De Breton Woods a Globalizacao Actual

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De Bretton Woods Globalizao Financeira: Evoluo, Crise e Perspectivas do Sistema Monetrio InternacionalRicardo Dathein Resumo: O artigo analisa o contexto da formao do sistema de Bretton Woods, sua evoluo e posterior crise, com o surgimento do euromercado e da globalizao financeira. Em relao ao perodo atual, o texto examina propostas de reforma do sistema monetrio internacional e faz uma avaliao sobre as possibilidades de eficcia de polticas keynesianas e sobre as divergncias de desempenho econmico entre diferentes pases. Palavras-chave: Bretton Woods, globalizao financeira, economia internacional.

Abstract: The article analyses the formation context of the Bretton Woods system, its evolution and later crisis, with the arising of the euromarket and the financial globalization. Related to the actual period, the paper examines reform proposals of the international monetary system, and makes an evaluation about the efficiency possibilities of the Keynesians policies and about the economic performance divergences among different countries. Key words: Bretton Woods, financial globalization, international economy. JEL Classification: F33, F42 1 Introduo Desde a dcada de 1970 muito se discutiu sobre a crise do sistema monetrio internacional. Hoje, no entanto, provavelmente consolidou-se uma forma de funcionamento da economia que no se pode qualificar como estando em crise. O padro do perodo keynesiano ps-Segunda Guerra Mundial dificilmente se repetiria, tendo sido to excepcional quanto o foi a crise dos anos 1930. Neste sentido, o presente texto analisa o surgimento e a evoluo do sistema monetrio internacional sob o padro de Bretton Woods, sua crise, o surgimento do euromercado e a globalizao financeira. Discute-se at que ponto esta

globalizao condiciona as polticas econmicas nacionais, determinando sua ineficcia se em contradio com aquela, e at que ponto as polticas keynesianas e a institucionalidade da era keynesiana ainda so efetivas. So examinadas tambm diferentes propostas de reformas, classificadas de acordo com compreenses alternativas. Em concluso, so analisadas diversas interpretaes sobre a evoluo recente da economia, com nfase na questo do sistema monetrio internacional, destacando-se as polmicas sobre as diferenas de desempenho econmico entre os pases desenvolvidos. 2 O sistema de Bretton Woods O padro ouro, teoricamente, determinava regras de criao e circulao monetria a nvel nacional e internacional de modo que a emisso de dinheiro seria baseada no estoque de ouro e teria livre converso nesse metal, enquanto os pagamentos internacionais seriam feitos em ouro e as taxas de cmbio entre as moedas seriam proporcionais ao seu lastro em ouro. Desta forma, ocorreria um ajuste automtico dos desequilbrios dos balanos de pagamentos pois seria gerado um fluxo internacional de ouro e uma adaptao da oferta monetria, o que provocaria uma reao dos preos internos e o correspondente ajuste da competitividade internacional do pas em desequilbrio. Na prtica, este mecanismo automtico nunca funcionou conforme teoricamente previsto devido s desigualdades estruturais entre os pases, s assimetrias do comrcio internacional e rigidez de preos e custos. O que existiu foi um padro moeda dominante, no caso um padro libra-ouro, tendo em vista a hegemonia britnica nos campos industrial, financeiro, comercial e poltico-militar. A Primeira Guerra Mundial levou ao fim do padro libra-ouro e, posteriormente, no se chegou a um acordo at Bretton Woods, em 1944. A Inglaterra j no podia assumir o papel anterior, dada sua relativa decadncia, e os EUA, a nao com mais condies para ocupar este espao, no o fez imediatamente. A economia norte-americana tinha pequena abertura comercial, era tradicionalmente protecionista e seu intenso desenvolvimento absorvia seus capitais, o que limitava sua capacidade de financiamento aos pases deficitrios. Com a crise dos anos 1930, ampliaram-se as prticas protecionistas e as desvalorizaes cambiais competitivas. Neste contexto, surgiram vrias reas comerciais e monetrias, sem uma hegemonia clara e sem um acordo internacional.

A Conferncia de Bretton Woods decidiu a criao de instituies e normas com o intuito de gerir a economia mundial, reduzindo tenses e impulsionando o comrcio e o desenvolvimento. Entre as instituies estavam o FMI e o Banco Mundial, e dentre as normas, as taxas cambiais fixas e o mecanismo para altera-las, em casos extremos. A experincia das duas guerras mundiais e do perodo entre guerras levou a um consenso sobre a necessidade destes acordos, apesar de no sobre a forma que assumiram. Bretton Woods significou, em princpio, um meio termo entre uma viso no unilateralista e a admisso de que os EUA eram a potncia dominante. Esta foi uma situao especfica, em que os pases europeus estavam enfraquecidos, alm de que logo aps surgiu a guerra fria. No entanto, os poderes econmico, poltico e militar dos EUA impuseram o dlar como a moeda internacional. Para que isto se sustentasse, era necessrio que este pas assumisse a responsabilidade de prover a liquidez internacional adequada e garantisse a confiana com uma baixa taxa de inflao interna, alm de assumir o risco do sistema, como emprestador internacional de ltima instncia. Alm disso, era preciso que a potncia hegemnica garantisse taxas de cmbio relativamente estveis, assegurasse uma coordenao internacional de polticas macroeconmicas, proporcionasse emprstimos anticclicos e mantivesse seu mercado relativamente aberto pelo menos para determinados bens (Kindleberger, 1986, cap. 14). No final da Segunda Guerra, os EUA estavam em posio de assumir parte considervel destas responsabilidades, conseguindo enfrentar as tradicionais posies isolacionistas internas. Por outro lado, nenhum pas estava em condies de questionar esta posio. Uma interpretao especfica sobre esta questo destaca a necessidade de uma nao hegemnica ditar as regras do jogo e assumir as responsabilidades decorrentes, de forma a estabilizar o sistema monetrio internacional. Segundo esta viso, quando o poder est dividido, como no perodo entre guerras, a tendncia seria o protecionismo exacerbado e baixas taxas de crescimento (Eichengreen, 1990, cap. 11). Esta posio destaca a importncia da poltica sobre o funcionamento da economia, mas no deixa de ser uma defesa de um poder unilateral e uma viso ctica em relao possibilidade de acordos consensuados. Um problema que Bretton Woods enfrentou foi o de como garantir a liquidez internacional em dlares. Considerando-se que a Europa estava sem condies de realizar exportaes substanciais para os EUA, no existia este

mecanismo de gerao de liquidez. A soluo encontrada foi a criao do BIRD (Banco Mundial), que forneceria emprstimos para a reconstruo da Europa, garantindo a confiana e a segurana que os emprestadores privados no possuam. Desta forma, seriam transferidos dlares para pases europeus, os quais poderiam uslos para realizar importaes dos EUA. No entanto, estas transferncias de recursos sempre foram insuficientes. O Banco Mundial e o FMI no contavam com o apoio da direita poltica no Congresso dos EUA e dos banqueiros de Wall Street. De fato, foi a guerra fria que acabou gerando outra alternativa de transferncia de recursos para a Europa, sem as restries polticas colocadas sobre as instituies de Bretton Woods: o Plano Marshall. Agora os EUA, diretamente, forneceriam emprstimos bilaterais e doaes para a reconstruo europia. Uma terceira fonte de dlares para a Europa foi a instalao de bases militares, cuja construo e pagamentos aos soldados eram feitos em dlares. Por fim, a instalao de empresas dos EUA na Europa tambm carreava dlares. Beneficiadas pelo Banco Mundial e pelo Plano Marshall, estas empresas transformaram-se nas modernas multinacionais. Os acordos de Bretton Woods determinaram a existncia de taxas fixas de cmbio, com base no ouro. Alteraes nas taxas s poderiam ocorrer em caso de mudanas estruturais em uma economia. Desta forma, a taxa de cmbio seria alterada por acordo e no atravs de iniciativa individual de um pas. As taxas tambm possuam uma flexibilidade de at 1% para adaptar-se ao mercado livre de moedas, que em tese seria afetado basicamente pelo saldo comercial de cada pas. Tendo isto em vista, os bancos centrais de cada pas interviriam, em caso de necessidade, para garantir a estabilidade na faixa de 1%. Se as intervenes dos bancos centrais no fossem suficientes, recorriase ao FMI. Este rgo foi criado com o papel de possibilitar a estabilizao das taxas de cmbio, estimulando, desta forma, o desenvolvimento do comrcio internacional. O FMI, em caso de necessidade, forneceria emprstimos em dlares para que as reservas de um pas fossem aumentadas, fortalecendo sua moeda. Se isto no fosse suficiente, o FMI poderia exigir mudanas (as condicionalidades) na economia do pas. Por fim, se mesmo assim a taxa no se estabilizasse, consultas internacionais via FMI poderiam alterar oficialmente a taxa de cmbio. Esta flexibilidade existia para todos os pases menos para os EUA. A

taxa de US$ 35,00 por ona de ouro no poderia ser alterada pois, caso contrrio, a confiana na moeda-base internacional seria afetada. Isto no poderia ocorrer porque os outros pases acumulavam dlares como reservas e para transaes. A garantia de que a cotao do dlar em ouro permaneceria fixa era dada pela promessa dos EUA de trocar por ouro todo o dlar devolvido. Portanto, o nico preo efetivamente fixado em ouro em Bretton Woods foi o do dlar, sendo as outras moedas, na prtica, cotadas em dlares. No final da Segunda Guerra Mundial, os estoques de ouro dos EUA eram muito grandes, o que garantiu seu apoio a este sistema e sua estabilidade na sua primeira fase. Os acordos de Bretton Woods tentaram recuperar as vantagens do padro ouro minimizando os sacrifcios impostos por este padro, o que poderia ocorrer com a atuao do FMI. Desta forma, desequilbrios de balano de pagamentos poderiam ser corrigidos via emprstimos do FMI, sem a ocorrncia de recesso econmica. No entanto, esta soluo poderia funcionar somente para pequenos desequilbrios. Nos primeiros anos (aproximadamente at 1960), o padro de Bretton Woods foi amplamente benfico para a economia dos EUA. A transferncia de dlares para a Europa permitiu compras de bens e servios dos EUA, gerando saldos comerciais favorveis e baixo desemprego quase sem inflao. As empresas multinacionais aumentaram o poderio econmico dos EUA, e sua capacidade blica cresceu muito com a instalao de bases militares por todo o mundo. Portanto, houve uma conjugao de hegemonia econmica, militar e poltica, que pode ser chamada de Pax Americana.

3 A crise de Bretton Woods O sistema de Bretton Woods entrou em crise no devido a seus defeitos mas, ao contrrio, devido a seu sucesso (Belluzzo, 1995). Durante os anos 1960 foram sentidos os sintomas que prenunciavam seu desmoronamento, mas a poltica adotada foi a de administrar as crises, sem chegar-se a um acordo que solucionasse os problemas. Os investimentos externos, a ajuda financeira a outros pases e os gastos militares no exterior afetavam negativamente o balano de pagamentos dos EUA, o que era compensado pelo saldo positivo da balana comercial. No entanto, desde o final dos anos 1950 este ltimo saldo reduzira-se, pois se completava a reconstruo

da Europa e do Japo, que construram uma estrutura industrial nova, com alta produtividade, podendo agora competir com os EUA. Sem os excedentes comerciais, os EUA teriam que garantir a paridade do dlar vendendo ouro. Esta evoluo econmica fez a escassez inicial de dlares em termos internacionais ser substituda por seu excesso, o que aumentou o risco de movimentos especulativos contra o dlar. Em 1958, o volume de dlares em mos de estrangeiros ultrapassou as reservas de Fort Knox, explicitando que o mecanismo de troca de dlares era falvel. Em 1959 e 1960, houve uma corrida especulativa contra o dlar, tendo em 1959 os EUA perdido 10% de seu estoque de ouro. As propostas para remediar o problema eram diferentes entre norte-americanos e europeus, que nesta poca estavam construindo o seu Mercado Comum. Os EUA adotaram medidas como aumentar a taxa de juros de curto prazo e criar um imposto para tornar mais cara a sada de dlares. Em termos multilaterais, foi criado no incio dos anos 1960 o Fundo Comum do Ouro, para estabilizar o preo do metal no mercado livre. Tambm houve neste perodo um aumento de capital do FMI e foi assinado o Acordo de Basilia, que era uma promessa de cooperao. Estas medidas resultaram em mais alguns anos de relativa estabilidade. No entanto, em 1965 de Gaulle anunciou que a Frana trocaria todos os dlares em seu poder por ouro, o que provocou nova corrida contra o dlar, e fez com que as reservas dos EUA se reduzissem em mais US$ 1,5 bilho. Mas o ataque de de Gaulle ao dlar no contou com muito apoio em outros pases depois das presses diplomticas dos EUA, ao mesmo tempo em que as reservas francesas de dlares diminuram. No entanto, os gastos dos EUA no Vietn deram nova munio Frana, pois estes dlares em grande parte eram remetidos a esse pas depois de chegar s mos de vietnamitas. Em 1966, pela primeira vez no ps-guerra, o Federal Reserve atuou fortemente como emprestador de ltima instncia frente possibilidade de um crash financeiro ocasionado por um processo especulativo e por um aperto do crdito. Neste episdio apareceu a fragilidade financeira que iria acentuar-se no perodo seguinte. Em 1968, os EUA anunciaram medidas contra a sada de dlares, como restries a investimentos externos e concesso de emprstimos externos por parte de bancos norte-americanos. Essa ltima medida, principalmente, foi importante no sentido de gerar a posterior supranacionalizao dos bancos dos EUA, que assim procuraram escapar aos controles internos de divisas. Tambm em 1968 foi assinado, com o

abandono do Fundo Comum do Ouro, o Acordo Duplo, que era uma declarao de que os governos no interviriam no mercado livre para estabilizar o ouro. Alm disso, foram criados os Direitos Especiais de Saque (DES), que eram uma nova unidade de reserva no mbito do FMI. Desta forma, gerou-se mais algum alvio para o dlar. Frente instabilidade do dlar e s divergncias com os EUA, os pases europeus tentavam chegar a um acordo para diminuir sua dependncia em relao ao dlar. Nesta poca, o marco alemo surgia como moeda forte, cada vez mais utilizada no comrcio europeu. Em 1970 e 1971, o fluxo de dlares ao exterior multiplicou-se, gerando maior instabilidade, e em agosto de 1971 as reservas dos EUA caram abaixo do nvel psicologicamente crtico de US$ 10 bilhes. Neste momento, Nixon anunciou uma srie de medidas, entre elas a suspenso da conversibilidade do dlar em ouro. Logo aps, foi negociada (Acordo Smithsoniano) uma desvalorizao do dlar e a faixa de flutuao cambial admitida foi ampliada de 1% para 2,25%. As tentativas de manter as taxas de cmbio fixas duraram at 1973, quando o sistema acordado em Bretton Woods soobrou completamente. A partir deste momento as taxas passaram a flutuar conforme o mercado e as decises dos governos. Os membros da CEE ainda tentaram manter entre si uma margem de variao cambial admissvel que foi chamada de serpente do tnel, com xito parcial por algum tempo. Um dos problemas de taxas de cmbio fixas que elas exigem preos internos relativamente estveis, ou pelo menos taxas de inflao semelhantes entre os pases. Alm disso, evolues diferenciadas de custos e produtividades tambm impedem cmbios fixos. Desta forma, a estabilidade monetria internacional dependia da existncia de economias nacionais estveis e de uma evoluo econmica estrutural homognea, condies estas dificilmente encontrveis. Por outro lado, as funes simultneas de garantir a liquidez internacional e a de servir como ativo de reserva que o dlar deveria exercer impuseram uma contradio que ficou conhecida como o dilema de Triffin. Ou seja, a conversibilidade em ouro precisaria ser garantida com emisso de dlares somente na proporo do aumento das reservas dos EUA, o que requeria supervits no balano de pagamentos deste pas. No entanto, em assim sendo, o dlar no atenderia funo de corresponder s necessidades internacionais de liquidez. Na prtica, a conversibilidade do dlar em ouro foi preterida em benefcio de sua funo de meio de circulao internacional, resolvendo desta forma o dilema.

A crise do padro dlar-ouro pode ser entendida tambm, de forma mais ampla, como a conseqncia da reduo da hegemonia econmica dos EUA entre os anos 1960 e 1980, ao mesmo tempo em que os pases europeus e o Japo no assumiram um papel mais ativo no mbito monetrio internacional. Ao contrrio, estes pases em geral at hoje adotam polticas basicamente defensivas ou reativas em relao ao dlar. 4 O euromercado Ao longo dos anos 1960, houve uma saturao de dlares na Europa e se desenvolveu um mercado de eurodlares, ou depsitos e emprstimos feitos em dlares em bancos fora dos EUA. Por outro lado, a regulamentao restritiva dos EUA sobre seus bancos fez com que estes se instalassem no exterior, escapando, assim, no s destas normas e de seus custos, mas tambm das reservas obrigatrias e dos gastos com seguro bancrio. Desta forma, estes bancos atendiam s necessidades de emprstimos das empresas multinacionais. Alm disso, surgiram inovaes financeiras que permitiram maior fluidez internacional de recursos. Com isto, a expanso do dinheiro supranacional ficou nas mos dos bancos privados, sem controle e regulamentao nacional ou internacional, apesar de estes recursos exercerem grande influncia sobre a situao econmica interna dos pases. Na dcada de 1970, o fim das regulamentaes de Bretton Woods e o aumento dos preos do petrleo multiplicaram o mercado de eurodlares. Como a OPEP exigia dlares em pagamento por suas exportaes, o seu excesso encontrou um escoadouro. Os excedentes da OPEP (os petrodlares) foram depositados no mercado de eurodlares, gerando uma liquidez ampliada e a necessidade de sua reciclagem. Neste momento, as multinacionais no poderiam absorver todos os recursos e ocorria uma recesso internacional. Desta forma, o soluo encontrada foram os emprstimos ao Terceiro Mundo a juros muito baixos nos quais, visando salvaguardarem-se de uma maior instabilidade inflacionria internacional, os bancos adotaram clusulas de taxas de juros flutuantes. Alm disso, nesta poca tambm surgiram os centros financeiros offshore, como Cayman e Bahamas, dando ainda maior liberdade e reduzindo os custos dos bancos supranacionais. No final dos anos 1970, considerando os movimentos especulativos e a contnua queda do dlar, o Fed adotou uma poltica restritiva sobre a expanso da massa monetria dos EUA, o que provocou nveis recordes de taxas de juros e a alta

da cotao do dlar. Isto foi feito tambm como uma reafirmao da hegemonia dos EUA e da sua moeda. Em reao, os outros pases industrializados tambm tiveram que elevar suas taxas de juros para evitar quedas maiores das cotaes de suas moedas, o que provocou uma nova recesso internacional. Por outro lado, ampliou-se o conflito entre a soberania dos estados-naes e a nova ordem econmica supranacional desregulada, tornando-se muito mais difcil contrapor-se a esta ltima. Ao mesmo tempo, uma nova institucionalidade monetria internacional no surgiu, enquanto a cooperao internacional at hoje existe somente de forma ad hoc. Na primeira metade dos anos 1980 as paridades cambiais dos pases desenvolvidos variaram livremente, com uma grande valorizao do dlar. Isto ocasionou presses protecionistas por parte do Congresso dos EUA, o que levou os pases do G-5 ao Acordo do Plaza em 1985, visando depreciar o dlar. J no incio de 1987, chegou-se ao Acordo do Louvre, com o intuito de estabilizar o cmbio dentro de bandas. Mas este Acordo foi pouco consistente, tanto que em outubro de 1987 um pequeno conflito sobre taxas de juros com a Alemanha detonou uma grande queda da bolsa de valores norte-americana, num contexto de crescentes dficits do governo dos EUA. Desta forma, polticas monetrias e fiscais no rgidas por parte dos EUA e inadequada cooperao internacional impediram o funcionamento mesmo de acordos ad hoc. Considerando-se a instabilidade do padro monetrio (grande volatilidade cambial e conflitos impedindo um acordo) e a ascenso do yen e do marco alemo, nos anos 1980 aparentemente se passava a conviver com um padro internacional plurimonetrio, apesar de ainda com clara dominncia do dlar. No entanto, em pocas estveis, tanto em um sistema de cmbio fixo quanto flexvel, sempre existiu uma moeda de referncia em torno da qual gravitou o sistema monetrio internacional. Desta forma, passou-se por uma situao instvel, mas sem ruptura. 5 Globalizao financeira Desde o colapso de Bretton Woods o sistema financeiro privado internacional apresentou profundas alteraes. Fatores microeconmicos, como as inovaes tecnolgicas e as mudanas de padres de concorrncia, ajudaram a viabiliz-las. Fatores macroeconmicos, por outro lado, podem ser entendidos como indutores das transformaes. Estes fatores macroeconmicos podem ser relacionados

instabilidade e aos desajustes econmicos internacionais. As revolues da informtica e das comunicaes permitiram novos desenvolvimentos na rea financeira, os quais geraram benefcios para o comrcio internacional. No entanto, geraram tambm problemas para as polticas internas dos pases e uma instabilidade crnica no sistema bancrio e, por conseqncia, em toda a economia. Isto teria ocorrido pela falta de salvaguardas e de soberania governamental sobre o sistema. Com a revoluo da informtica e das comunicaes via satlite os riscos financeiros tenderam a aumentar, pois os movimentos especulativos internacionais tornaram-se muito rpidos. Desta forma, o tempo para a verificao dos boatos e para uma interveno prvia diminuiu drasticamente, o que determina que as intervenes governamentais sejam muito mais custosas. A dcada de 1980 pode ser considerada como uma seqncia dos anos 1970 em relao aos fatores microeconmicos. No entanto, em relao aos fatores macroeconmicos, nos anos 1980 houve alteraes substanciais, principiando com a mudana da poltica econmica dos EUA. Pode-se entender estas mudanas, por hiptese, como o fim do keynesianismo e o incio da hegemonia de polticas neoliberais. Ao contrrio do perodo de Bretton Woods, nos anos 1980 os EUA passaram a ser grandes absorvedores de recursos financeiros internacionais, dado seu duplo dficit, e o Japo e a Alemanha os principais supridores, o que funcionou como grande estmulo globalizao financeira. Houve, pode-se dizer, uma financeirizao da dvida pblica, que serve como lastro ltimo deste processo. Fruto da crise da dvida externa do Terceiro Mundo, na dcada de 1980 muitos bancos internacionais passaram por uma situao de grande fragilidade. Neste contexto, acirrou-se a concorrncia entre bancos e instituies no-bancrias, com presses no sentido da desregulamentao dos mercados financeiros, diminuindo, com isto, a distino entre estas instituies. De outra parte, como reao instabilidade cambial e dos juros, surgiram importantes inovaes financeiras com o intuito de buscar proteo aos ativos financeiros. Com este objetivo, foram criados os chamados derivativos. Outra inovao importante foi o processo de securitizao de dvidas, com um grande desenvolvimento de mercados secundrios de ttulos. Deste modo, os emprstimos simples ou sindicalizados foram rapidamente superados em importncia pelas dvidas securitizadas. Alm disto, aumentou muito o peso financeiro dos investidores institucionais no mercado. Os bancos, por outro lado, em resposta a estas inovaes, ao aumento da concorrncia e visando diminuir custos,

passaram a desenvolver novas operaes fora de balano, como bancos de negcios. O desenvolvimento dos derivativos aumentou a flexibilidade e a segurana para o aplicador e para o tomador de recursos, funcionando como hedge. No entanto, tambm facilitou a especulao, aumentando ainda mais a instabilidade do sistema econmico. Ou seja, uma maior segurana microeconmica gerou uma maior instabilidade macroeconmica (o chamado risco sistmico), pois existem poucos controles sobre as instituies e estas operaes. Tambm gerou-se maior risco porque as instituies financeiras, em uma situao de maior concorrncia, trabalham com pequenos spreads e margens de segurana, e tendem a fazer avaliaes de risco mais precrias. Por outro lado, com a grande velocidade de circulao de informaes diminuiu a diversidade de expectativas, podendo ocorrer uma convergncia de opinies, o que elimina este pressuposto de estabilidade (Aglietta, 1995 e 1998; Chesnais, 1996; Coutinho e Belluzzo, 1998). A globalizao ou integrao financeira caracteriza-se pela constituio de um mercado financeiro nico no mundo, com transaes muito acima do volume de comrcio de bens e servios ou de investimentos. Neste contexto, grande parte das operaes correspondem a coberturas de risco e aplicaes de curto prazo, com fins especulativos ou de arbitragens. Com a globalizao financeira e a no existncia de um novo acordo monetrio internacional, a especulao com o cmbio pode tornar a relao deste com a situao produtiva de um pas bastante restrita. Existe uma crescente influncia e at dominncia de fatores financeiros na determinao das taxas de cmbio, distanciando-se estas, assim, dos chamados fundamentos econmicos. Com isto, os custos dos bancos centrais para enfrentar corridas especulativas multiplicaram-se, dependendo de suas reservas, de emprstimos internacionais e da colaborao de outros bancos centrais. Ou seja, o papel de emprestador de ltima instncia aumentou de importncia e complexidade devido a um maior risco de crises de liquidez, com impactos que se podem disseminar por toda a economia nacional e at global em curto perodo de tempo. Um fator fundamental de estmulo globalizao financeira o fato de que os grandes grupos empresariais internacionais estariam funcionando com estruturas de ativos indiferenciados, em termos de natureza produtiva ou financeira, em sua funo objetivo, alm de ampliar-se a diversificao internacional de portflios. Estaria ocorrendo, assim, um processo que poderia ser qualificado como de financeirizao da riqueza, em que uma lgica financeira, e no produtiva, que

determinaria a dinmica econmica. Desta forma, o capitalismo assumiria estruturalmente uma funo especulativa paralelamente produtiva, no podendo mais ser feita a separao de Keynes entre produo e rentismo. As grandes corporaes atuariam concomitantemente nas rbitas financeira e industrial ou outras, possuindo um alto potencial de liquidez e, portanto, de ganhos especulativos. Deste modo, confirmar-se-ia ainda mais a frmula D-M-D ou D-D como orientadora ltima da produo e da realizao da riqueza, ampliando-se em muito a valorizao fictcia do capital (Braga, 1995). A economia globalizada imporia, em geral, a interdependncia e a convergncia das polticas econmicas, deixando escasso raio de manobra para polticas nacionais ou tornando-as passivas. Considerando-se os interesses privados integrados globalmente, uma poltica nacional divergente perderia inclusive apoio interno, alm de que uma corrida contra uma moeda poderia ser gerada pelos prprios residentes do pas. Contraditoriamente, justo no momento em que as moedas nacionais perdem suas ncoras, tornando-se totalmente fiducirias, os estados nacionais teriam seus poderes econmicos autnomos crescentemente corrodos. No entanto, se esta realidade se apresenta claramente para o Terceiro Mundo e inclusive para pases europeus e o Japo, para os Estados Unidos muito mais questionvel. As polticas econmicas nacionais dos EUA possuem eficcia, inclusive exagerada, no sentido de que podem influenciar fortemente, positiva ou negativamente, tambm o resto do mundo. Os EUA, em sua poltica econmica, no esto submetidos esta mesma lgica da globalizao financeira, tanto que adotam freqentemente polticas keynesianas sem sofrerem retaliaes do mercado. Esta seria uma distino fundamental que poderia explicar o desempenho diferenciado da economia dos EUA em relao a outros pases. Em uma situao de economia globalizada com predominncia financeira, por outro lado, nas polticas que o mercado (ou o Consenso de Washington) impe, questes como a busca do pleno emprego ou do bem-estar social via polticas econmicas esto fora de discusso. No entanto, aqui tambm os EUA se distinguem, pois claramente adotam de forma pragmtica polticas favorveis ao pleno emprego em situaes de crise, mesmo que no seja este seu objetivo ltimo. O keynesianismo de guerra posterior ao 11 de setembro de 2001 um exemplo atual, assim como o foram os da guerra fria. Os capitais privados supranacionais, por outro lado, ao mesmo tempo em que so contra regulamentaes restritivas, tm

importante poder de influncia sobre as decises dos governos nacionais e dos foros internacionais. As atuais tentativas de acordos na rbita da OMC sobre patentes, garantias em relao a investimentos e compras governamentais so exemplos candentes deste fato. No entanto, as condies diferenciadoras da economia em relao ao perodo pr-keynesiano, destacadas por Minsky, parecem ainda vigorar, em grande parte, mesmo que fragilizadas. Ou seja, bancos centrais com menos constrangimentos para agir, intervindo quando necessrio como lender-of-last-resort; um grande setor econmico governamental (big government), incluindo o welfare state, agindo como estabilizador automtico; e uma poltica econmica muito mais intervencionista, com os governos gerando ou aumentando seus dficits pblicos para sustentar a demanda e os lucros, quando necessrio (Minsky, 1986). Desta forma, quando existe desenvolvimento, induzido por inovaes, as polticas keynesianas no so necessrias, mas quando, no ciclo econmico, surge uma recesso ou uma ameaa de recesso, o funcionamento das condies de Minsky e, especificamente, as polticas econmicas keynesianas, so usadas. Estas, no entanto, sero ou no suficientes dependendo da evoluo da produtividade do sistema e das oportunidades de investimentos, ou seja, de condies schumpeterianas mais que keynesianas. 6 Propostas atuais de reformas No perodo recente, principalmente a partir das sucessivas crises de pases perifricos nos anos 1990, surgiram uma srie de interpretaes e propostas de reformas do Sistema Monetrio Internacional, as quais esto em debate atualmente. Walden Bello (1999) faz uma classificao destas interpretaes e propostas em trs grupos: as liberais, as keynesianas e as que propem mudanas no modelo de desenvolvimento. A primeira, defendida pela maioria dos governos do G7, entende que no existe nenhum problema fundamental na atual arquitetura do sistema monetrio, mas apenas mau funcionamento. Neste sentido, prope, por exemplo, medidas visando aumentar a transparncia na gesto de instituies financeiras; a criao de leis mais duras para evitar o risco moral; o uso de regulamentos prudenciais do BIS; um maior influxo de capitais nos mercados emergentes, no somente para recapitalizar bancos em dificuldades, mas para promover a prpria incorporao do sistema financeiro local aos bancos internacionais, em princpio mais eficazes; a criao de linhas de crdito precaucionais no mbito do FMI; e uma

expanso dos poderes do FMI, principalmente em relao aos pases no desenvolvidos, no sentido de maior ingerncia (superviso) nas polticas internas desses pases. Chesnais (1999, p. 61-4) observa tambm que grandes fundos de investimentos reivindicam reformas mais radicais, no sentido de que lhes seja garantida maior segurana contra os riscos de suas aplicaes, por exemplo com intervenes dos governos como emprestadores de ltima instncia, sem restries para emisses monetrias e com rapidez, o que seria uma forma de socializar prejuzos e isentar as instituies privadas das sanes econmicas geradas por aplicaes fracassadas. Nesta viso, portanto, no existem problemas com o modelo de desenvolvimento ou com os fluxos excessivamente livres de capitais volteis. Ao contrrio, a liberalizao financeira entendida como uma forma de permitir o fluxo de poupanas necessrio para promover o desenvolvimento a nvel internacional, e os controles sobre este fluxo, desta forma, tenderiam a reduzir este desenvolvimento. A viso keynesiana parte da idia de que a globalizao liberal est gerando instabilidade e, com isto, queda nas taxas de crescimento econmico e maior desigualdade social. Algumas das propostas, de certa forma, poderiam ser classificadas como de uma volta ao sistema de Bretton Woods, com restries ao livre fluxo internacional de capitais, enquanto outras vo alm, visando a criao de um keynesianismo global. A mais conhecida proposta a taxa Tobin, sobre transaes cambiais, a qual busca colocar areia nas rodas da especulao mundial. Esta medida internacional (que, portanto, exige cooperao a este nvel) seria complementada por controles nacionais e instrumentos regionais (por exemplo, fundos de estabilizao). A idia seria, com isto, permitir o uso nacional de polticas industriais e comerciais visando o desenvolvimento. Os organismos internacionais (FMI, OMC e Banco Mundial) deveriam ser reformados, com menos doutrinamento liberal e mais compromissos com o desenvolvimento, inclusive deixando espao para diferenciaes nacionais, alm do compromisso com os controles dos fluxos financeiros internacionais. Desta forma, ao invs de impor um modelo comum de comrcio e investimentos, seriam instrumentos de coordenao, regulao e cooperao internacional. Alternativamente, existem propostas de criao de um novo arranjo institucional mundial de cooperao monetria, com a criao de um banco central mundial e uma moeda internacional prpria, de acordo com as propostas originais de Keynes quando da discusso em Bretton Woods (e

desenvolvidas por Davidson, entre outros). Com isto, o objetivo seria prevenir as crises, gerando condies para o desenvolvimento com pleno emprego (Alves Jr., Ferrari Filho e Paula, 2000). Com o objetivo de restituir uma maior autonomia s polticas econmicas internas (Chesnais, 1999, p. 61), admite-se nesta viso que o tributo Tobin, ao restringir os movimentos cambiais especulativos de curto e curtssimo prazo, no seria suficiente. Por isto, prope-se que haja a complementao desta medida por outros impostos, com o intuito, tambm, de promover a justia tributria que est sendo erodida pelo fato de o capital, ampliando sua mobilidade frente ao trabalho, estar conseguindo tornar-se cada vez mais isento, o que concentra a tributao sobre os trabalhadores (Wachtel, sd). Desta forma, deveriam ser criados um tributo sobre os Investimentos Diretos no Exterior, no sentido de evitar o dumping tributrio e o dumping social praticado por pases no desenvolvidos, principalmente, e outro tributo sobre os lucros das empresas multinacionais, enfrentando o problema da evaso provocada pela manipulao de preos de transferncia (sub e superfaturamento). Alm destas, deveriam ser adotadas medidas como a eliminao ou a imposio de maiores controles sobre os parasos fiscais, normas mais rgidas de superviso e prudncia sobre os mercados e o sistema financeiro e diminuio do risco moral com a imposio de custos aos agentes privados, responsabilizando-os economicamente via seu envolvimento direto no financiamento dos prejuzos causados a pases por crises financeiras. Por outro lado, no contexto da reforma das instituies financeiras internacionais e da OMC, ao mesmo tempo que se sugere a reduo de seu excessivo poder via sua submisso ao controle das Naes Unidas, prope-se a criao de um fundo de estabilizao cambial e de matrias-primas e de um fundo global para o desenvolvimento, financiados pelos impostos internacionais comentados acima (Attac France, sd). O terceiro grupo, na classificao de Bello (1999), parte da interpretao de que a menor taxa de crescimento econmico e o maior desemprego no seriam apenas conseqncias da instabilidade gerada pela liberalizao dos fluxos financeiros internacionais, possuindo tambm e essencialmente fontes na rbita real da economia. Uma causa fundamental, na origem destes problemas, estaria em um processo de sobreacumulao que, ao gerar menores retornos sobre o capital produtivo, teria induzido, na tentativa de extrair valor j criado, uma expanso das

atividades especulativas e de arbitragem, agora de forma ampliada a nvel internacional. A globalizao financeira geraria assim, efetivamente, maior volatilidade. No entanto, os distrbios econmicos, principalmente para os pases no desenvolvidos, no seriam causados simplesmente por sua excessiva exposio aos fluxos financeiros liberalizados, devido ao fato de que a desregulamentao financeira destas economias seria um componente de um modelo de desenvolvimento internalizado nas ltimas duas dcadas, a partir dos programas estruturais de ajustamento consensuados via FMI-Banco Mundial, os quais passaram a identificar os mercados externos como motores fundamentais do desenvolvimento. Desta forma, a liberalizao do comrcio e do mercado de capitais tornaram-se praticamente sinnimos de desenvolvimento, enquanto substituio de importaes, poltica comercial e poltica industrial, por exemplo, passaram a ser entendidos como medidas antidesenvolvimento. Com tais polticas, no por acaso estes pases teriam se tornado vtimas preferenciais de ataques especulativos. Os pases desenvolvidos, ao constrangerem, via sua hegemonia, adoo deste modelo liberal pelos pases perifricos, estariam impedindo o uso por esses pases de polticas e instrumentos de cunho keynesiano e schumpeteriano que eles prprios empregaram para a superao de seu subdesenvolvimento, no passado, e que ainda utilizam atualmente, o que explicaria seu crescimento nos casos bem sucedidos. Desta forma, estariam impedindo o desenvolvimento a longo prazo destes pases. Em conseqncia, as medidas adequadas para enfrentar os problemas da vulnerabilidade externa e do baixo crescimento econmico, concomitantemente, passariam pela mudana deste modelo de desenvolvimento. Esta viso ctica em relao possibilidade de reforma do FMI e da OMC, devido sua doutrina fundamentalista e hegemonia dos EUA sobre ambos. Tambm existe ceticismo sobre a possibilidade de se impor controles sobre o capital global, em razo da fora dos interesses financeiros e da ideologia neoliberal. Alm disto, o controle de capitais entendido como condio necessria mas no suficiente, em virtude do fato de que o problema no estaria somente na volatilidade do capital, mas na forma como este capital global se institucionalizou nas economias nacionais. Tendo isto em vista, os controles nacionais e os acordos regionais so supostos como mais factveis e eficientes, levando em conta as experincias, por exemplo, da China, da ndia e do Chile. Fundamental, portanto, seria uma reorientao das economias nacionais em seus modelos e estratgias de desenvolvimento, rompendo a integrao

indiscriminada com o capital global que s tornaram dependentes deste (Bello, 1999, p. 4). Nesta estratgia, como medida fundamental de mudana de modelo de desenvolvimento, o mercado domstico, como principal locomotiva de crescimento, deveria ser definido como orientador bsico, evitando-se, desta forma, a excessiva dependncia e volatilidade dos mercados externos. Com medidas de controle sobre o capital global deveria ser retomada uma maior independncia das polticas econmicas internas, de forma que (e permitindo que) o investimento seja financiado principalmente com poupanas domsticas, o que implica em um sistema tributrio mais progressivo. Isto daria maior independncia em relao ao capital externo, mas implicaria enfrentar o consumo conspcuo e a fuga de capitais promovida pelas elites dos pases no desenvolvidos, levando tambm a uma melhor distribuio de renda que acompanharia o maior crescimento. Complementando e viabilizando estas medidas, acordos regionais (financeiros, cambiais, comerciais e industriais) promotores de estabilidade e de substituio de importaes tambm deveriam ser promovidos (Bello, 1999, p. 4-5). 7 Concluso A riqueza lquida acumulada possui atualmente um valor monetrio muitas vezes acima das possibilidades presentes de imobilizao produtiva. Apesar de isto indicar maior risco sistmico, at agora as crises financeiras e cambiais no provocaram crises econmicas amplas, duradouras e generalizadas. Ao contrrio, a partir dos anos 1980 houve uma retomada, apesar de desigual, do desenvolvimento industrial no Primeiro Mundo, acompanhada do que alguns qualificam como uma revoluo tecnolgica. As intervenes governamentais tm tido sucesso em conter crises financeiras e cambiais, alm de que estas tm impactado diferenciadamente setores e pases e de que houve uma adaptao tecnolgica que pode ter resultado em uma maior resistncia instabilidade (por exemplo, maior flexibilidade produtiva), como destacam Canuto e Laplane (1995). As crises financeiras e monetrias dos ltimos vinte anos, apesar de resultarem em substanciais desvalorizaes de ativos, no redundaram em tentativas de realizao plena de ativos financeiros. Uma hiptese sobre este fato de que no se poderia credit-lo somente atuao dos bancos centrais como emprestadores de ltima instncia e ao comportamento cooperativo entre governos, inclusive devido ao

fato de estes estarem fragilizados pela globalizao e atuarem apenas de forma ad hoc nestes casos. Braga (1993 e 1995) argumenta que este fato ocorreria devido prpria lgica paradoxal da dinmica capitalista supranacional, com a operao do que pode ser chamado de uma macroestrutura financeira globalizada, formada por bancos centrais importantes, grandes instituies financeiras, corporaes e proprietrios de grandes fortunas. Esta lgica garantiria um dinamismo mnimo economia, ao mesmo tempo que promoveria a capitalizao fictcia. Desta forma, impedir-se-ia um crash, mas, concomitantemente, consolidar-se-ia uma situao de instabilidade crnica e no se realizaria a reconverso de valores para as atividades produtivas, com a permanncia de uma ampla realizao fictcia de riqueza. Outra forma de entender esta dinmica paradoxal seria de que os bancos centrais, para evitar colapsos e crises, sancionariam a liquidez e as prprias inovaes financeiras. No entanto, estas posteriormente levariam a mais especulao e endividamento, at que os bancos centrais sejam novamente chamados a evitar um colapso, gerando-se um crculo vicioso. Portanto, avanariam concomitantemente a especulao financeira globalizada e a acumulao produtiva. A primeira no impediria a segunda (at a potencializaria em alguns aspectos), mas imporia limites e riscos ampliados. Desde 1971/73 o mundo vive sem um sistema monetrio internacional institucionalizado e, apesar da instabilidade existente, como j comentado, desde os anos 1980 no ocorreu nenhuma crise internacional profunda de longa durao. Desta forma, alm de no ser consensual qual a configurao adequada para um novo padro, existem questionamentos inclusive sobre a necessidade de um novo regime, alegando-se as vantagens da desregulamentao. Alm disso, deve-se ter presente que mais importante que a formalizao de um regime o apoio, mesmo que informal, a uma conveno social. Foi o questionamento da liderana dos EUA que levou ao colapso de Bretton Woods, tomando-se em conta que este sistema havia sido erigido justamente sobre a confiana nesta liderana, mais do que sobre suas instituies e regras. No entanto, a situao econmica atual, mesmo no levando a uma crise profunda, no pode ser qualificada como adequada, principalmente levando-se em conta os problemas sociais, no s mantidos mas tambm agravados. Mesmo em pases desenvolvidos o desempenho macroeconmico tem sido fraco, com fortes restries ao uso de polticas keynesianas em momentos de crises. Tanto o impacto da globalizao financeira quanto do desenvolvimento tecnolgico tm sido muito

desiguais no Primeiro Mundo. Em pases europeus e no Japo, o desempenho do processo de inovaes parece no ser to eficiente quanto o dos EUA. Desta forma, a taxa de crescimento mdia no Primeiro Mundo tem sido menor que no perodo de Bretton Woods. Alm disso, o Terceiro Mundo fica completamente submetido lgica do capital internacional, no sendo sequer ouvido em discusses sobre alternativas. Deste modo, tendo em vista outros objetivos, seria necessrio um maior controle social sobre este sistema, pois o poder de veto do capital globalizado sobre as polticas nacionais pode ser entendido tambm como um poder de veto sobre as decises das prprias sociedades. O consenso liberal e as rivalidades entre pases centrais impedem avanos no sentido de reformas institucionais ou de uma cooperao no meramente adaptativa ou ad hoc. Mesmo que isto fosse feito, no se suprimiria a instabilidade inerente ao sistema, mas poderia reduzi-la e permitir a adoo de prioridades outras que no as do mercado oligopolizado. Uma posio entende que as tenses poderiam ser superadas mesmo que os capitais financeiros lquidos privados sejam muito maiores que as reservas em poder de autoridades monetrias. Entretanto, outra posio coloca dvidas inclusive sobre a suficincia da cooperao internacional neste contexto, mesmo que esta seja sistemtica. Desta forma, no surge o apoio poltico nem o consenso necessrio para uma reforma. Por isso, infelizmente talvez a soluo s venha depois de uma grave crise, com todos os seus custos, como a experincia deste sculo j deveria ter deixado claro. No entanto, a idia de que em um sistema mais liberal os ciclos econmicos voltariam a ser mais fortes no se confirmou, pelo menos por enquanto, em primeiro lugar devido ao fato de que as condies diferenciadoras destacadas por Minsky continuam vigorando, com o uso de polticas keynesianas de forma mais ou menos intensa, dependendo do pas. O caso dos EUA o mais claro de preenchimento destas condies: o Fed age persistentemente com o objetivo de estimular o investimento e o consumo, com a restrio do controle de preos; o grande setor econmico governamental funciona como estabilizador automtico da demanda; e o governo usa polticas keynesianas sem pudores sempre que necessrio. Os EUA podem agir desta maneira pois, apesar da grande dvida pblica, as polticas monetria e fiscal no se tornaram refns dos credores desta dvida. Alm disto, e apesar disto, os EUA mantm sua credibilidade frente aos mercados. O mercado s respeita quem se faz respeitar, e este sabe que o governo dos EUA pode agir com a

fora que for necessria na clara defesa de seus interesses nacionais (ou melhor, de seu capital nacional). Normalmente no se coloca aqui uma contradio, pois estes interesses, dada a posio hegemnica dos EUA, podem ser definidos ou identificados como sendo o interesse do mercado. Outra hiptese levantada sobre a assimetria do desempenho econmico dos EUA em relao ao resto do mundo de que esta se derivaria do fato de este pas no possuir, depois de Bretton Woods, mais restries externas s suas polticas econmicas (Teixeira, 2000). Como a emisso de dlares no est mais referida ao ouro, eliminou-se efetivamente o dilema de Triffin. No entanto, este poder monopolista de emitir a moeda internacional ainda possui restries pois, obviamente, ainda necessita do lastro do valor das mercadorias produzidas, e isto depende de sua eficincia econmica e tcnica. Portanto, a relao no seria simplesmente do poder da moeda dos EUA determinando seu desenvolvimento, mas tambm, e talvez principalmente, o oposto. Ou seja, a assimetria do desenvolvimento dos EUA frente aos outros pases seria baseada no poder de sua moeda e, por outro lado, em sua eficincia econmica e tecnolgica, que tambm determinaria a prpria hegemonia do dlar. Vivemos em uma economia monetria da produo, no em uma economia da produo simplesmente (via lei de Say), mas tambm no em uma economia monetria, apenas. Nos ltimos vinte anos, a economia dos pases desenvolvidos no tem apresentado crises muito graves (excetuando-se o caso do Japo), apesar da instabilidade (que tem sido maior nos ditos mercados emergentes), ao mesmo tempo que as taxas de crescimento so em mdia consideravelmente menores que as da Idade de Ouro (anos 1950 e 1960, fundamentalmente). No entanto, o fato de no se terem produzido crises fortes no prova de maior eficcia de um sistema mais liberal. De fato, a economia tem sido impulsionada, em alguns casos, por inovaes geradoras de novas oportunidades de investimentos e de maior produtividade, em comparao com os anos anteriores (dcada de 1970, basicamente), mas no quanto nos anos da Idade de Ouro. Como nos anos 1950 e 1960 a rigidez no mercado de trabalho (fator explicativo fundamental para a teoria Novo-Keynesiana dominante) foi maior que nos anos 1980 e 1990, e considerando-se que nenhum choque fundamental de oferta ocorreu no ltimo perodo, alm de que fatores de histerese tambm seriam pouco explicativos, a idia de que uma maior flexibilizao produziria mais crescimento pode ser posta em dvida. Apesar dos cortes no welfare state, dos

salrios diretos no terem acompanhado os ganhos de produtividade (mesmo estes tendo sido menores), de uma maior concentrao de renda e de um menor poder sindical, no gerou-se maior dinamismo econmico que no perodo de Bretton Woods. Isto provocou questionamentos e fez inclusive autores neoclssicos sentiremse desiludidos, levando alguns a elaborar auto-crticas sobre seus modelos, principalmente em relao aos resultados dos anos 1990. Uma explicao mais adequada para a eficincia da economia, principalmente a dos EUA, parece ser o desempenho das inovaes e uma maior flexibilidade para o uso de polticas macroeconmicas de estmulo demanda. Ao mesmo tempo, apesar do enfraquecimento dos mecanismos e instituies do perodo keynesiano, o fato que eles no foram eliminados com a maior desregulamentao. Quando em crise econmica, os mecanismos keynesianos continuam sendo usados pelos governos, o que demonstra que o consenso liberal no Primeiro Mundo no to forte quanto na Amrica Latina. 8 Referncias bibliogrficas AGLIETTA, Michel (1986). El Fin de las Divisas Clave: ensayo sobre la moneda internacional. Mxico: Siglo Veintiuno Editores, 1987. ________ (1995). O sistema monetrio internacional: em busca de novos princpios. Economia e Sociedade, n. 4, junho. ________ (1998). Lidando com o risco sistmico. Economia e Sociedade, n. 11, dezembro. ALVES Jr., Antonio J.; FERRARI FILHO, Fernando; PAULA, Luiz F. R. (2000). Crise cambial, instabilidade e reforma do sistema monetrio internacional: uma abordagem ps-keynesiana. Revista de Economia Contempornea, v. 4, n. 1, janeiro/junho. ATTAC FRANCE (sd). Control of Financial Capital. Disponvel em . Acesso em: 29 jan. 2002. BAER, Monica et al. (1995). Os desafios reorganizao de um padro monetrio internacional. Economia e Sociedade, n. 4, junho. BELLO, Walden (1999). Architectural blueprints, development models, and political strategies. Disponvel em . Acesso em: 29 jan. 2002.

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