DavidFleischer Reforma

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Rev. Jur., Brasília, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p.01-37, abr./maio, 2008 www.planalto gov.br/revistajuridica 1 Reforma política, instituições eleitorais e capital social David Fleischer 1 Magda de Lima Lúcio 2 Márlon Jacinto Reis 3 (Coordenadores) Sumário: 1. Introdução - 2. O debate atual sobre a reforma política - 2.1. Fidelidade Partidária - 2.1.1. O período 2003-2006 - 2.1.2. O período 2009-2010 - 2.2. Composição das listas parlamentares - 2.3. Financiamento de Campanhas - 3. Mobilização política e riscos eleitorais - 4. Análise dos dados qualitativos - 4.1. Sistema Eleitoral Vigente – Análise das representações sociais de segmentos sociais estratégicos na implementação de mudanças - 4.1.1. Confiança no sistema eleitoral e nos políticos - 4.1.2. Uma cidade do interior da Bahia – compreendendo o cenário eleitoral - 4.2. Ações parciais de reforma no sistema eleitoral vigente - 4.2.1. Mobilização popular e capacidade de intervenção - 5. Reforma Eleitoral - 5.1. Em busca de transparência, participação, eqüidade e confiança no sistema eleitoral - 5.2. Seminário Operacional - 5.2.1. Reforma Eleitoral em debate - 5.3. Pontos de vista sobre a reforma eleitoral - 6. Estudo de caso: assaltos a banco e eleições no Maranhão - 6.1. Descrição do caso - 6.2. Metodologia aplicada no estudo de caso - 6.3. Análise das entrevistas - 6.4. Considerações sobre o estudo de caso - 7. Considerações finais - Referências 1 David Fleischer é professor de Ciência Política na Unviersidade de Brasília. Graduou-se em Ciência Política pelo Antioch College, nos EUA, tornando-se Especialista pela University of Michigan – Ann Arbor. É Mestre e Doutor em Ciência Política pela University of Florida at Gainesville e alcançou o Pós-Doutorado na State University of New York, S.U.N.Y., Albany. 2 Magda de Lima Lúcio é professora do UniCEUB. É Mestre e Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília. 3 Márlon Jacinto Reis é presidente da Abramppe (Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais) e professor do programa de pós-graduação em Direito Constitucional Eleitoral da Universidade de Brasília. Possui Diploma de Estudos Avançados em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas pela Universidad de Zaragoza, onde atualmente se submete a programa de doutorado.

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    Reforma poltica, instituies eleitorais e capital social

    David Fleischer1

    Magda de Lima Lcio2

    Mrlon Jacinto Reis3

    (Coordenadores)

    Sumrio: 1. Introduo - 2. O debate atual sobre a reforma poltica - 2.1. Fidelidade

    Partidria - 2.1.1. O perodo 2003-2006 - 2.1.2. O perodo 2009-2010 - 2.2. Composio das

    listas parlamentares - 2.3. Financiamento de Campanhas - 3. Mobilizao poltica e riscos

    eleitorais - 4. Anlise dos dados qualitativos - 4.1. Sistema Eleitoral Vigente Anlise das

    representaes sociais de segmentos sociais estratgicos na implementao de mudanas -

    4.1.1. Confiana no sistema eleitoral e nos polticos - 4.1.2. Uma cidade do interior da Bahia

    compreendendo o cenrio eleitoral - 4.2. Aes parciais de reforma no sistema eleitoral

    vigente - 4.2.1. Mobilizao popular e capacidade de interveno - 5. Reforma Eleitoral - 5.1.

    Em busca de transparncia, participao, eqidade e confiana no sistema eleitoral - 5.2.

    Seminrio Operacional - 5.2.1. Reforma Eleitoral em debate - 5.3. Pontos de vista sobre a

    reforma eleitoral - 6. Estudo de caso: assaltos a banco e eleies no Maranho - 6.1.

    Descrio do caso - 6.2. Metodologia aplicada no estudo de caso - 6.3. Anlise das

    entrevistas - 6.4. Consideraes sobre o estudo de caso - 7. Consideraes finais -

    Referncias

    1 David Fleischer professor de Cincia Poltica na Unviersidade de Braslia. Graduou-se em Cincia Poltica pelo Antioch College, nos EUA, tornando-se Especialista pela University of Michigan Ann Arbor. Mestre e Doutor em Cincia Poltica pela University of Florida at Gainesville e alcanou o Ps-Doutorado na State University of New York, S.U.N.Y., Albany. 2 Magda de Lima Lcio professora do UniCEUB. Mestre e Doutora em Sociologia pela Universidade de Braslia. 3 Mrlon Jacinto Reis presidente da Abramppe (Associao Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais) e professor do programa de ps-graduao em Direito Constitucional Eleitoral da Universidade de Braslia. Possui Diploma de Estudos Avanados em Sociologia Jurdica e Instituies Polticas pela Universidad de Zaragoza, onde atualmente se submete a programa de doutorado.

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    1. Introduo

    O presente trabalho de pesquisa4 foi realizado nos marcos do projeto Pensando o

    Direito, lanado no incio de 2007 pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministrio da

    Justia (SAL/MJ) e pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) com

    a finalidade de estreitar os contatos dessas instituies com a comunidade cientfica e

    aportar dados e reflexes a uma lista de temas particularmente interessantes para os

    responsveis pela convocatria.

    A premissa adotada desde o incio pelos responsveis por este projeto de pesquisa

    era a de que no se pode discutir adequadamente o possvel impacto de alteraes

    normativas no apenas no que toca a mudanas no sistema eleitoral, mas com evidente

    relevo nessa matria sem a avaliao do cenrio social e poltico sobre o qual isso ter

    que incidir.

    Da adveio o propsito de realizar um levantamento de dados quantitativos e

    qualitativos to rigoroso quanto possvel, considerados os limites de recursos e o escasso

    tempo destinado realizao da pesquisa.

    De qualquer sorte, acreditamos ter propiciado, com o presente estudo, uma rica

    aproximao ao tema proposto no edital. O modesto escopo desta iniciativa e a

    complexidade do tema , por natureza aberto s mais diversas contradies e contra-

    argumentos.

    2. O debate atual sobre a reforma poltica

    Ao longo dos binios 2003/2004 e 2007/2008, as tentativas de aprovar uma

    significativa reforma do sistema eleitoral vigente no obtiveram xito.

    No primeiro semestre de 2007, a Cmara dos Deputados comeou a discutir uma

    proposta de regulamentao para a questo da fidelidade partidria. Ou seja, o Parlamento

    poderia ter disciplinado a matria antes mesmo de o TSE ter o seu pronunciamento sobre o

    tema confirmado pelo STF, o que s viria a ocorrer em outubro de 20075.

    4 O projeto contou, alm dos autores, com a colaborao de Manuel Calvo Garca, Manuel Contreras Casado, Jos Tudela Aranda, Bernardo Costa Ferreira e Vanessa Nspoli de Oliveira. No desenvolvimento dos trabalhos, recebemos o gentil apoio de Pedro Luis Martinez Pallares, da Fundacin Manuel Gimnez Abad e da Universidad de Zaragoza, Matthias Catn, da International IDEA e Gustavo Sallum Fortuna, do INEP. Foi tambm fundamental a contribuio Luana Chystina Carneiro Borges, Shaira Sampaio e Maria Paz Fuenzallida, de Braslia, e Priscilla Msena de Godoy e Patrcia de Jesus dos Santos, de Porto Alegre. 5 Esse debate foi provocado pela edio, por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), da Resoluo 22.526, de 8 de maio de 2007, segundo a qual o mandato do deputado eleito pelo sistema proporcional pertence ao partido que o elegeu, e no pessoa do deputado. Por conseguinte, o deputado que tenha trocado de partido tornou-se passivel da perda do mandato.

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    Observa-se que o Congresso Nacional, apesar do aviso prvio apresentado pelo

    em maio pelo TSE, deixou de regulamentar a matria, o que em parte pode ser atribudo

    crise parlamentar envolvendo Renan Calheiros (PMDB-AL), ento presidente do Senado.

    Vrias reformas j foram discutidas e debatidas no Congresso Nacional, na imprensa

    e entre especialistas/acadmicos desde antes da prorrogao da nova Carta Magna 20 anos

    atrs (em outubro de 1988).

    2.1. Fidelidade partidria

    A literatura especializada contm muitas anlises sobre os impactos da chamada

    migrao partidria, isto , a troca de legenda pelos deputados e senadores que muitas

    vezes tem incio antes mesmo da posse nas respectivas casas legislativas, especialmente

    durante os quatro meses entre a eleio (no incio de outubro) e a posse (em 1 de fevereiro

    do ano seguinte).

    Entre 2002 e 2003, por exemplo, nada menos que 37 deputados federais trocaram de

    partido antes da posse. Esse transfuguismo ajudou o atual governo a fortalecer a sua base

    de apoio na Cmara Baixa para aprovar reformas importantes em 2003. Essa migrao,

    todavia, no beneficiou diretamente o Partido dos Trabalhadores, mas quase dobrou o

    tamanho de dois partidos da base governista: o Partido Liberal e o Partido Trabalhista

    Brasileiro.

    J no perodo 2006-2007, sete senadores trocaram de legenda antes da posse. Com

    os resultados das eleies de primeiro de outubro de 2006, o Partido da Frente Liberal

    tornou-se o maior partido no Senado, com 18 membros, enquanto o Partido do Movimento

    Democrtico Brasileiro encolheu de 20 para 15 senadores. Por tradio, a maior bancada

    na Cmara Alta a do at ento denominado PFL poderia ter indicado o novo Presidente

    do Senado para o binio 2007-2008.

    Porm, em funo da forte migrao partidria observada nos quatro meses entre a

    eleio e a posse, o PMDB voltou a ter 20 senadores e o PFL foi reduzido a 17. Assim, o

    PMDB conseguiu reeleger o Senador Renan Calheiros presidente da Casa [e do Congresso

    Nacional]. Isso se revelou essencial para que a base de apoio [coalizo] do Governo Lula

    conseguisse manter a maioria antes alcanada na Cmara dos Deputados e no Senado

    Federal.

    Sem embargo, essa coalizo no logrou garantir uma maioria suficientemente

    confivel no Senado, o que foi evidenciado no episdio envolvendo a Proposta de Emenda

    Constitucional relativa manuteno Contribuio Provisria sobre a Movimentao

    Financeira, rejeitada em dezembro de 2007.

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    2.1.1. O perodo 2003-2006

    Ao longo do ano 2003, uma Comisso Especial constituda na Cmara dos

    Deputados apresentou uma interessante proposta de Reforma Poltica. Uma das

    propostas aprovada no parecer do Dep. Ronaldo Caiado (do ento PFL-GO) em dezembro

    daquele ano foi considerada um ovo de Colombo que aparentemente teria resolvido: a) a

    questo das coligaes (no sistema proporcional); e b) o problema da fidelidade partidria.

    Essa Comisso Especial props a transformao das coligaes em federaes

    partidrias. Em cada estado (para as eleies de 2006) os partidos comporiam diversas

    alianas para disputar as eleies proporcionais atravs das chamadas federaes.

    Todavia, os partidos integrantes dessas federaes teriam que permanecer coligados

    por trs anos. Segundo a proposta, os deputados dos partidos unidos na federao no

    poderiam trocar de legenda durante o mesmo perodo, s podendo faz-lo antes da data-

    limite prevista na Lei Eleitoral para as eleies seguintes.

    Esta Comisso Especial tambm sugeriu uma alterao nas normas de eleio

    proporcional: a lista de candidatos seria fechada, ou seja, a ordem dos candidatos seria

    previamente definida pelos partidos polticos. Segundo a iniciativa, os eleitores passariam a

    votar em legendas (partidos ou federaes de partidos) e no mais em nomes de candidatos

    individuais.

    A Comisso evitou outras modificaes mais drsticas nas normas das coligaes,

    tais como: a) eliminar totalmente a prtica de coligaes, o que compeliria cada partido a

    lanar isoladamente a sua lista de candidatos; ou b) estabelecer a prtica de sublegendas,

    onde cada partido participante de uma aliana (coligao) apresentasse a sua prpria lista

    de candidatos. Nos clculos dos resultados da eleio proporcional, os assentos

    conquistados pela coligao seriam alocados entre as vrias sub-listas num segundo rateio,

    realizado segundo a proporo dos votos obtidos por cada partido.

    Por outro lado, a Comisso deixou de apresentar proposta voltada limitao do

    nmero de partidos com assentos na Cmara dos Deputados como uma clusula de

    barreira similar utilizada nas eleies proporcionais na Alemanha: se o partido no

    alcanar 5% dos votos vlidos fica sem assento no Congresso. Na eleio proporcional no

    Brasil em 2006, 29 partidos lanaram candidatos e 21 elegeram pelo menos um deputado.

    Se a clusula de barreira estivesse em vigor e seguisse os critrios da legislao alem,

    somente sete partidos teriam elegido deputados.

    2.1.2. O perodo 2009-2010

    Quanto ao tema da fidelidade partidria, seria recomendvel a regulamentao dessa

    matria ainda no primeiro semestre de 2009, o que poderia ter reflexos antes do

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    encerramento do prazo legal para a filiao partidria dos postulantes a mandato poltico nas

    Eleies de 2010.

    Se o Congresso vier a optar por listas parlamentares fechadas para as eleies de

    2010, no mais subsistiria dvida quanto vinculao do mandato ao partido e no ao

    candidato eleito. Mesmo assim, seria razovel que essa regulamentao proibisse a

    mudana de legenda por deputados e senadores entre a eleio em outubro de 2010 e o

    prazo legal para mudana de partido antes das prximas eleies em 2014, abrindo-se uma

    janela para tais mudanas em agosto-setembro de 2013.

    Considerando, todavia, a existncia de um hiato de dois anos entre as eleies gerais

    e as municipais, apresentar-se-ia uma questo complicada para os parlamentares eleitos

    em 2010 que pensassem em candidatarem-se a prefeito nas eleies municipais de 2012.

    Caso a regulamentao da fidelidade partidria venha estabelecer que o deputado ou

    senador fique no mesmo partido pelo qual ele foi eleito at agosto-setembro de 2013, aquele

    parlamentar que vier a concorrer dois anos depois ao cargo de prefeito no poderia sair do

    partido pelo qual havia sido eleito em 2010.

    Tradicionalmente, a cada eleio municipal, entre 140 e 150 deputados federais se

    candidatam a prefeito. Destes, entre 30 e 40 se elegem. No final de maro de 2008, o jornal

    O Estado de So Paulo compilou uma lista de 127 deputados federais considerados pr-

    candidatos a prefeito (LOPES, 2008). Fenmeno similar se passa com os deputados

    estaduais.

    Por outro lado, esta regulamentao poderia impor a fidelidade partidria aos

    vitoriosos nas eleies municipais. Neste caso, os prefeitos e vereadores eleitos em 2008

    teriam que permanecer nos seus respectivos partidos (pelos quais foram eleitos) por trs

    anos ou seja, at a abertura de uma janela para troca de legenda em agosto-setembro

    2011 para se candidatar de novo em 2012. Isto quer dizer que, caso os prefeitos e

    vereadores eleitos em 2008 decidam candidatar-se a deputados estaduais ou federais em

    2010, teriam que faz-lo pelo mesmo partido que os elegeu em 2008.

    2.2. Composio das listas parlamentares

    Embora a Cmara dos Deputados tenha derrotado a tentativa de adotar o sistema de

    listas fechadas para as eleies proporcionais em 2010, no est fora de cogitao que se

    tente modificar a legislao eleitoral em 2009 para implantar essa reforma. Porm, se for

    negociada esta modificao, provvel que seja aplicada primeiro nas eleies municipais

    de 2012 e depois nas eleies gerais em 2014, j que seria improvvel definir que essa

    modificao incidisse j sobre a reeleio dos prprios deputados e senadores que

    discutiram a matria, um ano depois.

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    No primeiro semestre de 2004, a Cmara dos Deputados rejeitou o Projeto de Lei

    2679/03, que havia sido aprovado pela Comisso Especial em dezembro de 2003. Isso em

    virtude da ao de dois partidos da coalizo governista que corriam o risco de serem

    prejudicados pelas normas da lista fechada em 2006 Partido Liberal e Partido Trabalhista

    Brasileiro justamente os dois partidos mais beneficiados pela migrao partidria ocorrida

    entre 2002 e 2003.

    Em 2004, estas duas legendas detinham perto de 75 deputados e ameaavam

    obstruir as votaes do governo caso a reforma do sistema eleitoral seguisse tramitando. As

    duas legendas discordavam das regras previstas no PL 2679/03 para ordenar a lista dos

    candidatos para 2006, que se baseava na votao recebida em 2002 por cada partido.

    Como cerca de 50% dos deputados do PL e PTB haviam migrado a partir de outras

    legendas, faltavam critrios para adequ-los ordem das listas fechadas de cada partido

    na eleio seguinte uma lacuna no PL 2679/03.

    Assim, ainda em 2004, tentou-se novamente aprovar a lista fechada. A proposta

    deveria deixar cada partido escolher o mtodo mais adequado para compor essa lista

    preordenada ou via uma prvia com todos os filiados ao partido, ou por uma votao na

    conveno estadual do partido, ou pela votao anteriormente obtida, com previso de

    mecanismos para a incluso de novos candidatos etc. No fosse assim, o partido teria

    dificuldades para atrair novos adeptos para a sua lista de candidatos s eleies

    proporcionais. Por outra parte, o partido que adotasse uma prvia para a composio e

    ordenao da sua lista levaria vantagem na eleio final. Seria como que um ensaio

    eleitoral, mostrando quem possui maior influncia eleitoral pelo menos dentre os filiados do

    partido.

    J uma vez essa experincia ajudou o Partido Democrtico Social a ganhar a

    primeira eleio popular para governador do Rio Grande do Sul em 20 anos. Em 1982, o

    PDS (partido ligado ao governo militar) realizou uma prvia com sete pr-candidatos. A

    iniciativa serviu como uma mobilizao eleitoral que ajudou o PDS a alcanar a vitria em

    novembro daquele ano. Vitorioso na prvia, Jair Soares (PDS) derrotou Pedro Simon

    (PMDB) e Alceu Colares (PDT) por maioria simples (41%) num turno nico (FLEISCHER,

    1994).

    Com a adoo da lista fechada nas eleies proporcionais, o Brasil poderia implantar

    um mecanismo de cotas para incrementar a eleio de mais mulheres Cmara dos

    Deputados, s Assemblias Legislativas e s Cmaras Municipais semelhante Ley de

    Cupos usada na Argentina desde o incio dos anos 1990. Esta norma argentina obriga os

    partidos polticos a disporem candidatas pelo menos na 3, 5, e 7 posio nas suas

    respectivas listas fechadas e preordenadas. Na primeira eleio legislativa usando a Ley de

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    Cupos, a proporo de deputadas na Cmara dos Deputados saltou de uns 7% para 21%.

    Hoje elas dispem de mais de 30% de representao parlamentar na Argentina (JONES,

    1996).

    2.3. Financiamento de campanhas

    O PL 2679/03 previa o financiamento pblico exclusivo de campanhas eleitorais e

    proibia qualquer contribuio de pessoa fsica ou pessoa jurdica.

    A definio dos valores a serem conferidos a cada agremiao dar-se-ia de acordo

    com o nmero de deputados eleitos por cada partido na eleio anterior; no mais com base

    no tamanho da bancada um ano antes da eleio (que j incluiria a migrao partidria).

    Depois da adoo do mecanismo das listas fechadas, a segunda grande mudana no

    sistema eleitoral seria alterar as regras para o financiamento dos partidos e as suas

    campanhas eleitorais em 2006.

    Atualmente reconhecido como um grande entrave na democracia representativa no

    Brasil, o atual modelo privado de financiamento parece levar a que, quanto mais dinheiro o

    candidato tiver disponvel para a sua campanha, mais votos receber e maiores chances

    ter de ser eleito (FLEISCHER, 2004).

    Estima-se que a contabilidade do dinheiro gasto em campanha e efetivamente

    declarado Justia Eleitoral no chegue a um dcimo do total realmente gasto. A Justia

    Eleitoral, por sua vez, no dispe de mecanismos adequados de controle (FLEISCHER;

    WHITAKER, 2002).

    Grande parte das verbas de campanha circula no denominado caixa dois, onde

    atuam empresas e outras organizaes interessadas na conquista de parlamentares e

    outros mandatrios dispostos a defender seus interesses. Cndido Mendes estimou que

    foram gastos algo em torno de R$ 10 bilhes nas campanhas de 2002 (MENDES, 2004).

    O PL 2679/03 previa financiamento exclusivamente pblico das eleies, atravs de

    dotao oramentria base de R$ 7,00 multiplicados pelo nmero de eleitores cadastrados

    no ano anterior eleio. Alm disso, proibia totalmente as contribuies de pessoas fsicas

    e jurdicas s campanhas eleitorais.

    No entanto, no seriam vedadas estas contribuies para o Fundo Partidrio. Este

    continuaria constitudo por dotaes oramentrias anuais no valor de R$ 0,35 por eleitor

    cadastrado no ano anterior s eleies mas, somente nos anos impares (quando no h

    eleies). O ento Presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2002, Ministro Nelson

    Jobim, lembrou que naquela eleio, de acordo com as contas apresentadas pelos partidos,

    63% dos gastos foram com a contratao de servios e 47% com a produo de programas

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    para a mdia Os parlamentares viram que, nesses padres atuais, as eleies de 2006

    sero economicamente inviveis (BRANDO, 2003).

    No caso do montante de recursos pblicos para financiar as eleies, para 2006,

    estimou-se que o total disponvel poderia chegar a R$ 966 milhes (138.000.000 eleitores x

    R$ 7,00 cada). De acordo com os clculos do ento Ministro-Chefe da Casa Civil, Jos

    Dirceu, este gasto seria modesto equivalendo a apenas 10% do que o Pas acaba

    gastando com o sistema atual (Revista Paran Eleitoral, 2003). Se aprovado o projeto,

    esse montante teria sido distribudo entre os partidos da seguinte forma:

    I. 1% igualitariamente entre todos os partidos registrados no TSE 1% de R$ 966

    milhes = R$ 9,66 milhes;

    II. 14% igualitariamente entre os partidos com representao na Cmara 14% de R$

    966 milhes = R$ 135,24 milhes;

    III. 85% proporcionalmente s bancadas de deputados federais de cada partido eleitas no

    pleito anterior [outubro de 2002] 85% de R$ 966 milhes = R$ 821,1 milhes.

    Este mecanismo penalizaria os pequenos partidos, mas incidiria negativamente em

    especial sobre os mdios, tais como o PTB e o PL, que quase dobraram as suas bancadas

    com migraes aps o pleito outubro de 2002.

    Como exemplo desta distribuio em 2006, apresentamos os clculos para um

    grande partido [91 deputados] e um micro-partido [quatro deputados] assim, os recursos

    disponveis para o grande seriam dez vezes maiores que os disponveis para o micro:

    PSD (elegeu quatro deputados federais em 2002)

    a) 1/30 de R$ 9,66 milhes = R$ 322.000,00

    b) 1/15 de R$ 135,24 milhes = R$ 9.016.000,00

    c) 4/513 de R$ 821,10 milhes = R$ 6.402.000,00

    TOTAL = R$ 15.740.000,00

    PT (elegeu 91 deputados em 2002)

    a) 1/30 de R$ 9,66 milhes = R$ 322.000,00

    b) 1/15 de R$ 135,24 milhes = R$ 9.016.000,00

    c) 91/513 de R$ 821,10 milhes = R$ 145.653.000,00

    TOTAL = R$ 154.911.000,00

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    Para o partido que em 2002 no elegeu nenhum deputado federal e no tem

    representao na Cmara, o total de financiamento pblico seria de apenas de R$

    322.000,00.

    Num ano de eleies federais (como em 2006), a diviso destes recursos alocados

    para cada partido teria ficado assim:

    30% para a administrao nacional do partido, quando o partido/coligao tiver

    candidato Presidncia;

    20% para a administrao nacional do partido, quando o partido/coligao no

    tiver candidato Presidncia;

    do restante (70% ou 80%) para as administraes estaduais do partido, sendo

    que 50% proporcionalmente ao nmero de eleitores e 50% proporcionalmente s

    bancadas estaduais de cada partido na Cmara.

    Dessa maneira, 70 ou 80% destes recursos serviriam para custear as 27 campanhas

    estaduais (governador, senador e deputados federais e estaduais) de cada partido em 2006,

    conforme as dimenses do respectivo partido em cada estado. Aparentemente, no houve

    previso para as eleies com duas vagas para senador, como em 2010, por exemplo. Nos

    casos de coligaes (presidente, governador e senador) e de federaes (deputado federal e

    estadual), os partidos participantes teriam que acertar a distribuio da soma dos seus

    recursos.

    importante lembrar que os quatro elementos desta proposta (PL 2679/03) estavam

    interligados: a) federao de partidos; b) fidelidade partidria; c) lista fechada e d)

    financiamento pblico exclusivo de campanhas eleitorais. Adotados separadamente, seriam

    de difcil implementao.

    Finalmente, esto em discusso vrias propostas para modificar a sistemtica de

    constituir suplentes para o Senado Federal. A partir de 2007 surgiram vrias crticas sobre

    as caractersticas dos suplentes que haviam sido escolhidos pelos titulares para compor a

    chapa (em 2002 ou 2006). Nesse perodo, o Senado chegou a empossar 15 suplentes, ou

    seja, quase 20% do total da Casa. Alguns eram parentes do titular, outros eram

    financiadores de campanha e outros eram de partidos diversos, participantes da coligao.

    Presentemente, a Comisso de Constituio e Justia do Senado est discutindo

    vrias propostas e um substitutivo do Relator, senador Demstenes Torres (DEM-TO). As

    propostas so as seguintes:

    Eleio por sub-legenda: cada partido participante da legenda (coligao)

    apresentaria um candidato para ser votado. A legenda que recebe o maior

  • Rev. Jur., Braslia, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p.01-37, abr./maio, 2008 www.planalto gov.br/revistajuridica

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    nmero de votos ficaria com a vaga de Senador, e o mais votado dentro dessa

    legenda seria eleito; o segundo mais votado seria o primeiro suplente e o terceiro

    mais votado, o segundo. Este sistema j chegou a ser adotado durante o regime

    militar;

    Inexistncia de suplentes: ocorrendo uma vaga, o segundo mais votado assumiria

    a vaga, o que inviabilizaria eventuais pedidos de licena por parte dos titulares;

    Inexistncia de suplentes (segunda opo): na vacncia (permanente ou

    temporria) de posto no Senado, o deputado federal mais votado do respectivo

    estado assumiria a vaga;

    Ocorrendo uma vaga permanente, a substituio do Senador seria feita via uma

    nova eleio convocada pelo respectivo Tribunal Regional Eleitoral. Foi o que

    ocorreu, em 1961, quando uma vaga de senador por Gois ficou sem suplentes.

    Na oportunidade, o Tribunal Regional Eleitoral de Gois convocou uma eleio

    especial em junho daquele ano e o ex-presidente Juscelino Kubitschek foi eleito

    para preencher esta vaga at janeiro de 1967.

    Apesar de ter sido adotado durante o Governo Militar, o mecanismo da sublegenda

    parece melhor para consolidar a coligao entre os partidos participantes, estimulando-os a

    lanar candidatos com certo prestigio eleitoral. Este sistema solucionaria as substituies

    temporrias e permanentes do Senador titular.

    Ao mesmo tempo, h uma proposta que visa proibir a indicao de parentes para

    serem suplentes de senadores.

    3. Mobilizao poltica e riscos eleitorais

    No desenvolvimento das atividades de pesquisa relacionadas verificao de

    possveis riscos presentes no sistema eleitoral atualmente adotado no Brasil verificamos a

    necessidade de indagar sobre aspectos do comportamento eleitoral passveis de observao

    pela via do manejo de dados quantitativos.

    Num primeiro momento, tencionou-se analisar a absteno eleitoral como fonte de

    informaes sobre tendncias de comportamento passveis de interpretao sob mltiplos

    enfoques.

    O comparecimento eleitoral diz muito sobre a mobilizao do eleitorado. Desvios nos

    graus de comparecimento/absteno em eleies de nveis (eleies locais, regionais ou

    nacionais) ou de contedo (seleo de mandatrios, plebiscitos ou referendos) diversos

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    podem conceder valiosas fontes de dados sobre o capital social presente no universo

    estudado.

    Taxas muito altas de absteno em referendos e plebiscitos acompanhadas de

    ndices menores de absteno em eleies gerais e ainda menos significativos em eleies

    locais autorizam a formulao de hipteses sobre a presena de fatores externos de

    mobilizao6.

    Por fatores internos de mobilizao para o exerccio do voto consideramos aqueles

    encontrados na livre formao da vontade do eleitor. Denotam particularmente a presena

    de iniciativa para participar do processo eleitoral apenas a partir da atuao da prpria

    esfera volitiva do votante.

    Fatores externos so aqueles que substituem a iniciativa pessoal do autor por

    estmulos baseados em atos de aliciamento, estmulos personalsticos (vantagens materiais

    ou imateriais potenciais ou efetivas), coao econmica ou social, ameaas e at violncia.

    James Scott, citado por Bruno Wilhelm Speck (2003), apresenta uma escala do

    comportamento eleitoral baseado no grau de liberdade do voto. Nela o voto considerado

    desde as seguintes perspectivas: a) voto imposto observado nas relaes polticas de

    dependncia extrema, em que o eleitor no dispe da faculdade de decidir em quem votar,

    podendo mesmo ser vtima de ameaas ou violncia material ou pessoal em caso de

    dissentimento com o patrono; b) voto negociado em que o eleitor, mesmo no submetido a

    relaes de dominao direta, utiliza seu voto como instrumento para a obteno de

    vantagens pessoais, materiais ou no, imediatas; c) voto como expresso de confiana ou

    reprovao em que a opo eleitoral deriva de avaliaes baseadas na aceitao ou

    rejeio voluntria de candidatos ou proposies em disputa.

    Se consideramos o ir urna como uma das opes disposio do eleitor, deve

    interessar-nos indagar sobre os fatores internos e externos que podem influir sobre a

    manifestao desse comportamento.

    Essa observao ganha particular interesse quando se considera a existncia, no

    Brasil, do voto obrigatrio (arts. 6 a 8 do Cdigo Eleitoral). A obrigatoriedade do voto

    poderia implicar num comparecimento eleitoral relativamente similar em todo o territrio

    nacional, por apresentar-se igualmente aplicvel a todos os eleitores. Entretanto, os dados

    obtidos nesta pesquisa desmentem essa possibilidade, fazendo ver que a previso de

    sanes para a absteno no logram impedir fortes discrepncias nos indicadores de

    mobilizao para a outorga do voto.

    6 Constatao semelhante foi encontrada por Robert D. Putnam em trabalho de pesquisa desenvolvido na Itlia e divulgado atravs do livro Comunidade e Democracia (PUTNAM, 2005)

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    Foram obtidos dados nacionais relativos a todas as eleies ocorridas entre 1996 e

    2006, num total de 7 processos eleitorais, sendo trs de carter geral (1998, 2002 e 2006),

    trs de mbito municipal (1996, 2000 e 2004) e um referendum (2005).

    No mencionado referendo discutia-se a extenso das permisses legais para

    aquisio de armas de fogo. Foi desconsiderado o resultado da votao, sendo a pesquisa

    centrada apenas nos dados existentes sobre comparecimento/absteno eleitoral.

    A particularidade de tratar-se de uma eleio anmala, em que no se apresentam

    ao crivo popular candidatos, seno idias, favoreceu a utilizao desse recorte do

    comportamento eleitoral em particular como elemento especial de anlise.

    Feitas essas consideraes iniciais, apresentamos o grfico abaixo, em que se

    observa a variao nos nveis de absteno entre eleies de natureza diversa ao longo do

    perodo 1996-2006.

    Pelo que se pde observar, em todo o territrio nacional se bem que em patamares

    cuja diferena exige reflexes mais pormenorizadas prevalece a tendncia geral a um

    maior comparecimento do eleitorado nas eleies municipais.

    Dentre os fatores internos capazes de explicar esse maior comparecimento s

    eleies

    5,0

    10,0

    15,0

    20,0

    25,0

    30,0

    35,0

    40,0

    45,0

    1996 1998 2000 2002 2004 2005 2006

    %

    RO AC AM RR PA AP TO MA PI CE RN

    PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC

    RS MS MT GO

    Grfico 1. Mdia de Abstenes por Unidade da Federao, segundo o Ano da Eleio

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    locais em detrimento das gerais e do referendo, podem estar avaliaes subjetivas de

    que os governos locais so mais determinantes que os governos estaduais e os federais

    para a definio das questes polticas mais relevantes.

    Outros fatores que podem ajudar a definir um menor abstencionismo, lembrados por

    Dieter Nohlen, so o mayor grado de identificacin de los electores con los partidos o

    candidatos postulantes e uma ms estrecha competencia entre los postulantes. Sem

    dvida, a simples proximidade maior com os candidatos, o conhecer pessoalmente os

    envolvidos na disputa, so circunstncias que podem estimular o comparecimento eleitoral

    (NOHLEN, 2004).

    O nvel local tende a ser o palco para disputas mais acirradas, alm de envolver

    candidaturas de pessoas mais prximas dos crculos sociais dos eleitores. Esses elementos

    ajudam a explicar o maior comparecimento em eleies dessa natureza, embora paream

    no ser exclusivos na definio das taxas de comparecimento.

    A tabela abaixo correlaciona o comparecimento eleitoral no Referendo das Armas e o

    IDH:

    0,0

    10,0

    20,0

    30,0

    40,0

    50,0

    60,0

    70,0

    M A N A R I C A L D E IR A O G R A N D E

    D O P IA U I

    N A Z A R E Z IN H O C A M P O A L E G R E JO A O A L F R E D O R IB A M A R F IQ U E N E A R A C O IA B A G R O A IR A S S A O JO S E D O JA C U R I T U N A S D O P A R A N A R O N C A D O R A L T A F L O R E S T A

    D 'O E S T E

    IU N A F R A N C IS C O M O R A T O P R IM E IR O D E M A IO C O IM B R A A R E A L M O N T E IR O L O B A T O G L O R IN H A C A M P O S N O V O S V IS T A A L E G R E D O

    P R A T A

    C H A P A D A O D O S U L

    % de Absteno

    0

    0,1

    0,2

    0,3

    0,4

    0,5

    0,6

    0,7

    0,8

    0,9

    1

    IDH

    %Abs2005 IDH

    Percentual de Absteno no Referendo das Armas 2005 e IDH 2000 por Municpio

    Mara (AM)

    Melgao (PA)

    Campos de Jlio (MT)

    Chuvisca (RS) (PA)

    Alto Feliz (RS)

    A figura demonstra a existncia de relao significativa entre o indicador social

    mencionado e as taxas de no comparecimento na seguinte proporo: os nveis de

    absteno aumentam medida que o IDH vai diminuindo.

    A prefalada correlao estatstica demonstra a presena de fatores sociais

    condicionando a mobilizao poltica.

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    Todas essas consideraes parecem contribuir para uma possvel preponderncia de

    fatores externos como responsveis pela mobilizao eleitoral no Brasil. E de que a

    importncia residual desses mesmos fatores tanto menor quando maior o desenvolvimento

    social da populao estudada.

    Para testar de forma mais apropriada essa hiptese, a equipe de pesquisa

    desenvolveu o ndice de Variabilidade do Comparecimento Eleitoral (IVCE)7. O IVCE

    classifica os municpios de acordo com sua participao nas eleies. O maior valor (1)

    indica uma baixa absteno no ltimo ano do perodo considerado aliada a uma evoluo

    positiva do coeficiente de variao, o que foi valorado favoravelmente. O menor valor (0)

    indica uma alta taxa de absteno no ltimo ano do perodo investigado em conjunto com o

    coeficiente de absteno que decaiu ao longo desse interregno, o que implicou em avaliao

    desfavorvel.

    O mapa abaixo uma expresso grfica da distribuio dos indicadores produzidos,

    favorecendo uma avaliao nacional do tema pesquisado:

    O mapa acima apresenta interessantes dados sobre as zonas em que o nvel de

    absteno medido nas ltimas eleies gerais foi reduzido, e que ao mesmo tempo vm

    melhorando suas taxas de comparecimento s urnas. 7 A concepo e a elaborao do IVCE ficou a cargo de Vanessa Nspoli de Oliveira e Gustavo Sallum Fortuna.

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    Verifica-se que as caractersticas regionais no so decisivas para a definio do

    IVCE, j que so muitas as excees territoriais para mais ou para menos. Os vales do

    Jequitinhonha (MG) e do Ribeira (SP) continuam mostrando indicadores desfavorveis de

    mobilizao eleitoral, enquanto, no Nordeste, o Piau aparece ostentando as maiores zonas

    em que comparecimento eleitoral foi mais relevante naquela regio do pas.

    No h por outro lado uma coincidncia entre os ndices favorveis de

    comparecimento observados no referendo e os indicadores representados pelo IVCE.

    Na Regio Sul, por exemplo, em que foi relativamente pequena a absteno no

    referendo, as reas de alto IVCE dividem espao com outras pior avaliadas segundo esse

    indicador. A regio segue sendo, sem dvida, a que ostenta melhores atribuies de IVCE,

    mas revela incongruncias comportamentais relevantes a ponto de merecer anlises

    posteriores de dimenso mais profunda.

    A confrontao dessas descobertas com outras fontes de informao pode favorecer

    a anlise do impacto exercido pelo sistema eleitoral vigente sobre essas variaes

    comportamentais.

    Uma primeira anlise, sob esse enfoque, pode se dar em relao ao peso do atual

    modelo de financiamento de campanhas sobre a livre tomada de decises por parte dos

    eleitores.

    Aqui nos importam no os marcos legais em que definido o modelo vigente, mas a

    dificuldade de fiscalizao a que rendem ensejo.

    O Brasil adota um modelo baseado fundamentalmente no financiamento privado de

    campanha, no havendo at o momento estabelecimento de limites para os gastos

    eleitorais.

    De outra parte, a Justia Eleitoral no possui mecanismos de fiscalizao aptos a

    propiciar a apurao de meios no declarados de arrecadao e de realizao de despesas

    eleitorais.

    Isso pode favorecer o uso de recursos materiais pblicos ou privados como fatores

    externos de mobilizao poltica.

    Por outro lado, modelos baseados na competio entre membros de um mesmo

    partido podem contribuir para uma personalizao das campanhas, tendendo a reforar a

    reproduo de vnculos clientelistas ou baseados em outras formas de dependncia.

    A importncia de fatores tais como a confiana nos demais membros da comunidade,

    o estabelecimento de normas de reciprocidade e a formao de redes sociais de interao

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    devem ser reconhecidos como circunstncias de que depende o desenvolvimento de formas

    mais complexas de comportamento poltico.

    Essa vertente terica a Teoria do Capital Social parte do pressuposto de que a

    cooperao social realizada em bases de confiana recproca capaz de criar e reforar o

    comportamento cvico. Cidadania e civismo, aqui considerados em acepes correlatas,

    parecem mesmo derivar da existncia de meios propcios para o seu exerccio.

    O pertencimento a organizaes sociais tais como associaes, igrejas, clubes,

    sindicatos, partidos polticos e outras organizaes sociais propiciam o meio adequado para

    o desenvolvimento de posturas polticas e para o fortalecimento de vnculos de corte

    horizontal, desfavorecendo o clientelismo e outras formas de dominao poltica.

    A participao em processos eleitorais aporta valiosos dados para o estudo do

    comportamento eleitoral, mas tambm de suas condicionantes.

    O escopo deste trabalho e principalmente seu limite temporal no nos permite

    imergir nessa necessria abordagem, mas se presta a reafirmar a importncia dessa leitura

    a partir do cruzamento dos dados j obtidos com outros ainda pendentes de coleta, luz de

    uma teoria capaz de dar uma concreo s reflexes da emanadas.

    4. Anlise dos dados qualitativos

    Compreender e analisar o sistema eleitoral vigente, suas potencialidades e

    obstculos para a consolidao da democracia no Brasil um dos objetivos centrais dessa

    pesquisa. Para traar um percurso emprico da aplicao prtica do atual sistema eleitoral

    foram utilizadas tcnicas distintas de pesquisa, dentre elas entrevistas semi-estruturadas,

    questionrios, grupos focais e observao participante. A coleta dos dados ocorreu de maio

    a dezembro de 2007.

    Esses instrumentos compuseram a estrutura metodolgica da construo dos dados

    e objetivaram construir diversos nveis de compreenso, a partir do entendimento de que o

    lugar de fala de cada sujeito social entrevistado remeteu diretamente ao mundo social por

    ele vivido. Como exemplo, aqueles que experimentaram ou experimentam formas de

    participao social tm a oportunidade de elaborar percepes sobre o sistema eleitoral

    diferenciada daqueles que atuam diretamente na estrutura governamental ou ainda,

    daqueles que no trazem consigo as marcas da participao. A anlise qualitativa dos dados

    nos permitiu enxergar estruturas, em nvel no consciente, dos sujeitos entrevistados bem

    como, compreender os efeitos dessas sobre a formulao do mundo real vivido.

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    Os resultados compuseram um quadro de referncia, isto , um quadro das

    representaes sociais que os entrevistados possuem do atual sistema eleitoral e as

    possibilidades de reforma desse sistema. A anlise est estruturada sobre as seguintes

    categorias seguidas por seus indicadores , conforme podemos observar no organograma

    a seguir:

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    4.1. Sistema eleitoral vigente anlise das representaes sociais de

    segmentos sociais estratgicos na implementao de mudanas

    4.1.1. Confiana no sistema eleitoral e nos polticos

    O sistema eleitoral vigente est erigido sobre uma base histrica que remonta

    tradio poltica nacional, bem como aos sucessivos perodos de ausncia da democracia no

    Brasil durante o sculo passado. Segundo Barreto & Fleischer (2008) mesmo com a

    convocao da Assemblia Nacional Constituinte em 1988 seus membros no apresentaram

    propostas que representassem grandes avanos no que se refere ao sistema eleitoral. Ainda

    em 1985, antes portanto da convocao da Assemblia Constituinte, foram adotadas

    modificaes nas normas polticas, tais como a criao de novos partidos polticos, a

    legalizao de partidos comunistas, novas revises nos registros eleitorais, dentre outras

    (FLEISCHER, 2004). Durante o Governo Sarney, em 1995, a questo da fidelidade

    partidria, do financiamento de campanhas eleitorais e das coalizes partidrias chegou a

    ser discutida no Senado Federal, no logrando, todavia, sequer ser submetida a debate na

    Cmara dos Deputados (FLEISCHER, 2004).

    A incapacidade de se constituir caminhos plausveis em que esse contedo fosse

    efetivamente debatido perceptvel quando se observa o cotidiano da poltica nacional,

    largamente difundido nos meios de comunicao de massa, em que a ao poltica se

    encontra reduzida a acordos em que somente aqueles que participam se beneficiam. A

    preponderncia dessa percepo foi evidenciada durante o trabalho de campo e a

    constatao de vrios entrevistados nos chamou a ateno. Para eles a insero das urnas

    eletrnicas no processo eleitoral o tornou confivel. A alta confiabilidade nas urnas se

    transformou em tecnologia nacional para exportao, mas s foi possvel se tornar confivel

    porque no existe, segundo os entrevistados, manipulao humana durante o processo8.

    As urnas so vistoriadas e lacradas e a partir da, tudo eletrnico, segundo um

    entrevistado.

    Depreende-se dessa concepo uma supremacia da tcnica sobre as relaes

    sociais, ou seja, a soluo das questes polticas estaria circunscrita a uma ao de gesto.

    Interessante observar que os entrevistados crem que no poderia dar errado, j que tudo

    eletrnico e no h interferncia humana. No limite, a tecnologia concebida como algo

    distinto das pessoas, um poder imanente que paira sobre o ar, uma vez que no foi

    construdo por ningum.

    8 Todas as frases em itlico no texto so transcries das falas dos sujeitos entrevistados.

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    Talvez por esse motivo as eleies no sejam consideradas justas por alguns

    entrevistados, pois est construda por atos humanos. Para eles, os resultados eleitorais

    esto vinculados internamente a procedimentos e estratgias de campanha que no podem

    ser considerados benficos constituio de um cenrio democrtico. Interessante observar

    que os entrevistados distinguem o resultado do processo. Para LR, funcionria pblica,

    ocupante de cargo comissionado no Governo do Distrito Federal, as pessoas so descrentes

    dos polticos, mas no do processo eleitoral. Pode-se inferir que uma reforma eleitoral

    poderia resolver os problemas da poltica nacional, pois teria o poder de controlar os

    polticos e com isso, consolidar positivamente o processo eleitoral. LR no compreende a

    participao popular ou a reforma poltica fundamentada na participao como meio de se

    restaurar a confiana nos polticos.

    Curioso observar que ao mudar o pblico entrevistado obtemos diferentes nuances

    sobre o mesmo ponto. A indissociabilidade existente entre polticos e processos eleitorais s

    percebida por aqueles que so ativistas sociais.

    Segundo um Promotor da Justia Eleitoral, doravante denominado PJE, entrevistado

    por nossa equipe, as regras eleitorais favorecem aqueles que possuem recursos financeiros,

    pois esses usufruem mais poder no interior dos partidos polticos. Essas pessoas ao

    ingressarem em partidos polticos e apresentarem suas candidaturas se transformam em

    porta-vozes de corporaes.

    Muitas vezes os eleitores no se detm na escolha de seu candidato por no

    acreditarem que hajam polticos honestos, polticos que cumpram a sua responsabilidade

    social. Essa afirmativa, proferida por um lder religioso catlico que atua diretamente com os

    movimentos sociais, apresenta o espao da poltica como um lugar em que a racionalidade

    instrumental, ou seja, a ao com relao a fins,se tornou a nica motivao plausvel para a

    ao das pessoas. claro, que no existe somente essa motivao, mas segundo o

    depoimento, essa seria preponderante sobre as demais. Essa constatao nos abre

    caminho para a compreenso mais detalhada acerca do comportamento poltico da

    populao em geral. Quando se pressupe que as pessoas s podem agir se algo lhes for

    ofertado em troca cria-se um ambiente em que a liberdade no valor constituinte, por isso

    todos passam a olhar para a poltica com grande desconfiana no s nos polticos, mas

    para todo o sistema em geral. Retomando o depoimento de PGE,

    Normalmente as pessoas no discutem muito o mrito se, por exemplo, as urnas eletrnicas

    tm fraude, se no tm, se foram corretas ou no; elas no entram nesse mrito, elas simplesmente

    se sentem obrigadas a votar. Vo no dia, reclamam da fila, e pronto, cumprem o seu papel, a sua

    responsabilidade de cidado, muitas vezes sem ter a conscincia do que aquilo vem a significar. Ao

    mesmo tempo eu vejo que aos poucos a gente tem tido um amadurecimento poltico tambm, que os

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    meios de comunicao j no tem tanta fora de manipulao como tinham no passado. Aos poucos

    a gente tem avanado nessa conscientizao. Mas ainda muito pouco o que avanamos.

    A possibilidade de se trocar o voto por algo concreto quando se est em situao de

    extrema vulnerabilidade, desemprego, fome ou doena, transforma o eleitorado de estratos

    sociais menos abastados em alvo privilegiado de promessas, como exemplo o caso de um

    candidato em Braslia que ofertava batatas como meio de angariar votos. Esse modelo de

    atuao de alguns polticos, segundo um ex-candidato e militante do Movimento de Combate

    Corrupo Eleitoral (MCCE), tm seu poder e prestgio aumentado quando aparecem em

    noticirios, ocupantes ou no de cargos pblicos. Ao se tornar uma pessoa visvel

    publicamente ele consegue aumentar o nmero de cabos eleitorais em sua campanha.

    Segundo o entrevistado,

    Sa candidato e eu cheguei a ponto de ir numa casa e uma pessoa falar assim: voc no tem

    pinta de candidato, eu disse sou alfabetizado, sou filiado a um partido, moro em Braslia no sei

    quantos anos, como que eu no posso ser? no voc no parece candidato, a eu cheguei pra ele e

    voltei ento j entendi porque, eu no to de terno, no to de carro, eu no to te oferecendo e nem

    tenho como te oferecer nada em troca ento eu no pareo um candidato O candidato aquele que

    voc v na mdia acompanhado de vrios cabos eleitorais pra te manipular, e isso acontece na nossa

    comunidade, mesmo como voc falou, falando daquelas pessoas da batatinha e outras, eu participei

    agora de uma reunio na sede, daquele prefeito que distribui batatinha e foi apresentado isso que

    um prefeito entendeu? E isso no traz nada pra comunidade, no traz nada pra comunidade, ento

    essa pessoa ele reconhecido, ele recebido em qualquer lugar, agora a questo que eu sempre

    prego, o bem pra comunidade, um lazer, correr atrs de alguma coisa essas pessoa no

    reconhecida, porque eu no tenho o que oferecer, (...) com certeza, eu no vou ter nada a oferecer...

    No segundo grupo focal realizado com lideranas sociais de uma cidade da periferia

    de uma capital, doravante chamada SM, colhemos os seguintes depoimentos:

    P1 - o eleitor vota pelo prprio poltico, mas no sabe qual o partido, qual

    qual o significado, qual a sua proposta.

    P3 - s vezes no conhece nem o poltico.

    Ao votar no indivduo e no em um partido poltico, portador de uma histria, de uma

    tradio social o eleitor tambm tende a pretender algo individualmente. Trata-se da

    transposio de uma tnue linha. A transposio dessa linha pode gerar uma dificuldade de

    responsabilizao dos sujeitos envolvidos no processo eleitoral. A responsabilizao de

    instituies sociais e indivduos a base de governos representativos. A ausncia desse

    procedimento pode levar a longo prazo instabilidade poltica, social e econmica.

    4.1.2. Uma cidade do interior da Bahia compreendendo o cenrio

    eleitoral

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    Dois polticos de uma pequena cidade do interior da Bahia contriburam com nossa

    pesquisa trazendo o ponto de vista de uma prefeita e de um vereador sobre processos

    eleitorais.

    Em primeiro lugar enfatizaram que em cidades pequenas muito comum se vincular

    o voto pessoa e no ao partido. Porque se parte de uma relao de amizade, prxima ou

    no, mas todos se conhecem pelo nome, pela profisso ou pela famlia. Esse procedimento,

    segundo eles, dificultaria um procedimento mais neutro, no caso partidrio, para a conduo

    do processo eleitoral. Para o vereador o conceito partidrio raro no interior do Brasil. No

    serto a pessoa a referncia. Para exemplificar citado o exemplo do prprio entrevistado,

    um mdico, com trinta anos de trabalho na cidade, que no preparou o que se pode chamar

    de uma campanha poltica convencional, no fez santinhos (pequenos panfletos com a

    imagem e as principais propostas do candidato), fez somente um carimbo. Durante sua

    campanha ao percorrer a cidade em comcios e caminhadas simplesmente carimbava um

    papel qualquer e dizia: meu nmero esse que est a no papel. Segundo a Prefeita,

    tambm participante da mesma entrevista, essa estratgia fugiu a todos os princpios do

    marketing poltico, no entanto, o vereador foi o mais votado da histria do municpio.

    A opo poltica por um candidato em particular, por oposto vinculao do partido

    ao candidato fortalece procedimentos de compra de votos, segundo os entrevistados. Para o

    vereador quando algum entra para o mundo da poltica no entra para gastar dez e

    receber um, pelo contrrio, entra pra gastar um e receber cinqenta. Esse procedimento

    tambm influencia na definio do tipo de obra a ser realizada. As obras inadequadas, no

    concludas ou concludas e sem funcionamento, segundo ele uma forma de saque do

    patrimnio pblico. So pontes onde no existem rios, pontes abandonadas (...) Quando se

    chega em algumas cidades do interior existe o hospital municipal, mas no existe mdico

    para fazer os atendimentos.

    A vinculao entre campanhas polticas inspiradas em indivduos e corrupo

    eleitoral constri um cenrio propcio ao fim do idealismo coletivo que predomina no espao

    da ao poltica, ou seja, a impresso da esperana nas campanhas eleitorais. Segundo a

    prefeita:

    Nas cidades de interior no, voc o cumpadre ou a cumadre, o inimigo

    ou o que zangou, o que encontra ali na feira, o que encontra no

    mercado. Essa proximidade afetiva eu acho que permite um pouco mais,

    voc passa a ter uma briga quase que individual no pelo coletivo. A vira

    um jogo de interesses que muito comum. Voc vai olhar em quase todos

    os municpios uma dicotomia o grupo A com o grupo B, mesmo que surja

    pequenas... No fim alia-se ou vende-se, aqui muito comum.

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    Quando no se constri campanhas e posies polticas em torno de projetos e

    plataformas eleitorais torna-se mais fcil a conduo de acordos fundamentados em

    casusmos. A prefeita enfatiza que esse procedimento no ocorre somente com candidatos

    com posies conservadoras, mas tambm com candidatos que se consideram

    progressistas. No limite, ambos os lados, se utilizam de procedimentos semelhantes.

    A proximidade entre eleitores e candidatos no interior favorece uma maior

    proximidade, mas tambm favorece uma disputa mais pessoal, podendo chegar ao nvel de

    nomes. As famlias se agrupam na defesa de interesses distintos da cidade, muitas vezes.

    Ainda comum em comunidades pequenas a disputa familiar em cargos polticos e pblicos.

    Outro ponto que merece ser ressaltado a criao de novos modelos na

    consubstanciao de redutos eleitorais. Segundo a prefeita,

    (...) voc vai vendo tambm que hoje tem um o fenmeno que est

    acontecendo de votos que no so oriundos mesmo do municpio, que

    muito comum, eu me lembro que se citava vereadores que criaram

    verdadeiros redutos em cidades circunvizinhas, por exemplo, duzentos votos

    de Itabuna, pessoas que no tem nada a ver aqui {vereador: que no so

    residentes daqui, que no conhecessem a nossa realidade e que conseguiu

    fazer duzentos ttulos na cidade para trazer de fora}9 que era uma mdia de

    votos necessria para eleger o vereador.

    Observa-se que o sistema eleitoral vigente propicia esse tipo de conduta, uma vez

    que as listas eleitorais so abertas e o financiamento de campanha fica condicionado

    capacidade de cada um de angariar recursos para sua campanha. uma corrida que

    importa ganhar, no importa como, ou seja, onde os fins esto acima dos meios. Como o

    indivduo est acima do coletivo. Como o candidato se sobrepe ao partido. Ou seja, so

    fatos isolados que se unem na construo de um imaginrio coletivo que fortalece prticas

    eleitoreiras, ao invs de prticas eleitorais.

    4.2. Aes parciais de reforma no sistema eleitoral vigente

    4.2.1. Mobilizao popular e capacidade de interveno

    A Lei 9840, de 28 de setembro de 1999, uma iniciativa de mais de sessenta

    entidades da sociedade civil brasileira para a criao de um Projeto de Lei de combate

    corrupo eleitoral. Na busca de se alcanar as assinaturas necessrias para a criao de

    um projeto de lei de iniciativa popular foi criado o lema Voto no tem preo, tem

    conseqncias. Sob esse mote mais de um milho de assinaturas foram colhidas e hoje

    criados diversos comits municipais, estaduais e nacionais. Em virtude dessa Lei, j foram

    9 Sobreposio da fala da prefeita e do vereador.

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    cassados mais de 623 candidatos por corrupo eleitoral e existem mais de 1.100 processos

    em tramitao. Esse um exemplo de reforma parcial no atual sistema eleitoral. Esse

    exemplo apresenta caminhos para reformas mais profundas no sistema, bem como orienta

    aes menores enquanto no se consegue reunir condies para uma reforma de maior

    escopo e abrangncia. Indagamos aos nossos entrevistados sobre procedimentos relativos

    compra ou troca de votos por vantagem pecuniria ou no. Pretendamos descobrir se os

    eleitores sabiam que esse procedimento era tipificado como crime.

    Ao abordarmos esse ponto com os militantes do MCCE ficou evidente que no fcil

    para os moradores de cidades pequenas agirem contra os candidatos, particularmente

    contra aqueles que possuem um poder maior, e que no coincidentemente so aqueles que

    tm condies de prometer vantagens pessoais ou mesmo ofertar diretamente o dinheiro.

    Eles disseram que mesmo com a urna eletrnica os candidatos criam estratgias de

    confirmao do voto, como por exemplo, fazem mapas detalhados das promessas de votos

    e cotejam essas promessas com o nmero de votos obtidos em cada zona eleitoral. Por

    exemplo, uma pessoa que vota na seo eleitoral 32 promete cinco votos nessa seo a um

    determinado candidato. Pelo boletim de urna se define quantos votos aquele candidato

    obteve naquela seo, se for menos de cinco a pessoa que havia anteriormente prometido,

    pode sofrer algum tipo de sano, como no receber a vantagem anteriormente prometida.

    Na cidade de SM o proprietrio de uma empresa de transportes coletivos se

    candidatou a deputado distrital e no foi eleito. Como medida punitiva ele voltou cidade

    aps os resultados eleitorais e demitiu quase metade dos funcionrios e avisou que se

    tratava de um castigo por eles no terem sabido votar. Segundo os entrevistados as

    medidas punitivas so muito comuns na cidade. O medo dos eleitores tem fundamento em

    lies anteriores. Denunciar um risco porque o denunciante pode sofrer conseqncias

    pessoais ou algum membro de sua famlia pode se prejudicar.

    Os entrevistados afirmam que a partir da Lei 9840/99 algumas denncias j foram

    feitas, mas acreditam que muito ainda deve ser feito. Segundo eles:

    P1: . Trouxe um pequeno benefcio, de alguns que denunciam. PD ainda

    conseguiu denunciar um poltico com base nessa lei, e um dia l em casa

    ligou uma pessoa muito conhecida minha dizendo que tinha sido, que o filho

    dela tinha recebido um par de tnis no perodo da eleio de determinada

    candidata, a EB, a...

    (...)

    P1: Esses dias o candidato C ele tava dando caf da manh ou era ch da

    tarde, no sei onde era e eu fui numa associao, chegou uma carta l em

    casa pra uma irm minha dizendo que ela ia receber um lote, at hoje nem...

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    (risos), foi na poca do acidente, ela caiu de moto, a eu no mostrei pra ela,

    fui l no endereo, l na 118, cheguei l, fui despreparada, sem nenhum

    gravador, me deu uma encabula to grande porque quando eu chego l

    justamente era pra ser naquele dia e a presidente da associao dizendo l

    olha voc tem que votar no Cristiano porque ele deu lotes, a tinha duas

    mulheres l com a carta e o endereo, o qu que eu tinha que ter feito?

    Gravado, fui desprevenida porque eu s ia pra descobrir se era realmente

    uma questo dessa ... Cheguei l encontrei tudo nas mos, mas fui

    despreparada, ento a gente sabe que existe, sabe que poderia, at um que

    foi ao tribunal e foi pra ser cassado que foi comprovada a compra de voto

    dele e a at hoje no foi cassado, porque o tribunal de Braslia foi o nico

    que ainda no deu bom exemplo, o tribunal de Braslia, porque tem outros

    estados mais pobres que a gente j viu...

    O relato nos faz compreender melhor a teia em que os eleitores de cidades menos

    favorecidas economicamente esto enredados. Aps a eleio eles continuaro a viver l,

    vo precisar dos vizinhos e dos amigos para sobreviver, as chamadas redes sociais

    informais. A situao de vulnerabilidade tamanha que preciso ter muito cuidado para no

    desmanchar relaes ou criar desavenas desnecessrias. Muitas vezes a populao

    simplesmente se protege. A mobilizao e a participao tm sido utilizadas como

    estratgias que podem construir um ambiente favorvel a esse enfrentamento. Percebe-se

    aqui um embate clssico.

    5. Reforma eleitoral

    5.1. Em busca de transparncia, participao, eqidade e confiana no sistema

    eleitoral

    A Lei 9840/99 demonstra que as reformas podem contribuir para a formao de

    espaos favorveis consolidao de polticas igualitrias por meio da emerso de posies

    polticas no tradicionais ou convencionais. Essa experincia favorece o fortalecimento e

    consolidao da democracia a mdio prazo. Indagamos aos participantes da pesquisa sobre

    eventuais mudanas no sistema eleitoral vigente.

    Sobre a eventual adoo da lista fechada como parte de um novo sistema eleitoral

    um participante do MCCE apresenta o seguinte argumento:

    P2: Eu sou contra essa reforma poltica que tem a, essa reforma poltica

    que tem hoje, porque ela vai acabar com as lideranas, aquela pessoa que

    tem alguma, sabe por qu? Porque o voto vai pro partido, hoje ns vamos

    ser refns.

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    O militante e ex-candidato apresenta a lista fechada como um limite para a

    participao de candidaturas menores porque no seriam escolhidas para encabear a lista

    do partido. Para ele o processo eleitoral seria um momento privilegiado de exerccio da

    cidadania, pois a discusso sobre plataformas polticas abre o precedente para a discusso

    sobre as questes que interessam comunidade, no sentido mais restrito, mas tambm

    constroem anlises sobre questes mais amplas que abrangem o estado e o prprio pas.

    Para um participante do grupo focal com lideranas sociais da cidade SM a reforma

    tem que se circunscrever tambm mentalidade das pessoas. Segue seu depoimento

    P6: Pode reformar o processo, o Cdigo Eleitoral, a Constituio pode ser

    reformada, mas se os vcios continuarem os mesmos se a mentalidade no

    mudar, isso no vai adiantar de nada. Pode chegar no processo eleitoral

    perfeito que a gente vai continuar elegendo os mesmos polticos que elege

    hoje. Ento o que eu coloco, o debate tem que ser feito dentro da

    sociedade, esses grupos que fazem aqui esse debate tem que ser ampliado

    para vrios outros grupos fazerem esse debate, e a gente vai ter mudanas

    l na frente, no digo que venha haver ou no, mas a gente t sendo um

    foco dentro de uma linha viciada que existe na sociedade. E a gente tem

    condio de mudar. Eu acho isso sempre.

    Para os participantes em seu conjunto o aumento da escolarizao proporcionaria

    condies para os cidados acompanharem os trabalhos legislativos, com possibilidade de

    interveno e garantia eficaz da representao dos candidatos eleitos.

    5.2. Seminrio operacional

    5.2.1. Reforma eleitoral em debate

    O grupo de pesquisa realizou nos dias 16 e 17 de outubro de 2007 um evento

    intitulado Seminrio Operacional, no Salo de Retratos do Ministrio da Justia. O objetivo

    central da atividade foi constituir um espao propcio ao debate sobre os dados levantados

    pela pesquisa Reforma Poltica, Instituies Eleitorais e Capital Social, consolidados e/ou

    em fase de consolidao, acerca do sistema eleitoral vigente no Brasil para elaborar um

    quadro analtico favorvel ao entendimento e interveno junto proposta de reforma

    poltica em discusso no Parlamento brasileiro. Foram convidados membros do governo

    brasileiro, de entidades que apoiaram o projeto de pesquisa, representantes do Congresso

    Nacional e de instituies da sociedade civil organizada. O seminrio contou ainda com a

    presena do prof. Pedro Luis Martinez Pallars, representante da Fundao Manuel

    Gimnez Abad e o representante do International Institute for Democracy and Electoral

    Assistance (International IDEA), o Sr. Matthias Catn, ambas instituies parceiras dessa

    pesquisa.

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    David Fleischer, coordenador da pesquisa, iniciou os trabalhos do seminrio

    demonstrando a importncia de se trocar informaes entre rgos nacionais e instituies

    internacionais, pois existem hoje vrias propostas de reforma poltica sendo debatidas no

    Congresso Nacional.

    Ao longo de todo o Seminrio os participantes foram estimulados a expor anlises

    sobre a eventual adoo da lista fechada, de restries mobilidade partidria e o

    financiamento pblico de campanha. Dentre os participantes do seminrio contamos com a

    presena de um juiz eleitoral, segundo seu ponto de vista, a adoo de mecanismos de

    aproximao entre Estado e populao devem ser levados em considerao na adoo de

    uma nova lei eleitoral, veja excertos de seu depoimento:

    JE: (...) eu acho que realmente o plebiscito e o referendo so mecanismos

    importantes, mas, sem querer descartar [outras modalidades] eu acho que

    realmente tem que ser feito atravs disso, realmente um instrumento pra

    se debater com a sociedade como um todo, mas se possvel tambm no s

    isso, no ? Mas acrescentando tambm discutir isso com a sociedade com

    os organismos ditos normativos, porque ai os polticos com a sensibilidade

    que normalmente tem com o voto, a sociedade se mobilizando eu acho que

    a reforma se torna mais factvel, como bem lembrou o professor David

    Fleischer.

    O magistrado reafirma no somente a relevncia de que a reforma eleitoral ocorra,

    mas que preciso que ela seja efetiva. Para tanto prope a criao de espaos em que se

    possa debater e discutir diretamente com a populao.

    Outro ponto considerado relevante para o debate o diferenciado comportamento

    eleitoral entre eleies municipais e eleies nacionais, esse tambm deve ser um ponto a

    ser enfrentado na reforma eleitoral. Quais seriam as motivaes que levam as pessoas a

    comparecerem maciamente nas eleies municipais e se absterem de eleies nacionais?

    Segundo Mrlon, tambm coordenador da pesquisa:

    poderia advir da crena do eleitor de que o mbito municipal seria mais

    importante, pois ali se decidia coisas mais concretas da sua vida e que,

    portanto, valeria mais a pena participar das eleies nessas oportunidades.

    Mas foi levantada uma outra hiptese, que talvez no seja excludente, mas

    que tambm deva ser lembrada. Que a hiptese da relao de

    proximidade dos polticos com os eleitores estarem nas eleies municipais,

    trazendo mais pessoas s urnas em virtude de vnculos de natureza

    clientelstica.

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    A tentativa de coibir antigos comportamentos eleitorais deve estar no cerne de

    mudanas no sistema atual vigente. Para o Mrlon, essa pesquisa seria um ponto inicial,

    segundo ele,

    A pergunta que o projeto quer lanar, na primeira etapa da pesquisa de um

    diagnostico do sistema eleitoral atual porque motivo h tanta diferena no

    comportamento entre os diversos estados no que diz respeito ao

    comparecimento eleitoral.

    Outro participante do seminrio demonstrou a necessidade de se fazer cumprir os

    dispositivos j existentes na Constituio de 1988, segundo ele:

    Ns temos essa Constituio de 1988, que foi dita quando de sua

    promulgao como constituio cidad, que prev a participao direta da

    populao, prev a democracia participativa, e no apenas a democracia

    meramente representativa, como temos hoje. Ainda na questo da

    democracia representativa, ns temos rgos hoje que passam ainda

    margem do estado, do meu ponto de vista, por um equivoco de

    interpretao. A constituio de 88 ela bota os princpios da prioridade

    absoluta, e da proteo integral da criana e do adolescente, e aqui eu

    trago, tambm decorrncia da minha atuao como promotor da infncia e

    da juventude aqui em Braslia. Esses so princpios que parecem que ficam

    esquecidos pelo legislador, antes mesmo da aprovao pela Organizao

    das Naes Unidas em 1989, da Conveno sobre os Direitos das Crianas,

    que adota esses princpios, essa teoria da proteo integral e da prioridade

    absoluta, esses princpios j estavam na nossa Constituio.

    5.3. Pontos de vista sobre a reforma eleitoral

    A funo da poltica na vida atual foi um tema suscitado durante o Seminrio e

    tambm presente em nossa entrevista com o atual Presidente da OAB, Cezar Britto.

    Segundo ele, a populao brasileira no entende a poltica como vida, ou seja, parte

    essencial da vida humana. Para o Britto, o sistema representativo constitudo

    democraticamente no pas, entretanto, os eleitos ainda se utilizam da estrutura pblica para

    garantir interesses privados. Esse comportamento redundaria em prticas ilcitas, segundo

    ele, essa questo est sendo enfrentada pela populao brasileira com o apoio da OAB e

    CNBB ao criarem comits baseados Lei 9840/99 e propondo a cassao de polticos que

    no tm cumprido adequadamente suas funes pblicas.

    Para Britto, para que uma reforma poltica seja eficaz ou que pegue no pas, tem

    que ser apresentada e votada antes do perodo crtico definido por ele como aquele que

    antecede as eleies

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    O Prof. Fabio Konder Comparato tambm foi entrevistado por nossa equipe e analisa

    eventuais propostas no sistema eleitoral vigente. Para ele, a adoo de listas fechadas no

    Brasil poderia ocasionar a despersonalizao do processo eleitoral, porque a composio da

    lista ficaria a cargo da oligarquia partidria. Ele afirma que a tradio democrtica brasileira

    ainda tnue e os partidos brasileiros no so conhecidos por sua democracia, mas sim,

    por um comportamento oligrquico.

    Sobre prticas ilcitas no processo o professor assinala importantes avanos no

    cenrio nacional, como, por exemplo, a Lei 9840/99. O sucesso da lei, segundo ele, est

    amparado na grande capilaridade das duas instituies sociais que assumiram a frente do

    movimento: a Ordem Nacional dos Advogados e a Confederao Nacional dos Bispos do

    Brasil. So duas instituies de alcance nacional e por isso, puderam se inserir em todos os

    rinces.

    Outro ponto levantado pelo professor a incapacidade de a populao entender, em

    alguns casos, porque no pode trocar o seu voto por algo concreto, uma panela de presso

    ou um par de sapatos, j que h cinco sculos o patronato brasileiro mantm relaes desse

    tipo com a populao. Para mudar essa questo teria que se mudar o perfil educacional da

    Nao.

    Sua proposta consiste na reformulao do papel do Estado moderno, para ele, essa

    instituio deve estar atada proposta de construo do desenvolvimento nacional e isso

    no pode ser feito por projetos com quatro anos de durao. O Estado moderno, segundo

    ele, se diferencia do Estado clssico, na medida em que o primeiro se caracteriza pela ao

    e o segundo por ser esttico. E se fundamenta na e pela promoo de polticas pblicas,

    enquanto o estado clssico cumpre leis. A lei, segundo ele, esttica.

    Caberia, portanto, ao esse Estado, ampliar os mecanismos de participao e

    consolidao da democracia, promover o desenvolvimento nacional e aperfeioar o sistema

    representativo. Uma reforma eleitoral seria, ento, uma ao transversal, pois atravessaria

    os trs pontos. Ela no seria uma estrutura em si mesma, mas seria engrenagem

    fundamental de uma estrutura maior, mais ampliada e forte. A melhoria do sistema eleitoral

    seria alicerce para a definio do projeto de desenvolvimento nacional.

    6. Estudo de caso: assaltos a banco e eleies no Maranho

    6. 1. Descrio do caso

    No final de 2006, o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancrios do

    Estado do Maranho (SEEB-MA), divulgou seu Dossi Assaltos a Banco (1996-2006),

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    fazendo meno constncia crescente de assaltos constantes a bancos, casas

    comerciais, terminais de auto-atendimento bancrio (...) (SEEB, 2006).

    Aps a publicao do dossi, o ento diretor da Regional de Imperatriz do referido

    sindicato, afirmou que No pode ser uma simples coincidncia os assaltos se intensificarem

    nos anos eleitorais, e principalmente nos cinco meses imediatamente anteriores aos pleitos

    (VIVIANI, 2006).

    Decidiu-se, no contexto do presente projeto de pesquisa, por dirigir ateno a esses

    sinais preliminares, como elementos para a descoberta de caminhos pelos quais se pudesse

    investigar a correlao entre prticas delituosas relacionadas a desvios patrimoniais e o

    financiamento privado ilcito de campanhas.

    Os dados divulgados pelo SEEB-MA foram inicialmente convertido em um grfico que

    considerou os montantes roubados das agncias bancrias do Estado do Maranho no

    perodo de 10 anos, com incio em 1996 e concluso em 2006.

    O resultado assim alcanado pode ser verificado abaixo:

    0,00

    500.000,00

    1.000.000,00

    1.500.000,00

    2.000.000,00

    2.500.000,00

    3.000.000,00

    3.500.000,00

    4.000.000,00

    4.500.000,00

    1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008

    valor roubado

    Polinmio (valor roubado)

    O grfico revela uma ntida congruncia com as observaes iniciais do SEEB-MA.

    Nos anos eleitorais de 1996, 1998, 2000, 2002 e 2004 houve em regra um volume

    maior de dinheiro roubado que nos anos anteriores e posteriores a cada um.

    Exceo foi o ano de 2006, que apresentou aparente queda nos resultados dessa

    modalidade de atos ilcitos. Em 2004, houve um montante roubado bastante superior aos

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    dos anos no eleitorais anteriores, apesar de 2005 (ano do referendo das armas) haver sido

    tambm marcado por grande soma ilicitamente apropriada.

    6.2. Metodologia aplicada no estudo de caso

    Para testar a hiptese suscitada pelo sindicato optou-se pela produo de dados

    qualitativos consistentes em entrevista semi-estruturadas com cinco praticantes de assaltos

    a banco, dois lderes polticos, dois policiais de posio hierrquica elevada e um membro do

    GECOC Grupo Especial de Combate s Organizaes Criminosas do Estado do

    Maranho.

    6.3. Anlise das entrevistas

    Dentre os participantes de assaltos a banco entrevistados num total de cinco

    pessoas do sexo masculino que admitiram haver realizado pelo menos um ato ilcito dessa

    natureza no estado do Maranho dois afirmaram reconhecer a existncia de relaes

    desse tipo de crime com a atividade poltica.

    O primeiro entrevistado afirmou que j ouviu falar de alguma participao de

    polticos. Tem fulano que pode dar um apoio: prefeito, vereador... Soube de uma vez em que

    quatro ou cinco assaltantes ficaram aguardando a hora do assalto na fazenda de um

    poltico.

    Outro entrevistado, envolvido em assaltos a banco, reconheceu, como o primeiro, ter

    ouvido falar do apoio de um poltico, de um vereador. Mesmo para esse, assim como para

    trs outros assaltantes entrevistados, o aumento do volume do dinheiro roubado dos bancos

    nos anos eleitorais se deve diminuio da eficincia nas atividades policiais e majorao

    da quantidade de dinheiro disponvel nos bancos, em virtude das necessidade nsitas ao

    prprio processo eleitoral.

    O primeiro entrevistado, por outra via, reconheceu que nem todos os participantes do

    assalto tm acesso s fontes de informao e financiamento da operao.

    Isso pode justificar em parte a afirmao dos outros trs praticantes desse tipo de

    crime entrevistados nesta pesquisa, no sentido de desconhecer a existncia de uma

    conexo dessa atividade com a poltica.

    O primeiro dirigente da Polcia Civil (PC1) reconheceu preliminarmente que as

    informaes relativas ao aumento do dinheiro roubado das agncias bancrias nos anos

    eleitorais j eram do conhecimento daquele rgo, afirmando:

    A gente nota claramente que em anos de eleio o pico aumenta. A quantia

    aumenta. s vezes a quantidade de roubo a banco tambm aumenta.

    Sempre prximo eleio toda a quantia em dinheiro roubada maior. A

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    nica justificativa que ns encontramos para isso que exitem polticos

    ligados ao crime organizado que efetuam roubo a banco.

    PC1 afirma que a falta de inquritos ou aes penais em que a relao entre

    integrantes da poltica estadual e os membros das quadrilhas se deve dificuldade de

    obteno de depoimentos. Segundo suas palavras, ns no temos prova efetiva disso

    porque quando a gente prende a quadrilha eles simplesmente no comentam, no dizem o

    nome de ningum. um pacto que h entre eles.

    Ainda para PC1, sua observao indica que a conexo crime e poltica tem, neste

    caso, ntida correlao com a necessidade de financiamento para as campanhas, afirmando

    ter... fortes suspeitas de que o aumento devido a polticos estarem ligados a esse tipo de

    crime inclusive para se capitalizar para a eleio.

    Apesar das dificuldades observadas nas investigaes, ele afirma acreditar, sim, na

    existncia de um apoio de polticos no interior do Estado com relao a esse tipo de crime,

    embora reconhea a adoo de regras de conduta por parte dos envolvidos com a finalidade

    de ocultar a identidade dos polticos envolvidos.

    Essas consideraes so apoiadas pela entrevista realizada com o segundo

    entrevistado membro da cpula da Polcia Civil do Maranho (PC2). Para ele h um pacto de

    silncio entre os membros das organizaes criminosas e os polticos a elas relacionados. E

    apresenta possveis justificativas para a existncia desse acordo de discrio:

    Geralmente esse pacto de silncio se justifica na medida em que eles

    precisam de apoio quando eles sarem da priso. Ento aquelas pessoas

    que do apoio material, so responsveis pela logstica da quadrilha, no

    so denunciadas pelo grupo. Porque justamente quando eles sarem, forem

    soltos, eles vo contar com esse mesmo apoio. E, alm disso, h um pacto

    tambm no sentido de que essas pessoas que no so denunciadas, eles

    financiam tambm a questo dos honorrios advocatcios.

    PC2 afirma que em algumas ocasies a polcia chegou a obter informaes sobre o

    apoio prestado por polticos s prticas delituosas. Segundo o delegado:

    Geralmente quando eles vo fazer, praticar um assalto, na noite anterior ou

    ento dias antes eles ficam homiziados ou num mato, num matagal, ou

    numa fazenda, que seria o apoio. E geralmente esse apoio dado por

    pessoas influentes de certo municpio e polticos. Houve um caso, ou

    melhor, houve vrios casos, em que informalmente a gente obteve a

    informao de que o apoio seria dado por vereadores e at prefeitos de

    algumas cidades.

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    A viso dos dois dirigentes da Polcia Civil do Maranho convergente. Ambos

    admitem a associao entre polticos e assaltantes de banco, reconhecem as dificuldades

    presentes na investigao do liame intersubjetivo e apontam razes para a existncia de tais

    obstculos.

    Esse ponto-de-vista , no geral, acorde com as observaes de um dos membros do

    GECOC. Tambm ele admite que:

    Com relao a assalto a banco em perodo eleitoral, existe esse fenmeno,

    principalmente em eleies municipais. A gente identifica que existe com

    mais freqncia, no s de [assalto] a banco, mas a carro forte tambm.

    Ento so vrias as modalidades de assalto. E as organizaes criminosas

    que esto atuando so as mais diversas e acabam se misturando.

    Tambm para ele a explicao para essa aproximao se d em virtude da

    necessidade de obteno de verbas de campanha.

    [O assalto a bancos] uma fonte de arrecadao de dinheiro fcil para

    campanhas. Depois h o envolvimento com muitos assassinatos, pistolagem

    de alguns polticos, ou por motivao poltica ou mesmo por questes

    financeiras. A gente identifica muitos agiotas tambm j assumindo um

    papel no financiamento de campanhas.

    Na mesma linha de raciocnio do delegado, o Promotor de Justia avalia que os

    assaltantes so beneficiados por um esquema de proteo baseado na proximidade mantida

    com detentores do poder poltico.

    Alm disso, h a concesso da infra-estrutura ou, como prefere, de uma logstica

    para a prtica do crime. Segundo ele:

    So utilizadas fazendas. Antes da realizao do assalto geralmente essas

    quadrilhas vo para fazendas de pessoas j sabedoras da finalidade para

    qual est sendo utilizada a fazenda. A gente consegue identificar isso a.

    Um dos polticos entrevistados concorda com a existncia dessa conexo. Seu

    depoimento, no entanto, apresenta-se um tanto incoerente, pois de incio afirma serem

    poucos os casos de envolvimento de polticos, para logo em seguida dizer ser grande a

    proporo de prefeitos envolvidos com os assaltos a banco. Segundo ele:

    Existem poucos casos de envolvimento de polticos com esses crimes.

    uma coisa pesada. uma minoria, mas que pode causar danos. J tinha

    ouvido falar disso. H muitos prefeitos envolvidos com assalto. Mas isso

    minoria na Assemblia Legislativa.

  • Rev. Jur., Braslia, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p.01-37, abr./maio, 2008 www.planalto gov.br/revistajuridica

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    J o outro poltico que aceitou conceder a entrevista afirmou que os assaltos

    no tm vinculao com a poltica. Para ele,

    O problema que no perodo eleitoral h um afrouxamento no servio de

    segurana, porque (...) a princpio diminui o nmero de agentes policiais na

    ao direta de combate.

    E segue afirmando que no interior um prefeito tem disposio todo o

    efetivo policial, pois banca desde a alimentao at ajudas de custo.

    Quando vai viajar o prefeito leva o policial. Deixa de ser uma segurana

    pblica para ser uma segurana quase pessoal, para proteger o detentor do

    cargo pblico.

    O entendimento de que no perodo eleitoral h um dficit na capacidade de ao da

    polcia tambm lembrado, embora com outros argumentos, por PC1, para quem:

    Os conflitos eleitorais geram problemas complicados para a polcia. Toda

    hora denncia de que esto levando dinheiro daqui para l, ilegalidades, e a

    polcia vai ter que ir atrs. s vezes ns somos obrigados a deixar de fazer a

    nossa rotina de investigao, como nos roubos a banco para ver se no h

    dinheiro ilcito sendo levado de um ponto a outro aqui na capital.

    Nessa passagem identifica-se outra hiptese possvel, embora no excludente da

    anterior, para o aumento dos assaltos a banco no estado do Maranho no perodo que

    antecede as eleies.

    6.4. Consideraes sobre o estudo de caso

    Esta pesquisa procurou levantar apenas dados preliminares a partir da premissa

    sustentada pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancrios do Estado do

    Maranho, para o qual os perodos eleitorais vm sendo acompanhados por um acrscimo

    significativo no volume dos assaltos a banco.

    De fato, a partir do dossi divulgado pela referida entidade sindical, chegou-se

    preliminarmente elaborao de um grfico que confirma a grave denncia divulgada.

    Entretanto, os dados quantitativos relacionados aos montantes roubados e quantidade de

    assaltos no so conclusivos, nem exatos, j que algumas vezes os bancos se recusam a

    revelar os valores levados pelas quadrilhas por razes de segurana interna.

    No h dvida, no entanto, de que os dados publicados pelos bancos e reunidos pelo

    SEEB-MA demonstram uma variao constante e relevante nos nmeros relacionados aos

    montantes roubados, demonstrando ser factvel o incremento nos delitos dessa natureza em

    anos eleitorais.

  • Rev. Jur., Braslia, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p.01-37, abr./maio, 2008 www.planalto gov.br/revistajuridica

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    Essa observao robustecida pelo contedo das entrevistas realizadas,

    especialmente as realizadas com autoridades ligadas ao sistema de Segurana Pblica do

    Estado do Maranho.

    Direta e especializadamente envolvidos com a investigao de assaltos a banco, as

    autoridades entrevistadas foram todas acordes com a hiptese de que h uma estreita

    relao entre o aumento no volume roubado e as necessidades de obteno de recursos

    nsitas s campanhas polticas.

    Embora no sejam conclusivas, as informaes prestadas pelos assaltantes e pelos

    polticos contm detalhes que em parte servem de alicerce a esse entendimento.

    Esta pesquisa, por sua envergadura, no logrou deixar a salvo de dvida a denncia

    pblica apresentada pelo SEEB-MA. Mas sem dvida demonstrou a sua plausibilidade, o

    que aconselha maior investigao a respeito, tanto desde um vis acadmico, como sob a

    perspectiva da atuao do aparelho de segurana do Maranho.

    Tambm parece recomendvel a realizao de um estudo de abrangncia nacional a

    fim de que seja verificada a eventual repetio dessas tendncias em outros estados e

    regies do Pas.

    7. Consideraes finais

    Procurou-se dar a este documento a forma de um relatrio de pesquisa que pudesse

    no apenas noticiar as atividades investigativas efetuadas, como tambm ainda que numa

    perspectiva claramente inicial relacionar reflexes e anlises tericas suscitadas pelas

    mesmas.

    J que nosso fim era apresentar contedos capazes de proporcionar elementos para

    o debate em torno da Reforma Poltica, consideramos mais til sugerir estratgias reflexivas

    que buscar a apresentao de solues parciais.

    Ademais disso, para ns sempre foi claro que, pelo escopo do projeto, nada mais

    poderamos aspirar que no favorecer o reconhecimento da importncia das atividades

    desenvolvidas pela comunidade cientfica brasileira para embasar os grandes debates

    nacionais.

    A pesquisa realizada propiciou uma viso geral, embora no suficientemente

    profunda, do tema que constitui o cerne da convocatria apresentada pela SAL/MJ e pelo

    PNUD: uma anli