Daniela Mercury and Mixmag

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HOT AXÉ ELETRÔNICO O Reggae, o mar de gente e a rainha do axé De fones grudados na orelha, Daniela Mercury comandou o bloco Crocodilo promovendo sua tradicional mistura de ritmos Texto Lisa Earl Castillo Fotos Célia Santos WWW.MIXMAG.COM.BR 18 ABRIL/MAIO 2010 Salvador, 15 de fevereiro – É final de tarde no Porto da Barra, uma das praias mais lindas do mundo. Banhistas pulam as ondas e o cheiro de carne assada chega das grelhas de dezenas de churrasqueiros improvisados na rua de cima. Enquanto os últimos raios de sol se afogam no mar, a água e o céu vão de índigo até violeta e vermelho. É o fim do que seria apenas mais um dia de verão, não fosse a fila imensa de trios elétricos que se estende por quase um quilômetro, até o Farol da Barra, ponto inicial do circuito mais movimentado do Carnaval da Bahia. É o penúltimo dia da festa do Momo e há milhares de pessoas na rua, algumas em roupa comum, outras fantasiadas como, por exemplo, os homens usando as botas e os turbantes brancos de Os Filhos de Gandhi, um dos primeiros grupos a desfilar hoje. Enquanto a cortina da noite se deita sobre a estreita península da Barra, milhares de foliões do bloco Crocodilo se posicionam dentro da corda que separa os membros do bloco do pessoal da pipoca, os espectadores que também esperam a saída da Rainha do Axé Music, Daniela Mercury. Ela finalmente aparece em cima do trio, acompanhada por seu grupo de dançarinos, sempre linda, vestindo um elegante conjunto verde-mar, estilo Betty Boop. Na cabeça, uma delicada coroa enfeitada com plantas coloridas e conchas marítimas alertava o público sobre o tema do desfile de hoje: o mar. O Carnaval de 2010 marca o 60 o aniversário do trio elétrico, hoje peça central do Carnaval da Bahia. Também é o 15 o ano do circuito da Barra, no qual Daniela participa desde sua criação. No primeiro ano, ela instalou seu camarote, inaugurando o que se tornou um dos elementos mais populares – e mais lucrativos – da folia baiana. Em reconhecimento desse pioneirismo, nessa segunda- feira, o apresentador Betinho do Band Folia entrega a Daniela um prêmio em homenagem a sua atuação no desenvolvimento dessas iniciativas. Este também é o primeiro ano de parceria entre a diva e a Mixmag - parceria essa que promete render muitas festas com o espírito que ela consagrou: grooves eletrônicos fundidos ao batuque baiano. A folia de 2010 também marca um patamar sombrio na história da música carnavalesca da Bahia. É o primeiro desfile sem dois indivíduos que exerceram papéis fundamentais na evolução musical contemporânea da festa. Em 2009, morreram, ainda jovens, Neguinho do Samba, inventor do ritmo samba-reggae, e Ramiro Musotto, percussionista e produtor musical cujos arranjos inovadores misturavam o samba-reggae com efeitos eletrônicos. Ambos abriram caminhos criativos na música carnavalesca e, no início da carrera de Daniela, contribuíram para seu estouro na cena nacional. Ela, então, lhes presta uma justa homenagem no Carnaval de 2010. A cantora abre seu desfile com uma música dedicada ao tema da noite, “O Reggae e o Mar”, um samba-reggae arranjado por Ramiro em 1994 que virou um dos primeiros sucessos da carreira de Daniela. O nome da música, além de evocar a bela paisagem litoral do circuito carnavalesco, também sugere o “mar de gente” da folia: os 2,5 milhões de foliões que tornam o Carnaval da Bahia a maior festa popular do mundo. Mas o mar deste samba-reggae ainda tem outro significado, sinalizando o vínculo simbólico do ritmo com o Oceano Atlântico através do chamado “Atlântico Negro”, metáfora

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Matéria sobre a parceria de Mixmag com Daniela Mercury no carnaval de 2010 em Salvador (Bahia)

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O Reggae, o mar de gente e a rainha do axéDe fones grudados na orelha, Daniela Mercury comandou o bloco Crocodilo promovendo sua tradicional mistura de ritmos

T e x t o L i s a E a r l C a s t i l l o F o t o s C é l i a S a n t o s

www.MixMag.CoM.br18 abril/maio 2010

■ Salvador, 15 de fevereiro – É final de tarde no Porto da barra, uma das praias mais lindas do mundo. banhistas pulam as ondas e o cheiro de carne assada chega das grelhas de dezenas de churrasqueiros improvisados na rua de cima. Enquanto os últimos raios de sol se afogam no mar, a água e o céu vão de índigo até violeta e vermelho. É o fim do que seria apenas mais um dia de verão, não fosse a fila imensa de trios elétricos que se estende por quase um quilômetro, até o Farol da barra, ponto inicial do circuito mais movimentado do Carnaval da bahia. É o penúltimo dia da festa do momo e há milhares de pessoas na rua, algumas em roupa comum, outras fantasiadas como, por exemplo, os homens usando as botas e os turbantes brancos de os Filhos de Gandhi, um dos primeiros grupos a desfilar hoje.

Enquanto a cortina da noite se deita sobre a estreita península da barra, milhares de foliões do bloco Crocodilo se posicionam dentro da corda que separa os membros do bloco do pessoal da pipoca, os espectadores que também esperam a saída da rainha do axé music, Daniela mercury. Ela finalmente aparece em cima do trio, acompanhada

por seu grupo de dançarinos, sempre linda, vestindo um elegante conjunto verde-mar, estilo betty boop. Na cabeça, uma delicada coroa enfeitada com plantas coloridas e conchas marítimas alertava o público sobre o tema do desfile de hoje: o mar.

o Carnaval de 2010 marca o 60o aniversário do trio elétrico, hoje peça central do Carnaval da bahia. Também é o 15o ano do circuito da barra, no qual Daniela participa desde sua criação. No primeiro ano, ela instalou seu camarote, inaugurando o que se tornou um dos elementos mais populares – e mais lucrativos – da folia baiana. Em reconhecimento desse pioneirismo, nessa segunda-feira, o apresentador betinho do band Folia entrega a Daniela um prêmio em homenagem a sua atuação no desenvolvimento dessas iniciativas. Este também é o primeiro ano de parceria entre a diva e a mixmag - parceria essa que promete render muitas festas com o espírito que ela consagrou: grooves eletrônicos fundidos ao batuque baiano. a folia de 2010 também marca um patamar sombrio na história da música carnavalesca da bahia. É o primeiro desfile sem dois indivíduos que

exerceram papéis fundamentais na evolução musical contemporânea da festa. Em 2009, morreram, ainda jovens, Neguinho do Samba, inventor do ritmo samba-reggae, e ramiro musotto, percussionista e produtor musical cujos arranjos inovadores misturavam o samba-reggae com efeitos eletrônicos. ambos abriram caminhos criativos na música carnavalesca e, no início da carrera de Daniela, contribuíram para seu estouro na cena nacional. Ela, então, lhes presta uma justa homenagem no Carnaval de 2010.

a cantora abre seu desfile com uma música dedicada ao tema da noite, “o reggae e o mar”, um samba-reggae arranjado por ramiro em 1994 que virou um dos primeiros sucessos da carreira de Daniela. o nome da música, além de evocar a bela paisagem litoral do circuito carnavalesco, também sugere o “mar de gente” da folia: os 2,5 milhões de foliões que tornam o Carnaval da bahia a maior festa popular do mundo. mas o mar deste samba-reggae ainda tem outro significado, sinalizando o vínculo simbólico do ritmo com o oceano atlântico através do chamado “atlântico Negro”, metáfora

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para a consciência diaspórica dos afrodescendentes nas diferentes partes das américas e os intercâmbios dinâmicos entre eles. o samba-reggae, criado por Neguinho do Samba em meados dos 1980, é um dos mais destacados exemplos contemporâneos disso. até os 1990, sua mistura suingada de ritmos jamaicanos e afro-brasileiros formou a base percussiva para uma forma musical mais mainstream, o axé music, do qual Daniela foi uma das artistas mais destacadas.

a segunda música do desfile continua fazendo alusão ao período formativo da sua trajetória: “batuque”, um sucesso de 1992. o título é um termo historicamente pejorativo usado com desdém pela elite para se referir à música percussiva afro-brasileira. a música “batuque” relembra esse estigma no contexto do momento de transição do samba-reggae quando, apropriado pelo axé music, sobressaiu do âmbito dos blocos afros da bahia, conquistando assim um público maior: “meu reggae te balançou/Fazendo seu corpo vir dançar…Você pediu/o reggae que te conquistou.”

Essa relação de amor e ódio pela música negra da elite brasileira, um tema recorrente na história da música popular no brasil, é reconhecida por Daniela. Sua famosa autodescrição como “a branquinha mais neguinha da bahia” invoca a memória de Carmen miranda. a ascensão musical nos anos 1930 da cantora portuguesa foi fundamentada no seu vínculo simbiótico com o samba, até então uma forma musical dos negros marginalizados pela elite. o repertório musical de Carmen frequentemente comentava sobre a crescente fascinação dos brancos pelo samba e, da mesma forma, o repertório de Daniela mercury reconhece a importância da música negra, sobretudo dos blocos afros como ilê aiyê. Contudo, ao longo da trajetória da rainha do axé, a chave da sua criatividade é seu ecletismo – ou antropofagia – ao devorar as mais variadas fontes de inspiração. Não é por acaso que seu disco mais recente, apropriadamente intitulado “Canibália”, inclui arranjos eletrônicos de duas das gravações mais famosas de Carmen, entre elas, a música-hino de incentivo ao grande público a refletir sobre as contribuições afro-baianas ao imaginário cultural e musical do brasil: “o Que É Que a baiana Tem?”.

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