Dano Moral Coletivo Na Esfera Trabalhista

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85 Dano moral coletivo na esfera trabalhista Collective moral damage in the labor sphere Etiêny Nunes Pacheco 8.º período na Faculdade de Direito de Patos de Minas (UNIPAM) email: [email protected] Resumo: O presente estudo versa sobre a relevância do dano moral coletivo trabalhista no ordenamento jurídico atual, no que tange a sua mutação que ensejou na evolução da interpretação, configuração e reparação, assim como em suas angulações atuais. Consideramse ainda os reflexos da distinção entre o dano patrimonial e extrapatrimonial, as inovações inerentes ao dano moral coletivo e as divergências doutrinárias que o cercam; e por fim a efetiva configuração e reparação do dano moral coletivo na órbita trabalhista, bem como a aplicabilidade do instituto da prescrição e o destino das indenizações. Tratase de um tema muito atual e polêmico, ainda não regulamentado especificamente pela legislação brasileira, devido à transformação cada vez mais célere da sociedade moderna, e que tem ganhando alta repercussão nos últimos anos, especialmente com o advento da Constituição da República de 1988 e de legislações espaças que visam integrar ao sistema jurídico a plena admissibilidade dos direitos transindividuais e individuais homogêneos. Palavraschave: Dano. Moral. Coletivo. Trabalhista. Abstract: The present work approaches the importance of the labor collective moral damage in the juridical ordainment, in what concerns its change that led to the evolution of the interpretation, configuration and reparation, as well as in its present angulations. We may also consider the reflections of the distinction between the patrimonial and the extrapatromonial damage, the innovations related to the collective moral damage and the doctrinal divergences around it; and finally the effective configuration and reparation of the collective moral damage in the labor sphere, as well as the applicability of the prescription institute and the destination of the indemnities. It is a present and polemic theme, not yet specifically regulated by the Brazilian legislation, because of the quick transformations of modern society, which has gained a high repercussion in the latest years, especially after the advent of the 1988 Republic Constitution and of the sparse legislation that aims at integrating the admissibility of transindividual and homogeneous individual rights to the juridical system. Keywords: Damage. Moral. Collective. Labor. 1. Considerações iniciais O Dano Moral Coletivo na esfera trabalhista tem no ordenamento jurídico atual grande relevância, sendo indispensável o estudo de suas angulações no que tange a sua interpretação, configuração e reparação. Ensaio Jurídico. Patos de Minas: UNIPAM, (1):85101, 2010 | ISSN 21791945

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Artigo sobre o Dano Moral Coletivo Trabalhista

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    Danomoralcoletivonaesferatrabalhista

    Collectivemoraldamageinthelaborsphere

    EtinyNunesPacheco8.perodonaFaculdadedeDireitodePatosdeMinas(UNIPAM)

    email:[email protected]:Opresente estudoversa sobre a relevnciadodanomoral coletivo trabalhistanoordenamentojurdicoatual,noquetangeasuamutaoqueensejounaevoluodainterpretao,configuraoereparao,assimcomoemsuasangulaesatuais.Consideramseaindaosreflexosdadistino entre odanopatrimonial e extrapatrimonial, as inovaes inerentes aodanomoralcoletivoeasdivergnciasdoutrinriasqueocercam;eporfimaefetivaconfigurao e reparaododanomoral coletivonarbita trabalhista,bem como a aplicabilidadedoinstitutodaprescrioeodestinodasindenizaes.Tratasedeumtemamuitoatualepolmico,aindanoregulamentadoespecificamentepelalegislaobrasileira,devidotransformaocadavezmaiscleredasociedademoderna,equetemganhandoaltarepercussonosltimosanos,especialmentecomoadventodaConstituiodaRepblicade1988edelegislaesespaasquevisamintegraraosistemajurdicoaplenaadmissibilidadedosdireitostransindividuaiseindividuaishomogneos.Palavraschave:Dano.Moral.Coletivo.Trabalhista.Abstract:Thepresentworkapproachestheimportanceofthelaborcollectivemoraldamageinthejuridicalordainment,inwhatconcernsitschangethatledtotheevolutionoftheinterpretation,configurationandreparation,aswellasinitspresentangulations.Wemayalsoconsiderthereflectionsofthedistinctionbetweenthepatrimonialandtheextrapatromonialdamage,theinnovationsrelatedtothecollectivemoraldamageandthedoctrinaldivergencesaroundit;andfinally the effective configurationand reparationof the collectivemoraldamage in the laborsphere,aswellas theapplicabilityof theprescription instituteand thedestinationof the indemnities.Itisapresentandpolemictheme,notyetspecificallyregulatedbytheBrazilianlegislation,becauseofthequicktransformationsofmodernsociety,whichhasgainedahighrepercussioninthelatestyears,especiallyaftertheadventofthe1988RepublicConstitutionandofthesparselegislationthataimsatintegratingtheadmissibilityoftransindividualandhomogeneousindividualrightstothejuridicalsystem.Keywords:Damage.Moral.Collective.Labor.

    1.Consideraesiniciais

    O Dano Moral Coletivo na esfera trabalhista tem no ordenamento jurdico atual

    grande relevncia, sendo indispensvel o estudo de suas angulaes no que tange a sua

    interpretao, configurao e reparao.

    EnsaioJurdico.PatosdeMinas:UNIPAM,(1):85101,2010 |ISSN21791945

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    O dano moral passou por uma fase evolutiva, que gerou reflexos no entendi-

    mento atual, fazendo com que sua abrangncia ultrapassasse as barreiras da rbita

    exclusivamente cvel para a ceara trabalhista. Em decorrncia do que podemos chamar

    de uma espcie de mutao, o dano moral coletivo na esfera trabalhista possui peculia-

    ridades que merecem ateno especial dos estudiosos da Cincia Jurdica, como o pra-

    zo prescricional e o destino das indenizaes.

    A matria em anlise possui uma tmida exposio bibliogrfica e webliogrfi-

    ca, por se tratar de um tema que ganhou maior repercusso nos ltimos anos, o que

    instiga ainda mais seu estudo e o torna mais relevante. O tema em estudo vasto, in-

    ado de dificuldades e muito polmico, um campo aberto para discusses, inclusive

    sobre sua existncia, vez que alguns doutrinadores no a admitem, em contraposio a

    outros que a julgam perfeitamente possvel.

    A sociedade se transforma cada vez mais em um espao menor de tempo e, as-

    sim, questes que precisam de respaldo jurdico so renovadas diuturnamente. Entre-

    tanto em alguns momentos os legisladores no conseguem acompanhar tamanho mo-

    vimento, chegando ao ponto de a legislao brasileira no possuir regulamentao es-

    pecifica para o tema, motivo pelo qual se tornam relevantes a exposio, discusso e

    reviso do tema e suas peculiaridades.

    As controvrsias que rondam a questo do dano extrapatrimonial no mbito

    das relaes de trabalho vm sendo dirimidas pelos Tribunais do Trabalho, que se uti-

    liza de noes advindas do Direito Civil, admitida sua aplicao, visto que ante as la-

    cunas da legislao trabalhista inexiste incompatibilidade com os princpios fundamen-

    tais do Direito do Trabalho e do Direito Civil.

    O dano moral coletivo uma inovao da Constituio da Repblica Federativa

    do Brasil de 1988, e essa nova espcie de dano adveio em virtude do surgimento de

    novos patamares acerca da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, o presente

    estudo pretende proporcionar sociedade comum e jurdica o conhecimento e o exer-

    ccio pleno de seus direitos constitucionais.

    2.Desenvolvimento2.1.Aevoluododanomoral

    A primeira forma de reparao de dano que se tem notcia a vingana priva-

    da. Naquele momento adotava-se o uso das prprias foras para repelir qualquer for-

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    ma de agresso, fosse ela moral ou fsica. Essa fora poderia ser exercida tanto pelo

    ofendido quanto pelo grupo no qual ele coabitasse. Logo aps esse perodo o Estado

    passou sutilmente a colocar-se no lugar do ofendido, como quem tomasse suas dores e,

    assim, iria exigir a reparao do dano sofrido. A inteno do Estado seria evitar a vin-

    gana privada e com isso manter a melhor convivncia entre os membros da sociedade,

    visando ao bem estar coletivo.

    J no sculo XVIII a.C., Hamurabi (1792-1750 a.C.) foi rei da Babilnia e seu c-

    digo seria o primeiro escrito jurdico a trazer em seu contedo regras disciplinadoras

    do dano e sua reparao. Seriam formas de reparao do dano decorrente de ofensa

    pessoal a ofensa equivalente ao ofensor e a possibilidade de reparao pecuniria do

    dano moral.

    Em outras partes do referido cdigo vislumbra-se a famosa pena de Talio do

    olho por olho, dente por dente. J em outro momento se tem a clara viso da repara-

    o econmica do dano, qual seja, a previso de pagar 10 ciclos de prata por uma

    determinada conduta do ofensor, explicitando indcios da teoria da compensao eco-

    nmica, consideravelmente avanada para o momento histrico.

    A Bblia refere-se, tanto no Velho quanto no Novo Testamento, aos danos da

    alma, que atualmente se adaptam perfeitamente ao conceito de dano moral. A ttulo de

    exemplo, podemos citar o Livro de Deuteronmio captulo 22, versculos 28 a 30:

    Caso de violao Se um homem encontra uma jovem que no est prometida em ca-

    samento e a agarra e tem relaes com ela e pego em flagrante, o homem que teve re-

    laes com ela dar ao pai da jovem cinqenta moedas de prata, e ela ficar sendo sua

    mulher. Uma vez que a violentou, no poder mand-la embora durante toda a vida.

    Ainda quando o Estado era representado pela figura do monarca, o Cdigo de

    Manu, ou Cdigo de Ur-Nammu, assim como a Lei das XII Tbuas, previa a reparao

    do dano, mas inibia a vingana pessoal e pregava a necessidade de o Estado regular e

    intervir nesses litgios inerentes reparao do dano.

    Perodos mais tarde, tanto na Grcia quanto em Roma, a legislao referente

    reparao do dano passa por uma grande evoluo e conquista maior nitidez com o

    advento da Lex Aquilia e da legislao justiniana. Para o Direito Romano, que j apre-

    sentava preocupao com a honra, no era relevante a anlise da forma pela qual o

    dano foi causado. Bastava que o fato delituoso houvesse sido efetivado e o dano cau-

    EnsaioJurdico.PatosdeMinas:UNIPAM,(1):85101,nov. 2010

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    sado para que o ofensor fosse obrigado a repar-lo. A prova da culpa do agente era

    dispensada, bastando a causa aparente do dano estar correlacionada com a reao do

    lesado para promover a reparao do dano. Notadamente, h uma referncia com a

    atual responsabilidade objetiva.

    Diante do exposto, nota-se que a evoluo nesse perodo, ainda que arcaico, foi

    de extrema relevncia, visto que da vingana privada houve uma evoluo para a bus-

    ca da reparao econmica, que atingia o patrimnio do lesante e no mais sua inco-

    lumidade fsica ou moral, e passou-se a contar com a interveno Estatal.

    O renomado Aguiar Dias, citado na obra de Nehemias Domingos de Melo

    (MELO, 2007, p. 6), j vislumbrava a atual teoria do risco e da responsabilidade objetiva,

    tanto que concluiu que

    impor vtima ou a seus herdeiros demonstraes desse gnero o mesmo que lhes re-

    cusar qualquer indenizao: um direito s efetivo quando sua prtica est assegurada;

    no ter direito e t-lo sem poder exercer so uma coisa s.

    Seguindo o Direito Romano, o Cdigo Civil francs de 1804 inovou, adotando a

    teoria da culpa, que muito se aproxima do entendimento atual de responsabilidade

    civil subjetiva. Quando aquele que por ao ou omisso violasse direito de outrem,

    causando dano, ficaria obrigado reparao mediante apurao de culpa. Tambm

    nesse momento foi detectada a necessidade de relativizao da teoria da culpa, o que

    atualmente seria a responsabilidade objetiva, que por sua vez trata de situaes especi-

    ais do cotidiano.

    2.2.Odanomoralatualmente

    Modernamente a indenizao por dano moral no Brasil est em face de total a-

    ceitao. Com o advento da Constituio Federal de 1988, a possibilidade de reparao

    integral da ofensa moral ficou pacificada, o que pode ser observado nos incisos V e X

    do seu artigo 5., que trouxe status constitucional a proteo dos bens imateriais do

    indivduo (DOMINGOS DE MELO, 2007, p. 25).

    Fica assim pacfica e evidenciada a finalidade precpua da responsabilidade ci-

    vil em garantir vtima de ato lesivo uma segurana quanto reparao integral do

    dano sofrido, a chamada reparao in integrum do dano. A inteno que a reparao

    do dano traga maior proximidade ao status quo ante ao dano, porm em alguns casos,

    ETINYNUNESPACHECO

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    principalmente no que tange ao dano moral, no possvel retroagir dessa forma.

    nesse momento que a reparao pecuniria, ou seja, a sano civil que possui natureza

    compensatria passa a exercer sua principal funo. Ocorre assim a reparao plena do

    dano causado, por meio do pagamento de uma indenizao equivalente ao prejuzo.

    A funo da responsabilidade civil est em buscar o equilbrio sociojurdico, no

    mbito individual e coletivo. Aps sua longa evoluo histrica, a teoria da responsabi-

    lidade civil chegou ao seu fundamento e objetivo, que seria a preocupao primacial

    com o dano injusto efetivado parte lesada (a pessoa fsica, a pessoa jurdica ou uma

    coletividade), e na sua plena reparao, salientando que a leso projeta efeitos para

    alm dos interesses jurdicos ofendidos, atingindo, em ltima instncia, o prprio equi-

    lbrio social, como j doutrina o ilustre Jos de Aguiar Dias.

    Conforme exposto no ttulo anterior, a culpa do agente era pressuposto essenci-

    al para a configurao da responsabilidade do agente. Atualmente essa culpa passou a

    ser mitigada e secundarizada. No Direito Civil clssico a conduta do agente ofensor era

    focalizada: uma vez no havendo culpa no havia que se falar em responsabilidade. J

    no Direito Civil atual centralizada a pessoa da vtima, sendo que o dano imerecido,

    por si s em princpio, faz jus indenizao. Ocorrendo a inverso do fundamento ge-

    ral de responsabilidade, hoje o entendimento de que a vtima no pode ficar sem o

    ressarcimento do prejuzo sofrido, e no de que o agente que age sem culpa no deve a

    indenizao pelo dano causado.

    2.3.Danopatrimonialemoral

    Segue uma breve distino entre os institutos do dano moral e patrimonial, a

    fim de clarear o contedo a posteriori. O dano gnero do qual patrimonial e moral so

    espcies. Dano, juridicamente, a ofensa ou leso aos bens ou interesses suscetveis de

    proteo jurdica. A moral tem conceito adequado ao tempo, envolvendo questes de

    ordem poltico-social e econmica. A moral se modifica conforme os hbitos de um

    determinado lugar e cultura. O que moral ou imoral hoje no o mesmo definido

    ontem. Nem tudo que permitido juridicamente aceito moralmente por uma socie-

    dade.

    Moral e Direito no so sinnimos, uma vez que a moral unilateral, pois no

    existe sano para seu descumprimento. J o Direito bilateral, pois alm de impor

    uma conduta, ele determina uma sano para seu descumprimento; seria ento, bilate-

    ral-atributivo.

    EnsaioJurdico.PatosdeMinas:UNIPAM,(1):85101,nov. 2010

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    O dano patrimonial, tambm chamado material, envolve caractersticas econ-

    micas, subdividindo-se em dano patrimonial emergente e lucro cessante. O primeiro

    versa sobre o que o lesado efetivamente perdeu, e o segundo sobre o que ele deixou de

    ganhar em virtude do ato lesivo.

    A indenizao no caso do dano patrimonial visa a garantir ao lesado o ressar-

    cimento do prejuzo sofrido, como se o fato jamais tivesse ocorrido. J a indenizao no

    mbito moral tem natureza compensatria. Posto que o dano moral versa sobre uma

    ofensa, humilhao, constrangimento que atinjam a honra, o decoro, a reputao ou o

    intelecto do ofendido. O dano moral turba a paz interior, a crena ntima, os sentimen-

    tos afetivos de qualquer espcie do lesado. No dano moral tambm a imagem e a inti-

    midade do ofendido podem ser atingidas. O fato que em qualquer desses casos o da-

    no moral vem em decorrncia de um fato ilcito e gera prejuzo ao mago da pessoa,

    afetando o psquico, gerando problemas que podem atingir tanto o seu fsico quanto

    seu intelecto, ou at mesmo prejudicar suas atividades no trabalho.

    2.4.Danomoralcoletivo

    Antes da Constituio de 1988 falava-se muito timidamente em dano moral co-

    letivo, e no se admitia nem mesmo o fato de pessoas jurdicas poderem atuar como

    agentes passivos em demandas que visassem reparao oriunda de danos morais.

    Com a nova Constituio, que fixou a dignidade da pessoa humana como um dos

    princpios fundamentais pelo qual se regeria o Estado Brasileiro, essas questes se de-

    ram por superadas.

    A compreenso a cerca da dignidade da pessoa humana sofreu e vem sofrendo

    grandes modificaes, que emergem para um emaranhado de novos direitos inerentes

    ao indivduo e a sua integralidade, aumentando infinitamente os campos de proteo

    jurdica individual e coletiva.

    A responsabilidade civil reconhecidamente uma das matrias mais controver-

    tidas do Direito contemporneo, sempre se demonstrando dinmica, inovadora e sur-

    preendente. Com essa evoluo, fez-se necessrio alm da proteo jurdica aos indiv-

    duos, a proteo aos grupos sociais, que galgam alcanar garantias ao exerccio de seus

    direitos e harmonia nos contextos em que se apresentam.

    Como doutrina Xisto Tiago, inegvel, pois, o reconhecimento e a expanso

    de novas esferas de proteo pessoa humana, diante das realidades e interesses e-

    ETINYNUNESPACHECO

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    mergentes na sociedade, que so acompanhadas de novas violaes de direitos

    (MEDEIROS NETO, 2007, p. 121).

    O surgimento de novos direitos inerentes pessoa humana clama por novas

    formas de proteo jurdica, quais sejam, os indivduos nos seus interesses pessoais,

    coletivos, difusos, individuais homogneos, patrimoniais e morais.

    Atualmente a coletividade de pessoas passou a ser considerada titular de direi-

    tos antes inexistentes, podendo ento reivindicar proteo e tutela jurdica. At ento

    os entes personalizados, pblicos ou privados, individualmente considerados, poderi-

    am como titulares invocar a reparao do dano sofrido. Com a dinamizao ocorrida,

    entes no personalizados, como grupos, classes e categorias de pessoas indeterminadas

    tambm passaram a titular direito reparao civil.

    A responsabilidade civil passou a ter expressiva relevncia tanto tutela quanto

    reparao da categoria denominada, no ordenamento jurdico moderno, de dano mo-

    ral coletivo. O sistema jurdico deve acompanhar a evoluo da sociedade com respos-

    tas aos seus litgios e novas demandas, de forma eficaz e solucionadora, na busca inci-

    siva pelo justo, pela coero s leses e proteo aos direitos extrapatrimoniais, titula-

    rizados pela coletividade, nas suas mais diversas expresses.

    2.5.Divergnciasdoutrinrias

    Devido atualidade do tema, encontram-se posicionamentos diferenciados so-

    bre a efetiva possibilidade de reparao do dano por meio de indenizao por dano

    moral coletivo.

    O renomado doutrinador Srgio Pinto Martins, assim como Rui Stoco e Teori

    Albino Zavascki, entendem que, apesar de j haver decises neste sentido, por meio de

    aes civis pblicas, no seria possvel o pagamento de indenizao por dano moral

    coletivo. O entendimento se baseia na falta de previso legal para tanto, nem mesmo

    havendo previso sobre a destinao da indenizao para o FAT (Fundo de Amparo ao

    Trabalhador). Outro motivo exposto pelo doutrinador remete ao fato de que cada em-

    pregado ofendido pode pleitear a indenizao por dano moral, o que acarretaria na

    duplicidade de indenizao pelo mesmo fato empresa, sendo uma vez pelo dano mo-

    ral coletivo e outra em cada caso individualmente, o que implicaria o bis in idem.

    (MARTINS, 2008, p. 97).

    Apesar de reconhecer a possibilidade de existncia do dano moral coletivo na

    EnsaioJurdico.PatosdeMinas:UNIPAM,(1):85101, nov.2010

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    rbita das relaes de consumo, com fulcro no artigo 6. do Cdigo de Defesa do Con-

    sumidor, o autor entende que essa analogia no caberia no que tange s relaes de

    trabalho, citando inclusive em seu livro um entendimento do STJ que aduz que a con-

    figurao do dano moral coletivo requer a vinculao do dano moral noo de dor,

    de sofrimento psquico, de carter individual, sendo incompatvel com a noo de

    transindividualidade, ou seja, com a indeterminabilidade do sujeito passivo e indivisi-

    bilidade da ofensa e da reparao.

    Em corrente diversa, Arion Sayo Romita, da Academia Nacional de Direito do

    Trabalho, admite a existncia do dano moral coletivo quando o sujeito passivo atingido

    uma coletividade, e a reparao deve ser revertida em favor dessa mesma coletivida-

    de que teve os sentimentos afetados. Para Arion, uma coletividade, como tal conside-

    rada (abstraindo-se a pessoa dos indivduos que a integram), pode ser atingida pelos

    efeitos de um ato ilcito, causador de dano moral. Da a noo de dano moral coletivo

    (ROMITA, 2007, p. 27-33). Concluindo, os grupos tm direitos tanto quanto os indiv-

    duos, e a violao do direito do grupo ou da coletividade pode gerar o chamado dano

    moral coletivo.

    O autor entende por dano moral coletivo aquele que decorre da violao de

    direitos de certa coletividade ou a ofensa a valores prprios dessa mesma coletivida-

    de, e cita ainda exemplos em que haveria a ocorrncia do dano moral coletivo, como

    na promoo de trabalho escravo, forado ou ainda de menores de 16 anos, quando

    no se efetua o pagamento dos salrios ajustados, quando no se cumprem as normas

    de segurana e medicina do trabalho ou ainda, quando se promovem atos discrimina-

    trios.

    2.6.Aconfiguraododanomoralcoletivotrabalhista

    A configurao do dano moral coletivo ocorre de diversas formas, como pelo

    descumprimento, por parte dos empregadores, dos direitos sociais trabalhistas difusos,

    coletivos ou individuais homogneos (como no caso da violao do direito ao piso sa-

    larial, realizao peridica de exames, sade, higiene e segurana do trabalho, as-

    sim como jornada de trabalho estabelecida em lei), ou ainda na manuteno de um

    quadro de funcionrios sem registro ou discriminaes quando da admisso ou decur-

    so do contrato de trabalho.

    Para efetiva caracterizao do dano moral coletivo, existem quatro pressupostos

    ETINYNUNESPACHECO

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    necessrios para a propositura da ao de reparao, quais sejam:

    Conduta antijurdica: ao ou omisso do agente, que compreende tanto a pes-soa fsica quanto a jurdica.

    Dano: refere-se a um interesse jurdico fundamental de natureza extrapatrimo-nial, que tenha como titular a coletividade.

    Intolerabilidade da ilicitude: observa-se aqui a repercusso social do fato. Nexo causal: o liame entre a conduta e o dano.

    O dano moral coletivo observado in re ipsa, ou seja, perceptvel e verificado

    em virtude da conduta ilcita presente, que viola de maneira injusta e intolervel inte-

    resses de natureza transindividual (que extrapolam a esfera individual). Desta forma,

    no se cogita para sua demonstrao prova de prejuzo, e o dano encontra-se evidenci-

    ado pelo prprio fato da violao, salientando que o fato, sim, suscetvel de prova.

    Este tambm o entendimento do Superior Tribunal de Justia.

    A consequncia do ato ilcito deve ser analisada, para configurao do dano

    moral coletivo, no mbito da coletividade e no individualmente. Leonardo Roscoe

    Bessa citado na obra de Xisto Tiago de Medeiros Neto, alude que o dano extrapatri-

    monial, na rea de direitos metaindividuais, decorre da leso em si a tais interesses,

    independentemente de afetao paralela de patrimnio ou de higidez psicofsica

    (MEDEIROS NETO, 2007, p. 136). Logo, se o interesse que se busca proteger atingido

    pela conduta lesiva, h que se buscar a punio, a condenao de esprito punitivo para

    o dano moral coletivo.

    Deve-se ento para a configurao do dano moral coletivo verificar a leso a di-

    reitos transindividuais que tenham como titulares uma coletividade, sem a necessidade

    dos efeitos negativos, inerentes esfera subjetiva. Seriam efeitos negativos as conse-

    quncias, que nesse momento so secundrias, sentimentais do dano na psique do(s)

    individuo(s), como inferioridade, desapreo, desvalor, repulsa, menosprezo, conster-

    nao, abalo psquico, perturbao, aflio.

    Para a caracterizao do dano moral coletivo, relevante analisar a existncia

    da proteo jurdica de interesse titularizado pela coletividade, uma vez que o sistema

    jurdico visa a garantir o direito dignidade da pessoa humana de forma plena e no

    apenas na sua forma individualizada, j que a aceitao do dano moral coletivo a

    efetiva ampliao do conceito do dano moral, que deixa de ser a exclusiva dor psqui-

    ca, que advm somente da pessoa fsica em si.

    EnsaioJurdico.PatosdeMinas:UNIPAM,(1):85101,nov. 2010

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    Outro ponto seria a necessidade de se olhar o direito no ngulo coletivo, devido

    ao desenvolvimento da sociedade e ao aumento dos conflitos, o que visa a proteger os

    interesses da coletividade, exigindo uma estrutura jurdica, material e processual para

    sua plena defesa. Na mesma linha de pensamento h a excelente definio da caracte-

    rizao do dano moral coletivo de Xisto Tiago de Medeiros Neto, que oportunamente

    registra:

    O dano moral coletivo no se vincula nem se condiciona diretamente observao ou

    demonstrao efetiva de tais efeitos negativos, visto que constituem eles, quando per-

    ceptveis coletivamente, mera conseqncia do dano produzido pela conduta do agen-

    te, no se apresentando, evidentemente, como pressuposto para a sua configurao.

    (MEDEIROS NETO, 2007, p. 129).

    Alm das hipteses anteriormente mencionadas h a configurao do dano em

    anlise quando os trabalhadores so submetidos a situaes vexatrias, constrangedo-

    ras ou humilhantes. Tal situao pode ser vislumbrada na deciso do TRT da 21 Regi-

    o que condenou a Cia. Brasileira de Bebidas (Ambev) a pagar indenizao ao FAT, no

    valor de um milho de reais, pelas prticas adotadas com os funcionrios que no atin-

    giam as metas da empresa. Esses funcionrios no podiam sentar durante as reunies,

    tinham de danar na presena de outros colegas e usar camisetas com dizeres ofensi-

    vos. TRT da 21 R. RO n. 01034-2005-001-21-00-6 (ac 61415) Juza Relatora: Joseane

    Dantas dos Santos j. 15.08.2006 publicado no DJE/RN em 22.08.2006.

    importante destacar que algumas condutas que geram dano moral coletivo

    so muito recorrentes. Segue um quadro que demonstra as condutas com maior inci-

    dncia:

    1.

    Discriminao em relao ao gnero, idade, opo sexual, nacionalidade, s pessoas

    portadoras de deficincia e de enfermidades, ou aos integrantes de determinada classe

    social, religio, etnia ou raa.

    2. Explorao do trabalho de crianas e adolescentes, em violao ao princpio constitucional

    da dignidade humana e da proteo integral.

    3. Submisso de grupo de trabalhadores a condies degradantes, a servio forado, em con-

    dies anlogas de escravo, ou mediante regime de servido por dvida.

    4.

    Manuteno de meio ambiente de trabalho inadequado e descumprimento de normas

    trabalhistas bsicas de segurana e sade, gerando riscos ou danos integridade psicofsi-

    ca dos trabalhadores.

    ETINYNUNESPACHECO

  • 95

    5. Prtica de discriminao, assdio (moral ou sexual) e ameaa aos trabalhadores, e a sua

    submisso a situaes humilhantes e vexatrias.

    6. Uso de fraude, coao ou dolo para burlar ou sonegar direitos trabalhistas.

    7. Criao de obstculos e ardis para o exerccio da liberdade associativa e sindical, com a-

    meaa e intimao aos trabalhadores.

    Pode ser observada em todos os casos a leso a interesses jurdicos extrapatri-

    moniais da coletividade, situao que merece reparao.

    2.7.Reparaododanomoralcoletivo

    A reparao do dano moral coletivo se justifica quando analisada a prevalncia

    de direitos difusos e coletivos que merecem plena preservao. A condenao do ofen-

    sor ao pagamento de parcela pecuniria tem finalidade sancionatria ou dissuasria

    para o ofensor, preventiva, satisfativa para a vtima e, ainda, exemplificativa para a

    sociedade. A condenao deve ser imposta e arbitrada de maneira suficiente a sancio-

    nar o autor e inibir novas violaes da mesma natureza.

    O ordenamento jurdico brasileiro teve como primeiro instrumento legal de re-

    parao do dano moral coletivo a Lei n. 4.717/65, uma antiga ao popular que defen-

    dia o interesse difuso no tocante preservao do patrimnio pblico, decretando a

    invalidade do ato lesivo e condenando os responsveis em perdas e danos.

    Posteriormente, com advento da Constituio da Repblica de 1988, adotou-se

    o princpio da reparao integral, art. 5., V e X, tutelando toda forma e alcance de da-

    no, patrimonial, moral, esttico, espiritual ou histrico.

    A Lei n. 7347/85 (Ao Civil Pblica) c/c a Constituio da Repblica permitiu

    a proteo a qualquer interesse coletivo ou difuso, sem as restries anteriormente exis-

    tentes antes da nova ordem constitucional. O Ministrio Pblico, em virtude do art.

    129, III da Constituio, tem legitimao qualificada para propor a ao civil pblica

    que tutela qualquer interesse difuso, coletivo, transindividual e de natureza extrapa-

    trimonial.

    Sendo assim, so legitimados para propositura da ao coletiva, o Ministrio

    Pblico, a Unio, os Estados, os Municpios, o Distrito Federal, as entidades e rgos

    da Administrao Pblica Direita e Indireta e as associaes legalmente constitudas h

    pelo menos um ano e que tenham fim institucional especfico. Essa legitimidade no

    exclusiva e sim concorrente, logo a iniciativa tomada por um dos legitimados no im-

  • 96

    pede que outro venha a participar da ao como litisconsrcio. Entretanto, cabe ressal-

    tar que dentre os legitimados, o Ministrio Pblico do Trabalho apresenta melhores

    instrumentos para a defesa coletiva dos trabalhadores, alm de estar constitucional-

    mente elegido para guardar os interesses difusos da sociedade, art. 127 CR.

    A expresso danos morais e patrimoniais foi inserida na Lei de Ao Civil

    Pblica em 1994, com a Lei n. 8.884/94 (Lei Antitruste), eliminando qualquer entendi-

    mento contrrio tutela legal do dano moral coletivo. Fica, assim, a redao do art. 1.

    caput da Lei de Ao Civil Pblica: Regem-se, pelas disposies desta lei, sem prejuzo

    da ao popular, as aes de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causa-

    dos, e afirma-se que a coletividade a titular dos bens jurdicos protegidos pela

    LACP.

    Quando da caracterizao do dano moral coletivo, o agente da conduta injusta

    responder pela reparao do dano sofrido, sendo irrelevante a demonstrao de cul-

    pa; logo, encontra-se uma forma de responsabilidade civil objetiva. As condutas injus-

    tas podem ter teor discriminatrio, abusivo ou fraudulento, como se vislumbra no caso

    de contrato de relao de trabalho quando h explorao de trabalho infantil, trabalho

    escravo, forado, terceirizado ilegalmente, ou ainda discriminao de qualquer nature-

    za, raa, religio, gnero, idade, violao dos princpios morais, entre tantas outras.

    A reparao do dano moral coletivo ainda causa intenso debate, no que tange a

    estabelecer parmetros objetivos para fixao pecuniria. A reparao que trata esse

    contexto no uma reparao tpica das relaes privadas e individuais, j que os obje-

    tivos das legislaes que protegem o dano moral coletivo so diversos daquelas.

    Nessa forma de reparao punitiva, vez que o Direito brasileiro j prev essa

    hiptese de sano privada, tambm chamada de indenizao punitiva, deve ser arbi-

    trado o quantum, observando-se a natureza, a gravidade e a repercusso da leso, a

    situao econmica do ofensor, o eventual proveito obtido com a conduta ilcita, o grau

    da culpa ou de dolo, se presente, a verificao de reincidncia e o grau de reprovabili-

    dade social da conduta adotada.

    A caracterizao e reparao do dano moral coletivo ocorreram efetivamente, a

    ttulo de exemplo, na Ao Civil Pblica proposta pelo Ministrio Pblico do Trabalho,

    quando o Tribunal Superior do Trabalho entendeu procedentes as acusaes de obten-

    o de vantagem ilcita por meio de lides simuladas, j que o ato de homologar acordo

    na resciso de contrato atenta contra a dignidade da justia. Havendo arbitramento de

    multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) por descumprimento das obrigaes negativas, no

    ETINYNUNESPACHECO

  • 97

    obstando essa cominao a configurao do dano moral coletivo existente devido

    conduta da empresa, devendo o dano ser reparado com multa no valor de R$ 30.000,00

    (trinta mil reais) a ttulo de indenizao a ser revertida ao FAT. (Processo n. RR-

    1156/2004-004-03-00.9)

    2.8.Prazoprescricional

    A prescrio instituto tpico do Direito privado e refere-se extino da pre-

    tenso reivindicatria do titular de um direito em virtude do transcurso do prazo fixa-

    do em lei, direito esse de natureza patrimonial e disponvel. Desta forma, a inrcia in-

    justificada, por determinado interregno temporal, do titular da preveno, faz com que

    a prescrio opere seus aludidos efeitos em virtude do princpio da segurana e da es-

    tabilidade das relaes jurdicas.

    Entretanto, na seara dos direitos transindividuais, em que h a indeterminao

    dos integrantes da coletividade, a indivisibilidade dos interesses e a extrapatrimonie-

    dade dos direitos, a inrcia do legitimado reivindicao no poderia prejudicar toda

    uma coletividade. Logo, no que tange prescrio para propositura de ao destinada

    a reparao de dano moral coletivo, entende-se impossvel sua incidncia, visto referir-

    se dignidade da pessoa humana e ter dimenso coletiva.

    Normalmente a leso a interesses transindividuais tem efeitos danosos perp-

    tuos no tempo e continuidade em suas consequncias, incompatvel com a ideia pre-

    tendida pelo instituto da prescrio. A prescrio, neste contesto, estaria ferindo o sen-

    so de justia, uma vez que em virtude da inrcia dos entes legitimados para a proposi-

    tura da ao civil pblica, o agente causador da leso deixaria de ser responsabilizado,

    ficando assim isento de qualquer sano.

    Pelo fato de no haver previso na Lei n. 7.347/85 no que se refere prescrio

    c/c a disposio da Constituio da Repblica art. 37 5., que estabelece a imprescriti-

    bilidade das aes relativas ao ressarcimento dos prejuzos causados ao errio pblico,

    a doutrina tem decidido pela interpretao analgica, vez que seriam apresentados os

    mesmos motivos para a inocorrncia da prescrio, j que se tratam de interesses

    igualmente metaindividuais e transindividuais. No tendo amparo jurdico o tratamen-

    to desigual a interesses igualmente relevantes.

    A jurisprudncia dominante tem adotado o mesmo entendimento:

    no se h que falar em prescritibilidade de pretenses envolvendo direitos metain-

    EnsaioJurdico.PatosdeMinas:UNIPAM,(1):85101,nov. 2010

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    dividuais, nas modalidades de direitos difusos e coletivos, por no serem dotados de

    feio patrimonial, no possurem titulao definida e revestidos da qualidade de in-

    disponibilidade (Agravo de Petio n. 00360.2005.061.23.00-9, TRT 23 Regio, Rel. Juiz

    Paulo Brescovici, DJE 22.03.2007).

    2.9.Destinodasindenizaes

    No caso de condenao judicial por dano moral coletivo, a parcela pecuniria

    deve ser destinada conforme estabelece o art. 13 da LACP:

    Havendo condenao em dinheiro, a indenizao pelo dano causado reverter a um

    fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participaro

    necessariamente o Ministrio Pblico e representantes da comunidade, sendo seus re-

    cursos destinados reconstituio dos bens lesados.

    Esse fundo vinculado ao Poder Executivo que deve receber e gerir os valores

    obtidos. A reverso da reparao pecuniria ao fundo foi o meio encontrado para solu-

    cionar a questo da transindividualidade e da indivisibilidade do interesse atingido,

    uma vez que a titularizao pertence a uma coletividade cujas pessoas so indetermi-

    nadas, traduzindo assim, a impossibilidade de reparao direta em favor dos integran-

    tes da respectiva coletividade.

    A destinao da indenizao ao fundo tem por objetivo prover a defesa dos in-

    teresses atingidos. Quando no for possvel individualizar os interesses lesados, a pe-

    cnia ser destinada proteo de interesses equivalentes queles que geraram a con-

    denao.

    O FDD Fundo de Defesa de Direitos Difusos (Lei n. 7.347/85), regulamentado

    pelo Decreto Federal n. 1.306/94 e pela Lei n. 9.008/95, tem por finalidade a reparao

    dos danos causados no que tange s reas do direito ambiental, consumidor, artstico,

    esttico, histrico, turstico, paisagstico, entre outros interesses difusos e coletivos.

    J na seara trabalhista existe um fundo especfico para destinao destas inde-

    nizaes, que o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que foi criado pela Lei n.

    7.998/90, e tem por finalidade custear o Programa de Seguro Desemprego, o pagamen-

    to do abono salarial e o financiamento de programas de desenvolvimento econmico,

    conforme art. 10 da referida lei.

    A existncia de um fundo especfico para as indenizaes inerentes s relaes

    ETINYNUNESPACHECO

  • 99

    de trabalho se justifica pela inadequao do Fundo previsto no art. 13 da Lei n.

    7.347/85, j que o FAT apresenta maior aptido para aplicar os recursos em prol dos

    interesses jurdicos lesados.

    Cabe salientar que possvel a convolao ou o redirecionamento da parcela

    indenizatria, ocorrendo assim, outra aplicao que no o Fundo especfico, o que o-

    corre no caso de conciliao judicial, quando ser acordada a transformao do respec-

    tivo valor em obrigaes ao ru. Para essa transformao essencial que seja observada

    a contribuio que essa obrigao ter para a proteo e promoo dos bens jurdicos

    lesados. A ttulo de exemplo, pode-se ter a promoo ou financiamento de campanhas

    publicitrias ou educativas, a realizao de determinada obra, a aquisio ou entrega

    de bens a entidades pblicas ou privadas de interesse social, assim como a execuo de

    projetos, observada a proporcionalidade e a razoabilidade entre o valor fixado e o cus-

    to financeiro da obrigao. Tais situaes podem ser verificadas nas aes civis pbli-

    cas n. 166/2006 (2 Vara do Trabalho de Teresina PI), n. 214/06 (Vara do Trabalho de

    Redeno PA) e na Vara do Trabalho de Curitiba, processo n. 05/02, Juza Graziela

    Carola Orgis, em 08/07/2004, referente disponibilizao do direito de explorao de

    horrio televisivo de programas com atuao do MPT.

    3.Consideraesfinais

    O dever de no lesar direito alheio e as demais regras do ordenamento jurdico

    devem ser exaustivamente observados em todos os contextos das relaes interpesso-

    ais. Especialmente na rbita trabalhista da tutela coletiva, o objetivo primeiro o de

    garantir o equilbrio, o desenvolvimento e a paz social.

    A todos, individual e coletivamente considerados, deve ser garantida a integri-

    dade moral e patrimonial. Ocorrendo a violao desses direitos, o Estado deve estar

    preparado para fixar a sano adequada quele que gere dano injusto a outrem.

    Com o desenvolvimento do pensamento jurdico, no que tange responsabili-

    dade civil e ao dano moral coletivo, o sistema jurdico vem dando respostas cada vez

    mais concretas e satisfatrias diante dos atos e omisses que afetem a dignidade da

    pessoa humana.

    Observa-se, nitidamente, o crescente nmero de questes envolvendo a temti-

    ca abordada e a tendncia dos rgos judicirios em julgar procedente o pedido de

    indenizao por danos morais coletivos. A matria antes tmida vem despertando in-

    EnsaioJurdico.PatosdeMinas:UNIPAM,(1):85101,nov. 2010

  • 100

    teresse no que se refere a sua compreenso e ao seu enfrentamento, atualmente acei-

    tando a ocorrncia de danos morais ou extrapatrimoniais e a imprescindibilidade de

    sua reparao.

    Diante dessa evoluo, concepes que anteriormente vinculavam obrigatoria-

    mente o dano moral apresentao de elementos subjetivos como a dor, o sofrimento e

    angstia, deram lugar a um novo conceito, de natureza objetiva, o denominado dam-

    num in re ipsa, que admite a existncia e a configurao do dano emergente do prprio

    fato.

    Vale salientar que a admissibilidade e a reparao do dano moral coletivo tra-

    zem consequentemente a proteo a interesses individuais, visto que as agresses aos

    interesses coletivos em geral passaro primeiro pela agresso ao direito individual do

    trabalhador. A reparao do dano, alm de prestar uma satisfao ao lesado e coleti-

    vidade de uma forma geral, tambm sanciona ou pune o lesante desestimulando novas

    condutas antijurdicas.

    A postura do magistrado de essencial importncia no que se refere fixao

    do quantum, que deve ser suficiente para reprovar, punir e desestimular a conduta lesi-

    va e razovel para que no leve o ofensor falncia. Com essa mesma finalidade, ad-

    mite-se a adoo de outras formas de reparao no caso de o ofensor no suportar eco-

    nomicamente a reparao do dano, sendo possvel nesta situao impor-lhe a realiza-

    o de determinado comportamento, prtica de ao ou absteno de ato, para que o

    lesante no fique ausente de qualquer condenao.

    Toda transformao no campo do dano moral coletivo foi impulsionada pela

    vigncia da Constituio da Repblica de 1988, que trouxe novo tratamento ao institu-

    to, refletindo ainda na responsabilidade civil, na proteo integral pessoa humana,

    conforme art. 5., V e X.

    No mesmo sentido, o Cdigo Civil de 2002 rompeu com as fortes caractersticas

    do individualismo, inerentes ao Cdigo Civil de 1916, e destacou o social, o coletivo,

    admitindo o dano moral e a obrigao de indeniz-lo, como delineado nos arts. 186 e

    927 da aludida norma.

    Houve, assim, a valorao e o reconhecimento crescente dos interesses transin-

    dividuais, difusos, coletivos e individuais homogneos. As indenizaes por dano mo-

    ral coletivo tiveram regulamentao especfica quanto destinao, estabelecendo que

    as parcelas de condenaes em pecnia, na rbita trabalhista, sejam revertidas ao FAT

    Fundo de Amparo ao Trabalhador.

    ETINYNUNESPACHECO

  • 101

    Por fim, mesmo sendo necessrio o aperfeioamento do Sistema Jurdico neste e

    em outros institutos, atualmente deve-se comemorar, visto que a ofensa aos valores

    essenciais do contexto social tem recebido o devido reconhecimento e a efetiva repara-

    o, por meio dos mecanismos legalmente constitudos para sancionar as condutas

    lesivas, desestimular novas leses, evitando a incidncia de danos morais coletivos que

    somente denigre o Estado Democrtico de Direito.

    Referncias

    BBLIA SAGRADA. Livro de Deuteronmio. Edio Pastoral. So Paulo: Paulus, 1994. cap. 22, vers. 28-30, p. 221. BRASIL. Cdigo Civil. Organizao dos textos, notas remissivas e ndices por Gisele Car-valho. 30 ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2008. BRASIL. Consolidao das Leis Trabalhistas, Cdigo de Processo Civil, Legislao Trabalhista e Processual Trabalhista, Legislao Previdenciria e Constituio Federal. Organizao dos textos por Nelson Mannrich. 9 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. MARTINS, Sergio Pinto. Dano moral decorrente do contrato de trabalho. 2. ed. So Paulo: Atlas, 2008. MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2 ed. So Paulo: LTr, 2007. MELO, Nehemias Domingues de. Dano moral trabalhista: Doutrina e Jurisprudncia. So Paulo: Atlas, 2007. PLANALTO. Legislao: Braslia: atualizado diariamente. Disponvel em: . Acesso em: ago. e set. 2009. ROMITA, Arion Sayo. Dano Moral Coletivo. Justia do Trabalho. Porto Alegre, v. 24, n. 283, p. 27-33, jul. 2007.

    EnsaioJurdico.PatosdeMinas:UNIPAM,(1):85101, nov. 2010