Daniel Bensaid (1946-2010)

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Firme até o fim na militância e também no marxismo, o filósofo e militante Daniel Bensaid (1946-2010), falecido a 12 de janeiro passado aos 63 anos, morreu na condição de dirigente principal da IV Internacional historicamente dirigida por Ernest Mandel. Militante das trincheiras estudantis de 68 na França, ex-membro da União dos Estudantes Comunistas (stalinista) de onde foi expulso em 1966, fundador da Juventude Comunista Revolucionária, fundiu- se em 1969 ao Partido Comunista Internacionalista liderado por Pierre Frank para fundar a Liga Comunista Revolucionária, LCR, antes chamada de Liga Comunista. Nesta condição, de dirigente da seccional francesa, tornou-se peça-chave do Secretariado Unificado (SU) da IV Internacional, sobretudo após a morte de Mandel. Professor de Filosofia na Universidade de Paris VIII, ajudou a construir as revistas Critique Communiste e ContreTemps e participou das edições do Fórum Social Mundial na capital gaúcha. Autor de vários livros como Marx o intempestivo e Os irredutíveis (ver resenha neste número de CaC), Bensaid é autor de enorme erudição marxista e com seus livros sempre é possível aprender sobre o marxismo, sobre Trotski, sobre a revolução do século XIX. Mas, por outro lado, pouco ou nada se pode aprender com ele sobre estratégia revolucionária. Este foi, invariavelmente, seu ponto fraco de assimilação do marxismo e do trotskismo. Na condição de um dos fundadores do grupo Democracia Socialista no Brasil e que se manteve como corrente interna do PT de Lula ele, embora relutante, não apenas não levou combate permanente contra a integração da sua corrente no governo Lula (onde um de seus dirigentes, Miguel Rosetto, tornou-se ministro), como também participou da gestão do município de Porto Alegre defendendo a via cega do orçamento participativo (que ele defendeu como o exemplo de novo paradigma). Apoiador do PSOL, o SU de Bensaid defende partidos amplos com programas essencialmente antineoliberais. Esta sua postura estratégica se manifestou na França na criação de outro partido amplo “anticapitalista”, o Nouveau Parti Anticapitaliste (NPA) que trata de não estabelecer qualquer delimitação, em termos estratégicos, entre reforma e revolução; na verdade procura localizar- se no espaço falido, mas de visibilidade eleitoral, da esquerda reformista tradicional; com este projeto, para ele estratégico, pretendendo que o stalinismo havia encerrado o ciclo aberto pela Revolução Russa e que era preciso “inovar” o marxismo por essa via. Seu partido, a LCR havia abandonado expressamente, há anos, a luta pela destruição violenta do Estado burguês e a defesa da sua substituição por um Estado dirigido pelos trabalhadores, soviético. Tanto Bensaid quanto seus seguidores e companheiros como Michael Lowy, também do SU, passaram a defender uma estratégia “alternativa”, às vezes chamada de democracia até o fim ou democracia radical, como eles chamam, na qual conviveriam lado a lado instituições burguesas como o parlamento com conselhos operários. Com base nessa política, dissolveram a LCR no NPA, na França, e assumiram sem meias palavras que, por essa via, estavam diluindo a referência ao trotskismo e à revolução proletária. Este novo posicionamento poderia ser classificado – do ponto de vista dos princípios - como uma guinada oportunista. Ainda como parte da sua debilidade estratégica, em outro momento da sua trajetória, e como responsável da sua corrente (SU) pela América Latina, defendeu a adaptação política à estratégia guerrilheira, chegando a reconhecer o guerrilheiro Santucho (e seu PRT-El combatiente) como seção da IV Internacional (do SU) na Argentina. Nessa medida, Bensaid não fugiu à regra de amplos setores do trotskismo do período de pós-Guerra de Yalta e também pós-Yalta que, impressionados pelo surgimento de movimentos de massas radicalizados mas sem direção comunista e renunciando a princípios e ao Programa de Transição de Trotski, se colocavam detrás de direções nacionalistas, guerrilheiristas, reformistas ou frentepopulistas, direções quaisquer, tudo isso em nome de Trotski e renunciando à estratégia soviética e abandonando ao combate às alianças com a burguesia e sua sombra. Daniel Bensaid merece todo nosso respeito pelas contribuições e aportes de cada uma de suas obras, por sua postura irredutível de combate à ordem capitalista, por muitos dos seus argumentos (contra o pós-modernismo e o “autonomismo” por exemplo), pela reivindicação do marxismo até a morte (ao contrário de boa parte de sua geração, que se adaptou de uma ou outra maneira, à ordem burguesa) mas desde que tenhamos a cautela de não absorver uma perspectiva estratégica – a dele, do SU, de Lowy - que só pode levar a novas derrotas para a classe trabalhadora. Gilson Dantas Daniel Bensaid (1946-2010) OBTUÁRIO

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  • 1. OBTURIO Daniel Bensaid(1946-2010)Firme at o fim na militncia e tambm no marxismo, preciso inovar o marxismo por essa via.o filsofo e militante Daniel Bensaid (1946-2010),Seu partido, a LCR j havia abandonadofalecido a 12 de janeiro passado aos 63 anos, morreuexpressamente, h anos, a luta pela destruio violentana condio de dirigente principal da IV Internacionaldo Estado burgus e a defesa da sua substituio por umhistoricamente dirigida por Ernest Mandel.Estado dirigido pelos trabalhadores, sovitico. TantoMilitante das trincheiras estudantis de 68 na Frana, Bensaid quanto seus seguidores e companheiros comoex-membro da Unio dos Estudantes ComunistasMichael Lowy, tambm do SU, passaram a defender uma(stalinista) de onde foi expulso em 1966, fundadorestratgia alternativa, s vezes chamada de democraciada Juventude Comunista Revolucionria, fundiu-at o fim ou democracia radical, como eles chamam,se em 1969 ao Partido Comunista Internacionalista na qual conviveriam lado a lado instituies burguesasliderado por Pierre Frank para fundar a Liga Comunistacomo o parlamento com conselhos operrios.Revolucionria, LCR, antes chamada de Liga Comunista. Com base nessa poltica, dissolveram a LCR noNesta condio, de dirigente da seccional francesa, NPA, na Frana, e assumiram sem meias palavras que, portornou-se pea-chave do Secretariado Unificado (SU) essa via, estavam diluindo a referncia ao trotskismo e da IV Internacional, sobretudo aps a morte de Mandel.revoluo proletria. Este novo posicionamento poderiaProfessor de Filosofia na Universidade de Paris VIII, ser classificado do ponto de vista dos princpios - comoajudou a construir as revistas Critique Communiste euma guinada oportunista.ContreTemps e participou das edies do Frum SocialAinda como parte da sua debilidade estratgica,Mundial na capital gacha.em outro momento da sua trajetria, e como responsvelAutor de vrios livros como Marx o intempestivo da sua corrente (SU) pela Amrica Latina, defendeu ae Os irredutveis (ver resenha neste nmero de CaC),adaptao poltica estratgia guerrilheira, chegandoBensaid autor de enorme erudio marxista e com seusa reconhecer o guerrilheiro Santucho (e seu PRT-Ellivros sempre possvel aprender sobre o marxismo, combatiente) como seo da IV Internacional (do SU)sobre Trotski, sobre a revoluo do sculo XIX. Mas,na Argentina.por outro lado, pouco ou nada se pode aprender com eleNessa medida, Bensaid no fugiu regra desobre estratgia revolucionria. Este foi, invariavelmente, amplos setores do trotskismo do perodo de ps-Guerraseu ponto fraco de assimilao do marxismo e do de Yalta e tambm ps-Yalta que, impressionados pelotrotskismo. Na condio de um dos fundadores do grupo surgimento de movimentos de massas radicalizados masDemocracia Socialista no Brasil e que se manteve como sem direo comunista e renunciando a princpios e aocorrente interna do PT de Lula ele, embora relutante, Programa de Transio de Trotski, se colocavam detrsno apenas no levou combate permanente contra ade direes nacionalistas, guerrilheiristas, reformistasintegrao da sua corrente no governo Lula (onde um ou frentepopulistas, direes quaisquer, tudo isso emde seus dirigentes, Miguel Rosetto, tornou-se ministro),nome de Trotski e renunciando estratgia sovitica ecomo tambm participou da gesto do municpio de Portoabandonando ao combate s alianas com a burguesia eAlegre defendendo a via cega do oramento participativo sua sombra.(que ele defendeu como o exemplo de novo paradigma).Daniel Bensaid merece todo nosso respeito pelasApoiador do PSOL, o SU de Bensaid defende partidoscontribuies e aportes de cada uma de suas obras, por suaamplos com programas essencialmente antineoliberais.postura irredutvel de combate ordem capitalista, porEsta sua postura estratgica se manifestou na Franamuitos dos seus argumentos (contra o ps-modernismona criao de outro partido amplo anticapitalista, oe o autonomismo por exemplo), pela reivindicaoNouveau Parti Anticapitaliste (NPA) que trata de nodo marxismo at a morte (ao contrrio de boa parte deestabelecer qualquer delimitao, em termos estratgicos, sua gerao, que se adaptou de uma ou outra maneira, entre reforma e revoluo; na verdade procura localizar-ordem burguesa) mas desde que tenhamos a cautela dese no espao falido, mas de visibilidade eleitoral, dano absorver uma perspectiva estratgica a dele, doesquerda reformista tradicional; com este projeto, para SU, de Lowy - que s pode levar a novas derrotas para aele estratgico, pretendendo que o stalinismo havia classe trabalhadora.encerrado o ciclo aberto pela Revoluo Russa e que era Gilson Dantas