DACA - Diretório Acadêmico Christiano Altenfelder ... · saúde não é teoria da conspiração,...

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Marília, Outubro 2016 | ano 01 |n.º 1 pela proposta de dividir o orçamento entre o hospital e a Academia. Era o plano perfeito para fisgar um pouquinho da verba da Secretaria da Saúde e melhorar a qualidade do HC que, há anos, passa por dificuldades. Repare, então, que a decisão não foi por má fé, mas por pura manipulação e dominação ideológica. Esta, como toda dominação, depende da crença – quase delirante – da inexorabilidade da manutenção de determinada relação social. É isso que devemos combater. O plano foi por água abaixo, como previsto. O governo do Estado não estava disposto a dar mais um pedaço de seu orçamento para seus operadores na faculdade e decidiu colocar ele próprio um interventor na Famema. A direção resistiu bravemente, mas cedeu após pressão do estado, que demonstrou disposição em trazer à tona a “corrupção necessária” que ocorre dentro dos muros do HC. A terceirização de serviços para membros do corpo docente por falta de verba para abrir o serviço, por exemplo, é prática recorrente nos hospitais escola pelo Brasil. Sem sua base de apoio, amedrontada pelas denúncias, a direção cedeu o controle para um Superintendente que já demonstrou sua truculência e despreparo em uma das poucas aparições públicas, a pedido do DACA (leia mais na matéria “DACA promove sabatina com Professor Gustavo Arruda”). Nesse espaço, além de se declarar “braço do governo do Estado”, o administrador fez alusão a plano de demissões e terceirização de áreas “com muitas faltas” nome que deu a áreas tradicionalmente mais propensas a acidentes de trabalho, principalmente quando em situação de crônica carência de verbas. Autarquias que desvinculam os hospitais universitários das instituições de educação estão em voga nos últimos anos, tanto na esfera federal quanto no estado de São Paulo. É difícil traçar a origem do mito de que essa seria a saída ideal para o SUS, mas podemos ter certeza (após anos de investigação nos hospitais pioneiros no esquema) de que se trata apenas de mais uma forma de precarizar a já tão combalida saúde pública brasileira. A argumentação soa como música para os ouvidos da afetada classe média. Explorada por altos impostos que não vê retornarem em serviços de qualidade, as frações médias tendem a ojerizar a intervenção estatal na economia. Fica fácil, assim, convencer os administradores e mesmo os professores das universidades de que a desvinculação é boa – principalmente por (e não apesar de) possibilitar a privatização do serviço. Nesse sentido, dizer que o objetivo do estado é privatizar nosso sistema de saúde não é teoria da conspiração, é discurso claro e com público alvo certo. O discurso ideológico, porém, não encontra eco na realidade. Podemos achar hoje na literatura, inúmeros trabalhos que sugerem melhor eficácia na utilização de recursos na administração pública. Isso deixa uma mensagem clara: a corrupção no estado é fichinha perto daquela que acontece nas empresas privadas, longe das (desmoralizadas, é verdade) instituições de controle e transparência da “coisa pública”, ainda que essa corrupção assuma contornos legais (mesmo que imorais), como a priorização da distribuição de lucro para os acionistas. Nesse espírito encontramos a Famema. Aqui, a direção se vendeu AUTARQUIA HC FAMEMA o mito da solução Página - 02 A primeira edição do Fratura Exposta do ano de 2016, após um longo período sem novas publicações, surge como fruto de um trabalho intenso da gestão do Diretório Acadêmico, em 2015, que se debruçou sobre as questões relativas à iminente autarquização do Hospital das Clínicas, e à criação de um Organização Social de Saúde para gerir o complexo Famema, levantando as mais diversas críticas a esse modelo de gestão, além de apontar para uma prevista precarização da saúde, com prejuízo não só aos discentes, como também aos trabalhadores do complexo e, principalmente, aos usuários do SUS. Com sua matéria de capa, a intenção deste jornal é a de resgatar o debate, levando informação aos estudantes que vivenciaram este momento de mudanças, assim como aos novos ingressantes, que ainda não se depaparam com tais assuntos. Acreditamos que a única maneira de barrar ataques à saúde pública, gratuita e de qualidade, é ao lutarmos juntos, munidos de argumentos e de dados, instrumentalizados contra a investida privatizante. O Fratura Exposta não se isenta de parcialidade. Desde a matéria principal às seções individuais, colocamos nossa linha política contra- hegemônica de resistência a uma sociedade marcadamente desigual, meritocrática, regida por uma lógica de acumulação e de lucro, com exemplos dos mais variados de opressão. Reiteramos: somos contrários a esse modelo de sociedade e negamos o discurso da neutralidade. Esperamos, por fim, que este recomeço seja um impulso à mobilização estudantil. Esperamos que, por meio da leitura e da reflexão, os estudantes da Famema se sintam encorajados a construir coletivamente o movimento estudantil, pela defesa de uma saúde completamente estatal e de qualidade e por uma sociedade emancipada e viabilizadora das potencialidades humanas.EDITORIAL Fratura Exposta nesta edição: Página - 02 Página - 04 Página - 05 Página - 07 Página - 08 Página - 9 Página - 11 Página - 12 EXPEDIENTE Corpo Editorial: Yvana Snege Pedro Carlstron Pedro Passaglia Patrícia Hirata Mateus Bernardes Leonardo Zambom João Paulo Bortolozzo Jaqueline Gutierres Bianca Cal Colaboradores: Eduardo Vasconcellos Lucas Lima João Vitor Villas Boas Diagramação: Marjorie Assano DACA - Diretório Acadêmico Christiano Altenfelder DACA PROMOVE SABATINA COM O PROFESSOR GUSTAVO ARRUDA

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Marília, Outubro 2016 | ano 01 |n.º 1

pela proposta de dividir o orçamento entre o hospital e a Academia. Era o plano perfeito para fisgar um pouquinho da verba da Secretaria da Saúde e melhorar a qualidade do HC que, há anos, passa por dificuldades. Repare, então, que a decisão não fo i por má fé , mas por pura m a n i p u l a ç ã o e d o m i n a ç ã o ideo lóg ica . Es t a , como toda dominação, depende da crença – quase delirante – da inexorabilidade da manutenção de determinada relação social. É isso que devemos combater. O plano foi por água abaixo, como previsto. O governo do Estado não estava disposto a dar mais um pedaço de seu orçamento para seus operadores na faculdade e decidiu colocar ele próprio um interventor na F a m e m a . A d i r e ç ã o r e s i s t i u bravemente, mas cedeu após pressão d o e s t a d o , q u e d e m o n s t r o u disposição em trazer à tona a “corrupção necessária” que ocorre d e n t r o d o s m u r o s d o H C . A terceirização de serviços para membros do corpo docente por falta de verba para abrir o serviço, por exemplo, é prática recorrente nos hospitais escola pelo Brasil. S e m s u a b a s e d e a p o i o , amedrontada pelas denúncias, a direção cedeu o controle para um Superintendente que já demonstrou sua truculência e despreparo em uma das poucas aparições públicas, a pedido do DACA (leia mais na matéria “DACA promove sabatina com Professor Gustavo Arruda”). Nesse espaço, além de se declarar “braço do governo do Estado”, o administrador fez alusão a plano de demissões e terceirização de áreas “com muitas faltas” nome que deu a á r ea s t r ad i c iona lmen te ma i s propensas a acidentes de trabalho, principalmente quando em situação de crônica carência de verbas. ■

Autarquias que desvinculam os h o s p i t a i s u n i v e r s i t á r i o s d a s instituições de educação estão em voga nos últimos anos, tanto na esfera federal quanto no estado de São Paulo. É difícil traçar a origem do mito de que essa seria a saída ideal para o SUS, mas podemos ter certeza (após anos de investigação nos hospitais pioneiros no esquema) de que se trata apenas de mais uma forma de precar izar a já tão combalida saúde pública brasileira. A argumentação soa como música para os ouvidos da afetada classe média. Explorada por altos impostos que não vê retornarem em serviços de qualidade, as frações m é d i a s t e n d e m a o j e r i z a r a intervenção estatal na economia. Fica f á c i l , a s s i m , c o n v e n c e r o s admin is t radores e mesmo os professores das universidades de que a d e s v i n c u l a ç ã o é b o a – principalmente por (e não apesar de) possibilitar a privatização do serviço. Nesse sentido, dizer que o objetivo do estado é privatizar nosso sistema de saúde não é teoria da conspiração, é discurso claro e com público alvo certo. O discurso ideológico, porém, não encontra eco na realidade. Podemos achar hoje na literatura, inúmeros trabalhos que sugerem melhor eficácia na utilização de recursos na administração pública. Isso deixa uma mensagem clara: a corrupção no estado é fichinha perto daquela que acontece nas empresas privadas, longe das (desmoralizadas, é verdade) instituições de controle e transparência da “coisa pública”, ainda que essa corrupção assuma contornos legais (mesmo que imorais), como a priorização da distr ibuição de lucro para os acionistas. Nesse espírito encontramos a Famema. Aqui, a direção se vendeu

A U T A R Q U I AHC FAMEMA o mito da solução

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A primeira edição do Fratura Exposta do ano de 2016, após um longo período sem novas publicações, surge como fruto de um trabalho intenso da gestão do Diretório Acadêmico, em 2015, que se debruçou sobre as questões relativas à iminente autarquização do Hospital das Clínicas, e à criação de um Organização Social de Saúde para gerir o complexo Famema, levantando as mais diversas críticas a esse modelo de gestão, além de apontar para uma prevista precarização da saúde, com prejuízo não só aos discentes, c o m o t a m b é m a o s trabalhadores do complexo e, principalmente, aos usuários do SUS.Com sua matéria de capa, a intenção deste jornal é a de resgatar o debate, levando informação aos estudantes que vivenciaram este momento de mudanças, assim como aos novos ingressantes, que ainda não se depaparam com tais assuntos. Acreditamos que a ún ica manei ra de bar rar ataques à saúde pública, gratuita e de qualidade, é ao lutarmos juntos, munidos de argumentos e de dados, instrumentalizados contra a investida privatizante.O Fratura Exposta não se isenta de parcialidade. Desde a matéria principal às seções individuais, colocamos nossa l i n h a p o l í t i c a c o n t r a -hegemônica de resistência a uma sociedade marcadamente desigual, meritocrática, regida por uma lógica de acumulação e de lucro, com exemplos dos mais variados de opressão. Reiteramos: somos contrários a esse modelo de sociedade e n e g a m o s o d i s c u r s o d a neutralidade.Esperamos, por fim, que este recomeço seja um impulso à m o b i l i z a ç ã o e s t u d a n t i l . Esperamos que, por meio da le i tura e da reflexão, os estudantes da Famema se sintam encorajados a construir coletivamente o movimento estudantil, pela defesa de uma saúde completamente estatal e de qua l idade e por uma sociedade emancipada e v i a b i l i z a d o r a d a s

potencialidades humanas.■

EDITORIAL

Fratura Expostanesta edição:

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EXPEDIENTECorpo Editorial:

Yvana SnegePedro Carlstron

Pedro PassagliaPatrícia Hirata

Mateus BernardesLeonardo Zambom

João Paulo BortolozzoJaqueline Gutierres

Bianca Cal Colaboradores:

Eduardo VasconcellosLucas Lima

João Vitor Villas BoasDiagramação:

Marjorie Assano

DACA - Diretório Acadêmico Christiano Altenfelder

DACA PROMOVE SABATINA COM O PROFESSOR GUSTAVO ARRUDA

destoam da realidade da população local atendida. O que leva a uma precarização do processo de trabalho, à perda de direitos e de vínculos trabalhistas e à transferência de dinheiro público para o privado. As terceirizações em massa, em última instância, acabam por prejudicar o ensino-aprendizagem, uma vez que os funcionários ficam sobrecarregados pelos planos de metas, o atendimento é prejudicado e os professores e internos passam a simplesmente tocar os serviços do hospital ao invés de atender as demandas dos estudantes e discutir os casos ali presentes. Em relação à comunidade, esta será atendida numa lógica mercantilista. Nesta, deve-se gastar menor tempo e verba possíveis para o atendimento, fazendo com que, muitas vezes, o problema do paciente não seja sanado e, assim, o plano terapêutico se torne equivocado, acarretando maior número de retornos ao sistema, além de gastos extras. O DACA se coloca veementemente contra qualquer forma de mercantilização e precarização do SUS, do ensino na Famema e dos direitos dos trabalhadores. Propõe-se a lutar por uma gestão pública, transparente e que defenda o interesse dos estudantes e da população. Atualmente, Dr. Gustavo é o ex-superintendente do HC. Ele deixou a faculdade e um novo nome está pleiteando o cargo para administração do complexo hospitalar. O DACA persiste no processo de luta para que o cargo seja assumido por um profissional que defenda uma gestão transparente, democrática e que seja contra a privatização do SUS. Porém, a direção da FAMEMA e o governo estadual continuam a mostrar uma posição antagônica, de autarquia. Portanto a luta não deve parar, somente com o pressionamento e a organização de todos podemos barrar o desmantelamento do SUS e do ensino público em nossa Instituição. .■

Às 12h do dia 15 de abril, o Professor Dr. Gustavo Viani Arruda, primeiro superintendente do HC, foi o entrevistado da sabatina realizada pelo Diretório Acadêmico. Foram discutidas as mudanças administrativas e financeiras do Complexo Hospitalar e as repercussões dessas para a Academia, para os funcionários e para os usuários do SUS. Durante a discussão, o superintendente apresentou um projeto que torna explícita a preocupante proposta de seguir padrões implantados em outras Organizações Sociais de Saúde no estado de São Paulo, como o do Hospital Universitário da USP de Ribeirão Preto, como abertura de porta dupla (atendimento público e particular), o que diminui ainda mais os leitos SUS e promove o direcionamento de verba pública para o setor privado. Com relação aos estudantes, Dr. Gustavo deixou claro que a nova gestão não abrirá diálogo e, muito menos, concederá o direito de voto aos estudantes, funcionários e usuários do SUS; negando, assim, abertamente a Lei 8142/90, que determina a participação da população na gestão do Sistema Único de Saúde. Além da exclusão participativa da comunidade Famema, a nova gestão permitirá que alunos de outras universidades façam estágios no Complexo Hospitalar, o que ocasiona perda, parcial ou total, de estágios de internato para os estudantes da FAMEMA (o que é muito comum em vários hospitais geridos por OSSs). Outro ponto negativo explicitado foi a visão de que o internato tem como principal função a assistência, e não mais o ensino. Portanto, a prioridade dos internos passará a ser “tocar os serviços do hospital”, levando claramente a um prejuízo de aprendizagem para os 5º e 6º anos - já que impossibilita a existência de tempo hábil para discussão com os professores. No que tange aos funcionários, o superintendente demonstra o intuito de terceirizar a maioria das funções - o que coloca como “inevitável” - e estipular planos de metas, mesmo que estas

DACA PROMOVE SABATINA COM O PROFESSOR GUSTAVO ARRUDA Em conversa com os alunos, o então superintendente do HC falou sobre OSSs e a terceirização no Complexo Hospitalar

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As Organizações Socia is de Saúde (OSS) são instituições\fundações sem fins lucrativos, de direito privado, que celebram Contratos de Gestão com a Secretaria de Saúde do Estado a fim de gerenciar hospitais e equipamentos públicos da saúde. As OSS surgem na década de 90, no governo FHC, como parte do Plano de Reforma do Estado. A Lei de Regulamentação das OSS é concebida sob o pretexto de melhorar a qualidade e a eficiência dos serviços, dar maior autonomia gerencial, melhor atendimento e menor custo. Assim, o governo focaria no setor produtivo para alavancar a economia do país. Por outro lado, fica claro o objetivo de substituir o regime jurídico de direito público pelo de direito privado, isto é, no lugar de uma autarquia ou órgão público, sujeito ao direito administrativo, à licitação e ao concurso público, surge uma associação privada, que vai gerir a mesma atividade sem as restrições impostas à Administração Pública. Assim, ignora-se o fato de que tais associações estão gerindo bens estatais. Existem diversas informações que confirmam que a criação das OSS é mais uma tentativa de privatizar o patrimônio público, com o objetivo de satisfazer interesses privados. Outro ponto que comprova essa tendência privatista está na Lei nº 9.637/1998, no art.20°, que prioriza os resultados quantitativos em detrimento da qualidade de atendimento e de serviço, além de usar o termo

“cidadão-cliente” para se referir aos usuários do SUS, mostrando o claro viés mercadológico existente dentro da própria lei. Fica evidente o interesse privado por trás da implantação das OSS, agora soma-se a isso a péssima qualidade do SUS e a grande insatisfação da população em relação ao atendimento público de saúde. Sendo assim, é lançada a “única e melhor” solução: a implantação de uma OSS para gerir o serviço. Ou seja, a precarização do SUS é algo de interesse privado, não só pelo fato de que o sistema sucateado transfere usuários para os convênios e clínicas particulares, mas também porque utiliza a baixa qualidade do serviço como pretexto para passar a administrar hospitais, unidades de saúde etc., com o intuito de explorar o patrimônio público de acordo com seus interesses e suas demandas políticas. Os problemas por trás dessa precarização têm caráter histórico, e uma abordagem profunda acerca da saúde pública no Brasil é capaz de explicar o porquê de tamanho descaso para com o SUS. De forma resumida, alguns pontos importantes que justificam a atual situação são: saúde hospitalocêntrica, predomínio do modelo de atenção curativo, não reconhecimento da saúde como direito e predomínio de grupos privados na gestão da saúde. É aí onde está a raiz do mal atendimento, das filas de espera, da dificuldade de acesso e da péssima qualidade do

OSS - ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDEComo são implantadas e quais os prejuízos para o atendimento e o ensino

serviço. Tais questões são abordadas pelas mídias como problemas corriqueiros, originados na atualidade, não reconhecendo as causas históricas e estruturais, indicando como solução a mudança no tipo de administração, levando a população a acreditar que o remédio para os problemas citados é entregar o SUS para a iniciativa privada, quando, na realidade, tais pontos só serão sanados com uma brusca mudança do sistema vigente que vá de encontro aos interesses do capital privado. Sendo assim, tudo o que se vê é o prejuízo à sociedade.No que tange ao atendimento à população, é ela quem mais sofre com o desmonte do sistema. Em 2010, o Governo Estadual aprovou projeto de lei que permite que 25% dos atendimentos nos hospitais de alta complexidade do Estado, terceirizados por OSS, possam ser destinados a convênios de saúde. Assim, passam a ter prioridade os usuários conveniados, em detrimento da população mais carente, que continua esperando por horas nas filas de prontos socorros e meses para realizar um exame. Essa lei também representa uma afronta ao ensino, no caso de hospitais universitários (Hus), uma vez que os alunos perdem espaço de estudo e de estágios. A parte do hospital cedida ao convênio fica submetida aos interesses da instituição privada, que não permite o uso do local como campo de aprendizado para alunos da área da saúde que antes o utilizavam com esse fim. Além disso, casos como a EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) criada no governo Lula, chegam a interferir na produção científica. A EBSERH é apenas uma forma atualizada das OSS, seguindo a mesma tendência privatista. Ela pode consolidar e legalizar o direcionamento das atividades de ensino e pesquisa nos HUs. A submissão da produção de conhecimento e da formação de trabalhadores da saúde aos interesses mercantis resultará em prejuízos ao atendimento e às

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A implantação de Organizações Sociais de Saúde (OSS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) como modelo de gestão tem sido um movimento generalizado no país. Porém, elas têm trazido prejuízos à sociedade, aos trabalhadores e ao operário. Em relação ao erário estão ocorrendo desvios de mais de 1 bilhão de reais em 5 anos em apenas uma das organizações investigadas pela Polícia Federal. Isso ocorre pois a lei 6.937/98, que cria as OSs, garante a aquisição de bens e serviços sem a emissão de licitações ou prestação de contas a órgãos internos e externos da administração pública, porque essas são atribuições do “Conselho Administrativo” gerido da forma que as OSs acharem cabível. Assim, enquanto uma dessas OSs compra um cateter a R$0,45, a outra pode adquiri-lo por R$2,55,e hospitais

CONTRA FATOS NÃO HÁ ARGUMENTOS Não há o que sustente as Organizações Sociais no Brasil

necessidades de saúde da população. Tais interesses mercantis geram tecnificação do estudante, com consequente exercício profissional precário, uma vez que o viés mercadológico enxerga o paciente como cliente e o trabalhador da saúde como gerador de capital, esquecendo-se de toda a dimensão social e psicológica do usuário ou do profissional. A partir dessa ótica capitalista, a saúde não é um direito universal da população e, sim, uma área com potencial que visa o lucro e benefício para somente uma pequena parcela da população. Com base na ideia de que saúde não é e nem deve ser tratada como mercadoria, a privatização da administração de instituições que oferecem serviços de saúde pública pelas OSS, é vista como algo extremamente negativo, pois elas intensificam e aceleram o processo de precarização do SUS, por meio de desvio de verbas, realização de compras sem licitação, contratação de funcionários sem intermédio de concurso com consequente flexibilização de vínculos e precarização do próprio processo de trabalho, resultando em atendimentos cada vez mais problemáticos, infraestrutura decadente e filas para acessar o Sistema. Tais afirmações vão contra as justificativas do governo ao criar a Lei das OSS, no que diz respeito à melhora na qualidade e eficiência do sistema, deixando clara a verdadeira intenção estatal de ceder aos interesses privados em detrimento de uma grande parcela da população que depende do SUS. Tendo em vista o atual contexto no complexo FAMEMA, fica clara a abertura de suas portas para a possível implantação de uma OSS. Com base em todos os pontos citados acima, os estudantes se colocam contra tal medida, uma vez que reconhecem e entendem todos os impactos negativos que uma instituição privada trará, seja para o ensino ou para a população, posicionando-se contra essa política privatista.■

geridos por essas organizações gastam mais. Segundo pesquisas publicadas por viomundo.com.br, de 2008 a 2010, foi comprovado que os hospitais geridos por OS custaram aos cofres públicos de São Paulo mais de 50% do que os hospitais administrados diretamente pelo setor público. Além disso, a fatia repassada do orçamento da saúde estadual paulista destinada às OSs é de livre arbítrio da secretaria. Ela não passa por licitações e não tem a transparência necessária do que é feito com o recurso. É importante ressaltar que as OSs abrem as portas para a privatização: primeiro se sucateia, depois se diz “só há uma saída, vamos privatizar”. Quanto à população, ela é a quem mais tem sofrido com o desmonte do sistema, pois com a privatização se oferece um grande risco para a efetivação dos direitos sociais, ameaçando a

Charge

programas de pesquisas) e nos laboratórios das próprias empresas farmacêuticas. Realizamos estudos com animais de laboratórios. Ei, parece que funciona! Cogita-se, então, uma nova droga. A partir deste momento, entramos numa fase de produção custosa, com muito valor agregado. Considerando a conjuntura brasileira, ou seja, de capitalismo periférico, atrasado e dependente, com grandes momentos de crise econômica e consequente corte de gastos sociais, não é difícil imaginar porque a participação do estado diminui inversamente proporcional ao aumento do valor a ser investido. Ótimo, sobra para quem? O diabo volta à cena. Ocasionalmente, Satanás investe, inclusive em universidades públicas, nos processos anteriores de produção. A faculdade recebe investimentos que o Estado não faz. Parece que o Tinhoso nem é tão tinhoso assim. Voltemos para ver como termina esse financiamento bonzinho. O ensaio clinico entra em suas etapas de desenvolvimento. Primeiro, fase de segurança, com poucos pacientes, ocasionalmente até gente sadia, principalmente para avaliar os efeitos colaterais. A seguir, fase da eficácia, para estimar a relação entre dose e eficácia, também em menor número de pacientes. Por fim, a parte mais custosa, majoritariamente patrocinada, direta ou indiretamente, pela indústria farmacêutica: fase em larga escala. Nesta, geralmente o estudo é randomizado para demonstrar a eficiência das drogas e os efeitos colaterais. Claro que o viés do lucro da patrocinadora atrapalha a análise dos dados. Porém, é pior do que parece! Costumamos subestimar a frase: "quem paga a banda, escolhe a música". A questão não é simples mesmo. Veja, vimos até agora que nossas condutas estão baseadas em diretrizes e protocolos que por sua vez baseiam-se, preferencialmente, em metanálises, que por sua vez se amparam, preferencialmente, por ensaios clínicos, que são caros e patrocinados pela indústria farmacêutica, que é uma empresa, na lógica capitalista, ou seja, busca o lucro. Alguém discorda até aqui? Espero que não, pense bem, seria um absurdo pensar em empresas privadas boazinhas que querem mais o bem da população do que o lucro. Se existe, está prestes a quebrar. Enfim, obviamente o interesse primeiro da Pfiser ou da

Na área da saúde, o diabo, se existir, se esconde sob grandes marcas como Pfiser, Merck, Roche e Johnson-Johnson. Ele vem cheio de molejo, munido de estudos quantitativos e rico de boas intenções, rico de muita coisa, diga-se por passagem. Não é como dizem, não tem rabo ou chifre, mas está em todo lugar: nos nossos discursos, nos diagnósticos, na terapia principal ou alternativa, na ciência propriamente dita. Pode não parecer, mas ele...ele é o diabo. Um ateu, dissertando sobre ciência e citando o diabo. Claro que não faz sentido algum. Porém, se analisarmos como a indústria farmacêutica arquiteta todo o nosso conhecimento, e o amordaça, veremos que a verdade é fria e a nossa ciência é algo muito próximo de um demônio que finge aceitar críticas, mas as ignora. IAM, AVC, PCR, FA, IVAS, Asma, DPOC, TEP, PNM, ICC, CA de pulmão, depressão, dengue etc. Tudo doença. Nós as encontramos em todos os níveis de atenção, aliás, em toda a saúde, seja medicina, farmácia, fisioterapia, terapia ocupacional, educação física. Tudo. E nós? Nós, enquanto profissionais de saúde, nos preparamos. Temos ideia dos sintomas principais de cada doença, sabemos identificá-las na prática, e seguimos um protocolo baseado na evidência mais a tual . Somos maus médicos? Não, definitivamente, não. Mas somos limitados. Vejamos o porquê, analisando nossa terapêutica. Os tratamentos de quase todas as doenças são baseados em protocolos e diretrizes. Nós sabemos aprender, aprendemos a aprender na faculdade, ou seja, sabemos como encontrar tais diretrizes clinicas. Muito bem! Mas como são produzidas tais diretrizes? Ora, utilizando a pirâmide de evidência, a partir de estudos secundários que compilam ensaios clínicos randomizados, pareados e duplo cegos mediante uso de metanálises. Dessa forma, se faz uma revisão sistemática rigorosa que nos indica qual o melhor protocolo a ser seguido. Última pergunta-palhaça: e como são feitos esses ensaios clínicos? Pergunta interessante. Tudo começa com o desenvolvimento de fármacos pelo setor de pesquisa do Estado (universidades e

O VERDADEIRO MAL DA CIÊNCIA MÉDICA: A INDÚSTRIA FARMACÊUTICACom seu poderio econômico, a indústria dita as regras e influencia desde o ensino médico até as pesquisas científicas

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quebra do direito à saúde. Por outro lado, uma das justificativas para que os governos implantem OSs é a de que elas darão maior agilidade nos serviços prestados à comunidade. Entretanto, os fatos demonstram o contrário quando se verifica que pacientes continuam a esperar durante mais de três horas na fila por atendimentos em hospitais e prontos-socorros na capital paulistana. Em dezembro de 2010, o governo estadual de São Paulo aprovou o projeto de lei que permite que até 25% dos atendimentos de hospitais de alta complexidade do Estado, terceirizados para Organizações Sociais, possam ser destinados a convênios com planos privados de saúde. Os usuários do SUS temem que os atendimentos sejam preferenciais para aqueles usuários dos planos privados (porta-dupla), como vem acontecendo em outras instituições que já adotaram o método. Já os trabalhadores têm sido prejudicados com as OSs, através da eliminação de concurso público para contratação de pessoal, abrindo um precedente para o clientelismo nessa contratação, bem como para a precarização do trabalho frente à flexibilização dos vínculos. É importante citar que os trabalhadores precisam atingir metas, as quais desprezam as

particularidades da população atendida pelo hospital. Por exemplo, a população num local pode ter o maior risco para sua saúde por uso de drogas e isso não importa, as metas são focadas em hipertensão, diabetes, gestantes, crianças e idosos. Tal fato evidencia a mercantilização da saúde, que se transforma num mercado, assim como o McDonald’s, que tem o “funcionário do mês”: aquele que mostrou mais números, mesmo que não tenha trabalhado de acordo com as necessidades da população. Caso tais regras sejam questionadas são comuns ameaças de demissão, mostrando o grande assédio moral a que os funcionários estão submetidos. Além disso, as organizações sociais não têm obrigação de contratar por nenhuma das formas que a legislação propõe, contornando a legislação trabalhista que data desde 30. Sendo assim, convidamos a toda comunidade FAMEMA: funcionários, docentes e estudantes, para se mobilizarem contra a implantação de uma OSS e todas as suas consequências, as quais, de acordo com o que foi relatado acima, afetarão diretamente de uma maneira negativa toda a população. Por uma FAMEMA livre de privatização, precarização e subfinanciamento. ■

No presente texto, procura-se expor uma concepção de saúde mental baseada no materialismo histórico-dialético, entendendo o ser humano como um ser que se produz em sociedade e que, diferentemente dos outros animais, impõe sua vontade sobre a natureza e a transforma em forma de trabalho.

A saúde mental como política social

Entende-se como política social o resultado da relação dialética entre o Estado e a sociedade civil, ou seja, fruto da relação entre as necessidades da sociedade e a capacidade do Estado em supri-las, entendendo que a máquina do Estado também é engrenada pela sociedade civil e vice-versa. Assim, sabemos que, como a saúde, a saúde mental e os conceitos de “loucura” ao longo da História também são fruto dessa relação dialética supracitada. Ou seja, ao passo que a História foi se desenvolvendo e o modo como as sociedades se organizavam foi se distinguindo, em cada momento histórico, havia um conceito

Roche é o lucro. E elas tentarão inculcar esse interesse em toda fase de sua produção. Se, portanto, algum medicamento, no qual foi investido milhões, nasce, as empresas procurarão o retorno lucrativo deste investimento. Para comercializar um medicamento em larga escala, precisamos antes, testá-lo em larga escala, e os resultados influenciarão diretamente nas vendas. Novamente, não é difícil imaginar porque os estudos cujas intervenções geram resultados negativos (medicamento testado não funciona ou gera efeitos colaterais) sejam escondidos em falsas desculpas do tipo, houve um problema técnico na pesquisa ou um problema ético. As pesquisas "negativas", em sua maior parte, nem serão publicadas. Os grandes pesquisadores, portanto, não têm acesso a elas para produzir suas preciosas metanálises. Ora, a indústria, portanto, omite informações essenciais de nossa ciência empírica e limitada. E não somente omite. Há poucos anos, estava lendo um livro, um bom livro por sinal, da autora Trisha Greenhalgh (“Como Ler Artigos Científicos”), quando na página 94 de sua 3ª edição, ela ensina dez maneiras de enganar utilizando a estatística. Por exemplo: se os resultados provarem não ser interessantes, retorne a pesquisa, e analise os subgrupos. Pode ser que seu medicamento funcione apenas em mulheres chineses de 58 a 62 anos. E existem várias formas de enviesar uma estatística; estudando mais o assunto, eu comecei a achar divertido esse jogo de enganar dizendo apenas a verdade. Então, não somente omite-se como se distorce em favor do lucro. Mas será que é verdade? Parece conspiração! Será que todos os trabalhadores dessas indústrias estão querendo o lucro antes de tudo? Será que todos permitem isso? Será que sabem disso? Não! Claro que não! Mas graças a um conceito criado por um barbudinho (muito legal) é possível entender: os trabalhadores não têm ligação com o produto de seu trabalho. Trata-se a alienação do trabalho. Atualmente, as etapas de produção foram tão divididas que a mercadoria criada não é de posse de um trabalhador em específico. Um produz a matéria prima, outro a transporta, outro trabalha no protocolo da produção, outro cataloga os elementos, outro embala etc. A mercadoria se despersonalizou, se autonomizou. A posse final fica, provavelmente com quem menos participou do processo de produção: o dono da empresa, o qual irá vende-la segundo seus interesses. Essa forma de produzir cria também relações de trabalho. Em outras palavras, não são todos os trabalhadores que manipularam os dados conscientemente, mas poucos, mais

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diretamente ligados aos interesses do dono, e submetidos a uma relação de trabalho que lhes sussurra: "se não fizer como peço, será demitido e outro entrará em seu lugar". Percebe-se, portanto, a verossemelhança da tese. A qual, por sinal, dispõe de comprovação empírica. Bom, a indústria farmacêutica é o diabo porque é dona da etapa mais cara da produção e, assim, consegue manipular os dados para manutenção de seus lucros. É isso? Sim, mas não para aí. Ela se capilariza nos diversos setores de produção, inclusive sobre a produção do conhecimento, mais ainda na educação médica. Não é à toa que o modelo unicausal (biológico) de determinação do processo saúde-doença é vitorioso. Não é à toa que o modelo multicausal não consegue, nem pretende, fugir de suas amarras biológicas. Não é à toa que o neopositivismo reina na ciência da saúde, amparado por critérios produtivistas dentro das próprias entidades de fomento à pesquisa. Não é à toa que o lobby da indústria é tão forte, inclusive para farmacêuticos e médicos. Não é à toa que essas empresas financiam vários partidos políticos. E não é à toa que somos subfinanciados pelo Estado. Não é à toa mesmo! Tudo isso beneficia um grupo de capital extremamente poderoso, o qual consegue, com êxito, manter a sociedade como está e ainda transformar a saúde em mercadoria, apesar da reclamação de todos. O que faremos, então? Ora, o que sempre fazemos quando somos ameaçados, nós nos defendemos. Porém, apenas interpretando trabalhos científicos não é possível. Apenas produzindo trabalhos éticos não é possível. Se fez isso com ética, parabéns! Fez sua parte em não aumentar o mal. Mas ele continua aí, impondo sua chaga à maioria da população. A pergunta que fica: sua consciência ficou tranquila em não piorar a situação? Ou pra tranquilizá-la, é necessário mudar a realidade? Ou, ao menos, tentar? Se for assim, perceba que é impossível mudar essa realidade sozinho, a luta é mais coletiva do que parece. Se quer mudar nossa sociedade, se tens certeza do que queres, és um revolucionário. Um camarada de luta. Então, pode soar estranho, mas é pela ciência! Vamos combater o diabo e retomar a verdade científica que nos foi tirada a força. Lembremos: a verdade nos pertence, pois como já foi dito antes: a verdade é sempre revolucionária.■

diferente de “loucura”. Dessa forma, entende-se a história da “loucura” e a questão da saúde mental como conceitos moldados a partir do momento histórico vigente. Atualmente, vivemos em uma sociedade de classes, em que, a partir da Revolução Industrial no século XVIII, por meio da ascensão da burguesia, vem se consolidando a estruturação de um sistema pautado em duas classes. São indivíduos que detêm os meios de produção e indivíduos que não os detêm, estes últimos possuindo apenas a sua força de trabalho para oferecer àqueles indivíduos que detêm os meios de produção. Entendendo a dinâmica de classes que a sociedade vive hoje e retomando o debate sobre o estabelecimento de uma política social, conseguimos desprender que, atualmente, a relação dialética entre sociedade civil e Estado se expressa de forma contraditória. A classe dominante, ou seja, quem detém os meios de produção, vai se apropriar da máquina do Estado de forma a alinhá-la a seus interesses. A classe trabalhadora, ou seja, quem vende sua força de trabalho, vai ser alheia à maquina do Estado e,

SAÚDE MENTAL E LUTA ANTIMANICOMIALDo roubo de identidade do indivíduo e seu trancafiamento em manicômicos às mudanças advindas da Reforma Sanitária

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portanto, não vai ter seus interesses alinhados, mas sim alienados aos da classe dominante. As políticas sociais são adotadas com a intenção de reintegrar os desviados sociais, classificando-os em critérios de “normalidade” e “anormalidade”. Sendo uma sociedade baseada na exploração do trabalho, é considerado “normal” o indivíduo que está apto ao trabalho (ser produtivo) e, além disso, que consegue garantir a sobrevivência de sua família com o salário que recebe. Assim, as políticas sociais trazem consigo a ideologia da humanização, sob a ideia de humanizar os serviços de saúde e causar a falsa impressão de que existe uma igualdade de oportunidades. Fazendo isso, essas políticas acabam por esconder da população o fato de que os problemas que elas enfrentam têm relação com a forma como a sociedade se estrutura. Para aqueles indivíduos considerados anormais, os serviços humanizados acabam por apresentar uma realidade desumanizadora, principalmente quando usam o victim blaming para justificar as desigualdades sociais, depositando no indivíduo a culpa de sua condição, desviando as atenções aos verdadeiros determinantes desta. E, então, a doença passa a ser atribuída ao mau comportamento do indivíduo, a seus hábitos etc. É importante salientar que de forma alguma a intenção dessa análise sobre as políticas sociais é negar a necessidade destas para avanços na abordagem e no tratamento em saúde mental, e sim fazer uma análise crítica às suas limitações dentro de uma sociedade que diariamente produz doenças, além de expor a necessidade de termos um horizonte de luta que busque o pleno rompimento desses estigmas sociais e marginalidades. Por fim, conseguimos entender que o conceito de “loucura” e a saúde mental como é vista hoje nada mais são do que fruto de uma necessidade da sociedade civil. Saúde, porém, enviesada aos interesses do Estado, suplantando a relação dialética frisada anteriormente. Dessa forma, a saúde mental, sendo parte do espectro de saúde pública que vivenciamos hoje, também se apresenta de forma precarizada e desresponsabilizada em relação ao Estado.

Políticas de Saúde Mental no Brasil

Historicamente, a forma de tratamento da “loucura” sempre esteve ligada ao enclausuramento e à exclusão. O apogeu da psiquiatria, ocorrido no século XX, apesar de promover um acesso maior ao debate da “loucura” e saúde mental, possuía limitações. Mesmo com todo o incentivo à ciência psiquiátrica, o “louco” continuava circunscrito à segregação social, o que, na verdade, era interessante na promoção do apogeu dessa ciência em fase crescente. Afinal, além de se usufruir de laboratórios experimentais com humanos (leia-se manicômios), a patologização da vida era interessante à indústria farmacêutica. O modelo de tratamento em saúde mental durante todo esse momento histórico foi pautado no isolamento, na tutela, na vigilância, na repressão e na disciplina, sendo que os espaços onde se desenvolviam essas ações eram os manicômios. Onde o indivíduo era visto como dotado de uma periculosidade social, ou seja, um indivíduo não interessante ao sistema, já que ele é incapacitado, em muitos momentos, de vender sua força de trabalho à linha de produção. No Brasil, temos um bom exemplo dessa institucionalização do “louco” em manicômios, sediando o Hospital Colônia, na cidade de Barbacena (MG). O Hospital Colônia foi criado em 1903 e apenas extinto na década de 80. Durante a existência desse manicômio, ocorreu o “holocausto brasileiro”, um jargão que faz alusão aos campos de concentração judeus, em que, semelhante ao que ocorria com os pacientes do Hospital, os judeus eram levados de trens e eram totalmente descaracterizados no local, com perda de identidade, corte dos cabelos e uso de roupas uniformizadas. A política sediada pelo Hospital Colônia propôs e

realizou uma “higienização social”. Aproximadamente 70% dos pacientes lá internados não possuíam um diagnóstico psiquiátrico e eram mendigos, prostitutas, etilistas, pertencentes à população marginalizada. Aproximadamente 60 mil pessoas foram mortas dentro do Hospital e muitos corpos foram traficados para os laboratórios de anatomia das Faculdades de Medicina de Minas Gerais, como a UFMG. Lá dentro ocorriam procedimentos como terapias de choque, lobotomias, e não havia saneamento básico ou responsabilização estatal em relação aos doentes e à infraestrutura. O Hospital Colônia é apenas um exemplo palpável da política manicomial do Brasil no século XX. Porém, a classe trabalhadora reagiu à ofensiva, promovendo o Movimento de Reforma Psiquiátrica em 1978, em meio ao processo de redemocratização brasileira, após anos de vivência na ditadura militar. Em 1970, com a ascensão dos Movimentos pela Reforma Sanitária, fruto dos movimentos sociais vinculados à classe trabalhadora, foi proposta a criação de um sistema de saúde universal e gratuito, no qual a saúde mental também estaria inserida. Dessa forma, em meio à Reforma Sanitária, o movimento pela Reforma Psiquiátrica se adentrou e ganhou força. O movimento pela Reforma Psiquiátrica, vinculado à Reforma Sanitária, era composto principalmente por trabalhadores na área da saúde mental, porém, também contava com usuários e estudantes. Esse movimento propunha uma denúncia forte aos manicômios e à institucionalização dos “loucos”. No entanto, sabemos que, com a redemocratização brasileira e a aprovação de uma nova Constituição com avanços nas políticas sociais, a ofensiva neoliberal por meio de políticas compensatórias se mostrou muito forte e pautou todo o processo da criação de uma saúde pública, universal e de qualidade. Assim, paulatinamente, a saúde passa a se vincular ao mercado e ocorre a diminuição do papel do Estado na criação de políticas públicas universais. Retomando o debate sobre a relação dialética entre Estado e Sociedade civil que vivemos hoje dentro do sistema capitalista, podemos perceber de forma clara a contrariedade desse processo, em que a saúde pública não se moldou a partir das necessidades plenas da classe trabalhadora, mas sim serviu à manutenção do sistema capitalista por meio das políticas compensatórias e complementares. Porém, também devemos notar que são inegáveis os ganhos do movimento pela Reforma Sanitária, pois de fato foi criado um sistema público de saúde universal, gratuito e público. No que concerne à saúde mental, os ganhos desse movimento apareceram de forma mais expressiva, pois vem ocorrendo o desmonte sucessivo do modelo hospitalocêntrico manicomial, com a abertura de outros serviços descentralizados que se aproximam da população e exprimem o processo de desinstitucionalização ocorrido com a Reforma Psiquiátrica. Dessa forma, desde a década de 90, esse movimento vem sendo uma vitória para a classe trabalhadora, porém, obviamente também moldado por políticas compensatórias e alinhado aos interesses das classes dominantes. No contexto da saúde mental no Brasil, ocorreu a implantação de núcleos de atenção psicossociais, que se propunham a fazer o acompanhamento dos pacientes sem retirá-los do convívio social. Além da criação de oficinas terapêuticas, hospitais-dia e uma clara participação da classe trabalhadora nesse processo.

Desafios frente à conjuntura atual

Em suma, sabemos que as políticas sociais são reflexos das condições estruturais engrenadas no apaziguamento da luta de classes e dos movimentos sociais a fim da manutenção dos processos de valorização do capital.

Fratura Exposta

Para entendermos como se dá a dominação do homem sobre a mulher, a hierarquização entre os gêneros feminino e masculino e as tantas consequências desta configuração das relações sociais (dentre elas, a misoginia e o machismo); além do que advém disso, como o massacre sistemático de mulheres, devemos compreender, primeiramente, a gênese desta dominação. Chegando à raiz do problema, alcançamos sua essência e deixamos, assim, a superficialidade do debate. Comecemos, portanto, pela seguinte afirmação: a origem do patriarcado é anterior ao surgimento do capitalismo. A partir disso, é necessário resgatar a História: na Pré-História, o ser humano desempenhava o papel de caçador e de coletor, vivendo em bandos e com uma divisão igualitária dos produtos de sua subsistência; a divisão sexual do trabalho era baseada na capacidade das mulheres em gerar novos indivíduos sem significar uma sujeição destas aos companheiros do gênero masculino. Além disso, ainda não havia as noções de propriedade privada e de família. Dois acontecimentos essenciais à gênese do patriarcado, porém, romperam com essa conformação da sociedade primitiva: primeiro, o surgimento da propriedade privada per se e a produção de excedente econômico; depois, o reconhecimento da participação dos homens no processo de geração da vida, antes vista como divina e exclusiva das mulheres. Com o surgimento da propriedade privada, o homem se torna o detentor das terras, dos animais, do excedente da produção e, também, das pessoas. Isso inaugura a dominação do homem sobre o homem – assim como a do homem sobre a mulher. Além disso, a descoberta da participação masculina no processo de geração da prole se torna essencial à manutenção da propriedade dentro de uma linhagem consanguínea. Ou seja, o patriarca, agora, possuirá herdeiros. Desta forma, para manter comprovadamente a propriedade entre seus descendentes, surge a noção de família monogâmica, nuclear e patriarcal, reforçando a sujeição feminina. Assim, se firma a dominação masculina sobre uma companheira que deverá ser, acima de tudo, fiel – além de dócil e submissa, permanecendo confinada ao âmbito doméstico e familiar. Logo, a forma de divisão sexual do trabalho é, agora, pautada na submissão feminina como reprodutora de força de trabalho gratuita (prole), cuidadora das crianças e dos idosos; além de única responsável pelo trabalho doméstico (limpeza, alimentação etc) – trabalho este desprovido de status produtivo, visto como inferior.

ORIGEM DO PATRIARCADOPar perfeito do capitalismo, a subjugação da mulher surgiu bem antes do sistema econômico vigente

Com o passar do tempo e com o surgimento do capitalismo, este sistema de dominação masculina sobre as mulheres não se acaba. Pelo contrário, capitalismo e patriarcado passam a caminhar juntos, com o primeiro se beneficiando do segundo de uma forma nunca antes vista – uma vez que a mulher, junto de outras minorias, constituirá seu exército de reserva. A figura feminina passa a ser explorada como mão de obra mais barata também fora do lar, estando sujeita não só a salários mais baixos, como também a mais violência, mais assédio no ambiente de serviço, postos de trabalho mais precarizados, múltiplas jornadas etc. A socióloga Heleieth Saffiotti traz que, dado que a estrutura de classes é altamente limitativa das potencialidades humanas, é preciso que se renovem as crenças nas limitações impostas pelos caracteres naturais. Do ponto de vista da aparência, portanto, não é a estrutura de classes que limita o desenvolvimento das potencialidades humanas, mas, ao contrário, a ausência de potencialidades de determinadas categorias sociais que dificulta (e mesmo impede) a realização plena da ordem social competitiva. Isto é, o patriarcado-capitalismo cria a falsa ideia de que devido a um esteriótipo de gênero depreciativo (mulher é frágil, sensível, fraca, irracional, etc.) a hierarquização entre os gêneros masculino e feminino possui a sua razão de ser. O grande ponto, portanto, é que em uma sociedade competitiva e meritocrática, pautada em uma lógica de acumulação e de lucro, a existência de minorias marginalizadas e inferiorizadas é essencial. Isto é, é preciso que existam os seus explorados. Desse modo, a única maneira de acabar com a exploração e com a violência contra a mulher é romper coletivamente com esse modelo de sociedade.■

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Charge

Ao longo da história tivemos diversos avanços em relação à saúde mental. Se antes o paciente era excluído da sociedade e violentado institucionalmente, hoje busca-se a sua reintegração social, a multidisciplinariedade no tratamento e a abordagem não violenta. Porém, ainda há muito o que avançar. Sabemos que as políticas sociais são reflexos das condições estruturais da nossa sociedade, sendo responsáveis pelas mediações entre as necessidades reais da população trabalhadora e os interesses da classe dominante, a fim de apaziguar a população marginalizada e manter a ordem do capital. Além disso, a redução da proteção social por parte do Estado somada à ofensiva do capital resulta na fragmentação das relações trabalhistas e no enfraquecimento da consciência de classe dos trabalhadores, promovendo a criação de um terreno fértil para a germinação de medidas que promovem a busca incessante pelo lucro, a diminuição dos gastos em políticas sociais e as ofensivas contra o trabalhador. Em relação à saúde mental, devemos entender que é uma

política social totalmente engrenada à superestrutura vigente, ou seja, não devemos enxergá-la como algo isolado. Com o desmonte sucessivo da saúde pública e do SUS, as políticas de saúde mental são afetadas diretamente. Dessa forma, sabemos que, em meio à conjuntura atual e frente à sociedade em que vivemos hoje, permeada e pautada na luta de classes, não há a possibilidade concreta de formação de um sistema de saúde plenamente público, universal e pautado nas necessidades completas dos trabalhadores. A estratégia para a criação de um SUS de fato, portanto, se pautaria na organização e na luta da classe trabalhadora a fim de promover um rompimento estrutural completo do modo como a sociedade se organiza hoje. Enxergando como horizonte o desmantelamento completo da luta de classes e se pautando em uma sociedade igualitária em que o fruto da relação dialética entre o Estado e a sociedade civil não fosse contraditório como é hoje, mas fosse uma relação de suprimento de necessidades plenas a partir da própria classe trabalhadora vindo do próprio poder popular.■

O termo “cultura” tem várias definições,, sendo uma delas caracterizada de forma mais ampla por Edward Tyler, como “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Diante disso, podemos inferir que a cultura é dinâmica e sofre modificações ao longo do tempo e do espaço sendo influenciada diretamente pelo contexto político, econômico e social. Antes da globalização, existiam várias “culturas” pelo mundo, determinada pelas características de cada região do globo com mudanças relacionadas a contextos locais. Hoje, com a plena interação entre o mundo todo, podemos dizer que as “culturas” locais sofrem influência do contexto político-econômico mundial. O capitalismo divide o mundo entre aqueles que possuem os meios de produção e os que vendem sua mão-de-obra – criando uma sociedade de classes – que influencia diretamente a produção cultural local e mundial. Grande parte dela é subordinada às grandes empresas, cujos donos tem por objetivo reproduzir para a sociedade os ideais burgueses e elitistas, próprios da classe social que ocupam, como a manutenção de seus privilégios, o apego à meritocracia, à competição, ao individualismo e a defesa da alienação política, a fim de minar qualquer possibilidade que a valorização da cultura popular possa ter na contestação desses valores e na consolidação de uma sociedade mais igualitária. Para ilustrar essa subordinação, podemos analisar o Brasil, cuja mídia é controlada por 11 famílias, e 25% dos senadores e 10% dos deputados detêm concessões de rádio e de TV, o que significa que uma pequena parte da população tem o controle do que é transmitido para toda a população. Enquanto isso, para conseguir a concessão para criação de rádio popular existe uma imensa burocracia e, atualmente, totalizam somente pouco mais de 3.000. A televisão, os jornais, o teatro, os museus, e até mesmo as ruas, estão repletos de produção cultural que emitem os valores hegemônicos burgueses. Isso fica claro quando assistimos à programação das principais emissoras de TV, dotadas de jornais parciais que beneficiam determinados setores políticos quando convém; ou de novelas que naturalizam a pobreza, tratando-a como algo imutável; ou de opressões tratadas em programas de “humor” que as reforçam. Todos com o objetivo de entreter e de distrair a população em vez de discutir sobre os problemas sociais gerados pelo modo de produção vigente que sofrem os trabalhadores. Outro exemplo que corrobora tal questão é o fato de grandes empresas, como o Itaú e o Bradesco, financiarem diversos espaços produtores de cultura e, portanto, controlarem diretamente o conteúdo reproduzido neles, perpetuando, assim, a transmissão dos valores que defendem a classe em que estão inseridos seus donos. Outro aspecto a ser analisado, em especial, relacionado à arte, consiste no fato de existir uma padronização e uma restrição ao seu acesso. Geralmente, a arte é vista como algo esteticamente agradável, seguindo os padrões de beleza de cada época, pormenorizando, contudo, o seu valor intrínseco técnico, de denúncia e político. Além disso, ela permanece à mostra em locais privados, em galerias ou museus, portanto à margem da maioria da população. Em contraposição, a arte de rua, como o grafite, composta por desenhos, por letras ou por ambos, está estampada nos muros de toda a cidade. Por muito tempo, esse tipo de arte sofreu resistência e sempre foi marginalizada por seu caráter transgressor e livre. Hoje, apesar de o grafite ser reconhecido mundialmente, sua vertente escrita reta, o piche, continua à margem daquilo que a sociedade considera como arte

devido ao seu aspecto estético “feio” e “simplório”. O grafite que nasceu do contexto da luta social durante a última guerra mundial tem o aspecto crítico e revolucionário em sua gênese, além de ser uma forma de manifestação de emoções e sentidos e de servir para a comunicação entre a cidade e seus agentes, configurando-se, assim, como arte, seja qual for sua vertente. O reconhecimento atual do “grafite desenhado” como arte deve-se ao fato de ele poder ser usado para disseminar os valores hegemônicos, ao se apropriar de sua essência contestadora e transformá-lo em mais um produto alienante e reprodutor dos ideais da classe dominante, além de poder gerar lucro na medida em que pode ser vendido em galerias ou museus, servindo meramente como mais um produto qualquer, o que difere da arte de rua na sua essência multivariada e complexa que é produzida pelo e para o povo. Essa padronização cultural limita aquilo que pode ser considerado arte, essencialmente livre, além de barrar o acesso amplo da sociedade às suas produções artísticas e tem por objetivo controlar o conteúdo político expresso nelas e transformar em um produto privado aquilo que deveria ser de todos. Outra questão se deve ao fato de os gastos necessários para a aquisição da produção cultural também serem entraves a sua plena popularização. Um livro, uma peça de teatro, um filme ou um jogo esportivo despendem, na maioria das vezes, de um valor relativamente muito alto frente às diversas necessidades, de caráter mais vital, que os trabalhadores possuem. Apesar de em algumas cidades ser disponível uma programação cultural gratuita, frequentemente, localiza-se em regiões centrais que dificultam ainda mais o acesso daqueles que moram na periferia, além de haver outros empecilhos relacionados, como gastos com alimentação e transporte. Podemos perceber que existe um preço a pagar para a plena aquisição das diversas manifestações culturais configurando-se numa espécie de elitização da cultura, ou seja, uma sociedade em que algumas classes conseguem adquirir “mais cultura” que outras. Muitos são os exemplos apropriados pelo capitalismo na tentativa de se criar mais um produto a ser vendido. Toda produção cultural desenvolvida dentre a classe social que compõe os trabalhadores, a cultura popular, que nasce dos problemas sociais que enfrentam, do seu dia-a-dia e de suas crenças, e que se manifestam por meio de músicas, de artes plásticas e cênicas, pode se constituir numa importante ferramenta de luta social. O estilo musical sertanejo, por exemplo, que antes cantava o modo de vida do homem da roça, as suas dificuldades e os seus costumes, passa a se tornar música de conteúdo raso e opressivo, como apologia à bebida alcóolica e à promiscuidade, característico de grande parte das letras do sertanejo universitário que é estimulado fortemente pelas produtoras musicais com objetivo puramente lucrativo e alienante, servindo mais uma vez aos interesses dos capitalistas. Outro exemplo é o rap, que originalmente surge do descontentamento do favelado de sua situação de privação de necessidades básicas, de violência policial e de descaso do poder público( por isso tão criminalizado pela mídia conservadora) e tem o seu ritmo apropriado perdendo espaço para aquele cujo conteúdo foge da questão social. Podemos citar também o futebol que deixa de ser um esporte integrativo e popular para ser centralizado principalmente aos grandes estádios, pouco acessíveis pelos preços altos, além de ser uma grande vitrine de shopping se tornando em mais uma grande indústria muito lucrativa. O carnaval, a maior festa popular do mundo, deixa de ser uma manifestação livre e, de fato, popular para se concentrar em camarotes e trios acessíveis somente a uma pequena parcela

CULTURA PRA QUEM?Fratura Exposta08

Fratura Exposta 09

da população. Portanto, o capitalismo transforma a cultura popular, se apropriando de sua essência, na cultura de massas que serve como produto para atingir o maior número de pessoas possíveis baseado no esvaziamento estético, técnico e revolucionário de modo que não questione a nossa sociedade e que naturalize todos os valores hegemônicos que só beneficiam uma pequena parcela da população. A cultura sofre influência do capitalismo, que acaba por moldar a produção cultural mundial, o que causa limitação ao acesso a muitas manifestações culturais pela maioria da população, assim como se torna um mecanismo de propagação dos valores hegemônicos opressores, que defendem a manutenção dos privilégios burgueses e da sociedade de classes e mantém os trabalhadores na sua condição de explorados, retirando seu protagonismo da sociedade em que vivem. Portanto, se faz necessário defender as necessidades reais dos trabalhadores por meio da valorização da cultura popular, transformando-a em nossa cultura de resistência, para que superemos o modelo falido de sociedade em que se encontra a humanidade.

Construindo uma Cultura de Resistência

Os desafios que possuímos para tornar a nossa cultura combativa necessariamente passa por uma reflexão diária sobre como querermos nos constituir enquanto sociedade. Para que ela exista e o seu povo seja o protagonista de sua produção cultural devemos valorizar a cultura popular e a arte, hoje, marginalizada. Como as manifestações culturais de um povo estão atreladas ao seu contexto político e socioeconômico, defender a

democratização da cultura significa lutar por uma sociedade igualitária socialmente. A primeira tarefa, portanto, é nos organizarmos politicamente para podemos alcançar tal objetivo. Devemos tomar o controle dos veículos de comunicação e fazer com que sejam transmitidas as necessidades reais dos trabalhadores para que os ajudem na sua organização coletiva e no fim da exploração que o sistema vigente lhes impõe. A “mídia ninja” e a “mídia independente coletiva” tem papel fundamental na popularização da mídia alternativa pois foram quase os únicos veículos que transmitiram, inclusive ao vivo, pela internet, todos os protestos legítimos que a população brasileira protagonizou, em especial nesses últimos 3 anos, mostrando todo o abuso policial praticado, a mando do governo que aplica cada vez mais sua política neoliberal e retira paulatinamente os direitos dos trabalhadores. Portanto, devemos lutar por maiores números de mídias alternativas e por mais concessões para abertura de canais de rádio e de TV populares que expressem a todos os trabalhadores o que eles realmente produzem e necessitam, fugindo dos produtos padronizados e alienantes que o capitalismo gera. O recente fechamento do Ministério da Cultura, praticado pelo então presidente Michel Temer, é mais uma demonstração que o governo desconsidera a importância de investir e de valorizar a cultura de seu povo. Frente a isso, o povo deve se tornar num produtor cultural e utilizar de sua arte num movimento coletivo de combate a esta sociedade desigual e propor uma nova organização de sociedade em que não exista mais uma hierarquização social que oprima, controle e mate, todos os dias, milhares de pessoas pelo mundo todo.■ Charge

POEMAS:Lola

A menina que morreu de coroa na cabeça Olhos e a cabeça fora de órbita Tua irmã reconheceu teu corpoE a eternidade reconheceu tua história

Mas um novo dia há de amanhecerEm que a Aurora vai surgir em terras brasileirasE a esperança vai encher o céu de verdeE a resistência continuará sem perecer.

Anna Carolina Delben Gugliotti

Você me olha como quem Tem algo muito difícil de dizerA esconderEngole a secoE decide fingir que não é contigo.Na tua cabeça,Me esqueçaNão sou a raiz dos teus problemas.Quem começou E causou estardalhaçoDe fato, não fui eu.É a tua mania, Insânia,Carência de existência humana,Que te faz assim.Meu bem,Use a inteligência uma vez sóQuantos idiotas vivem sóE você vai ficar também sozinho.

Bianca Cal

Não fugir, quiçá, desistir!

Queria, neste momento, a inexistência de qualquer traço, em mim, de consciência que pudesse ter para não conseguir enxergar todo esse vil e massacrante cenário político, aterrorizante, que este país já conseguiu atingir.

Não ver, talvez, toda essa vasta anuência, mostrando em si a sua velada essência, de um mundo já velho fadado a ruir. e não enxergar todo esse vão, delirante, lugar prometido, sempre amedrontante, oh deus, onde estou eu cá a existir?

Não saber, não ler e não ser resistência.Livrar, quem sabe, toda a minha existência. Não beber, não comer, não ter e não sair.Só ouvir calado, o suspiro confortante,de um paraíso qualquer alucinanteque me receba num lugar onde ir.

Lucas F M Lima

Desaparência

Julgaram minha aparência, com tal vil doçura, como se tivesse relevância, minha barba e meu alargador, pra quem está a procura de quem amenize a sua dor.

Deixaram de lado a importânciaem lidar com a censura,mantida no momento de ânsiae pregada em forte louvor, manchada na alma escura daquele que permite o desamor.

Demostraram sua ignorância,mãe do preconceito e da feiúratão presente na negligênciade quem carrega com fervorapego à aparência da pinturasem se importar com o pintor.

Esqueceram que a essência pra se ter melhor cura não está na superficial aparência, nem no que está por trás desse rancor. Está na transmissão segurado afeto acolhedor.

Lucas F M Lima

Eu não sou todosMas todos são euVejo em mim algo de tão comumSintoOlho no outro eu tão únicoRessintoTanto que mal posso escrever sobreA belezaNão sei escrever sobre aquiloQue me é alheioNão aprendiEsqueci ou nunca soubeRealmente nunca soube falar sobre a belezaÉ enorme meu vício pelo lixoEncanto pelo podreDesejo pelo sujoDizem que as pessoas se buscam a cada instanteSou EuNunca aprendi a elogiarVivi sendo enaltecido pelo escatológicoNão reconheço melhor elogio queO punho à carne abertaLibera endorfinaOperação exige pos-operatórioRasgo não exige nadaInfelizmente so acredito na sinceridade assimSo pratico a sinceridade assimOuço na belezaNo elogioSempre a mentiraSempre o impossívelO extenso desejo de agradarA atônita propagandaA infame cordialidadeA famosa boa vizinhançaExistem elogios sinceros: Para mim eles sempre serão uma dedada invadindo o sangramento

Vitor Milczwski

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Encruzilhada

O que é esse ânsia?O que é esse pedido pr'o tempo voar?O que é essa sede de vida?Vontade ardida,Criança crescidaCercada pela imensidão do mar...E esse espanto,que causa até pranto!?Pedindo o contrário ao que outr'ora pediu...O medo do novo,de saltar da casca do ovo,de voltar pra vida de onde nunca saiuE assim, tu caminhaequilibrando numa corda bambatoca pop, rock e sambae tu não sabe o que quer dançar...Não sabe mais o que fazerSe quer que continue noiteou pede pra amanhecerPorque o que tu sabe não pede temponem alentoo que tu sabe é amarMas isso não é tema...Pois não é a solução do problemaé só um barulho, confusão, mais uma questãoé só mais um problema sem solução

Vadir Neto Cachoeira

AuroraTu que cantavas com os pássaros Acabaste no pau de arara

AuroraUivavas tuas palavras de ordem mundo a foraInocência tua pensar que éramos livres como agora

AuroraFoste embora sem beijar teus filhosTua mãe chora enquanto te demoras E tu, presa nesta emboscada Em tua pele eles fincam a dor

EscóriaEra tão mais fácil morder a amora do conformismoDeixar que eles cuidassem do que era bom pra toda gente

AuroraTua luta cobrou o preço E a dívida era torturada a moça morta

AuroraMais uma daquelas moças catafóricasDe quem eles querem apagar da memória Sangue na areia carioca

Anna Carolina Delben Gugliotti

GAROA E BAUDELAIRE

As nuvens fecham-se em cortinaCinzenta, em pálido dia de outono,Cujo acorde moroso, tardio, ensinaA amplitude do prazer de se ter sono.

Porém, ainda com tudo assim,Meu dia é elevação.

Lucas Panzarini

Fratura Exposta 11

Atire-se, primeira pedra

Eu sou forteSou de pedraSou de PetrusSou de Pedro

Não! Não sou...Sou de carneOssoCoerênciaPalavra

E quando era frioEra lugar firmeTalvez não para construir algo,Mas que permitia apoiar meu pé,Que nem sempre estava no chão

Era alimento, pãoE eu tinha fomeDe serDe saber

Mas onde eu não me encontroNão ficoNão aceitoNão faz bicoDeixe crescerSejaDeixe serOu corraE me deixe voar

Valdir Neto Cachoeira

E de estar com quem sabeQuem sabe que sabeCom quem não se cabeNem faz questão de se caberSe conterSe reter

Não ser mais ou menosNão ser demaisNão ser de menosSer a pedra de tamanho certoPsicanalítico,Errado, certoJornalístico

PARA COLORIR:

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Horizontal

3. Item do estado mental relacionada à percepção de estímulos externos.7. Doença que acomete os ossos, muito comum em mulheres pós menopausa.9. Tr íade de (?) : lesão endote l ia l , es tado de hipercoagulabilidade e estase venosa.11. Par craniano IX.13. Reforma (?): responsável pela criação do SUS.14. Síndrome de (?): acomete glândulas lacrimais e salivares.15. Condição do feto em que é permitida a realização de aborto.

Vertical

1.Princípio do SUS que garante acesso para todos os cidadãos:2. Edema generalizado.4. Sinal pesquisado na suspeita de colecistite.5. Doença infecciosa causada pelo Epstein-Barr vírus (EBV).6. A mesa cirúrgica é dividida em 4 quadrantes: hemostasia, especiais, síntese e (?).8. Processo de reparação tecidual.10. Elizabeth Kübler(?): autora dos estágio do luto.12. Músculo cuja ação é importante no processo respiratório.

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FRATURA CRUZADA

DACA - Diretório Acadêmico Christiano AltenfelderRua Aziz Atalah, 9 – Fragata - Marília, São Paulo – CEP: 17.519-101

FONE/FAX: (14) 3422-1858 | [email protected]

Apoio:

Resposta: 3- sensopercepção / 7- osteoporose /9- virshow / 11- glossofaringeo / 13- sanitaria / 14- sjogren / 15- anencéfalo / 1- universalidade / 2- anasarca / 4- murphy / 5- mononucleose / 6- exérese / 8- cicatrização / 10- ross / 12- diafragma

Fratura Exposta

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