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APONTAMENTOS CRÍTICOS À LEI BRASILEIRA DE LAVAGEM DE CAPITAIS (LEI N. 9.613, DE 3 DE MARÇO DE 1998) Vinicius de Melo Lima 1 RESUMO O trabalho em tela discorre sobre o delito de lavagem de capitais e a (im)prescindível adequação das medidas político-legislativas nacionais aos preceitos contidos na Lei Maior. Através de uma pesquisa bibliográfica, calcada no método crítico-histórico, afere-se a sua fenomenologia, resgatando uma visão histórica e conceitual, para, então, adentrar nas etapas/fases e nos efeitos causados pelo ventilado crime, em especial, ao sistema econômico-financeiro. Em seqüência, empresta-se realce ao papel da principiologia constitucional na leitura da constelação jurídica, com o escopo de, a final, examinar a resposta penal brasileira na persecução à lavagem de capitais, sob o prisma do Estado Democrático de Direito. INTRODUÇÃO O estudo em pauta repousa na aferição de um dos temas cuja envergadura preocupa a conjuntura socioeconômica e jurídica (trans)nacional: diz respeito ao delito de lavagem de capitais, vertente colhida no Direito Penal Econômico. A delinqüência organizada evoluiu no decorrer dos tempos, projetando ao largo das soberanias estatais um perfil nitidamente econômico, cujo 1 Promotor de Justiça/RS. Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul — UNISC.

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APONTAMENTOS CRÍTICOS À LEI BRASILEIRA DE LAVAGEM DE CAPITAIS (LEI N. 9.613, DE 3 DE MARÇO DE 1998)

Vinicius de Melo Lima1

RESUMO O trabalho em tela discorre sobre o delito de lavagem de capitais e a

(im)prescindível adequação das medidas político-legislativas nacionais aos preceitos contidos na Lei Maior. Através de uma pesquisa bibliográfica, calcada no método crítico-histórico, afere-se a sua fenomenologia, resgatando uma visão histórica e conceitual, para, então, adentrar nas etapas/fases e nos efeitos causados pelo ventilado crime, em especial, ao sistema econômico-financeiro. Em seqüência, empresta-se realce ao papel da principiologia constitucional na leitura da constelação jurídica, com o escopo de, a final, examinar a resposta penal brasileira na persecução à lavagem de capitais, sob o prisma do Estado Democrático de Direito.

INTRODUÇÃO

O estudo em pauta repousa na aferição de um dos temas cuja

envergadura preocupa a conjuntura socioeconômica e jurídica (trans)nacional: diz respeito ao delito de lavagem de capitais, vertente colhida no Direito Penal Econômico.

A delinqüência organizada evoluiu no decorrer dos tempos, projetando

ao largo das soberanias estatais um perfil nitidamente econômico, cujo

1 Promotor de Justiça/RS. Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul — UNISC.

centro se volve à implementação de métodos e técnicas aptos à fruição dos ativos ilícitos.

Assim, a massiva quantidade de recursos oriundos de atividades

espúrias, como o narcotráfico, o terrorismo, o contrabando de armas/munições, a extorsão mediante seqüestro, a violação do sistema econômico-financeiro, dentre outras, perde a sua utilidade sem a adoção de instrumentos eficazes a mascarar a sua origem (ilícita).

Com efeito, o agente criminoso pretende ludibriar os órgãos

responsáveis pela prevenção e/ou repressão do delito, dificultando a apuração da autoria e da materialidade, além do eventual confisco dos valores.

Face à repercussão do fenômeno em escala mundial, vários países

reuniram-se na cidade de Viena, Áustria, no ano de 1988, com o fito de estruturar recomendações multilaterais. O encontro resultou na assinatura da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, marco histórico fundamental na luta contra a lavagem de dinheiro.

A partir daí, as nações, de um modo geral, inspiraram suas legislações

internas. Concomitantemente, assumiram função importante os acordos de cooperação internacional em assuntos penais, visando à criação de normas comuns/harmônicas.

De outro lado, a pretexto de se estabelecer um “combate” às

ramificações do crime organizado, paira sobre as políticas criminais uma tendência relativa à flexibilização ou, ainda, ao corte dos princípios e garantias fundamentais de direito interno.

Nessa esteira, pretende-se analisar a resposta penal brasileira na

persecução à lavagem de capitais, consubstanciada na Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998. Aspectos condizentes às normas penais (adjetivas) e administrativas são sistematizados à luz da Constituição da República Federativa do Brasil. À guisa disso, ressalvando-se a (necessária) tipificação do ventilado delito, (des)velam-se algumas (in)constitucionalidades presentes no tratamento preventivo/repressivo consignado, fomentando uma leitura do diploma sob o prisma da Lei Maior.

Assim, a moderna dogmática jurídica vê-se compelida a enfrentar constantes desafios, especificamente, na produção de respostas penais compatíveis com as mutações no plano fático, sem, contudo, descurar os postulados e princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito.

1 FENOMENOLOGIA DO DELITO DE LAVAGEM DE

CAPITAIS

1.1 Panorama histórico-conceitual

O retrato histórico do processo de branqueamento de ativos inicia-se

no século XVII, na Inglaterra, por intermédio da pirataria realizada nas embarcações. Dado o alto custo na manutenção de um navio, compreendendo despesas com a tripulação, armas, pólvora e munição, os piratas acabavam saqueando e roubando os demais navios. Não obstante, o “tesouro” não era enterrado, fato que, na verdade, guarda tão-só relevância folclórica a persistir no imaginário coletivo. Com efeito, os piratas detinham um mecanismo de lavagem, o qual possui semelhanças com o que se vê nos dias contemporâneos. Vale colacionar a exposição de Mandinger e Zalopany, citados por Mendroni:

Eles (os piratas) depositavam — entregavam, ou “colocavam” (placement) — o lote e mercadorias (ouro, moedas espanholas, peças caras de ouro e prata) com mercadores americanos de reputação, que as trocavam por várias quantias menores ou por moedas mais caras. As cargas dos navios capturados eram muito procuradas pelos mercadores americanos. Não havia real necessidade de acomodação (layering), já que os piratas operavam abertamente e as mercadorias eram facilmente aceitas e trocadas. A integração (integration) dos fundos lavados se tornava

importante somente quando o pirata resolvia se aposentar, e todos o faziam na velha Inglaterra. Lá, aportando a gama de valores amealhados, pela falta de documentação um pirata aposentado podia tranqüilamente trazer consigo uma verdadeira fortuna aparentemente nas colônias sob a aparência de realização de negócios legítimos2.

Todavia, a expressão “lavagem de dinheiro” parece ter sido cunhada na década de 20, nos Estados Unidos, época em que as quadrilhas adquiriam empresas (lavanderias/lava-rápidos) cuja circulação de recursos era intensa3.

Marco histórico fundamental na criminalização da lavagem foi a

reunião da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada na Áustria, no ano de 1988, que resultou na criação da Convenção de Viena sobre o tráfico de entorpecentes e substâncias psicotrópicas.

Vale ressaltar que o branqueamento estava vinculado, inicialmente, ao

crime de tráfico de entorpecentes, em função da acentuada repercussão na seara econômica dos países. Era a denominada “primeira geração” no cenário legislativo.

A concepção do crime antecedente evoluiu com o passar dos anos,

atingindo a “segunda geração”, em que os diplomas legais delimitam previamente as atividades criminosas suscetíveis à prática da lavagem.

Enfim, na “terceira geração”, o critério definidor se apóia na (maior

ou menor) gravidade de (qualquer) fato delituoso precedente. Pode-se dizer que a lavagem engloba todas as operações destinadas a

ocultar a proveniência ilícita dos ganhos obtidos e tem como objetivo “eliminar quaisquer vestígios sobre sua origem criminosa, transformando

2 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Tópicos essenciais da lavagem de dinheiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 787, p. 480, maio 2001. 3 LILLEY, Peter. Lavagem de dinheiro: negócios ilícitos transformados em atividades legais. Tradução de Eduardo Lassere. São Paulo: Futura, 2001. 254 p.

esses valores em dinheiro ‘limpo’, dando-lhes uma aparência de legalidade”4.

1.2 Fases ou etapas do branqueamento A consecução do crime de lavagem de ativos reclama um processo

complexo e bem estruturado, envolvendo, em regra, um emaranhado de operações e transferências financeiras, a fim de impedir que as autoridades descubram o iter ou roteiro dessa investida criminal.

A doutrina5 aponta, basicamente, três fases nas quais se desenvolve aludido crime econômico:

a) Ocultação ou colocação: nesta fase, os lavadores pretendem ocultar a proveniência ilegal dos bens, direitos e valores adquiridos, utilizando-se das instituições financeiras tradicionais (rede bancária) e não tradicionais (casas de câmbio, cassinos, etc.), bem como do emprego de atividades variadas (hotelaria, bares, restaurantes, etc.) para inserir o fruto ou resultado da prática de crimes, especialmente, a lucratividade auferida com o tráfico de entorpecentes.

b) Cobertura ou mascaramento: Nesta segunda fase, o intento consiste em afastar os capitais obtidos da sua fonte-matriz, ou seja, se pretende eliminar os “rastros” deixados com o exercício do crime. Com efeito, é

4 SOUZA NETTO, José Laurindo de. Lavagem de dinheiro: comentários à Lei 9.613/98. Curitiba: Juruá, 1999. p. 41. 5 BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de dinheiro: implicações processuais, penais e administrativas: análise sistemática da lei n. 9.613, de 3 de março de 1998. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. 212 p; CALLEGARI, André Luís. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 31, p. 183-200, jul./set. 2000; CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 388 p; MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro (lavagem de ativos provenientes de crime) — Anotações às disposições criminais da Lei n. 9.613/98. São Paulo: Malheiros, 1999. 206 p; SOUZA NETTO, José Laurindo de. Lavagem de dinheiro: comentários à Lei 9.613/98. Curitiba: Juruá, 1999. 258 p.

peculiar a utilização de múltiplas operações financeiras, intra e internacionais, auxiliadas pela tecnologia à disposição (as transações eletrônicas e através da internet são exemplos), fazendo com que os ativos percam, paulatinamente, os contornos “sujos”, em face da mistura com os recursos oriundos de atividades lícitas (empresarial, imobiliária, etc.).

c) Integração ou reinvestimento: após a trasladação do dinheiro ilícito em “lícito”, os recursos retornam aos seus “destinatários”, momento em que são reinvestidos no mercado de origem. Para isso, há o emprego de dois grandes canais: a transposição de uma parte dos recursos às atividades legais, com a utilização de diversos procedimentos nem sempre complexos; quanto ao capital restante, este retorna ao circuito ilegal, mantendo e ampliando a teia criminológica organizada.

1.3 Efeitos provocados no sistema econômico-financeiro

Múltiplas e variáveis são as conseqüências acarretadas pelo

branqueamento de capitais, notadamente na seara econômico-financeira. Concorrência desleal, oscilações nos índices de câmbio, ingresso de

capitais especulativos, instabilidade econômica, precariedade e imprecisão na delimitação das políticas públicas. A enumeração exemplificativa revela quão graves os reflexos proporcionados por esse ramo da criminalidade econômica.

A gravidade do crime comum (homicídio, latrocínio, roubo, furto,

estelionato, extorsão, etc.) circunscreve-se, em regra, há uma certa delimitação territorial, atingindo bens jurídicos individuais (por exemplo, a vida e o patrimônio).

Já o crime de perfil econômico, com ênfase à lavagem de dinheiro,

deita raízes, na sua maioria, além-fronteiras. Daí dizer-se que a metaindividualidade é o traço nuclear do bem jurídico aqui tutelado (normalidade do sistema econômico-financeiro).

No ensinamento de Cervini, Oliveira e Gomes,

(...) todos estos efectos que atestiguan una singularidad del fenómeno, obligan a intervenir no

solamente en virtud de una exigencia ética y moral, sino por estrictas razones de contenido macro-económico, ya que el comportamiento señalado puede minar las reglas de funcionamiento monetario y financiero de la economía6.

2 O PAPEL FUNDAMENTAL DA PRINCIPIOLOGIA

CONSTITUCIONAL

2.1 A filtragem das normas jurídicas sob o manto do Estado

Democrático de Direito A par da intensa lesividade social ocasionada pelo crime organizado

em geral, observa-se, por outro lado, um enrijecimento autoritário do Direito Penal, de modo a que as garantias fundamentais previstas nas Constituições dos Estados Democráticos sejam, muitas vezes, desconhecidas pelo Poder Constituído.

Com efeito, a “revolução dos códigos” (em certos países subdesenvolvidos da Civil Law), consubstanciada na mera alteração restritiva da lei penal (adjetiva e substantiva) vigente, exsurge como apanágio destinado à (re)frear os elevados índices de criminalidade. Trata-se de uma medida simbólica, de pouca (ou nenhuma) efetividade prática, haja vista que os reais problemas (sociais, culturais, econômicos, etc.), são relegados a um plano inferior.

Na visão proporcionada pelo Estado Democrático de Direito, em que o poder emana do povo (Poder Constituinte), uma norma

6 CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 107. Tradução livre: (...) todos estes efeitos que atestam uma singularidade do fenômeno, obrigam a intervir não somente em virtude de uma exigência ética e moral, senão por estritas razões de conteúdo macroeconômico, já que o comportamento assinalado pode minar as regras de funcionamento monetário e financeiro da economia.

(infraconstitucional) só é considerada válida se possui coerência e compatibilidade com a Lei Maior. Assim, pode uma norma vigorar num determinado local (plano da vigência), mas não ser reconhecida como válida.

Caberá ao órgão judicante (monocrático/colegiado), na aferição do

caso concreto, proceder a uma (necessária) filtragem constitucional dos dispositivos legais, negando-lhes aplicabilidade se contrariarem a principiologia (axiológica/deontológica) imanente à Carta Magna.

Nessa esteira, sobreleva notar a dupla função dos princípios

constitucionais: axiológica e deontológica. Enquanto a primeira congrega a iluminação valorativa da Constituição às demais normas infraconstitucionais, a outra possui uma carga normativa, impositiva e vinculativa do Texto Maior. A lesão a um princípio assume maior gravidade, notadamente em face da teoria material da Constituição, prevalecendo aí o entendimento de que um “sistema de valores via de regra faz a unidade normativa da lei maior. De tal sorte que todo princípio fundamental é norma de normas, e a Constituição é a soma de todos os princípios fundamentais”7.

Outro não é o entendimento de Streck, segundo o qual a “Constituição passa a ser, em toda a sua substancialidade, o topos hermenêutico que conformará a interpretação jurídica do restante do sistema jurídico”8.

Em termos pragmáticos, insta referir que toda metodologia de política criminal encontra suas limitações naturais no Estado Democrático de Direito, entendido como barreira intransponível à atuação do Poder Constituído.

Deve-se conferir vida à hermenêutica constitucional, sobretudo,

através da principiologia nela inserta, diminuindo-se o abismo existencial entre o ser (ontologia jurídica) e o dever ser (deontologia jurídica). Do

7 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 365. 8 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 225.

contrário, o espírito constitucional/constituinte não será mais do que mera carta (programática) de intenções.

Como infere Maia, “combater tenazmente o crime organizado sem

abdicar dos princípios e garantias que norteiam um Direito Penal Democrático, este o verdadeiro desafio”9.

3 ANÁLISE DA RESPOSTA PENAL BRASILEIRA

3.1 Qualificação legal e doutrinária

O crime de lavagem de capitais está previsto no ordenamento jurídico

pátrio, com o advento da Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998. Consubstancia a resposta penal brasileira no combate à tão nociva manifestação da criminalidade econômica, alicerçando-se no panorama legislativo de outras nações, como Bélgica, Espanha, Portugal, entre outras e, por óbvio, na Convenção das Nações Unidas sobre o tráfico de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, realizada no ano de 1988, na cidade de Viena, ratificada pelo Decreto n. 154/91.

Trata-se de legislação de segunda geração, disciplinando

expressamente o rol dos crimes considerados antecedentes ou precedentes, dos quais provém o objeto material da ventilada atividade delitiva.

Com efeito, o art. 1°, caput, § 1°e § 2°, acolhe o organograma típico-penal da lavagem. Barros identifica os núcleos das condutas típicas do indigitado delito, da seguinte maneira:

a) no fato de ocultar ou dissimular (art. 1°); b) no objetivo de ocultar ou dissimular (§ 1°, incisos I, II e III); c) utilizar (§ 2°, I); d) participar (§ 2°)”. No

9 MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro (lavagem de ativos provenientes de crime) — Anotações às disposições criminais da Lei n. 9.613/98. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 20.

primeiro conjunto encontramos a lavagem stricto sensu; no segundo, a somatória de condutas que tem por objetivo ocultar ou dissimular; e nos terceiro e quarto conjuntos as ações paralelas que facilitam a prática do crime de lavagem (1998, p. 45).

No que tange à sua classificação, trata-se de um tipo doloso (tentado ou consumado), alternativo, diferido e de mera atividade (Cervini, Oliveira, Gomes, 1998).

A Lei de Regência não admite a modalidade culposa de lavagem, ou

seja, haverá crime apenas se o agente quis o resultado (dolo direto), ou, ao menos, assumiu o risco de produzi-lo (dolo eventual), conforme preleciona o art. 18, I, do Código Penal.

O delito poderá ser consumado (quando nele se reúnem todos os

elementos de sua definição legal) ou tentado (se iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente), à luz do art. 14, I e II, do diploma repressivo.

Exemplificativamente, se o delinqüente, no instante em que almejava

depositar os recursos percebidos com a prática do crime-base (precedente), for impedido pelo controle interno de uma instituição financeira, responderá pelo crime de lavagem, na sua forma tentada.

Alternativo, pois ainda que o sujeito ativo do delito incida em mais de

um verbo nuclear, haverá apenas um único crime a ser apreciado.

É também considerado um tipo diferido ou remetido, visto que depende da existência dos crimes antecedentes disciplinados nos incisos I a VII do art. 1°, para sua adequação típica.

Espelha ainda os contornos de um crime de mera atividade, porquanto

os tipos prescindem da verificação do resultado para sua satisfação. O preceito secundário (sanção penal) varia de três a dez anos de

reclusão, e multa.

Importante é salientar o fato de que a configuração típica do delito de lavagem independe da complexidade das operações financeiras empregadas, tão pouco do êxito definitivo da ocultação. É o que afirma o julgado em seqüência, de lavra da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal:

LAVAGEM DE DINHEIRO – Ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores – Caracterização – Depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso – Tipo penal que não reclama nem o êxito definitivo da ocultação, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada “engenharia financeira” – Inteligência do art. 1.°, caput, da Lei 9.613/98. Ementa Oficial: O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de “lavagem de capitais” mediante a ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (Lei 9.613/98, art. 1.°, caput): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada “engenharia financeira” transnacional, com as quais se ocupa a literatura (RO em HC 80.816-6-SP — 1ª Turma do STF – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – J. 10.4.2001 – DJU 18.6.2001).

3.2 Da prova do crime antecedente

O art. 2°, § 1°, da Lei de Regência, prescreve que a denúncia será

instruída com “indícios suficientes” da existência do crime antecedente, sendo punível o autor do crime de lavagem ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele.

A doutrina diverge no que tange à interpretação acerca do crime

antecedente e de sua configuração: uma sentença condenatória por crime de lavagem de dinheiro poderia arrimar-se em indícios (suficientes) do cometimento do delito precedente?

Há, basicamente, duas correntes sobre a questão: uma sustenta que o

crime de lavagem é autônomo e, assim, não estaria condicionado ao processo e julgamento do crime antecedente10.

Outro setor, aparentemente mais rigoroso, se posiciona de maneira

diferente, sob o fundamento de que o delito antecessor é uma elementar normativa do tipo penal de lavagem. Assim, o fato antecedente deve ser ao menos típico e antijurídico para a sua configuração como delito prévio11.

Como se sabe, todo dispositivo legal deve ser interpretado à luz dos

princípios que irradiam a Carta Magna. No caso em tela, sobressai-se o princípio da presunção de inocência, do qual se extrai que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5°, LVII, da Constituição Federal).

Nesse sentido, se a instauração da relação processual, com o

recebimento da denúncia, se contenta com a colheita de indícios sobre a existência do delito antecedente, o mesmo não se infere na prolação de um juízo condenatório. Isto porquanto está em jogo, inexoravelmente, o ius libertatis do cidadão, que se opõe ao ius puniendi estatal.

Ademais, não se pode olvidar os requisitos de estilo, contidos no art.

41 do Código de Processo Penal — a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas — pena de a peça acusatória ser julgada inepta.

10 CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 388 p. 11 D’ÁVILA, Fábio Roberto. A certeza do crime antecedente como elementar do tipo nos crimes de lavagem de capitais. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 79, p. 4-5, jun. 1999.

LAVAGEM DE DINHEIRO – Denúncia – Ministério Público que, sob pena de inépcia da peça acusatória, deve demonstrar de forma motivada e fundada em provas que o agente, mediante a entrega, utilização, negociação, conversão em ativos líquidos e transformação industrial, tenha realizado a reintrodução, no circuito econômico, de bens, valores ou direitos de origem sabidamente ilícita, assegurando, assim, sua disponibilidade e fruição – Inteligência do art. 1° da Lei 9.613/98. Ementa da Redação: Na denúncia pelo crime previsto no art. 1.° da Lei 9.613/98 cabe ao Ministério Público, sob pena de inépcia da peça acusatória, demonstrar de forma motivada e fundada em provas que o agente, mediante a entrega, utilização, negociação, conversão em ativos líquidos e transformação industrial, tenha realizado a reintrodução, no circuito econômico, de bens, valores ou direitos de origem sabidamente ilícita, assegurando, assim, sua disponibilidade e fruição (HC n. 278.695-3/5 – 1ª Câmara Criminal do TJSP – Rel. Des. Andrade Cavalcanti – j. 22.3.1999)12.

Cumpre notar, ainda, que o legislador adotou para os delitos de

lavagem de dinheiro o princípio da acessoriedade limitada, o que torna imprescindível a configuração de um fato (antecedente) típico e antijurídico. Logo, o reconhecimento de uma causa excludente da tipicidade ou da antijuridicidade em relação ao crime prévio repercute na subsunção típica às figuras de lavagem13.

12 REVISTA DOS TRIBUNAIS. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 768, p. 575, out. 1999. 13 CALLEGARI, André Luís. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 31, p. 183-200, jul./set. 2000.

3.3 Da (não) aplicação do disposto no art. 366 do Código de Processo Penal: inconstitucionalidade e/ou contradição?

Consoante a redação empregada no art. 2°, § 2°, “no processo por crime previsto nesta Lei, não se aplica o disposto no art. 366 do Código de Processo Penal”. Assim, a Lei n. 9.613/98 não autoriza a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional ao acusado que, citado por edital, não comparece à audiência nem constitui advogado.

Não obstante, expressiva doutrina considera tal proibição

inconstitucional por afrontar os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (art. 5°, LVI e LV da Constituição Federal). E contraditória, porquanto o art. 4°, § 3°, enseja a aplicação da suspensão do processo no que toca à restituição dos bens apreendidos em virtude de indícios da prática de lavagem14.

Por seu turno, cabe ressaltar a teoria da tipicidade conglobante,

propugnada por Zaffaroni e Pierangeli15, de inteira aplicabilidade na solução da ventilada antinomia jurídica.

Na acepção dos aludidos doutrinadores, a tipicidade conglobante é a

“comprovação de que a conduta legalmente típica está também proibida pela norma, o que se obtém desentranhando o alcance da norma proibitiva conglobada com as restantes normas da ordem normativa”16. Nesse passo, atua como um “corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito do típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas (...)”17.

14 BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de dinheiro: implicações processuais, penais e administrativas: análise sistemática da lei n. 9.613, de 3 de março de 1998. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. 212 p; CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 388 p; SOUZA NETTO, José Laurindo de. Lavagem de dinheiro: comentários à Lei 9.613/98. Curitiba: Juruá, 1999. 258 p. 15 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Enrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 890 p. 16 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Enrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 459. 17 Ibidem. p. 459.

Conjugando-se os dispositivos legais em conflito (art. 2°, § 2° e art.

4°, § 3°, da Lei n. 9.613/98), a solução se extrai da aplicação da norma mais benigna, ou seja, a que ordena a suspensão do processo e do lapso prescricional, quando o réu, citado por edital, não comparecer pessoalmente à audiência nem constituir advogado (art. 4°, § 3°, da Lei n. 9.613/98 c/c art. 366 do Código de Processo Penal).

3.4 Da “inversão” do ônus probatório e suas limitações

constitucionais Uma das novidades trazidas na lei brasileira de repressão à lavagem

de ativos, diz respeito à liberação judicial dos bens, direitos e valores, apreendidos ou seqüestrados, quando comprovada a licitude de sua origem (art. 4°, § 3°).

Em realidade, não se trata de uma repartição do ônus probatório, como

ocorre no processo civil, equivalendo, isto sim, a “uma inversão que surge dentro do contexto de uma medida de contracautela, saneadora de um ato injusto precedente” (Cervini, Oliveira, Gomes, 1998, p. 366). Isto significa que se o acusado não demonstrar de plano a licitude dos seus bens, deverá aguardar a sentença final. Em sendo condenatória, haverá o confisco dos bens; se for absolutória, o seqüestro será levantado (art. 131 do Código de Processo Penal).

A técnica processual ventilada é de todo justificável, haja vista a

natural dificuldade dos órgãos persecutórios (Polícia Judiciária e Ministério Público) no que tange à reunião de provas, initio litis, da procedência criminosa dos capitais auferidos pelo agente. Mormente se já foram integrados ao sistema econômico-financeiro regular (etapa final do processo de lavagem).

Todavia, no decorrer da instrução (fase judicial), incumbe ao

Ministério Público, no seu relevante mister, angariar subsídios ou elementos da autoria e materialidade do delito, servindo-se dos meios probatórios disponíveis (indícios, testemunhos, documentos, perícia técnica, etc.).

Nessa esteira, manifestou-se o Tribunal de Justiça de São Paulo, no

julgamento da Apelação n. 285.527-3/0:

LAVAGEM DE DINHEIRO – Seqüestro de bens – Liberação imediata dos bens seqüestrados que somente será feita quando o interessado, desde logo, comprovar a licitude das aquisições, sem a necessidade de se esperar a decisão final – Inteligência do art. 4.°, § 2.°, da Lei 9.613/98

Ementa da Redação: Ocorrendo o seqüestro de bens do acusado da prática de crime de lavagem de dinheiro, a liberação imediata daqueles somente será feita quando o interessado, desde logo, comprovar a licitude das aquisições, sem a necessidade de se esperar a decisão final, conforme inteligência do art. 4°, § 2°, da Lei 9.613/98.

LAVAGEM DE DINHEIRO – Apreensão e seqüestro de bens – Vigência da Lei 9.613/98 que não alterou o ônus da prova para a contestação da medida – Interessado que deve opor os embargos previstos no art. 130, I, do CPP, sob o fundamento de que os bens são de origem lícita.

Ementa da Redação: A vigência da Lei 9.613/98, que dispõe sobre lavagem de dinheiro, em nada alterou o ônus da prova em relação a apreensão e seqüestro de bens pela prática de crime, podendo o interessado contestar a medida mediante a oposição dos embargos previstos no art. 130, I, do CPP, sob o fundamento de que os bens são de origem lícita. (Ap. 285.527-3/0 — 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo — Rel. Des. Andrade Cavalcanti — Data do julgamento: 03/4/2000).

Outro entendimento conduziria, peremptoriamente, à violação do princípio constitucional da presunção de inocência ou da não-culpabilidade (art. 5°, LVII, da CF).

Como anota Costa, “um dos mais importantes corolários da presunção

de inocência se traduz na inexistência, no processo criminal, de uma repartição do ônus da prova semelhante à que vale no processo civil” (2001, p. 21).

3.5 Quebra do sigilo bancário, princípio da proporcionalidade e as

vicissitudes (in)constitucionais da Lei Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001

No que concerne ao âmbito administrativo da Lei n. 9.613/98, vê-se que o legislador constituído disciplinou certas obrigações e cautelas a serem tomadas pelas pessoas físicas e jurídicas declinadas no art. 9°, no sentido de prevenir a ocorrência da lavagem de recursos ilícitos. Dentre essas, destacam-se, por exemplo, instituições financeiras, bolsas de valores, administradoras creditícias, seguradoras, etc.

Em síntese, tais cuidados subsumem-se na identificação dos clientes,

manutenção dos registros (ambos por um prazo mínimo de cinco anos, a contar do encerramento da conta ou da conclusão da transação), além da comunicação de operações financeiras tidas como suspeitas.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão

executivo de análise de inteligência financeira, ligado ao Ministério da Fazenda, criado pelo diploma legal em exame, tem como finalidade disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar, e identificar as ocorrências suspeitas de lavagem de dinheiro (Capítulo IX, artigos 14 a 18, da Lei n. 9.613/98).

Desde a Convenção de Viena de 1988, salienta-se que o sigilo

bancário não pode constituir óbice à apuração do delito de branqueamento. A problemática concerne à natureza jurídica do sigilo: será fruto da

personalidade e da intimidade do ser humano, ou mero instrumento legal de conveniência estrutural?

O sigilo bancário é tido como uma garantia constitucional (art. 5°, X e XII, da Constituição Federal), relativamente ao direito à intimidade e à privacidade, além de constituir espécie do gênero sigilo de dados18.

Todavia, de modo a não se dar azo à prática de crimes, entende-se que

não se trata de um direito absoluto, devendo ser otimizado à luz do princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit), também conhecido como princípio da proibição do excesso (Übermassverbot).

Originariamente, seu foco volve-se ao âmbito do Direito

Administrativo, representando uma limitação ou restrição à ingerência estatal (Administração) em razão da observância dos direitos e garantias individuais. Com a transmutação do princípio da proporcionalidade à seara do Direito Constitucional, eleva-se à categoria de princípio fundamental, ampliando, por conseguinte, seu raio de incidência às demais esferas de atuação do Estado.

Conquanto se vislumbre essencial o levantamento do sigilo bancário numa investigação financeira, mormente em se tratando de branqueamento de ativos, somente o magistrado (ressalvando-se o poder conferido pela Constituição Federal à Comissão Parlamentar de Inquérito/CPI, à luz do art. 58, § 3°) pode deliberar/decidir (fundamentadamente) a respeito do tema, proporcionalizando o direito à intimidade e ao sigilo de dados com os reclamos do interesse público.

Consoante ensina Canotilho19, contém o princípio em tela três

subprincípios constitutivos, a saber: a) Princípio da conformidade ou adequação de meios: Revela que a

medida a ser adotada com o intuito de almejar o interesse público deve ser apropriada à persecução da finalidade a ele inerente;

18 MORAES, Maurício Zanoide. Crônica de uma inconstitucionalidade anunciada (análise crítica da Lei Complementar n° 105, de 10.01.01, que institui as hipóteses de quebra do sigilo financeiro). Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 100, p. 1-4, mar. 2001. 19 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. 1414 p.

b) Princípio da exigibilidade ou da necessidade: Salienta o fato de que o indivíduo tem direito à menor desvantagem possível.

c) Princípio da proporcionalidade em sentido restrito: Mesmo quando

presentes a necessidade e a adequação da medida coativa do poder público visando atingir certa finalidade, necessário se perquirir se o resultado obtido com a intervenção é proporcional a “carga coativa” da mesma (juízo de ponderação ou de justa medida).

No plano legiferante, releva notar que a Lei Complementar n.

105/2001 disciplina a matéria atinente ao sigilo das operações de instituições financeiras.

Reportando-se, especificamente, à obrigatoriedade da comunicação

das operações financeiras às autoridades competentes, como prescreve a Lei n. 9.613/98 (art. 10, II, c/c art. 11, I e II, a), vale dizer que o Banco Central, por óbvio, tem acesso às operações bancárias e, a seu turno, guarda o dever de sigilo.

Não obstante, não é o órgão incumbido da análise financeira do crime

de lavagem, tarefa peculiar ao COAF. Este, por sua vez, só terá acesso as operações bancárias/financeiras mediante ordem judicial, à luz do art. 10, III, da lei em comento. Do contrário, estar-se-á violando um direito fundamental, sujeitando-se o(s) agente(s) às sanções penais cabíveis20.

A despeito disso, parte da doutrina sustenta que a comunicação

obrigatória das operações “suspeitas” ao COAF equivale não à quebra do sigilo, mas sim, importa na sua transferência21.

Mormente em virtude da Lei Complementar n. 105/2001, que no seu

art. 2°, § 6°, determina ao Banco Central, à Comissão de Valores Mobiliários e aos demais órgãos de fiscalização, nas suas áreas de atribuições, o

20 CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 388 p. 21 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; GOMES, Abel Fernandes. Lavagem de dinheiro — Breves notas ao tipo penal e às garantias processuais, na Lei n° 9.613, de 03 de março de 1998. Temas de Direito Penal e Processo Penal, em especial na Justiça Federal. Rio de Janeiro, p. 223-249, 1999.

fornecimento ao COAF das informações cadastrais e de movimento de valores relativos às operações previstas no art. 11, I, da Lei n. 9.613/98.

Oportuno é frisar que a exigência de autorização judicial para a quebra

do segredo bancário, por si só, não impede o sucesso da persecução (fiscal/criminal): ao contrário, legitima e confere força probante à atividade fazendária, policial e/ou ministerial, respectivamente.

Na prática, todavia, observa-se uma certa irresignação por parte das

instituições bancárias/financeiras, que, em determinadas hipóteses, forjam obstáculos à verificação das contas dos clientes, sob pretextos pouco (ou nada) razoáveis, tais como: 1) que a sede ou matriz se situa em outro local; 2) que a ordem foi prolatada por juízo incompetente; 3) que a ordem é ilegítima.

A melhor solução, seguramente, se estriba numa leitura constitucional do ordenamento jurídico: submeter uma decisão judicial ao “controle” administrativo por parte de um ente financeiro significa “rasgar” a Lei Maior, justamente na seara atinente aos direitos e garantias fundamentais, subjugando o interesse público ao particular(izado).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criminalidade econômica, sobretudo a consubstanciada na lavagem de capitais, tem sido palco de reiteradas discussões, tanto ao nível nacional como internacional, com o fito de estruturar as agências estatais responsáveis pela prevenção e/ou repressão do fenômeno.

Não se pode olvidar que as organizações criminosas se alicerçam, via

de regra, no caráter transnacional de suas operações, visando ilidir as atividades persecutórias, circunscritas a um determinado âmbito espacial.

Sob o pálio da ilicitude, uma massiva quantidade de ativos migra de

um pólo a outro, num lapso temporal inexpressivo, minando as soberanias estatais.

Sabe-se que no enfrentamento do crime organizado, a sociedade

(desorganizada) sofre incontáveis prejuízos, notadamente se infiltrado nas

funções basilares dos poderes constituídos: administrativa, legislativa e judiciária. O circuito ilegal entabulado fomenta a perpetuação da delinqüência.

Todavia, mister é registrar que a atuação dos mecanismos de política

criminal encontra limitações no Estado Democrático de Direito, fruto da aceitação social, que lhe outorga legalidade e, principalmente, legitimidade.

Imperativa, então, a filtragem ou contaminação constitucional do

emaranhado normativo: a concretização da Constituição depende da irradiação dos seus princípios às atividades do Estado, divorciando-se do seu caráter programático, que, não raras vezes, tangencia a sua aplicabilidade empírica.

Reportando-se à resposta penal brasileira ao delito de lavagem de

capitais (Lei n. 9.613/98), vale sublinhar a sua importância no cenário sociojurídico, cumprindo ao hermeneuta a sua leitura à luz da Carta Política.

Ademais, significativa a transição do princípio da proporcionalidade à

esfera constitucional, face à (necessária) ponderação/otimização dos bens jurídicos conflitantes no caso concreto.

Insta repisar, enfim, que o corte dos laços que interligam a

Constituição às demais normas é medida de pulverização dos direitos e garantias fundamentais, conquistados ao largo de muitos anos. Retrotrair-se ao período do Ancien Régime, reavivando-se o ímpeto de caça às bruxas, pode (ou não) significar, doravante, uma “nova” realidade.

REFERÊNCIAS

1 BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de dinheiro: implicações

processuais, penais e administrativas: análise sistemática da lei n. 9.613, de 3 de março de 1998. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. 212 p.

2 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. rev.

atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2001. 797 p.

3 CALLEGARI, André Luís. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 31, p. 183-200, jul./set. 2000.

4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da

Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. 1414 p. 5 CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio.

Lei de lavagem de capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 388 p.

6 D’ÁVILA, Fábio Roberto. A certeza do crime antecedente como

elementar do tipo nos crimes de lavagem de capitais. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 79, p. 4-5, jun. 1999.

7 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; GOMES, Abel Fernandes.

Lavagem de dinheiro — Breves notas ao tipo penal e às garantias processuais, na Lei n° 9.613, de 03 de março de 1998. Temas de Direito Penal e Processo Penal, em especial na Justiça Federal. Rio de Janeiro, p. 223-249, 1999.

8 LILLEY, Peter. Lavagem de dinheiro: negócios ilícitos transformados

em atividades legais. Tradução de Eduardo Lassere. São Paulo: Futura, 2001. 254 p.

9 MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro (lavagem de ativos

provenientes de crime) — Anotações às disposições criminais da Lei n. 9.613/98. São Paulo: Malheiros, 1999. 206 p.

10 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Tópicos essenciais da lavagem de

dinheiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 787, p. 479-489, maio 2001.

11 MORAES, Maurício Zanoide. Crônica de uma inconstitucionalidade

anunciada (análise crítica da Lei Complementar n° 105, de 10.01.01, que institui as hipóteses de quebra do sigilo financeiro). Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 100, p. 1-4, mar. 2001.

12 REVISTA DOS TRIBUNAIS. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 768,

p. 575-577, out. 1999.

13 SOUZA NETTO, José Laurindo de. Lavagem de dinheiro: comentários

à Lei 9.613/98. Curitiba: Juruá, 1999. 258 p. 14 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma

exploração hermenêutica da construção do Direito. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. 304 p.

15 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Enrique. Manual de

Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 890 p.