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DAVID S. SCHAFF – NOSSA CRENÇA E A DE NOSSOS PAIS CAPÍTULO XXIX A IGREJA E O ESTADO Meu reino não é deste mundo – Luc. 18:36. Para princeps super reges – O papa governa os reis. - Gregório VII. O Congresso não fará lei tendente ao estabelecimento de uma religião ou à proibição do livre exercício dela. - Constituição dos Estados Unidos Por tradição, a igreja católica romana defende a monarquia, que ela considera a mais excelente forma de governo, e reclama para o papa superior jurisdição nos negócios humanos. A teoria protestante, conforme se exemplifica nas instituições americanas, encara a democracia como a melhor forma de governo terreno e favorece a separação entre a Igreja e o Estado, sendo cada um soberano nas respectivas esferas. O governo procede do povo e o poder supremo é exercido por magistrados escolhidos pelo povo, os quais podem ser despojados do ofício pelo mesmo povo. Se, por dispensação divina, como se tem alegado, o pontífice romano se tornou supremo ditador na esfera da religião e da moral, o exercício dessa prerrogativa é de molde a se chocar com a teoria moderna da competência da lei civil e com os direitos individuais. As relações mútuas entre a Igreja e o Estado tiveram, nos séculos cristãos, quatro períodos: a supremacia hostil do império romano; a união dos dois, de Constantino a Carlos Magno, 312-800;a supremacia da igreja, durante a Idade Média; e a separação dos dois poderes. Ao tempo da perseguição que os cristãos tiveram de enfrentar, no primeiro período, o sentimento dominante era o de que, não sendo deste mundo o reino de Cristo, a igreja e o império continuariam a existir, sem apoio legal do poder civil à igreja. O juízo de Tertuliano era o de que, terminando o império romano, a presente dispensação teria chegado ao fim. A atitude assumida pela igreja para com a administração civil não era de hostilidade, mas de boa vontade, como o demonstram a oração aduzida à Epístola de Clemente de Roma aos Coríntios e a Apologia de Aristides. Diz a oração: “Concede aos governos, a quem tenhas outorgado soberania, ó Senhor, saúde, paz, concórdia, estabilidade, para que possam administrar sem falhas o encargo que lhes deste”. Quando o cristianismo foi adotado por Constantino, a igreja se tornou uma organização semi-política. Seu progresso e prosperidade exterior cresciam ou

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DAVID S. SCHAFF – NOSSA CRENÇA E A DE NOSSOS PAIS

CAPÍTULO XXIX

A IGREJA E O ESTADO

Meu reino não é deste mundo – Luc. 18:36.

Para princeps super reges – O papa governa os reis. - Gregório VII.

O Congresso não fará lei tendente ao estabelecimento de uma religião ou à proibição do livre exercício dela. - Constituição dos Estados Unidos

Por tradição, a igreja católica romana defende a monarquia, que ela

considera a mais excelente forma de governo, e reclama para o papa superior jurisdição

nos negócios humanos. A teoria protestante, conforme se exemplifica nas instituições

americanas, encara a democracia como a melhor forma de governo terreno e favorece a

separação entre a Igreja e o Estado, sendo cada um soberano nas respectivas esferas. O

governo procede do povo e o poder supremo é exercido por magistrados escolhidos pelo

povo, os quais podem ser despojados do ofício pelo mesmo povo. Se, por dispensação

divina, como se tem alegado, o pontífice romano se tornou supremo ditador na esfera da

religião e da moral, o exercício dessa prerrogativa é de molde a se chocar com a teoria

moderna da competência da lei civil e com os direitos individuais.

As relações mútuas entre a Igreja e o Estado tiveram, nos séculos cristãos,

quatro períodos: a supremacia hostil do império romano; a união dos dois, de

Constantino a Carlos Magno, 312-800;a supremacia da igreja, durante a Idade Média; e

a separação dos dois poderes. Ao tempo da perseguição que os cristãos tiveram de

enfrentar, no primeiro período, o sentimento dominante era o de que, não sendo deste

mundo o reino de Cristo, a igreja e o império continuariam a existir, sem apoio legal do

poder civil à igreja. O juízo de Tertuliano era o de que, terminando o império romano, a

presente dispensação teria chegado ao fim. A atitude assumida pela igreja para com a

administração civil não era de hostilidade, mas de boa vontade, como o demonstram a

oração aduzida à Epístola de Clemente de Roma aos Coríntios e a Apologia de

Aristides. Diz a oração: “Concede aos governos, a quem tenhas outorgado soberania, ó

Senhor, saúde, paz, concórdia, estabilidade, para que possam administrar sem falhas o

encargo que lhes deste”.

Quando o cristianismo foi adotado por Constantino, a igreja se tornou uma

organização semi-política. Seu progresso e prosperidade exterior cresciam ou

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minguavam, segundo se entendia, como favor imperial. Constantino se considerava

bispo da igreja em assuntos externos. Os imperadores baixaram leis religiosas,

convocaram sínodos e lhes aprovaram os decretos, impuseram penalidades às igrejas

desobedientes e proclamaram, como fez Teodósio, ser a fórmula nicena de doutrina a

única tolerada no império romano, ou tornaram a prática do paganismo e da heresia

ofensas capitais, como fez Justiniano. Carlos Magno, cujo reinado encerrou o período

de indiscutível supremacia imperial, foi comparado a Davi e chamado por Alcuino o

governador do reino e da igreja – rector regni et ecclesiæ.

§ 1. A teoria medieval do poder.- Depois de Carlos Magno, a supremacia

do imperador foi substituída pela supremacia papal; e o pontífice romano, como

representante da dominação de Deus, proclama-se super-soberano, tanto nos negócios

civis como em assuntos religiosos. As distrações da Europa ocidental, consequentes à

queda do império romano, e a fraqueza de seus governadores civis favoreceram o

exercício e o aumento do poder papal. Prerrogativas senhoriais foram reclamadas para

seu ofício, sobre toda a igreja e sobre os príncipes, por Nicolau I, que foi o primeiro

papa a ostentar coroa. Os soberanos recebiam do papa sua coroa, como garantia ou

confirmação do direito de reinar. Os grandes governadores papais dos séculos XI, XII e

XIII – Gregório VII, Alexandre III e Inocêncio III – exerceram juízo sobre os reis,

decidindo da validade das leis e das alianças nacionais e traçando as fronteiras das

nações. O papa e o imperador eram tidos como depositários de toda a autoridade

terrena, tendo, porém, o último seu direito de jurisdição postonas mão do papa. A teoria

se baseava na real ou pretensa cessão do direito de reinar, feita a Carlos Magno, por

ocasião das solenidades de sua coroação, na catedral de S. Pedro, por Leão III, assim

como nas citações das Escrituras e em comparação com as do papa com a alma e o

imperador com o corpo, um comparado ao sol e outro à lua, um ao ouro e o outro ao

chumbo. Tão elevado como está o céu acima da terra – prosseguia a comparação – está

o papa acima do governador terreno; e como a lua deriva do sol a sua luz, assim o

imperador deriva sua autoridade do pontífice romano. A concepção de Agostinho, de

que os governadores seculares alcançaram o poder mediante a rapina, astúcia, assassínio

e guerra, enquanto que o papa era escolhido de Deus e trazia as chaves do reino dos

céus, em razão de ser sucessor de S. Pedro, foi repetida pelos papas.

Gregório VII, 1073-1085, fortaleceu cada vez mais sua posição, citando as

palavras do primeiro capítulo de Jeremias: “Hoje te constituí sobre as nações e sobre os

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reinos, para arrancares e demolires, para destruíres e derrubares, para edificarem e

plantares”. Nem as massas, nem os príncipes eram competentes para por em dúvida a

arbitrária exegese daquelas palavras, cujas alusões ao Vaticano seriam tão cabíveis,

quanto à descrição de Catarina de Aragão, feita por Shakespeare, teria de aplicável aos

direitos da mulher nestes tempos modernos. A pretensão papal teve expressão, da parte

de Gregório, em declarações tais como estas: “Jesus Cisto, nosso Senhor, o rei da

Glória, constituiu a Pedro governador dos reinos da terra”; “Deus não excluiu a

ninguém e coisa alguma subtraiu ao poder do papa” – nullum excepit, nihil abe jus

potestate subtraxit – e: “A Pedro foi dado o governo, não só da igreja universal, mas do

mundo inteiro”. Em desrespeito ao princípio de exegese histórica e atribuindo a um

dado autor a significação que ele tinha no espírito, o cardeal Belarmino, cinco séculos

depois, continuou a usar das palavras de Jeremias para alicerçar a pretensão papal, como

o fizera Pio V antes de Belarmino, em sua bula de deposição de Isabel, e como Pio X o

fez, muito tempo depois dele, em 1910, em sua encíclica Barromeo. Inocêncio III, além

de usar das comparações já referidas, afirmou que o papa reina sobre as nações como

Pedro andara sobre as águas revoltas do lago da Galileia. Inocêncio IV disse que a sé

apostólica havia recebido diretamente de Cristo a realeza pontifícia e temporal –

pontificalem et regalem monarchatum – e que os direitos de reinar, como de fazer

guerra, pertencem ambos à jurisdição da igreja – grêmio ecclesiæ ambo gladii habentur.

Os papas medievais depuseram e entronizaram reis e príncipes, fomentaram rebeliões,

convocaram exércitos para lhes cumpriremos desígnios, lançaram tributos e reduziram à

condição de feudos à Sicília, os reinos de Espanha, Córsega, Portugal, Suécia, Polônia e

Inglaterra e tentou, em 1299, reduzir a Escócia. A pretensão alardeada pelos pontífices

foi defendida pelos teólogos. Em sua Lei dos Príncipes, Tomaz de Aquino declarou ser

o papa, por direito divino, o rei supremo do mundo inteiro – supremus totius mundi

rex.1 Finalmente, após haver reduzido à submissão príncipe sobre príncipe, Bonifácio

VIII, com sua teoria, foi atacado com sucesso por Filipe o Belo, de França. O conceito

medieval persistiu, todavia, como se demonstrou quando João XXII, menos de uma

geração após Bonifácio, fez queimar o tratado de Dante sobre a Monarquia, tratado que

afirmava que afirmava que o imperador exerce autoridade por imediata determinação d

Deus e não depende da sanção do papa. Na era que se segui a Dante, Marcílio de Pádua

e Wyclif combateram a acumulação de funções civis e religiosas pelo pontífice romano

e sustentaram a opinião de que o papa pode ser deposto por um imperador. Os livros de

Paduano foram postos no Index, em 1558. Em sua obra – A Igreja, Wyclif levantou a

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acusação de que, aceitando o domínio civil das mãos de Constantino, Silvestre havia

cometido um erro e aberto caminho a todas as espécies de males da igreja. A Pedro foi

dado domínio evangélico e não autoridade em negócios civis.

§ 2. A persistente afirmação da autoridade papal sobre o Estado.-

Resistindo à revolta religiosa do século XVI, Leão X apelou para o Estado, no sentido

de que cumprisse seu suposto dever, punindo a rebelião como um crime, processo

seguido pelos sucessores de Leão até o século XVIII. Aquilo significava a morte

judicial dos líderes da Reforma e a morte ou penas diferentes aplicadas a seus

protetores, e ainda guerra declarada, na qual o Vaticano tomaria parte ativa. Em 1559,

Paulo IV alegou, em termos explícitos, que, como vice-regente de Cristo, o pontífice

romano está investido da plenitude da autoridade sobre os povos e os reinos – super

gentes et regna – e exerce juízo sobre todas as pessoas individualmente. Os príncipes,

caindo em heresia, perdem seu direito ao trono. Depondo Isabel, “a pretensa rainha da

Inglaterra”, como herética e defensora de heréticos, Pio V ao mesmo tempo se dizia ser,

por eleição divina, “o soberano de todos os povos e de todos os reinos”.2 Lord Acton

tem isto a dizer de Pio V: “Pio depôs a Isabel e contratou um criminoso para a

assassinar... Apelou para o assassínio, em execução da sentença de excomunhão, e

proclamou ser doutrina segura que qualquer pessoa pode apunhalar a um herético

condenado em Roma, sendo que é herético todo aquele que ataca a prerrogativa papal”.

O historiador também escreveu que “o tiranicídio se tornou geralmente popular, sob a

presumida, se bem que não indiscutível, autoridade de Tomaz d Aquino. Muito tempo

depois da morte de Pio V, aquilo continuou a ser ensinado pelos mais afamados

teólogos, por Gregório de Valência, por exemplo, e Suarez”. E ainda escreveu ele: “Os

papas foram não só assassinos por atacado, mas fizeram do assassínio lei da igreja cristã

e condição de salvação”.

O escritor citou a Suarez, que em 1613 defendeu a atitude segundo a qual

“os papas podem depor soberanos heréticos que se insurjam contra os dogmas de fé

pertinentes à salvação da alma”, e a Zacarias, falecido cerca de 1790, no ponto em que

diz que uma pessoa, estando “sob excomunhão do papa, pode ser assassinada em

qualquer lugar”. Em 1580, Gregório XIII, após ter responsabilizado a Isabel como

causadora da perda de milhões de almas, anunciou que não havia dúvida de que,

qualquer que a tirasse do mundo, com a reta intenção de servir a Deus, não só não

cometeria pecado, mas alcançaria méritos. Sixto V, em cujo pontificado foi a Armada

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Invencível enviada contra a Inglaterra, auxiliou a empresa de Filipe por ajuste com o rei

de Espanha e ofereceu-lhe, de início, três milhões de escudos e mais tarde um milhão,

contanto que a esquadra partisse em 1588. Três anos depois, Gregório XIV, 1591,

escreveu que considerava de seu poder tudo quanto pudesse para exterminar os

huguenotes, até mesmo concluindo aliança com os turcos contra a França – e no mesmo

ano mandou um exército à França para ajudar a proteger a religião católica, tendo

abençoado os estandartes das tropas.3

Quando Tiago exigiu dos católicos ingleses o juramento, pelo qual

renunciavam ao direito papal de depor os reis, Paulo V condenou o juramento.

Clemente XI, escrevendo a seu “amado filho em Cristo”, Luiz XIV, a 16 de abril de

1706, contestou que um protestante tivesse direito de escolher seu soberano, sem

anuência do pontífice. “Uma pessoa não-católica não pode, sem afronta à igreja,

assumir o sagrado título de rei. Assim fazendo, são fulminados pela Palavra de Deus –

‘Tendes reinado, mas não por meio de mim’ ”. Clemente se referia ao primeiro rei da

Prússia, um protestante, que havia sido coroado poucos anos antes. A super-soberania

do papa teve um vigoroso defensor no cardeal Belarmino, que, em seu cuidadoso estudo

da jurisdição, derivou o direito do papa da excelência da monarquia como forma de

governo, assim como da eleição divina. Trouxe, todavia, sobre si a repreensão do papa,

por ter distinguido entre autoridade direta e indireta, exercida pela sé papal, assim se

apartando a toda a teoria medieval. Belarmino estabeleceu três teorias possíveis em

relação à soberania papal: 1. O papa tem, por direito divino, absoluto poder –

plenissimam potestatem – sobre toda a terra, tanto em matéria civil como em negócios

eclesiásticos, tanto sobre povos pagãos como sobre povos cristãos. 2. Ele não tem

autoridade temporal, opinião que o cardeal atribuiu a Calvino. 3. Ele tem suprema

autoridade na igreja e autoridade indireta em assuntos temporais. Esta última teoria ele a

comentou, esclarecendo que o pontífice, como principal líder espiritual – summus

princeps spiritualis – só exerce suprema autoridade em assuntos temporais, na medida

do que for necessário para assegurar o bem-estar das almas. Para alcançar semelhante

fim, ele pode mudar os reinos, entronizar reis e depô-los e confirmar ou anular leis.

Belarmino defendeu vigorosamente a decisão de Paulo V, de 1606, de que era ilegal que

os católicos afirmassem sob juramento que o papa não tem autoridade para depor os

reis. Com os olhos postos nas ideias medievais, de que o imperador é representante do

poder civil coletivo, o cardeal preconizou como ideal tivesse a Europa um governo

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único, ideal que, por considerações geográficas e de outras espécies, ele considerou,

todavia, de impossível realização em seu tempo.

§ 3. A Teoria e a Prática dos Reformadores.– Rejeitando a soberania

papal, os Reformadores foram demasiadamente longe no rumo oposto e atribuíram ao

Estado funções reguladoras dos negócios eclesiásticos. Lutero, cujo espírito não se

inclinou para as coisas de governo, usava, às vezes, de linguagem muito aproximada da

que define a atitude americana. Em seu escrito sobre o poder civil, disse que “Deus

instituiu dois governos, o governo de Deus exercido por Cristo e o governo do mundo

exercido pelo magistrado civil, cada um com suas próprias leis e direitos, e as leis do

reino terreno não vão além do corpo e dos negócios exteriores da terá. Sobre a alma,

Deus não pode nem quer colocar ninguém a governar, senão exclusivamente a ele

próprio”. Amente de Calvino, inclinada para a administração, elaborou um sistema que

devia tratar as duas esferas como se fossem coordenadas, mas o Reformador falhou no

subtraí-las à superposição. Na secção de suas Instituições dedicada ao governo, definiu

como dever da administração civil “sustentar o culto externo de Deus, preservar as

verdadeiras doutrinas da religião, defender a constituição da igreja e regular a vida dos

homens da maneira requerida pelo bem-estar social e livrar-nos de viver confusamente,

à maneira de ratos em paiol”.

O Estado de Genebra era uma teocracia, na qual as funções, agora

consideradas da competência da igreja, eram exercidas por funcionários civis. Estes

elegiam os presbíteros da igreja, puniam de morte a blasfêmia, proibiam que os pais

dessem nomes de santos católicos romanos a seus filhos, baniam heréticos ou os

executavam e lançavam impostos para o sustento do ministério. Entretanto, insistindo

em que o único direito da igreja era o de excomungar a seus membros e determinar as

qualificações do ministério e as exigências para a participação da Ceia do Senhor, e

insistindo especialmente em ser a consciência o último juiz nas matérias estritamente

religiosas, Calvino se colocou no caminho de que iria resultar o tornar-se cada um dos

poderes, em sua própria esfera, soberano.4 Sua declaração abrangente foi a de que

“ninguém está sujeito ao governador, a não ser no Senhor” – Instt. 4:20, 32.

O esquema político de Calvino foi adotado pela Confissão de Westminster e

outras Confissões Calvinistas, e os parágrafos que o definiam foram lidos e relidos

pelos Puritanos da Nova Inglaterra. Seus princípios foramintroduzidos no Corpo de

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Liberdades do Massachussetts, de 1641, e na Plataforma de Cambridge, de 1648.. Os

magistrados civis, que, de acordo com Isaías 49:23, eram chamados aios da igreja,

sustentavam o direito de convocar sínodos e aprovar-lhes os atos, coletar taxas para o

sustento do culto religioso, banir e até levar à morte os dissidentes da “ordem

estabelecida”.

A despeito do insucesso dos Reformadores, no tornarem clara a distinção

entre as funções das duas esferas de poder, os princípios fundamentais da Reforma,

principalmente nas terras que adotaram o tipo calvinista, demonstraram ser a sementeira

fecunda da democracia moderna e da separação entre a Igreja e o Estado. O próprio

Calvino passou além de sua primitiva teoria, de ser a aristocracia a melhor forma de

governo civil, e em 1559 tomou a direção da democracia, ao pronunciar-se pelo governo

“nas mãos de muitos, de modo que, se algum se arrogar mais do que for justo, os

demais procedam como censores e chefes, para refrear a ambição do homem de

governo”. Segundo o desenvolvimento que lhe deram os sucessores de Calvino, Beza,

Hotman e outros professores de Genebra, Ponet, bispo de Winchester, que passou algum

tempo em Genebra, o huguenote du Pleiss Mornay e outros biblicistas protestantes, a

teoria normativa em voga entre as nações da Europa ocidental veio a ser a de que o

governo existe “por consentimento do povo”.

O governo – doutrinaram aqueles escritores – se baseia num contrato, tácito

ou expresso, entre o povo e o príncipe. Quebrando o compromisso, o príncipe pode ser

deposto e, se necessário, sofrer oposição armada. Essa teoria eles a derivaram das

Sagradas Escrituras e da lei natural. Genebra deu o exemplo do governo oriundo de

parlamentos, em contraste com um soberano a reinar por direito de sucessão ou por

aprovação papal, sendo que aquela forma de governo foi condenada por Belarmino. O

direito de afastar os reis pertence, segundo os escritores calvinistas, não “aos

particulares”, isto é, indivíduos, mas ao corpo de magistrados ou a uma assembleia da

nação. No caso de o governador violar o pacto, o povo, através de seus representantes,

tem o direito de consulta e, se necessário, de substituição do governo.

Semelhante teoria tem notável expressão na Holanda, Escócia e Inglaterra,

países que abriram as portas à liberdade constitucional. Na Escócia, onde a Reforma foi

estabelecida por ato do parlamento, João Knox, à pergunta formulada pela rainha Maria:

“Pensas que os súditos, tendo meios, possam resistir a seus príncipes, recorrendo à

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violência?” – respondeu: “Sem dúvida que o podem, Senhora, desde que os príncipes se

excedam”. Na Holanda, quando Guilherme o Taciturno pediu o parecer de Mornay

sobre se os holandeses eram obrigados a continuar sob o despotismo de Filipe II, teve

resposta que, havendo Filipe quebrado o contrato que celebrara entre si mesmo e o país,

os holandeses teriam razão se fizessem o mesmo e renunciassem a seu governo. Em sua

Defesa da Liberdade contra os Tiranos, Mornay expôs a teoria, servindo-se de palavras

como estas: todos os governadores recebem do povo sua autoridade. O governador é

somente o ministro do Estado; o povo é o Último Senhor. A obrigação existente é

recíproca. A autoridade do povo, quando age como u corpo, é superior à prerrogativa do

governador. Se o príncipe descumpre sua obrigação, o povo pode refreá-lo ou negar-lhe

obediência. O contrato entre eles se torna caduco. Em obediência a essa teoria, o povo

dos Países-Baixos adotou a Declaração de Independência, em 1581. Na Inglaterra foram

os Calvinistas e os princípios calvinistas que sustentaram a mais notável de todas as

lutas pela liberdade constitucional. Um dos episódios dessa luta foi o combate dado, sob

os príncipes Stuarts à teoria do direito divino dos reis, terminando com a Declaração de

Direitos, de 1689. Entrementes, o Longo Parlamento havia representado a vontade

popular e executado a Carlos I, por ter rompido seus compromissos para com a nação.

Estava reservado às colônias norte-americanas o se tornarem a pátria do

governo absolutamente popular e da absoluta liberdade religiosa. O povo trazia esses

sentimentos no sangue, por herança e pela recordação das opressões civis e religiosas

que o haviam forçado a buscar novos lares em região selvagem e remota. O Ato

Holandês de 1581 foi seguido pelo Pacto de Mayflower, pelo qual os signatários “se

uniam sob compromisso num corpo civil”; semelhante declaração foi mais tarde

seguida, na Inglaterra pela Aliança Solene e Pacto, pela Lei de Direitos, pelo

Instrumento de Governo de Cromwell, e, na América, pela Declaração de

Independência e pela Constituição de 1789. Desde o princípio, era familiar à Nova

Inglaterra a significação de um pacto público, graças aos pactos da igreja, pelos quais os

membros da congregação se uniam; e a soberania popular progredia, graças aos

comícios municipais, em que se travavam debates em torno de negócios públicos.

Determinando a celebração do terceiro centenário de Plymouth, a 21 de dezembro de

1920, o presidente Wilson o fez, como escreveu, “em razão da influência que os ideais e

princípios dos Peregrinos, no tocante à liberdade civil, tiveram na formação e

crescimento de nossas instituições e de nosso desenvolvimento e progresso como

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nação”. A opinião no Massachussetts não esperou pela Convenção local de 1774, para

conjugar “as liberdades civil e religiosa”. Na Virgínia se preparou o advento de sua

união, através da independência do espírito cavalheiresco e do espetáculo de

Presbiterianos e Batistas, despojados de direitos civis pela religião estabelecida e

reduzidos a mendigar o privilégio de praticar o seu culto. Foi um notável indício de

orientação providencial o fato de as colônias do norte e do sul se terem unido na luta

pela independência internacional e que a Constituição Americana tenha sido escrita por

ato conjunto de seus líderes. Pelo princípio de soberania popular, o governo é do povo,

para o povo e pelo povo, como o expoente de nossas instituições, Lincoln, o definiu.

Pelo princípio de igualdade religiosa perante a lei e separação entre a Igreja e o Estado,

o governo é obrigado a não tomar parte no estabelecimento de qualquer religião, o u

demonstrar preferência por qualquer forma particular de culto religioso. Uns poucos

dias antes que fosse assinada a Declaração de Independência, já a Virgínia havia abolido

a Igreja Episcopal como culto oficial e feito a declaração que todos os homens são

igualmente dignos “de livre exercício de sua religião, segundo os ditames de sua

consciência”.

§ 4. O cidadão católico romano e a obrigação civil.- A extensão em que

os cidadãos católicos romanos dos Estados Unidos podem dar pleno assentimento aos

dois princípios da Constituição – a soberania popular e a igualdade religiosa – é questão

que admite uma de duas respostas, sendo uma baseada em pronunciamentos papais e

outra em declarações procedentes de eminentes prelados e leigos americanos, de

religião católica romana. Segundo os pronunciamentos papais, pode parecer que o

pontífice romano venha, em qualquer tempo, se assim o preferir, a exercer o direito de

impor a cidadãos americanos mandatos inconsistentes com as leis de seu governo. Por

outro lado, os cidadãos americanos asseguram que não pode haver, em hipótese alguma,

conflito entre as obrigações para com o “santo padre” e a submissão leal às leis do país.

Em abono dessa afirmativa, dá-se relevo a seu patriotismo em nossas guerras, a partir de

1776. O cardeal Gibbons e o arcebispo Ireland, de S. Paulo, têm dado publicamente

irrestrito aplauso aos princípios americanos de liberdade religiosa e da separação entre a

Igreja e o Estado, assim como aos institutos republicanos. Num discurso pronunciado

no Clube Católico de Filadélfia, a 6 de fevereiro d 1893, disse o cardeal: “Estou

firmemente persuadido, tanto pelo estudo como pela observação, que a igreja émais

próspera quando se acha livre para levar avante sua divina missão, sem qualquer

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interferência do Estado. Aqui, graças a Deus, a igreja é livre e é, por isso, próspera.

Aqui a Igreja e o Estado marcham em linhas paralelas, assistindo-se mutuamente e

nenhuma das partes interferindo indebitamente nos domínios da outra. Os católicos

americanos se regozijam com nossa separação entre a Igreja e o Estado e não podem

conceber que algum jogo de circunstâncias possa surgir, que torne a união desejável,

quer da parte da Igreja, quer da parte do Estado”. O arcebispo Ireland qualificou a

primeira emenda à Constituição, estabelecendo a separação dos dois poderes, como “um

grande avanço em direção à liberdade pessoal”. Mais adiante declarou: “Nós, católicos,

não alteraríamos, ainda que o pudéssemos, a Constituição, em homenagem à liberdade

religiosa”. No famoso discurso pronunciado em 1913, de que se tiraram as citações

acima, o eloquente prelado repudiou a alegação de que a obediência ao papa seja, de

qualquer modo, inconsistente com a Constituição.

O mais recente testemunho é o que foi dado pelo governador Alfredo E.

Smith, do Estado de Nova York, em abril de 1927, em notável resposta a perguntas

publicamente apresentadas a ele, como candidato à presidência dos Estados Unidos. O

governador afirmou que “não reconhecia autoridade às instituições da igreja romana

para interferir nas operações da Constituição dos Estados Unidos ou violar a lei do

país”; e declarou que “acreditava na absoluta liberdade de consciência, outorgada a

todos os homens, e na igualdade concedida a todas as igrejas e a todas as seitas, perante

a lei, como matéria de direito e não como favor; na absoluta separação entre a Igreja e o

Estado e no escrupuloso respeito da Constituição, declarando que o Congresso não fará

lei tendente ao estabelecimento de religião; no apoio da escola pública, como uma das

pedras angulares da liberdade americana; e no direito de todo pai de escolher se os

filhos serão educados na escola pública ou em escolas religiosas, mantidas pelos de sua

própria crença”.

Declarações como essas deviam ser suficientes para deixar em repouso toda

dúvida concernente à perfeita fidelidade dos cidadãos católicos romanos à lei americana

– 1) se elas fossem oficialmente aprovadas pelo Vaticano e 2) se se fixassem os limites

que circunscrevem a província eclesiástica. A palavra do pontífice romano é final e

exige a obediência dos católicos romanos espalhados pelo mundo. O pronunciamento

emanado do mais alto dignitário ou de uma reunião de prelados, por mais solene que

seja, só tem autoridade na medida em que se ajuste à política papal. Em primeiro lugar,

nenhum papa moderno demonstrou estar a favor das ideias americanas ou

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explicitamente repudiou a teoria medieval do poder, segundo a qual o papa é o super-

soberano. Leão XIII reafirmava as pretensões de seus predecessores quando, em suas

encíclicas conhecidas como a Constituição dos Estados e a União da Cristandade,

revelou ao mundo moderno que ele, papa, fora designado para ser o cabeça de todos os

governadores e ele mesmo ocupa na terra o lugar de Deus Onipotente. Em segundo

lugar, os papas modernos tem-se colocado definitivamente, ao que parece, contra a lei

da igualdade religiosa, enunciada na Constituição e interpretada pela Corte Suprema dos

Estados Unidos. Em terceiro lugar, os princípios sustentados pela maioria dos cidadãos

americanos, no tocante à educação, ao caráter sagrado do matrimônio e provavelmente

também sobre os direitos do clero como classe especial, então em conflito com as

ordens do Vaticano.

Em seu livro – A Igreja Católica e o Estado Cristão – o cardeal

Hergenroether – 1:804 – estabeleceu como norma que a igreja não renuncia, em

princípio, a nenhuma reivindicação que ela sempre tenha feito. A asserção do cardeal

não foi tão forte como a declaração feita por Leão XIII em sua immortale dei, 1885,

quando disse: “Se os católicos nos derem ouvidos, como nos cumpre dar, verão quais

são os deveres de cada um em assuntos de opinião e de ação. No que se refere a opinião,

aquilo que os pontífices romanos já ensinaram ou venham a ensinar no futuro, deve ser

observado com firme disposição de espírito, e, tanto quanto a oportunidade o requeira,

deve ser abertamente professado”. Se os pontífices romanos, em seu modo de tratar os

Estados e o poder civil, durante a Idade Média, agiram em virtude de sua prerrogativa

infalível, é difícil compreender como possa o papa repudiar tais conceitos, como política

permanente do papado, nos dias atuais, sem que renuncie à pretensão de infalibilidade.

Recentes pronunciamentos papais, feitos a partir de Pio IX, concorrem para

perpetuar o receio de possível intromissão do papa nos negócios sociais e civis

americanos. Um dos princípios sob os quais agiu a sé romana, foi o de transformar as

nações em feudos e pedir-lhes o pagamento de perpétuo tributo pecuniário. Outro

princípio foi o direito, na qualidade de possessão sua por direito divinamente conferido,

de distribuir à vontade terras e países. À partilha da América entre Espanha e Portugal,

feita por decreto papal, podem-se acrescentar outros casos, como a dádiva feita aos

portugueses, por Eugênio IV, de todas as terras descobertas por eles, do Cabo Horn à

Índia; a dádiva das Canárias à casa real de Castela, feita por clemente VI, em 1344,e os

primitivos presentes da Irlanda a Henrique II e da Inglaterra ao rei da França. A quinta

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pergunta que a Ku-Klux-Klan faz aos candidatos à admissão em seu grêmio é esta:

“Crês nas instituições características de nosso governo e nos direitos constitucionais de

liberdade da palavra, liberdade das escolas públicas, imprensa livre e separação entre a

Igreja e o Estado?”

Os pronunciamentos papais dos últimos cinquenta anos parece

demonstrarem estudada hostilidade às instituições da sociedade moderna. O Syllabus de

Erros Modernos, publicado por pio IX, condena os princípios da liberdade religiosa e da

separação entre a Igreja e o Estado e também a proposição: “A lei tem sabiamente

disposto, em alguns países, chamados católicos, que a pessoa que venha a residir neles

seja obrigada ao exercício público de seu próprio culto”. Pio também condenou a

proposição segundo a qual os papas sempre têm usurpado o direito dos príncipes. Vinte

anos depois, como já foi referido, Leão XIII em sua immortale dei, citou o Syllabus

como tendo adequadamente fulminado como “falsas” opiniões segundo as quais a

liberdade de ensino e de culto não são fontes de muitos males e que a soberania reside

na massa do povo. Leão afirmou que o Estado ideal é o Estado em que a igreja católica

existe, com exclusão de todas as outras formas de culto. As condições morais

prevalecentes na Idade Média e tidas como ideais, quando não havia tolerância para

nenhuma outra forma de religião a não ser a católica, devem ser revigoradas. Na igreja

romana reside a verdade. Toda discordância com ela vem a ser erro em matéria religiosa

e revolta contra o Estado ideal. Leão também louvou a Gregório XVI, por ter, “com

palavras pesadas, invectivado os sofismas”, no tocante a ser justo que o indivíduo

formule seu próprio juízo em religião, que a consciência de cada homem seja seu único

e suficiente guia e que da separação entre a Igreja e o Estado qualquer melhoria se deva

esperar em benefício de qualquer das esferas . Depois, Leão considerou ilegal que os

Estados pusessem as várias formas de religião no mesmo pé de igualdade e, em sua

encíclica de 6 de janeiro de 1895, dirigida aos bispos americanos, afirmou ser erro crer

que o exemplo dado pela América seja de mais proveito para a igreja e que sempre seria

correto ou conveniente que os negócios civis e sagrados fossem desassociados, como o

foram pelo costume americano – rei civile reique sacræ dissociatæ more Americano. A

essas declarações deve ser aduzida a encíclica de Pio X, de 8 de setembro de 1907,

condenando o Modernismo, na qual igualmente depreciou a separação entre a Igreja e o

Estado, asseverando que a liberdade de estudos é favorável à corrupção moral e

espiritual do povo.

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Se tais declarações, expedidas do Vaticano, devem ser recebidas em toda

sua significação, a conclusão razoável parece ser a de que, quando as circunstâncias

forem favoráveis, se tal acontecer alguma vez, a obediência ao santo padre poderá exigir

que os católicos americanos tomem atitude hostil à Constituição. A justeza dessa

conclusão é é abonada por escritores que se retiraram da comunhão romana. Algumas

dessas pessoas, enquanto permaneceram-na comunhão romana, gozaram de reputação

como eruditos e como possuidores de devotamento eclesiástico. “É princípio do

Ultramontanismo” – diz o professor Koch – “que o reino de Deus é deste mundo e que o

poder das chaves inclui jurisdição secular sobre os estados e sobre os governantes.”

Entre as citações de Koch, figuram pronunciamentos de escritores jesuítas, para

firmarem a ideia de que “os governos civis devem subordinar-se ao papa e que o papa é

o supremo juiz das leis civis”. Criticando a encíclica de Pio X sobre o Modernismo,

Tyrrell fala da igreja como estando reduzida, para todos os efeitos práticos, a uma

burocracia – e queixava-se de que os papas censurem “nosso desejo de separar a Igreja

do Estado, reputando como defeito aquilo que é uma de nossas melhores aspirações”.

Certos eventos da Europa moderna parece terem mostrado que a prática papal é adversa

ao princípio americano. Bastam uns poucos exemplos. No Piemonte e no Reino da

Itália, a concessão da liberdade religiosa foi combatida palmo a palmo pelo Vaticano,

que mobilizou suas forças contra a conversão em lei da proposição de Cavour: “Uma

igreja livre num Estado livre”. Na França, a lei de 1905, denunciando a concordata

napoleônica de 1802 e pondo fim à manutenção de clérigos e escolas dirigidas por

ordens religiosas, foi combatida por Pio X em sua bula datada de 11 de fevereiro de

1906. Em 1911, Pio X declarou nula alei portuguesa de separação entre a Igreja e o

Estado.

Após a incorporação de Roma ao reino da Itália, 1870, o Vaticano proibiu

aos católicos italianos de tomar em parte em política e votarem, ordem que por muitos

anos permaneceu em vigor. O princípio de ser direito do papa vedar a católicos romanos

a política militante, foi definida por Leão XIII. Canonizando certos santos, o Vaticano

ultimamente decidiu não somente imprimir sua marca de aprovação a certos

inquisidores, cuja ação levara à morte seus semelhantes, mas exaltar a homens outrora

declarados traidores pelo Estado, como, por exemplo, João Felton beatificado em 1886,

que fora executado por haver afixado em Londres a bula de Pio V, depondo a Isabel. E

Pio V, que tramava o assassínio da rainha, é também santo do calendário romano! No

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conflito havido no México, em 1927, entre o Estado e a Igreja, Pio XI, apoiando os

sacerdotes em sua oposição à Constituição Mexicana, tratou-os como “anjos

sofredores”. Em 1857, quando da adoção da Constituição Mexicana, que abolia os

tribunais clericais, secularizava o casamento, tornava leigo o ensino e concedia

liberdade religiosa, Pio IX publicou um decreto, declarando aqueles preceitos “nulos,

inoperantes e sem qualquer valor”. Os Cavaleiros de Colombo pediram, em 1927, que o

Governo dos Estados Unidos interviesse na execução da Constituição, ato felizmente

contrabalançado por uma carta de arcebispos americanos, discordando, em princípio, de

tal interferência em negócios internos de uma nação irmã. Qual seja a intenção da

hierarquia romana, foi revelado quando, em jantar público oferecido em Boston a Mr.

Taft, a 18 de março de 1912, o cardeal O’Connel foi colocado logo abaixo do

presidente, lugar naturalmente reservado ao governador do Massachussetts, Mr. Foss,

que, ao ouvir do arranjo, declinou de comparecer.

Declarando ilegal a colocação das várias formas de culto no mesmo pé de

igualdade com a “verdadeira religião”, Leão XIII entrou em conflito com a Corte

Suprema que, citando Marshall, no caso Watson versus Jones, havia decidido que

“nossa lei não conhece heresia e não se destina ao apoio de nenhum dogma, nem ao

estabelecimento de nenhuma religião”. Quando a bula de Leão contra o Americanismo

apareceu, em 1899, o arcebispo Ireland publicamente repudiou atitudes que antes havia

assumido, asseverando que, quando a questão era a de submissão, à santa sé, não lhe

restava alternativa, sendo que “os católicos leais não têm senão uma norma de ação: a

vontade e o exemplo de Leão. Quando os bispos franceses ou alemães estão com o

papa, eu estou com eles; quando, porém, eles estão contra o papa, então estou contra

eles”.

A separação entre a Igreja e o Estado e a verdadeira concepção da igreja

foram admiravelmente expostos numa decisão da Corte de Apelação de Nova York, em

1927, que declara: “O reino de Cristo sobre a terra é a comunidade ou todo o corpo do

povo fiel a Cristo, coletivamente; todos os que se acham espiritualmente unidos a

Cristo, como cabeça da Igreja, sem atenção a diferenças de credo e doutrina. Sua causa

progride de diversas maneiras, principalmente através da obra de associações religiosas

e instituições educativas e caridosas, de caráter religioso”.

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§ 5. O poder temporal do papado.- Por meio século, a contar de 1870,

quando Roma se tornou capital do Reino da Itália, os papas têm lamentado a perda de

sua soberania temporal sobre aquela cidade. Há mais de mil anos, Pepino brindou o

papa Estêvão com os territórios que havia conquistado aos Lombardos. Resistindo às

aspirações dos patriotas italianos a um reino unido, com as palavras “Não podemos –

non possumus” – visto que tal coisa equivaleria à renúncia de seu título civil, Pio IX

continuava a ser governador da cidade, graças ao auxílio dos austríacos e mais tarde de

Napoleão III e de uma guarnição de 10.000 franceses. O desgoverno papal e sacerdotal

de Roma se tornou proverbial. Pessoas que visitaram à cidade antes de 1870, foram

unânimes no registrar a venalidade dos funcionários, a frequência dos crimes, a

imundície das ruas e as exações impostas aos visitantes. As moedas eram

deliberadamente falsificadas e enganosas no peso. Floresciam as loterias. Numerosas

eram as casas de expostos. A censura à imprensa era rígida.5 Quando, pela esmagadora

votação de 133.648 contra 1.507,os cidadãos de Roma transferiram sua cidade ao rei e

governo da Itália, Pio protestou contra o ato, considerando-o roubo e afirmando ser

legal, sagrado e inviolável o direito papal á cidade, e “condenados, desfeitos, anulados e

ab-rogados os atos dos invasores – invasorum acta”; e por cima invocou a Deus e a todo

o mundo católico como testemunhas de que ele, papa, se fizera prisioneiro do Vaticano

e incapaz de exercer sua autoridade pastoral com segurança, eficiência e com qualquer

parcela de liberdade. O papa havia condenado, seis anos antes, nas proposições do

Syllabus, os que favorecessem a abolição do poder temporal; e em 1862, segundo

Straub, convidou todos os bispos a pregarem que a autoridade civil fora conferida à

Santa Sé e que sob nenhum pretexto poderia ser ela objeto de renúncia. Os sucessores

de Pio continuaram a renovar o protesto . Assembleias de prelados católicos romanos e

prelados individualmente têm clamado por que seja restituída ao papa sua propriedade.6

Tornou-se hábito impingir aos católicos romanos a ideia de que o papa é “o

prisioneiro do Vaticano”. Em Bruxelas e em outras cidades, vendiam-se pinturas

representando a Pio entre barras de ferro. O cardeal Gibbons e outros altos prelados

americanos se uniram para dar a impressão de que atualmente o papa se acha encerrado

em um cárcere. Em sua História da Bíblia, p. 281, o bispo Gilmour declara que “em

1870, Vitor Manuel tomou Roma e tem-na desde então em seu poder, conservando o

papa como prisioneiro no Vaticano”. Ainda recentemente, 1922, o periódico romano

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Month, traçando o necrológico de Bento XV, referiu-se àquele pontífice como quem

tinha vivido em sua “prisão palatina”.

Em 31 de março de 1889, protestando contra a perda da soberania temporal,

Leão XIII outra vez qualificou a ocupação de Roma como ato de violência, despojando

o pontífice de seus soberanos direitos civis, e também como ato de grupos de

malfeitores, agindo contra a vontade do povo – non populorum voluntas sed sectarum

pravarum audacia. Outra vez, a 3 de maio de 1892, numa carta aos cardeais franceses –

Obras, 5:71 – Leão afirmou que não pode existir liberdade para o pontífice, a não ser

que ele seja um soberano independente. Entre os mais perseverantes advogados do

poder temporal do papado, figura o cardeal Manning, que afirmou tratar-se de um poder

ordenado por Deus e sagrado por todos os direitos inerentes a outros poderes, e por

direitos e sanções que transcendem a todas as demais autoridades da terra. O cardeal

Gibbons apresentou as seguintes razões em abono da justiça da pretensão papal: 1. A

soberania papal é amais antiga em relação ao tempo. 2. Não foi estabelecida pela

espada. 3. O governo papal era benéfico. 4. Os interesses do Cristianismo exigem que o

vigário do Príncipe da Paz possua uma herança territorial, “que seja inviolável, para que

os papas possam tratar livremente, em todas as ocasiões, com as nações e os povos”> A

ocupação de Roma pelo governo italiano –interpreta o cardeal – foi grave quebra do

mandamento “não furtarás” e comparou-o à “ímpia apropriação da vinha de Nabot”, por

parte de Acab.

A ilusão de que o papa fora ilegalmente despojado da autoridade temporal

pelo voto do povo romano tem sido ensinada às crianças americanas no Catecismo

Plenário de Baltimore, III:539, 540. Esse documento, recomendado pelas mais altas

autoridades eclesiásticas, afirma que o poder temporal o papa o obtivera por doação

feita por aquele que podia fazê-lo; que “esse poder temporal foi arrebatado por um ato

de violência”; e, ainda mais, que o papa, “como governador temporal ou ordinário, temo

direito de governar estados e possuir bens que tenham vindo legalmente ter às mãos da

igreja”. O título papal, baseado nas doações de Pepino, tem sido ultimamente defendido

por um escritor americano, na Revista Católica de História, abril de 1921,ao declarar:

“o título do papa ao seu principado temporal repousa verdadeiramente sobre todos os

princípios de justiça e de honra”. Se tal for o ponto de vista dos prelados e escritores

americanos, que garantia possui o público americano de que o mesmo princípio não se

possa também aplicar à soberania americana?

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Quanto à validade do direito decorrente de doação real, feita há séculos, ela

não se ajusta à moderna opinião acerca de direitos legais. De acordo com o código de

seu tempo, a Dádiva de Pepino era bastante regular. Mas se aquela dádiva constitui

perpétua pretensão à jurisdição civil sobre Roma, por quê as dádivas feitas ao papa por

outros soberanos não constituiriam títulos possessórios igualmente válidos, como a

Córsega, Sardenha, Sicília e Toscana? Por quê não poderia hoje o papa, com o mesmo

fundamento, reivindicar validamente a Inglaterra como feudo papal? Não fora ela dada

por João a Inocêncio III e seus sucessores, para que lhe pertencesse para sempre? Se a

antiguidade do título constitui direito final à autoridade civil, então a dádiva deste

continente Ocidental à Espanha e Portugal, feita por Alexandre VI, continua a ser

direito legal “perpétuo” e a ocupação das partes dele por povos anglo-saxões é roubo e

sacrilégio. O cardeal Gibbons diz que “o povo de Roma não podia dar aquilo que lhe

não pertencia”. A Declaração Americana de Independência, firmando o princípio

contrário, estatui o direito soberano do povo para mudar a forma de governo que ele

tenha herdado.

O pontífice atual, Pio XI(*),1continuando a protestar contra a perda da

soberania papal sobre Roma, declarou (23 de dezembro de 1922), que o próprio

pontífice é a única autoridade competente para formular juízo sobre a questão do poder

civil do papa, tanto mais que ele envolve as reivindicações e a dignidade da sé

apostólica. Roma – disse ele – é justamente a sede de uma soberania que abraça todos

os povos e todas as nações. Ao fim do Ano Jubilar, 15 de dezembro de 1925, Pio teve

ocasião de outa vez insistir na perpétua legalidade do título do papa como soberano de

Roma. Recordou aos peregrinos que, enquanto eles tinham tido liberdade de circular

pelas ruas da metrópole do Cristianismo, o vigário de Cristo e pai dos fieis estava

privado de tal liberdade. Enquanto perdurarem as presentes condições, ele não pode

nem deve cruzar o limiar do Vaticano. Ainda outa vez, a 21 de fevereiro de 1926, no

decorrer de uma alocução dirigida ao cardeal Gasparri, tratando das relações do

Vaticano para com a Itália, Pio falou da atual posição do papa em Roma, como “a

condição iníqua imposta à santa sé”, e acrescentou que, enquanto ela continuar a lhe ser

imposta, não será possível que o papa chegue a qualquer acordo com o governo italiano,

nem que atravesse o limiar do Vaticano.

(*) Ao tempo em que essa obra foi escrita, ainda não havia subido ao trono papal o antigo diplomata Eugenio Paccelli, agora Pio XII. N. do T.

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Nova fase se abriu à questão graças a um artigo publicado no órgão papal, o

Osservatore Romano, em outubro de 1927, propondo que o governo italiano consigne à

jurisdição papal, suficiente território, à margem direita do Tibre, para que se constitua

um Estado Papal, com autoridade civil, renunciando ao apelo para quaisquer outras

nações católicas romanas, a não ser a Itália, para fazer valer a pretensão.

A sabedoria e a conveniência de a autoridade papal assumir jurisdição civil,

fazendo, desse modo, periclitar sua força espiritual, são postas em dúvida, mesmo nos

círculos católicos romanos. Seja como for, os protestantes insistem em que o papa tem

tanta razão em reivindicar a soberania sobre Roma, contra a vontade do povo, como tem

presentemente para reclamar soberania sobre qualquer outra porção do mundo.

§ 6. O governo da igreja Romana como pretenso modelo da república

Americana.- Altos dignitários católicos romanos têm pretendido também que o

governo Americano foi modelado segundo o paradigma da igreja romana. Dando ênfase

à suposta derivação do princípio americano do governo de fontes católicas romanas, o

cardeal Benzano, falecido em 1927, outrora legado apostólico junto à igreja romana nos

Estados Unidos, falando em 1922 aos estudantes do Colégio Americano de Roma,

disse: “Os Estados Unidos se baseiam em princípios que, por séculos, têm sido

ensinados desassombradamente e defendidos pela igreja de Roma” – América, 24 de

fevereiro de 1923. A pretensão se apresenta nestes termos: o presidente dos Estados

Unidos corresponde ao papa. O presidente nomeia seu gabinete. O papa nomeia os

cardeais. Os vários Estados correspondem às dioceses e os governadores correspondem

aos bispos. Em resposta, é preciso que se diga que nenhuma comparação poderia ser

mais infeliz. O presidente dos Estados Unidos é eleito pelo povo. O papa não é eleito

pelo povo. O presidente é órgão executivo. O papa reúne em si mesmo os três poderes –

legislativo, judiciário e executivo. É legislador, quando elabora as leis; órgão executivo,

ao dar cumprimento a essas leis; e juiz, lavrando sentenças sobre pessoas e fatos. Pela

Constituição Americana, essas três funções se mantêm distintas e se repartem entre o

Congresso, a Corte Suprema e o Presidente. O papado é monarquia absoluta. Nos

Estados Unidos o povo é soberano e a ele pertence originariamente o poder. Para

expressar o princípio nas palavras de Beck sobre a Constituição – 231 – “sempre que ao

povo dos Estados Unidos repugna uma disposição autorizadamente interpretada pela

Corte Suprema, muitas vezes uma nova lei se estabelece, por meio de emenda à

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Constituição. Assim as emendas 11 e 16 proveram novas leis, pondo de lado outras

disposições declaradas constitucionais pela Corte Suprema”.

A comparação referida foi reforçada pela pretensão de que as ideias de

governo popular provinham da Idade Média, através do cardeal Belarmino, sendo que

os escritos de Belarmino publicados cerca de 1600, teriam diretamente influenciado os

autores da Lei de Direitos, da Virgínia, e da Declaração de Independência. Semelhante

suposição, que foi primeiro aventada em 1917, parece geralmente aceita pela igreja

católica, americana, que a tem como bem fundamentada. Repetem-na os católicos

eruditos do mais alto renome, julgando-a fato histórico, e os prelados da mais elevada

eminência têm-na apresentado a auditórios populares. Ensinam-na em escolas

paroquiais e reproduzem-na em jornais católicos romanos, de modo que a população

católica romana está sendo educada na crença ilusória de que nossas liberdades civis

tiveram suas raízes na exposição do cardeal Belarmino e são herança da Idade Média. A

verdadeira linha de sucessão, através das lutas inglesas e dos publicistas ingleses, assim

como a História Colonial Americana se ignoram, e são como se nunca tivessem

existido. Segundo a nova teoria, Jefferson se inspirou no cardeal Belarmino e se tornou,

por assim dizer, o expositor do cardeal Belarmino nas praias do Ocidente.

O elemento imaginário da teoria é quase tão proeminente como o foi nas

pseudo-decretais Isidorianas, aceitas como fato por mais de seis séculos. Tão

intensamente tem aprofundado raízes a lenda Belarmino-Jefferson sobre a origem da

Declaração, que colaboradores da Revista Católica de História – outubro de 1924 e

janeiro de 1925 – sentem-se à vontade para asseverar que “a contribuição de Belarmino

à democracia é atestada pelos princípios enunciados pelo cardeal, que foram

incorporados na Declaração de Independência”, e “os novos princípios de governo

popular e democráticos foram defendidos pelo cardeal, há 300 anos”. Um colaborador

de América – 19 de maio de 1923 – diz que a democracia tem no cardeal “um dos mais

claros e mais lógicos expositores e os americanos têm toda razão para honrar seus

escritos, como uma das fontes de que Jefferson, que os conhecia através de notas

recolhidas de outros escritores, derivou alguns dos princípios fundamentais da

Declaração de Independência”.7

As considerações que tornam muito improvável que Mr. Jefferson deva

alguma coisa ao cardeal Belarmino, por suas ideias democráticas de governo, são as

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seguintes: 1) Em parte alguma de seus escritos Jefferson menciona o cardeal Belarmino,

exceto uma vez, em 1823, registrando uma lista de escritores que lhe fornecera

Madison. A explicação dada por alguns escritores católicos romanos à ausência de

citação de Belarmino, é a de que teria sido perigoso a um americano apelar para a a

autoridade de um cardeal católico romano, evasiva em nada lisonjeira à independência e

à coragem de Jefferson. 2) Jefferson se referiu expressamente, em seus escritos, às

doutrinas de Sidney e Locke –especialmente Locke –assim como Aristóteles, Cícero e

outros que escreveram sobre política e governo. 3) A biblioteca de Jefferson continha

numerosas obras sobre política e governo, incluindo, além dos autores que acabamos de

mencionar, Platão, Calvino, Bodin, a Política Eclesiástica, de Hooker, a Utopia

demore, Harrington Buchanan, Escritos em Prosa de Milton e outros volumes e

panfletos. Os escritos de Belarmino não figuravam entre eles. 4) As lutas pelas

liberdades inglesas e os direitos coloniais eram mais familiares a Jefferson do que o é a

guerra civil à presente geração de cidadãos americanos. As palavras pacto, ajuste,

consentimento dos governados, empregadas para definir a relação existente entre o povo

e seus magistrados têm uma venerável tradição protestante, remontando a épocas em

que o cardeal Belarmino longe estava de nascer.

5) Acima de tudo, se Mr. Jefferson tivesse mantido relações com Belarmino,

teria encontrado no cardeal um conceito de governo diferente do que expressou na

Declaração de Independência. Tivesse sido o cardeal acompanhado e aquele documento

não teria inculcado o direito de o povo americano resistir à monarquia, que o mesmo

cardeal ensinou ser a forma divinamente estabelecida de governo: o cardeal

efetivamente ensinou que, de todas as formas, a pior – deterrimum – é uma democracia;

o povo não goza de poder político até que – donec – tenha conferido autoridade a um

príncipe. Quando dizia que “todos os homens nasceram livres” – nascuntur omnes

naturaliter liberi – referia-se às origens do governo, conforme foram expostas por

Aristóteles. Ele não disse que “todos os homens nascem livres e iguais”, como um

colaborador da Revista Católica de História – janeiro de 1925, p. 513 – assevera,

passando depois a acrescentar que “daí, da definição de Belarmino, a Declaração de

Independência derivou daquela expressão”. Em parte alguma dos três capítulos de sua

grande obra sobre governo se pode encontrar uma expressão semelhante à definição

contida na Declaração: “todos os homens são criados iguais; são dotados por seu

Criador de certos direitos inalienáveis, sendo que entre estes estão a vida, a liberdade e a

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procura da felicidade; que para assegurar esses direitos é que os governos são

constituídos entre os homens, derivando seus poderes exatamente do consentimento dos

governados”.

Onde se poderiam encontrar, nas obras de Belarmino, as provisões da

Constituição para a liberdade religiosa e para a separação entre a Igreja e o Estado, se a

autoridade do cardeal houvesse sido seguida? Um escritor – o padre J. H. McMahon,

insistiu, através do Nova York Independente, de 20 de novembro de 1920, em que “a

doutrina puritana da separação entre a Igreja e o Estado é a preparação lógica para o

Bolchevismo. Nosso propósito é desfazer o efeito da ideia puritana que contaminou o

país”. O cardeal Hayes, de Nova York, estava enganado, quando recomendou como

verdadeira a lenda Belarmino-Jefferson, em discurso pronunciado em Detroit, a 18 de

outubro de 1927, perante o Concílio Nacional de Homens Católicos. Segundo o

Catholic News, o cardeal “salientou que a Lei de Direitos, da Virgínia, foi tirada quase

palavra por palavra dos escritos do venerável Roberto Belarmino, o fiel conselheiro de

quatro papas”; mais adiante disse que “é com grande orgulho que, como católicos,

podemos recordar que os princípios, quase a própria linguagem de nossa Declaração de

Independência, foram escritos pelo venerável Belarmino – agora em vias de

canonização – com aprovação do santo Padre, mais de um século antes que a

Declaração anunciasse ao mundo um novo regime de liberdade”.

Quando Richard Henry Lee chegou a pretender que a Declaração de

Independência fora copiada do Tratado sobre o Governo de Locke, Jefferson, então já

bem avançado em anos, replicou que “toda a autoridade da Declaração repousava na

harmonização dos sentimentos contemporâneos, expressos em conversação, cartas,

ensaios impressos ou nos livros elementares de Direito Público, como se verifica na

obra de Aristóteles, Cícero, Locke, Sidney, etc.” João Adams, escrevendo em 25 de

novembro de 1821, formulou seu testemunho, ao dizer que “a dívida da humanidade

para com Locke, pela difusão dos princípios da liberdade civil e religiosa, estão além de

minha capacidade de calcular”. Retrocedendo mais, Adams em outra ocasião dissera

que o tratado de Ponet sobre Politike Power, publicado em 1556, muito antes que

Belarmino escrevesse, continha todos os princípios essenciais de governo, que foram

mais tarde ampliados por Sidney e Locke”.

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Falando das nações que durante a recente guerra (1914-18), tinham “reatado

amigáveis relações com a Santa Sé ou iniciado tais relações”, Pio XI apontou, em 1922,

para a Idade Média, que forneceu o exemplo da verdadeira sociedade de nações e um

período em que a santidade da lei era observada e o pontífice era reconhecido como “a

sede de uma soberania de administração divina, que transcende aos confins de todos os

povos e nações”. A França, a Grã-Bretanha e a Rússia tinham-se comprometido, por

tratado secreto, a não admitirem representantes papais, “para tentarem quaisquer

expedientes diplomáticos no tocante à regularização de questões ligadas à presente

guerra”. Entretanto, a pressão do Vaticano para que tivesse representação junto à Liga

das Nações foi sustentada até 1925, época em que o Concílio Católico sobre Relações

Internacionais, reunido em Londres, clamou por aquela representação, em virtude da

“influência sem par e do poder mundial da Santa Sé”.

A pretensão do pontífice romano, de possuir uma superintendência que se

estende a todos os negócios universais, foi revelada no quadro que representa a Paz de

Veneza, de 1177, e se encontrava ainda exposto no Vaticano há poucos anos,

provavelmente lá estando ainda. A pintura, que é cópia do quadro mural de Veneza,

exibe a humilhação de Frederico Barbarroxa diante de Alexandre III. O imperador está

prostrado diante do pontífice, revestido este de paramentos pontificais e ostentando uma

coroa, e apoia os pés sobre o ombro direito do imperador. Na pintura estão gravadas as

palavras do Salmo 91: “Calcarás o leão e a serpente”. Enquanto a teoria do poder que os

pontífices reclamaram, por aproximadamente dez séculos, permanecer sem desmentido

por porte de um dos seus sucessores, continuará a incerteza no tocante à política que o

Vaticano possa seguir, em possível momento de crise nacional, e sobre a atitude que os

cidadãos americanos possam ser chamados a assumir, no que respeita ao “Santo Padre”,

como vice-regente de Deus na terra e a cujo aceno, segundo a bula de Bonifácio – unam

sanctam – os governadores da terra devem desembainhar a espada. O cardeal Manning

louvava a Lord Denbigh, por “ser primeiro católico e depois inglês”. Se as palavras

significam que, em matéria de consciência, deve ser prestada obediência a Deus acima

do Estado, os católicos não merecem crítica; mas se as palavras querem significar que,

em negócios como o da separação entre a Igreja e o Estado, o homem religioso tem o

direito de resistir, com fundamentos de ordem eclesiástica, as palavras do cardeal são

inconsistentes com a lealdade Americana à Constituição. Ao tempo da “Armada”, os

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católicos ingleses se recusaram a seguir ao papa e dar apoio a Filipe II. Eles sustentaram

o governo inglês.

Bibliografia e Notas

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D. S. Schaff: The Bellarmine-Jefferson Legend, Am. Soc. Ch. Hist., 8, 1928.

1. Belarmino citou o Regimen de Aquino, observando, todavia, que sua

autoria era assunto de controvérsia. Inocêncio III escreveu ao Patr. de Constantinopla

dominus Petro non solum universam eccles., sed totum reliquit seculum gubernandum.

Nas discussões que se seguiram à bula de Bonifácio VIII, a mais exagerada autoridade

foi atribuída ao papa. Tiago de Viterbo, fal. em 1308, dedicou sua obra de regim. chr. A

Bonifácio, como “o santo senhor dos reis da terra”, - Finke, pp. 163 e ss.; Scholz, pp.

129-253. Aegidius Colonna, fal. em 1316, escreveu ao papa, considerando-o acima de

todas as leis e comparou-o ao mar, que arrasta todos os navios, e ao sol, que envia seus

raios para toda a parte. Os reinos terrenos, se não forem estabelecidos pelo sacerdócio,

são usurpações – Scholz, pp. 32-129. Alex Triumphus, fal. em 1328, em sua summa de

potest. Eccle., declarou que o tribunal do papa eo de Deus são a mesma coisa e que o

poder do papa é tão vasto, que ele próprio não sabe perfeitamente até onde vai seu

poder.

2. Guilday, Engl. Refugees, p. XXIII, caracteriza Isabel como “tirana do pior

tipo, sem piedade, o sustentáculo dos que odeiam a igreja com propósito de lucro”. O

card. Allen, que na corte de Filipe II fez tudo aos seu alcance, pela pena, para conseguir

a deposição de Isabel, insistia em que a segurança da cristandade dependia “da valente

assaltante da Inglaterra” e apelava para o decreto do Quarto Concílio Lateranense –

Haile: Life of Card. Allen, p. 99, 151, etc.

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3. Acton: Cor. Pp. 55, 126; Pastor: 10:310-14.

4. Não foi senão em 1909 que a separação entre a Igreja e o Estado se

estabeleceu em Genebra, e mesmo assim por uma maioria de apenas 860.

5. Mr. Mahoney, conhecido como padre Prout, escrevendo sobre as

condições de Roma à ascensão de Pio IX, diz que “as finanças estavam em dolorosa

situação... a indústria e o comércio do país paralisados, o cultivo da ciência em todos os

seus ramos entravada e desfigurada, profundo descontentamento entre o povo,

corrupção em todos os departamentos da administração civil e em alguns da

administração eclesiástica, estúpido apego a expedientes antiquados, etc. Citado por

Salmon: Infalibility , p. 471.

6. Referindo-se à concessão anual de 3.250.000 liras, votada ao papa pelo

governo italiano, o cardeal Gibbons faz a genial observação de que, como o papa exige

“muito pouco para sua manutenção diária, somente uns poucos dólares”, não havia

razão para que aceitasse a concessão, especialmente significando esta pesada tributação

lançada sobre o povo italiano. O cardeal apresentava as condições da cidade como

bastante piores depois de 1870 do que o era dantes, sob governo papal.

7. A Lenda Belarmino-Jefferson foi criada por Gallard Hunt na Cath. Hist.

Rev., 1917. Ryan e Millar a inculcaram em não menos de quatro diferentes lugares de

sua obra, 114-120, 134-137, 160-165, 177-178, ainda que com restrição. Em sua Ch.

and the Age, escrita antes da pretensa descoberta de Mr. Hunt, o padre Hecker

assinalara à teoria da Declaração origem fundada nos princípios cristãos, mas não

mencionou Belarmino. Hecker observou que “todas as repúblicas, desde o início da era

cristã, nasceram sob a influência da igreja católica e foram estabelecidas nos tempos de

fé e pelos povos católicos – e dá como exemplos San Marino e Andorra e as

“Repúblicas da América do Sul, embora um tanto bulhentas”, pp. 73, 84.

8. A Paz de Veneza estipulou que o imperador restaurasse os territórios

papais que ele havia usurpado. Referindo-se à pintura de Veneza, o bispo Jewel – Apol.

4:701 disse que “o imperador Frederico veio a Veneza e, às portas da igreja, caiu de

rastros diante do papa, suportando ser pisado pelos pés deste”, etc.