Darcy Nº 14

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Nº 14 · SETEMBRO E OUTUBRO DE 2013 REVISTA DE JORNALISMO CIENTíFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE DE BRASíLIA ISSN 2176-638X

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Darcy vem nessa edição de cara e equipe nova. Sob responsabilidade dos alunos da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, a revista apresenta um dossiê especial sobre reciclagem.

Transcript of Darcy Nº 14

  • N 14 SETEMBRO E OUTUBRO DE 2013revisTa de JorNaLisMo CieNTFiCo e CuLTuraL da uNiversidade de brasLia

    ISSN 2176-638X

  • C a r T a d o s e d i T o r e s

    Comentrios para os editores: [email protected]; [email protected] Paniago e Paulo renato souza Cunha

    uM Passo FreNTe, Por Favor

    Ivan Sasha

    Uma revista feita de sonhos, anseios, desejos e traba-lho rduo. DARCY criada para refletir a respeito dessas convulses provocadas por ideias e polmicas que formam o campo complexo dos saberes de uma universidade tem dias de soluos. A ltima edio, nomeada OSCAR em homenagem a Niemeyer, saiu com data de janeiro e feve-reiro deste ano. A nmero 14 chega agora, muitos meses depois. No a primeira vez que um lapso desses ocorre. Vamos fazer o possvel para que seja o ltimo.

    DARCY tem passado por mudanas importantes. Por exemplo, foi criada a disciplina Revista Cientfica para que alunos de jornalismo possam apurar as reportagens que se encontram nas pginas seguintes. o embrio prtica responsvel de jornalismo cientfico, pois procurou-se tra-duzir os termos tcnicos do meio acadmico em linguagem acessvel para todos. Outro ponto a ser notado a identi-dade grfica da revista. Em busca de leitura mais agrad-vel, DARCY passar por reformas visuais. Algumas, inclu-sive, j podero ser notadas neste nmero.

    No futuro, queremos criar edio virtual da revista que possa ser carregada em aparatos eletrnicos e lida por meio de aplicativo prprio. Com isso, economizar papel e fazer nossa parte como revista sustentvel e preocupada com o meio ambiente, sem perder qualidade de informa-o. Pelo contrrio, se possvel agregando os benefcios das novas plataformas para ajudar nossos leitores a se in-formarem a respeito de cincia e cultura.

    Diante de tantas novidades, modificaes e desafios, o tema do dossi desta edio no poderia ser mais apro-priado: reciclagem. O processo iniciou-se antes mesmo de os textos ficarem prontos, quando escolhemos fazer DARCY em papel Reciclato, que contribui com a diminui-o dos resduos urbanos e com a preservao dos recur-sos naturais. No miolo, pesquisadores contam aos nossos reprteres maneiras de como tornar o planeta mais agra-dvel a partir de prticas sustentveis. Os exemplos vm do Brasil e do estrangeiro como no caso do depsito de lixo a cu aberto, em Morro de Morvia, na Colmbia, que pode servir de orientao aos aterros brasileiros. Sem per-

    der do horizonte que a DARCY deve falar especialmente de pesquisadores vinculados UnB. nosso compromisso trazer a pblico o que se desenvolve na universidade, seja em pesquisa pura, seja na aplicada.

    Por exemplo, um aluno de cincia da computao, Fernando Campos Schelb, est desenvolvendo um aplica-tivo para celular que pode ajudar diabticos do tipo um a fazerem clculos mais rpidos das quantidades de insulina que precisam aplicar. Isso deve ser muito til a uma grande quantidade de pessoas no futuro.

    A posteridade, inclusive, tema recorrente neste nme-ro 14. Uma luva que funciona como rtese para pessoascom paralisia nas mos devido a leses no plexo braquial pode se transformar em um importante equipamento na recuperao motora de pacientes com esses sintomas. O professor emrito da UnB Isaac Roitman discute em Dilogos os rumos que devem ser seguidos pelo sistema educacional nos prximos anos, alm de abrir debate a respeito de novas concepes pedaggicas que apontam para um cenrio que estimule a criatividade e a crtica.

    DARCY, no entanto, no se esqueceu do passado. Em Arqueologia de uma ideia, pode-se conhecer melhor a his-tria dos culos e como boa parte da humanidade acos-tumou-se a enxergar o mundo com o auxlio de lentes. As mesmas lentes que s vezes se voltam para fora do plane-ta, em telescpios curiosos, como a nova coluna Fronteiras da Astronomia explica. Mas tambm temos um olhar lan-ado para os prprios habitantes da Terra, que formam um todo, como esclarece Luiz Gonzaga Motta na conhecida coluna Fronteiras do Pensamento.

    atravs desse passeio desde o pretrito at o futuro que DARCY volta a ser impressa. Sim, ainda com o obje-tivo de divulgar projetos cientficos j desenvolvidos por pesquisadores da UnB, mas sem esquecer dos inmeros desafios que a revista ter pela frente. Para obter xito nessa empreitada, contamos tambm com a colaborao dos nossos leitores. Portanto, mande-nos crticas, dvidas, sugestes. Ajude-nos a reciclar DARCY, sempre.

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  • darCYREVISTA DE JORNALISMO CIENTFICO E CULTURALDA UNIVERSIDADE DE BRASLIAuniversidade de brasliareitorIvan Camargovice-reitorSnia BoConselho editorialPresidente do Conselho editorialisaac roitmanProfessor do Departamento de Biologia CelularEx-Decano de Pesquisa e Ps-graduaoCoordenador do Conselho editorialLuiz Gonzaga MottaProfessor da Faculdade de Comunicao

    antnio TeixeiraProfessor da Faculdade de Medicinadavid renaultDiretor da Faculdade de Comunicaodenise bomtempo birche de CarvalhoDecana de Pesquisa e Ps-graduaoelimar Pinheiro do NascimentoProfessor do Centro de Desenvolvimento Sustentvelestevo C. de rezende MartinsProfessor do Instituto de Cincias HumanasJaime Martins de santanaDecano de Pesquisa e Ps-graduaoLus afonso bermdezDecano de AdministraoMarco a. amatoProfessor do Instituto de FsicaNora romeu roccoProfessor do Departamento de MatemticaeXPedieNTediretor de redaoPaulo PaniagoProfessor da Faculdade de ComunicaoeditoresPaulo Paniago e Paulo Renato Souza Cunhasecretria de redaoNathalia Zrzosecretria de redesRafaela Limasecretria de parceriasLetcia CarvalhoreprteresAlessandra Azevedo, Ana Teresa Malta, Caroline Bchara, Douglas Lemos, Eduardo Barretto, Emily Almeida, Gabriel Luiz, Ingrid Borges, Ingridy Peixoto, Isabella Calzolari, Jhsycka Vasconcelos, Lara Silvrio, Letcia Carvalho, Nadjara Martins, Nathalia Zrzo, Nvea Ribeiro e Rafaela Limaeditora de arteJuliana ReisdiagramadoresIvan Sasha e Juliana ReisilustradoresLucas Pacfico e Tlio Csar MendesFotgrafosIsabelle Arajo, Johnatan Reis e Tain SeixasColaboradoresGraa Ramos e Milton Guran

    Revista DARCYTelefone: (61) 3107-0214 E-mail: [email protected] Universitrio Darcy RibeiroInstituto Central de Cincias (ICC)Ala Sul, subsolo, mdulo 870910-900 Braslia DF BrasilImpresso: Grfica CoronrioTiragem: 12.500 exemplares

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    o MuNdo No TeMPo deO legado de Assis Chateaubriand para o Brasil

    Luvas FuNCioNaisPesquisadora desenvolve projeto para possibilitar movimento em acidentados

    Por Trs das GradesNo Brasil, 85% das penas para mulheres se relaciona ao trfico

    o que eu CrieiTecnologia a servio dos dibeticos. Insulina na quantidade correta

    3 CarTa dos ediToresTem equipe nova no pedao. As novidades da DARCY

    6 diLoGosIsaac Roitman e o reitor Ivan Carvalho debatem o futuro da universidade

    8 Cara darCY A revista segue conquistando novos leitores pelo Brasil

    10 arqueoLoGia de uMa ideia culos: a inveno que faz o homem ver o mundo melhor

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    eu Me LeMbroA visita histrica de Nelson Mandela Universidade de Braslia pelos olhos do ex-reitor Antnio Ibaez

    eNsaioAvaliao das obras de um artista discreto, Milton Ribeiro, feita pela jornalista e historiadora da arte Graa Ramos

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  • FroNTeiras do PeNsaMeNToLuiz Gonzaga Motta reflete sobre a relao do homem e outros animais

    MedeLLNRecuperao de aterro colombiano serve de exemplo para o Brasil

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    resduos sLidosQualidade dos espaos destinados reciclagem ainda precria

    didTiCa da aGressoSer a violncia um tipo de problema de sade?

    LiXo esTruTuraLCondio de trabalho de catadores investigada por estudo na UnB

    arquiTeTura da vioLNCiaO que faz do Parano uma das regies mais violentas do DF

    CaTadoresCooperativismo como alternativa econmica e ambiental

    FroNTeiras da asTroNoMiaNova coluna demonstra a pequens do homem no universo

    reCiCLarDinheiro desgastado vira matria-prima para peas artsticas

    residuoLoGiaQualquer lixo se presta a ser campo de anlise

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  • Pac

    fico

    eNTre o soNho e o PossveL

    ivan Camargo doutor em Engenharia Eltrica e reitor da Universidade de Braslia

    Pensar o futuro da universidade no fazer exerc-cio de adivinhao. Antes de mais nada, neces-srio tomar como referncia os aprendizados do passado, planejar com cuidado os passos a serem dados e projetar sonhos e possibilidades, mas sempre na medida da concretude, para que o no cumprimento de al-guma meta no se desdobre em frustrao. Quando Darcy Ribeiro lanou as bases para se fazer um projeto diferen-te de universidade no planalto central, conseguiu o equil-brio necessrio entre o sonho e o que era possvel realizar. O projeto foi atropelado pelas circunstncias da histria. Darcy tinha a pressa dos que tm certeza: mesmo que lhe fosse reservado todo o tempo do mundo, no seria sufi-ciente para fazer tudo o que sua imaginao lhe sugeria.

    A nossa universidade tem recebido demandas sociais importantes que no podem ser ignoradas. Um nmero crescente de estudantes frequenta os vrios campi, em uma grande quantidade de cursos. Isso significa mais pro-fessores, mais salas de aulas, equipamentos, segurana, e outras tantas medidas que precisam ser implementadas enquanto tudo caminha. Encontrar um denominador co-mum para demandas tanto de professores quanto de alu-nos e funcionrios e ao mesmo tempo que se escuta a voz do passado compreender como se estrutura o futuro cru-cial para que a receita no desande e a universidade possa consolidar de vez a verdadeira vocao de formadora no de quadros simplesmente, mas de pessoas, cidados res-ponsveis, ticos, engajados nas solues dos problemas que a sociedade brasileira impe.

    Para Darcy Ribeiro e Ansio Teixeira a transversalidade do conhecimento era um imperativo. No possvel manter barreiras e obstculos para o avano da cincia, enquanto novas linhas pedaggicas se estruturam e apontam para

    d i L o G o s

    um caminho que, ao mesmo tempo que pode parecer teme-rrio, deve ser traado com o toque de ousadia necessrio. Assim, possvel vislumbrar um futuro da transmisso do conhecimento que no seja apenas presencial, com pro-fessores em dilogo com alunos por meio de aparatos tec-nolgicos. As fronteiras dos campi podem, com isso, deixar de ser fsicas, com articulao de rede de pesquisadores espalhados no apenas pelo pas, mas pela superfcie do planeta. Ao mesmo tempo, a universidade tem o compro-misso de no se esquecer das solues a serem apresen-tadas aos problemas aparentemente triviais, mas que at hoje no encontraram alternativa, como acesso universal ao conhecimento e democracia de verdade no que diz res-peito ao alcance nos nveis bsicos de educao.

    Criar a comisso UnB Futuro na esteira da comisso UnB 50 anos foi dar esse importante passo em direo aos desafios que nos aguardam. Ela tem feito uma srie de conferncias com importantes pensadores contempor-neos, como o mdico e ex-ministro Adib Jatene, e Paulo Speller, secretrio de Educao Superior do Ministrio da Educao, para citar dois exemplos. A equao que precisa encontrar sada deve apresentar resultados em duas fren-tes: a pertinncia cientfica e a relevncia social.

    Como se sabe, hoje a maioria dos alunos (75 a 80%) es-tuda em faculdades particulares, mas boa parte da cincia brasileira continua a ser feita nas escolas e universidades pblicas. Um dos grandes problemas para produzir cin-cia est em superar os entraves burocrticos sem perder a necessria transparncia no uso racional dos recursos. Os desafios so imensos e a tarefa da universidade encon-trar as melhores solues. essa vocao que no pode deixar de ser cumprida, para honrar nosso passado e dei-xar um legado aos que viro.

    Texto ivan CamargoIlustrao Lucas Pacfico

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    fico

    CaMiNhos Para o FuTuro da eduCao

    isaac roitman professor Emrito da UnB e presidente do Conselho Editorial da DARCY

    tude. Infraestrutura adequada e uma arquitetura escolar apropriada so elementos importantes para proporcionar um ambiente atrativo para a aprendizagem. A reviso dos marcos regulatrios ao prioritria para permitir uma gesto escolar eficiente. A integrao da escola com a so-ciedade, sobretudo com a famlia do estudante, tambm fundamental.

    O ensino de qualidade, especialmente no nvel bsico, que o nvel que mais afeta a cidadania, deve ser visto como um compromisso de toda sociedade, pressupondo oferecimento de oportunidades iguais para todos, clusula ptrea de uma verdadeira democracia. Elevar nossa edu-cao a patamares aceitveis de qualidade no s re-quisito para a modernizao do pas e a melhoria das con-dies de vida das pessoas. um requisito tambm para a incluso, responsabilidade social, uma demanda de reparao social em uma sociedade cheia de desnveis.

    Esses desafios devero estar na pauta de nossos po-lticos nas prximas dcadas e encarados como poltica de Estado. Ensino de qualidade investimento caro. Para aqueles governantes que usam esse argumento para fazer pouco pela educao, seria pertinente lembrar o pensa-mento de Derek Curtis Bok, ex-presidente da Universidade de Harvard: Se voc acha que a educao cara, tenha a coragem de experimentar a ignorncia.

    Qual o pas que legaremos aos nossos descendentes? Se nada fizermos, continuaremos a ser uma sociedade com graves injustias sociais, com ndices assustadores de violncia, com total desrespeito ao prximo e outras mazelas amplificadas que temos no presente. Certamente seremos um pas colonizado e explorado. O futuro da edu-cao est em nossas mos. Cabe a todos ns decidir para onde vamos.

    Em agosto deste ano, o professor Adib Jatene, re-ferncia nacional na medicina brasileira, proferiu uma conferncia na UnB cujo tema foi A universi-dade e o futuro da medicina. Nessa oportunidade expressou o seguinte pensamento: O futuro no uma abstrao. O futuro o resultado do que se fez no passa-do e as decises que se tomam no presente. Dessa forma, se quisermos delinear um futuro virtuoso, precisamos co-nhecer o passado e tomar decises corretas no presente. No mbito da educao, constatamos algumas conquistas importantes no caso brasileiro, como a criao do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da Educao (Fundeb). Apesar disso, o Brasil ainda est longe de oferecer ensino de qualidade. A superao do desafio de conquistarmos uma educao formal adequada passa por redefinir a for-mao inicial e continuada de professores. Cabe univer-sidade essa tarefa. Esse novo professor dever ser um faci-litador da liberdade da aprendizagem para preparar jovens para uma vida construtiva em comunidades responsveis, convivendo e compreendendo a diversidade cultural de uma sociedade que se transforma rapidamente. Dever ser valorizado atravs de uma remunerao digna e vislumbrar horizontes dentro de um plano de carreira atraente.

    Uma nova concepo pedaggica deve apontar para um conhecimento integrador dentro de um cenrio que esti-mule a criatividade e a crtica e sobretudo a construo de valores da cidadania. As atividades culturais, artsticas e esportivas devero ser incentivadas, respeitando-se as tendncias e as sensaes individuais dos estudantes. Os contedos em todos os nveis de educao devem ser per-manentemente revisados. As tecnologias contemporneas de informao e comunicao devem ser usadas na pleni-

    Texto isaac roitman

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  • Campus Universitrio Darcy RibeiroInstituto Central de Cincias (ICC)Ala Sul, subsolo, mdulo 870910-900 Braslia DF Brasil

    Prezado(a) leitor(a),Na ltima edio, DARCY se mostrou inovadora. O nome da publicao saiu diferente, com uma homenagem merecida a Oscar Niemeyer. Nesta edio, a revista volta com o nome de batismo, sem perder a ousadia. DARCY inaugura nova fase, comandada por uma equipe diferente. O objetivo, porm, continua o mesmo: fazer de voc, leitor, parte da nossa universidade.Voltaremos tambm com a nossa pgina no Facebook. O endereo www.facebook.com/revistadarcy. Acesse e aproveite para curtir a DARCY. L, voc encontra novidades sobre as ltimas edies. J pensou em nos escrever? Sua opinio conta muito. Como incentivo, os leitores que tiverem suas cartas publicadas recebem a assinatura da DARCY.

    C a r a d a r C Y

    Fale conosco Telefone: 61 3107-0214E-mail: [email protected]: www.facebook.com/revistadarcy

    visuaL Adoro a DARCY e sou leitora fiel desde que ingressei na UnB, no 1 semestre de 2011. A equipe merece ser parabenizada pelo excelente material que produzido. A revista tem um visual fantstico, atrativo e atual. As matrias so muito bem escritas, abordam temas relevantes e, principalmente, divulgam o que a UnB produz. surpreendente ver o que nossa Universidade tem criado e proporcionado sociedade. Parabenizo o dossi da edio n 13, que aborda um tema delicado, mas com respeito e humanidade. Parabenizo tambm a homenagem a Oscar Niemeyer e a Jos Varella. Foram utilizadas fotos belssimas, que expressam um pouco da vida desses dois grandes profissionais. No meu primeiro semestre de UnB fui aluna do filho de Varella, o socilogo e professor voluntrio Santiago Varella.Talita Almeida

    PriMeira iMPressoSou professora da rede pblica e particular de ensino em Gois. Ganhei da minha filha a ltima edio da DARCY

    e estou gostando bastante. bom perceber que um texto informativo tambm pode ser cativante, ainda mais se tratando de uma revista cientfica. Quanto ao contedo, tima escolha do dossi. Em O que eu criei, no entanto, um aplicativo para consultas mdicas distncia? No gostei muito da ideia. Entendi que o objetivo levar auxlio s comunidades onde ele nem sempre chega, mas tenho medo que essas novas tecnologias diminuam ainda mais o contato mdico/paciente que, na minha opinio, j precrio. Espero continuar acompanhando a revista. timo trabalho.Vera Lcia dos Reis

    LeiToresGostei muito dessa edio da DARCY, que est repleta de histrias curiosas da capital. A que mais me chamou ateno foi a Homens que amam os livros. muito bom saber que o pas tem, sim, leitores e verdadeiros biblifilos. Inclusive, me considero um deles e me sinto bem por saber que no estou sozinho.Paulo Lanne

    Reproduo

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  • eu CoNheo darCYZaira Dirani professora de literatura em um colgio de Braslia e participa das bancas examinadoras de provas do Cespe. Conheceu a DARCY em 2011, quando participou de uma reunio na UnB sobre os processos de avaliao do Programa de Avaliao Seriada (PAS). Desde ento Zaira teve a oportuni-dade de contribuir com alguns artigos para a publi-cao, como um especial sobre o bicentenrio de Charles Darwin, em 2012. Com frequncia Zaira usa a DARCY em sala de aula como forma para estimular os alunos a conhecer um tipo diferente de texto, que foge do didatismo recorrente e trata de temas atuais.

    Tain

    Seixas

    reCeiTaO bolo de jenipapo, da edio n 9, realmente maravilhoso. Desde que li a reportagem este bolo no sai do meu caf da manh. J provei a semente, amarga at o fim e tudo de bom para o estmago. Adoro o sabor amargo. Espero que as pesquisas na utilizao dos frutos do cerrado continuem e que este fruto to precioso possa ser encontrado com mais facilidade, pois uma luta conserv-lo depois da coleta. Consegui algumas unidades maduras e verdes, para obter uma cor e sabor, uso uma pequena poro de cada. uma pena que elas esto acabando e deixarei de usar como alimento saudvel. Edjane Gomes

    osCarNo sou o leitor mais assduo da revista, assumo. Mas quando vi a ultima edio, demorei para reconhecer a DARCY. OSCAR? No seI ainda se gostei da troca. Em relao ao dossi, o tema foi pesado, mas muito bem escrito. Parabns. Welington Borges

    A OSCAR foi a primeira edio da DARCY que eu li. Isso faz algum sentido? Achei ousada a troca do nome. Justa e merecida. Quero continuar lendo a revista. Esto todos de parabns!Fernando Dias

    PaTroNoSou professora do Complexo Educacional e Esportivo de Excelncia e Qualidade de Ensino Professor Darcy Ribeiro, situado na cidade de Araruama, na regio dos lagos, no estado do Rio de Janeiro, e fao esse contato porque este ano a escola faz 10 anos de fundao e ns estamos organizando uma comemorao que falar de nosso patrono, o professor Darcy Ribeiro. Queremos montar um memorial em sua homenagem, com fotos, revistas, livros, filmes e vdeos sobre sua vida e seu trabalho. Por isso, estou fazendo este contato, para saber

    como possvel recebermos os exemplares desta revista, inclusive os anteriores, para termos a coleo completa!Gostaria de saber se receberamos gratuitamente, j que a escola municipal. Karine Gomes Abraado

    resposta: Karine, ns da redao da revista DARCY agradecemos a voc pelo contato e pelo interesse. Enviaremos sim, os exemplares que ainda temos disponveis por aqui. Esperamos que a revista possa ser til nos trabalhos da escola. O nosso objetivo mesmo o de colaborar com a difuso do conhecimento cientfico e nos parece que a iniciativa de vocs est em sintonia com nossos sonhos por aqui. As revistas sero enviadas gratuitamente. assiNaTura Estou cursando o ltimo ano do ensino mdio e estou maravilhada em saber que a UnB possui este trabalho criativo e informativo que a DARCY. uma pena estar desfrutando tal projeto agora no 3 ano por falta de divulgao. Aproveitando a circunstncia, gostaria de alertar que a revista bem como os projetos da UnB no esto sendo divulgados. Especialmente a DARCY que entregue nas escolas pblicas, mas que no cumpre seu objetivo: o de chegar as mos dos alunos. No mais, todos esto de parabns! Gostaria de receber atualizaes ou at mesmo assinar a revista. Como fao?Egla Scowssen

    resposta: Egla, nosso objetivo que a revista chegue aos professores para que estes transmitam o contedo aos alunos. Vamos verificar possveis problemas na entrega das edies anteriores. A DARCY distribuda gratuitamente nos quatro campi da UnB, tambm enviamos revistas para os professores das escolas pblicas e particulares de ensino mdio do DF. E quem, como voc, tm a carta publicada nesta sesso, entra para o mailing DARCY e passa a receb-la em casa. Ento, aguarde que a prxima vai chegar a.

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  • 500 a.C.

    sculo

    20sculo 11

    sculo 15

    a r q u e o L o G i a d e u M a i d e i a

    No anseio de enxergar melhor o mundo, crianas,

    adolescentes, homens e mulheres, ao longo da

    histria, adaptaram-se a viver

    com o auxlio de um par de lentes. Indispensveis

    para muitos, os culos passaram por

    transformaes desde a inveno. Hoje so at

    considerados artigos de moda. Mas no passado

    foram motivos de discriminao social.

    correo

    apaixonada

    s vezes basta

    FERRAMENTAS

    para curar

    saiba Mais1001 invenes que mudaram o mundo, de Jack Challoner, Sextante, 2010.

    TiCa

    a evoluo

    UMA PESSOA

    DE

    DAS

    Reportagem Letcia CarvalhoIlustrao Tlio Csar Mendes

    Friedrich Nietzsche | Filsofo

    1 Par de LeNTes

    1

    culos

    No oriente, a primeira referncia histrica so-bre a existncia dos culos est registrada nos textos do filsofo chins Confcio, datada de 500 a.C. J no sculo 1 da era crist, o filsofo e dramaturgo romano Sneca usava uma esfe-ra de vidro cheia de gua sobre o prprio mate-rial de leitura a fim de aumentar as letras. Esse mtodo ainda seria utilizado pelos monges com hipermetropia mil anos mais tarde.

    Os primeiros culos eram pe-sados e desconfortveis. No sculo 15, os modelos pince-nez e lornhons viraram moda. Eles se ajustavam na ponta do nariz, sem haste. O segundo possua uma haste lateral para ser segurada sobre os olhos. Dois sculos depois, foram criados os modelos com hastes fixas sobre as orelhas.

    Na dcada de 1940, tornou-se tendncia o uso de culos com aros redondos de plstico. Nos anos 1960, o estilo gatinho comandou as vendas. Em 1970, os grandes culos de plstico coloridos, que enco-briam metade dos rostos, fica-ram populares.

    Atualmente, os modelos mais vendidos so os com armaes pequenas, com lentes de acrlico ou

    policarbonato, que tornam os culos mais leves.

    Apesar do sucesso, esses tipos de armaes no aba-laram a fama do pince-nez e do lornhon, que foram usados por homens e mulheres at a dcada de 1920, quando foram substitudos pelo estilo Numont, com aros superiores ou inferiores finos e leves , cujas verses modernas so vendidas at hoje.

    Salvino dArmate (1258-1312), de Pisa, e o frei Alessandro da Spina (morto em 1313), de Florena, costumam receber o crdito pela inveno dos culos em 1284. No entanto, em 1270, Marco Polo viu chineses idosos usando culos e, ao serem questionados, eles credita-ram a inveno aos rabes do sculo 11. Na poca, os chineses tambm usavam quartzo ene-grecido como culos de sol rudimentares.

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  • lentes As lentes, inicialmente, eram produzidas a partir de cristais rochosos ou pedras semi-preciosas, como quartzo e berlio, em peas circulares. Essas eram cortadas e polidas a fim de ampliar a imagem do objeto visto por meio deles.

    No sculo 12, comearam a ser usadas lentes convexas em culos para corrigir a hipermetropia.

    somente no incio do sculo 15, as lentes cncavas, que dispersam a luz em vez de concentr-la, comearam a ser usadas para corrigir a miopia.

    usurios de LeNTes

    10 mil

    + 100 milhes200 mil entre 1935 e 1939

    em 2013

    em 1949

    Graas ao PMMa, sigla em ingls para polimetilmetacrilato, e inveno das lentes de contato plsticas por Kevin Tuohy, em 1948. o PMMa ainda causava hipxia corneana e foi substitudo, na dcada de 1950, pelo hidroxietilmetacrilato (heMa, em ingls). No entanto, lentes com esse material precisavam de polimento

    o matemtico e engenheiro ptico iraquiano ibn sahl (c. 900-1000) escreveu o tratado Sobre espelhos e lentes candentes (984), em que explica o modo como espelhos e lentes curvos distorcem e concentram a luz, e usa o que hoje se conhece como lei de snell para calcular o formato das lentes

    No final da dcada, dois oftalmologistas e um estudante de medicina inventaram, independentemente, as lentes de contato

    Adolf E. Fick e Eugne Kalt disponibilizaram-se a ajudar os pacientes

    Enquanto o estudante August Mller queria corrigir a prpria miopia1880

    A lente convexa moderna foi desenvolvida a partir da ideia do espelho ardente da Grcia antiga, que empregava um vaso esfrico com gua para concen-trar os raios de sol em uma rea pequena e aquecida. Era usada para iniciar fogo em templos e para cauterizar ferimentos.

    As primeiras lentes de contato eram de vidro e ficavam em contato direto com o olho. Para o conforto e sade, s se podia us-las por breves perodos, j que as lentes causavam dor, inchao e podiam levar a um edema na crnea devido falta de oxigenao, conhecido como hipxia corneana.>>

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  • Naquela noite de sexta-feira, 5 de julho de 2013, Fabio Oliver combinou de encontrar alguns ami-gos em um bar no Novo Gama (GO). Com a moto que pilotava h mais de um ano, seguiu de Valparaso (GO), onde mora, at o municpio, que fica a 40 quilmetros do centro de Braslia.

    Na volta para casa, ao tentar desviar de um objeto na pista, Fabio perdeu o controle da moto. Parecia uma roda, mas no tenho certeza do que era, conta o estudante de 26 anos. O acidente ocorreu na DF-290, perto de Santa Maria (DF), por volta das 23h.

    Fabio no sabe quem chamou o socorro, mas o Corpo de Bombeiros de Gois chegou para resgat-lo pouco tempo depois. Levado ao Hospital Regional de Santa Maria (DF), foi primeiramente constatada uma neuropraxia (leso dos nervos) normal no brao direito.

    Os mdicos no descartaram a possibilidade de um pro-blema mais srio. Em cerca de um ms, o resultado dos exames confirmou o diagnstico: tratava-se de uma leso no plexo braquial conjunto de nervos localizado entre o ombro e as pontas dos dedos, responsvel pelo movimento dos membros superiores.

    Desde 22 de agosto, Fabio faz tratamento na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitao, em Braslia. No me sinto seguro para fazer a cirurgia, porque ela envolve a re-tirada de um nervo do pulmo e no tem garantia de su-cesso, afirma.

    Casos parecidos acontecem com frequncia. De acor-do com estudo realizado em 2003 pela Universidade de Washington, nos Estados Unidos, 84% dos casos de leso do plexo braquial envolvem acidentes automobilsticos ou com motos e cerca de 90% acontecem com homens.FuNCioNaLidades

    Aps concluir a graduao na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ktia Meneses trabalhou como te-rapeuta ocupacional em clnica por oito anos, na cidade de Belo Horizonte (MG). L presenciou muito casos de pessoascom paralisia nas mos, devido a leses no plexo braquial. Eram pacientes jovens com problemas irreversveis, ex-plica a pesquisadora. A gente fazia adaptaes e treinos

    para que eles conseguissem realizar atividades com uma das mos. Mas isso no bastava.

    Comovida com a situao dos pacientes e frustrada com a falta de mtodos para recuperar os movimentos perdidos por eles, Ktia pensou em desenvolver uma luva que tornasse a mo, apesar de paralisada, apta a funcio-nar. Na busca por ferramentas que no estavam dispo-nveis na terapia ocupacional, procurou o Laboratrio de Bioengenharia da UFMG (Labbio) e deu incio, em 2003, ao mestrado na rea, com orientao do professor Marcos Pinotti. O Labbio j havia feito um projeto de msculo ar-tificial pneumtico (sistema que trabalha com ar comprimi-do) para membro inferior. Mas como era grande e barulhen-to, Ktia preferiu desenvolver o projeto da luva funcional no modelo eletromecnico, explica o orientador.

    A luva funcional seria uma espcie de rtese que no substitui uma parte do corpo, mas ajuda na realizao das atividades prejudicadas e , por isso, diferente da prtese. Deveria ser mais prtica e discreta que as existentes no mercado. As opes eram feias e grandes. Alm de pesa-das, causavam certo constrangimento, afirma Ktia. Ela conta que o processo no foi fcil: por no estarem acostu-mados a trabalhar com cincias humanas, os engenheiros no entendiam a necessidade de fazer algo simples, que as pessoas pudessem carregar.

    O primeiro modelo era feito de tecido portanto, leve e facilmente adaptvel sobre a mo do paciente. Com anti-derrapantes colocados nos dedos para facilitar o manuseio dos objetos, tinha tambm um motor feito para comandar o mecanismo, alm de tendes artificiais que, fixados a uma mola, eram responsveis pela extenso e flexo dos dedos da rtese. A luva era controlada por um circuito com sensores que detectavam os movimentos do ombro: para frente, abria a mo; para trs, fechava. Depois de testes de fora e preenso de objetos com formas, pesos e tamanhos diferentes, realizados em mo sinttica, a luva funcional mostrou-se eficaz e segura.

    Para melhorar a aparncia, o conforto e o desempenho do equipamento, algumas mudanas foram feitas. O se-gundo modelo, antialrgico e em lycra, tambm foi mol-dado a partir da mo artificial. Possui duas camadas: a

    Na PaLMa da MoT e C N o L o G i a

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  • eu Fao CiNCiaquem a pesquisadora: Ktia Vanessa Pinto de Meneses se formou em Terapia Ocupacional na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1997, com especializao em reabilitao do membro superior pela Faculdade de Cincias Mdicas de Minas Gerais (1999). Concluiu mestrado (2005) e doutorado (2008) em Engenharia Mecnica, rea de concentrao em Bioengenharia, na UFMG. Desde 2010, Katia professora adjunta do curso de Terapia Ocupacional da Universidade de Braslia (UnB).Ttulo da tese: Aplicao da luva funcional em um indivduo com paralisia de mo e punho: um estudo pilotoonde foi defendida: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)quem orientou: Marcos Pinotti Barbosa

    interna fica em contato com a pele e serve para proteg-la; a outra, externa, cobre o sistema e melhora a esttica da luva. Entre elas, foi colocada uma tala que ajuda a posicio-nar o punho de maneira correta. Alm disso, para facilitar a limpeza do sistema, a parte de tecido da segunda luva pode ser separada da mecnica.

    No perodo do mestrado, Ktia no testou a luva em pa-cientes. Foi apenas em 2005, como doutoranda, que reali-zou os experimentos, aperfeioou o prottipo e refinou os sensores. Durante trs anos, testes foram realizados em quatro pessoas: trs sofreram acidentes de moto e uma, de bicicleta.

    Era importante que eles aprendessem a regular a fora para evitar acidentes, alertou Ktia. Foi feita uma rte-se para cada acidentado, de acordo com as caractersti-cas individuais. Nos treinamentos, luzes de cores distin-tas estavam associadas aos comandos de fechar e abrir a mo vermelha e verde, respectivamente. Quando os dois sensores eram ativados ao mesmo tempo, ambas li-gavam. Assim, eles aprendiam a contrair um msculo de cada vez e a controlar a rtese, explica a pesquisadora.

    A regulagem foi feita de forma que, estabelecido um li-mite para que no se machucassem, os pacientes no po-diam fechar a mo por completo. Como consequncia, no conseguiram realizar um dos testes propostos: apertar o tubo de pasta de dente e colocar o contedo na escova. Foi o nico que no deu certo. Nos outros, os pacientes no tiveram grandes dificuldades. Eles deveriam, entre outros movimentos, pegar objetos, coloc-los em caixas, segurar copos e ench-los de gua.aLM das Luvas

    Os quatro participantes, ao fim da pesquisa, responde-ram questionrios de satisfao, relacionados ao peso, eficcia e praticidade do mecanismo. Apenas um item, de doze, teve resposta negativa: os voluntrios no acredi-tam que a colocao da rtese foi realizada com facilidade.

    Aps o fim do doutorado, em 2008, Ktia no deu con-tinuidade aos estudos relacionados luva, apesar de con-siderar que algumas mudanas ainda deveriam ser feitas para adequar o produto ao mercado. Entre elas, sugere uso

    Reportagem alessandra azevedo Caroline bchara Ilustrao Tlio Csar Mendes

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  • Em cada dedo da luva, so instaladas texturas antiderrapantes para facilitar a preenso dos objetos

    Durante os testes, utilizada uma tipoia para posicionar o membro superior do paciente em aproximadamente 90 graus de flexo de cotovelo

    A luva controlada por um circuito com sensores que detectam os movimentos do ombro: para frente, abre a mo; para trs, fecha

    O acionamento realizado por meio de sinais mioeltricos de msculos previamente selecionados, captados por eletrodos fixados na pele sobre um ponto motor Quando o indivduo contrai a

    musculatura selecionada, o msculo artificial opera em uma velocidade constante enquanto houver contrao muscular do paciente

    Nos treinamentos, luzes de cores distintas esto associadas aos comandos de fechar e abrir a mo vermelha e verde, respectivamente. Quando os dois sensores so ativados ao mesmo tempo, ambas ligam

    O mecanismo composto por uma luva de tecido, um motor, um circuito de controle e eletrodos de superfcie

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    tala para posicionamento da articulao do punho

    sistema de conexo entre a luva e a parte mecnica da rtese

    tendes

    velcro

    antiderrapantespara facilitar a preenso dos

    para posicionamento da articulao

    FECHAR

    O mecanismo composto por 1

    leso no plexo braquial conjunto de nervos localizado entre o ombro e as pontas dos dedos, responsvel pelo movimento dos membros superiores

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  • Em cada dedo da luva, so instaladas texturas antiderrapantes para facilitar a preenso dos objetos

    Durante os testes, utilizada uma tipoia para posicionar o membro superior do paciente em aproximadamente 90 graus de flexo de cotovelo

    A luva controlada por um circuito com sensores que detectam os movimentos do ombro: para frente, abre a mo; para trs, fecha

    O acionamento realizado por meio de sinais mioeltricos de msculos previamente selecionados, captados por eletrodos fixados na pele sobre um ponto motor Quando o indivduo contrai a

    musculatura selecionada, o msculo artificial opera em uma velocidade constante enquanto houver contrao muscular do paciente

    Nos treinamentos, luzes de cores distintas esto associadas aos comandos de fechar e abrir a mo vermelha e verde, respectivamente. Quando os dois sensores so ativados ao mesmo tempo, ambas ligam

    O mecanismo composto por uma luva de tecido, um motor, um circuito de controle e eletrodos de superfcie

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    tala para posicionamento da articulao do punho

    sistema de conexo entre a luva e a parte mecnica da rtese

    tendes

    velcro

    FECHAR

    leso no plexo braquial conjunto de nervos localizado entre o ombro e as pontas dos dedos, responsvel pelo movimento dos membros superiores

    de sistema sem fio, reduo do volume do circuito e me-lhora no controle de fora. Seria interessante, tambm, formar um grupo para testar a luva em pacientes com ou-tros tipos de problemas que levam paralisia, como der-rames, por exemplo, comenta Ktia, que, desde 2010, professora do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade de Braslia (UnB). LeGado

    Com a transferncia de Ktia, o professor Marcos Pinotti seguiu com o projeto da luva funcional. At o ano de 2011, orientou outras trs teses de doutorado envolvendo o pro-ttipo, agora adaptado para a reabilitao de pessoasque sofreram derrame. O problema classificado pela Organizao Mundial da Sade (OMS) como um dos maio-res ndices de incapacidades funcionais em adultos e, de acordo com o banco de dados do Sistema nico de Sade (DataSUS), levou a cerca de 170 mil internaes por ano, entre 2005 e 2009.

    A alta incidncia do problema somada aos baixos ndi-ces de sucesso na recuperao das funes motoras do membro superior desses pacientes motivou um dos estu-dos orientados por Pinotti: em 2011, Rodrigo Cappato de-fendeu a tese Desenvolvimento e avaliao de sistema de auxlio reabilitao motora do membro superior aps aci-dente vascular enceflico. Resolvemos desenvolver um dispositivo que utilizasse os mesmos conceitos (do prot-tipo elaborado por Ktia), mas que no demandasse uso permanente, afirma Cappato.

    O novo modelo, testado clinicamente em dez pessoas, atua sobre uma parte maior do brao: vai at o cotovelo e flexvel. Alm disso, trabalha com um sistema de re-programao neuronal, tcnica que ativa reas do crebro para que ele reaprenda funes perdidas por traumas e derrames. No caso da nossa pesquisa, se houver indica-o para melhoras do paciente, a tcnica faz com que ele recupere os movimentos do brao, afirma Pinotti. Assim, depois de aproximadamente trs meses, a pessoa no pre-cisa mais usar a rtese.

    Cappato observou, entretanto, que o mecanismo s foi efetivo nos casos de perda leve ou moderada da funo motora do membro superior. Pacientes com comprometi-mentos mais graves no conseguiram controlar o sistema, e o dispositivo no foi capaz de atuar com perfeio., ex-plica o pesquisador.

    Em 2011, adaptaes do prottipo renderam dois trofus do Prmio Brasil de Engenharia a outro estudo orientado por Pinotti. O projeto Desenvolvimento de uma plataforma de reabilitao para membro superior aplicada a pacientes ps-acidente vascular enceflico, de Fbio Lcio Corra Jnior, venceu as categorias Grande Prmio Inovao e Engenharia Cidad.

    Com o aperfeioamento do modelo, a luva se encaixou nos padres do mercado e despertou interesse de uma em-presa especializada. J estamos com o contrato de licen-ciamento da patente assinado, conta o diretor da firma, Paulo Vlady Mendes. Segundo ele, est em andamento um plano de trabalho para a comercializao do produto, que dever ser vendido a partir de 2014.

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  • O Brasil deve muito a Assis Chateaubriand. Unificou um complexo sistema de comunicao em todo territrio brasileiro, construiu memoriais de arte por todo o pas, influenciou importantes momentos polticos nacionais, ajudou a construir movimentos literrios e levou consigo uma lista de seguidores cativados pelo dom de persuadir e negociar.Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, ou simplesmente Chat, viveu em uma poca na

    qual a moda na imprensa brasileira no era notcia, mas polmica. Nas palavras do bigrafo Fernando Morais, jornalista que decidisse fazer carreira como grande editor ou como reprter de talento estava condenado a desaparecer sob a poeira da obscuridade. Portanto, quem almejasse ter prestgio na mdia, que preparasse a pena e arranjasse algum com quem duelar nas pginas do jornal. Foi valendo-se desse pressuposto que o Rei do Brasil como ficou popularizado por Morais tentou impulsionar a carreira e tornar-se conhecido pas afora.

    Em 1910, quando trabalhava para o Jornal do Recife, Chateaubriand, com apenas 18 anos, tratou de meter--se voluntariamente em uma tpica polmica federal da poca, que implicaria o resultado da eleio presi-dencial que se aproximava. A intromisso de Chat na disputa eleitoral rendeu-lhe oportunidade de emprego como redator no renomado Dirio de Pernambuco e outra como articulista no Jornal Pequeno.

    ChatO homem que conquistou o Brasil

    Reportagem Nathalia ZrzoIlustrao Lucas Pacfico

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  • Da para o jornalista conquistar um imprio de seguidores foi s questo de tempo. Assis Chateaubriand graduou-se em direito, con-quistou uma cadeira como professor da Universidade Federal de Pernambuco, escreveu um livro sobre as experincias como reprter correspondente na Alemanha para o Correio da Manh e passou por diversos jornais at decidir fixar morada no Rio de Janeiro, onde sedi-mentou o objetivo de vida: comprar um jornal e, a partir dele, criar uma rede nacional de informao.

    Em 1929, Chateaubriand comprou O Jornal, embrio de uma enorme rede de telecomunicaes. O que se seguiu foram anos de trabalho e cultivo de amizades influentes que permitiriam ao Rei do Brasil criar um complexo de comunicao composto por mais de cem veculos, entre jornais, estaes de rdio, emissoras de TV, revistas, alm de uma edi-tora e uma agncia de notcias.

    No ano anterior, ele tinha lanado a primeira revista semanal ilus-trada de circulao nacional, o Cruzeiro. A publicao era um fenme-no de tiragem: na dcada de 1950 chegou a vender mais de 700 mil exemplares, quando trouxe a cobertura do suicdio de Getlio Vargas. Trazia como peculiaridade em quase todas as edies a imagem de uma mulher na capa e popularizou-se por mostrar inovaes grficas imprensa brasileira e a publicao de grandes reportagens com desta-que para o fotojornalismo. Em 1950, responsabilizou-se ainda por trazer ao pas a TV Tupi, primeira televiso brasileira. Assim, na dcada de 60 o Brasil j estava integrado pelas comunicaes de norte a sul, de leste a oeste: eram os Dirios e Emissoras Associados.

    Na dcada de 1960, j com o imprio comunicacional bem estrutu-rado, uma parceria entre Chateaubriand e o ento presidente Juscelino Kubitschek rendeu ao Brasil o legado de um dos principais veculos impressos do pas at os dias de hoje. Desafiado a inaugurar em Braslia mais um jornal para se juntar aos Dirios Associados, Chat fez nascer na nova capital o Correio Braziliense. Assim, foi no planalto cen-tral que ambos conseguiram concretizar mais um dos sonhos ousados: em 21 de abril de 1960 nascia Braslia para JK e o Correio para Chat.

    Mas no foi apenas no jornalismo que Assis Chateaubriand deixou contribuio. O poderoso jornalista, acadmico, empresrio e poltico foi tambm pioneiro no incentivo s artes plsticas. Quem presenciasse a reao recusa de Chat em 1922 diante do convite de Graa Aranha, Alcntara Machado e tantos outros intelectuais para que se juntasse na organizao da Semana de Arte Moderna, poderia arriscar-se a di-zer que, no que concerne a arte, ele no iria fazer qualquer esforo.

    Qual no foi a surpresa de muitos, entretanto, quando viram nas-cer em So Paulo, anos mais tarde, em 1947, uma das mais impor-tantes instituies culturais da histria brasileira, o Museu de Arte de So Paulo (MASP). Em sua paixo contagiante pela arte, conseguiu atrair em torno de si toda sorte de artistas e intelectuais e, assim, acabou por criar vrios outros museus regionais, como o Museu de Arte Contempornea de Pernambuco, em Olinda, ou o Museu Pedro Amrico, em Campina Grande. A influncia do Rei no mercado lite-rrio e cultural brasileiro rendeu-lhe ainda uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, em 1954.

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  • DE LIXO A CENTRO CULTURAL

    Aps 20 anos como depsito de resduos a cu aberto, Morro de Morvia, na Colmbia, inicia processo de recuperao. Para pesquisadora da UnB, experincia serve de orientao para fechamento dos lixes brasileiros

    d o s s i

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  • A menos de um ano para o fim do prazo de fechamento dos lixes no Brasil, limite estabelecido pela Poltica Nacional de Resduos Slidos (PNRS) em 2010, ainda existem 2.906 municpios brasileiros que destinam lixo para depsitos a cu aberto. A estimativa do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea), segundo levan-tamento realizado em 2012. De acordo com o estudo, o prazo estabelecido pela PNRS curto para as adequa-es que a lei determina. O fechamento dos lixes exigir uma srie de medidas que incentivem a recuperao social e ambiental das regies, como diminuio da quantidade de resduos gerados, instituio da coleta seletiva com incluso social de catadores e reabilitao das zonas afetadas.

    Para a pesquisadora da Universidade de Braslia (UnB) Luciana Rodrigues Fernandes, to importante quanto extinguir as atividades dos lixes dar uma nova finalidade a essas reas. De acordo com a especialista, os espaos no sero mais habitveis, mas podem ter a vegetao recuperada e ser convertidos em espaos de utilidade pblica. Aos 28 anos, a pesquisadora defendeu uma dissertao de mestrado sobre a recuperao do Morro de Morvia, lixo a cu aberto da cidade de Medelln, na Colmbia. Depsito de dejetos durante mais de 20 anos, Morvia abriga, hoje, um Centro de Desarrollo Cultural, espao de educao e cultura para a populao carente.

    Formada em engenharia civil, Luciana se especializou em geotecnia rea que estuda as dinmicas do solo e da crosta terrestre. Em 2011, a pesquisadora morou durante trs meses na segunda maior cidade colombiana e acompa-nhou o processo, iniciado em 2005, de realocao dos moradores do Morro de Morvia, rea que funcionava como local irregular de dejetos desde 1972.

    Com rea de 420 mil m2, o morro foi utilizado at 1984 como depsito de resduos a cu aberto. O lixo surgiu s mar-gens do Valle de Aburr, aps o fim das atividades de minerao no rio Medelln. Os primeiros assentamentos irregulares e eram formados por moradores de baixa renda que sobreviviam da coleta de lixo. Sobre o morro, passaram a ser depo-sitados todos os tipos de resduos de lixo qumico at dejetos hospitalares e escombros de construo.

    Naquele ano, o lixo, que antes se acumulava a mais de 50 m de altura, foi transformado em aterro controlado. A mu-dana aconteceu a fim de minimizar a proliferao de doenas e o impacto visual que um depsito a cu aberto provoca. No entanto, a populao continuou a morar na regio, sobrevivendo da coleta e reciclagem informal dentro do aterro.

    Reportagem Nadjara Martins Ilustrao Tlio Csar Mendes

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  • Lixo: rea de descarte de lixo a cu aberto. Neste local, no h sistema de reciclagem do material orgnico ou tratamento de efluentes qumicos que resultam da decomposio do lixo. Em consequncia disso, o lquido penetra pela terra, com substncias contaminantes para o solo e para o lenol fretico.

    Dez anos depois, o morro j abrigava mais de sete mil habitaes, e foi reco-nhecido como Barrio de Morvia. As famlias, compostas por at cinco membros, sobreviviam com renda mensal de um salrio mnimo. Estudos realizados no pero-do mostravam que o morro apresentava riscos de deslizamento e contaminao qumica, o que tornava o local imprprio para moradia. Em 2006, a prefeitura da cidade declarou o vazadouro como calamidade pblica.

    S ento surgiram os primeiros projetos para recuperar a regio, como a retirada dos assentamentos e a adoo de medidas para evitar desmoronamentos. O Plano Parcial de Melhoramento Integral do Bairro Morvia (2005-2011) realocou cerca de 90% da populao que morava no morro, e passou a implantar medidas de des-contaminao do solo. Alm disso, o plano tambm prev, para os prximos anos, a criao de um ecomuseu dedicado sustentabilidade.

    reCuPeraoNo entanto, no pense que recuperar um lixo um processo rpido e barato.

    Teoricamente, a recuperao envolveria apenas a retirada dos resduos deposita-dos transportando-os para um aterro sanitrio , e o preenchimento do espao com areia.

    A pesquisadora Luciana Fernandes alerta: muito caro e difcil retirar todo o lixo que est no depsito. O lixo muito diferente do solo em si, porque ele se de-compe e est o tempo todo se deformando. Tirar esse material expe as pessoas a substncias qumicas e mexe com a estabilidade do morro. Hoje, a soluo mais vivel ainda encerrar as atividades do local e cobrir o lixo com geossintticos.

    Geossintticos so materiais utilizados em obras de contato com o solo para proteo ou reforo de estruturas. No morro de Morvia, foram feitos experimentos com geomembrana e geoclula. A primeira, em formato de manta, reveste todo o solo, evitando a liberao de gases resultantes da decomposio do lixo e a forma-o dos lixiviados compostos qumicos liberados quando os resduos entram em contato com a gua.

    J as geoclulas so pequenos bolses em formato de colmeias, preenchidas com solo e colocadas em cima da geomembrana. Alm de protegerem o tecido da exposio solar, a geoclula melhora o aspecto visual do terreno. No caso de Morvia, foram utilizadas geoclulas para evitar que o solo escorregasse sobre a manta devido alta inclinao, afirma Luciana. Entretanto, a pesquisadora ressal-ta que o processo tambm caro. Era preciso cobrir todo o morro, mas isso no foi feito por ser um processo ainda muito caro. A prefeitura de Medelln preferiu retomar o uso da argila compactada e utilizar a geomembrana em reas menores, diz. Alm disso, segundo ensaios feitos durante a pesquisa, Luciana constatou que, mesmo com a presena da geomembrana, o risco de deslizamento ainda era alto, sendo a melhor opo retirar os moradores da encosta.

    Para a especialista, a geomembrana mais econmica quando avaliada por seus efeitos a longo prazo. O tecido dura at 50 anos, dependendo das condies

    EROSO desgaste do solo e das rochas e seu transporte, em geral feito pela gua da chuva e pelo vento. GEOCLULA produto com estrutura tridimensional (formato colmeia) aberta constituda de clulas interligadas, que confinam os materiais nelas inseridos, com funo predominante de reforo e controle de eroso. GEOMEMBRANA um dos tipos mais comuns de geossintticos. Consiste em manta de liga plstica, elstica e flexvel utilizada para impermeabilizar o solo.GEOSSINTTICOS famlia de produtos sintticos utilizado para resolver problemas em geotecnia. So produtos com alta durabilidade, bastante utilizados em obras de terra. GEOTECNIA rea que estuda as dinmicas do solo e da crosta terrestre. a cincia aplicada de prever o comportamento da Terra e seus diversos materiais. LIXIVIAO processo de extrao ou solubilizao seletiva dos elementos qumicos de uma rocha, mineral, depsito sedimentar, solo etc. pela ao de um lquido ou fluido. PERCOLADO Lquido resultante infiltrao da gua das chuvas na matria orgnica decomposta. Tambm conhecido como chorume.TALUDE plano inclinado que limita um aterro, tem como funo garantir a estabilidade do local.

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  • aterro controlado: so lixes que foram remediados, ou seja, receberam cobertura de grama, argila ou geossintticos. H uma conteno do lixo que, depois de lanado no depsito, coberto por uma camada de terra, o que minimiza o mau cheiro e o impacto visual. No entanto, no h impermeabilizao do solo, nem tratamento do chorume ou do biogs.

    aterro sanitrio: a disposio adequada dos resduos slidos urbanos. Antes de iniciar a disposio do lixo, o terreno preparado com a impermeabilizao do solo para que o lenol fretico e o solo no so contaminados pelo chorume. Os lixiviados e gases produzidos durante a decomposio so encaminhados para uma estao de tratamento. Nesse sistema, tambm no h atividade de catadores. Ao final da vida til do aterro sanitrio, a empresa que o opera responsvel por efetuar um plano de recuperao do terreno.

    eu Fao CiNCiaquem a pesquisadora: Graduada em engenharia civil e ambiental pela Universidade de Braslia (2010), Luciana Rodrigues Fernandes, 28 anos, possui mestrado em Geotecnia. Estagiou na rea de projeto de barragens, com elaborao de desenhos e anlises de projetos. Participou de experincias internacionais na rea, com estudo nos Estados Unidos e Repblica Tcheca. A ltima pesquisa foi realizada na cidade de Medelln, na Colmbia, em 2012, por indicao do professor Hernn Carvajal. Ele j conhecia a realidade da regio e sabia que havia muita coisa para ser estudada, comenta. Aps a experincia do mestrado, Luciana pretende trabalhar durante algum tempo e adquirir estabilidade antes de voltar academia para o doutorado.

    Johnatan Reis

    de temperatura e clima da regio. No futuro, vai ficar mais caro retirar o solo de um local e levar para o aterro, como feito atualmen-te com a argila compactada. Essa tecnologia causa danos ambientais e no totalmente segura. A argila pode trincar com o tempo, e a contaminao do solo acontecer do mesmo jeito, explica.evoLuo

    No processo de recuperao de Morvia, a cidade de Medelln tambm passou por um processo de reeducao ambiental. De acor-do com o professor Hernn Carvajal, co-orien-tador da pesquisa, a cidade adotou um trata-mento moderno do lixo. Coleta seletiva hoje uma atividade rotineira, e a disposio dos re-sduos realizada em aterros sanitrios. As tcnicas de disposio utilizadas esto, hoje, entre as mais modernas existentes, com um gerenciamento de chorume e lixiviados que considerado exemplar na Amrica Latina, co-menta Carvajal.

    A presena de um lixo a cu aberto tam-bm provoca impactos sociais. A cidade de Medelln ficou conhecida, entre as dcadas de 1980 e 1990, pelos altos ndices de violncia causada pelas mfias de catadores de lixo. O ndice de homicdios por grupo de cem mil habitantes chegou a bater os 300. Os chefes das mfias recrutavam camponeses que che-gam na cidade com a promessa de uma mora-dia no Morro e proteo para suas famlias. A violncia cresceu em ritmo alarmante, fazendo do bairro de Morvia um lugar proibido, rela-ta Carvajal, que vivia em Medelln na poca.

    Hoje os ndices ainda so altos, mas Morvia se tornou exemplo para a ateno que os grandes centros urbanos devem dis-pensar ao tratamento dos resduos slidos. Por ter sido abandonado durante quase 20 anos, o morro apresenta nveis de contami-

    nao muito altos devido ao longo perodo de exposio ao chorume. Atualmente, pesqui-sadores da UnB e da Universidad Nacional de Colombia tm realizado estudos sobre novas tecnologias que possam ajudar a recuperar o morro um exemplo so as as pesquisas com micro-organismos capazes de eliminar os re-sduos slidos.

    Para Luciana Rodrigues, o processo de re-cuperao ambiental e social de Morvia que ainda no terminou , pode ser seguido pelo Brasil nos prximos anos. Medelln um aprendizado do que ter que ser revisto nos modelos de recuperao dos lixes brasileiros. Temos bons exemplos, como Belo Horizonte, mas temos a vergonha de ter a capital fede-ral com um dos piores tratamentos de res-duos slidos. A conscincia de reabilitar um lixo ainda rara no Brasil, talvez pelo tama-nho do pas, com tantos aterros e tanta popu-lao, avalia a pesquisadora.

    Em 2012, o Distrito Federal apareceu em ltimo lugar entre as 17 cidades avaliadas no ndice de Cidades Verdes da Amrica Latina. Desenvolvido pela organizao Economist Intelligence Unit (EIU). O ndice apontou o Lixo da Estrutural como um dos piores da Amrica Latina. De acordo com o professor Gregrio Arajo, orientador da pesquisa, o Brasil j est avanando quanto legislao no tratamento de resduos slidos, mas ainda h muito a ser melhorado.

    Do ponto de vista da legislao, o Brasil est um pouco melhor quando comparado Colmbia, onde o plano de resduos slidos ainda est em discusso. Mas, em relao a pases desenvolvidos, como Estados Unidos e vrios pases da Europa, ainda estamos em fase inicial. Temos muito a melhorar. O PNRS ainda tem muita coisa a ser especificada. Espero conseguirmos at a data final, pois ela est chegando.

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  • Aps estudar 12 Instalaes de Recuperao de Resduos (IRR), localizadas em Guarulhos, Rio de Janeiro e Distrito Federal, a pesquisadora da Universidade de Braslia (UnB) Heliana Ktia Tavares Campos concluiu que a situao das IRR implanta-das decadente. Segundo a pesquisadora, as IRR so ina-dequadas do ponto de vista arquitetnico e no possuem planejamento. At conseguimos implantar as instalaes, mas na hora de operar a gente muito ruim, ento d mau cheiro, baratas, falta profissionalismo, analisa. Essa si-tuao de precariedade das instalaes, de ausncia de manuteno e baixa produtividade so os principais fato-res responsveis pelo fato de que apenas 4% das 15.097 toneladas recicladas serem originadas nos programas for-mais de coleta seletiva.

    Os resduos destinados ao processamento nas IRR so heterogneos, vo desde alimentos a substncias txicas. Na reciclagem, uma parcela dos dejetos pode ser usada como combustvel ou ser depositada em aterros sanitrios.

    De acordo com a capacidade das IRR instaladas atual-mente, o Brasil est longe do atendimento s metas pre-vistas no Plano Nacional de Resduos Slidos. A ltima IRR de grande porte foi implantada h 20 anos no Rio de Janeiro, a maior do pas. Desde ento, apenas foram ins-taladas unidades pequenas com baixo processo de pro-duo. Nenhuma dessas instalaes recebem o que de-veriam receber, ou recebe muito ou recebe menos, no h dedicao, afirma Heliana.LoCais iNadequados

    As IRR enfrentam um impasse no que diz respeito ao local a serem implantadas. O preconceito ainda muito grande, as pessoas no querem estar prximas. um im-passe, no podemos condenar a populao por no querer. Quem garante que o aterro vai funcionar devidamente?, questiona Heliana. Mau cheiro, riscos sade e desvalori-zao de terrenos so as principais causas dessa rejeio.

    Um caso semelhante no Distrito Federal o aterro sa-nitrio de Samambaia. O lixo da Estrutural dever ser fe-chado at o final deste ano e todo o lixo ser transferido para o novo aterro. Os moradores da regio se declararam

    contra a obra e defendem que cada cidade-satlite tenha um aterro. Abaixo-assinado e audincias pblicas j foram realizadas, a maior preocupao o impacto ambiental que ser causado.

    Para a pesquisadora, o ideal seria investir em compen-saes ambientais, ou seja, benefcios, como por exem-plo parques, novas construes, enfim, melhorias no local.PoLTiCa de resduos

    O Brasil produz diariamente aproximadamente 240 mil toneladas de lixo, a maior parte depositada de for-ma inadequada em lixes. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea), ainda existem 2.906 lixes no Brasil, distribudos em 2.810 municpios, dos quais apenas 18% possuem programas oficiais de coleta seletiva.

    A Poltica Nacional de Resduos Slidos (PNRS), institu- da em 2010, tem o intuito de prevenir e reduzir a gerao de detritos, tendo como proposta a prtica de hbitos de consumo sustentvel e um conjunto de ferramentas para propiciar o aumento da reciclagem e da reutilizao dos resduos. Uma das medidas fazer com que seja adotada a coleta dando prioridade participao dos catadores de materiais reciclveis e s aes de educao ambiental. Assim, possvel aumentar o ndice de reciclagem e reduzir a quantidade de resduos despejados nos aterros sanit-rios. A lei tambm ajudar o Brasil a atingir uma das metas do Plano Nacional sobre Mudana do Clima, que de al-canar o ndice de reciclagem de resduos de 20% em 2015.

    O prazo para implantao da PNRS termina ano que vem. Apesar dos avanos, muitas das diretrizes inovadoras no saram do papel. Entre elas esto os planos nacional, estaduais e municipais com o planejamento de longo prazo para cada unidade da Federao. At o momento, nenhum estado entregou ao ministrio o planejamento para a im-plementao de polticas de resduos slidos.TrabaLhadores iNvisveis

    A explorao e a ilegalidade dos catadores compa-rvel ao trabalho escravo, afirmou Heliana Campos em entrevista DARCY. A autora defende que a situao dos trabalhadores da coleta seletiva no Brasil ignora-

    CAMINHO DO LIXOProgramas de reciclagem deficitrios e pouca capacidade de planejamento tornam metas de coleta seletiva e erradicao de lixes muito difceis de serem cumpridas

    Reportagem ingrid borges | Nvea ribeiroIlustrao Lucas Pacfico

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  • IRR Sigla para Instalaes de Recuperao de Resduos, ambientes industriais que recebem e processam resduos slidos urbanos domiciliares mistos provenientes da coleta convencional ou previamente separados oriundos da coleta seletiva, para triagem, prensagem, enfardamento, e comercializao dos resduos secos e apresentao dos rejeitos para a coleta e disposio final em aterros sanitrios. PLANO NACIONAL SOBRE MUDANAS DO CLIMA Aprovada em dezembro de 2009 a lei tem como principais objetivos:1) reduzir as emisses antrpicas, que so emisses produzidas como resultado da ao humana, por fontes e fortalecer a remoo delas por sumidouros de gases de efeito estufa no territrio nacional; 2) definir e implementar medidas para promover a adaptao mudana do clima das comunidades locais, dos municpios, estados, regies e de setores econmicos e sociais, em particular aqueles especialmente vulnerveis aos efeitos adversos.RESDUOS SLIDOS Aquilo que tem valor econmico e pode ser reciclado ou reaproveitado.

    da pela sociedade, pelas autoridades e at pela prpria classe, composta por entre 400 e 600 mil catadores, de acordo com nmeros de pesquisa feita pelo Ministrio do Meio Ambiente, divulgada no Plano Nacional de Resduos Slidos em 2012. Apesar de terem liderana unida e mo-bilizada desde 2001, por meio do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Reciclveis (MNCR), os catadores continuam a trabalhar em condies insalubres e ainda no possuem outros direitos trabalhistas triviais, como sa-lrio mnimo, aposentadoria, licena mdica e 13 salrio, alm da falta de instruo.

    Acrescida do preconceito e da excluso social, a invisi-bilidade desses trabalhadores reafirmada pela neglign-cia de ambas as partes que deveriam lhes remunerar pelos servios prestados: o Estado e o setor industrial. A produ-o de lixo, seja por grandes empresas ou pela populao, , em geral, desligada de responsabilidade, vista como um favor feito aos catadores, que, de acordo com essa menta-lidade, no teriam nenhum sustento sem os resduos que recolhem. Todo mundo faz vista grossa para o catador. A concluso a que cheguei que ele tratado, na sociedade brasileira, como uma categoria parte, sem direitos, diz a pesquisadora.

    aLTerNaTivasDas cooperativas analisadas na dissertao, a Socitex,

    no centro da cidade do Rio de Janeiro, a que consegue maior remunerao pela tonelada de lixo. Em parceria com o Instituto Doe Seu Lixo, a Socitex no trabalha com res-duos catados em ruas ou lixes: so feitos contratos com empresas, como mercados, bancos e hotis, que pagam para ter o lixo triado pela cooperativa. Devido s instrues dadas pelo instituto s empresas, os resduos j chegam corretamente separados e limpos, prontos para a triagem, sem materiais que possam dificultar a seleo ou arriscar

    CAMINHO DO LIXONvea Ribeiro

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  • Os resduos no so apenas separados pelo tipo do material (papel, plstico, metal, vidro), mas tambm pela composio qumica. Embalagens de alimen-tos em cartolina (estilo Tetrapak) no ficam juntas de papel normal; garrafas de plstico verde no ficam juntas das de plstico incolor, por exemplo

    No galpo, h chuveiros, espao separado para

    alimentao dos trabalhadores e toda a

    estrutura que a Vigilncia Sanitria exige para os ambientes de trabalho

    no pas

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    O lixo vai para uma espcie de vala, no incio da esteira, que tem divisrias que espaam o lixo e fazem uma seleo prvia. Ento cai em outra esteira, em que os trabalhadores selecio-nam os resduos por tipo e colocam em outros cestos. Por haver essa queda entre as esteiras, vidro no passa por esse sistema

    O lixo coletado em pontos determinados e nas empresas contratantes. Mas no so quaisquer resduos, j que a usina no deve trabalhar com materiais que ponham em risco a sade dos trabalha-dores. Os trabalhadores usam uniformes, luvas e h equipamentos de segurana individuais e coletivos

    Depois da seleo, o lixo prensado e so feitos fardos, pesados em uma grande balana e embalados. Ficam estocados em local adequado at a venda para atravessadores, que revendem os fardos para empresas de reciclagem e reaproveitamento

    Processo de seleo em usina modelo

    Chegando nos galpes da cooperativa, o lixo transportado e colocado em cestos de fcil transporte, para que no haja acmulo ou mistura dos materiais, deixando o ambiente mais organizado

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  • Os resduos no so apenas separados pelo tipo do material (papel, plstico, metal, vidro), mas tambm pela composio qumica. Embalagens de alimen-tos em cartolina (estilo Tetrapak) no ficam juntas de papel normal; garrafas de plstico verde no ficam juntas das de plstico incolor, por exemplo

    No galpo, h chuveiros, espao separado para

    alimentao dos trabalhadores e toda a

    estrutura que a Vigilncia Sanitria exige para os ambientes de trabalho

    no pas

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    O lixo vai para uma espcie de vala, no incio da esteira, que tem divisrias que espaam o lixo e fazem uma seleo prvia. Ento cai em outra esteira, em que os trabalhadores selecio-nam os resduos por tipo e colocam em outros cestos. Por haver essa queda entre as esteiras, vidro no passa por esse sistema

    O lixo coletado em pontos determinados e nas empresas contratantes. Mas no so quaisquer resduos, j que a usina no deve trabalhar com materiais que ponham em risco a sade dos trabalha-dores. Os trabalhadores usam uniformes, luvas e h equipamentos de segurana individuais e coletivos

    Depois da seleo, o lixo prensado e so feitos fardos, pesados em uma grande balana e embalados. Ficam estocados em local adequado at a venda para atravessadores, que revendem os fardos para empresas de reciclagem e reaproveitamento

    Processo de seleo em usina modelo

    Chegando nos galpes da cooperativa, o lixo transportado e colocado em cestos de fcil transporte, para que no haja acmulo ou mistura dos materiais, deixando o ambiente mais organizado

    eu Fao CiNCiaquem a pesquisadora: Heliana Katia Tavares formada em engenharia Engenheira Civil (1981) com especializao em saneamento bsico (1982) pela UFMG e mestrado em Desenvolvimento Sustentvel (2013) pela UnB. Foi pesquisadora da Fundao Centro Tecnolgico de Minas Gerais e diretora da Ambiental Engenharia e Consultoria. membro do Conselho Diretor e coordenadora nacional do Comit Permanente de Resduos Slidos da Associao Brasileira de Engenharia Sanitria Ambiental (Abes). Atualmente Consultora do Ministrio do Meio Ambiente e da Associao Nacional dos Servios Municipais de Saneamento (Assemae), assessorando e capacitando vrios municpios brasileiros na rea de gesto de resduos slidos.

    Johnatan Reis

    a integridade fsica dos trabalhadores da usi-na. Aps os processos de separao e prensa, a cooperativa vende os fardos para empresas atravessadoras, que ento os repassa para companhias de reciclagem. A cooperativa formada por cerca de 50 pessoas, e a usina tem capacidade mxima de lidar com 200 to-neladas de lixo por dia. O pagamento dos tra-balhadores proporcional produo e h uma lista de presena que garante a diviso justa dos ganhos. O material mais recebido na usina o papel, em especial vindo de cartrios e rgos com grandes arquivos. Para que no haja vazamento de informaes sigilosas, os papis so enviados em carros com rastrea-mento e picotados antes da reciclagem.

    Alm do procedimento comercial diferen-ciado, os membros da cooperativa tm aces-so a equipamentos de segurana, ambiente de trabalho higinico e direitos, como o INSS, que j deveriam ser oferecidos a todos os trabalha-dores da coleta seletiva, mas ainda so con-siderados vantagens. De acordo com Patrcia Fernandes, gerente de treinamento e novos negcios do Instituto Doe Seu Lixo, muitos dos membros da cooperativa, antes catado-res, oferecem resistncia a algumas medidas de segurana implementadas na usina, como o uso de luvas e uniformes, e a se dedicar ex-clusivamente ao trabalho na usina de triagem, j que catar em lixes e nas ruas pode ser mais lucrativo, por no impor limite de horas trabalhadas. Apesar disso, a venda por meio de parcerias mais vantajosa a longo prazo, porque a garantia de frequncia e qualidade

    dos resduos triados assegura a fidelizao das empresas contratantes. Desde 2003, o instituto j firmou parceria com aproximada-mente 80 empresas.

    resPoNsabiLidade O Distrito Federal possui o maior ndice

    de gerao per capita de resduos slidos do Brasil: por dia, cada habitante produz em m-dia 2,4 quilos de lixo, segundo o Diagnstico do manejo dos resduos slidos urbanos, ela-borado pelo Ministrio das Cidades em 2009. Mas, comparado a outros estados, o DF no possui polticas de manejo de lixo mais avan-adas ou os projetos de conscientizao mais radicais. De acordo com Heliana Campos, fal-ta interesse dos rgos pblicos e tambm maior vigor na conscientizao, inclusive na universidade. Ter um lugar adequado para colocar o lixo, como as lixeiras especficas, muito importante, mas o crucial o compor-tamento dos alunos. Mais do que a infraes-trutura, o conceito de responsabilidade que deve estar na cabea das pessoas.

    Ainda no mbito acadmico, ela aponta falta de questionamento dos pesquisadores quanto informalidade dos catadores, ape-sar de que muitas teses e projetos trabalhem diretamente com a melhoria das condies de vida deles. Vrios estudos j foram feitos sobre o manejo de resduos slidos, mas no percebi nenhum que tivesse essa viso crtica da incompatibilidade dos servios prestados por cooperativas de coleta seletiva com o or-denamento jurdico do pas, conclui.

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  • EMANCIPAO DOS CATADORESRenda e condio de trabalho das pessoas que lidam com resduos slidos melhoram nas cooperativas. Mas necessrio investimento pblico para atrair os autnomosReportagem emily almeidaSempre observava o trabalho dos cata-dores. um pessoal que faz um papel fantstico para a sociedade, mas so subvalorizados. Com essa preocupa-o, Itair Pereira da Silva analisou a produ-o de renda dos catadores de Goinia (GO) em pesquisa que resultou em mestrado em Gesto Econmica do Meio Ambiente pela Universidade de Braslia.

    Para os catadores de resduos slidos termo que o autor faz questo de diferenciar de lixo, j que ainda tem utilidade , a reci-clagem assunto que lhes garante a renda do ms. Para a gente significa muito. Daqui que tiramos o sustento da famlia, afirma Viviana Rodrigues de Souza, catadora h sete meses em Goinia. Eles so um dos persona-gens responsveis por manter os resduos na cadeia produtiva, evitando a explorao de no-vos recursos naturais e promovendo energia, renda e eficincia econmica.

    O ofcio de catador conquistou espao em mbito pblico em 2010, com a sano da Poltica Nacional de Resduos Slidos. Aps 20 anos a tramitar, a nova lei regula a desti-nao dos produtos com ciclo de vida durvel, integrando o poder pblico, as empresas e a populao na gesto dos resduos. Os estados e municpios devem se adequar aos novos pa-rmetros at 2 de agosto de 2014. Caso con-trrio, no recebem recursos da Unio.

    Nesse contexto, a lei prope incentivos do municpio para organizao desses traba-lhadores em cooperativas, em detrimento ao trabalho autnomo dos catadores de rua. As cooperativas recebem materiais reciclveis recolhidos pela prefeitura, separam por tipo

    e cor e prensam para a venda para as firmas que os transformam em novo produto. uma briga constante manter esse material com a prefeitura. H alguns meses, passamos uma crise muito grande, sem receber material. A gente teve que fazer manifesto na Comurg (empresa que faz a coleta em Goinia), con-ta Maria de Lurdes Soares, presidente da coo-perativa Cooper-Mas.

    Na rua, ganha-se mais. Porm aqui tra-balhamos em grupo. mais seguro e con-fortvel, conta a catadora cooperada Nilma Ribeiro Alves, no ramo h dois anos. tudo melhor organizado, o salrio, os horrios, completa. A renda mensal dos catadores no fixa. Eles dividem por semana o lucro da ven-da do material, proporcionalmente produti-vidade de cada um. Hoje, h 15 cooperativas em Goinia. Dessas, 12 recebem subsdios do municpio. Os incentivos aos catadores s so fornecidos por meio das cooperativas.

    Dulce Helena do Vale, presidente da Cooper-Ama e representante do Movimento Nacional dos Catadores Reciclveis em Gois, acredita que deve haver presso s prefeitu-ras por meio de estudos econmicos para tor-nar o trabalho mais produtivo. Recursos para prensas, esteiras mecnicas, equipamentos, estrutura fsica e melhores condies de tra-balho. Incentivos possibilitam que as pr-prias cooperativas cheguem ao produto final, agregando valor ao material. Vamos supor uma garrafinha. Hoje, ela sai a 30 centavos. Triturada sai a R$5,80 o quilo, explica.

    Lamentando-se sobre a falta de conheci-mento da populao sobre o destino dos res-duos e a coleta seletiva, Dulce Helena conta

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  • que, desde 2008, um projeto de lei que autoriza a doao de um terreno no bairro Orlando de Morais para galpo de triagem de materiais reciclveis est embargado na Cmara Legislativa de Goinia. Temendo que se tratasse de lixo o que proibido na nova lei , os moradores do bairro se manifestaram para impedir a construo.

    As pessoas deveriam saber que o material coletado vai para cooperativas, dando oportunidade de incluso social, emprego e renda, diz. A falta de conscincia dos consu-midores, que pouco separam os resduos, tambm afeta a produtividade do trabalho. Enquanto voc poderia estar separando material reciclvel, voc est tirando lixo, con-ta Maria de Lurdes Soares.o iNForMaL aiNda resisTe

    Principais concorrentes dessas organizaes, pequenas empresas de reciclagem chamadas de sucateiros rece-bem materiais separados de catadores autnomos. Estes so normalmente moradores de rua ou desempregados, que arrastam a carroa de lixo pela cidade. Eles vendem para os atravessadores que, ao fim, podem ganhar at quatro vezes mais pelo produto comprado do carroceiro.

    Mesmo com os incentivos determinados pela lei, ape-nas 10% dos catadores de resduos reciclveis esto em cooperativas (dados do Cempre, sigla para Compromisso Empresarial para a Reciclagem, de 2011).

    A maioria dos catadores autnomos moradora de rua ou desempregada, sem acesso ao mercado de trabalho for-mal. Em muitos casos, so dependentes qumicos ou alco-latras, e no tm horrios estabelecidos para o trabalho. Entre as razes para preferir a informalidade, est a liber-dade para estabelecer horrios, a desconfiana da hierar-quia das cooperativas, o pagamento semanal em vez de dirio e a incompatibilidade com a forma de organizao.

    Na produo da reportagem, a revista DARCY visitou trs das quatro cooperativas analisadas na dissertao de Itair Pereira da Silva. Hoje, ele professor de adminis-trao e servidor pblico em Goinia. Entre as idas e vin-das para escrever a dissertao, teve dois filhos. Ele conta que os dados organizados pela Incubadora Social, projeto da Universidade Federal de Gois, foi fundamental para a pesquisa. Coordenado pelo professor Fernando Bartholo, o projeto atua na incluso social com apoio a empreendi-mentos econmicos solidrios. Alm das quatro coopera-tivas estudadas, ele entrevistou 20 catadores autnomos de Goinia em 2011.

    Nesse, o pesquisador comparou a viabilidade financeira das cooperativas diante de trs nveis de investimento: bai-xo, mdio e alto. Tambm analisou a renda dos catadores autnomos e dos catadores em cooperativas, com ou sem subsdios da prefeitura. Ele constata que a renda dos co-operados se sobressai dos autnomos. Ainda assim, os catadores autnomos resistem s cooperativas.

    Silva aposta no aumento dos incentivos da prefeitura para alavancar significativamente a produtividade dos co-operados e fazer crescer a adeso de catadores nas orga-nizaes, alm do apoio dos rgos pblicos para orientar e gerir os diferentes interesses. Ele espera o fim do prazo para adequao lei para avali-la. Mas questiona a inclu-so social dos catadores proposta, j que a renda mdia dos catadores cooperados analisada no perodo no chega ao salrio mnimo.

    Fotos:

    Emily A

    lmeida

    eu Fao CiNCiaquem o pesquisador: Itair Pereira da Silva se formou em Administrao pela Pontifcia Universidade Catlica de Gois (PUC/GO) em 1996 e se especializou em MBA em Gesto Empresarial na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ttulo da dissertao: Catadores de resduos slidos autnomos e cooperativados: Dimenses de ganhos potenciais de renda em Goinia e consequncias para a Poltica Nacional de Resduo Slidoquem orientou: Denise Imbroisi

    Emily Almeida

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  • Um local a 15 km de distncia do Congresso Nacional para onde o bra-siliense destina 2,7 mil toneladas de lixo por dia. A Cidade Estrutural, com populao estimada em cerca de 35 mil habi-tantes, a segunda maior invaso do Distrito Federal e surgiu atrelada ao nascimento de Braslia h mais de 50 anos. A cidade cres-ceu em volta do lixo, que recebe desde garra-fas PET a produtos orgnicos de supermerca-dos. O vazadouro, do tamanho de 160 campos de futebol, e as pessoas que trabalham no lo-cal so tema do grupo de pesquisa de Maria da Graa Hoefel e mais outros seis pesquisa-dores da Universidade de Braslia (UnB).

    Os catadores da Estrutural representa-vam 15% da populao local, de acordo com o ltimo censo realizado pelo Governo do DF, em 2002. No entanto, de acordo com a asso-ciao comercial da Cidade Estrutural, o lixo movimenta 40% da economia, mais de R$ 2,5 milhes por ms. Na poca do censo, os tra-balhadores ganhavam em mdia R$ 50 por se-mana com a venda de materiais reciclveis, vendidos no prprio lixo. A unio de profissio-

    O estudo aponta que:

    80% dos chefes de famlia vm de

    outros estados e se estabeleceram na Cidade Estrutural

    h 13 anos

    Contriburam com uma parcela entre 15% e 18% dos migrantes:

    A regio mais pobre do Distrito Federal abriga

    84% de moradores com renda per inferior a um salrio mnimo

    18 vezes menor do que a renda de um morador do Lago Sul,

    bairro nobre de Braslia.

    41%completou entre a

    5a e a 8a srie

    39% nunca estudou ou completou at a 4a

    srie

    Bahia

    Minas GeraisGois

    Maranho

    Reportagem Gabriel LuizIlustrao Lucas Pacfico

    RESDUOS AMBIENTAISPesquisa investiga a situao de trabalho de catadores de lixo da Cidade Estrutural. Condies de higiene e mo-de-obra infantil foram avaliadas

    nais em associaes e cooperativas contribuiu para maximizar os lucros. So mais de 2,5 mil catadores cadastrados em seis cooperativas.

    De acordo com o trabalho Das condies de vida, trabalho e sade em famlias de catadores de lixo desenvolvido pelo grupo de pesquisa do Projeto Estrutural quando resduos sli-dos so dispostos a cu aberto, o espao re-cebe o nome de lixo ou vazadouro (uma alu-so ao lixo empilhado que transborda). A vida dos mais de 2,5 mil catadores, que dependem da coleta de materiais reciclveis no local, o objeto de estudo dessa pesquisa realizada pelo grupo, que envolveu estudantes de gradu-ao em Gesto em Sade Coletiva, Nutrio, Farmcia, Veterinria e de ps-graduao em Cincias da Sade.a Pesquisa

    Os sete pesquisadores realizaram um cen-so em 2011 com catadores de materiais reci-clveis residentes em cinco quadras da regio. Foram entrevistados 835 moradores, em 204 domiclios. O objetivo era investigar a situao do trabalho, a percepo do risco sade e a

    segurana alimentar das famlias de catado-res. Alm das condies de higiene e sanit-rias, tambm foi avaliada a ocorrncia de tra-balho infantil nas atividades do lixo.

    Dentre os resultados obtidos, o estudo aponta que 80% dos chefes de famlia vm de outros estados e se estabeleceram no lo-cal h 13 anos. Bahia, Minas Gerais, Gois e Maranho contriburam com parcela entre 15% e 18% dos migrantes. A regio mais pobre do DF abriga 84% de moradores com renda per capta inferior a um salrio mnimo 18 vezes menor do que a de um morador do Lago Sul, bairro nobre de Braslia. A maioria, 41% deles, completou entre a 5a e a 8a srie, e 39% nun-ca estudou ou completou at a 4a srie. 65% das famlias vivem em condies precrias de saneamento bsico, apesar de terem acesso gua encanada e energia eltrica. A presen-a de ratos e baratas, animais caractersticos de regies com lacunas sanitrias, declara-da em 90% dos domiclios entrevistados.

    Quanto s condies de trabalho, 95% dos catadores avaliaram o ambiente como peri-goso ou muito perigoso. Por conviverem com

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  • eu Fao CiNCiaquem a pesquisadora: Maria da Graa Hoefel graduada em medicina pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, em 1983. Ela especialista em Sade Pblica, Medicina do Trabalho, Polticas Pblicas e Gesto Estratgica em Sade. Aps mestrado em Educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e ps-doutorado pela Universidade Federal do Cear, Hoefel se tornou professora do departamento de Sade Coletiva da Universidade de Braslia. Com ateno voltada para a rea de sade, trabalho e cultura, coordena a implantao do Ambulatrio de Sade do Trabalhador e do Ambulatrio de Sade Indgena, ambos do HUB.

    Gabriel Luiz

    HOSPITAL UNIVERSITRIO Com o objetivo de levar sade populao da Estrutural, a equipe de Maria da Graa Hoefel montou, em junho de 2013, uma agenda especial de atendimento no Hospital Universitrio de Braslia (HUB). A justificativa que a maioria dos catadores no tm condies de ir a um posto de sade, pois trabalham o dia todo, de segunda a sbado. Alm das doenas decorrentes dos prprios componentes qumicos do lixo, as atividades de catao levam a diversos problemas de coluna. O atendimento est disponvel s sextas-feiras, no perodo da tarde. O atendimento especializado ainda precisa ser ajustado. GRUPO DE PESQUISA DA ESTRUTURAL O Grupo de Trabalho (GT) foi formado por trs professores do Departamento de Sade Coletiva da UnB em maro de 2011. Tambm participam duas turmas das disciplinas de Fundamentos Biolgicos e Metodologia de Pesquisa. O objetivo analisar condies de vida e trabalho dos catadores e achar medidas para prevenir doenas e promover sade na Cidade Estrutural, que para os especialistas a populao mais vulnervel do DF, devido falta de polticas pblicas voltadas sade.

    O estudo aponta que:

    80% dos chefes de famlia vm de

    outros estados e se estabeleceram na Cidade Estrutural

    h 13 anos

    Contriburam com uma parcela entre 15% e 18% dos migrantes:

    A regio mais pobre do Distrito Federal abriga

    84% de moradores com renda per inferior a um salrio mnimo

    18 vezes menor do que a renda de um morador do Lago Sul,

    bairro nobre de Braslia.

    41%completou entre a

    5a e a 8a srie

    39% nunca estudou ou completou at a 4a

    srie

    Bahia

    Minas GeraisGois

    Maranho

    substncias txicas, como o chorume lqui-do liberado pelo lixo em decomposio , eles ficam expostos a doenas respiratrias e nervosas. O contato com resduos inflam-veis, corrosivos, reativos, txicos e patogni-cos constante. Mais de 55% dos trabalhado-res declararam ter sofrido algum acidente de trabalho, como perfurao ou atropelamento por parte das mquinas que circulam no lixo.

    Hoefel destaca um dado que considera im-pressionante: 70% dos trabalhadores se ali-mentam de restos alimentares encontrados no lixo. Isso uma segurana alimentar terrvel. um absurdo que as pessoas que trabalham na Estrutural no tenham dinheiro nem condi-es para se alimentar. O nmero foi levado ao Ministrio de Desenvolvimento Social para que os moradores tenham acesso ao programa federal Bolsa Famlia.

    Os resultados da pesquisa tambm foram encaminhados para a Secretaria de Sade, Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Transferncia de Renda (Sedest) e Conselho Tutelar do Distrito Federal.FuTuro

    O lixo da Estrutural tem previso para ser fechado at final de 2013. Todo o lixo recolhido

    no DF ser direcionado para o Aterro Sanitrio Oeste, em Samambaia. A empresa vencedo-ra da licitao, constantemente adiada desde junho, ir administrar o local at 60 meses e deve receber cerca de R$ 30 milhes por ano do GDF. O lixo seco, previamente separado pela empresa, ser destinado a galpes, onde ser realizado o trabalho de catao. Essa uma forma de destinar corretamente os mais de 880kg de lixo que o brasiliense produz por ano. At o fechamento desta edio, o proces-so de escolha da nova empresa est suspen-so pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal.

    A professora favorvel ao fechamento do lixo, pois, segundo ela, os catadores no de-vero mais se submeter s degradantes con-dies de trabalho. Trabalhar no lixo com-pletamente desumano. Eles (os catadores) no tm alimentao, no tm gua, esto sujeitos a se acidentarem a qualquer momento, atro-pelados devido ao vai-e-vem dos caminhes. O estudo do qual ela faz parte identificou ocor-rncia de acidentes de trabalho em 55% dos casos. Se eles puderem no trabalhar no lixo e sim com materiais j com material reciclvel em um galpo, ser muito mais adequada a possibilidade de sade e bem-estar aos tra-balhadores, acrescenta Hoefel.

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  • Conforme destacado na tese, a produo de papel artesanal no exige conhecimentos aplicados. O processo de produo semelhante, indepen-dentemente do resduo escolhido para recicla-gem. Confira o passo-a-passo da execuo.

    Como fazer

    Depois de cozida, a soluo deve esfriar. Em seguida, coe a mistura. A fibra que restar deve ser lavada com gua corrente e vinagre, responsvel por neutralizar a mistura.

    A fibra deve ser refinada. Em geral, mquinas tipo holandesa so usadas, mas o servio tambm pode ser feito manualmente. O refino d maior resistncia mecnica ao papel.

    A mistura desagregada em liquidificador. Durante o processo, acrescenta-se soluo cola do tipo carboxi-metil-celulose (CMC), que garante mais fora ao papel.

    A fibra transferida para cubas e com auxlio de telas de madeira, so retiradas partes da massa que so transformadas em folhas. Aps esperar a gua escorrer, o molde retirado e despejado em uma entretela.

    Depois de reunir vrias entretelas com papis em processo de secagem, uma pilha deve ser feita e prensada para retirar o excesso de gua. Logo depois, o material deve secar naturalmente.

    Quando totalmente seco, as folhas prontas podem ser utilizadas em diversas finalidades.

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    6Resduos agrcolas so colocados em panela de inox com gua e soda custica, que auxilia na extrao de celulose. A mistura cozinha por quatro horas e deve ser mexida com frequncia.

    TUDO SE TRANSFORMA

    Mecanismos para reaproveitar materiais descartados em arte

    Reportagem Jhsycka vasconcelosIlustrao Lucas Pacfico

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  • Conforme destacado na tese, a produo de papel artesanal no exige conhecimentos aplicados. O processo de produo semelhante, indepen-dentemente do resduo escolhido para recicla-gem. Confira o passo-a-passo da execuo.

    Como fazer

    Depois de cozida, a soluo deve esfriar. Em seguida, coe a mistura. A fibra que restar deve ser lavada com gua corrente e vinagre, responsvel por neutralizar a mistura.

    A fibra deve ser refinada. Em geral, mquinas tipo holandesa so usadas, mas o servio tambm pode ser feito manualmente. O refino d maior resistncia mecnica ao papel.

    A mistura desagregada em liquidificador. Durante o processo, acrescenta-se soluo cola do tipo carboxi-metil-celulose (CMC), que garante mais fora ao papel.

    A fibra transferida para cubas e com auxlio de telas de madeira, so retiradas partes da massa que so transformadas em folhas. Aps esperar a gua escorrer, o molde retirado e despejado em uma entretela.

    Depois de reunir vrias entretelas com papis em processo de secagem, uma pilha deve ser feita e prensada para retirar o excesso de gua. Logo depois, o material deve secar naturalmente.

    Quando totalmente seco, as folhas prontas podem ser utilizadas em diversas finalidades.

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    6Resduos agrcolas so colocados em panela de inox com gua e soda custica, que auxilia na extrao de celulose. A mistura cozinha por quatro horas e deve ser mexida com frequncia.

    Para resduos como bagao de cana, folha de bananeira ou bituca de cigarro, em geral, imaginam-se destinos bvios: produtores mais despreocupados mandam tudo para o lixo enquanto conscincias ecolgicas tentam trans-formar os restos em adubo. No entanto, na Universidade de Braslia, ao final do corredor da Oficina de Maquetes e Prottipos, a professora Thrse Hofmann Gatti desenvolve para tais insumos fins mais criativos. Docente do Instituto de Artes da UnB e doutora em desenvolvimento sustentvel, ela defende as proposies