Davi e a Caverna de Adulão

17

Click here to load reader

description

Exemplos da vida de fé na vida de Davi e época de Davi - C. H. Mackintosh

Transcript of Davi e a Caverna de Adulão

  • DAVI E A CAVERNA DE ADULO

    DAVI deixou o resplendor do Vale do Carvalho para passar a cenas muito diferentes no palcio de Saul, onde a inveja e os atentados cruis contra a sua vida eram a nica recompensa das notas suaves da sua harpa e dos feitos he- ricos da sua funda e da sua espada. Saul devia a sua permanncia no trono, abaixo de Deus, a David, e todavia a lana era a recompensa que lhe dava. Contudo, o Senhor na Sua muita misericrdia guardou o Seu servo no meio das intrigas da sua difcil posio. E David se conduzia com prudncia em todos os seus caminhos, e o Senhor era com ele. Vendo ento Saul que to prudentemente se conduzia, tinha receio dele. Porm todo o Israel e Jud amava a David, porquanto saa e estava diante deles.

    Tal era o comportamento de David; embora ungido rei de Israel, era constrangido a suportar o dio e o desprezo daquele que estava no poder, e isto apesar de ser amado Dor todos aqueles que podiam constatar o seu valor moral. Chegou O momento em que era impossvel Saul e David continuarem por mais tempo juntos debaixo do mesmo teto; eram homens de princpios totalmente opostos, e, portanto, era imprescindvel a separao. David sabia que havia sido ungi-lo rei, porm, como Saul ocupava o trono, ele sentia-se inteiramente feliz por esperar o tempo em que Deus realizasse tudo que em princpio j era verdadeiro a

  • A CAVERNA DE ADULAM

    seu respeito. At ento o Esprito de Cristo induziu-o a tomar o seu lugar de separao.

    O caminho do exlio, qual peregrino e estrangeiro errante, est agora em frente do rei ungido, e ele envereda por ele. O caminho para o trono estava vedado por dores e difi- culdades; e, semelhana do seu Mestre, de Quem era um anttipo, ele tinha que passar primeiro pelo sofrimento e depois entrar na sua glria. David teria servido Saul at ao fim ( no deixou de o honrar como o ungido do Se- nhor), e se pudesse por seu esforo alcanar o trono no o teria feito. A prova disto est no fato de que David poupou por duas vezes a vida de Saul, quando, aparentemente, Deus o havia posto sua merc. Ele esperou em Deus em toda a simplicidade, e nisto estava a sua fora, a sua exal- tao, e a sua completa dependncia. Com efeito, ele pde dizer: minha alma, espera somente em Deus, porque d'Ele vem a minha esperana (Salmo 62 :5).

    Por isso vemos que David pde conduzir-se livremente atravs de todas as ciladas e perigos da sua vida como servo na casa de Saul e no seu exrcito. O Senhor livrou-o de todo o mal, e guardou-o para o reino que lhe estava preparado, e ao qual desejava elev-lo depois de ter sofrido por um pouco de tempo. David acabava de emergir do seu lugar de secreta disciplina e treino quando se apresentou no campo de batalha, e, havendo cumprido a sua tarefa ali, teve que tomar outra vez o seu lugar no servio a fim de aprender lies mais profundas na escola de Cristo. As lies do Senhor so por vezes difceis e representam um trabalho penoso devido teimosia e indolncia do nosso corao; porm cada nova lio que aprendemos, cada novo princpio que assimilado, prepara-nos melhor para tudo aquilo que ainda nos espera. um santo privilgio sermos discpulos de Cristo e podermos ceder S\l4 disciplina e treino gracioso. O fim mostrar-nos- a bem-aventurana

    No entanto, no temos necessidade de esperar pelo fim: no tempo presente a alma descobre a bem-aventurana de

  • A CAVERNA DE ADULAM

    estar subordinada em todas as coisas ao Mestre: Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei. Tomais sobre vs o Meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de corao; e encontrareis des- canso para as vossas almas. Porque o Meu jugo suave e o Meu fardo leve (Mateus 11 :28 a 30).

    Nas Escrituras fala-se, podemos dizer, de trs descansos: primeiro do descanso que, como pecadores, encontramos na obra consumada por Cristo; depois do descanso presente, que, como santos, temos na nossa inteira obedincia von- tade de Deus. Este descanso contrrio inquietao. E por fim do repouso que resta para o povo de Deus.

    Ora, David conhecia muito da bem-aventurana destas trs formas de repouso, visto ter sido inteiramente obediente aos propsitos e vontade de Deus a respeito do reino. Assim, ele pde esperar pelo tempo de Deus, estando certo de que esse tempo era o melhor e o mais feliz.

    Esta submisso muito desejvel, porque nos salva de muita inquietao e ansiedade. Quando se vive na con- vico de que todas as coisas concorrem para o bem (Rom. 8:28) o esprito sente-se maravilhosamente tranqilo. Nunca nos daremos ao trabalho de fazer planos, se crermos que Deus est planeando as coisas por ns, e sentir-nos-emos, ento, satisfeitos em deixar tudo ao Seu cuidado.

    Mas, ah! quantas vezes acontece o contrrio conosco! Quantas vezes pensamos inutilmente que podemos tratar das coisas muito melhor que o Prprio Deus! No o dizemos nestes termos, mas efetivamente pensamos e agimos como se assim fosse. Que o Senhor nos conceda um esprito sub- misso e confiante.

    O milnio ser caracterizado pela supremacia da vontade de Deus sobre a vontade do homem, todavia os santos so convidados agora a permitir que a vontade de Deus do- mine sobre eles em todas as coisas.

    Foi esta sujeio de esprito que levou David a dar de mo no caso do reino e a refugiar-se no silncio da caverna

  • A CAVERNA DE ADULAM

    de Adulam. David entregou Saul e o reino e o seu prprio destino nas mos de Deus, certo de que tudo acabaria bem. E, oh! quo bom era para ele encontrar-se livre daquela atmosfera da casa de Saul e do seu olhar invejoso!

    Ali, na caverna, ele podia respirar mais vontade, por muito estranho que isso pudesse parecer, do que na casa de Saul. Assim suceder sempre: o lugar de separao o lugar mais feliz e livre. O Esprito do Senhor havia deixado Saul e isto era bastante motivo para a f se separar dele, ao mesmo tempo que permanecia o dever de absoluta suo jeio ao seu poder como rei de Israel. A mente inteligente no tem dificuldade em fazer a distino entre estas duas coisas. A separao e a sujeio tm ambas que ser corn- pletas (1).

    Contudo, devemos pensar em Saul no apenas debaixo do ponto de vista secular como tambm do religioso, e foi quanto ao elemento religioso, no seu carter pessoal, e competncia para governar, que teve de haver separao definitiva. Saul havia mostrado em tudo o desejo de dominar as conscincias no tocante religio; basta ver o cap- tulo 14 de I Samuel, onde, como tivemos ocasio de ver, o poder espiritual foi embaraado e estorvado devido ao do- mnio religioso de Saul. Ora, quando se manifesta um tal domnio no h outra coisa a fazer seno a separao. Quando existe a formalidade sem poder, o aviso solene do Esprito Santo : Destes afasta-te. A f nunca se detm para inquirir: Para onde devo ir? Ora a palavra de Deus bem clara: Afasta-te. Alm disso, somos informados do que que nos devemos afastar e podemos ficar certos de que, quando obedecemos a este princpio, no ficaremos prejudicados em tudo mais.

    (1) O Novo Testamento ensina o cristo a estar sujeito auto- ridade, mas nunca encara a idia de ele ocupar o lugar de poder. Por isso, no h instrues para reis ou magistrados cristos, no obstante se encontrarem instrues precisas para os maridos, pais, senhores, ou servos cristos. Isto quer dizer muito.

  • A CAVERNA DE ADULAM

    Todavia, teremos ocasio de ver este princpio de um modo mais claro quando encararmos David debaixo do ponto de vista ilustrativo. Na realidade, David foi obrigado a tomar o seu lugar de separao, e assim, como aquele que era rejeitado dos homens e ao mesmo tempo o ungido de Deus, vemos nele uma figura de Cristo na Sua presente rejeio pelo mundo. David era, por princpio, o rei dado por Deus, e, como tal, teve de enfrentar a hostil idade do homem, sendo obrigado a exilar-se para escapar morte. A caverna de Adulam tornou-se o grande lugar de reu- nio para todos os que amavam David e estavam fartos do governo injusto de Saul. Enquanto David se manteve no palcio do rei no foi feito convite a ningum para se separar, porm logo que ele se separou ningum podia ficar neutro, por isso lemos: E ajuntou-se a ele todo o homem que se achava em aperto, e todo o homem indivi- dado, e todo o homem de esprito desgostoso, e ele se fez chefe deles: e eram com ele uns quatrocentos homens (I Samuel 22:2). Nesta passagem vemos claramente a linha divisria. Agora tinha que ser David ou Saul- todos os que gostavam do formalismo, que estavam satisfeitos com um nome vago e um governo ineficaz, continuavam a apoiar Saul; porm todos aqueles que estavam descontentes com estas coisas e sentiam afeto pelo rei que Deus havia ungido iam juntar-se a ele na caverna de Adulam. Era naquela ca- verna que se achava o profeta, o sacerdote e rei - ali esta- vam concentrados os pensamentos e a bondade de Deus-, e embora aqueles que ali se reuniam apresentassem um aspecto estranho a todos os indiferentes e comodistas, eles reuniam-se todavia em torno de David e ligavam-se com ele no seu futuro. Era uma corporao de homens que, na sua condio natural, haviam chegado s maiores dificuldades, mas que, agora, tomavam o seu carter e distino com a sua aproximao de David e o afeto que sentiam por ele. Longe de Saul, afastados de tudo que falava do seu poder, eles podiam desfrutar livremente a afabilidade daquele que,

  • A CAVERNA DE ADULAM

    posto que rejeitado, havia, em breve, de subir ao trono e manejar o cetro, para glria de Deus e regozijo do Seu povo.

    Prezado leitor, ns podemos ver em David e naquela companhia de indivduos desacreditados e desprezados um exemplo precioso do Senhor Jesus Cristo, e daqueles que pre- ferem a Sua companhia aos prazeres, honras e retribuies deste mundo. Que tinham que ver com Saul aqueles que haviam arriscado a sua sorte com David? Nada completa- mente, pois haviam achado um novo objeto, e um novo centro de comunho que os separava de tudo mais. O seu lugar em torno de David no dependia nem estava ligado com o que haviam sido. No, o que haviam sido no impor- tava: eles eram agora servos de David e ele era o seu chefe, e isto dava-lhes o seu verdadeiro carter. Aqueles homens haviam arriscado a sua sorte com o homem exilado; os seus interesses eram os mesmos. E quo felizes se sen- tiam! Felizes por se verem livres do domnio de Saul, e ainda mais felizes por se acharem na companhia do profeta de Deus, sacerdote e rei. O seu descontentamento, a tristeza, as dvidas, tudo foi esquecido nas suas novas circunstncias. A graa de David era a sua poro presente, a sua glria representava as suas perspectivas quanto ao futuro.

    Assim devia acontecer com os crentes no tempo presente. Temos todos mediante a graa e a operao bondosa de Deus, o Pai, achado o nosso caminho para Jesus - Jesus o ungido de Deus e rejeitado dos homens -, agora oculto com Deus para a viso natural. Tivemos todos, incontes- tvelmente, os traos do nosso carter nos dias da nossa loucura e culpa - descontentamento e aflies, como dvida contrada para com Deus, sentamo-nos arruinados e mise- rveis, culpados e destitudos de tudo que pudesse atrair o afeto e os pensamentos de Cristo -; mas Deus conduziu- -nos aos ps de Seu bendito Filho, onde achamos perdo e paz pelo Seu precioso sangue. Jesus baniu o nosso descon-

  • A CAVERNA DE ADULAM

    tentamento, aliviou-nos das nossas aflies, cancelou a nossa dvida, e trouxe-nos para perto de Si. Em troca de tudo isto, que Lhe estamos dando ns? Reunimo-nos, com ardente de- voo, em torno do capito da nossa salvao?

    Estamos separados do estado de coisas sob o domnio de Saul? Vivemos aguardando o momento da subida ao trono do nosso David? A nossa devoo est posta nas coisas que so de cima? Se j ressuscitastes com Cristo, diz o apstolo Paulo, buscai as coisas que so de cima, onde Cristo est assentado dextra de Deus. Pensai nas coisas que so de cima, e no nas que so da terra. Porque j estais mortos e a vossa vida est escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que a nossa vida, se manifestar, ento tambm vs vos manifestareis com ele em glria (Col. 3:1 a 4).

    evidente que so poucos aqueles que chegam a com- preender a verdadeira natureza e as conseqncias prticas da sua posio com o Senhor crucificado e ressuscitado: so poucos os que na realidade compreendem o significado das palavras do Senhor, No so do mundo, assim como eu do mundo no sou; ou ainda as palavras do Esp- rito, Aquele que santifica como os que so santificados so todos de um. A medida de separao do crente do mundo nada mais nada menos do que a mesma que Cristo tem, em princpio, porque encarada do lado prtico, , enfim, um caso muito diferente; porm em princpio no h diferena. conveniente acentuarmos este princpio. O es- tado atual, a chamada, e esperana da Igreja so coisas compreendidas apenas em parte. O crente mais humilde em Jesus est, no conceito de Deus, to separado do mundo como o Senhor. No se trata de alguma coisa a conseguir, mas de posio simples, abstrata e positiva: no certamente um objetivo para o qual temos que avanar, mas antes um ponto donde temos de partir.

    Muitos perdem-se com a idia que devemos alcanar uma posio celestial por meio do abandono das coisas

  • A CAVERNA DE ADULAM

    terrestres. Mas isto principiar por um fim errneo. o mesmo erro, com a diferena que diz respeito a outro aspecto da verdade: quer assegurar que devemos atingir a nossa justificao por meio da mortificao dos pecados da carne. A verdade que ns no mortificamos o eu com o fim de sermos justificados, mas por que estamos justificados; sim, estam os mortos e ressuscitados com Cristo. Da mesma ma- neira, no deixamos as coisas terrestres, a fim de nos tornarmos celestiais, mas porque j o somos. A chamada celestial independente de qualquer coisa mais, e a nossa separao proporcional medida em que a compreen- demos. No entanto, fazer da nossa posio o resultado de comportamento em vez de o comportamento ser o resultado da nossa posio um erro grave.

    Indagai junto de um crente, esclarecido quanto cha- mada celestial, da razo da sua posio de separao do presente sistema de coisas, e qual ser a sua resposta? Dir-vos- que procede assim com o intento de se tornar celestial? De certo que no. Ser porque o presente sistema de coisas est sob o juzo? No. certo que o presente sistema de coisas est sob o juzo, mas no verdadeiro fundamento de separao. Ento? Estamos mortos e a nossa vida est escondida com Cristo em - Deus (Col. 3:3). No so do mundo, como Eu do mundo no sou (Joo 17 :16), disse o Senhor. Irmos santos, participantes da vocao celestial (Heb. 3: 1). Aqui temos, pois, a razo funda- mental da separao do crente do mundo. No importa saber o que o mundo, seja bom ou mau: o crente no do mundo, embora esteja nele, e o mundo seja o lugar do seu labor dirio, do seu conflito e disciplina.

    () cristo deve ponderar bem a chamada celestial, porque ela a nica coisa que pode dar libertao completa do poder e influncia da mundanidade. Os homens podem pro- curar por vrios modos abstrarem-se do mundo, contudo h apenas um meio de alcanar a separao dele. Por outro lado, podem tambm procurar tornarem-se sobrenaturais de

  • A CAVERNA DE ADULAM

    varras maneiras, porm h s um meio de nos tornarmos celestiais. Abstrao no a mesma coisa que separao; nem to pouco se deve confundir sobre natureza com a na- tureza celestial. O sistema monstico serve para ilustrar intei- ramente a distino entre estas coisas. Um monge sobre- natural, em certo sentido, mas no de modo nenhum celestial: podemos dizer que sobrenatural, mas ele no incontestavelmente espiritual: abstrai-se do mundo, mas no est separado dele.

    Ora, a chamada celestial faz com que o crente possa ver a sua inteira separao do mundo e o seu lugar acima dele, em virtude daquilo que Cristo e do lugar onde est. O corao ensinado pelo Esprito Santo quanto ao sentido de Hebreus 2: 11 conhece o segredo da sua libertao dos princpios, dos hbitos, das pretenses, dos sentimentos e inclinaes deste presente sculo. O Senhor Jesus tomou o Seu lugar nas alturas, como Cabea do corpo (a Igreja), e o Esprito Santo desceu para conduzir todos os que foram predestinados membros do corpo comunho viva com a Cabea, agora rejeitado pelo mundo e oculto em Deus. Por isso no evangelho que Paulo pregava a remisso dos pe- cados inseparavelmente ligada com a chamada celestial, visto que ele pregou a unidade do corpo na terra ligado com a sua Cabea no cu. Paulo pregou a justificao no apenas como uma coisa abstrata, mas como o resultado daquilo que a Igreja , como sendo um com Cristo, que est agora destra de Deus, como Cabea sobre todas as coisas da Igreja, havendo-se-lhe sujeitado os anjos e as potestades. E claro que ele pregou a remisso dos pecados, porm pregou-a com a plenitude, o poder, a profundidade e a energia que a doutrina da Igreja lhe transmite.

    A epstola aos Efsios ensina no somente que Deus pode perdoar pecadores, mas muito mais do que isto, visto que nos mostra a verdade maravilhosa de que os crentes so membros do corpo de Cristo. Porque, diz o apstolo, somos membros do seu corpo - da sua carne e dos seus

  • A CAVERNA DE ADULAM

    ossos (Ef. 5 :25 a 30). Mas Deus, que riqussimo em misericrdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando ns ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graa sois salvo), e nos res- suscitou juntamente com ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus (Ef. 2:4 a 6). Cristo amou a Igreja, e a si mesmo se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da gua, pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mcula, nem ruga, nem coisa semelhante, Dias santa e irrepreensvel (Ef. 5 :25 a 27). Estas passagens falam de alguma coisa mais do que a simples remisso dos pecados. Sermos a noiva do Cordeiro uma coisa muito mais elevada e gloriosa do que termos meramente o perdo dos nossos pecados.

    O Deus bendito foi muito alm dos pensamentos humanos na Sua maneira de tratar com a Igreja. O Senhor chamou- -nos, no apenas para andarmos no mundo no pleno sentido do Seu amor redentor, mas para conhecermos tambm o amor de Cristo pelo Seu corpo, a Igreja, e a elevada e santa dignidade que a Igreja tem assentada com Ele nos lugares celestiais.

    O leitor poder perguntar talvez. o que tem a Caverna de Adulam a ver com o lugar da Igreja nas alturas.

    Tem smente no sentido em que ilustra o lugar de re- jeio que Cristo, agora, ocupa, e que todos aqueles que tm comunho com Ele devem conhecer. No devemos supor, nem por um momento, que os seguidores de David soubessem alguma coisa da chamada celestial, como a Igreja a conhece. Podemos descobrir com freqncia no Velho Testamento smbolos da chamada celestial nos caracteres, comportamento, e circunstncias de algumas pessoas proe- minentes para as quais despertada a nossa ateno; porm isto uma coisa muito diferente da assero que se faz de que tais pessoas conheciam de fato a chamada celestial. O fato que a chamada celestial, propriamente dita, no foi conhecida at que o Senhor Jesus tomou o Seu lugar nas

  • A CAVERNA DE ADULAM

    alturas, e o Esprito desceu para batizar os crentes, Judeus e Gentios, num corpo; depois destes dois acontecimentos a chamada celestial foi revelada em todo o seu poder e ple- nitude.

    Esta verdade foi confiada especialmente a Paulo; fez parte essencial do mistrio que lhe foi confiado, e estava includa nestas palavras, Porque ME persegues? (Atos 9:4). Paulo perseguia os santos, e o Senhor Jesus apareceu- -lhe em glria celestial, e disse-lhe que esses santos eram parte d'Ele prprio. Desde esse momento esta revelao tornou-se a grande tese de Paulo; nela ele viu includa a unidade da Igreja, e a chamada celestial da Igreja.

    E note-se que isto no era meramente a admisso dos Gentios no rebanho Judaico (1).

    De modo nenhum, tratava-se simplesmente de tirar Judeus e Gentios das suas circunstncias na natureza, e p-los em novas circunstncias para ambos. A obra da cruz era ne- cessria para derribar a parede de separao e fazer dos

    (1) Desejo dizer algumas palavras sobre os primeiros versculos do evangelho de Joo, captulo 10. O Senhor Jesus apresentou-Se porta do aprisco judaico, e havendo achado entrada chamou as ovelhas que nele se encontravam; e ento diz: ainda tenho outras ovelhas que no so deste aprisco; tambm me convm agregar estas, e elas ouviro a minha voz, e haver um rebanho e um Pastor. es- tranho que os tradutores tivessem empregado a frase um aprisco, quando a palavra aprisco ocorre no mesmo versculo. Nem to-pouco u distino deixa de ser importante. Um aprisco d idia de certos preparativos que tm de ser feitos para guardar as ovelhas; por isso u termo empregado propriamente acerca da economia judaica. Agora, porm, j no se trata de um aprisco - de preparativos ter- restres -, de guardar as ovelhas na terra; tudo isso pertence ao passado; o Pastor celestial tirou as Suas ovelhas judaicas do aprisco terrestre, e as suas ovelhas gentlicas de detrs dos montes de todo o mundo, e havendo-as constitudo num novo rebanho, entregou-as nas mos do Pai. Vemos assim, pois, a diferena que h entre aprisco e rebanho. Porm, se algum quer discordar deste ponto de vista, s posso dizer que o Esprito Santo no tinha em mente dar o mesmo sentido aos vocbulos curral e rebanho.

  • A CAVERNA DE ADULAM

    dois um homem novo; isto , fazer de Judeus e Gentios um novo homem celestial, para ser separado inteiramente da terra e das coisas que nela h. O lugar atual de Cristo nos cus est ligado com a rejeio de Israel e a terra; uma poca chamada o perodo da Igreja, e que serve para frisar claramente e distintamente o carter celestial da Igreja de Deus. A Igreja acha-se completamente fora do alcance da terra; nada tem que ver com este presente sculo; pertence inteiramente ao cu, embora manifeste, ou, pelo menos, haja sido chamada para manifestar, na terra, a energia viva do Esprito Santo, que habita nela.

    Deste modo, assim como os seguidores de David se se- pararam de toda a sua ligao com o sistema de Saul, por virtude da sua ligao com ele, todos aqueles que so levados pelo Esprito a conhecer a sua unidade com o ausente Jesus devem considerar-se desligados das coisas tempo- rrias, por motivo dessa bendita unidade.

    Por isso, se algum perguntar a um homem celestial a razo por que ele no se associa com os planos e ocupaes deste sculo, a sua resposta ser que porque Cristo est dextra de Deus, e ele est identificado com Ele, O meio eficaz de provar os intentos de um cristo perguntar-lhe simplesmente se o Senhor Jesus poderia associar-Se com eles! No caso negativo ns nada temos a ver com eles. Todos aqueles que compreenderem a verdadeira natureza da cha- mada celestial andaro em separao do mundo; porm, aqueles que no a compreendem tero a sua parte no mundo e andaro como andam os demais.

    Muitos, enfim, esto satisfeitos com o simples conheci- mento do perdo dos SEUS pecados, e nunca pensam em ir mais alm. Passaram possivelmente, o Mar Vermelho, mas no mostraram desejo de atravessar o Jordo, e de comer o trigo da terra da promisso, Nesses dias da rejeio de David, muitos milhares de israelitas no arriscaram a sua sorte com ele; todavia este fato no os impediu de conti- nuarem a ser israelitas. Ser israelita era uma coisa, estar

  • A CAVERNA DE ADULAM

    com David na Caverna outra. O prprio Jnatas no estava l: continuava ligado ao antigo sistema de coisas; e embora quisesse tanto a David como sua prpria alma, viveu e morreu em companhia de Saul. verdade que se arriscou a falar ocasionalmente de David, e procurou a sua com- panhia sempre que pde. Despiu-se para vestir David; porm no arriscou a sua sorte com ele. E, portanto, quando os nomes e os feitos dos valentes de David so proclamados pelo Esprito Santo, ns procuramos em vo o nome do afetuoso Jnatas; quando os companheiros fiis de David no exlio se reuniam em redor do trono, e se alegravam em ver o seu rosto, o pobre Jnatas estava confundido com o p, pois havia cado ingloriosamente na Montanha de Gilboa, s mos dos filisteus incircuncisos.

    Oh! se todos aqueles que professam amar o Senhor Jesus Cristo buscassem uma maior identificao com Ele neste tempo da Sua rejeio! Os concidados do homem nobre da parbola (Luc. 19:14) mandaram aps ele embai- xadores, dizendo: No queremos que este reine sobre ns; devemos ns associarmo-nos com esses concidados na rea- lizao do seu plano de rejeio de Cristo? Longe de ns tal coisa. Que os nossos coraes estejam com Ele onde Ele est. Possamos ns conhecer a comunho santa do lugar onde se encontra o Profeta, Sacerdote e Rei, Aquele que nos amou, e em Seu sangue nos lavou de nossos pecados. Os seguidores de David no podiam andar com ele e com Saul ao mesmo tempo; ns no podemos reter Cristo e o Mundo; devemos fazer a nossa escolha. Que o Senhor nos d graa para rejeitarmos o mal e escolhermos o bem, recordando as palavras solenes do Apstolo: Palavra fiel esta: que se morrermos com Ele, tambm com Ele viveremos. Se so- frermos, tambm com Ele reinaremos; se o negarmos, tam- bm Ele nos negar (2 Tim. 2:11, 12).

    O tempo presente o tempo do sofrimento, tempo de suportar aflies e opresses; devemos esperar pelo tempo

  • A CAVERNA DE ADULAM

    do repouso. Os seguidores de David foram chamados, devido sua ligao com ele, para suportarem trabalhos e fadiga; porm o amor tornou todas as coisas fceis e suaves para eles; e os seus nomes e proezas foram fielmente lembrados e rigorosamente registrados logo que David se achou em paz no seu reino. Nenhum deles foi esquecido. O captulo 23 do Segundo Livro de Samuel dar ao leitor a lista preciosa, e, guiar, sem dvida, a sua mente ao tempo em que o Senhor Jesus Cristo recompensar os Seus servos fiis: aqueles que, levados por amor d'Ele, e por meio da energia do Seu Esprito, trabalharam para Ele durante o tempo da Sua rejeio. Podem ser feitos desconhecidos dos homens, porm Jesus conhece-os, e anunci-los- em pblico, do trono da Sua glria. Quem jamais teria sabido dos feitos he- ricos dos valentes de David se o Esprito Santo os no tivesse registrado? Quem teria conhecido a proeza dos trs homens que foram buscar gua ao poo de Belm? Quem teria conhecido a histria de um homem que matou um leo numa cova, no meio da neve? (11 Samuel 23:20). Assim, agora, muitos coraes vibram de amor, desconhe- cidos de todos, pela Pessoa do Salvador; e muitas mos estendem-se ao Seu servio, sem serem observadas por olhos humanos. consolador pensarmos que assim, numa poca de formalidades vazias, como aquela em que vivemos, e con- fortante podermos pensar naqueles que amam o Senhor Jesus Cristo em sinceridade.

    Alguns, infelizmente, no so apenas indiferentes a Seu respeito, como vo at ao ponto de Lhe roubar a Sua digni- dade fazendo-O um pouco melhor do que Elias, ou qualquer outro dos profetas. Todavia, no nos alargaremos em consi- deraes a este respeito; temos, graas a Deus, um tema melhor, e, com o Seu auxlio trataremos dele.

    Pensemos nesses homens corajosos que arriscaram as suas vidas por amor do seu chefe, e que, logo que ele ma- nifestava os seus desejos, estavam prontos, a todo o custo, a satisfaz-los. O amor nunca perde tempo com clculos.

  • A CAVERNA DE ADULAM

    Logo que esses valentes souberam que David ansiava beber gua da cisterna de Belm, a gua teve de ser consegui da a todo o custo: Ento aqueles trs valentes romperam pelo arraial dos filisteus, e tiraram gua da eis- terna de Belm, que est junto porta, e a tomaram, e a trouxeram a David: porm ele no a quis beber, mas derramou-a perante o Senhor (1) (11 Samuel 23 :15, 16).

    Que quadro encantador! Exemplo belo daquilo que a Igreja deveria ser, desprezando a sua vida at morte por

    (1) Existe qualquer coisa particularmente enternecedora e linda nesta cena, quer pensemos no ato dos trs homens valorosos indo buscar a gua para David, quer no gesto de David em a derramar perante o Senhor. evidente que David viu naquele ato pouco vulgar de devoo um sacrifcio que ningum seno o Prprio Senhor podia apreciar devidamente. O odor de um tal sacrifcio era fragrante demais para que ele pudesse impedir a sua subida ao trono do Deus de Israel. Pelo que, ele convenientemente e elegante- mente permite que esse odor passe por si de modo a subir para Aquele que era o nico digno de o receber, ou capaz de o apreciar. Isto faz-nos lembrar forosamente aquele belo compndio de devoo crist exposto em Filipenses 2 :17, 18: E ainda que seja oferecido por libao sobre o sacrifcio e servio da vossa f, folgo e me regozijo com todos vs. E vs, tambm, regozijai-vos e alegrai-vos comigo por isto. Nesta passagem o apstolo apresenta os santos Filipenses no seu carter de sacerdotes, oferecendo um sacrifcio e desem- penhando um ministrio sacerdotal a Deus; e a intensidade do es- quecimento de si prprio era tal, que se regozija por ser ofe- recido como libao sobre o sacrifcio que eles ministravam, de forma que tudo pudesse subir, em fragrante odor, para Deus. Os Filipenses deitavam o sacrifcio sobre o altar do Senhor, e o apstolo era posto sobre ele, e tudo subia para Deus como cheiro suave. No importa quem deitava o sacrifcio sobre o altar ou quem era colo- cado sobre ele, contanto que Deus recebesse o que Lhe era aceitvel. Isto , verdadeiramente, um modelo divino de devoo crist. Prou- vera a Deus que ns tivssemos graa bastante para dirigirmos os nossos passos de acordo com ele.

    Haveria, ento, muito menos dos meus feitos e dos meus ditos, e da minha atividade. Seria, ento, o nosso gozo, onde quer que vssemos um ou outro deitar um sacrifcio no altar de Deus, dei- xar que fossem os postos em cima dele como libao, para glria de Deus e gozo dos Seus santos.

  • A CAVERNA DE ADULAM

    amor de Cristo. Oh! que o Esprito Santo possa acender em ns uma chama de ardente amor por Jesus, e mostrar s nossas almas mais das Suas perfeies divinas, para que possamos conhec-Lo como o mais formoso entre dez mil, o mais formoso de todos, de modo a podermos dizer: Na verdade tenho tambm por perda todas as coisas, pela exce- lncia do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas as coisas, e as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo (Fil. 3 :8).