Davi e a Conspiração

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Exemplos da vida de fé na vida de Davi e época de Davi - C. H. Mackintosh

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    Vamos seguir outra vez Davi no vale da sua humi- lhao - um profundo vale, na verdade, no qual se vem pecado doloroso e os seus frutos amargos. realmente ma- ravilhoso seguir os passos deste homem notvel. To de- pressa a mo do amor o restaura e pe os seus ps outra vez sobre a rocha, ele lana-se outra vez nos recessos da corrupo. Acabamos de ver como o seu erro quanto casa de Deus foi graciosamente corrigido, e agora vmo-lo preso com as cadeias do desejo carnal. Tal , enfim, o homem: uma pobre criatura hesitante e inconstante, que necessita a cada momento da graa e da pacincia divinas.

    At a histria do crente mais fraco mostrar, embora numa escala diminuta, toda a escabrosidade, disparidade e inconsistncia notadas na vida de David. Em boa verdade este fato que torna as narrativas da sua vida e poca to interessantes.

    Onde est o corao que livre dos ataques do poder da incredulidade que obrigou David a buscar refgio junto do rei de Gath? ou livre de idias errneas acerca do ser- vio do Senhor, como David, que procurou edificar uma casa para o Senhor antes do tempo prprio? ou isento de emoes de complacncia prpria e vaidade, como David, quando procurou numerar o povo? ou da sensualidade, como David, no caso de Urias, o heteu? Um tal corao no ter muito interesse em conhecer os pormenores da

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    vida de David. Contudo, bem sabemos que o leitor no tem um corao assim, porque onde quer que haja um corao humanu, h tambm a susceptibilidade de tudo que tenho enumerado, e, portanto, a graa que valeu a David deve ser preciosa para todo o corao que conhece qual o seu pr- prio lugar.

    A parte da histria que vamos agora prosseguir extensa e abrange muitos princpios de experincia crist e actua- o divina. Os fato do caso so, sem dvida, do conheci- mento de todos; todavia parece ser muito til consider-los de perto. O pecado de David levou conspirao de Absalo. E aconteceu que, tendo decorrido um ano, no tempo em que os reis saem para a guerra, enviou David a Joab e a seus servos com ele, e a todo o Israel, para que destrussem os filhos de Ammon, e cercassem a Rabba; porm David ficou em Jerusalm (2 Samuel 11:1). Em vez de se pr frente do seu exrcito, tomando parte nos trabalhos e canseiras da guerra, David ficou comodamente em casa. Mas isto dava uma vantagem ao inimigo sobre ele. Logo que um homem deixa o seu lugar de dever, ou abandona o lugar do conflito, torna-se fraco. Um tal homem pe de parte a sua armadura e ser indubitavelmente ferido pelas flechas do inimigo. Enquanto est ocupada no trabalho do Senhor, seja que espcie de trabalho for, a natureza conservada sob presso; porm logo que est ociosa, comea a operar e cede aco e influncia das coisas exteriores. Devemos ponderar isto muito seriamente. Satans ter sempre mo mal para os coraes e as mos ociosas. David teve que sentir isto mesmo. Se ele tivesse ido com o seu exrcito para Rabbah os seus olhos no teriam cado sobre um objeto calculado para atuar sobre o princpio corrupto que havia nele; porm o prprio ato de ficar em casa ofereceu ao inimigo um ensejo de cair sobre ele.

    sempre bom estarmos em guarda, porque temos um inimigo vigilante. Sede sbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversrio, anda em derredor, bramando como leo,

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    buscando a quem possa tragar (I Pedro 5 :8). Satans es- pera a sua oportunidade e quando encontra uma pessoa des- cuidada com o seu prprio servio procura certamente com- promet-la com o mal. portanto um meio seguro estar-se ocupado no servio que resulta da comunho com Deus, porque s assim nos achamos numa atitude de hostilidade positiva para com o inimigo; porm se no agirmos em hostilidade, ele servir-se- de ns para os seus prprios fins. Quando David falhou como chefe das hostes de Israel, tor- nou-se escravo da concupiscncia. Que triste figura! Um aviso solene para as nossas almas.

    O crente ou est sujeito energia do Esprito ou ener- gia da carne; se falhar na energia do Esprito a energia da carne predominar incontestavelmente, e ento torna-se uma presa fcil para o inimigo. Aconteceu assim com David: ... no tempo em que os reis saem para a guerra, ele fica em casa, e Satans apresenta-lhe um engodo a que o seu pobre corao no pode resistir. E ento cai vergonhosa. mente e gravemente! Nem to-pouco a sua queda apenas um erro casual. No; ele cai num lago horrvel de pecado, de vil corrupo, e a sua queda pronuncia o aviso solene: guarda-te sob o corpo. Ou a natureza h de ser julgada ou ento cairemos num naufrgio.

    E note-se a que extremos David foi levado na consecuo do pecado. Havendo sacrificado o seu carter para satis- fazer a carne, ele procura fazer de Urias a capa com que se h-de cobrir do pblico. A sua reputao tem de ser mantida a todo o custo. Por isso ele experimenta a amabilidade, mas em vo; ento embriaga o desonrado e prejudicado Urias, mas sem resultado; por fim mata-o por meio. da espada dos filhos de Amom! Como tudo isto terrvel!

    David pensou realmente que tudo estaria bem logo que Urias fosse posto de parte. Esqueceu que os olhos do Se- nhor estavam postos sobre ele em todo o seu mal? Parece que a sua conscincia no era sensvel nesta ocasio, nem to-pouco susceptvel daquela convico que ns esperaria-

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    mos. Se assim tivesse sido, ele teria certamente hesitado antes de acrescentar o pecado de homicdio ao pecado de adultrio - ter-se-ia retrado com a spera reprovao de Urias, tanto mais spera quanto certo que era intencional, quando disse: A arca e Israel e Jud ficam em tendas; e J oab meu senhor e os servos de meu senhor esto acam- pados no campo; hei de eu entrar na minha casa? (lI Samuel 11:11). Que censura para David! O Senhor e o Seu povo estavam acampados em luta com os inimigos incircun- cisos de Israel, mas David estava em casa entregue ao cio e cedendo aos desejos da natureza. Certamente no era oca- sio para David ficar assentado num sof, visto que as hostes do Senhor estavam empenhadas em luta com o inimigo: no era ocasio para ele expor um servo fiel aos ataques do ini- migo, com o fim de salvar a sua prpria reputao.

    Mas, assim o homem, at mesmo o melhor dos homens. Quando o corao se enche de orgulho ou a concupiscncia embacia os olhos, quem pode estabelecer limites depra- vao humana? Quem poder definir os extremos terrveis a que at um homem como David pode chegar quando no anda em comunho com Deus? Bendito seja para sempre o Deus de toda a graa, que sempre S mostra suficiente para todas as necessidades do Seu povo! Quem seno Deus poderia tratar ainda que fosse com um s crente durante uma sim- ples fase da sua histria? Quando nos lembramos de como Ele detesta Q pecado, a Sua graa para com o pecador deve encher a sua alma de gratido e louvor.

    O Senhor tem de manter a Sua santidade, por mais que trate do pecador, e per isso, no caso de David, vmo-lo anunciando o castigo mais solene sobre a sua casa por causa do seu pecado. Natan enviado ao seu encontro com e fim de pr a sua conscincia imediatamente na presena da san- tidade de Deus. Este o lugar prprio para a conscincia. Quando ali no est, ela entregar-se- a toda a sorte de expedientes, toda a sorte de subterfgios e toda a espcie de disfarces. David disse, quando foi informado do xito do

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    seu plano diablico quanto a U rias: Assim dirs a Joab: No te parea isto mal aos teus olhos; pois a espada tanto consome este como aquele. Deste modo ele pensou calar todo o assunto; imaginou, inutilmente, que, visto Urias ter sido afastado do seu caminho, tudo correria bem. Mas, ah! havia um olhar que podia penetrar atravs de toda esta co- bertura que a insensibilidade de David havia posto sobre a sua conscincia. A espada tanto consome este como aquele, sem dvida, e a guerra tem as suas vicissitudes; porm isto no podia satisfazer a justia de Deus. No; o assunto tinha que ser posto s claras - as malhas terrveis do mal com que Satans enredara os ps da sua vtima tinham de ser desenredadas; a santidade da casa de Deus deve ser mantida a todo o custo; o Seu nome e a verdade tm de ser plenamente justificados, e o Seu servo ter de ser castigado vista de toda a congregao - sim, perante o sol. Podia parecer, segundo o juzo humano, que era mais prudente ocultar do pblico o castigo daquele que estava numa posio to elevada, mas esse no o mtodo de Deus; o Senhor mostrar a todo o espectador, por meio do julgamento que executar no meio do Seu povo, que no tem parte no mal. Nada podia servir para limpar a mancha que havia sido lan- ada sobre a verdade de Deus seno o castigo pblico do transgressor. O homem do mundo pode continuar no pre- sente e pecar com impunidade; porm aqueles que esto ligados com o nome do Senhor tm de se conservar a si pr- prios puros, ou de contrrio tm de ser julgados.

    Contudo, David parece ter sido espantosamente insen- svel a todo este acontecimento. At mesmo depois da par- bola em que Natan ps perante ele a negrura do seu pro- cedimento, ele, embora indignado com o procedimento egosta do homem rico, nunca pensou que a parbola se referia a si. Ento o furor de David se acendeu em grande maneira contra aquele homem; e disse a Natan: Vive o Senhor, que digno de morte o homem que fez isso. Desta maneira ele pronuncia, inconscientemente, o juzo contra si

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    prprio; por enquanto ainda no sentia o seu pecado; talvez procurasse descobrir e castigar o transgressor, se as pala- vras do profeta no fossem como que a flecha do TodoPo deroso que feriu a sua conscincia obtusa. Tu s este ho- mem. Que tremenda descoberta! O pecado foi descoberto na sua prpria origem e David ficou na presena de Deus como pecador oprimido e vencido pelo remorso. Acaba- ram-se os esforos para se esconder e manter a sua repu tao: Pequei contra o Senhor, a confisso que sai do seu esprito ferido. A sua alma fora vencida pelo poder da verdade, e o Salmo 51 foi o seu brado de penitncia, quando ele se achava prostrado no p, com o sentido profundo da sua prpria vileza diante do Senhor. Tem misericrdia de mim, Deus, segundo a tua benignidade; apaga as mio nhas transgresses segundo a multido das tuas misericr- dias. Aqui estava o recurso bem conhecido e repetidas vezes posto em prtica por David. Traz o seu fardo e arro- ja-o ao lado da misericrdia e bondade de Deus - o nico lugar onde o seu vexado esprito podia encontrar descanso. Achou que o seu pecado era to abominvel que nada seno a misericrdia de Deus podia valer-lhe para o apagar. Ali, todavia, ele achou um vasto abismo que podia tragar todo o seu mal e dar- lhe profunda paz em face da sua pr. pria misria.

    Nem to-pouco era apenas o perdo dos seus pecados que David buscava; necessitava dele, sem dvida, mas ne- cessitava de muito mais; necessitava de ser purificado inti- mamente do poder viciado do prprio pecado. Lava- me completamente da minha iniqidade e purifica- me do meu pecado (Salmo 51 :2). O apstolo Joo diz: Se (ns, os crentes) confessarmos os nossos pecados, Ele fiel e justo (no apenas) para nos perdoar os pecados (mas tambm), e nos purificar de toda a injustia (I Joo 1 :9). Sermos purificados de toda a injustia muito mais do que sermos perdoados dos nossos pecados, e David desejava tanto o perdo dos seus pecados como a purificao da sua injus-

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    tia. As duas coisas dependem da confisso dos nossos pe cados. Mas muito mais difcil fazermos confisso dos nossos pecados do que pedirmos o perdo. Realmente confessarmos perante Deus o pecado que temos cometido uma coisa muito mais humilhante do que pedirmos perdo. uma coisa fcil pedir ao Senhor o perdo, mas em vo se no confessarmos os nossos pecados; e, note-se, uma questo de f simples sabermos que os nossos pecados nos so perdoados. A pala- vra diz: Se confessarmos. David confessou o seu pecado: ... eu conheo as minhas transgresses, e o meu pecado est sempre diante de mim. Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que a teus olhos parece mal, para que sejas justifi- cado 'quando :falares, e puro quando julgares. Isto era ver- dadeira confisso. No lanou a culpa sobre as circunstn- cias nem apelou para as pessoas. A sua expresso sim- plesmente: eu e ti; eu, pecador, e tu o Deus da ver- dade. Seja Deus verdadeiro e todo o homem mentiroso (Rom. 3:4). O segredo da verdadeira restaurao consiste em tomarmos o nosso prprio lugar, como pecadores, na luz da verdade de Deus. este o ensino do apstolo Paulo em Romanos, captulo 3. A verdade de Deus estabelecida ali como o grande padro por meio do qual a condio do homem deve ser experimentada. O efeito deste princpio trazer o pecador s profundezas do seu prprio ser, ao pr. prio fundo, com efeito, do seu estado moral e prtico vista de Deus; isto despe-o de tudo e expe o ntimo da sua alma nu perante a santidade que no tolera a mais pequena mano cha de pecado na sua presena. Porm quando levado deste modo ao p de humilhao voluntria e confisso ver- dadeira, que encontramos? Encontramos Deus no retiro da Sua graa soberana, preparando perfeita justia para o pe cador culpado e inescusvel.

    Nesta parte importante de inspirao encontramos graa e verdade: a verdade parte o corao e tapa a boca; a graa liga o corao e abre a boca: a verdade fecha a boca para que ela no possa mais vangloriar-se dos mritos humanos;

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    e a graa abre a boca para que possa louvar e honrar o Deus de toda a graa.

    David pde conduzir-se, em esprito, atravs da verdade estabelecida em Romanos 3: ele foi, tambm, levado aos profundos recessos da sua natureza. Eis, diz ele, que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha me. Aqui ele v o ponto mais baixo da depresso: a ori- gem do homem! Que pensamento! Formado em iniquidade! Que bem poderia jamais brotar de um tal ser? Nenhum. irrecupervel. E em seguida note-se o contraste: Eis que amas a verdade no ntimo. Deus requer a verdade, e David no tinha com que responder a essa exigncia salvo a sua natureza poluda. O que poder jamais encher o vasto abismo que existe entre o homem nascido em pecado e Deus recla- mando a verdade no seu ntimo? Nada seno o precioso sangue de Cristo. Purifica-me com hissope, e ficarei puro: lava-me, e ficarei mais alvo do que a neve. Por outras pa. lavras, David entrega-se, como pecador desamparado, nos braos do amor redentor. Feliz lugar de descanso! S Deus pode purificar o pecador, e torn-lo apto de estar na Sua presena. Faze-me ouvir jbilo e alegria, para que gozem os ossos que tu quebraste. Deus tem de fazer tudo: puri- ficar a sua conscincia, abrir os ouvidos outra vez para ouvirem as notas de jbilo e alegria e a sua boca para en- sinar aos transgressores os Seus caminhos de amor e mise- ricrdia, criar nele um corao puro e tornar a dar-lhe a alegria da Sua salvao; sust-lo pelo Esprito e livr-lo dos crimes de sangue. Em resumo: logo que as palavras de Natan caram com poder divino no corao de David, ele lanou o peso esmagador do seu fardo sobre a graa in- finda baseada no precioso sangue da expiao, e, assim, tanto quanto lhe dizia respeito, pessoalmente, podia rego- zijar-se na liquidao perfeita da questo que o seu pecado havia levantado entre a sua conscincia e Deus. A graa obteve um triunfo glorioso; e David abandonou o campo, sobressaltado, em boa verdade, e gravemente ferido, mas

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    com uma profunda experincia do que Deus era e aquilo que a graa havia feito por ele.

    Todavia, o pecado de David produziu os seus frutos a seu tempo. Tem de ser sempre assim. Nada pode interpor-se com a realizao daquelas palavras solenes do apstolo: Tudo que o homem semear, isso tambm ceifar (Cal. 6:7). A graa de Deus pode perdoar o indivduo, porm os resul- tados do pecado sero infalivelmente manifestados, at mesmo que o pecador experimente os mais profundos e agra- dveis ensaios do amor divino e da graa restauradora continua ainda sob disciplina. Veremos este princpio amplamente exemplificado em David. David foi, como sabe- mos, plenamente, ditosamente, perdoado por Deus, purifi- cado e aceito; contudo teve de prestar ateno ao aviso so- lene, Agora, pois, no se apartar a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para que te seja por mulher. Note-se a frase: ... ME desprezaste. David havia procurado ocultar o seu pecado do pblico fazendo desaparacer Urias e esquecendo que Deus via tudo ao mesmo tempo e tambm a honra do Seu santo nome. Se ele tivesse pensado no Senhor, quando a natureza lhe fez ouvir a sua voz, no teria cado naquela cilada do diabo.

    O conhecimento da presena de Deus o grande preser- vativo do mal; porm, quantas vezes no somos ns mais influenciados pela presena do nosso semelhante do que pela presena de Deus. Tenho posto o Senhor continua- mente diante de mim; por isso que ele est minha mo direita, nunca vacilarei (Salmo 16 :8). Se deixarmos de encarar a presena de Deus como um remdio contra o mal, seremos obrigados a conhec-la como um julgamento devido ao pecado.

    Agora, pois, a espada no se apartar jamais da tua casa. Comparem-se estas palavras com as promessas glorio- sas feitas a David, no captulo 7 de 11 Samuel, e note-se que a mesma voz que soa aos seus ouvidos tanto na condenao

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    como nas promessas, embora num tom muito diferente: nas promessas ouve-se a graa e na condenao a santidade:

    porquanto com este feito deste lugar sobremaneira a que os inimigos do Senhor blasfemem, tambm o filho que te nascer certamente morrer. A morte da criana, porm, era apenas o prenncio da tempestade do juzo que ia cair sobre a casa de David. Bem ele podia jejuar, orar, humilhar-se, e prostrar-se no p, que a criana tinha de morrer; o juzo deve seguir o seu curso, o fogo consumidor h-de queimar at ltima partcula do material que lan- ado sua ao. A espada do homem tanto consome este como aquele, mas a espada de Deus cai sobre a cabea do culpado. As coisas tm de correr o seu curso: a corrente pode correr, por muito tempo, abaixo do solo, mas, mais cedo ou mais tarde, h de brotar da terra. Ns podemos continuar durante anos numa carreira de pecado oculto, cul- tivando algum princpio mau, alimentando algum desejo impuro, cedendo ao mau temperamento, ou tendo maus pen- samentos, porm a chama latente h de por fim reacender-se, e mostrar-nos o verdadeiro carter do nosso procedimento. Devemos refletir seriamente nestas coisas. No podemos es- conder coisa alguma de Deus, nem to-pouco fazer com que Ele pense que os nossos maus caminhos so retos. Pode- mos fazer o possvel por raciocinar desse modo; podemos persuadir os nossos coraes por meio de argumentos plau- sveis de que isto e aquilo reto e bom E' lcito; porm Deus no se deixa escarnecer: aquilo que o homem semear, isso tambm ceifar.

    No entanto, a graa brilha aqui do mesmo modo que em todos os acontecimentos da carreira de David. Bate-seba veio a ser a me de Salomo, que ocupou o reino de Israel durante o perodo mais glorioso da sua histria, e que est tambm naquela linha privilegiada por meio da qual, se- gundo a carne, veio Cristo! Tudo isto verdadeiramente divino! inteiramente digno de Deus. O acontecimento mais sombrio na vida de David torna-se, debaixo da mo de Deus,

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    o meio da mais rica bno. Deste modo o comedor deu de comer, e o forte doura. Sabemos bem como este princpio caracteriza todos os caminhos de Deus com o Seu povo. Ele julga o seu pecado, sem dvida, mas perdoa o seu pecado e faz com que as suas prprias falhas sejam o meio pelo qual a graa lhes dada. Bendito para sempre seja o Deus de toda a graa, que perdoa os nossos pecados, restaura as nossas almas, compadece-Se das nossas fraquezas e faz-nos triunfar, at mesmo por intermdio da nossa fraqueza!

    Como David devia ter percebido melhor, depois disto, medida que os seus olhos eram postos em Salomo, o homem de paz, o seu cognome - o amado do Senhor! Lembrar-se-ia da sua queda humilhante; e recordaria a graa adorvel de Deus. E no sucede assim conosco? O que a nossa histria, dia a dia, seno uma histria de quedas e restabelecimentos, de altos e baixos? Graas a Deus pela certeza que a graa ser eternamente a coroa da obra de Deus.

    No fim deste captulo 12 do 11 Livro de Samuel encon- tramos David em luta outra vez com o inimigo, o seu prprio lugar. Ento ajuntou David a todo o povo, e marchou para Rabba, e pelejou contra ela, e a tomou. E trazendo o povo que havia nela o ps s serras e s talhadeiras de ferro e aos machados de ferro e os fez passar por forno de tijolos; e assim fez a todas as cidades dos filhos de Amom: e vol- tou David e todo o povo para Jerusalm.

    E comea ento a triste histria das mgoas de David, o cumprimento da denncia do profeta, que a espada no se apartaria jamais da sua casa.

    O captulo 13 de 11 Samuel relata dois acos dos mais diablicos que jamais mancharam uma famlia. Amon, filho de David, desonra a irm de Absalo, e Absalo mata Amon, e em seguida foge para Gesur, onde se conserva por trs anos. David permite-lhe que regresse, em desobe- dincia ao mandamento concreto da lei. At mesmo se Absalo fosse um simples homicida intencional teria de

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    ficar numa cidade de refgio; porm era um assassino, e, com o seu crime sobre si, recebido outra vez com toda a natu- ralidade - no houve julgamento, nem se fez expiao pela sua culpa. O rei beijou Absalo. verdade, o rei beijou o homicida, em vez de deixar que a lei do Deus de Israel seguisse os seus trmites. E ento? E aconteceu depois disto que Absalo fez aparelhar carros e cavalos, e cinqenta ho- mens que corressem adiante dele. Este foi o segundo passo. A ternura excessiva de David apenas preparou o caminho para a revolta de Absalo. Que aviso terrvel! Tratai o mal brandamente e o mal elevar-se- certamente e esmagar-vos-, Por outra parte, encarai o mal com m cara e a vossa vi- tria ser certa. Nada de brincar com a serpente, mas esma- gai-a de uma vez com os vossos ps. A deciso firme, clara, , afinal, o procedimento mais seguro e mais pacfico. Po- der ser duro ao princpio mas o fim ser de paz.

    Note-se porm o modo de Absalo agir. Comea por criar o descontentamento nos coraes dos israelitas. Tam- bm Absalo se levantou pela manh e parava a uma banda do caminho da porta. E sucedia que a todo o homem que tinha alguma demanda, para vir ao rei a juzo, o chamava Absalo a si, e lhe dizia: De que cidade s tu? ... Olha os teus negcios so bons e retos, porm no tens quem te oua da parte do rei. Dizia mais Absalo: Ah! quem me dera ser juiz na terra! Para que viesse a mim todo o homem que tivesse demanda em questo, para que lhe fizesse justia. Sucedia tambm que, quando algum se chegava a ele para se inclinar diante dele, ele estendia a sua mo e pegava dele e o beijava ... assim furtava Absalo o corao dos homens de Israel (11 Sam. 15:2 a 6). O sistema do inimigo criar uma necessidade, produzir uma falta, e ento prosseguir at a suprir com alguma coisa sua ou algum de sua prpria escolha. Aqueles cujo corao estava plenamente satisfeito com David no tinham lugar para Absalo.

    Trata-se de um bom princpio quando aplicado aos nos- sos coraes a respeito de Cristo. Se estivermos cheios d'Ele

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    no teremos lugar para coisa algum!'. mais. s quando consegue despertar um desejo nos nossos coraes que Satans pode introduzir alguma coisa propriamente sua. Quando podemos dizer, com sinceridade, Deus a minha poro (Salmo 73 :26) estamos livres da influncia do engodo de Satans. Que o Senhor nos guarde no feliz e santo gozo de Si Mesmo, para que possamos dizer como algum disse na antiguidade: '- procuro ajuntar tudo que bom em Cristo, e ento um pouco da criatura basta-me. Mas Absalo conseguiu furtar os coraes dos homens de Israel. Com adulao, ele conseguiu usurpar o lugar de David nos coraes. Absalo era uma pessoa airosa, apta a cativar as multides. No havia porm em todo o Israel homem to belo e to aprazvel como Absalo, desde a planta do p at cabea no havia nele defeito algum (11 Sam. 14,:25). Contudo a sua formosura e a sua lisonja no produziram efeito sobre aqueles que estavam junto de David. Quando o mensageiro veio a David, dizendo: o corao de cada um em Israel segue a Absalo (11 Sam. 15:13), tornou-se evidente quem eram os que estavam com David. Disse pois David a todos os seus servos que esta- vam com ele em Jerusalm: Levantai-vos, e fujamos ... En- to os servos do rei disseram ao rei: Eis aqui os teus servos, para tudo quanto determinar o rei ... tendo pois sado o rei com todo o seu povo, a p, pararam num lugar distante. E todos os seus servos iam a seu lado, como tambm todos os quereteus e todos os pleteus; e todos os geteus, seiscentos homens que vieram de Gath a p, caminhavam diante do rei ... e toda a terra chorava a grandes vozes, passando todo o povo: tambm o rei passou o ribeiro de Cedron, e passou todo o povo, na direco do caminho do deserto. Deste modo havia muitos coraes que amavam bastante a David para serem enganados pela influncia ardilosa de Absalo. Aqueles que haviam estado com David nos dias do seu exlio estavam junto da sua amada pessoa nos dias da sua profunda mgoa. E subiu David pela subida das Oliveiras,

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    subindo e chorando, e com a cabea coberta; e caminhava com os ps descalos: e todo o povo que ia com ele cobria cada um a sua cabea, e subiam sem cessar. uma cena comovente e muito interessante. De fato, a graa de David resplandece mais durante esta conspirao do que em qual. quer outro perodo da sua vida. E no somente se v a graa de David de um modo notvel, como tambm a devoo verdadeira do seu povo. Quando contemplamos um punhado de seguidores amorosos rodeando o choroso e descalo David, os nossos coraes sentem- se muito mais tocados do que quando os vemos apinhados em redor do trono. Fica- mos convencidos de que a sua pessoa, e no o seu posto, era o centro de atrao. David nada tinha que oferecer agora aos seus seguidores seno parte na sua rejeio; e todavia havia nele um encanto, para aqueles que conheciam a sua pessoa, que os unia a si. Podiam chorar com ele, bem como vencer com ele. Ouvi a linguagem de um admirador verda- deiro de David: Respondeu porm Itai ao rei e disse: Vive Senhor, e vive o rei meu senhor, que no lugar onde estiver rei meu senhor, seja para morte seja para vida, a certa- mente estar tambm o teu servidor. Vida ou morte; era tudo o mesmo, em companhia de David.

    Contudo, examinando estes captulos do Livro de Sa- muel nada h que tanto nos impressione como a magnfica sujeio do esprito de David. Quando Zadok quis levar a arca naquele acompanhamento choroso, David diz-lhe: Torna a levar a arca de Deus cidade; que, se achar graa aos olhos do Senhor, Ele me tornar a trazer para l, e me deixar ver a ela e a sua habitao. Se porm disser assim: No tenho prazer em ti; eis-me aqui, faa de mim como parecer bem aos seus olhos.

    Quando o provocador benjamita, Simei, saiu de Baurim para amaldioar e atirar pedras a David, e Abisai quis per- misso para lhe cortar a cabea, a resposta de David foi esta: Que tenho eu convosco, filhos de Zeruia? Ora dei- xai-o amaldioar; pois o Senhor lhe disse: Amaldioa a

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    David; quem pois diria: Porque assim fizeste? Em resumo, ele curva humildemente a sua cabea sentena de Deus. Sabia, sem dvida, que estava colhendo o fruto do seu pe- cado, e conformou-se com isso. Viu Deus em todas as cir- cunstncias e obedeceu-Lhe com um esprito submisso e re- verente. No era Simei quem o amaldioava: tudo vinha do Senhor. Abisai via apenas o homem e desejava trat-lo como tal. Assim como Pedro, mais tarde, quando buscou defender seu amado Senhor do bando de assassinos enviados para prender. Pedro e Abisai viam ambos superfcie e viam apenas as causas secundrias. O Senhor Jesus vivia na mais profunda sujeio ao Pai. No beberei eu o clix que o Pai me deu? (Joo 18:11). Isto dava-lhe poder sobre todas as coisas. O Senhor olhou para l do instrumento de Deus - para l do clix, para a mo que o havia enchido. No importava que fosse Judas, Herodes, Caifs, ou Pila tos : Ele podia dizer, em tudo, o clix de Meu Pai.

    Deste modo, David foi, na sua prpria medida, elevado acima de agentes subordinados: olhou directamente para Deus, e, com os ps descalos, e a cabea coberta, curvou-se perante o Senhor. ... O Senhor lhe disse: Amaldioa a David; e isto era o bastante. A verdade que h talvez poucas coisas em que tanto fa- lhamos como na compreenso da presena de Deus e o Seu tratamento com as nossas almas, em todas as circunstncias da nossa vida diria. Somos constantemente iludidos pelas coisas secundrias: no vemos a presena de Deus em todas as coisas. Por isso Satans consegue vencer-nos. Se ns estivssemos alerta quanto ao fato que no h um s acon- tecimento nas nossas vidas, desde manh noite, no qual a voz de Deus no possa ser ouvida, com que santa atmos- fera seramos ns rodeados] Os homens e as coisas seriam ento recebidos por ns como agentes e instrumentos na mo de nosso Pai - variadssimos ingredientes no clix do nosso Pai. Desta maneira as nossas mentes andariam em temor, os nossos espritos estariam calmos e os nossos co-

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    raes dominados. Ento no diramos, como Abisai, Por- que amaldioaria este co morto ao rei meu senhor? Deixa- -me passar e lhe tirarei a cabea. Nem to-pouco, como Pedra, desembainharamos a espada com natural excitao. Como os pensamentos de Abisai e Pedra estavam muito abaixo dos sentimentos dos seus senhores, embora bem in- tencionados! Como O som da espada de Pedra deve ter desa- gradado aos ouvidos do seu Senhor e ofendido o Seu esp- rito! E como as palavras de Abisai devem ter magoado o humilde e submisso David! Poderia David defender-se, visto que Deus tratava com a sua alma de um modo to solene e impressionante? De certo que no. David no se atreveu a libertar-se das mos do Senhor. Era do Senhor para a vida ou para a morte - como rei ou como exilado. Que Bendita submisso!

    Mas, como j frisamos, a narrativa desta conspirao no somente nos mostra a submisso de David a Deus, como tambm a devoo dos amigos de David por ele, quer estivessem errados quer no. Os seus dignitrios rodeiam-no comparticipando com ele nos insultos e imprecaes de Si- meio Haviam estado com ele no seu lugar de refgio e com ele no trono, e agora acompanham-no na sua humilhao.

    Sobi e Barzilai alojaram David e os seus homens com liberalidade principesca. Em suma, os pensamentos de mui- tos coraes foram revelados durante o perodo de mgoa de David. Viu-se quem amava David por desinteresse; e, sem dvida, ele regressou a sua casa e ao trono com maior e mais profunda confiana no verdadeiro afeto daqueles que o rodeavam.

    Todavia, h uma pessoa para quem chamada a nossa ateno, que devemos considerar por um pouco de tempo. Refiro-me a Mefibosete, o filho de Jnatas.

    Mal David havia ocupado o trono quando proferiu essas palavras memorveis: No h ainda algum da casa de Saul, para que use com ele de beneficncia de Deus? (lI Sa- muel 9 :3). A Casa de Saul! Beneficncia de Deus!

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    Que palavras! Saul havia sido o seu maior inimigo; e todavia, estando no trono, o esplendor da sua posio e a plenitude da graa divina ajudaram-no a deixar no es- quecimento os atos do passado, e a manifestar, no apenas a bondade de David, mas a beneficncia de Deus.

    Ora, a beneficncia de Deus notria por este caracte- rstico: que executada para com os Seus inimigos: ... Se ns, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus por Seu Filho (Rom. 5 :10); tal foi a beneficncia que David dese- java mostrar quele membro da casa de Saul. E vindo Mefiboseth, filho de Jnatas, filho de Saul, a David, se prostrou com o rosto por terra e se inclinou ... E disse-lhe David: No temas, porque decerto usarei contigo de bene- ficncia... e tu de contnuo comers po minha mesa. Ento se inclinou, e disse: Quem teu servo, para tu teres olhado para um co morto tal como eu? Aqui, pois, est uma bela amostra da beneficncia de Deus, e tambm nos mostrada a base do afeto de Mefibosete por David. Em- bora no tivesse mais direitos do que um inimigo, ou um co morto, todavia aceite em graa e posto mesa do rei.

    Mas Mefibosete tinha um servo infiel, que, para pro- cessar os seus interesses, deturpou-o ao rei. Os primeiros versculos do captulo 16 do-nos uma descrio do proce- dimento de Ziba. Este homem pretende ter afeio por David, e trata de denegrir o carter de Mefibosete, com o fim de entrar na posse da terra dele. Para isso vale-se da invalidez do seu amo, engana-o e difama-o. Que figura!

    A verdade, contudo, veio luz, e aquele que havia sido prejudicado foi inteiramente vingado. Quando David re- gressou, depois de a revolta haver sido dominada, e Absalo ter morrido no meio da luta, ... Mefibosete, filho de Saul, desceu a encontrar-se com o rei, e no tinha lavado os ps, nem tinha feito a barba, nem tinha lavado os seus vestidos desde o dia em que o rei tinha sado at ao dia em que voltou em paz (2 Samuel 19:24). Tal o testemunho que o Esprito d acerca deste interessante indivduo. A ausn-

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    cia do seu amado senhor tirou-lhe de todo os motivos para se arranjar. Enquanto David estava ausente, Mefibosete es tava como que de luto: verdadeira figura daquilo que o crente deveria ser durante a ausncia do seu Senhor. A co- munho com um Senhor ausente deveria dar um aspecto de completa separao ao carter do crente. A questo no em absoluto o que um crente deve ou no deve fazer. No; um corao afetuoso representa o verdadeiro curso que deve ser seguido por todos aqueles que esperam ore gresso do rei. Que motivo de ao no encontramos na ausncia de Jesus! Portanto se j ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que so de cima (Col. 3: 1). Pergunta i ao homem espiritual por que razo ele se abstm das coisas que poderia desfrutar, e a sua resposta ser que Jesus est ausente. um motivo imperioso. No precisamos das regras dum formalismo frio e estril para regular o nosso caminho; mas precisamos de um maior afeto por Cristo, e um desejo mais ardente pela Sua rpida vinda. Ns, assim como Mefi- bosete, conhecemos a beneficncia de Deus - preciosa bene- ficncia! Fomos levantados das profundezas da nossa runa e postos entre os prncipes do povo 'de Deus. No havemos ns, portanto, de amar o nosso Senhor?! No devemos ansiar ver o Seu rosto? No devemos orientar a nossa con- duta referindo-nos constantemente a Ele? Prouvera a Deus que os nossos coraes pudessem dar uma resposta positiva a estas interrogaes. Mas, ah! nisto que temos falhado. Somos muito pouco parecidos com Mefibosete - estamos ,empre bem dispostos para lisonjear, adornar, e servir a nossa abominvel natureza: muito prontos a andar no gozo livre rias coisas desta vida: as suas riquezas, as suas honras, o seu conforto, a sua elegncia, a sua cultura, e tanto mais quanto certo que pensamos poder fazer todas estas coisas sem perdermos o direito ao nome e aos privilgios dos cris- tos. Que egosmo detestvel! Egosmo que, alis, nos far corar no dia do aparecimento de Cristo!

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    Se as palavras de Ziba quanto a Mefibosete fossem ver- dadeiras, como poderia ele ter respondido a David, quando este lhe perguntou: ... Porque no foste comigo, Mefibo- sete? rei, meu senhor, o meu servo me enganou; por- que o teu servo dizia: Albardarei um jumento, e nele mono tarei, e irei com o rei, pois o teu servo coxo. Demais disto, falsamente acusou o teu servo diante do rei meu senhor; porm o rei, meu senhor, como um anjo de Deus; faze pois o que parecer bem aos teus olhos. Porque toda a casa de meu pai no era seno de homens dignos de morte, diante do rei, meu senhor; e contudo puseste a teu servo entre os que comem tua mesa: e que mais direito tenho eu de clamar ao rei? (lI Samuel 19:26 a 28). Aqui estava simples integridade de corao. A devoo no afetada deve desenvolver-se por si. O contraste entre Ziba e Mefi- bosete verdadeiramente notvel. Ziba buscava a herana, mas Mefibosete queria apenas estar junto do rei. Por isso, quando David disse: Porque ainda falas mais de teus ne- gcios? . J disse eu: Tu e Ziba reparti as terras, Mefibo- sete mostrou imediatamente 'Para que lado pendiam os seus pensamentos e desejos: Tome ele tambm tudo; pois j veio o rei meu senhor em paz sua casa. O seu corao estava ocupado com David e no com os seus prprios bens. Como poderia ele igualar-se com Ziba? Como poderia divi- dir as terras com um tal homem? Era impossvel! O rei tinha regressado e isto era bastante para si: estar junto dele era muito melhor que toda a herana da casa de Saul. Tome ele tambm tudo. A companhia do rei enchia de tal modo o corao de Mefibosete que podia, sem dificuldade, dar de mo tu da por que Ziba tinha agido como enganador e caluniador.

    Assim ser sempre com aqueles que amam a Pessoa do Filho de Deus. A perspectiva da Sua vinda sufoca as suas afeies pelas coisas deste mundo. Para eles no uma questo de legalidade ou de ilegalidade: tais termos so frios demais para um corao afetuoso. O prprio fato

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    de esperarem a manh afasta, necessriamente, os seus coraes de tudo mais; da mesma forma que a apreciao intensa de qualquer objeto afasta a ateno de qualquer coisa mais. Se os crentes compreendessem melhor o poder da bem-aventurada esperana, como andariam acima e separados deste mundo! O inimigo sabe isto muito bem e por isso tem procurado reduzir esta esperana a uma mera especulao - um dogma peculiar sem poder prtico nem base slida ou indiscutvel. A parte inspirada que trata especialmente dos acontecimentos ligados com a vinda de Cristo, o diabo tem conseguido deit-la para completo esquecimento. O Livro do Apocalipse foi, at h bem pouco tempo, considerado como um livro de to profundos e inex- tricveis mistrios que poucos, se que alguns, podiam estud-Io. E mesmo depois de a ateno dos crentes ter sido chamada para o seu estudo, Satans tem introduzido e in- ventado sistemas to conflituosos, e dado interpretaes to discordantes que as mentes simples so afugentadas dum assunto que lhes parece ser intimamente ligado com o mie- ticismo e a confuso.

    Ora o nico remdio contra este mal o amor verda- deiro pela vinda de Jesus. Aqueles que a esperam no dis- cutiro acerca do modo corno h de ter lugar. Em boa verdade, podemos estabelecer como princpio indiscutvel que na medida em que a afeio por Cristo esfria o esprito na controvrsia prevalece.

    Tudo isto simplesmente e notavelmente ilustrado pela narrativa de Mefibosete. Ele sabia que devia tudo a David, e que havia sido salvo da runa e elevado a uma alta digni- dade. Por isso, quando o lugar de David estava ocupado por um usurpador, a sua conduta mostrou que ele no con- cordava com o estado de coisas: estava separado dele e suspirava pelo regresso daquele cuja bondade tinha feito dele tudo o que ele era. Os seus interesses, o seu destino, e a sua esperana estavam ligados com David, e nada seno o seu regresso podia faz-lo feliz.

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    Oh! Se assim fosse conosco! Prouvera a Deus que ns conhecssemos melhor o nosso carter de estrangeiros e peregrinos no meio de uma cena onde reina Satans. O mo- mento aproxima-se em que o nosso Rei ser reconduzido por entre as aclamaes afetuosas do Seu povo, e o usur- pador ser tirado do seu trono e todo o inimigo esmagado aos ps do nosso glorioso Emanuel- Deus conosco.

    Os imitadores de Absalo, Aquitofel, e Zimei, encon- traro o seu prprio lugar; e, por outro lado, todos aqueles que, como Mefibosete, tm chorado durante a ausncia do Senhor, tero todos os desejos de seus coraes plenamente satisfeitos. At quando, Senhor? (Salmo 89:46). Que seja este o nosso brado, enquanto aguardamos o som das rodas do Seu carro. O caminho longo e penoso; a noite escura e opressiva, porm a Palavra de Deus diz: Sede pacientes, irmos (Tiago 5 :7). Aquele que h de vir vir, e no tardar. O justo viver da f; e se recuar a minha alma no tem prazer nele (Heb. 10 :37-38).

    No pretendo entrar em pormenores quanto revolta de Absalo. Ele encontrou o fim que os seus feitos mere- ciam, embora o corao do pai pudesse afligir-se e os seus olhos chorar por ele. Alm disso a sua histria pode justa- mente ser vista como uma figura daquele carter proftico que, como Daniel nos diz, tomar o reino com lisonjas (Dan. 11 :21 e 32). Contudo, este e outros pontos cheios de interesse deixo-os ao cuidado do leitor, para que possa tirar a sua concluso do texto sagrado, orando para que o Senhor torne o estudo da Sua Palavra agradvel e edi- fi cante, nestes dias de trevas e confuso. Nunca houve uma poca em que os crente necessitassem tanto de se entregar ao estudo das Escrituras. Opinies contraditrias, noes es- tranhas e teorias destitudas de base, esto sendo espalhadas por todo o mundo, e as mentes simples no sabem para onde

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    se devem voltar. Bendito seja Deus, a Sua Palavra est

    conosco em toda a sua simplicidade, e nela temos a fonte

    eterna da verdade, o padro imutvel por meio do qual

    devemos julgar todas as coisas; tudo, portanto, que ne-

    cessitamos de uma mente inteiramente sujeita ao seu

    ensino.