Dança Para Alem Do Corpo Cego

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    DANA ALM DA VISO: POSSIBILIDADES DO CORPO CEGO

    Clotildes Maria de Jesus Oliveira Caz*Mestra em Dana pelo PPGDana da Escola de Dana da UFBA (2008), Especialista em Ginstica Rtmica pela UNOPAR(2003) e em Psicopedagogia pelo CEP/MEx/UFRJ (1998). Graduada em Educao Fsica pela UCSal (1982).

    Adriana da Silva Oliveira**Graduada em Fisioterapia pela Escola Bahiana de Medicina e Sade Pblica (2004) e mestranda em Dana pelo PPGDana daEscola de Dana da UFBA (2008).

    ResumoO artigo suscita reflexes sobre as possibilidades do corpo cego e a interao com a dana na construo da autono-mia. Autores como Fleming, Frazo e Lusseyran apontam questes sobre a rede tecida pelos sentidos na formaode imagens sensrio-motoras pelo deficiente visual. Damsio contribui para o entendimento de emoo e razo.Llins explica a construo do movimento baseado na Neurocincia. Katz traz a Teoria do Corpomdia para pensar adana como cognio. Nas consideraes finais, observamos a dana como parte do conhecimento humano e espaoque possibilita o entrelaamento de saberes, haja vista o ser humano se construir em rede pelo imbricamento entrecorpo, ambiente e cultura.Palavras-chave: deficincia visual movimento corpo dana autonomia

    Alm desse ver eu preciso enxergar, mas paraenxergar eu preciso do olhar dos meus olhos?[...] Se elaboro bem as minhas sensaes eemoes corporais, no preciso s dos meusolhos, mas do meu corpo para olhar, ver eenxergar. (SANTOS, 1996, p. 78).

    Introduo

    Habitamos em um mundo predomi-nantemente visual. Imagine a impor-tncia da viso para o ser vivo que necessitaperceber o mundo a fim de interagir com elee poder se mover. Como se deslocar em se-gurana por este lugar estranho, inspito,perigoso, sendo este ser desprovido da prin-cipal fonte de percepo humana: a viso? Sercego ter a percepo de um mundo borra-do, sem contornos ntidos, sem definies. no poder contar com o recurso da viso paraconhecer o mundo no qual se vive. Os olhosso to importantes para os seres humanos

    que ao se referir a algo que tem a nossa aten-o e cuidado, costuma-se dizer que a nossamenina dos olhos.

    E por que existem seres humanos cegos?Alguns com cegueira total e outros com ce-gueira parcial. Qual o motivo desta diferena?Onde encontrar as explicaes para estes fa-tos? Estas pessoas no so boas o suficiente ereceberam um castigo divino? Ou um serestranho que vem de fora e arranca os olhose a capacidade de viso dessas pessoas comono conto O estranho relatado por Freud

    (1976, p. 289), no qual O Homem de Areia um ser perverso que chega quando as crianasno vo para a cama e joga punhados de areianos olhos delas, de modo que estes saltamsangrando da cabea.

    Que ser estranho este que tem a possi-bilidade de provocar deficincias, de interfe-rir nas aes dos seres humanos, tornando-os refns das circunstncias? possvel, poranalogia, compreender este ser estranho, o

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    Homem de Areia que arranca os olhos dascrianas, como os acidentes e as enfermidades

    tipo diabetes que podem ocorrer e provocarcegueira, interferindo na qualidade de vidadesses indivduos.

    Existem dois tipos de cegueira: congni-ta e adquirida. O primeiro tipo se refere spessoas que j nascem sem o recurso da vi-so; elas no possuem imagens pr-formadas,inclusive a imagem corporal de si mesmo. Osegundo tipo se refere s pessoas que perde-ram a viso em algum momento da vida porcausas diversas; possuem imagens mentais

    anterior deficincia. Alm disso, a cegueirapode ser total ou parcial; na cegueira parcial, oindivduo apresenta viso subnormal.

    Provavelmente, de todas as deficinciasque afetam os seres humanos, a que mais privao indivduo do contato com o mundo exter-no a deficincia visual, visto que o olho omaior captador de imagens sensrio-motoras.Os olhos roubados impossibilitam que essesindivduos possam perceber e compreender omundo no qual esto inseridos. Eles neces-sitam de artefatos que ampliem as suas pos-sibilidades de entender o mundo. Mas, estadeficincia no algo que veio de fora, de ummundo fantstico, etreo, como no conto deFreud (1976, p. 288), um mundo povoado deespritos, demnios e fantasmas.

    Essa deficincia pode estar na formaodo ser, nas explicaes biolgicas, nas doen-as adquiridas ou nos acidentes que podemacontecer ao longo da vida; da Freud (1976,p. 289) afirmar que o medo de ferir ou per-der os olhos um dos mais terrveis temo-

    res das crianas. Muitos adultos conservamuma apreenso nesse aspecto e nenhum outrodano fsico mais temido por esses adultos doque um ferimento nos olhos. Freud (1976)assegura que a ansiedade quanto aos prpriosolhos e o medo de ficar cego se relacionam aotemor de ser castrado.

    O corpo cego, assim como qualquer outrocorpo, possui uma histria pessoal. Ele cons-titudo de movimento, pensamento, emoo,

    razo, sentimentos e sonhos, muitos sonhos.As vias de acesso a estas informaes que

    so outras, pois eles no utilizam a viso. Da-msio (1996) afirma que sentimentos e emo-es so percepes diretas de nossos estadoscorporais e constituem um elo essencial entreo corpo e a conscincia, estando relacionadascom o processo de tomada de deciso.

    O movimento a nossa primeira formade linguagem: uma linguagem no verbal es-truturada no corpo. Partindo desta idia, ocorpo a condio primeira para que ocorrao pensamento a partir da articulao entre a

    coerncia e a coeso das aes sensrio-mo-toras.O corpo testa hipteses de movimentos

    e seleciona os mais eficientes. Pelo processode memria e repetio promove a aprendiza-gem desses movimentos em uma negociaocom o ambiente, organizando a informaoem tempo real. Ocorre um mapeamento tem-poral, a informao que chega ao crebro sereconfigura a todo o momento pelo acesso snovas informaes, facilitando a configuraorpida de imagens. A imagem sensrio-mo-tora, segundo Llins (2002), necessita de umapr-alimentao e uma retro-alimentao dainformao.

    A limitao do indivduo cego est rela-cionada percepo visual; entretanto suasoutras fontes de percepo esto intactas epossibilitam a aprendizagem. Aqui a regravlida que cada indivduo tenha a possi-bilidade de explorar o ambiente, buscandonovas formas de interao, ampliando suascapacidades multissensoriais para uma apren-

    dizagem significativa, reorganizando os co-nhecimentos pela interao dos sentidos nocomprometidos.

    O desenvolvimento da competncia sen-srio-motora ocorre ao longo da vida, nose restringe apenas ao perodo da infncia(LAKOFF; JOHNSON, 1999; LLINS,2002). Este fato refora a importncia da pr-tica da dana mesmo na vida adulta. Para osindivduos cegos, esta prtica torna-se ainda

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    mais relevante pelas interaes espao/tem-porais e corporais com os processos mentais.

    Os processos de assimilao, organizao,reorganizao e acomodao das experin-cias vividas pelos indivduos cegos ocorremde forma mais lenta do que nos indivduosnormovisuais,1entretanto, eles acontecem.

    Frazo (1968) afirma que a audio e otato possuem grande importncia nas elabo-raes mentais do indivduo cego. Tambm oaparato proprioceptivo requisitado para ocontrole postural e a manuteno do equil-brio. Sobre esta questo, necessrio compre-

    ender que:Postural stability is essential in the everydayactivities involved in leading an independentlifestyle. [] The ability to modulate postureand voluntary movement serves to enhance theacquisition of environmental information, notonly from visual mechanisms but also from soma-tosensory and vestibular mechanisms2(WADE;

    JONES, 1997, p. 620-621).

    A dana apresenta esta possibilidade, poisalm de trabalhar aspectos que envolvem a

    construo do pensamento, a criatividade e asidias de tempo-espao, melhora a manuten-o do equilbrio e da postura corporal. ne-cessrio entender que as capacidades e habili-dades do indivduo cego no esto limitadas;a organizao perceptiva que se processa demaneira diferente devido ausncia da viso.

    Praticar dana permite ao indivduo cegoconstruir suas prprias idias de tempo /es-pao, de manuteno do equilbrio pela re-organizao postural, a partir da utilizao

    dos outros sentidos, do aparato vestibular eda propriocepo. O indivduo estabelece seu

    1 Normovisuais: pessoas com viso dentro do padro de nor-malidade.

    2 Traduo das Autoras: Estabilidade postural essencial nasatividades dirias envolvidas em guiar um estilo de vida in-dependente. [] A habilidade para modular a postura e osmovimentos voluntrios serve para intensificar a aquisioda informao ambiental, no somente a partir de mecanis-mos visuais, mas tambm a partir dos mecanismos soma-tossensrios e vestibular.

    ritmo prprio de aprendizagem atravs da ex-perimentao, do contato corporal, do toque,

    da explorao do espao e dos sons. Os conhe-cimentos produzidos nestas experimentaesso levados para as atividades da vida diria.

    A dana, para o deficiente visual, possi-bilita a superao de limites impostos pelacegueira, ampliando as possibilidades moto-ras com a execuo de movimentos conscien-tes. Ela promove a melhoria do equilbrio eda locomoo; da socializao, da realizaopessoal e propicia uma vida ativa; alm dis-so, a dana aumenta a compreenso da no-

    o espao/temporal e a noo de conscinciacorporal pela concretizao da imagem de simesmo, podendo ser um espao de descober-tas e consolidao de novos padres motoresque possibilitam novas aprendizagens e aaquisio da autonomia.

    A aquisio do movimento em dana peloindivduo cego depende das condies ofe-recidas pelo meio e pelo grau de apropriaoque o corpo fizer destas aes pela percepo,estabelecendo relaes entre as sensaes e osmovimentos elaborados. Isso possibilita ao in-divduo prever mentalmente atos motores cadavez mais complexos, sendo o corpo co-partici-pativo na construo desse conhecimento.

    Piaget (1964) defende a idia de que oconhecimento fruto de construes suces-sivas com elaboraes constantes de novas es-truturas. Este pensamento nos remete a Katz(2005) quando a autora afirma que a cada vezque realiza um mesmo movimento, o mapaneuronal j no o mesmo, pois este acon-tece no tempo/espao do acontecimento real.

    Sendo assim, quando o indivduo se deparacom novas situaes, seja ele cego ou no,utiliza esquemas de aes sensrio-motorasdisponveis para a percepo, construo eassimilao do movimento no momento emque o mesmo acontece.

    Lakoff e Johnson (1999) ratificam estepensamento quando afirmam que todas as in-formaes que chegam ao corpo via perceposo sensrio-motoras. Ocorre uma formao

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    de redes neuronais, um criterioso trabalho deseleo de informao em rede pela capacida-

    de de neuroplasticidade3do crebro.O indivduo no armazena as informaes,seja em um corpo cego ou no; elas so refei-tas a cada momento sempre que necessrias,apoiando-se no real, nas conexes entre o mun-do externo e o aparato cerebral. Desse modo aaprendizagem construda no fazer concreto,na manipulao, na locomoo, representandointernamente a realidade (LLINS, 2002).

    O indivduo cego no tem a possibilidadede receber as informaes do mundo externo

    atravs da viso. De que forma ento pode serpercebida a informao dana pelo deficientevisual? Este corpo cego percebe a dana damesma forma que os indivduos normovisuaispercebem?

    Nesta perspectiva, a motivao um fa-tor intrnseco relevante no processo ensino-aprendizagem da dana, pois mobiliza e im-pulsiona o indivduo, predispondo-o a agirpara alcanar os seus objetivos e a buscar solu-es para resolver os problemas. A motivaoaliada curiosidade so as molas propulsorasna descoberta das possibilidades do corpo.Utilizando a percepo e a reflexo, ocorre aassimilao dos movimentos da dana pela re-presentao construda mentalmente, permi-tindo ao cego, como lembra Lusseyran (1995,p. 44), mergulhar numa vida que to real edifcil quanto s outras vidas, mas que vale apena ser vivida.

    De acordo com Fleming (1978, p. 109): acriana cega ter dificuldade com tarefas cog-nitivas e perceptivas caso no obtenha uma

    vasta gama de experincias e oportunidadesde explorar seu ambiente. A dana possibilitaesta explorao e o aumento deste repertriode experincias e oportunidades pela utiliza-o do sistema somatossensorial, aguando ossentidos ttil, auditivo e cinestsico.

    3 Neuroplasticidadedo crebro: capacidade de adaptabilidadea novas situaes.

    Quanto maior for o tempo de exploraodo movimento individual ou na relao com o

    outro, maior ser a compreenso e a assimilaodeste movimento, facilitando o entendimentodo tempo/espao, das noes de lateralidade,da aquisio do equilbrio e do controle pos-tural, alm da melhoria da mobilidade. Refinatambm a idia de corpo nas inter-relaescom os outros e com o ambiente.

    Golomer et al. (1999) e Vuillerme et al.(2001a apud NAGY et al., 2004) afirmamque: It has been observed that professionaldancers and gymnasts are significantly more

    stable and less dependent our visual for posturalcontrol that untrained subjects4. Se este fato observado nos indivduos normovisuais quepraticam dana, apresentando resultados sig-nificativos; por analogia, possvel compre-ender que para o indivduo cego a prtica dadana possibilita esta estabilidade no controlepostural, melhorando a sua mobilidade e con-seqente autonomia.

    Nowill (1996) garante que o maior desejodo indivduo cego poder participar da vidaem sociedade. Para que isto ocorra neces-srio promover aes que possibilitem a suaautonomia. Ele necessita pegar, manipular esentir, a fim de perceber a realidade concreta.Para facilitar este processo necessria a inte-rao dos sentidos, facilitando a percepo econseqente aprendizagem.

    Muitas so as tentativas de melhorar aqualidade de vida das pessoas portadoras dedeficincias. Estas aes permitem a parti-cipao destes corpos na sociedade, possibi-litando uma interao entre os sujeitos e se

    no for possvel a superao, pode auxiliarna convivncia com a deficincia, buscandopromover a autonomia desses indivduos. Osdeficientes no necessitam da compaixo dosno-deficientes; eles necessitam de espao na

    4 Traduo das Autoras: Tem sido observado que danarinosprofissionais e ginastas so significativamente mais estveise menos dependentes da viso para o controle postural quesujeitos no treinados.

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    sociedade da qual fazem parte. No se trataaqui de assistencialismo e sim de oportuni-

    dades para que eles exeram o seu papel decidado. Este fato inclui a possibilidade departicipar de atividades que, a princpio, pa-recem imprprias para o deficiente. A dana um exemplo.

    A compreenso deste fato permite queesses indivduos sejam inseridos no campo ar-tstico, cultural, educacional, poltico e socialpelo acesso prtica destas atividades indivi-dualmente ou em grupos. Entretanto, muitasso as dificuldades encontradas por estes cor-

    pos deficientes: profissionais despreparados,espaos inadequados e falta de oportunidadeso alguns exemplos. No caso do deficientevisual, as dificuldades aumentam sobrema-neira pela impossibilidade de utilizarem a ca-pacidade antecipatria do crebro de preversituaes e saber solucion-las adequadamen-te. Isto se d pela ausncia da viso que aresponsvel pela pralimentao das respos-tas motoras (LLINS, 2002).

    Bobath (1978) ratifica esta idia ao afirmarque o sentido da viso d acesso s informaesdo mundo externo, sendo o principal sentidoutilizado na formao de imagens sensrio-motoras. A partir destes dados indagamos: possvel o corpo cego se apropriar da informa-o dana? Como este fato se processa?

    Danar sem olhos

    Sabemos que a aquisio e construo dosmovimentos acontecem a partir da perceposensorial, sendo o sistema visual o principal

    responsvel por este fato. Que recursos os de-ficientes visuais utilizam para elaborar os mo-vimentos e transform-los em dana sem tero referencial do mundo externo? Como estaexperincia se d sem a presena de movi-mentos visualizados para serem entendidos?

    Para entender esta experincia preci-so pensar a dana no momento em que elaacontece, pois Llins (2002) assegura que opensamento a interiorizao evolutiva do

    movimento. Para Katz (2005), a dana umaforma de pensamento. Sendo a dana movi-

    mento, estas idias se complementam.A dana nasce quando no corpo se desenhaum determinado tipo de circuitao neuronial/muscular. Este mapa, exclusivamente ele, temo carter de um pensamento. Quando ele se da ver no corpo, o corpo dana. Esse momentoparece inaugural. No entanto, o apresentar-seda dana no corpo j representa o fim de um ca-minho. Quando l se instala, a dana inaugurauma outra cadeia de circuitao para o corpo.Os acionamentos que impelem esse trnsitotm o mesmo carter daquele que ocorre nocrebro humano (KATZ, 2005, p. 52).

    Para compreender a dana, os indivdu-os cegos necessitam vivenciar experinciascorporais que possibilitem o contato com omundo e com os outros. Llins (2002) afirmaque mirar uma forma sutil de tocar; obser-vando esta idia possvel pensar que na au-sncia da viso tocar uma forma diferentede ver; isto , utilizar a audio para sentiro ritmo e o tato para perceber o movimentoe a relao com o corpo.

    Os seres humanos so modulados pelossentidos para se relacionar com o mundo asua volta. A viso a principal via de recepodas imagens que possibilitam a nossa com-preenso de mundo; os deficientes visuais nopossuem esta via. Para compreender o que um mundo sem imagens, podemos fechar osolhos e imaginar, tentar nos locomover emum espao desconhecido sem o uso de artefa-tos que ampliem a nossa possibilidade de vi-so. Ainda assim somos privilegiados, pois j

    conhecemos o mundo externo e temos a idiadestes fatos que podem ser recuperados pelaevocao das memrias j experenciadas.

    A bengala de Hoover5 um artefato queexpande a viso do deficiente visual, aumen-

    5 O Primeiro Tenente Oftalmologista Richard Hoover, apsa segunda Guerra Mundial, se props a estudar e tratar oproblema da cegueira e o mecanismo da marcha e criou ummtodo revolucionrio de locomoo, usando um instru-mento que lembrava um basto, mas com funo, material

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    tando a distncia entre este e os objetos queo cercam, proporcionando-lhe uma maior

    autonomia. Merleau-Ponty (1994, p. 198)explica que a bengala para o cego no umsimples objeto, sua extremidade uma zonasensvel que aumenta a amplitude e o raio deao de tocar, semelhante a um olhar. Ela um instrumento de orientao e promove aautonomia do indivduo cego, funcionandocomo uma extenso do prprio corpo. Estaidia nos reporta a pensamentos j cultivadosno Renascimento:

    [...] v tudo em relao e procura(r) correspon-dncia entre corpo, natureza e instrumentos.So metforas que se enviam reciprocamentepelos parmetros comuns percebidos nessastrs instncias. Por isso, seu mecanicismo metafrico e procura sempre associar mqui-nas a modelos, figuras, organismos e necessida-des prticas humanas. Ele v os instrumentoscomo extenso das capacidades do organismohumano de pr-se em relao com o mundo eutiliz-lo (BRANDO, 2004, p. 278).

    Ainda Brando (2004, p. 279) lembraque para Alberti, a mquina produto dahistria humana e metfora que multiplica aspossibilidades de todo nosso ser. [...] Alber-ti humaniza a mquina e a coloca em funodos fins humanos.

    A dana para o deficiente visual deve seruma experincia na qual ocorra uma interaoe um compartilhamento de informaes em n-vel de pele pelo toque, pelo sentir das caracte-rsticas de outros corpos. possvel afirmar queso corpos que se comunicam. Hellen Keller,cega e surda desde beb, refora a necessidade

    do toque das mos para o desenvolvimento dapercepo de mundo do indivduo cego:

    No posso desfrutar da beleza do movimentortmico seno numa esfera restrita ao toque deminhas mos. S posso imaginar vagamente a

    e comprimento diferentes. Este instrumento recebeu onome de Bengala de Hoover.

    Disponvel em: . Acesso em: 15 dez. 2006.

    graa de uma bailarina, como Pavlova, emboraconhea algo do prazer do ritmo, pois muitas

    vezes sinto o compasso da msica vibrandoatravs do piso. Imagino que o movimento ca-denciado seja um dos espetculos mais agra-dveis do mundo. (HELLEN KELLER6).

    Possibilitar aos deficientes visuais o con-tato com a dana uma forma de ajud-losa sentir, perceber, conhecer e aprender. Almdisso, vivenciando a dana, esses indivduostm a possibilidade de utilizar suas capacida-des, descobrir suas habilidades e explorar suaspotencialidades, aumentando a sua autono-

    mia.Danar movimentar-se. No caso do in-divduo cego ver com o corpo o que osolhos no podem enxergar; ultrapassar li-mites impostos pela deficincia visual. aprender a partir da experincia em temporeal, sendo a imagem sensrio-motora umarealidade produzida pela interao das per-cepes no aparato cerebral. A formao daimagem corporal no indivduo cego dependede informaes tteis, auditivas e cinestsicasj que as experincias visuais so limitadas,dificultando-lhe a percepo do mundo.

    A imagem corporal e a relao desta como espao circundante elaborada pelo corpocego, possivelmente, apresentam fronteirasborradas por o indivduo no ter a percepovisual dos objetos e do seu prprio corpo. Ocontato com o outro nas aulas de dana facilitaeste processo, uma vez que o leva a percebero movimento que o outro realiza, permitindoreconhecer o movimento do prprio corpo eexpor idias corporalmente, se apropriando

    de parmetros sensrio-motores relacionados marcha, ao equilbrio, fora, flexibilidadee ao tnus muscular.

    6 Trs dias para ver Ensaio escrito por Hellen Keller e pu-blicado na revista Selees Readers Digesth 70 anos. Ree-ditado em Selees Readers Digestem junho de 2002.

    Disponvel em: . Acesso em: 15nov. 2006.

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    O deficiente visual constri o seu uni-verso a partir do toque e os seus movimentos

    em dana sero construdos a partir do seurepertrio de experincias. Poder movimen-tar-se sem o auxlio de outras pessoas , parao deficiente visual, sinnimo de autonomiaconquistada passo-a-passo em um processocontnuo de novas adaptaes, promovendonovas aprendizagens. Desta forma, danarno deve ser um ato mecnico destitudo designificado para o corpo que dana. As ati-vidades de dana para os deficientes visuaisdevem ser criativas, ldicas, com movimentos

    que promovam a autonomia deste corpo.A dana pode ser construda a partir dosmovimentos cotidianos, das atividades da vidadiria e da locomoo, promovendo autono-mia. Com isso h um ganho na qualidade devida, possibilitando a insero scio-culturaldo indivduo cego na comunidade como umcidado ativo e capaz. Desse modo, a danano deve estar presa a valores e modelos pre-estabelecidos e deve permitir que o indivduodescubra nos movimentos o seu fazer comestilo e carter prprio; fato que o individu-aliza. Alm disso, ela deve ser desenvolvidajuntamente com os indivduos normovisuaispromovendo assim a interao, pois, o movi-mento em dana tambm coletivo.

    Nesse sentido, a dana pode surgir a partirdo jogo, da brincadeira, da atividade dirigida,da explorao de movimentos atravs do to-que, da relao corpo-a-corpo, unindo emooe razo. O indivduo cego tem a possibilidadede explorar a sua criatividade e descobrir a suapotencialidade criadora, pois, como corrobora

    Llins (2002; p. 198), [...] a criatividade docrebro humano, os processos neurais ineren-tes quilo que chamamos de criatividade nadatem a ver com a racionalidade. [...]. A criati-vidade no nasce da razo.

    A dana, para o corpo cego, deve ser pen-sada como movimento, corpo em ao, e nocomo terapia; pois a habilidade motora, umavez adquirida, se consolida e isto leva a auto-nomia, diminuindo a ao dos fatores limi-

    tantes impostos externamente ao corpo cego.Se a dana o pensamento do corpo, como

    afirma Katz (2005), cabe-nos perguntar: Qual a importncia da dana na construoda autonomia do indivduo cego? De queforma atua no desenvolvimento da percepocorporal deste corpo? Qual o significado dadana para estes corpos?

    A dana para o deficiente visual pode sig-nificar a intermediao entre o seu corpo, ocorpo do outro e o ambiente, permitindo-lheganhos na qualidade de vida como a melho-ria da auto-estima, o equilbrio, a manuten-

    o postural e, principalmente, a autonomia.Neste processo, a dana deve ser valorizadaporque atravs dela o indivduo percebe omovimento em relao ao seu corpo e o corpodo outro; o seu espao e o espao do outro, etambm a interao entre estes.

    Acreditamos que a dana neste corpoprivado de viso possibilita novas relaesdo sujeito que dana com o seu Umwelt7 eo ambiente. Santaella (2003, p. 184) lembraque no vemos o mundo l fora como algoseparado de ns, mas vemos apenas aquiloque nossa organizao sistmica nos permitever. Partindo desta idia possvel afirmarque o indivduo cego ver aquilo que a uniodos outros sentidos permite captar do mundoexterno.

    Assim como Alberti, citado por Brando(2004) tambm Santaella (2003) refora aidia de ampliao das possibilidades do cor-po pela presena de artefatos e da unio deeventos que constituem a nossa humanidade:

    Em um mesmo corpo, renem-se o mecnicoe o orgnico, a cultura e a natureza, o simula-cro e o original, a fico cientfica e a realidadesocial. A declarao de Haraway de que somostodos ciborgsdeve ser tomada em sentido li-teral e metafrico. No sentido literal, porqueas tecnologias biolgicas e teleinformticas

    7 Umwelt: Universo particular ou privado, proposto porUexkull (1992) apud Vieira (2006). Percepo de um Uni-verso que no real, mas o que permitido pela complexi-dade, produzido na interao com a realidade.

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    esto, de fato, redesenhando nossos corpos.Metaforicamente, porque estamos passandode uma sociedade industrial orgnica para umsistema de informao polimorfo (SANTA-ELLA, 2003, p. 186).

    O corpo do mundo contemporneo temsido redesenhado por tecnologias cada vezmais sofisticadas, tecendo uma rede comple-xa entre os eventos que constituem a nossahumanidade. Desta forma, corpos cegos quedanam tambm tm suas habilidades e com-petncias redesenhadas pela possibilidade deutilizao dessas novas tecnologias.

    Nesta perspectiva, este corpo est sem-pre em um estado transitrio de imagens ememrias experenciadas que se constituemno trnsito de informaes entre corpo eambiente, natureza e cultura. um corpoativo na ao cognitiva que est imbricadoem um contexto cultural, social, imaginati-vo, desejante, passional e metafrico comoesclarecem Lakoff e Johnson (1999). Destaforma, observando o pensamento de Freire(1996), os corpos cegos que danam estabe-

    lecem no ato de aprender/fazer dana umato poltico, criativo e transformador, pois seinscrevem em um ser/fazer/estar contnuo,incompleto, inacabado e metafrico; repre-sentativo da prpria experincia humana emum dilogo presentificado na complexidadedo existir.

    Consideraes finais

    Este trabalho deseja suscitar reflexes so-bre as possibilidades do corpo cego e a suainterao com a dana em uma proposta deconstruo da autonomia, lembrando ser estesujeito constitudo de sentimentos, sonhos,desejos, emoo e razo. Um sujeito biol-gico, cultural, histrico, social e poltico quepossui a sua individualidade e tambm umsujeito coletivo, construdo em uma rede quedeve possibilitar a sua insero como cidado;um ser capaz, livre de discriminao na socie-dade a qual pertence.

    Entender o espao prprio da dananeste processo como uma busca pessoal de

    construo do movimento em tempo real,pois o conhecimento no acontece apenaspelo uso da razo e sim pela interao coma emoo, possibilita compreender a impor-tncia da dana na aquisio/construo domovimento no/pelo corpo cego. A danacomo atividade possvel de ser realizada pelocorpo cego deve se preocupar com o estu-do do corpo e suas aes, compreendendo ocorpo em sua relao com o ambiente; istoacontece no fazer.

    Nesta perspectiva, preocupar-se com oestudo do corpo significa compreender o cor-po que se move em um determinado espao,a interao com o corpo do outro na constru-o da idia de tempo/espao, a relao como ambiente na busca da autonomia do corpocego, mas com possibilidades de descobertas.

    Neste sentido, praticar dana relevantee depende da integrao dos sentidos, poten-cializando assim as capacidades e habilidadescorporais. A descoberta e a explorao domovimento esto imbricadas e so co-depen-dentes, sendo parte da necessidade humanade sobrevivncia do indivduo e tambm dapermanncia da espcie na terra. Para o corpocego, esta necessidade se faz maior.

    Assim, este conhecimento em dana seconstri cotidianamente com base nas expe-rincias individuais e na interao do sujeitocom o outro e com o mundo, respeitandoas limitaes prprias. Quanto maior foro repertrio de experincias do indivduo,maiores sero as suas chances de aprendi-

    zagem. Esta uma relao de grandeza di-retamente proporcional e a dana propiciaeste espao de aprendizagem e construode autonomia.

    Pensar a dana como rea de conhecimen-to que possibilita a utilizao da criatividade,a aquisio e a produo de conhecimentosvinculados atividade concreta, ao desenvol-vimento de capacidades e de habilidades omaior desafio deste trabalho com corpos cegos.

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    tambm a abertura de um espao de atua-o para profissionais comprometidos com as

    questes pblicas que envolvem estes corpos.Nesta perspectiva, necessrio perce-ber a importncia da dana como atividadecompartilhada que proporciona percepo domundo, do outro e de si mesmo ao indivduocego. Este pode utilizar o contato fsico, ofluir do movimento independente de estmu-los externos, para compreender as mensagensenviadas pelo prprio corpo para a construodo movimento consciente a partir de toma-das de deciso que lhe permite a escolha de

    respostas, possibilitando um refinamento dosesquemas sensrio-motores.O mundo do indivduo cego no precisa

    ser restrito e sem possibilidades; mesmo ten-do limitao sensorial, so pessoas com capa-cidades e limitaes como as outras e podemusufruir da dana uma ao corporal queocorre em tempo real possvel a qualquer serhumano. No podemos esquecer que o defi-ciente visual um ser humano constitudo decorpo, histria, emoo, razo, sentimento,

    pensamento e sonhos; como tal tem o direitode usufruir dos conhecimentos humanos. Adana uma dessas formas de conhecimento.

    Dance beyond vison: possibilities of the blind body

    AbstractThis article reflects on the possibilities of the blindbody and its interaction with dance for the building ofautonomy. Authors such as Fleming, Frazao and Lus-seyran raise issues about the network built by the sensesin the forming of sensory-motor images by the visually

    impaired. Damasio contributes to the understanding ofemotion and reason. Llins explains the construction ofmovement based on neuroscience. Katzs contributionof body-media theory helps with thinking of danceas cognition. In our final considerations, we see dan-ce as a part of human knowledge and human and asa field which makes it possible for the intertwining ofdifferent kinds of knowledge, considering that humanbeings build themselves connecting their bodies to theenvironment and culture.Keywords: visual impairment movement body dance autonomy

    Danza ms all de la visin: possibilidades delcuerpo ciego

    ResumenEl artculo suscita reflexiones sobre las posibilidades delcuerpo ciego y la interaccin con la danza en la construccinde la autonoma. Autores como Fleming, Frazo yLusseyran apuntan a cuestiones sobre la red tejida por lossentidos en la formacin de imgenes sensoriomotoraspor el discapacitado visual. Damsio contribuye parael entendimiento de emocin y razn; Llins explica laconstruccin del movimiento basado en la Neurociencia;Katz trae la teora del Cuerpomedia para pensar la danzacomo cognicin. Las consideraciones finales apuntan a ladanza como parte del conocimiento humano siendo unespacio que posibilita la interaccin de saberes teniendo

    en cuenta que el ser humano se construye en red por elimbricamiento entre cuerpo, ambiente y cultura.Palabras-clave: discapacidad visual movimiento cuerpo danza autonoma

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    Recebido em: 30/03/2008Revisado em: 28/04/2008Aprovado em: 07/05/2008

    Endereo para correspondncia

    [email protected]@hotmail.com