduzir os seus prprios elementos a partir de si prprio. Designa tambm a

realizao do sistema face ao ambiente e assinala a forma como a reduo da

ameaadora complexidade do ambiente corresponde a um aumento de complexidade

interna do sistema.

Isto no significa, contudo, que a (auto)produo do sistema realizada por

meio de uma mera adaptao ou cedncia por parte do sistema. Os processos de

recomposio, derivados da observao e tematizao da complexidade, so sempre

realizados reflexivamente, isto , so mediados e filtrados por estruturas de sentido 20 A ideia de autopoiesis est longe de ser uma ideia inovadora. Diversas filosofias e cosmologias abordaram e elaboraram esta ideia de auto-produo e de auto-organizao, como o foi o caso do Daosmo, antiga filosofia chinesa. Para mais detalhes, consultar Moeller (2006). 21 Distingue-se do sistema alopoitico, na medida em que a alopoiese o processo pelo qual uma dada organizao produz algo diferente de si mesma. O exemplo comum deste ltimo processo o de uma linha fabril de montagem: o produto final distingue-se e independente dos elementos que compem a linha de montagem e no contribui para a reproduo desta. Ao contrrio, um sistema autopoitico frequentemente ilustrado pela imagem e funcionamento de uma clula.

prprias do sistema que interpretam e traduzem as modificaes e as demandas do

seu ambiente em funo da sua prpria viabilidade (cf. Luhmann, 1982, 1994, 1995;

2002). Por outras palavras: o ambiente, atravs das suas alteraes, das suas

presses, das suas contradies e demandas, capaz de desencadear processos de

mudana no sistema, mas o contedo e a direco desses processos so mormente

determinados pelo prprio sistema por forma a garantir a sua (re)produo e

viabilidade.

A ideia principal , assim, que o ambiente pode desencadear processos de

mudana e adaptao no sistema, mas o contedo e a direco desses processos no

depende do exterior, mas sim da prpria estrutura e organizao do sistema.

operao pela qual um sistema social traduz as alteraes no seu ambiente em funo

da sua auto-reproduo, Luhmann d o nome de comunicao. Neste sentido, a

comunicao estabelecida entre um sistema social e o seu ambiente o mecanismo

central da autopoiesis22. O sistema , assim, capaz de garantir a sua viabilidade,

actualizando e complexificando a sua estrutura, o que refora a sua capacidade de

auto-produo em ambientes dinmicos e mutveis.

A autopoiesis dos sistemas sociais , ento, orientada para a (re)produo da sua

estrutura fundamental. Todavia, tal mecanismo no implica nem a perenidade dos

sistemas, nem a sua imutabilidade, pois Une autodescription laide de

simplifications slectives et la thorie de ltat est un example prototypique conduit

ncessairement une reproduction dviante, et la reproduction dviante est le

processus qui dans ses effects structurels peut tre dcrit comme une evolution. Cela

permet de souligner une fois de plus quel point il est absurde dimputer la thorie

des systmes des tendances conservatrices; elle dmontre au contraire quune

reproduction exacte ne serait quun programme illusoire (Luhmann, 1999: 138-139,

sublinhado nosso).

Quando a modificao do ambiente de um sistema social de tal forma radical que

no pode ser processada segundo a estrutura desse sistema, ele entra em ruptura.

Por outro lado, a transformao do ambiente exige que o sistema, mantendo a sua

estrutura fundamental, incorpore em si novos elementos, novas informaes.

Tomemos, como exemplo, o mundo jurdico. Para Luhmann (cf.,1982, 1993, 1995,

entre outros), a tradio da jurisprudncia lida com problemas legais definidos de

acordo com a validade das normas estabelecidas, as quais indicam o que certo, i.e.,

legal, e o que errado, i.e., ilegal. Do ponto de vista da funo, estas normas

22 According to Luhmanns social theory, modern societies are differentiated into functional subsystems, each of which has its own specialized communication medium that determines the way it interacts with its environment (Viskovatoff, 1999: 12).

estabilizam as expectativas, mesmo quando a conduta inesperada. Assim, quando

as normas so violadas, na ptica do sistema legal, no a expectativa sobre o que

certo e o que errado que est mal, mas sim a conduta. Mas isto no fim do

processo.

O problema que se coloca que a generalizao das expectativas socialmente

aceites um processo contnuo, constantemente questionado e reelaborado e, por

isso, deve ser alvo de uma complexificao e actualizao reflexiva. Isto significa que

deve procurar abranger o maior nmero possvel de situaes, variveis e

imponderveis. S nestas condies emerge um sistema legal que caracterizado

pela constncia da grelha interpretativa que utiliza (certo/errado) em face de todas as

possveis reformulaes de normas e procedimentos. S ento, o sistema se auto-

desenvolve, se auto-corrige, se auto-complexifica (direito criminal; direito comercial;

direito familiar, etc.), desenvolvendo novas distines, ou seja diferenciando-se, a

partir daquela grelha bsica, i.e., a partir da sua estrutura fundamental.

Com este exemplo do sistema legal, facilmente se verifica que a autopoiesis de

um sistema no deve traduzir uma imagem esttica da realidade social. Pelo contrrio,

a sua fora motriz a contradio e o dinamismo da vida social. Referindo-se s

contradies como conflitos entre as pretenses de um dado sistema e a baixa

probabilidade da sua aceitao por outro sistema, que desestabilizam as expectativas,

assim como a prpria produo sistmica, Luhmann chama ateno para o seu valor

positivo. Na sua ptica, one must guard itself against the widespread error of thinking

that destabilization as such is dysfunctional. Instead, complex systems require a high

degree of instability to enable on-going reaction to themselves and their environment,

and they must continually reproduce this instability for example, in the form of prices

that constantly change, laws that can be questioned and changed (). One constantly

renew the security of ones expectations by scanning everything that happens to

acquire information relating to the continuation or change of expectational structures

(1995: 367)23. E conclui lapidarmente: the system does not immunize itself against the

no but with the help of the no; it does not protect itself against rigidifying into repeated,

but no longer environmentally adequate, patterns of behaviour (1995: 371-372).

23 Por exemplo, Equally secure is the insecurity of a governments standing: one needs to read the newspapers to watch reputations rise and fall, and only one thing is self-evident: that this is not a quantity settled once and for all, independent of events (Luhmann, 1995: 367).

Sistema poltico e democracia

Rejeitando velhos aforismos pelos quais a democracia descrita como a

soberania do povo, Luhmann caracteriza-a, antes de tudo, por uma notvel abertura a

possibilidades futuras e prope defini-la par la scission du sommet, savoir la

scission du sommet du systme politique perdiffrenci par la disctinction entre

gouvernment et opposition (1999: 165). Nesta perspectiva, define como cdigo do

sistema poltico a distino governo-oposio, a qual deve assegurar uma certa

impotncia do poder dominante, bem como um certo grau de poder para o poder

dominado. Nas suas palavras, Gouvernment et opposition dependant lun de lautre et

forment un code par la facilit avec laquelle les places peuvent tre changes ().

Avec ce concept binaire de dmocratie, on pourrait galement conserver et developer

une partie de ce qui a t dsign sous le terme de participation. Cela veut en

particulier pour la representation organise des interest (1999: 162)24.

A importncia desta ciso est no facto de, nessas condies, ser negada ao

detentor do poder a ambio totalitria de representar o todo. De facto, com esta

diferenciao de poder, abandona-se a pretenso de dar, v.g., ao poder

governamental a autoridade nica da nica opinio justa25. O real ganho estrutural da

diferenciao do sistema poltico reside precisamente na fragilizao de impulsos

totalitrios e numa renovada sensibilidade para com o seu ambiente: La

democratisation de la formation de la volont politique et linclusion active et passive

de lensemble de la population dans le systme politique ont conduit passer dun

empchement des deviances un renforcement des deviances ou encore dun

feedback negative un feedback positif. Ltat dmocratique soriente daprs les

besoins de la population et sefforce damliorer leur satisfaction par

linstitutionnalisation de la concurrence pour laccs au pouvoir (Luhmann, 1999:

131)26.

24 Embora desde logo, Luhmann faa questo em assinalar os riscos deste sistema, nomeadamente aqueles que decorrem de uma representao corporativista de interesses. Argumentando que quando uma dada sociedade organizada hierarquicamente, segundo o princpio da estratificao, a ciso da cpula tende a ser inconcebvel, pois a ela estariam associadas experincias negativas de guerra civil, desordem, etc., Luhmann explica que apenas a partir do momento em que a sociedade se comeou a estruturar funcional e horizontalmente, que se tornou possvel a ciso da cpula. 25 Pelo contrrio, a diferenciao interna do sistema poltico permite o desenvolvimento de uma opinio pblica que tanto pode ser favorvel ao governo, como oposio. Todavia, no se deve mistificar o peso desta opinio pblica como uma espcie de nova soberania. 26 Seria de grande interesse em reflectir sobre a anlise de Luhmann acerca das possibilidades de integrao total que animam os sistemas sociais e acerca da dinmica de excluso social. Por razes de

A especificidade do sistema poltico reside na produo de decises

colectivamente vinculativas que atravessam as suas fronteiras e que afectam outros

sistemas. Tais decises so despoletadas pelo ambiente que coloca ao sistema

determinadas questes ou problemas. Para ser eficaz, implementada, concretizada, a

deciso produzida pelo sistema poltico, v.g., a escolha por uma determinada via

actuao em detrimento de outras possibilidades, deve ser comunicada e aceite pela

sociedade, isto , pelos sistemas sociais por ela afectados. A viabilidade ou na

linguagem luhmanniana a (re)produo , do sistema encontra-se precisamente neste

ponto: na capacidade de comunicar as suas decises e de produzir a sua aceitao27.

Todavia, a deciso que comunicada pode ser rejeitada. O sistema deve,

assim, potenciar a aceitao das suas comunicaes e f-lo atravs do que Luhmann

designa por meios de comunicao simbolicamente generalizados28, isto , smbolos

e dispositivos semnticos que dirigem o processo de comunicao de um sistema e

que tm como objectivo neutralizar a recusa de uma comunicao e potenciar a sua

aceitao mesmo, ou sobretudo, nos casos em qual parea ser improvvel.

A realizao desta auto-produo complexificada e actualizada do sistema

passa, pois, pelo que Luhmann designa de meios de comunicao simbolicamente

generalizados. Estes so concebidos como cdigos de smbolos que vo modular os

processos de comunicao (i.e., de relao) entre sistema e ambiente. Isto significa

que eles ocupam-se de problemas que so socialmente relevantes e que so eles que

regulam as combinaes possveis. Para Luhmann, Quando se fala de meios de

comunicao simbolicamente generalizados, est-se a referir de um modo geral os

dispositivos semnticos que por si s proporcionam, apesar de tudo, o sucesso s

comunicaes improvveis. Proporcionar sucesso significa estar disposto a admitir o

incremento da comunicao (...). por isso importante que se franqueie o limiar desta

improbabilidade (...), uma vez que os sistemas sociais s se tornam realidade atravs

da comunicao. As improbabilidades marcam, por outras palavras, limiares de

inibio (...). Caso se possa protelar tais iniciativas, aumentaro sobretudo as

possibilidades de constituio de um sistema no seio da sociedade bem como o

nmero de temas capazes de provocar a comunicao, crescendo internamente o

economia do texto, remete-se a leitura para Beyond Barbarism, texto de Luhmann includo em Moeller (2006). 27 por esta razo que, como observado, Luhmann considera que o mecanismo central da autopoiesis dos sistemas sociais a comunicao. Esta consiste numa sntese de trs operaes: seleco da informao; seleco da mensagem, seleco da compreenso da mensagem. Para mais detalhes, ver Luhmann (1995; 2002). 28 Conceito inspirado em Talcott Parsons. Verdade, dinheiro e poder so os meios de comunicao simbolicamente generalizados dos sistemas da cincia, da economia e do sistema poltico, respectivamente.

grau de liberdade de comunicao e externamente a capacidade de adaptao do

sistema (1991: 19).

Por outro lado, estes meios de comunicao no podem ser restringidos e

isolados em sistemas parciais: tal como a verdade no diz apenas respeito cincia, o

poder no tem apenas um papel na poltica, pois Power is a universal factor for

societal existence, rooted in the world of living experience (Luhmann: 1979: 167)29.

Poder o meio de comunicao simbolicamente generalizado do sistema poltico.

Logo, nesta arquitectura terica, o poder deixa de ser concebido meramente como um

bem que se possui e passa a ser conceptualizado, primordialmente, e numa ptica

profundamente relacional, como a capacidade de transmitir decises vinculativas e de

potenciar a sua aceitao.

Existindo num ambiente complexo, a viabilidade do sistema poltico exige a

este um modo auto-referencial de operao. Luhmann esclarece: la politique volue

dans un environnement turbulent, et cest porquoi elle peut seulement oprer comme

un systme ferm, et je dirais mme volontiers: comme un systme autopoitique qui

doit se coder et se programmer soi-mme en function de la contingence. Linvention

structurelle qui y correspond a alors acquis pour des raisons relevant du simple hasard

historique de nom de dmocratie (1999: 169-170). Esta auto-referencialidade,

ancorada como observado numa dupla dinmica de fechamento e abertura

relativamente ao ambiente, condio desta produo sistmica.

Do ponto de vista ideal de uma sociedade funcionalmente diferenciada,

Luhmann apresenta a seguinte caracterizao do sistema poltico: Le systme

politique peut alors tre compris comme un systme autopoitique et autorgulateur

dexercise du pouvoir, dans lequel tout pouvoir est exerc sur du pouvoir et est lui-

mme soumis lexercise du pouvoir: il sagit donc dun systme cltur

rcursivement, et donc symtrique et non hirarchique, qui rend la communication

possible au moyen du code communicationnel quest le pouvoir et qui ne peut exclure

aucune exercise du pouvoir. Lautodescription de ce systme sous la forme dtat lui

permet en mme temps de sorienter par rapport un ordre hirarchique qui confre

une force juridique aux effects constraignants de toutes les dcisions politiques. On

sait que le simple fait de rendre quelque chose obligatoire ne suffit pas le justifier du 29 Estes cdigos esto longe de ser estticos: Evolutionary changes in such codes thus always affect the fortunate and the unfortunate simultaneously those who can love and those who, in the new types of symbols, learn that they cannot love; those who have property and money and those who do not. Code-change can, indeed, to some extent, lead to a new distribution of opportunities but the inner logic of the code, the non-arbitrary nature of the arrangement of symbols usually stops innovation from leading to radical distribution. It can never be that non-property owners own property, because this would mean that everyone owns everything, in other words everyone would own nothing. The structure of all media codes makes revolutions impossible. It individualizes and operationalizes all processes of movement. Codes are catalysts for historical and self-substituting orderings. In this sense, they are also elements in the formation of that system which is society (Luhmann, 1979: 167).

point de vue politique; mais on peut namoins pratiquer en mme temps une

comprhension plus large de la politique et une relation asymtrique de priorit des

dcisions. Lorsquun tel ordre que lon associe traditionnellement la dmocratie

commence fonctionner, il devient alors entirement superflu de charger de concept

de ltat avec des connotations metaphysiques, thiques ou communautaires. Il peut

alors tre simplement compris dans sa fonction, savoir dans une fonction de

asymtrisation de la politique. () Si lon devait y trouver une confirmation suffisante,

ce serait alors un point de repre important pour effectivement compreendre le concept

dtat comme la formule de lautodescription du systme politique et que lintroduction

de cette smantique (status, estat, Stand, Stat, Staat) (..) est expliquer par cette prise

en charge de la function de lautodescrition (1999: 106-107).

Um ltimo aspecto que se impe considerar por breves instantes diz respeito

caracterizao que Luhmann faz do sistema poltico. Como referido, Luhmann dedica-

se anlise de sociedades funcionalmente diferenciadas e onde o sistema poltico

assume predominantemente a forma de uma democracia representativa. por

referncia a estes contextos que Luhmann concebe o sistema poltico como estando

internamente diferenciado em governo, sendo este o produtor das decises polticas, e

oposio. Neste sentido, governo e oposio afirmam-se como dois subsistemas, em

que um o ambiente do outro.

Transpor este esquema basilar para a realidade angolana, moldada por

especificidades histricas indelveis, requer um conjunto de ressalvas que se enuncia

brevemente. A questo da diferenciao funcional parece ser um dos aspectos

problemticos, sobretudo quando se considera a maneira pela qual fenmenos

associados dominao patrimonial-clientelar como a indistino entre o pblico e o

privado, a osmose entre elites polticas e econmicas, etc. , marcaram fortemente o

desenvolvimento do Estado ps-colonial (v.g., Chabal, 1991; 2002; Mdard, 1990,

1991, 1992; Birmingham, 2002)30.

A transio para o multipartidarismo, por exemplo, forou o redesenhar de um

esquema governativo que segue formalmente o esquema basilar de Luhmann. Mas a

formalidade deste esquema tem vivido em contradio com aquilo que

denominaremos de sistema de poder real. A preponderncia deste ltimo, assim

como as fragilidades com que o mundo formal se defronta, conduz-nos

necessariamente a avaliar o peso das prticas informais que condicionam essa

mesma transio.

30 O passado recente de Partido nico, a hegemonia do MPLA no aparelho governativo e de Estado, os fenmenos de partidarizao da administrao pblica, entre outros, motivam ainda uma percepo generalizada da identificao do poder com as estruturas deste partido e a transio para o multipartidarismo no dissipou tal percepo.

A este respeito, importa referir que o prprio Luhmann foca a questo da

informalidade. Na empiria das prticas sociais e do quotidiano, ao lado dos cdigos

oficiais, surgem sub-cdigos que while having opposite properties are able to fulfill

virtually the same function. (...) Money is in itself so complex that sub-currencies are

normally not needed, but they do appear in times of crises, especially in inflation for

instance in the form of moving into foreign currencies, gold, cigarettes (...) which, for

better or for worse, take over part of the function of the money-code. The relationship

between formal and informal power is only another instance of this general situation

() Informal power can and must always carry one part of the co-functions; on this

basis it can take on more functions in exceptional circumstances up to the final point at

which formal power serves only as a faade justifying the decisions to the outside

world. The separation and simultaneous use of the main-code and the sub-code

therefore assumes a sufficient differentiation in the system and a separation of internal

and external media usage (1979: 134). Estes cdigos informais so mais concretos e

dependentes das circunstncias, tm uma menor capacidade de legitimao social e o

seu uso depende do conhecimento do meio, da histria, da confiana e no pode ser

partilhada com o mundo exterior.

Neste trabalho, por motivos que se tornaro claros no seu desenrolar, opta-se

por falar em sistema de poder real e no em sistema poltico, o que se prende com as

especificidades do contexto, nomeadamente ao nvel do grau da sua desdiferenciao

funcional e dos seus graus de estaticidade e institucionalizao.

Considera-se tambm que a autopoiesis pode, em determinadas circunstncias

nomeadamente as que derivam da vigncia da dominao patrimonial-clientelar no

seio de um Estado fraco -, ser observada no seio de um contexto marcado

informalmente pela desdiferenciao funcional. Sucede que, como no caso do sistema

de poder vigente em Angola, essa autopoiesis diz respeito, essencialmente, contnua

produo, actualizao e complexificao do sistema de poder real, operando ainda

flexvel e oportunistamente como fora que, contingencialmente, combina a promoo

e a inibio da diferenciao e autonomizao de outros sistemas sociais. Por uma

questo de facilidade e porque a autopoiesis deste sistema de poder particular,

distinguindo-se da que problematizada por Luhmann para sociedades

funcionalmente diferenciadas, utilizar-se- maioritariamente a expresso (re)

produo e/ou (auto)produo.

Hipteses

I. Em primeiro lugar, coloca-se a hiptese, segundo a qual o sistema de poder vigente

em Angola desde a independncia apresenta uma notvel capacidade de

conservao adaptativa (Luhmann, 1995) em diferentes cenrios poltico-ideolgicos-

institucionais, assim como em complexos e turbulentos ambientes sociais.

II. Considera-se tambm, em segundo lugar, que essa mesma capacidade tem sido,

em grande parte, escorada por uma contnua produo do Estado fraco. Na acepo

deste trabalho, a ideia de Estado fraco refere-se ao grau de instrumentalizao e

manipulao das estruturas do Estado em prol da agenda do sistema de poder. Neste

sentido, a noo desvela tambm a racionalidade de frgeis graus e processos de

institucionalizao do Estado para o sistema de poder real. Assim, por exemplo, a

arbitrariedade e os condicionalismos polticos que o sistema de poder impe ao

sistema legal so interpretadas como constituindo um dos mais relevantes e

recorrentes pilares do Estado fraco. Nesta ptica, a produo do Estado fraco

patente nessa instrumentalizao pragmtica e calculista do sistema legal , que

permite que elementos do iderio marxista-leninista (pensamento nico, planeamento

centralizado, centralismo democrtico, etc.), assim como do iderio democrtico (v.g.,

liberdade de expresso; liberdade de imprensa, pluralismo, etc.), sejam neutralizados

e, inclusivamente, convertidos em novos elementos da produo do poder.

III. Numa aparente ruptura para com anlises que postulam o profundo imbricamento

entre Estado e Sociedade (v.g., Chabal; Daloz, 1999; Chabal, 2002), coloca-se a

hiptese, segundo a qual a produo do poder na histria contempornea de Angola

tem sido marcada por um processo de autonomizao relativa do sistema de poder.

Esta ideia de autonomizao relativa, inspirada em Luhmann, no significa isolamento,

independncia absoluta e/ou incomunicabilidade do sistema de poder como se este

estivesse numa inacessvel torre de marfim e desconhecesse qualquer tipo de

constrangimento; ela alerta, antes de tudo, para a capacidade do sistema em,

respondendo a dinmicas assimtricas de reciprocidade de natureza clientelar e

patrimonial, se (re)produzir a si mesmo nos seus prprios termos. Neste sentido, e

como bem sublinha Luhmann (vg, 1995, 1999), a autonomizao relativa diz respeito

incapacidade das massas em irritar suficientemente o sistema de poder para

determinar, de forma cabal, a direco e o contedo da recomposio deste a qual

feita mormente de acordo com os termos do prprio sistema.

IV. A teoria dos sistemas sociais evocada, como mencionado, numa espcie de

pedagogia pela contraposio. Assim, enquanto que Luhmann centra a sua anlise

nos processos de diferenciao funcional da sociedade contempornea, coloca-se a

hiptese, de acordo com a qual precisamente a desdiferenciao funcional,

observvel especialmente no plano das prticas informais, uma das mais centrais

racionalidades do sistema de poder real.

Aqui h que realizar trs ressalvas para evitar equvocos. Em primeiro lugar, a

ideia de que a desdiferenciao funcional vigora em Angola no quer significar que

esta se encontra num estado evolutivo anterior ao das sociedades funcionalmente

diferenciadas. E isto por dois motivos: por um lado, porque no existem realidades

sociais puras, ou seja, as sociedades, como o prprio Luhmann faz questo em

sublinhar (1995), apresentam distintas combinaes de diferentes processos de

desdiferenciao e diferenciao funcional, e, por outro, porque se considera que a

desdiferenciao funcional pode ser to racional como a diferenciao funcional e que

essa racionalidade apenas se tornar inteligvel quando relacionada com parmetros

concretos, como, por exemplo, o seguinte: racional para quem? Esta ltima

considerao conduz-nos segunda ressalva: a de que, para alm do que Luhmann

tipifica em termos de modelos histricos de organizao social31, a desdiferenciao

funcional, produzida e controlada por um sistema de poder como o que caracterizmos

para o contexto angolano, pode instituir-se como modalidade de organizao social.

Veja-se o caso da desdiferenciao funcional entre sistema poltico e sistema

econmico, tambm problematizada em alguns ensaios por Luhmann (cf. 1979, 1999).

Autores angolanos, como Pestana (2002), bem salientam como o domnio econmico

se tornou num domnio especfico da governao do Estado ps-colonial

patrimonializado. Daqui decorre que o desenvolvimento desse domnio, ou sistema,

ocorreu, essencialmente, por critrios polticos. Processou-se, desse modo, uma

espcie de aliana estrutural mas no funcional no sentido luhmanianno, i.e., no

sentido em que seria baseada na clara diferenciao e autonomizao dos dois

sistemas, mas profundamente racional, na medida em que serve a produo de poder.

31 Luhmann considera que, historicamente, so demonstrveis quatro formas de diferenciao: uma diferenciao segmentria; uma diferenciao via distino entre centro e periferia; uma diferenciao que decorre da estratificao social e a diferenciao funcional, pela qual se assiste formao de sub-sistemas sociais que desempenham uma funo especfica em termos de reproduo social. Argumenta que esta ltima comeou a desenvolver-se no sculo XVI, tendo-se estabilizado no sculo XX e chama a ateno para o facto de no se dever encarar estes modelos de diferenciao como uma espcie de progresso linear la evolucionismo social de inspirao darwiniana.

Por fim, a terceira ressalva diz respeito ideia anterior de autonomizao relativa.

Referindo-se, no independncia absoluta e/ou ausncia de reciprocidades, mas,

essencialmente, presena reciprocidades assimtricas entre patro e cliente, nas

quais as presses realizadas pelo cliente so predominantemente traduzidas nos

termos do patro, a noo de autonomizao relativa convive com a situao de

desdiferenciao funcional. Dito de outro modo: a assimetria das relaes sociais e

das suas dinmicas de reciprocidade que, embora induza e frua de uma maneira

substancial de situaes de desdiferenciao funcional, induz e frui igualmente da

autonomizao relativa do sistema de poder real.

V. Simultaneamente, e por paradoxal que parea, dado este contexto de

desdiferenciao funcional, postula-se que a produo do poder assenta

historicamente num processo de actualizao e depurao crescente do prprio

sistema de poder, manifesto, v.g., no que Pestana (2002) mapeou como a passagem

do Estado revolucionrio ao Estado Patrimonial e deste ao modelo de Estado predador

transformaes estas que so acompanhadas, desde a I Repblica, por uma

acentuada proclividade para a presidencializao do sistema poltico. Este processo

de presidencializao, enquanto produto depurado da autopoiesis, constitui,

semelhana do Estado fraco, uma importante condio de produo do poder.

Correlatamente, considera-se que a presidencializao crescente uma das mais

importantes foras motrizes da desdiferenciao funcional, bem como da prpria

produo do poder. Nesta ptica, a ttulo ilustrativo, refira-se que, no contexto da

perpetuao transfigurada do Partido-Estado, regulado crescentemente por um

presidencialismo anomalamente forte, a liberalizao econmica veio a contribuir

significativamente para o desenvolvimento do Estado predador, onde a Presidncia

assume um papel preponderante, minando o potencial catalisador da prpria abertura

poltica.

VI. A um outro nvel, uma das estratgias de produo do poder mais relevante e

transversal aos perodos histricos sob escrutnio, refere-se a uma intensa actividade

que Luhmann (1999) classifica como controlo semntico dos valores polticos.

Trata-se, fundamentalmente, da apropriao selectiva de recursos poltico-ideolgicos

muito diversificados (v.g., normalizao institucional, institucionalizao do Estado,

Terceiro Sector, etc.), no intuito de uma auto-legitimao modernizante. VII. Por fim, coloca-se a hiptese seguinte: com a converso da abertura poltico-

econmica da dcada de 90 em novos recursos para a produo e exerccio do poder,

e com o prprio processo poltico ps-2002, tem sido possvel ao sistema de poder

real ampliar o espectro de meios de produo do poder, numa lgica profundamente

flexvel, situacionista e oportunista.

Metodologia

A investigao realizada ancorou-se numa indispensvel interdisciplinaridade

entre sociologia, cincia poltica, histria, direito e antropologia do poltico32. Apoia-se,

igualmente, numa leitura comparativa entre as diferentes realidades sociais, polticas e

ideolgicas que foram resultando da vigncia de distintos iderios poltico-ideolgicos.

Recorreu-se tambm a um leque diversificado de estratgias metodolgicas, o

qual, reflectindo a interdisciplinaridade enunciada, foi construdo numa lgica dupla:

por um lado, as estratgias seleccionadas visavam manter entre si uma relao de

complementaridade; por outro, tinham que questionar-se mutuamente. Isto significa

que, por exemplo, os dados recolhidos por uma dada estratgia metodolgica, v.g.,

recolha documental da produo legislativa, eram confrontados com outros

provenientes da observao de campo ou de entrevistas.

Uma primeira estratgia consistiu, de facto, numa intensa pesquisa bibliogrfica

e documental que se foi prolongando ao longo da realizao deste trabalho. Para

alm, naturalmente, da literatura acadmica sobre o tema em escrutnio, procurou-se

realizar uma investigao documental que incidia sobre a produo legislativa, sobre a

documentao de vrios actores (servios do Estado, partidos, entidades da

sociedade civil, incluindo discursos de responsveis polticos etc.), sobre relatrios

especializados em diversas matrias e sobre material de cariz histrico. Esta pesquisa

foi realizada em Angola, em Portugal e em Bordus no Centre dtudes dAfrique Noire

(CEAN) do Instituto de Estudos Polticos.

Associada a esta estratgia, procedeu-se constituio de uma base de

imprensa, cujos temas incidem directamente sobre a temtica do projecto e que

abrangeu o perodo que decorreu entre Janeiro de 2004 e Janeiro de 200833. Esta

base constituda por fontes de imprensa diversas angolanas, portuguesas e

estrangeiras. O leque de fontes foi, entretanto, alargado de forma a incluir fontes

internacionais, como o caso da IRIN agncia noticiosa da ONU. As fontes

angolanas utilizadas incluam: a agncia noticiosa de Angola, Angola Press; a Rdio

Ecclsia; a Rdio Nacional de Angola; o canal Angonotcias; o Jornal de Angola; o

32 Sobre a importncia desta interdisciplinaridade, ver Pestana (2002). Mais especificamente, sobre a relevncia da Antropologia do Poltico, ver Florncio (2005). 33 O que no excluiu a procura de fontes noticiosas sobre outros perodos considerados relevantes.

Cruzeiro do Sul; o Semanrio Angolonense; a Capital; o Terra Angolana; Folha 8;

Apostolado; Luanda Digital; Agora, entre outros. Fontes portuguesas tiveram tambm

uma importncia capital. Destas, saliente-se como exemplos: o Expresso frica;

Pblico; Independente; a Agncia Lusa e a Multipress. A nvel internacional,

destaque-se a BBC; Inter Press Service; Voz da Amrica; Daily Trust; IRIN; Crisis

Group Watch; Mail Guardian; PR Newswire Europe; Comit de Proteco de

Jornalistas, etc. O acesso a estas fontes foi realizado maioritariamente via Internet, se

bem que, sempre que possvel, se tenha procedido recolha, no caso de

publicaes, de exemplares.

Sublinhe-se que a ideia subjacente a tal iniciativa prendeu-se com a

necessidade de recolher, de modo sistematizado e organizado, a informao sobre

os principais processos de natureza poltica que marcaram neste perodo a realidade

poltica angolana. Possibilitando o confronto e a anlise comparativa de documentos

de fontes de imprensa diversas, tal recolha permitiu o acompanhamento das

estratgias e das contingncias da aco poltica e a reunio de material relevante

para aceder percepo que os principais actores desvelam publicamente.

A informao recolhida foi sendo organizada e catalogada de acordo com os

seguintes temas: a) Processo eleitoral; b) Processo constitucional; c) Contexto

socioeconmico macro; d) Imprensa; e) Agenda Nacional de Consenso; f) Poltica

geral; g) Artigos de opinio; h) Sistema partidrio; i) Sistema poltico-administrativo34.

A eleio de cada uma destas categorias classificatrias resultou da anlise das

principais dinmicas da vida sociopoltica de Angola durante os ltimos anos. Cada

categoria procura corresponder, assim, a uma questo central do desenvolvimento

poltico angolano contemporneo35.

34 Foram ainda criadas duas categorias especficas sobre casos que marcaram a realidade poltica de Angola nos anos recentes e que propiciam, numa lgica de estudo de caso, uma anlise das dinmicas internas que animam a cena poltica angolana de uma forma especialmente vvida. So elas: a categoria j) dedicada ao caso do jornalista angolano Rafael Marques, e a categoria k) referente ao caso do general Miala. 35 A categoria Processo Eleitoral teve por objectivo recolher informao sobre o desenrolar da preparao das eleies legislativas e presidenciais, acompanhando o intenso debate gerado em torno daquelas. Uma das questes mais debatidas durante o processo eleitoral foi relativa reviso constitucional, o que justificou a criao de uma categoria especfica para abordar este tema. A categoria dedicada Agenda Nacional de Consenso- documento sobre as directrizes de desenvolvimento nacional , insere-se nesta lgica. Por sua vez, a categoria Contexto socioeconmico macro destina-se basicamente a recolher informao sobre o desenvolvimento econmico e os seus impactos em termos sociais. questo da liberdade de imprensa dedicada uma categoria. Esta questo revelou-se, de facto, central, no s porque lidamos com um contexto onde o processo de democratizao tem enfrentado obstculos de natureza diversa, como tambm porque a imprensa constituiu uma relevante fonte de dados, informao e inclusivamente de desinformao, pelo que o exerccio de uma vigilncia crtica e comparativa se tornava indispensvel. Em Poltica Geral, a informao recolhida dizia respeito a casos diversos da cena poltica angolana - casos esses que, pela sua frequncia e/ou pertinncia, poderiam demonstrar a regularidade de certas dinmicas sociopolticas. Neste mbito, a questo da circulao de elites no aparelho do Estado e do governo foi uma das mais relevantes. Procedeu-se, igualmente, recolha de artigos de opinio de individualidades dos mais diversos sectores da sociedade angolana (escritores, polticos, agentes econmicos, ONGs, agncias

Naturalmente, a realizao de entrevistas a uma multiplicidade de actores dos

mais variados quadrantes sociais e polticos impunha-se. Foram sendo, assim,

realizadas, ao longo do trabalho de campo, entrevistas semi-abertas a vrios actores,

quer em Angola, quer em Portugal. No foi possvel, todavia, entrevistar todos os

actores previamente elencados, por motivos vrios. Por outro lado, raramente as

entrevistas foram gravadas e isto tambm por razes vrias que tanto se prendiam

com o desconforto de alguns actores, como com a necessidade de estabelecer uma

relao de confiana prvia, como com o local onde as mesmas eram realizadas.

Nestas circunstncias, no decorrer da entrevista, procedeu-se anotao o mais

elaborado, completo e literal possvel dos testemunhos. E, no final da mesma, as

anotaes eram trabalhadas, de forma a completar informao e dados outros, como,

por exemplo, o comportamento ou o tom de voz do actor e, ainda, pormenores sobre

situaes ou momentos particulares. De cariz antropolgico, esta preocupao

permitia enriquecer os dados obtidos. Por outro lado, as perplexidades e as

aprendizagens desenvolvidas nesta etapa foram, posteriormente, comunicadas a

alguns dos actores entrevistados, com os quais se realizaram exerccios de reflexo

relevantes. Por esta razo, e tambm porque aceder percepo dos principais

actores envolvidos revestia-se da maior importncia, tentou-se, sempre que possvel,

realizar mais do que uma entrevista a cada actor. Refira-se tambm que, embora

alguns actores entrevistados tenham dado autorizao para serem identificados,

optou-se, por questo de princpio, garantir anonimato s fontes.

A observao de campo constituiu evidentemente a mais importante fonte. Durante

o perodo dedicado realizao deste trabalho, foram realizadas quatro deslocaes a

Angola, uma por ano, que perfizeram um total de cerca de 4 meses e meio. No foi de

todo possvel alongar as estadias em campo, sobretudo por constrangimentos

financeiros que eram agravados quer pelo elevado custo das deslocaes, quer pelo

elevado custo de vida em Luanda. Estes constrangimentos fizeram-se, ainda, sentir

num outro aspecto: o facto do trabalho de campo se ter restringido provncia de

Luanda e, sobretudo, capital, a qual se afigurava, dada a nossa problemtica, como

a principal arena de pesquisa.

internacionais, etc.). Considerou-se que a voz destes actores permitiria ter algum acesso aos processos de construo de uma agenda e opinio pblica, pelos temas que estes elegem para discusso (Keane, 2002). J a categoria Sistema partidrio englobou informao sobre os partidos polticos angolanos com e sem assento parlamentar. Para alm de permitir avaliar a visibilidade pblica de cada um, o atentar na presena meditica destes actores polticos propiciava e facilitava (embora apenas at certo ponto) o acompanhamento dos seus posicionamentos, assim como as estratgias de relacionamento com o poder institudo. Por fim, ao nvel da categoria Sistema poltico-administrativo, pretendeu-se reunir informao sobre os processos de edificao do Estado e do sistema poltico.

Realce-se, por fim, que esta observao de campo no foi unicamente composta

por momentos de pesquisa formal. Por inmeras ocasies o inesperado e o quotidiano

providenciaram excelentes fontes de informao. Nesta perspectiva, e aproximando-

nos novamente da abordagem antropolgica, incluiu-se como outra metodologia aquilo

a que Viegas (1994) chama de narrativas de vida estruturadas. Estas, longe de serem

reconstrues lineares de sequncias de vida, ou histrias de vida no sentido clssico

da expresso, consistem em episdios do quotidiano, desde inesperados encontros,

pequenos relatos, conversas triviais, momentos de convvio, etc., que relevaram

pertinncia para a pesquisa. Uma ltima palavra para a manuteno de um dirio de

campo durante as estadias em Luanda, no qual se registavam no s estas narrativas

de vida estruturadas, bem como eventos, situaes e observaes que tenham

revel