Davi, Nabal e Abigail

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  DAVI , NA B  A L E A B I G  A I L (I Samuel 25  ) É inter essante notarmos, à medida que vamos passando de cena em c ena na hist ória de David, o modo como várias  pes soas foram af etadas com a sua pessoa e a pos ição con- sequente que tomaram em r elação com ele. Er a preciso ter -se fé para discernir no des  pr ezado fugi tivo o futur o rei de Israel. Para todos aqueles que julgavam segundo os pr in- cípios humanos, Saul par eci a ter sido mui to mal tratado  por David; e a conduta des te, vaguea ndo pelo país, par ecia ser inteiramente inadmi ssível.  Neste capítulo são-nos apresentados dois exempl os de  pessoas que foram assim af etadas a res  pei to de David e a sua carr eira. «E havia um homem em Maon que tinha as suas posses· sões no Carmelo; e era es te homem mui pode r oso, e tinha três mil ovelhas e mil cabras: e estava tosquiando as suas ovelhas no Carmelo. E era o nome des te homem Na  bal» (ver sículos 2 e 3). Este Nabal era isr aelita, e apar ece em contr aste no tável com David, o qual, embora ungido r ei de Israel, não tinha onde reclinar a sua caba, mas era um fugitivo de monte em monte, de caverna em cave rna. Na  bal era um homem egoísta, e não tinha simp atia por Davi d. Se tinha bênçãos eram para si próprio; se e ra «  poder oso» não tinha a mí-

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Exemplos da vida de fé na vida de Davi e época de Davi - C. H. Mackintosh

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    (I Samuel 25)

    interessante notarmos, medida que vamos passando de cena em cena na histria de David, o modo como vrias pessoas foram afetadas com a sua pessoa e a posio con- sequente que tomaram em relao com ele. Era preciso ter-se f para discernir no desprezado fugitivo o futuro rei de Israel. Para todos aqueles que julgavam segundo os prin- cpios humanos, Saul parecia ter sido muito mal tratado por David; e a conduta deste, vagueando pelo pas, parecia ser inteiramente inadmissvel.

    Neste captulo so-nos apresentados dois exemplos de pessoas que foram assim afetadas a respeito de David e a sua carreira.

    E havia um homem em Maon que tinha as suas posses ses no Carmelo; e era este homem mui poderoso, e tinha trs mil ovelhas e mil cabras: e estava tosquiando as suas ovelhas no Carmelo. E era o nome deste homem Nabal (versculos 2 e 3).

    Este Nabal era israelita, e aparece em contraste notvel com David, o qual, embora ungido rei de Israel, no tinha onde reclinar a sua cabea, mas era um fugitivo de monte em monte, de caverna em caverna. Nabal era um homem egosta, e no tinha simpatia por David. Se tinha bnos eram para si prprio; se era poderoso no tinha a m-

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    nima idia de compartilhar a sua grandeza com algum, e muito menos com David e os seus companheiros.

    E ouviu David no deserto que Nabal tosquiava as suas ovelhas, e enviou David dez mancebos, e disse aos man- cebos: Subi ao Carmelo, e, indo a Nabal, perguntai-lhe em meu nome como est. David estava no deserto; este era o seu lugar. Devia todas as suas dores e provaes ao que era. Nabal estava rodeado de todos os confortos da vida e devia todas as suas possesses e confortos ao que era. Ora ns vemos que onde as vantagens so devido profisso religiosa existe muito egosmo. A profisso da verdade se no for ligada com a renncia prpria ser ligada com indulgncia prpria; e por isso, nota-se, na atualidade, um esprito determinado de mundanismo, ligado com a mais elevada profisso da verdade. um mal pernicioso. O apstolo Paulo sentiu a aflio deste mal at mesmo nos seus dias, quando disse: Porque muitos h, dos quais muitas vezes vos disse, e agora tambm digo, chorando, que so inimigos da cruz de Cristo, cujo fim a perdio, cujo Deus o ventre, e cuja glria para confuso deles, que s pensam nas coisas terrenas (Fil. 3:18,19). Note-se que so inimigos da cruz de Cristo. No afastam de si a semelhana do Cristianismo, longe disso. Muitos h. Esta expresso mostra a medida da pro- fisso. As pessoas de quem isto dito ficariam, sem dvida, muito ofendidas se algum lhes negasse o ttulo de cristos; contudo no querem tomar a cruz; no querem ser identi- ficados na prtica com Cristo crucificado; qualquer que seja a parte de Cristianismo que possam ter, afora a renn- cia prpria, bem-vinda para os tais, mas nem mais um jota nem um til alm disso. Cujo Deus o ventre, s pen- sam nas coisas terrenas.

    Ah! quantos tero de reconhecer que so culpados por se terem ocupado tanto com as coisas terrenas! fcil fazer profisso da religio de Cristo enquanto a Pessoa de Cristo desconhecida e a cruz de Cristo odiada. fcil tomar o

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    nome de Cristo nos lbios e lig-lo com o amor do mundo. Todas estas coisas encontram a sua plena ilustrao no mal educado Nabal, que, havendo-se fechado no meio da sua luxria e riqueza, no se preocupou com o ungido de Deus, nem pensou nele durante o seu exlio penoso e permanncia nas montanhas.

    Qual foi a sua resposta ao apelo tocante de David '? Apenas esta: Quem David, e quem o filho de Jess? Muitos servos h hoje, e cada um foge a seu senhor. To- maria eu, pois, o meu po, e a minha gua. e a carne das minhas rezes, que degolei para os meus tosquiadores, e o daria a homens que eu no sei de onde vm? Neste trecho est o segredo da indiferena deste homem mundano: no conhecia David; se ele tivesse sabido quem ele era, teria tomado uma atitude muito diferente para com ele. Mas ele no sabia donde ele era nem quem ele era: desconhecia que estava insultando o ungido do Senhor e afastando de si, no seu egosmo louco, o privilgio de suprir as necessidades do futuro rei de Israel.

    A moral de tudo isto profundamente instrutiva. Para algum poder discernir a pessoa de Cristo e apegar-se a Ele no tempo da Sua rejeio preciso ter realidade de f. Uma coisa ser cristo, outra confessar Cristo perante os homens. Na verdade, difcil encontrar alguma coisa mais egosta do que o corao que nos leva a aceitar tudo que Jesus tem para dar e no Lhe d nada em troca. Desde que eu esteja salvo o resto no essencial. o pensamento oculto de muitos coraes, e se lhe dermos uma forma mais honesta ser isto: se tenho a certeza da salvao pouco importa a glria de Cristo. Este foi precisamente o modo de Nabal atual: aproveitou todas as vantagens que pde de David; mas logo que David apresentou o seu direito sua simpatia e ao seu auxlio, o seu esprito mundano ma- nifestou-se. Porm um de entre os mancebos o anunciou a Abigail, mulher de Nabal, dizendo; Eis que David enviou mensageiros desde o deserto a saudar nosso amo: porm

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    ele se lanou a eles. Todavia, aqueles homens tm sido muito bons, e nunca fomos agravados deles, e nada nos faltou em todos os dias que conversamos com eles, quando estvamos no campo. De muro em redor nos serviram, assim de dia como de noite, todos os dias que andamos com eles apascentando as ovelhas. Est tudo muito bem. Nabal podia compreender o valor da proteo de David, embora no se importasse com a pessoa de David. Enquanto os homens de David formassem uma muralha em volta das suas possesses ele estava pronto a suport-los, mas logo que se tornassem um fardo para si eram rejeitados e injuriados.

    Porm, como podia esperar-se, a atitude de Nabal era contrria s Escrituras, assim como o seu esprito era deci- didamente contrrio ao Esprito do seu Autor Divino. Est escrito no captulo 15 de Deuteronmio que Quando entre ti houver algum pobre de teus irmos, e em alguma das tuas portas, na terra que o Senhor teu Deus te d, no endure- cers o teu corao, nem fechars a tua mo a teu irmo que for pobre; antes lhe abrirs, de todo, a tua mo, e livre- mente lhe emprestars o que lhe falta, quanto baste para a sua necessidade. Guarda-te, que no haja palavra de Belial no teu corao, dizendo: Vai-se aproximando o stimo ano, o ano da remisso: e que o teu olho seja maligno para com teu irmo pobre, e no lhe ds nada; e que ele clame contra ti ao Senhor, e que haja em ti pecado. Graa pre- ciosa! Como prpria de Deus! E como o procedimento de Nabal era imprprio! A graa tem o corao aberto para todas as necessidades; ao passo que o egosmo fecha-se contra todo o suplicante. Nabal devia ter obedecido pa- lavra de Deus, independentemente do seu conhecimento de David; mas o egosmo era grande demais para permitir a sua obedincia Palavra de Deus ou afeio por aquele que era o ungido do Senhor.

    Contudo, o egosmo de Nabal levou a resultados muito importantes: levou, no caso de David, manifestao de muita coisa que era destinada a humilh-lo na presena de

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    Deus. Vmo-lo aqui descer da posio elevada que geral- mente o caracterizava pela graa de Deus. Sem dvida, era profundamente triste ver a ingratido de algum a quem ele tinha servido como que de muro de defesa; era duro tambm ser censurado com base nas prprias circunstncias a que a sua fidelidade o tinha levado, e ser acusado de haver fugido de seu senhor no prprio momento em que era perseguido como se fora uma perdiz pelos montes. Tudo isto era duro demais para suportar; e, no primeiro momento de exaltao, David exprime palavras que no seriam aprovadas no santurio. Cada um cinja a sua es- pada (versculo 13), no a linguagem que podamos es- perar daquele que at aqui havia andado em humildade e brandura de esprito. A passagem que acabamos de repro- duzir apresenta-nos o recurso do irmo pobre, que no levantar a sua espada com vingana, mas clamar ao Senhor.

    O egosmo de Nabal nunca poderia ser remediado pela espada de David, nem to-pouco a f jamais adotaria um tal recurso. No vemos David atuando desta maneira quanto a Saul; ele deixou-o inteiramente entregue a Deus, e at mesmo quando tentado a cortar a orla do seu vestido, o seu corao acusou-o. Por que razo no atuou assim para com Nabal? Porque no estava em comunho com Deus; no estava de guarda, e o inimigo tirou vantagem disso.

    A natureza levar-nos- sempre a vingar-mo-nos e a res- sentirmos as injrias. O corao murmurar secreta mente, ele no tinha o direito de me tratar assim; no posso su- portar isto, nem to-pouco penso que devo consenti-lo. Pode ser assim, porm o homem de f elevar-se- imediata- mente acima de tais coisas: v Deus em tudo; a inveja de Saul, a loucura de Nabal, tudo, numa palavra, vem de Deus e pode ser enfrentado no segredo da Sua santa presena. Os instrumentos nada so para a f; Deus tudo. Isto d poder real para se avanar sobre todas as circunstncias. Se

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    no vislumbrarmos Deus em todas as coisas, seremos cons- tantemente enlaados.

    Teremos ocasio, medida que avanarmos com o assunto, de seguir este princpio mais pormenorizadamente, e voltemos, por agora, para outro carter, que chama a nossa ateno neste captulo to cheio de instruo. Abigail, mulher de bom entendimento e formosa. um testemunho nobre, certamente, o qual nos mostra que a graa pode mos- trar-se nas mais funestas circunstncias. A casa do avarento Nabal deve ter sido urna cena triste para urna pessoa corno Abigail; porm ela esperou em Deus, e, corno teremos oca- sio de ver, no foi desapontada.

    O caso desta mulher notvel cheio de nimo e ins- truo para todos aqueles que possam encontrar-se emba- raados e estorvados por ligaes inevitveis. Para estes a histria de Abigail diz-lhes: sede pacientes, esperai em Deus, no vos julgueis livres de urna oportunidade de dar testemunho. O Senhor pode ser glorificado por sujeio humilhante, e dar, certamente, alvio e vitria no fim. De certo, muitos podero ter que se censurar por terem pro curado tais ligaes, ou feito tais contactos; mas, mesmo assim, se a loucura e o mal forem realmente sentidos, con- fessados e julgados perante Deus, e a alma posta numa atitude de completa sujeio, o fim ser de paz e bno.

    Em Abigail vemos urna pessoa que foi, com efeito, usada para corrigir urna personagem corno David. Pode ser que a sua vida, at ao momento em que o historiador sagrado no-la apresenta, tivesse sido provada por muita coisa que era penosa e difcil; de fato, dificilmente poderia ter sido de outra maneira, visto que estava ligada a urna pessoa corno Nabal. Todavia, o tempo trouxe luz a graa que havia nela. Ela havia sofrido em silncio e estava agora prestes a ser elevada a urna posio invulgar. Muitos poucos haviam visto o seu servio paciente; mas muitos viram a sua exaltao. O fardo que ela tinha transportado em segredo ia ser largado diante de muitas testemunhas. A preciosidade

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    do servio de Abigail no consistiu em ter salvo Nabal da espada de David, mas sim em evitar que David cingisse a sua espada. E disse David: Na verdade que em vo tenho guardado tudo quanto este tem no deserto, e nada lhe faltou de tudo quanto tem, e ele me pagou mal por bem. Esta maneira de falar era terrvel. David deixava precipitada- mente o lugar de dependncia - o nico lugar feliz e santo. Nem to-pouco o fazia em favor da congregao do Senhor. No, era para se vingar daquele que o havia tratado mal. Triste erro! Felizmente para ele, havia urna Abigail na casa de Nabal que estava prestes a ser usada por Deus para o impedir de tratar um doido segundo a sua loucura. Era isto precisamente que o inimigo desejava.

    O egosmo de Nabal foi usado por Satans para enredar David, e Abigail foi o instrumento de Deus para o libertar. sempre bom quando o homem de Deus pode detectar a obra de Satans; para poder faz-lo, ele precisa de estar muito tempo na presena de Deus, porque s na Sua pre sena pode encontrar luz e poder espiritual para o habilitar a lutar com um tal inimigo. Quando est fora da comunho com o Senhor, a alma torna-se distrada por olhar para causas secundrias e agentes inferiores, da mesma maneira que David foi distrado olhando para Nabal. Se ele tivesse visto o assunto com calma, na presena de Deus, no teria- mos as palavras ... em vo tenho guardado tudo quanto este tem no deserto: ele teria, ento, deixado para trs este entregue a si prprio. A f d verdadeira dignidade ao carter, e Superioridade sobre as circunstncias mesqui- nhas desta cena passageira. Aqueles que se conhecem a si prprios corno estrangeiros e peregrinos na terra lembrar- se-o que as tristezas bem corno as alegrias desta vida so evanescentes, e no se deixaro dominar desordenadamente nem por urna coisa nem por outra. Passa, est escrito em cada coisa; o homem de f deve, portanto, olhar para cima e para frente.

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    Bom, Abigail, pela graa de Deus, libertou David das influncias infelizes do presente conduzindo a sua alma ao futuro: aprendemos isto com as suas palavras excelentes: Vendo pois Abigail a David apressou-se e desceu do ju- mento, e prostrou-se sobre o seu rosto diante de David, e se inclinou terra. E lanou-se a seus ps e disse: Ah, senhor meu, minha seja a transgresso; deixa pois falar a tua serva aos teus ouvidos, e ouve as palavras da tua serva. Meu se- nhor agora no faa este homem de Belial, a saber, Nabal, impresso no seu corao, porque tal ele qual o seu nome. Nabal o seu nome, e a loucura est com ele, e eu, tua serva, no vi os mancebos de meu senhor, que enviaste- Agora, pois, meu senhor, vive o Senhor, e vive a tua alma, que o Senhor te impediu de vires com sangue e de que a tua mo te salvasse: e agora tais quais Nabal sejam os teus inimigos e os que procuram mal contra o meu senhor ... porque certamente far o Senhor casa firme a meu senhor, porque meu senhor guerreia as guerras do Senhor, e no se tem achado mal em ti, por todos os teus dias. E levantan- do-se algum homem para te perseguir e para procurar a tua morte, ento a vida do meti senhor ser atada no feixe dos que vivem com o Senhor teu Deus; porm a vida de teus inimigos se arrojar ao longe, como do meio do cn- cavo de uma funda. E h de ser que, usando o Senhor com o meu senhor conforme a todo o bem que j tem dito de ti, e te tiver estabelecido chefe sobre Israel, ento meu senhor no te ser por tropeo nem por pesar no corao o sangue que sem causa derramaste, nem to-pouco o haver-se salvado meu senhor a si mesmo: e quando o Senhor fizer bem a meu senhor, lembra-te ento da tua serva.

    No podemos imaginar nada mais tocante que estas pa lavras. Cada palavra est calculada a tocar o corao. Ela chama a ateno de David para o mal de se vingar de Nabal (a maldade e loucura da sua vingana), e lembralhe a sua prpria ocupao, isto , guerreia as guerras do Senhor. Isto deve t-lo feito compreender as circunstncias humi-

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    lhantes em que Abigail o veio encontrar, apressando-se para guerrear a sua prpria guerra.

    Contudo, o leitor h de notar que o ponto principal nas suas palavras a referncia ao futuro: Certamente far o Senhor casa firme a meu senhor. A vida de meu senhor ser atada no feixe dos que vivem com o Senhor teu Deus. Usando o Senhor com o meu senhor ... e te tiver estabelecido chefe sobre Israel. Todas estas aluses ao futuro e bno de David eram eminentemente calculadas para afastar o seu corao daquela afronta. A casa firme, o feixe dos que vivem, e o reino, eram muito melhores que os rebanhos e manadas de Nabal; e, em vista dessas glrias, David podia muito bem dispensar o seu auxlio e deix-lo entregue aos seus bens. Para o herdeiro dum reino, algumas ovelhas tinham pouco valor; e aquele que sabia que o azeite da uno havia sido derramado sobre a sua cabea podia fcil- mente consentir em ser chamado servo fugido a seu Senhor. Abigail sabia todas estas coisas, conhecia-as como fato de f. Ela conhecia David e sabia quais eram os seus altos des- tinos. Pela f ela viu no proscrito e desprezado David o futuro rei de Israel.

    Nabal no conhecia David. Era um homem do mundo, cheio de bens materiais. Para esse homem no havia nada mais importante, nada que desse mais influncia, que o seu po, a carne das suas rezes e os seus tosquia dores. Era tudo egosmo; no havia lugar para David nem para as suas necessidades. Isto era de esperar de uma pessoa como Nabal; mas certamente no era prprio que David descesse do seu lugar elevado para se prender com um pobre mundano quanto s suas possesses temporais. Ah! no; o reino devia ter enchido a sua viso e ocupado os seus pensa- mentos, e levantado o seu esprito acima de todas as in- fluncias.

    Considerai o prprio Mestre, na sala da audincia de um pobre verme - criao das Suas prprias mos-, como Se conduziu Ele? Convidou o pequeno grupo dos Seus

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    seguidores a cingirem cada um a sua espada? Disse do homem que se atreveu a sentar-se como Seu juiz, em vo tenho dado a este tudo que ele e tudo quanto tem? No; Ele olhou para alm e acima de Pilatos, de Herodes, dos prncipes dos sacerdotes e dos escribas e pde dizer: No beberei Eu o clix que o PAI me deu? Isto manteve o Seu corao tranqilo, enquanto que, ao mesmo tempo, Ele podia olhar para o futuro e dizer: DESDE AGORA vereis o Filho do homem assentado direita do poder de Deus e vindo sobre as nuvens do cu (Marc. 14:62 e Luc. 22:69). Nestas palavras do Senhor podemos ver poder verdadeiro sobre as coisas temporais. O reino milnial com todos os seus gozos incontveis, com as suas profundidades e alturas de glria, brilhando distncia, com luz e brilho eternos, e o olhar do Homem de dores descansando sobre ele, nessa hora, quando os escrnios, a zombaria, os insultos, e a censura de pecadores culpados caram sobre a Sua bendita Pessoa.

    Prezado leitor, Cristo o nosso modelo; assim, ns de- vemos aceitar as tribulaes e dificuldades, a crtica, a ma- ledicncia, a difamao e o desprezo deste tempo presente. Devemos ver tudo luz das palavras, desde agora: ... a nossa leve tribulao, diz um sofredor eminente, que mo- mentnea, produz, para ns, um peso eterno de glria mui excelente. (11 Cor. 4:17). E o Deus de toda a graa, que em Cristo Jesus vos chamou sua eterna glria, depois de haverdes padecido um pouco, Ele mesmo vos aperfei- oar, confirmar, fortificar e fortalecer (I Ped. 5:10) 6 nscios, e tardos de corao para crer tudo que os pro- fetas disseram! Porventura no convinha que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glria? (Luc. 24:25, 26). Sim; o sofrimento vem primeiro, e a glria depois; e todo aquele que procurar por suas prprias mos libertar-se do fio do sofrimento e da aflio do tempo pre- sente d provas de que o reino no enche todo o espao da sua alma - que o agora exerce mais influncia nele do que o desde agora.

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    Como devamos bendizer a Deus por nos ter dado uma viso de glria nos sculos vindouros! Como esta viso nos habilita a seguir com passo alegre no nosso caminho esca- broso atravs deste deserto! Como ela nos eleva acima das coisas que absorvem os filhos deste mundo!

    Possamos ns experimentar, mais e mais, a realidade desta verdade, medida que vamos passando por este vale de lgrimas. Na verdade, o corao enfraquece, e o esprito desfalece, se no formos amparados pela esperana - at mesmo na esperana da glria, a qual, graas a Deus, no nos envergonha.

    Prosseguindo a histria de David e Abigail, temos ainda um exemplo admirvel da grande diferena entre os filhos da natureza e os filhos da f. Abigail voltou da sua entre- vista com David para encontrar Nabal muito embriagado pelo que no lhe deu a entender palavra alguma, pequena nem grande, at luz da manh. Sucedeu pois que pela manh, havendo j sado a Nabal o vinho, sua mulher lhe deu a entender aquelas palavras: e se amorteceu nele o seu corao, e ficou ele como pedra. Que triste figura dum homem do mundo! Mergulhado em intoxicao du- rante a noite, e quando rompeu o dia atacado de terror, e ferido pela flecha da morte. Como isto parecido com as multides que o inimigo tem conseguido fascinar e ento- xicar atravs dos sculos com os gozos efmeros de um mundo que jaz debaixo da maldio de Deus, e aguarda o fogo do Seu juzo! Os que dormem, dormem de noite, e os que se embebedam, embebedam-se de noite (I Tess. 5 :7).

    Mas ah! vem a manh, depois do vinho (smbolo pr- prio do gozo que este mundo d) ter sido de todo evapo- rado - quando a excitao febril em que Satans compro- mete agora os espritos dos homens deste mundo tiver sere- nado. E ento seguir-se- a realidade severa de uma eterni- dade de misria - misria inexprimvel, na companhia de Satans e os seus anjos. Nabal nem sequer se encontrou com David face a face; e todavia o prprio temor da sua

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    espada vingadora encheu a sua alma de um terror de morte. Quo mais terrvel ser encontrar o olhar do desprezado e rejeitado Jesus! Ento todas as Abigais e os Nabais en- contraro os seus respectivos lugares: os que tiverem conhe- cido e amado o Senhor Jesus, e aqueles que O tiverem rejeitado. Deus, na Sua misericrdia, permita que o leitor se encontre entre o nmero feliz dos primeiros.

    Quero apenas dizer, alm disso, que a narrativa inte- ressante deste captulo d-nos uma ilustrao notvel da Igreja e o mundo, como um todo; a Igreja ligada ao Rei, e associada com Ele na Sua glria; o mundo mergulhado em runa irremedivel. Havendo, pois, de perecer todas estas coisas, que pessoas vos convm ser, em santo trato e piedade. Aguardando, e apressando-vos para a vinda do dia de Deus, em que os cus, em fogo, se desfaro e os elemen- tos, ardendo, se fundiro? Mas ns, segundo a sua pro- messa, aguardamos novos cus e nova terra, em que habita a justia. Pelo que, amados, aguardando estas coisas, pro- cura i que d'Ele sejais achados imaculados e irrepreensveis em paz (lI Ped. 3:11 a 14).

    Tais so os fato importantes,' e estimulantes para a alma, que nos so apresentados atravs do Livro de Deus, de modo a desligar os nossos coraes das coisas temporais, e uni-Ios em afeio verdadeira aos objetos e perspectivas que se acham ligados com a pessoa do Filho de Deus. Nem to-pouco deve coisa alguma, salvo a convico profunda e positiva da realidade destas coisas, produzir tais efeitos. Conhecemos bem o poder embriagante dos planos e opera- es deste mundo; sabemos como o corao humano le- vado, como se fosse numa corrente caudalosa, quando tais coisas se apresentam - planos de melhoramentos, operaes comerciais, movimentos polticos; sim, e movimentos reli- giosos, tambm -, coisas que produzem um efeito sobre a mente humana semelhante quele que foi ocasionado pelo vinho em Nabal, de maneira que quase desnecessrio

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    apregoar os fato austeros que se apresentam na passagem acima reproduzida.

    Contudo, ainda assim, tm de ser anunciados, devem ser reiterados, tanto mais, quando vedes que se vai aproxi- mando aquele dia (Heb. 10 :25). O dia do Senhor vir como o ladro de noite. Todas estas coisas ho-de pere- cer: ... os cus, em fogo, se desfaro, e os elementos, ar- dendo, se fundiro: ... os cus passaro com grande es- trondo, e os elementos, ardendo, se desfaro, e a terra e as obras que nela h, se queimaro (2 Ped. 3:10). Tais so as perspectivas para todos aqueles que, semelhana de Nabal, sobrecarregados com embriagus e glutonaria e os cuidados desta vida, rejeitaram as pretenses e apelos de Jesus.

    O mundo est sendo preparado, com rapidez incrvel, para a vinda daquele que, pelo poder de Satans, chefiar todas as suas instituies, englobar todos os seus princ- pios, e concentrar todas as suas energias. Esperai at que o ltimo eleito seja recolhido, o ltimo membro incorporado no corpo de Cristo pelo poder vivificador do Esprito Santo, e a ltima pedra seja colocada no seu lugar determinado no templo de Deus, e ento o sal, que agora preserva o mundo da corrupo, ser tirado; a barreira formada pela pre- sena do Esprito Santo na Igreja ser tirada do caminho, e ento aparecer o inquo no palco deste mundo, a quem o Senhor desfar pelo assopro da sua boca, e aniquilar pelo esplendor da sua vinda; a esse cuja vinda segundo a eficcia de Satans, com todo o poder e sinais e prodgios de mentira, e com todo o engano da injustia para os que perecem, porque no receberam o amor da verdade para se salvarem (lI Tess. 2:8 a 10).

    Certamente estas coisas deveriam restringir a carreira dos homens deste mundo, e lev-los, com mentes solenes, a considerarem O SEU FIM. A longanimidade do Senhor salvao. Salvao uma palavra preciosa! Deveras pre- ciosa! Mas nada de abusos; nada de equvocos quanto a

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    lassido. O Senhor espera para ser gracioso com os peca dores, no para ser conivente com o pecado.

    Mas, como vimos j, quase intil falar do futuro queles que esto absorvidos com o presente.

    Bendito seja Deus, alguns tm ouvidos para ouvir o teso temunho acerca da bondade e graa de Jesus, bem como quanto ao Seu juzo vindouro. Assim foi com Abigail; ela creu a verdade quanto a David, e atuou de acordo com ela; e todos os que crerem a verdade acerca de Jesus separar- se-o diligentemente deste mundo.