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RENATO BRAZ MEHANNA KHAMIS
DA PROPORCIONALIDADE À RAZOABILIDADE: ENTRE A TÉCNICA E O PRINCÍPIO
DOUTORADO EM DIREITO
PUC-SP
SÃO PAULO
2013
3
RENATO BRAZ MEHANNA KHAMIS
DA PROPORCIONALIDADE À RAZOABILIDADE: ENTRE A TÉCNICA E O PRINCÍPIO
Tese apresentada à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do
título de Doutor em Direito do Estado – Direito
Constitucional sob a orientação do Prof. Dr.
Roberto Baptista Dias da Silva.
PUC-SP
SÃO PAULO
2013
4
Banca Examinadora
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RESUMO
O presente trabalho tem por finalidade verificar a natureza jurídica
da proporcionalidade e da razoabilidade, visando esclarecer se são normas
jurídicas ou não e, em caso afirmativo, de que espécies. Ademais, ao
verificarmos suas naturezas jurídicas, teremos a possibilidade de esclarecer se
trata de uma mesma coisa com nomes distintos, ou se de fato estamos diante
de institutos jurídicos distintos.
6
ABSTRACT
The present study aims to verify the legal status of proportionality
and reasonableness, aiming to clarify whether they are legal rules or not and, if
so, what species. Moreover, when we check their legal natures, we will be able
to clarify if they are the same thing with different names, or if indeed we are
facing separate legal institutes.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 09 1. A PROPORCIONALIDADE NA DOUTRINA ............................................... 11
1.1. Luís Roberto Barroso ................................................................................ 11
1.2. Gilmar Ferreira Mendes ............................................................................ 16
1.3. Paulo Bonavides ....................................................................................... 18
1.4. Jorge Miranda ........................................................................................... 19
1.5. José Joaquim Gomes Canotilho ............................................................... 22
1.6. Willis Santiago Guerra Filho ..................................................................... 26
1.7. Robert Alexy ............................................................................................. 30
1.8. Virgílio Afonso da Silva ............................................................................. 34
1.9. Humberto Ávila ......................................................................................... 39
1.10. Eros Roberto Grau .................................................................................. 52
1.11. Marcelo Neves ........................................................................................ 58
2. CIÊNCIA E TÉCNICA JURÍDICA ................................................................ 65
2.1. O paradigma dominante da ciência .......................................................... 65
2.2. O paradigma emergente da ciência .......................................................... 69
2.3. A ciência e a técnica ................................................................................. 75
2.4. A ciência e a técnica jurídica .................................................................... 76
3. A TÉCNICA DA PROPORCIONALIDADE .................................................. 90
3.1. O problema da proporcionalidade como princípio .................................... 90
3.1.1. A aplicação dos princípios enquanto normas jurídicas ............... 90
3.1.2. A natureza não-normativa dos princípios .................................... 94
3.2. O problema da proporcionalidade como regra ....................................... 101
3.3. O problema da proporcionalidade como “norma diversa” ....................... 106
3.3.1. A proporcionalidade como postulado normativo aplicativo ....... 106
3.3.2. A proporcionalidade como híbrido ............................................. 116
3.4. A técnica da proporcionalidade ............................................................... 123
3.4.1. A proporcionalidade como técnica de aplicação do direito ....... 123
3.4.2. A proporcionalidade como técnica de argumentação racional .. 129
3.4.3. O uso equivocado da proporcionalidade como topos ............... 136
3.4.4. O problema da proporcionalidade como fundamento da
inconstitucionalidade ........................................................................... 138
8
3.5. Adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito .......... 141 4. O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE ........................................................ 143
4.1. A razoabilidade como imperativo de razão prática ................................. 143
4.2. A natureza principiológica da razoabilidade ........................................... 148
4.3. Razoabilidade não é sinônimo de equidade ........................................... 151
4.4. A idéia de justiça transcende a noção de proporção .............................. 154
CONCLUSÃO ................................................................................................ 160
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 162
9
INTRODUÇÃO
Um dos temas mais discutidos atualmente no direito constitucional
contemporâneo diz respeito ao chamado princípio da proporcionalidade. O
problema se inicia já na discussão sobre a relação eventualmente existente
entre ele e o princípio da razoabilidade. Isto porque para uns ambos são a
mesma coisa, apenas com nome e origem diferente, mas para outros se trata
de duas coisas distintas.
Ainda mais polêmica é a discussão a respeito da sua natureza
jurídica. Enquanto para a maioria a proporcionalidade é um princípio, existem
aqueles que entendem se tratar de uma regra, enquanto outros acreditam ser
um postulado normativo aplicativo, ou mesmo um híbrido. Em todos estes
casos é atribuído status normativo à proporcionalidade.
No que toca à forma de aplicação da proporcionalidade,
encontramos decisões judiciais que a utilizam como fundamento para a
declaração de inconstitucionalidade, bem como decisões que a utilizam como
topos, e ainda julgados aonde ela é aplicada em três etapas – adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Também a natureza
jurídicas destas etapas se mostra problemática.
O fato é que a natureza jurídica da proporcionalidade acarreta uma
série de decorrências de ordem metodológica, as quais precisam adequar-se e
desenvolver-se no âmbito de cada teoria do direito adotada. Portanto, a fim de
manter a coerência da atividade científica do direito, urge solucionar esta
questão.
Para atingir esta finalidade, começaremos nossa investigação pelo
estudo da proporcionalidade dentro das teorias dos autores mais influentes no
Brasil quando o assunto é este tema.
Após verificarmos as mencionadas teorias, no que dizem respeito à
proporcionalidade, passaremos à análise do paradigma científico, tendo como
10
foco principal o enquadramento da ciência do direito. Neste ponto,
estudaremos a relação entre a ciência do direito e a técnica jurídica.
As etapas até aqui apresentadas têm o condão de estruturar as
bases, isto é, de estabelecer as premissas a partir das quais começaremos a
construir nossa análise sobre o tema proposto. Por isto, depois de feitas estas
considerações, passaremos à analise crítica da proporcionalidade e da
razoabilidade.
Primeiramente vamos adentrar as teorias dos autores apresentados
no primeiro capítulo para, com base nas premissas metodológicas deles
próprios, analisar o enquadramento da proporcionalidade. Neste ponto vamos
ver se se sustentam os argumentos para enquadrar a proporcionalidade como
princípio, regra, postulado normativo aplicativo e híbrido.
Em seguida, caso constatemos sua impossibilidade, vamos
investigar a natureza jurídica da proporcionalidade, de forma a estabelecer o
seu enquadramento, bem como seu âmbito de atuação. Neste ponto,
estudaremos as três etapas da proporcionalidade, quais sejam, adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito
Feito isso, passaremos à apreciação da razoabilidade, verificando
sua natureza jurídica para, então, definirmos se proporcionalidade e
razoabilidade são a mesma coisa.
Ao final de tudo isso, pretendemos identificar de forma clara as
naturezas jurídicas da proporcionalidade e da razoabilidade, a forma como elas
atuam dentro da ciência do direito, bem como o seu âmbito de atuação,
diferenciando-as, se for o caso.
11
1. A PROPORCIONALIDADE NA DOUTRINA
Neste capítulo inicial iremos analisar o que dizem os principais
autores nacionais e os doutrinadores mais difundidos no Brasil a respeito da
proporcionalidade.1 Buscaremos identificar, segundo a opinião de cada um
deles, qual sua natureza jurídica, se possui força normativa, qual a sua forma
de aplicação, dentre outros pontos de extrema relevância para melhor
compreendermos o instituto.
Ressaltamos, contudo, que a proposta deste primeiro capítulo se
restringe à apresentação das posições de cada autor, sendo que a análise
crítica sobre os respectivos posicionamentos será realizada no terceiro
capítulo, a partir das bases estabelecidas nos capítulos 1 e 2.
1.1. Luís Roberto Barroso
No que toca à posição de Luís Roberto Barroso a respeito da
proporcionalidade, cumpre atentar que o autor parte de uma premissa teórica
específica, qual seja, o pós-positivismo, a partir da qual constrói o instituto
jurídico mencionado.
Sinteticamente,2 Luís Roberto Barroso afirma que o pós-positivismo
é o marco filosófico do novo direito constitucional.3 Segundo o autor, o pós-
positivismo seria o meio termo entre o jusnaturalismo e o positivismo jurídico.
Conforme afirma, o primeiro mostrou-se insuficiente por ser considerado
metafísico e anti-científico, em que pese se pautasse em princípios de justiça
universais. De outro lado, o último primou por atender o paradigma científico
1 É importante ressaltar que a escolha dos autores utilizou como critério a amplitude da difusão de suas idéias no meio jurídico brasileiro – daí o porquê da escolha destes autores, e não outros –, assim como a diferença entre as posições por eles adotadas – a fim de evitar posicionamentos repetidos. 2 Mais a frente, no capítulo III, teremos a oportunidade de analisar mais detidamente o pós-positivismo, nos bastando, por ora, esta abordagem mais sintética. 3 Acreditamos que o autor comete uma impropriedade técnica nesta afirmação. Não se trata de marco filosófico, mas sim de marco teórico, na medida em que ele propõe a superação do modelo teórico do positivismo jurídico.
12
dominante, mas como consequência se ateve exclusivamente à forma legal e
absteve-se de discussões como legitimidade e justiça.4
De acordo com Luís Roberto Barroso, o pós-positivismo encontra
suas raízes no pós-guerra. Isto porque ao final da segunda guerra mundial
constatou-se que a separação entre ética e direito levou à institucionalização
da barbárie legalmente amparada pelo aparelhamento do Estado de Direito.
Contudo, nesse contexto de revaloração do direito, dois princípios
surgem como os pilares modernos do pós-positivismo. São eles a dignidade da
pessoa humana e a razoabilidade5:
O novo direito constitucional ou neoconstitucionalismo é, em parte, produto desse reencontro entre a ciência jurídica e a filosofia do Direito. Para poderem beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando do plano ético para o mundo jurídico, os valores morais compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que passam a estar abrigados na Constituição, explícita ou implicitamente. Alguns nela já se inscreviam de longa data, como a liberdade e a igualdade, sem embargo da evolução constante dos seus significados. Outros, conquanto clássicos, sofrearam releituras e revelaram novas sutilezas, como a democracia, a República e a separação de Poderes. Houve, ainda, princípios cujas potencialidades só foram desenvolvidas mais recentemente, como o da dignidade da pessoa humana e o da razoabilidade.6
Como se percebe, Luís Roberto Barroso atribui à razoabilidade a
natureza jurídica de princípio. Para ele a “distinção qualitativa entre regra e
princípio é um dos pilares da moderna dogmática constitucional, indispensável
para a superação do positivismo legalista (...)”.7
4 A afirmação de que o positivismo jurídico absteve-se da discussão da justiça nos parece equivocada. Hans Kelsen, maior expoente desta corrente teórica, discutiu a questão da justiça em suas obras (KELSEN, Hans. O problema da justiça. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003). Seria mais correto dizer que o positivismo priorizou a forma legal para atender ao paradigma científico dominante deixando, consequentemente, a questão da justiça em um plano secundário. 5 Como se verá logo abaixo, para o autor os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade são fungíveis, possuindo o mesmo conteúdo jurídico e forma de aplicação. 6 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 250. 7 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 328.
13
Conforme pontua, “regras são proposições normativas aplicáveis
sob a forma de tudo ou nada (all or nothing). Se os fatos nela previstos
ocorrerem, a regra deve incidir, de modo direto e automático, produzindo seus
efeitos”.8
Já com relação aos princípios, afirma o seguinte:
Princípios contêm, normalmente, uma maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante, e indicam determinada direção a seguir. (...) A colisão de princípios, portanto, não só é possível, como faz parte da lógica do sistema, que é dialético. Por isso, a sua incidência não pode ser posta em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade. Deve-se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou importância.9
É dentro dessa concepção de que normas jurídicas se dividem em
duas espécies, regras e princípios10, que o autor atribui à proporcionalidade a
natureza jurídica de princípio, impingindo-lhe, por consequência, a mesma
forma de aplicação das normas desta espécie.
Todavia, há que se notar que em sua obra Luís Roberto Barroso se
refere à razoabilidade e à proporcionalidade como sinônimos. Isto se deve,
segundo o autor, ao fato de tratar-se do mesmo princípio, mas com origem e
nomenclatura diferentes.
8 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003., p. 328. 9 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003., p. 329. 10 Importante anotar que a classificação das normas jurídicas em regras e princípios adotada pelo autor, bem como seus critérios, se baseia nas lições de Ronald Dworkin. Sobre as regras este último afirma o seguinte: “A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 39). Já no que toca aos princípios assim se manifesta: “Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm - a dimensão do peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 42).
14
Conforme pontua, o princípio da razoabilidade tem sua matriz no
direito anglo-saxão, remontando à cláusula law of the land inscrita na Magna
Charta Libertatum. Contudo, é nos Estados Unidos da América que a
razoabilidade surge como um princípio constitucional que serve como
parâmetro para o controle de constitucionalidade.
Modernamente, segundo a tradição jurídica norte-americana, o
princípio da razoabilidade encontra seu fundamento jurídico no próprio texto
constitucional, mais especificamente no princípio do devido processo legal.
Entretanto, para chegar neste ponto, o referido princípio passou por duas fazes
distintas, como explica Luís Roberto Barroso:
Na primeira fase, a cláusula teve caráter puramente processual (procedural due process), abrigando garantias voltadas, de início, para o processo penal e que incluíam os direitos a citação, ampla defesa, contraditório e recursos. Na segunda fase, o devido processo legal passou a ter um alcance substantivo (substantive due process), por via do qual o Judiciário passou a desempenhar determinados controles de mérito sobre o exercício da discricionariedade pelo legislador, tornando-se importante instrumento de defesa dos direitos fundamentais – especialmente da liberdade e da propriedade – em face do poder político. O fundamento de tais controles assentava-se na verificação da compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como na aferição da legitimidade dos fins. Por intermédio da cláusula do devido processo legal passou-se a proceder ao exame de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality) das leis e dos atos normativos em geral no direito norte-americano.11
Já o princípio da proporcionalidade, conforme a lição de Luís
Roberto Barroso, surge na Europa continental, mais especificamente na
Alemanha, aonde encontra seu fundamento jurídico-constitucional no princípio
do Estado de direito. Inicialmente o referido princípio desenvolveu-se no âmbito
do direito administrativo como limitador da discricionariedade administrativa.
Apenas após o advento da Lei Fundamental de 1949 é que este quadro se
11 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 256.
15
alterou e que, consequentemente, o princípio em tela passou a fundamentar o
controle judicial da atuação do parlamento.
Como se vê, segundo Luís Roberto Barroso os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade possuem o mesmo conteúdo jurídico. Daí
o porquê do autor afirmar o que segue:
(...) a doutrina e a jurisprudência, assim na Europa continental como no Brasil, costumam fazer referência, igualmente, ao princípio da proporcionalidade, conceito que em linhas gerais mantém uma relação de fungibilidade com o princípio da razoabilidade.12
Na esteira da fungibilidade entre razoabilidade e proporcionalidade
apontada por Luís Roberto Barroso, ele incorpora ao princípio da razoabilidade
os três subprincípios desenvolvidos pela doutrina alemã para dar mais
substância à proporcionalidade, quais sejam, adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito.13
O primeiro subprincípio (adequação) visa aferir a adequação entre o
meio empregado e o fim perseguido, isto é, busca verificar a idoneidade da
medida para produzir o resultado almejado.
Já o segundo subprincípio (necessidade ou exigibilidade da medida)
tem como escopo a verificação da existência de meios menos gravosos para a
consecução dos fins visados. Neste caso, conforme leciona o autor, “a
razoabilidade se expressa através do princípio da proibição do excesso”.14
12 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 224. 13 Em obras mais antigas o autor afirmava que a aferição da razoabilidade deveria ocorrer em dois planos: razoabilidade interna e razoabilidade externa. A primeira seria a aferição realizada dentro da própria lei, isto é, a análise da existência de uma relação racional e proporcional entre seus motivos, meios e fins. Já a segunda buscaria aferir se a lei é adequada aos meios e fins admitidos e preconizados pelo Texto Constitucional (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 226). 14 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 260.
16
Finamente, o terceiro subprincípio (proporcionalidade em sentido
estrito) consiste na ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido pela
medida, com o intuito de constatar se a medida é legítima.
1.2. Gilmar Ferreira Mendes
Uma das vozes mais ativas no Supremo Tribunal Federal no tocante
ao princípio da proporcionalidade é a do Ministro Gilmar Ferreira Mendes. É
muito comum encontrarmos em seus votos menções ao referido princípio15,
tendo ele chegado, inclusive, a debater de forma mais profunda com outros
ministros a respeito do seu cabimento e da sua forma de aplicação.16
Antes de mais nada é preciso frisar que o autor em comento atribui à
proporcionalidade a natureza jurídica de princípio, sendo que em momento
nenhum cogita qualquer outro enquadramento. Isto porque adota a posição
segundo a qual as normas constitucionais se dividem em regras e princípios,
pois entende que ambas as espécies se valem de categorias deontológicas
comuns à norma, isto é, o mandamento (determina-se algo), a permissão
(faculta-se algo) e a proibição (veda-se algo).
Admite também o autor que as regras se aplicam de forma disjuntiva
através da sistemática tudo ou nada, enquanto os princípios possuem
dimensão de peso, podendo ser aplicados em maior ou menor grau.
Pois bem, no que tange ao fundamento legal do princípio da
proporcionalidade, Gilmar Ferreira Mendes faz uma extensa pesquisa
analisando os fundamentos que são os mais frequentemente utilizados pela
15 Vide nesse sentido: RE 414426, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2011, DJe-194 DIVULG 07-10-2011 PUBLIC 10-10-2011 EMENT VOL-02604-01 PP-00076; HC 76060, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 31/03/1998, DJ 15-05-1998 PP-00044 EMENT VOL-01910-01 PP-00130. 16 Vide: ADI 855-2, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2008, DJe-059 DIVULG 26-03-2009 PUBLIC 27-03-2009 EMENT VOL-02354-01 PP-00108.
17
doutrina.17 Todavia, apresenta também o posicionamento da jurisprudência da
Corte Constitucional alemã sobre o fundamento da proporcionalidade:
A jurisprudência da Corte Constitucional alemã parece aceitar que o fundamento do princípio da proporcionalidade reside tanto no âmbito dos direitos fundamentais quanto no contexto do Estado de Direito. Todavia, afigura-se inegável que, não raras vezes, a aplicação do princípio da proporcionalidade decorre de uma compreensão ampla e geral da ordem jurídica como um todo.18
Após fazer referência ao Direito alemão, o autor faz uma análise de
diversos julgados realizados ao longo da história do Supremo Tribunal
Federal 19 e conclui que o princípio da proporcionalidade sempre esteve
presente no Direito brasileiro. Contudo, segundo pontua, entre nós ele se
situava – até a Constituição de 1988 – no âmbito dos direitos fundamentais.
Depois de 1988 o princípio da proporcionalidade passou a ser concebido como
postulado constitucional autônomo, tendo sua sede material no enunciado do
devido processo legal (artigo 5°, inciso LIV da Constituição da República).
Também Gilmar Ferreira Mendes decompõe o princípio da
proporcionalidade em três outros subprincípios. O primeiro, adequação, “exige
que as medidas internas adotadas se mostrem aptas a atingir os objetivos
pretendidos”.20 Já o segundo, necessidade, “significa que nenhum meio menos
gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos
objetivos pretendidos”. 21 O terceiro, proporcionalidade em sentido estrito,
apresenta-se como “um juízo definitivo sobre (se) a proporcionalidade da
medida há de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o
17 Proporcionalidade enquanto fundada nos direitos fundamentais; proporcionalidade como expressão do Estado de Direito; e proporcionalidade como postulado geral de direito. 18 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 250 19 Rp. 930, Rel. Min. Rodrigues Alckmin, DJ de 2-9-1977; HC 45.232, Rel. Min. Themístocles Cavalcanti, RTJ, 44/322 (327-328); RE 18.331, Rel. Min. Orozimbo Nonato, RF, 145/164 e s., 1953. 20 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.. p. 259. 21 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 259.
18
significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo
legislador”.22
No tocante à posição de Gilmar Ferreira Mendes sobre o tema, urge
ressaltar que o autor enxerga a proporcionalidade como um princípio
multifacetário, isto é, ora ela se manifesta como proibição de excesso, ora
como proibição da proteção insuficiente. Na primeira hipótese busca coibir o
excesso de poder legislativo revelado pela contrariedade, incongruência e
irrazoabilidade ou inadequação entre os meios escolhidos e os fins almejados.
Já na segunda busca afastar a conduta estatal insuficiente para atingir um
determinado objetivo, haja vista que este deveria prover uma proteção
adequada e eficaz. Como afirma o autor – recorrendo às palavras de Schlink –
a proibição da proteção insuficiente, assim como ocorre com a proibição, "nada
mais é, do ponto de vista metodológico, do que considerar referida conduta
como desproporcional em sentido estrito".23
1.3. Paulo Bonavides
No que se refere à proporcionalidade, torna-se imperioso apresentar
a posição de Paulo Bonavides. Isto porque o autor em questão é um dos
maiores entusiastas da proporcionalidade, chegando a afirmar que se trata
“daquilo que há de mais novo, abrangente e relevante em toda a teoria do
constitucionalismo contemporâneo”.24
É importante notar que o autor também adota a posição segundo a
qual as normas jurídicas se dividem em regras e princípios, sendo que os
últimos possuem dimensões distintas das primeiras. Isto porque, apoiado em
Trabucchi e Norberto Bobbio, o autor defende que os princípios possuem as
seguintes dimensões: fundamentadora, interpretativa, supletiva, integrativa,
22 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012., p. 259. 23 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 260. 24 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 434.
19
diretiva e supletiva, as quais atuam como critérios inderrogáveis para a
interpretação e aplicação das normas jurídicas.
Nessa perspectiva, o autor atribui à proporcionalidade a natureza
jurídica de princípio, o qual, amparando os direitos fundamentais, atua no
problema da limitação do poder legítimo, devendo fornecer o critério para as
limitações das liberdades individuais. Para tanto, ele afirma que a doutrina
constatou a existência de três elementos ou subprincípios que compõem o
princípio da proporcionalidade: o primeiro é o da pertinência ou aptidão, que
deve dizer se determinada medida representa o meio adequado para se atingir
determinada finalidade; o segundo é o da necessidade – também chamado de
escolha do meio mais suave –, o qual verifica se a medida adotada não há de
exceder os limites indispensáveis à conservação do fim almejado; o terceiro é o
da proporcionalidade mesma, stricto sensu, aonde será feita a escolha do meio
que, no caso específico, leve mais em conta o conjunto de interesses em jogo.
O princípio da proporcionalidade, como se vê, também para Paulo
Bonavides é composto por três subprincípios. Ademais, ao princípio da
proporcionalidade é por ele atribuído o status de princípio constitucional dotado
de força normativa cogente:
Poder-se-á enfim dizer, a esta altura, que o princípio da proporcionalidade é hoje axioma do Direito Constitucional, corolário da constitucionalidade e cânone do Estado de direito, bem como regra que tolhe toda a ação ilimitada do poder do Estado no quadro de juridicidade de cada sistema legítimo de autoridade. Sendo, como é, princípio que embarga o próprio alargamento dos limites do Estado ao legislar sobre matéria que abrange direta ou indiretamente o exercício da liberdade e dos direitos fundamentais, mister se faz proclamar a força cogente de sua normatividade.25
Nisso consiste, pois, a posição de Paulo Bonavides a respeito da
proporcionalidade.
1.4. Jorge Miranda
25 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 436.
20
A doutrina portuguesa não passou ao largo da questão envolvendo a
proporcionalidade. Até porque a Constituição da República Portuguesa de 1976
alçou expressamente a proporcionalidade ao patamar de princípio
constitucional. Neste sentido, tome-se como exemplo o artigo 18, item 2, o qual
estabelece que as restrições dos direitos, liberdades e garantias devem limitar-
se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses protegidos
pela Constituição:
Art. 18. (...) 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Entretanto, segundo Jorge Miranda não haveria sequer necessidade
da Constituição trazer expresso em vários dispositivos o dever de respeito à
proporcionalidade. Segundo defende, a ideia de proporcionalidade é inerente
às relações humanas e, consequentemente, é inerente ao Direito, na medida
em que este regula as referidas relações:
A ideia de proporcionalidade é conatural às relações entre as pessoas: a reação deve ser proporcional à ação. E é, por conseguinte, conatural ao Direito: o Direito é proporção. Mas tem sido, no campo publicístico que se tem ancorado mais expansiva e proveitosamente.26
Trata-se, portanto, na opinião do autor, de um princípio jurídico
inerente ao próprio Estado de Direito. Sobre os princípios jurídicos assim se
manifesta o autor:
Os princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito (ou do próprio Direito positivo); também eles – numa visão ampla, superadora de concepções positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais – fazem parte do complexo ordenamental. Não se contrapõem às normas, contrapõem-se
26 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - tomo IV. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 279.
21
tão-somente às regras; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e em normas-regras.27
Com relação às características dos princípios jurídicos, as quais os
diferenciam das regras jurídicas, o autor sintetiza alguns aspectos que,
segundo entende, lhes são peculiares:
A doutrina tem assinalado, de diferentes ângulos e com diversos acentos tônicos, as seguintes características dos princípios: a) A maior aproximação da ideia de Direito ou dos valores do ordenamento; b) A amplitude ou a maior generalidade frente às normas-regras; c) A irradiação ou projeção para um número vasto de regras ou preceitos, correspondentes a hipóteses de sensível heterogeneidade; d) A adstrição a fins, e não a meios ou à regulação de comportamentos; e) A versatilidade, a suscetibilidade de conteúdos com densificações variáveis ao longo dos tempo e das circunstâncias; f) A abertura, sem pretensão de regulamentação exaustiva ou em plenitude, de todos os casos; g) A expansividade perante situações ou fatos novos, sem os absorver ou neles se esgotar; h) A virtualidade de harmonização, sem revogação ou invalidação recíproca; i) A virtualidade de oferecer critérios de solução a uma pluralidade de problemas”.28
Uma vez entendido que a proporcionalidade é um princípio e que,
portanto, ela possui as características acima mencionadas, o autor passa à
análise da sua forma de aplicação. Segundo seu entendimento o princípio da
proporcionalidade se decompõe em três subprincípios, por ele chamados de
27 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - tomo II. 6ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 263. 28 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - tomo II. 6ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 265.
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idoneidade (ou adequação), necessidade e racionalidade (ou proporcionalidade
stricto sensu). O primeiro pressupõe a legitimidade do fim consignado na
norma e, a partir desta presunção, analisa se o meio escolhido é adequado à
persecução do fim.29 Já o segundo busca verificar se o meio escolhido é o mais
adequado, dentre os que poderiam ser escolhidos in abstracto, para melhor
satisfazer in concreto a realização do fim. O terceiro equivale à justa medida,
isto é, implica que se proceda a uma avaliação da medida adotada em termos
quantitativos – e não só qualitativos –, de modo que ela não fique além nem
aquém do que importa para alcançar o resultado devido. A respeito do
descumprimento de cada subprincípio assim pontua o autor:
Se não se respeitar o primeiro dos subprincípios – outro tanto é dizer o primeiro dos requisitos de atuação do poder público – haverá arbítrio. Se não se verificarem os outros dois excesso. Em suma: o juízo de proporcionalidade não se reconduz a um juízo meramente cognoscitivo. Com ele cura-se de uma funcionalidade teleológica, e não de uma qualquer funcionalidade lógica ou semântica.30
Com base em tudo isso Jorge Miranda conclui que, nas hipóteses de
descumprimento do princípio da proporcionalidade por excesso pode-se falar
em desproporcionalidade positiva, enquanto que nos casos em que o
descumprimento do princípio em questão decorre do déficit de proteção pode-
se falar em desproporcionalidade negativa. Disto deflui que, para o autor, o
próprio princípio da proporcionalidade é causa de constitucionalidade ou de
inconstitucionalidade da medida adotada.
1.5. José Joaquim Gomes Canotilho
Outro jurista português que trata do assunto em questão é José
Joaquim Gomes Canotilho. Este autor também rompe com a metodologia
jurídica tradicional que distinguia normas e princípios, e passa a adotar a
29 "Pressuposta legitimidade do fim consignado na norma, a idoneidade traduz-se na existência de um meio adequado à sua prossecução" (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - tomo IV. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 284). 30 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - tomo II. 6ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 285.
23
classificação segundo a qual normas são o gênero do qual regras e princípios
são espécies.
Segundo o autor a distinção entre regras e princípios é tarefa
particularmente complexa, mas, para atingir este objetivo, ele sugere os
critérios abaixo:
a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida. b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador, do juiz), enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta. c) Caráter de fundamentaliddade no sistema das fontes do direito: os princípios são normas de natureza estruturante ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito). d) <<Proximidade>> da idéia de direito: os princípios são <<standards>> juridicamente vinculantes radicados nas exigências de <<justiça>> (Dworkin) ou na <<idéia de direito>> (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional. e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundante.31
Com vista aos critérios de diferenciação apresentados é possível
sintetizar, como fez o autor, que as regras “são normas que, verificados
determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos
definitivos, sem qualquer exceção (direito definitivo)”.32 Por outro, no que toca
aos princípios, afirma o que segue:
31 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p.1160-1161. 32 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1255.
24
Os princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de <<tudo ou nada>>; impõem a otimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a <<reserva do possível>>, fática ou jurídica.33
No que diz respeito à proporcionalidade, insta salientar que o autor
faz uma diferenciação entre ela e a razoabilidade. Em se tratando da segunda,
esta é abordada sob a roupagem da figura do desvio de poder legislativo, pois,
segundo pontua, a referida figura não prima pela confrontação da lei com um
parâmetro externo para deduzir a sua (in)constitucionalidade, mas pelo
confronto com ela mesma, prestando especial atenção aos fins perseguidos.34
E prossegue o autor:
Contra uma concepção tão absoluta de lei como ato livre no fim, movem-se hoje poderosas críticas que tendem a assinalar dois momentos teleologicamente relevantes nos atos legislativos: (i) em primeiro lugar, a lei tem, por vezes, função de execução, desenvolvimento ou prossecução dos fins estabelecidos na constituição, pelo sempre se poderá dizer que, em última análise, a lei é vinculada ao fim constitucionalmente fixado; (ii) por outro lado, a lei, embora tendencialmente livre no fim, não pode ser contraditória, irrazoável, incongruente consigo mesma. Nas duas hipóteses assinaladas, toparíamos com a vinculação do fim da lei: no primeiro caso, a vinculação do fim da lei decorre da constituição; no segundo caso, o fim imanente à legislação imporia os limites materiais da não contraditoriedade, razoabilidade e congruência.35
Conforme o entendimento do autor, o excesso ou o desvio do poder
legislativo constitui um vício de mérito que pode justificar a nulidade da lei. Para
tanto é preciso demonstrar a existência de profunda incongruência entre o uso
do poder legislativo e os fins estabelecidos pela Constituição. Este vício de
mérito, por sua vez, pode ser de duas categorias:
33 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1255. 34 Trata-se da transferência da figura do desvio de poder dos atos administrativos para o âmbito da atividade legislativa. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1318) 35 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1318 (grifos nos original).
25
(1) vícios de mérito porque o uso do poder legislativo no sentido de impor determinadas soluções é objetivamente inadmissível perante determinadas circunstâncias, violando-se regras e princípios constitucionais (princípio da igualdade, princípio da proibição do excesso, direitos, liberdades e garantias); (2) vícios de mérito por irrazoabilidade da lei captadas através de um conjunto de manifestações (inconsequência, incoerência, ilogicidade, arbitrariedade, contraditoriedade, completo afastamento do senso comum e da consciência ético-jurídica comunitária).36
É na segunda categoria, pois, que repousa a razoabilidade, a qual,
segundo José Joaquim Gomes Canotilho, é uma das facetas de um princípio
multifacetário, qual seja, o “princípio da insindicabilidade da não contrariedade,
razoabilidade e congruência do legislador”.37
Já a proporcionalidade, de acordo com os ensinamentos do autor, é
um princípio que reforça a metódica de controle do princípio da igualdade em
caso de colisão de direitos fundamentais. Entretanto, o autor atribui ao princípio
da proporcionalidade o mesmo esquema de fundamentação e controle que
conduzem, em termos gerais, aos resultados obtidos pelo princípio da proibição
do excesso.38 O esquema em apreço consiste nas seguintes averiguações:39
36 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1320. 37 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1317. 38 Note-se que, em outra obra, o autor trata os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso como sinônimos: “Posteriormente, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido por princípio da proibição de excesso (Úbermassverbot), foi erigido à dignidade de princípio constitucional (cfr. arts. 18.72, 19.74, 265.° e 266.72)”. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 382) 39 Em obra anterior autor se detém um pouco mais na explicação de cada um deles: “a) Princípio de conformidade ou adequação de meios (Geeignetheit): Com esta exigência pretende-se salientar que a medida adotada para a realização do interesse público deve ser apropriada para a prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Conseqüentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o ato do poder público é apto para e conforme os fins justificativos da sua adoção (Zielkonformitàt, Zwecktauglichkeit). Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim. Este controlo, há muito debatido relativamente ao poder discricionário e ao poder vinculado da administração, oferece maiores dificuldades quando se trata de um controlo do fim das leis dada a liberdade de conformação do legislador; b) Princípio da exigibilidade ou da necessidade (Erforderlichkeit): Este requisito, também conhecido como «princípio da necessidade» ou da «menor ingerência possível» coloca a tônica na idéia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível. Assim, exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adotar outro meio menos oneroso para o cidadão. Dada a natural relatividade do princípio, a doutrina tenta acrescentar outros elementos conducentes a uma maior operacionalidade prática: a) a necessidade material, pois o meio deve ser o mais «poupado» possível quanto à limitação dos direitos fundamentais: b) a exigibilidade espacial aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; c) a exigibilidade temporal pressupõe a
26
(1) da legitimidade do fim do tratamento desigualitário; (2) a adequação e necessidade deste tratamento para a prossecução do fim; (3) a proporcionalidade do tratamento desigual relativamente aos fins obtidos (ou a obter).40
Com vistas ao exposto podemos concluir que José Joaquim Gomes
Canotilho diferencia razoabilidade e proporcionalidade, atribuindo a ambos a
natureza de norma jurídica da espécie princípio, sendo que, no caso da última,
esta se decompõe em três outros princípios.
1.6. Willis Santiago Guerra Filho
Em se tratando de proporcionalidade, uma das vozes brasileiras
mais significativas – e peculiares – é a de Willis Santiago Guerra Filho. Isto
porque este autor atribui a ela uma posição bastante importante dentro da sua
construção teórica acerca da ciência do direito.
Todavia, antes de chegarmos nesse ponto é preciso estabelecer que
o autor em questão adota a classificação segundo a qual as normas jurídicas
são um gênero do qual regras e princípios são espécies. Conforme leciona,
regras e princípios diferenciam-se:
a) quanto a sua estrutura lógica e deontológica, pela circunstância de as primeiras vincularem-se a fatos hipotéticos (Tatbestande) específicos, um determinado funtor ou operador normativo (‘proibido’, ‘obrigatório’, ‘permitido’), enquanto aqueles outros – os princípios – não se reportam a qualquer
rigorosa delimitação no tempo da medida coativa do poder público; d) a exigibilidade pessoal significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas, cujos interesses devem ser sacrificados.Em geral, não se discute a adoção da medida (necessidade absoluta), mas sim a necessidade relativa, ou seja, como é que o legislador poderia ter adotado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos; c) O princípio da proporcionalidade em sentido restrito (Verhãltnis-màssigkeit): Quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação do meio para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à «carga coativa» da mesma. Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de «medida» ou «desmedida» para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim”. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 382-384) 40 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1298.
27
fato particular, e transmitem uma prescrição programática genérica, para ser realizada na medida do jurídico e faticamente possível. (...) b) quanto à técnica de aplicação, já que princípios normalmente colidem entre si, diante de casos concretos, o que leva ao chamado ‘sopesamento’ (Abwägung), para aplicar o mais adequado, ao passo que regras, uma vez aceita a subsunção a elas de certos fatos, inevitavelmente decorrem as consequências jurídicas nelas previstas, a não ser que elas não sejam válidas por conflitarem com outras de um grau superior, quando, então, ao contrário do que se dá com os princípios, que apesar de contraditórios não deixam de integrar a ordem jurídica, a regra de grau inferior é derrogada.41
Verifica-se, pois, que no conflito de regras surge uma antinomia que
será resolvida no plano da validade, com a derrogação total ou parcial de uma
delas, enquanto as colisões de princípios são solucionadas no plano da
eficácia, com o acatamento de um deles, sem que isto implique a derrogação
do outro.
Não bastasse isso, o autor ainda enfrenta a questão da colisão entre
regras e princípios. De acordo com sua posição, não há que se falar na
existência de conflito direto entre regra e princípio, uma vez que “é intuitivo que
esse [princípio] deva prevalecer, embora aí, na verdade, ele prevaleça, em
determinada situação concreta, sobre o princípio em que a regra se baseia”.42
Assim, de fato será uma colisão de princípios, isto é, entre o princípio colidente
e o princípio no qual se baseia a regra em colisão.
Esse último traço distintivo entre regras e princípios, qual seja, o
modo de aplicação, nos mostra que não há princípio que seja absoluto, pois a
obediência unilateral da pauta valorativa de um determinado princípio implicaria
a infração à pauta valorativa de outro. A partir desta constatação o autor
conclui que “há uma necessidade lógica e, até, axiológica, de se postular um
‘princípio de proporcionalidade’, para que se possam respeitar normas, como
41 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência do direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 149-150. 42 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria constitucional dos princípios jurídicos e garantismo penal: por uma atualização teórica de conceitos fundamentais. In. BONAVIDES, Paulo; LIMA, Francisco Gérson Marques de; BEDÊ, Fayga Silveira. Constituição e democracia: estudos em homenagem ao professor J. J. Gomes Canotilho. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 159.
28
os princípios, tendentes a colidir”.43 É desta decorrência lógica e axiológica que
surge o princípio da proporcionalidade.
Há que ressaltar que Willis Santiago Guerra Filho não atribui um
status qualquer ao referido princípio. Isto porque o autor admite a existência de
normas com valor maior que outras, dentro do sistema jurídico. Afinal, como
preceitua, é necessário estabelecer qual o princípio de valor maior à luz do qual
se poderá equacionar de forma adequada a colisão entre os demais princípios.
Este é o princípio da proporcionalidade:
A conclusão a que se quer chegar, então, é que o princípio máximo procurado, que, por sua especialidade, tanto se diferencia dos demais, acha-se expresso na já mencionada ‘máxima de proporcionalidade’. A imposição nela contida é a de que se realiza através do Direito, concretamente e cada vez melhor, o que for jurídica e faticamente possível, para obter-se a otimização no adequamento da norma, com seu dever-ser de entidade ideal, à realidade existencial humana. É esse equilíbrio a própria ideia do Direito, manifestado inclusive na simbologia da balança, e é a ele que se pretende chegar com Estado de Direito e Democracia. A proporcionalidade na aplicação é o que permite a coexistência de princípios divergentes, podendo-se mesmo dizer que entre eles e a proporcionalidade há uma relação de mútua implicação, já que os princípios fornecem os valores para serem sopesados, e sem isso eles não podem ser aplicados.44
Daí porque o autor atribui ao princípio da proporcionalidade mais do
que a natureza jurídica de princípio, mas o alça ao patamar de princípio
ordenador do Direito, não importando, portanto, se está expresso ou não na
Constituição do país.
Ainda que se trate de princípio ordenador do Direito, o autor informa
que, na concepção desenvolvida pela doutrina alemã, este princípio se
43 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria constitucional dos princípios jurídicos e garantismo penal: por uma atualização teórica de conceitos fundamentais. In. BONAVIDES, Paulo; LIMA, Francisco Gérson Marques de; BEDÊ, Fayga Silveira. Constituição e democracia: estudos em homenagem ao professor J. J. Gomes Canotilho. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 159. 44 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência do direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 159.
29
desdobra em três aspectos 45 , quais sejam adequação, exigibilidade e
proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro deve verificar se o meio
escolhido é adequado para atingir o fim pretendido. Já o segundo deve
comprovar que o meio escolhido é o mais suave dentre os meios disponíveis,
isto é, que o menos agressivo aos bens e valores constitucionais. Finalmente, o
terceiro analisa se o meio empregado é o mais vantajoso na promoção dos
bens e valores almejados pelo fim, com o mínimo desrespeito aos que a ele se
contraponham.
Temos que ressalvar, por fim, que para o autor o princípio da
proporcionalidade e o princípio da razoabilidade são coisas diferentes,
distinção esta tão importante que ele chega a fazer o seguinte alerta:
Que nossas palavras finais, então, se dirijam aos que, em nossa Dogmática Jurídica, especialmente no campo do direito público, vêm confundindo o princípio da proporcionalidade, de origem germânica, com um outro, de origem anglo-saxonia (sic), aqui denominado, ao que parece por influência argentina, ‘princípio da razoabilidade’, quando na própria tradição britânica se fala em ‘princípio da irrazoabilidade’. O emprego do princípio da proporcionalidade, como aqui se procurou evidenciar, não se destina a evitar que absurdos sejam perpetrados na elaboração do Direito, mas sim que este seja interpretado e aplicado atendendo a um princípio de racionalidade, apto a determinar qual a melhor dentre as diversas interpretações possíveis, do ponto de vista da promoção simultânea e equânime do Estado de Direito e da Democracia, com a gama de direitos fundamentais e valores que lhes são inerentes, sendo esse mesmo compromisso com a racionalidade o principal de toda a teoria, também no campo do Direito.46
Disso resulta que, para o autor, tanto razoabilidade quanto
proporcionalidade são princípios jurídicos, mas enquanto o primeiro possui um
45 Note-se que o autor fala em “aspectos” e não em “princípios” ou “subprincípios”, o que não nos permite concluir se para ele estamos diante de normas jurídicas – se sim, de qual espécie – ou se estamos diante de topos argumentativos, como ele chega a mencionar genericamente parágrafos antes, mas sem referência direta aos três “aspectos”: “Nesse ponto, tocamos o problema crucial de toda hermenêutica constitucional, que nos leva a introduzir o topos argumentativo da proporcionalidade”. (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência do direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 179) 46 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e teoria do direito. In. GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 283.
30
grau menor de importância, e se destina somente a evitar absurdos, o segundo
tem o mais elevado grau de importância dentro do sistema, residindo nele toda
a racionalidade do ordenamento composto por regras e princípios.
1.7. Robert Alexy
Um dos principais idealizadores do princípio da proporcionalidade no
direito foi o alemão Robert Alexy. Trata-se de autor de suma importância para o
desenvolvimento da proporcionalidade no Brasil, pois foi justamente a partir da
leitura da sua obra que a grande maioria da doutrina pátria passou a adotar o
princípio da proporcionalidade nos moldes por ele desenvolvido.
Em sua Teoria dos Direitos Fundamentais o autor em questão parte
da premissa de que as normas jurídicas estão divididas em regras e princípios,
as quais diferem umas das outras essencialmente pelo seu caráter prima facie
distinto.47
Segundo Robert Alexy os princípios são normas jurídicas que
exigem que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as
possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Isto posto, eles não contêm um
mandamento definitivo, mas apenas prima facie:
Da relevância de um princípio em um determinado caso não decorre que o resultado seja aquilo que o princípio exige para esse caso. Princípios representam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas. A forma pela qual deve ser determinada a relação entre razão e contra-razão não é algo determinado pelo próprio princípio. Os princípios, portanto, não
47 Note-se que Robert Alexy parte de características muito próximas das apresentadas por Ronald Dworkin. Contudo, o primeiro não afasta o caráter prima facie apresentado na obra deste último, mas reconhece que a formulação é bastante simplista e vai além: “Diante disso, alguém poderia imaginar que os princípios têm sempre um mesmo caráter prima facie, e as regras um mesmo caráter definitivo. Um tal modelo parece estar presente na obra de Dworkin, quando ele afirma que regras, se validas, devem ser aplicadas de forma tudo ou nada, enquanto os princípio apenas contém razões que indicam uma direção, mas não têm como consequência necessária uma determinada decisão. Esse modelo é, contudo, muito simples. Um modelo diferenciado é necessário. Mas também no âmbito desse modelo diferenciado o diferente caráter prima facie das regras e do princípio deve ser mantido”. (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 104)
31
dispõem da extensão de seu conteúdo em face dos princípios colidentes e das possibilidades fáticas.48
Já as regras estão em situação diversa. No caso delas, há a
exigência de que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam e, como diz o
autor:
(...) elas têm uma determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas. Essa determinação pode falhar diante de impossibilidades jurídicas e fáticas; mas, se isso não ocorrer, então, vale definitivamente aquilo que a regra prescreve.49
Tendo em vista que os princípios não dispõem da extensão de seu
conteúdo quando diante de princípios colidentes e das possibilidades fáticas,
Robert Alexy afirma existir uma diferença entre o conflito de princípios e o
conflito de regras.
Segundo pontua o autor, o conflito de regras leva necessariamente à
invalidade de uma delas, salvo se uma delas contiver uma cláusula de
exceção. É o que vemos no brocardo “lex posteriori derogat priori”, reproduzido
no artigo 2°, §§ 1° e 2° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.50
Afinal, duas regras colidentes não podem coexistir, salvo quando forem
excepcionadas, seja pelos limites de competência51 ou pela especialidade.
Já a colisão entre princípios deve ser solucionada de uma forma
totalmente distinta, pois como apontado acima, em caso de colisão os
princípios não dispõem da extensão de seu conteúdo. Isto se deve ao fato de
que diante do caso concreto, e sob determinadas condições, um dos princípios
tem precedência sobre o outro com ele colidente. Desta forma, um dos 48 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 104. 49 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 104. 50 Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. 51 Duas leis municipais incompatíveis, mas de municípios diferentes, não se excluem porque cada uma delas atua dentro dos limites de competência que lhe foram constitucionalmente atribuídas, e não pelo critério da especialidade.
32
princípios terá que ceder, sem que esta cessão implique na sua invalidade,
haja vista que em outro caso concreto, e sob outras condições, é possível esse
mesmo princípio que hoje cede, amanhã prevaleça sobre o mesmo princípio
que hoje é prevalente.
Sobre a colisão de princípios é interessante a lição de Robert Alexy:
As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido –, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com maior peso têm precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão de peso.52
Dessa forma, pode-se afirmar com base no autor supracitado que a
colisão entre regras se soluciona no plano da validade, enquanto a colisão de
princípios se resolve no plano do peso destas normas diante do caso concreto,
respeitadas as particularidades do caso para a sua aplicação. Esta análise de
peso diante do caso concreto chama-se sopesamento.
Tendo em vista a necessidade de sopesar os princípios diante do
caso concreto, Robert Alexy afirma que o mecanismo oferecido pelo sistema
jurídico para realizar o sopesamento dos princípios colidentes é justamente
outro princípio, qual seja, o princípio53 da proporcionalidade. Para o autor, o
52 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 93-94. 53 Atente-se a existência de divergência quanto a tradução da natureza jurídica da proporcionalidade na obra de Robert Alexy. Em sua tradução da obra do mencionado autor Virgílio Afonso da Silva, traduziu a proporcionalidade como sendo uma máxima (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.). Já Luís Afonso Heck, em tradução de outra obra (ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008), traduziu a proporcionalidade como sendo um princípio. Tendo em vista que o uso da expressão princípio da proporcionalidade como
33
princípio da proporcionalidade é inerente à teoria dos princípios, já que a
própria natureza dos princípios implica a existência do princípio da
proporcionalidade, e vice versa:
Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento de sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível (sic) dessa natureza.54
O que o autor quer dizer é que, pelo fato de a colisão ser inerente
aos princípios – já que estes não dispõem de seu conteúdo quando diante de
princípios colidentes e das possibilidades fáticas – e, por consequência, por
eles possuírem uma dimensão de peso quando em conflito com outros – e não
de validade – o próprio sistema jurídico precisa oferecer um mecanismo para a
solução destas colisões que envolvem tanto elementos de natureza fática
quanto de natureza normativa. De acordo com Robert Alexy este mecanismo é
o princípio da proporcionalidade.
Todavia, o princípio da proporcionalidade se decompõe em três
subprincípios, quais sejam adequação, necessidade55 e proporcionalidade em
sentido estrito. O primeiro analisa se a medida adotada (M1) com base num
determinado princípio (P1) é adequada para atingir o seu objetivo (Z). Já o
segundo verifica, dentre as medidas adequadas (M1 e M2), qual delas afeta
menos o outro princípio (P2) que está em colisão com o princípio (P1), que
fundamenta as medidas necessárias (M1 e M2). Finalmente, o terceiro é o
mandato de sopesamento propriamente dito, isto é, a análise da possibilidade
jurídica para a realização do princípio colidente (P1) com o princípio antagônico
(P2).
decorrência da obra deste autor é o mais corrente, utilizaremos a referida expressão neste trabalho, respeitando, obviamente, a tradução quando diante de citações. 54 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 116-117. 55 O subprincípio (ou máxima parcial) da necessidade foi traduzida por Luís Afonso Heck como subprincípio da idoneidade (ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008 p. 110).
34
Nesse sentido complementa Robert Alexy:
A máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de princípios serem mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas. Já as máximas da necessidade e da adequação decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas.56
Disso decorre que, enquanto os dois primeiros subprincípios têm seu
plano de atuação direcionado para questões de ordem fática, o terceiro
subprincípio tem como pano de fundo o plano jurídico.
1.8. Virgílio Afonso da Silva
De acordo com Virgílio Afonso da Silva, para que os direitos
fundamentais possam ser teoricamente sistematizados, deve-se adotar como
premissa a distinção necessária entre regras e princípios como sendo as
espécies existentes de normas encontradas no ordenamento jurídico.
Para o autor, o principal traço distintivo entre elas é justamente a
estrutura dos direitos garantidos por estas normas. Conforme aponta, as regras
garantem direitos definitivos, enquanto os princípios garantem direitos prima
facie e, portanto, há uma grande diferença entre aquilo que eles garantem ou
impõe prima facie e o que será garantido ou imposto definitivamente:
O principal traço distintivo entre regras e princípios, segundo a teoria dos princípios, é a estrutura dos direitos que essas normas garantem. No caso das regras, garantem-se direitos (ou se impõe deveres) definitivos, ao passo que no caso dos princípios são garantidos direitos (ou são impostos deveres) prima facie.57
Note-se que a semelhança existente entre a posição de Virgílio
Afonso da Silva e de Robert Alexy não é mera coincidência. Isto se deve ao
56 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 118. 57 SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 45.
35
fato do primeiro adotar a teoria do segundo.58 Portanto, também para Virgílio
Afonso da Silva as regras se aplicam por subsunção, sendo que em caso de
incompatibilidade entre regras ou uma exclui a outra (incompatibilidade total),
ou é instituída uma regra de exceção (incompatibilidade parcial).59
Um ponto interessante é o fato de o autor tratar da colisão entre
regras e princípios, hipótese pouco aventada e bastante polêmica, que deixou
de ser devidamente explorada por Robert Alexy em sua obra60. Numa análise
inicial, a primeira possibilidade de solução seria a confrontação entre a regra e
o princípio dentro do plano da validade, sendo que, ao final, um deles seria
excluído do ordenamento jurídico61. A segunda possibilidade, ainda dentro de
uma análise inicial, seria a ponderação da regra e do princípio em colisão,
possibilidade esta que derrubaria o critério de distinção segundo o qual as
regras são normas que garantem ou impõem deveres definitivos.
A solução sugerida por Robert Alexy aponta no sentido de que
deveria ser feita uma ponderação não entre a regra (R) e o princípio (P) que
estão em colisão, mas sim entre o princípio no qual se fundamenta a regra
(PR) e o princípio (P) colidente. Contudo, Virgílio Afonso da Silva refuta esta
solução, pois entende que referida posição confere ao aplicador uma situação
de extrema liberdade diante de qualquer caso e em qualquer situação, o que
acarretaria um alto grau de insegurança jurídica.
Segundo o autor a colisão entre regra e princípio não seria uma
colisão propriamente dita. Isto porque se estaria diante do produto oriundo da
58 Tanto é assim que Virgílio Afonso da Silva é o tradutor para o português da Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy. 59 O autor apresenta como exemplo a regra que proíbe a retroação da lei penal e a outra, de mesma natureza, que determina a retroação em benefício do réu: “Assim, a regra que proíbe a retroação da lei penal tem uma conhecida exceção: a lei deve retroagir quando beneficiar o réu (art. 5°, XL, da CF). A norma (regra) deve, nesse caso, ser compreendida como ‘é proibida a retroação de leis penais, a não ser que sejam mais benéficas para o réu que a lei anterior; nesses casos, deve haver retroação’”. (SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 45) 60 O autor se limita a mencionar a hipótese em nota de rodapé, sugerindo como solução, sem maiores fundamentações, a ponderação entre o princípio que fundamenta a regra e o princípio com ela colidente. (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90) 61 De acordo com as premissas da teoria adotada por Virgílio Afonso da Silva.
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ponderação entre dois princípios realizada pelo legislador, cujo produto é uma
regra de direito ordinário. Desta forma, “a relação entre a regra e um dos
princípios não é, portanto, uma relação de colisão, mas uma relação de
restrição. A regra é a expressão dessa restrição”.62 Assim, a regra deve ser
aplicada por subsunção, conforme as demais normas da mesma espécie.
A situação se complica diante de casos em que a colisão entre uma
regra e um princípio exige a inclusão de uma determinada conduta para a
proteção de um direito fundamental, mas a referida inclusão esbarra no
preceito contrário de uma regra. E o autor exemplifica:
Um caso muito frequente nesse sentido é o levantamento dos valores da conta do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço/FGTS para pagar o tratamento de saúde de um dependente do titular da conta. A Lei 7.670/1988, em seu art. 1°, II autorizava esse levantamento para os casos em que o titular da conta era portador do HIV. A partir de determinado momento os juízes passaram a se deparar com pedidos de levantamento dos valores para o pagamento do tratamento de seus dependentes. A regra prevista na lei não poderia ser aplicada ao caso, já que não previa o benefício para a regra que restringia o uso do dinheiro do FGTS. Com base nessa ideia, muitos juízes passaram a permitir o levantamento dos valores, mesmo contra a regra legal. Como se percebe, essa estratégia pode ser considerada como um sopesamento entre o princípio que sustenta a regra e o princípio com ela colidente, mas quando muito em uma primeira decisão, que, ao menos inicialmente, é uma decisão contra legem. Não é, contudo, um sopesamento que se repete a cada decisão. Isso porque, uma vez consolidado o entendimento em determinado sentido, cria-se uma regra que institui exceção à regra proibitiva.63
Como se percebe, para Virgílio Afonso da Silva estamos diante de
uma regra como qualquer outra da mesma natureza, aplicável como as demais
mediante subsunção. A única diferença é que ela não decorre de um
dispositivo legal, mas é produto de uma construção jurisprudencial decorrente
do sopesamento (em uma primeira análise) entre dois princípios. Atente-se
62 SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 52. 63 SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 54-55.
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que, para o autor, este sopesamento se restringe ao processo de surgimento
da regra, mas não diz respeito a sua forma de aplicação.
Além da colisão entre regras e entre regras e princípios, o autor
também aborda a colisão entre princípios, sendo que, neste caso, se aproxima
bastante – ao menos até este ponto – da posição de Robert Alexy, admitindo,
também, que os princípios são mandamentos de otimização, os quais exigem
que algo seja realizado na maior medida possível, diante das condições fáticas
e jurídicas. Por conta disto, as colisões devem ser solucionadas através de
sopesamento.
Para essa finalidade, Virgílio Afonso da Silva também se vale da
proporcionalidade. Contudo, segundo pontua, não se trata de um princípio, pois
sua forma de aplicação não exige que algo seja aplicado na maior ou na menor
medida. Pelo contrário, quando diante da colisão de princípios, deve-se
necessariamente utilizar a proporcionalidade para solucionar a colisão. Esta
forma de aplicação exprime um dever definitivo e, portanto, de acordo com a
teoria apresentada assume a forma de regra.64
Dessa forma, para Virgílio Afonso da Silva não há que se falar em
princípio da proporcionalidade, mas sim em regra da proporcionalidade, por
conta de sua estrutura normativa e forma de aplicação. Esta regra da
proporcionalidade é composta por três sub-regras, quais sejam adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
De acordo com o autor, a sub-regra da adequação é o primeiro
passo na escala ascendente de aplicação da regra da proporcionalidade.
Conforme o seu entendimento, a adequação consiste em uma primeira
indagação: “a medida é adequada para fomentar a realização do objetivo 64 Não obstante sua estrutura seja a de uma regra – de acordo com a teoria por ele adotada –, o autor ainda enfrenta a questão de utilizar a expressão “máxima da proporcionalidade”, conforme sua tradução do alemão da obra de Robert Alexy: “O problema dessa denominação reside no fato de que, na linguagem jurídica brasileira, ‘máxima’ não é um termo utilizado com freqüência e, mais que isso, pode às vezes dar a impressão de se tratar não de um dever, como é o caso da aplicação da proporcionalidade, mas de uma mera recomendação”. (SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 168)
38
perseguido?” 65 Neste ponto ele critica aqueles que entendem que na
adequação deve-se analisar se a medida é adequada para realizar por
completo o objetivo perseguido, pois, segundo entende, isto é
contraproducente, uma vez que dificilmente será possível saber, com certeza,
antecipadamente, se uma medida realizará de fato aquilo a que se propõe.
Ultrapassada esta primeira etapa, isto é, o exame da adequação,
passa-se à sub-regra da necessidade que, de acordo com o autor, consiste
essencialmente em um exame comparativo. Isto porque na análise da
necessidade busca-se verificar qual das medias possíveis – a medida adotada
(M1) e a outra medida cabível (M2) – atinge o objetivo (O) restringindo menos o
direito fundamental (D). Existem, pois, duas variáveis na análise da sub-regra
da necessidade, quais sejam a eficiência da medida em atingir o objetivo (O) e
o grau de restrição ao direito fundamental (D):
Nessa comparação, como se percebe, duas são as variáveis a serem consideradas: (1) a eficiência das medidas na realização do objetivo proposto; e (2) o grau de restrição ao direito fundamental atingido. É claro que, tratando-se de duas variáveis, é necessário que se decida qual é a mais importante. Em geral fala-se na necessidade como a busca do ‘meio menos gravoso’, o que pode dar a entender que se deva dar sempre preferência à medida que restrinja menos direitos. Mas isso somente é assim caso ambas as medidas sejam igualmente eficazes na realização do objetivo. Nesse caso – e somente nesse caso – deve-se dar preferência à medida menos gravosa.
Como se percebe, para o autor no teste da necessidade não se deve
indagar se há medidas mais eficientes que a medida adotada (M1), mas
somente se há medidas tão eficientes quanto ela, mas que restrinjam menos o
direito afetado.
Vencidas as duas sub-regras anteriores, passa-se então à terceira
etapa da regra da proporcionalidade, isto é, o exame da sub-regra da
proporcionalidade em sentido estrito. Segundo o autor, esta fase consiste na
realização de sopesamento entre os direitos em colisão (D1 e D2), e tem como 65 SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 170.
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objetivo evitar que medidas, que embora sejam adequadas e necessárias,
restrinjam um direito fundamental (D2) além do limite que a realização do
objetivo (O) seja capaz de justificar.
Nessa etapa, como se percebe, a análise que deve ser feita não
está diante de qualquer espécie de arcabouço fático – estes embasavam as
análises das sub-regras anteriores –, mas apenas de elementos jurídicos, e se
opera através do sopesamento dos direitos envolvidos (D1 e D2).
Por fim, cumpre mencionar que Virgílio Afonso da Silva admite a
aplicação da regra da proporcionalidade com suas três sub-regras (adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) sempre que diante de
colisão entre direitos fundamentais na qual exista uma regra infraconstitucional.
Afinal, nestes casos a regra se apresenta como produto de um sopesamento
de princípios feito legislador, a qual se submeterá análise da adequação e da
necessidade.
Todavia, há hipóteses em que não existirá qualquer regra
infraconstitucional e que, portanto, estaremos diante de colisão direita de
princípios constitucionais diretamente aplicáveis ao caso concreto. Nestas
hipóteses, tendo em vista a falta de suporte fático essencial à aplicação das
sub-regras da adequação e da necessidade, deverá ocorrer apenas o
sopesamento dos princípios aplicáveis ao caso concreto.
1.9. Humberto Ávila
Em que pese grande parte das posições até aqui apresentadas
terem como pontos de aproximação os critérios de distinção entre regras e
princípios, e o enquadramento da proporcionalidade em uma dessas duas
categorias, Humberto Ávila parte de premissa essencialmente distinta para o
enquadramento normativo da proporcionalidade.
Segundo preceitua o autor, as normas jurídicas podem ser de graus
diferentes, isto é, existem normas de primeiro grau e normas de segundo grau.
40
Dentre as primeiras figuram as regras e os princípios. Já aquelas da segunda
espécie são os postulados normativos, que por sua vez se dividem em
hermenêuticos e aplicativos.
No que tange às normas de primeiro grau, o autor rompe com o
critério de diferenciação entre regras e princípios adotado pela maioria da
doutrina – com base nas teorias de Ronald Dworkin e Robert Alexy. Para ele,
princípios não são mandados de otimização que se diferenciam das regras na
medida em que os primeiros são aplicáveis mediante ponderação, enquanto as
segundas não a admitem, pois se aplicam mediante subsunção:
É preciso, ainda, lembrar que os princípios, eles próprios, não são mandados de otimização. Com efeito, como lembra Aarnio, o mandado consiste numa proposição normativa sobre os princípios, e, como tal, atua como uma regra (norma hipotético-condicional): será ou não cumprido. Um mandado de otimização não pode ser aplicado mais ou menos. Ou se otimiza, ou não se otimiza. O mandado de otimização diz respeito, portanto, ao uso de um princípio: o conteúdo de um princípio deve ser otimizado no procedimento de ponderação. O próprio Alexy passou a aceitar a distinção entre comandos para otimizar e comandos para serem otimizados. O ponto decisivo não é, portanto, a falta de ponderação na aplicação das regras, mas o tipo de ponderação que é feita e o modo como ela deverá ser validamente fundamentada – o que é algo diverso.66
Diante disso fica claro que, para Humberto Ávila, o fator de
diferenciação não repousa no fato de que as regras devem ser aplicadas no
critério tudo ou nada e os princípios apenas na máxima medida, mas que
ambas as espécies normativas devem ser aplicadas “de tal modo que seu
conteúdo de dever-ser seja realizado totalmente”.67
Portanto, tanto as regras quanto os princípios possuem o mesmo
conteúdo de dever-ser, sendo a única distinção entre eles a determinação da
prescrição de conduta que resulta da sua interpretação, haja vista que os
66 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 63. 67 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 63.
41
princípios não determinam diretamente a conduta a ser seguida, dependendo
mais intensamente de um ato institucional de aplicação, enquanto as regras
dependem menos intensamente de um ato institucional de aplicação, uma vez
que o comportamento já está previsto diretamente pela norma.
Tendo em vista essa ruptura entre a posição de Humberto Ávila com
os posicionamentos decorrentes das obras de Ronald Dworkin e de Robert
Alexy, o primeiro passa, então, ao conceito de regras e de princípios, o que faz
nos seguintes termos:
A regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalisticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.68
A partir desse conceito podemos verificar que: as regras são normas
imediatamente descritivas porque estabelecem obrigações, permissões e
proibições mediante a descrição da conduta a ser adotada, enquanto os
princípios são normas imediatamente finalísticas, pois estabelecem um estado
de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados
comportamento; as regras são primariamente retrospectivas na medida em que
descrevem uma situação de fato descrita pelo legislador, enquanto os
princípios são primariamente prospectivos, já que determinam um estado de
coisas a ser construído; as regras têm pretensão de decidibilidade e
abrangência na medida em que, não obstante pretenderem abranger todos os
aspectos relevantes para a tomada de decisão, têm a aspiração de gerar uma
solução específica para o conflito entre razões, enquanto os princípios têm
68 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 78-79.
42
pretensão de complementaridade e parcialidade, pois não têm pretensão de
gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para
a tomada de decisão.
Como se percebe, o autor rompe frontalmente com as conceituações
apresentadas nos itens anteriores, na medida em que, de acordo com sua
conceituação, os critérios previamente utilizados como fatores de distinção
entre regras e princípios na verdade não atendem a esta finalidade.
Não obstante o reconhecimento da existência das regras e dos
princípios, aos quais atribui o status jurídico de normas de primeiro de grau,
Humberto Ávila reconhece a existência de outra espécie de normas, que
seriam na verdade metanormas, isto é, normas que regulam a interpretação e a
aplicação das normas de primeiro grau, às quais atribui o status jurídico de
normas de segundo grau:
Os postulados funcionam diferentemente dos princípios e das regras. A uma, porque não se situam no mesmo nível; os princípios e as regras são normas objeto da aplicação; os postulados são normas que orientam a aplicação de outras. A duas, porque não possuem os mesmos destinatários: os princípios e as regras são primariamente dirigidos ao Poder Público e aos contribuintes; os postulados são frontalmente dirigidos ao intérprete e aplicador do Direito. A três, porque não se relacionam da mesma forma com outras normas: os princípios e as regras, até porque se situam no mesmo nível do objeto, implicam-se reciprocamente, quer de modo preliminarmente complementar (princípios), quer de modo preliminarmente decisivo (regras); os postulados, justamente porque se situam num metanível, orientam a aplicação dos princípios e das regras sem conflituosidade necessária com outras normas.69
Conforme antecipamos há pouco, o autor subdivide as normas de
segundo grau, isto é, os postulados, em duas espécies: postulados
hermenêuticos e postulados aplicativos. Os primeiros são abstraídos da
consciência de que, no âmbito do Direito, existem postulados cuja utilização se
faz necessária para a compreensão interna e abstrata do ordenamento jurídico,
69 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 122.
43
os quais podem funcionar como suporte para essa ou aquela alternativa de
aplicação normativa. De outro lado, os segundos partem da ideia de que a
compreensão concreta do Direito pressupõe a implementação de algumas
condições, as quais se aplicam para solucionar questões que surgem quando
da aplicação do Direito. É justamente nesta última categoria, qual seja, de
postulado normativo aplicativo, que o autor enquadra a razoabilidade e a
proporcionalidade.
Antes de mais nada é necessário atentar para o fato de que, ao
contrário do que fazem outros autores, Humberto Ávila diferencia razoabilidade
e proporcionalidade, mas considera ambas em sua formulação teórica,
atribuindo-lhes, consequentemente, importância.70 Nestes termos, o autor trata
isolada e detidamente de cada um destes dois postulados normativos
aplicativos.
No que toca à razoabilidade, Humberto Ávila defende que ela tem
como escopo principal a estruturação da aplicação de outras normas, sejam
princípios ou regras, mas sua utilização notadamente se destaca no âmbito da
aplicação das regras. Afirma, ainda, que são três as acepções de razoabilidade
que mais se destacam71:
Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é utilizada como
70 Conforme visto nos itens anteriores Luís Roberto Barroso trata razoabilidade e proporcionalidade como princípios fungíveis, enquanto outros autores, em que pese reconheçam a diferença entre ambos, não dão maior atenção à razoabilidade (vide os posicionamentos de Willis Santiago Guerra Filho, Robert Alexy e Virgílio Afonso da Silva). 71 Atente-se para o fato de que, conforme afirma o próprio autor, a razoabilidade é utilizada com vários sentidos, e não apenas os três por ele elencados. Como dito por ele, estes três são os que mais se destacam (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 151).
44
diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas.72
Diante dessa concepção tripartite de razoabilidade, o autor passa à
análise de cada uma delas.
A primeira acepção de razoabilidade é chamada de razoabilidade
como equidade. Ela exige a harmonização da norma geral com o caso
individual. Desta forma, em primeiro lugar o aplicador deve analisar as
circunstâncias de fato para verificar se elas estão dentro da normalidade e,
consequentemente, deve balizar a interpretação dos fatos descritos na norma
jurídica, como forma de preservar a eficácia de princípios axiologicamente
sobrejacentes. Em segundo lugar, caso as circunstâncias de fato transbordem
os limites da normalidade, deve analisar os aspectos particulares do caso
individual nas hipóteses em que ele é desconsiderado pela generalização legal,
pois em virtude de certas especificidades a norma geral não pode ser aplicada
a um caso anormal. Disto decorre que nem todo o fato enquadrável na previsão
legal será aplicável:
Nem toda norma incidente é aplicável. É preciso diferenciar a aplicabilidade de uma regra da satisfação das condições previstas em sua hipótese. Uma regra não é aplicável somente porque as condições previstas em sua hipótese são satisfeitas. Uma regra é aplicável a um caso se, e somente se, suas condições são satisfeitas e sua aplicação não é excluída pela razão motivadora da própria regra ou pela existência de um princípio que institua uma razão contrária. Nessas hipóteses as condições de aplicação da regra são satisfeitas, mas a regra, mesmo assim, não é aplicada.73
Diante disso, o autor conclui que esta atuação da razoabilidade na
interpretação das regras gerais, própria da razoabilidade como equidade, é
uma decorrência do princípio de justiça.
72 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 152. 73 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 154.
45
De outro lado, a segunda acepção é chamada de razoabilidade
como congruência. Nesta hipótese exige-se a harmonização das normas com
suas condições externas de aplicação. Em primeiro lugar a razoabilidade exige
que a norma que se pretende aplicar recorra a um suporte empírico existente,
isto é, a interpretação das normas exige o confronto com parâmetros externos
a ela.74 Em segundo lugar a razoabilidade exige congruência entre o critério de
diferenciação escolhido e a medida adotada. Note-se que não se analisa aqui a
relação entre meio e fim, mas somente entre critério e medida.75
Finalmente, a terceira acepção é chamada de razoabilidade como
equivalência. Ela exige uma relação de equivalência entre a medida adotada
pelo aplicador e o critério que dimensiona. É justamente nesta análise que
surge a ideia de insignificância, pois em muitos casos a sanção aplicável não
seria equivalente ao delito:
Outro exemplo refere-se às penas que devem ser fixadas de acordo com a culpabilidade do agente. Nesse sentido, a culpa serve de critério para a fixação da pena a ser cumprida, devendo a pena corresponder à culpa. (...) Consubstancia ato insignificante a contratação isolada de mão-de-obra, visando a atividade de gari, por Município, considerando o período diminuto, vindo o pedido formulado em reclamação trabalhista a ser julgado improcedente, ante a nulidade da relação jurídica por ausência do concurso público. A punição não seria equivalente ao ato delituoso.76
74 Nesse sentido o autor traz como exemplo a MC da ADI 1.158-8 AM, de relatoria do Ministro Celso de Mello, assim sintetizada nas suas próprias palavras: “Uma lei estadual institui adicional de férias de um terço para os inativos. Levada a questão a julgamento, considerou-se indevido o referido adicional, por traduzir uma vantagem destituída de causa e do necessário coeficiente de razoabilidade, na medida em que só deve ter adicional de férias que tem férias. Como consequência disso, a instituição do adicional foi anulada, em razão de violar o devido processo legal, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável”. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 155) 75 Esta hipótese é exemplificada pelo autor com outro julgado do Supremo Tribunal Federal, MC na ADI 1.753 DF, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, assim narrado por ele próprio: “Uma lei estadual determinou que o período de trabalho de secretários de Estado deveria ser contado em dobro para efeitos de aposentadoria. Levada a questão a julgamento, afirmou-se que não há razoabilidade em se considerar que o tempo de serviço de um secretário de Estado deva valer o dobro que o dos demais servidores. Em virtude disso, a distinção foi considerada inválida, pois a instituição de distinção sem causa concreta viola o princípio da igualdade”. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 157) 76 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 158.
46
Nisso consistem as três acepções de razoabilidade.
Por sua vez, no que tange à proporcionalidade,77 Humberto Ávila
pontua que se trata de postulado que estrutura a “aplicação de princípios que
concretamente se imbricam em torno de uma relação de causalidade entre um
meio e um fim”.78 Isto quer dizer que, para que seja aplicável, é necessária a
existência dos elementos que permitem sua aplicação, quais sejam um meio e
um fim concretos e uma relação de causalidade entre eles decorrente da
aplicação de princípios. Nesse sentido afirma o autor:
A proporcionalidade constitui-se em um postulado normativo aplicativo, decorrente do caráter principal das normas e da função distributiva do Direito, cuja aplicação, porém, depende do imbricamento entre bens jurídicos e da existência de uma relação meio/fim intersubjetivamente controlável. Se não houver uma relação meio/fim devidamente estruturada, então – nas palavras de Hartmut Maurer – cai o exame de proporcionalidade, pela falta de pontos de referência, no vazio.79
Como se percebe, a força estruturadora da proporcionalidade
repousa justamente na forma como podem ser precisados os efeitos do meio
utilizado e de como é definido o fim que justifica a adoção da medida.
77 Note-se que o autor diferencia o postulado da proporcionalidade dos postulados da justa proporção, da ponderação de bens, da concordância prática e da proibição do excesso, assim justificando: “enquanto esse exige uma realização proporcional de bens que se entrelaçam numa dada relação jurídica, independentemente da existência de uma restrição decorrente de medida adotada para atingir um fim externo, o postulado da proporcionalidade exige adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito de uma medida havida como meio para atingir um fim empiricamente controlável. O postulado da proporcionalidade não se identifica com o da ponderação de bens: esse último exige a atribuição de uma dimensão de importância a valores que se imbricam, sem que contenha qualquer determinação quanto ao modo como deve ser feita essa ponderação, ao passo que o postulado da proporcionalidade contém exigências precisas em relação à estrutura de raciocínio a ser empregada no ato de aplicação. O postulado da proporcionalidade não é igual ao da concordância prática: esse último exige a realização máxima de valores que se imbricam, também sem qualquer referência ao modo de implementação dessa otimização, enquanto a proporcionalidade relaciona o meio relativamente ao fim, em função de uma estrutura racional de aplicação. O postulado da proporcionalidade não se confunde com a proibição de excesso: esse último veda a restrição da eficácia mínima de princípios, mesmo na ausência de um fim externo a ser atingido, enquanto a proporcionalidade exige uma relação proporcional de um meio relativamente a um fim”. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 164-165) 78 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 162. 79 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p.162.
47
Todavia, no que tange à relação entre meio e fim, o autor faz uma
diferenciação entre os fins internos e os fins externos. Os primeiros
estabelecem um resultado a ser alcançado que reside na própria pessoa ou na
situação objeto de comparação e diferenciação, exigindo, pois, somente um
exame de correspondência, tendo em vista que, nestas hipóteses, o meio e o
fim se confundem. Neste sentido são muito elucidativas as palavras do autor a
respeito da capacidade contributiva como fim interno:
O decisivo é que os fins internos exigem determinadas medidas de apreciação que se relacionam com as pessoas ou situações, e devem realizar uma propriedade que seja relevante para determinado tratamento. Daí a razão pela qual se faz referência a medidas de justiça ou juízos de justiça: a capacidade contributiva é tanto medida, pois consiste em critério para a tributação justa, quanto fim, pois estabelece algo cuja existência fundamenta a própria realização da igualdade. A capacidade contributiva não causa a justiça da tributação; e o meio e o fim confundem-se, em razão de não poderem concretamente discernidos. Como consequência disso, o exame de igualdade do ponto de vista de um fim interno e uma medida de justiça exige tão somente um exame de correspondência.
De outro lado, no caso dos fins externos o resultado não reside na
própria pessoa ou na situação objeto de comparação. Pelo contrário, os fins
externos – como o próprio nome já diz – estabelecem resultados que se
encontram fora do sujeito ou da situação objeto de comparação, não havendo,
assim, confusão entre o meio e o fim, de tal sorte que os fins se encontram
numa dimensão extrajurídica. Neste caso, o fim a ser atingido estará
determinado em certo princípio, enquanto o meio decorrerá da aplicação de
outro princípio. Daí o porquê da proporcionalidade ser o “postulado estruturador
da aplicação de princípios que concretamente se imbricam em torno de uma
relação de causalidade entre um meio e um fim”.80
Sobre os fins externos são interessantes as palavras do autor:
80 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 162
48
Os fins externos estabelecem resultados que não são propriedades ou características dos sujeitos atingidos, mas que se constituem em finalidades atribuídas ao Estado, e que possuem uma dimensão extrajurídica. Por isso, podem-se separar duas realidades que se diferenciam no plano concreto: a relação entre meio e fim é uma relação entre causa e efeito. Os fins externos são aqueles que podem ser empiricamente dimensionados, de tal sorte que se possa dizer que determinada medida seja meio para atingir determinado fim (relação causal).81
Diante do exposto, o autor conclui que, ao contrário dos fins internos
– aonde meio e fim se confundem e, por isso, basta um exame de
correspondência –, os fins externos admitem o controle de adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
No que toca à adequação, Humberto Ávila afirma que ela exige a
existência de uma relação empírica entre o meio escolhido e o fim almejado,
isto é, o meio deve levar a realização do fim. Entretanto, para identificar seu
conteúdo e sua amplitude o autor elabora três perguntas: O que significa um
meio ser adequado à realização de um fim? Como deve ser analisada a
relação de adequação? Qual deve ser a intensidade de controle das decisões
adotadas pelo Poder Público?
Em resposta à primeira pergunta, o autor estabelece a necessidade
de se analisar as espécies de relação existentes entre os vários meios
disponíveis e o fim que se deve prover, as quais são analisáveis sob três
aspectos: quantitativo, qualitativo e probabilístico:
Em termos quantitativos, um meio pode promover menos, igualmente ou mais o fim do que outro meio. Em termos qualitativos, um meio pode promover pior, igualmente ou melhor o fim do que outro meio. E, em termos probabilísticos, um meio pode promover com menos, igual ou mais certeza o fim do que outro meio.82
81 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 164. 82 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 166.
49
Conforme pontua o autor, desta diferenciação surge uma questão: a
Administração Pública e o legislador têm o dever de escolher o mais intenso, o
melhor e o mais seguro meio para atingir o fim ou deve escolher um meio que
simplesmente promova o fim? Segundo o autor, o Poder Executivo e o Poder
Legislativo têm o dever de escolher um meio que simplesmente promova o fim,
ainda que não seja o mais intenso, o melhor, nem o mais seguro.
De outro lado, para responder à segunda pergunta, o autor pontua
ser preciso verificar em quais dimensões pode ser analisada a adequação.
Estas são de três espécies: abstração/concretude, generalidade/particularidade
e antecedência/posteridade. Na primeira dimensão, pode-se exigir a adoção de
uma medida abstratamente adequada para promover o fim, isto é, se o fim for
possivelmente realizável com sua adoção, ou pode-se exigir a adoção de uma
medida concretamente adequada para promover o fim, quer dizer, somente
será adequada se o fim for efetivamente realizado no caso concreto. Já na
segunda dimensão pode-se exigir a adoção de uma medida geralmente
adequada para promover o fim, isto é, se o fim for realizado na maioria dos
casos, ou pode-se exigir a adoção de uma medida de uma medida que seja
individualmente adequada para promover o fim, quer dizer, se todos os casos
individuais demonstrarem a realização do fim. Finalmente, na terceira
dimensão pode-se exigir a adoção de uma medida que seja adequada no
momento em que foi adotada – se a medida adotada revelou-se equivocada
em momento posterior, com informações disponíveis somente mais tarde, é
impertinente – ou exigir a adoção de uma medida que seja adequada no
momento em que vai ser julgada – se a medida adotada se mostrou
equivocada em momento posterior, com informações disponíveis mais tarde,
ainda assim será anulada.
Com vistas às três dimensões mencionadas, o autor esclarece que
“a adequação deverá ser avaliada no momento da escolha do meio pelo Poder
Público, e não em momento posterior, quando a escolha é avaliada pelo
50
julgador”.83 Isto porque, segundo afirma, este exame exige do aplicador uma
análise na qual preponderam juízos de cunho probabilístico e indutivo.84
Finalmente, no que se refere à terceira pergunta, o autor afirma ser
imprescindível analisar os dois níveis de controle, quais sejam o controle forte e
o controle fraco. No primeiro tipo, qualquer demonstração de que o meio não
promove a realização do fim é suficiente para declarar a invalidade da medida
adotada. Já no segundo, apenas uma demonstração objetiva, evidente e
fundamentada, isto é, uma comprovação cabal da inadequação, pode levar à
invalidade da medida adotada. Para o autor, o segundo modelo é o único que
se coaduna com o princípio da separação de poderes:
O exame do entrecruzamento entre o dever de preservar a liberdade do legislador e o dever de proteger os direitos fundamentais do administrado revela abstratamente uma encruzilhada em que se resguarda um âmbito mínimo de liberdade para o legislador e para o administrador. Somente uma comprovação cabal da inadequação permite a invalidação da escolha do legislador ou administrador. Essas considerações levam ao entendimento de que o exame da adequação só redunda na declaração de invalidade da medida adotada pelo Poder Público nos casos em que a incompatibilidade entre o meio e o fim for claramente manifesta. Caso contrário deve prevalecer a opção encontrada pela autoridade competente.85
Nesse diapasão, com as respostas apresentadas às três perguntas
formuladas pelo autor respondidas ele encerra o exame da adequação. Dito
isso, passamos à análise do próximo exame inerente ao postulado da
proporcionalidade, isto é, o exame da necessidade.
83 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 168. 84 Nesse ponto parece que o autor responde, de forma expressa, apenas à indagação proveniente da analise da terceira dimensão que responde à segunda pergunta, no sentido de que, neste caso, prevalece a antecedência. A posição adotada por ele deixa implícito que a prevalência da abstração/concretude (primeira dimensão) e da generalidade/particularidade (segunda dimensão) irá depender do fim que se pretende atingir. São, portanto, questões empíricas inerentes a analise da adequação. 85 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 169-170.
51
Conforme preceitua Humberto Ávila, o exame da necessidade exige
a verificação da existência de meios alternativos àquele escolhido e que
possam promover igualmente o fim almejado, restringindo em menor
intensidade os direitos fundamentais afetados. Constata-se, pois, que o exame
da necessidade se divide em duas etapas de investigação: a primeira é a do
exame da igualdade de adequação dos meios; a segunda é a do exame do
meio menos restritivo. Na primeira etapa busca-se verificar se os meios
alternativos atingem igualmente o fim – análise que já foi feita previamente com
relação à medida adotada. Na segunda, o intuito é examinar se os meios
alternativos restringem em menor medida os direitos fundamentais
colateralmente afetados.
Uma análise com base na necessidade seria simples quando diante
de meios cuja intensidade de promoção do fim é a mesma, variando, apenas, o
grau de restrição. Entretanto, nem sempre isto acontece, e a análise fica mais
problemática, como pondera o próprio autor:
Os problemas começam, porém, quando os meios são diferentes não só no grau de restrição dos direitos fundamentais, mas também no grau de promoção da finalidade. Como escolher entre um meio que restringe pouco um direito fundamental mas, em contrapartida, promove pouco o fim, e um meio que promove bastante o fim mas, em compensação, causa muita restrição a um direito fundamental? A ponderação entre o grau de restrição e o grau de promoção é inafastável.86
É justamente essa problemática que nos leva à análise do terceiro
exame inerente à proporcionalidade, qual seja o exame da proporcionalidade
em sentido estrito. Isto porque o referido exame tem como objetivo justamente
a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da
restrição aos direitos fundamentais. Ou seja, é neste ponto que ocorre a
ponderação. Sobre esta ponderação inerente ao exame da proporcionalidade
em sentido estrito assim se manifesta o autor:
86 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 172-173.
52
A pergunta que deve ser formulada é a seguinte: o grau de importância da promoção do fim justifica o grau de restrição causada aos direitos fundamentais? Ou, de outro modo: as vantagens causadas pela promoção do fim são proporcionais às desvantagens causadas pela adoção do meio? A valia da promoção do fim corresponde à desvalia da restrição causada? Trata-se, como se pode perceber, de um exame complexo, pois o julgamento daquilo que será considerado como vantagem e daquilo que será contado como desvantagem depende de uma avaliação fortemente subjetiva.87
Diante de todo o exposto, resta claro que para Humberto Ávila
razoabilidade e proporcionalidade são coisas diferentes, em que pese ambas
possuam a natureza jurídica de postulado normativo aplicativo, sendo que os
exames de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito são
inerentes apenas à última.
1.10. Eros Roberto Grau
Ao contrário dos autores até aqui apresentados, Eros Roberto Grau
apresenta uma posição que, em parte, se assemelha as anteriores, mas que,
ao final, se mostra um tanto peculiar.
De acordo com o autor mencionado, o Direito possui dois planos de
normatividade, um deles é o direito posto, enquanto o outro é o direito
pressuposto. O primeiro é o direito positivo, isto é, o direito formal. O segundo é
a relação jurídica interior à sociedade civil e que “preexistia, como direito
pressuposto, [mas que] quando o Estado põe a lei torna-se direito posto (direito
positivo)”. E o autor explica um pouco melhor o que quis dizer:88
Em outros termos: o legislador não é livre para criar qualquer direito posto (direito positivo), mas este mesmo direito transforma sua (dele) própria base. O direito pressuposto condiciona a elaboração do direito posto, mas este modifica o direito pressuposto.89
87 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 173. 88 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 63. 89 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 64.
53
E complementa mais a frente:
É que afirmar que o modo de produção da vida social determina o direito é afirmar que o direito pressuposto é um produto cultural. Cada modo de produção produz sua cultura e o direito pressuposto nasce como elemento dessa cultura.90
Pode-se dizer, portanto, que o direito posto e o direito pressuposto
possuem uma relação condicional, na qual o primeiro encontra legitimidade no
segundo, mas ao mesmo tempo o primeiro – em que pese seja legitimado por
ele – modifica o segundo, na medida em que o direito pressuposto é um
produto cultural, e que o direito posto enquanto regulação social posta pelo
Estado também é um modo de produção de cultura (vide, por exemplo, a
função educativa do direito e a função contramajoritária do direito).91
Todavia, cumpre atentar ao fato de que, para o autor, o direito
pressuposto não é extrajurídico. Pelo contrário, conforme afirma, este direito
repousa em normas jurídicas:
O direito pressuposto é fundamentalmente princípios, nada obstando, de toda sorte, a que nele vicejem regras, entendidas estas como normas jurídicas cujo grau de generalidade é mais estreito do que o grau de generalidade dos princípios. Assim, posso dizer que o direito pressuposto compreende normas, regras e especialmente princípios.92
A partir dessa afirmação podemos perceber que Eros Roberto Grau
partilha a ideia de que as normas jurídicas são um gênero, do qual regras e
princípios são espécies. Contudo, após analisar os critérios de diferenciação
90 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 64. 91 Isso porque, conforme ressalta o autor, em que pese o direito não seja uma ideologia é uma expressão ideológica: “O que pretendo afirmar, neste passo, é que, embora o direito não possa ser visualizado exclusivamente como ideologia, é também, sempre, em qualquer sociedade historicamente existente – logo, em qualquer modo de produção com existência histórica –, uma expressão ideológica”. (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 68) 92 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 77.
54
entre eles apresentados por diversos autores93, o autor elegeu três como os
critérios de diferenciação aptos a realizar este objetivo:
Primeiro: a generalidade da regra jurídica é diversa da generalidade de um princípio jurídico [Boulanger]. A regra é geral porque estabelecida para um número indeterminado de atos ou fatos; não obstante, ela é especial na medida em que não regula senão tais atos ou tais fatos; é editada para ser aplicada a uma situação jurídica determinada; já o princípio, ao contrário, é geral porque comporta uma série indefinida de aplicações. Segundo: a síntese de Canotilho, reproduzida linhas acima, no item 62, à qual me reporto.94 Terceiro: a diferença entre regra e princípio surge exclusivamente no momento da interpretação/aplicação [Prieto Sanchis e Gianformaggio], de modo que apenas no curso do processo de interpretação (no perpassar do círculo hermenêutico) o interprete poderá decidir se há ou não há conflito entre regras ou colisão entre princípios; ora, se efetivamente é o tipo de oposição (conflito ou colisão) que define regra e princípio, então apenas durante o processo de interpretação poder-se-á operar-se a distinçã.95
São estes, portanto, os critérios de diferenciação entre regras e
princípios eleitos pelo autor.
93 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 169-187. 94 “(1) Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fáticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem, proíbem) que é ou não cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky); a convivência das regras é antinômica. Os princípios coexistem; as regras antinômicas excluem-se. “(2) Conseqüentemente, os princípios, ao constituírem exigências de otimização, permitem balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como regras, à ‘lógica do tudo ou nada’), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes; as regras não deixam espaço aberto para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exata medida das suas prescrições, nem mais, nem menos. “(3) Em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objeto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas ‘exigências’ ou Standards que, em ‘primeira linha’ (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm ‘fixações normativas’ definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias. “(4) Os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são corretas devem ser alteradas)” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 5ª ed., p. 173-174. Apud, GRAU, Eros Roberto, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 20009. p. 185-186) 95 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 188.
55
Todavia, no que toca à proporcionalidade, o autor parte da premissa
de que o chamado princípio da proporcionalidade é, na verdade, um postulado
normativo aplicativo, adotando assim, expressamente, a posição defendida por
Humberto Ávila.96 Conforme afirma, a proporcionalidade não é um princípio,
pois como salientado por Robert Alexy os chamados subprincípios da
adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito não são
passíveis de ponderação, na medida em que o que se pergunta é se as suas
exigências foram satisfeitas ou não, sendo que a sua não satisfação acarreta a
nulidade da medida.
Não obstante isso, Eros Roberto Grau afirma que vem ocorrendo a
banalização da proporcionalidade, quem vem sendo considerada um princípio
superior, atribuindo-lhe a pretensão de aplicabilidade não exclusivamente no
momento da definição da norma de decisão, mas também no momento da
produção das normas jurídicas gerais, o que, além de ser contrário a sua
natureza normativa, culmina na afronta à separação de poderes:
Nossa doutrina o tem [princípio da proporcionalidade], porém, banalizado, de modo a, tomando-o como um princípio superior, pretender aplicá-lo não exclusivamente no momento da definição de cada norma de decisão, mas no primeiro momento de interpretação/aplicação do direito, o da produção das normas jurídicas gerais, o que conferiria ao Poder Judiciário a faculdade de ‘corrigir’ o legislador, invadindo a competência deste.97
No tocante à razoabilidade, o autor entende se tratar também de
postulado normativo aplicativo, e adota o mesmo critério de diferenciação
proposto por Humberto Ávila. 98 Nestes termos, tanto a proporcionalidade
96 Isso num primeiro momento, pois, mais a frente, na mesma obra, após adotar a posição de que proporcionalidade e razoabilidade são postulados normativos, conforme proposto por Humberto Ávila, o autor afirma que a proporcionalidade nada mais do que um novo nome dado à eqüidade: "O que pretendo singelamente afirmar, inspirado em Neumann, é que a proporcionalidade não passa de um novo nome dado à eqüidade". (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 193) 97 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 189. 98 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 190-191.
56
quanto a razoabilidade são postulados normativos de interpretação/aplicação99
do direito e, como tais, se prestam unicamente a informar a formulação da
norma de decisão no momento da aplicação do direito. E mais, segundo seu
entendimento, não há qualquer espécie de novidade na proporcionalidade e na
razoabilidade – no que acompanha Humberto Ávila –, haja vista que ambas
vêm sendo utilizadas na interpretação/aplicação do direito há longa data:
Nada há de novo na proporcionalidade e na razoabilidade, postulados que desde há muito – e independentemente da formulação dessas duas noções – vem o Poder Judiciário exercitando na interpretação/aplicação do direito, como se ambas estivessem contidas nas suas dobras.100
No entanto, Eros Roberto Grau parte para uma vertente bastante
peculiar, que o afasta da teoria elaborada por Humberto Ávila. Isto porque ele
afirma – apoiado em Franz Neumann – que “a proporcionalidade não passa de
um novo nome dado à equidade”.101 Para tanto o autor explica a relação da
equidade com o direito enquanto direito do Estado, bem como com o modo de
produção da economia, expondo, assim, as razões de seu declínio:
A equidade, como anotou Franz Neumann (1975:171) ao tratar da teoria jurídica liberal [liberal legal theory], era sempre denunciada como incompatível com a calculabilidade, o primeiro requisito do direito liberal [= direito moderno]. Era necessário transformar-se a equidade em um sistema rígido de normas, a fim de que fosse assegurada a calculabilidade exigida pelas transações econômicas. Como o mercado reclamava a produção de normas jurídicas, pelo Estado, que garantissem a calculabilidade e confiança nas relações econômicas, essa necessidade justificou, ainda segundo Neumann (1975:167-168), a limitação de poder da monarquia patrimonial e do feudalismo. Essa limitação culminou na instituição do poder legislativo dos parlamentos; a tarefa primordial do Estado é a criação de uma ordem jurídica que torne possível o cumprimento das
99 Conforme textualmente transcrito, a partir deste ponto o autor para de denominá-los postulados normativos aplicativos e passa chamá-los de postulados normativos da interpretação/aplicação. (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 191) 100 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 191. 101 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 193.
57
obrigações contratuais e calculável a expectativa de que essas obrigações serão cumpridas. A equidade comprometia essa calculabilidade e a segurança jurídica. Daí o direito posto pelo Estado, que a rejeita e substitui.102
Entretanto, o autor pontua que a equidade – que remonta a
Aristóteles – funciona como um balizador da lei, norma geral e abstrata,
visando garantir a justiça no caso concreto, respeitadas suas individualidades.
Desta forma, por mais que o direito moderno e o modo de produção da
economia pretendam afastar a equidade da atividade jurídica, ela muitas vezes
se faz necessária por conta de seu caráter individualizante e, então, nestas
hipóteses, a ela têm sido atribuídos outros nomes:
Lembre-se que a equidade opõe-se ao caráter geral da lei [= do direito moderno]. Como observei anteriormente (item 33), Aristóteles (1990:V 14, 14, 1.137b, 10-20] sustentava a necessidade de correção da justiça legal, porque a matéria das coisas da ordem prática reveste-se do caráter de irregularidade. Por isso, quando a lei expressa uma regra geral, e surge algo que se coloca fora dessa formulação geral, devemos, onde o legislador omitiu a previsão do caso e pecou por excesso de simplificação, corrigir a omissão e fazer-nos interpretes do que o legislador teria dito, ele mesmo, se estivesse presente neste momento, e teria feito constar da lei se conhece o caso em questão. O fato, porém, é que a lição de Aristóteles foi esquecida, a equidade foi tragada pelo direito moderno, avesso a qualquer possibilidade de subjetivismo na aplicação da lei pelo juiz. E de modo tal que, em face da realidade, quando a sua concepção é retomada – e isso desejo sustentar – em borá assumindo a mesma forma e conteúdo, ela toma outros nomes. Inicialmente, o de razoabilidade; mais recentemente, o de proporcionalidade. O que pretendo singelamente afirmar, inspirado em Neumann, é que a proporcionalidade não passa de um novo nome dado à equidade. Sua rejeição pelo direito moderno, porque incompatível com a calculabilidade e a segurança jurídica, era plenamente adequada a teoria da subsunção, hoje superada.103
102 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 192. 103 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 193.
58
Como se percebe, o autor remonta à teoria da justiça aristotélica
para buscar a noção de equidade como forma de garantia de justiça aos casos
concretos, premissas teóricas estas que vêm sendo retomadas cada vez mais
com maior amplitude pela Ética e pela Filosofia do Direito atual.104 Para tanto, o
autor fundamenta sua retomada no caminho percorrido pelo direito (posto) para
atender às exigências das relações econômicas (superestrutura; direito
pressuposto), nos moldes apresentados por Franz Neumann.
Em suma, para Eros Roberto Grau, as normas jurídicas são um
gênero do qual as espécies são as regras e os princípios. Independentemente
do critério de diferenciação adotado por ele, salta aos olhos o fato de que, para
o autor, as regras estão no plano do direito posto, enquanto os princípios estão
no plano do direito pressuposto – salvo raras exceções, conforme por ele
mencionado, mas não explicado. Entretanto, razoabilidade e proporcionalidade
não são princípios, mas postulados normativos de interpretação/aplicação105,
os quais, na verdade, sempre estiverem presentes na atividade jurídica de
interpretação/aplicação do direito, mas sob a alcunha de equidade. 106 E
encerra esclarecendo que sua atuação ocorre apenas no momento de criação
da norma de decisão – interpretação in concreto –, e não no de produção da
norma jurídica – interpretação in abstrato.
1.11. Marcelo Neves
104 Nesse sentido vide: SANDEL, Michael. Justiça: o que é fazer a coisa certa. 6ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Braisleira, 2012; AMARTYA, Sen. A idéia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011; MACINTYRE, Alasdair. Depois da virtude: um estudo em teoria moral. Bauru: EDUSC, 2001. 105 Aqui o autor não deixa claro se admite que estes postulados sejam normas jurídicas (de primeiro ou de segundo grau). Contudo, como se refere à posição de Humberto Ávila sem que faça oposição expressa neste sentido, nos parece que o autor acompanha este último no entendimento de se trata de normas de segundo grau. 106 Quando o autor afirma que a equidade assumiu inicialmente o nome de razoabilidade e, mais recentemente, o de proporcionalidade, dá a entender que ambas seriam a mesma coisa (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 193). No entanto, o autor adota na mesma obra, em momento anterior, o critério de diferenciação entre proporcionalidade e razoabilidade (como equivalência) apresentado por Humberto Ávila (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 190-191). Acreditamos, pois, que este ponto em especial merece um esclarecimento por parte do autor.
59
Assim como ocorre na obra de Humberto Ávila, Marcelo Neves
também rompe com a tradicional conceituação de regras e princípios. Isto não
quer dizer que ele afaste o reconhecimento destas duas espécies do gênero
norma jurídica, mas apenas que adota outro critério de diferenciação.
Inicialmente, o autor estabelece como premissa que somente
quando existir uma controvérsia sobre a norma a aplicar, no plano concreto,
diante do dever de proferir decisão para um conflito interpessoal, ou quando
diante do controle abstrato de normas, é que terá relevância prática e teórica a
diferenciação entre regras e princípios. Quer dizer que esta diferenciação
somente admite problematização no plano da argumentação jurídica.107 Desta
forma, “a distinção entre regras e princípios só pode ser tematizada no plano
discursivo”.108
Entretanto, o autor não para simplesmente na teoria do agir
comunicativo de Jürgen Habermas, mas analisa os dois planos (da ação e do
discurso) sob uma noção sistêmica – especialmente o segundo, que para a
finalidade de sua obra é o que mais lhe interessa –, pois é justamente esta
abordagem sistêmica que permite a discussão sobre a validade, o sentido, as
condições de cumprimento, etc. das normas a serem aplicadas. Disto decorre
que os princípios e regras são normas constantemente reconstruídas pelo
processo de argumentação jurídica.
107 Ao relegar ao plano da argumentação jurídica a discussão a respeito da diferenciação entre regras e princípios o autor se pauta na teoria de Jürgen Habermas do agir comunicativo. De acordo com esta teoria existe uma diferença entre ação e discurso, a qual é explicada pelo próprio autor: “Segundo essa concepção, no plano da ação, que faz parte de nossa prática cotidiana, as pretensões de validade são aceitas ingenuamente, não sendo problematizadas. A ação, nesse sentido, desenvolve-se na prática cotidiana, tendo como pano de fundo o ‘mundo da vida’, que constitui o ‘horizonte em que os agentes comunicativos movimentam-se’, partilhando recíproca e tacitamente as pretensões de validade envolvidas em suas manifestações e afirmações, sem questioná-las. (...) Quando, porém, as pretensões de validade sustentadas implicitamente em ações ou atos de fala são problematizadas na interação concreta e exige-se justificação do respectivo agente ou falante, entra-se no plano do discurso, no qual, diversamente do plano da ação, não se ganham novas informações, mas há intercâmbio de argumentos. Então, as próprias pretensões de validade que foram problematizadas tornam-se o objeto ou tema da discussão e precisam ser fundamentadas. O que era ingenuamente suposto como verdadeiro ou justo no plano da ação passa a ser suscetível de questionamento e crítica”. (NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 96-97) 108 NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013., p. 99.
60
No que toca ao momento da argumentação jurídica, assim dispõe o
autor:
A argumentação jurídica ocorre na intersecção entre a justificação e a aplicação das normas. Com ela, ao contrário do que pretende Günther, saímos do plano da mera aplicação ou observância (que também ocorre em modos e condições diversas conforme a situação) e procuramos dar uma nova luz à aplicação mediante a discussão sobre a justificação sistêmico-interna das normas a aplicar. 109
Todavia, poder-se-ia – com base na teoria sistêmica – terminar por
levar a distinção entre regras e princípios a uma síntese dicotômica, o que o
autor chama de forma de dois lados, isto é, assim como temos no âmbito do
sistema as dicotomias validade/invalidade, lícito/ilícito, igualdade/desigualdade,
teríamos também a dicotomia regra/princípio. Contudo, o autor afirma que a
diferença entre regra e princípio se constrói e operacionaliza a partir de dois
conceitos de conteúdo e, por isto, não seria passível de enquadramento como
forma de dois lados, isto é, não constituiria uma dicotomia no âmbito do
sistema. Pelo contrário, para explicar sistematicamente a diferença entre regra
e princípio o autor se aproxima do conceito de tipo-ideal, conforme utilizado por
Max Weber.110 A diferença é que, enquanto Max Weber constrói o conceito de
tipo-ideal a partir da noção de sujeito transcendental, o autor concebe o tipo-
ideal “como estrutura cognitiva de seleção das ciências sociais em relação à
realidade ambiente, que, diante delas, apresenta-se mais complexa e
desestruturada”.111
No entanto, no âmbito normativo, os tipos ideais não orientam
expectativas cognitivas mas, pelo contrário, estabilizam expectativas 109 NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 100-101. 110 “Os tipos ideais, definidos por Weber como ‘utopias’ gnosiológicas, nunca são encontrados em forma pura na realidade social, servindo antes como esquemas de sua interpretação com ênfase unilateral em determinados elementos mais relevantes ao conhecimento que se pretende obter. Na concepção weberiana de tipo ideal, ‘os elementos considerados não essenciais ou casuais para a constituição da hipótese’ não são tomados em conta”. (NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 101-102) 111 NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 102.
61
normativas, destinando-se, assim, à ordenação seletiva das disposições e
enunciados normativos oferecidos pelo direito positivo.112 E, conforme conclui,
“princípios e regras desempenham este papel no plano da argumentação
jurídica”.113
Diante do exposto, Marcelo Neves estabelece que os princípios são
normas no plano reflexivo, as quais possibilitam o balizamento, a construção ou
a reconstrução de regras. Já as regras são condições de aplicação dos
princípios à solução do caso, pois figuram como razões imediatas para normas
de decisão. A afirmação de que uma norma figura como princípio ou como
regra ocorrerá exclusivamente na cadeia argumentativa, e dependerá do modo
mediante o qual a norma será incorporada do ponto de vista funcional-
estrutural no processo argumentativo, isto é, durante o processo de
argumentação, que ocorre no plano do discurso, a estrutura e a função da
norma in aplicando no sistema é que definirá se ela é uma regra ou um
princípio, sendo impossível realizar esta aferição fora do plano do discurso, ou
seja, fora da argumentação jurídica.
O problema é que, por se tratar de conceitos normativos análogos
aos tipos-ideais, cuja aferição ocorre no âmbito argumentativo em meio à
dinâmica jurídica 114 , não há como imunizá-los de qualquer contaminação
recíproca. Daí a razão de o autor admitir a existência de uma terceira categoria,
à qual ele nega o status de tipo-ideal de norma jurídica, mas da qual ele não
pode retirar a normatividade (força normativa). Estes são os híbridos:
O enquadramento conceitual proposto no presente trabalho não comporta um terceiro ‘tipo-ideal’ de normas (sem que se negue aqui a existência de outros padrões no sistema jurídico além das normas). Ou as normas estão no nível reflexivo da ordem jurídica, servindo tanto para o balizamento ou a construção hermenêutica de outras normas, mas não sendo
112 Note-se que o autor inclui aqui não apenas o repertório de legislação, mas também a jurisprudência, o que é rechaçado por alguns autores. 113 NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 103. 114 O próprio autor se vale da noção de dinâmica jurídica apresentada na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, ressalvando, contudo, não adotar a teoria positivista kelseniana. (NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 117, nota 80)
62
razão definitiva para uma norma de decisão de questões jurídicas, e, portanto, devem ser classificadas primariamente como princípios; ou elas são normas suscetíveis de atuar como razão definitiva de questões jurídicas, não atuando como mecanismo reflexivo, e, portanto, devem ser classificadas primariamente como regras. Se não for possível enquadrá-la primariamente em nenhuma das categorias, cabe falar de híbridos.115
Temos, portanto, de acordo com Marcelo Neves, dois tipos-ideais de
normas que servem para estabilizar as expectativas normativas: regras e
princípios. Contudo, sempre que a análise sistêmica, ocorrida no processo
argumentativo, do ponto de vista funcional-estrutural, não permitir que se
classifique primariamente uma norma jurídica como regra ou como princípio,
estaremos diante de um híbrido que, em que pese não corresponda a um tipo-
ideal, por uma questão de lógica sistemática, deve ser encarado como uma
categoria de norma jurídica. Desta forma, existem dois tipos ideais de normas
jurídicas que são as regras e os princípios, mas, de outro lado, há três espécies
normativas, que são as regras, os princípios e os híbridos.
Pois bem, a partir da classificação de regras, princípios e híbridos,
Marcelo Neves passa à questão da proporcionalidade. Segundo afirma, a
proporcionalidade se apresenta como “uma condição de funcionamento efetivo
e consistente de uma ordem de regras e princípios”.116 Por se tratar de uma
condição de funcionamento poderia parecer inadequado, num primeiro
momento, enquadrá-la com norma jurídica. Mas, uma vez que dentro do
sistema jurídico a utilização desta condição de funcionamento passe a ser
concebida como um dever para os encarregados da interpretação/aplicação,
então, diante da imposição deste dever, ela passa a ser enquadrada como uma
norma do sistema. Neste caso a condição de funcionamento do ordenamento
passa a ser norma do ordenamento através do instituto do reentry, que é
justamente aquele que permite acolhida pelo ordenamento jurídico, na
condição de norma, de uma condição de funcionamento – ou condição de
possibilidade de funcionamento, como também chamada pelo autor – da ordem
115 NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 109. 116 NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 109-110.
63
normativa sistematizada, seja no tocante a organização coerente do sistema ou
no que diz respeito à aplicação de normas.117
No que toca ao uso dos critérios de adequação e necessidade, estas
são “normas que exigem a racionalidade pragmática de meios e fins em
relação à aplicação dos direitos fundamentais”118 e, portanto, são claramente
enquadradas como regras. Afinal, servem imediatamente à solução da
controvérsia, e se apresentam como razões definitivas para a decisão da
medida adotada na restrição de direitos fundamentais – se é adequada e
necessária ao fim que busca realizar.
Já no que diz respeito à proporcionalidade em sentido estrito, a qual
traz consigo o mandamento da ponderação – embora com ele não se confunda
– a situação muda de figura. Isto porque, sob o ponto de vista estrutural, é uma
regra, na medida em que se apresenta como um critério ou uma razão
definitiva para a solução do caso, mas no aspecto funcional é um princípio, pois
atua no nível reflexivo do sistema jurídico, articulado com os princípios em via
de sopesamento. Desta forma, conclui que a proporcionalidade em sentido
estrito é um híbrido.
Com vistas ao exposto é possível concluir que, para Marcelo Neves,
proporcionalidade é um critério que funciona como condição de funcionamento
do sistema, na medida em que viabiliza a aplicação de normas – notadamente
dos direitos fundamentais –, e que foi incorporado ao ordenamento com o
status de norma jurídica através do instituto do reentry.
117 “Por fim, cabe observar que nem todas as condições de possibilidade do funcionamento de uma ordem normativa ou da aplicação de uma norma passam a ser normas mediante reentry. Assim como os conceitos de matéria e energia enquanto condições de possibilidade da própria física não constituem uma lei física, o princípio lógico da não contradição enquanto condição de possibilidade da aplicação consistente de normas (pois eu não posso fazer e não fazer algo ao mesmo tempo), não é, em sim mesmo, norma, atuando antes como critério para que se definam normas para a solução de conflitos normativos”. (NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 111-112) 118 NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 110.
64
Entretanto, não fica claro se, uma vez incorporada ao ordenamento,
a proporcionalidade assume o caráter de norma do tipo híbrido, na medida em
que as normas dela decorrentes são enquadradas em categorias diversas,
quais sejam, a adequação e a necessidade são regras, enquanto a
proporcionalidade em sentido estrito é um híbrido; ou se, não obstante a
natureza específica da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em
sentido estrito, o critério da proporcionalidade em si, analisado isoladamente,
seria por seu enquadramento funcional uma regra, na medida em que serve
imediatamente à solução da controvérsia, apresentando-se como razão
definitiva para decisão da medida a ser adotada.
65
2. CIÊNCIA E TÉCNICA JURÍDICA
Após verificar o que diz a doutrina a respeito da proporcionalidade –
no que tange à sua natureza jurídica, forma de aplicação e sua fonte no direito
positivo –, no presente capítulo nossa proposta é analisar a relação entre
técnica e ciência na perspectiva jurídica.
Acreditamos que é de suma importância averiguar qual a relação
entre técnica e ciência dentro da ótica do direito. Afinal, o resultado desta
análise irá influenciar de forma significativa as conclusões que serão
apresentadas no terceiro capítulo, isto é, o estudo e o consequente
enquadramento da proporcionalidade no âmbito do direito.
2.1. O paradigma dominante da ciência
Em se tratando de filosofia da ciência, sabe-se que, inclusive nos
dias atuais, vigora um conceito de cientificidade pautado essencialmente nas
premissas analítico-científicas das ciências naturais, as quais se pautam na
linguagem matemática. Isto, como afirma Ernst Cassirer, se deve à descoberta
pelos gregos da linguagem dos números:
Em seus primeiros estágios, a ciência tinha ainda de aceitar os nomes das coisas no sentido em que eram usados na fala cotidiana. Podia usá-los para descrever os elementos fundamentais ou as qualidades das coisas. Nos primeiros sistemas gregos de filosofia natural, em Aristóteles, vemos que esses nomes comuns ainda exercem grande influência sobre o pensamento científico. Mas no pensamento grego esse poder já não é o único, nem o predominante. Na época de Pitágoras e dos primeiros pitagóricos, a filosofia grega havia descoberto uma nova linguagem, a dos números. Essa descoberta marcou o momento do nascimento da nossa moderna concepção de ciência.119
A partir dos gregos, a linguagem matemática começou a aforar-se
no posto de linguagem oficial da ciência, não admitindo a atribuição dos
contornos de cientificidade para outra espécie de linguagem que não ela 119 CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 342.
66
própria. Daí o porquê de Ernst Cassirer afirmar que “a ciência não fala mais a
língua da experiência sensorial comum, mas o idioma pitagórico”.120 Ou seja, a
partir da apropriação da linguagem científica pela matemática, os dados
analisados e interpretados precisam ser sistematizados dentro dos parâmetros
da linguagem matemática, sob pena de receberem a alcunha de anticientíficos.
Neste sentido, a afirmação de Boaventura de Souza Santos é emblemática:
Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário, na medida me que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas.121
Foi justamente essa lógica científico-matemática que levou Platão a
conceber um mundo das ideias concebido por conceitos absolutos (seres em
si) e formas ideais perfeitas, tendo destacado entre estas os números da
aritmética122 e as formas geométricas123, na medida em que somente eles são
concebíveis no plano da pura intelecção racional – ideia esta que, tempos
depois, influenciou a criação do método cartesiano.
Entretanto, a partir do século XVI, esse modelo de racionalidade
científica de cunho lógico-matemático encontra maior difusão com a superação
do período medieval e o advento do renascimento, no qual ocorre a
redescoberta da filosofia grega antiga, assim como a mudança de foco da
atividade intelectual, que passa do teocentrismo para o heliocentrismo. É
justamente neste cenário que a racionalidade científico-matemática atinge seu
clímax, e passa a deter, então, o monopólio da lógica e da linguagem da
ciência.
Por sua vez, ao restringir-se à lógica e à linguagem da matemática,
esse modelo de racionalidade dá à luz a dicotomia entre ciências naturais e 120 CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 349. 121 SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 21. 122 PLATÃO. A república. São Paulo: Nova Cultural, 2000. p. 237-238. (Coleção os pensadores). 123 PLATÃO. A república. São Paulo: Nova Cultural, 2000. p. 239-240. (Coleção os pensadores).
67
humanidades124, na medida em que estas últimas seriam incompatíveis com o
paradigma científico dominante. Isto, aliás, é frisado por Boaventura de Souza
Santos:
Esta nova visão do mundo e da vida reconduz-se a duas distinções fundamentais, entre conhecimento científico e conhecimento do senso comum, por um lado, e entre natureza e pessoa humana, por outro. Ao contrário da ciência aristotélica, a ciência moderna desconfia sistematicamente das evidências da nossa experiência imediata.125
E prossegue mais a frente o autor:
As ideias que presidem à observação e à experimentação são as ideias claras e simples a partir das quais se pode ascender de um conhecimento mais profundo e rigoroso da natureza. Essas ideias são as ideias matemáticas. A matemática fornece à ciência moderna, não só o instrumento privilegiado de análise, como também a lógica da investigação, como ainda o modelo de representação da própria estrutura da matéria.126
Essa abordagem segmentária, própria da lógica matemática do
paradigma científico dominante, chegou às humanidades. Se até então a
aplicação das premissas lógicas na atividade científica se restringia às ciências
naturais, a partir de um dado momento ela passou a ser aplicada às
humanidades, fazendo surgir, assim, as chamadas ciências sociais. Afinal, se
era possível através desta abordagem metodológica descobrir as leis da
natureza, seria igualmente possível descobrir as leis da sociedade. Esta
vertente filosófico-científica é assim sintetizada por Boaventura de Souza
Santos:
A primeira variante – cujo compromisso epistemológico está bem simbolizado no nome de ‘física social’ com que inicialmente se designaram os estudos científicos da sociedade – parte do pressuposto que as ciências naturais são uma
124 Aqui usamos a expressão “humanidades” e não ciências humanas de forma proposital. Isto porque a discussão sobre a cientificidade dos problemas do homem seria ainda combatida por muito tempo, à luz do modelo científico oferecido pelo paradigma dominante. 125 SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 24. 126 SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 26.
68
aplicação ou concretização de um modelo de conhecimento universalmente válido e, de resto, o único valido.127
Dessa forma, surge no âmbito da filosofia o positivismo, que outra
coisa não faz senão apropriar-se de todos os princípios epistemológicos e
metodológicos do paradigma científico dominante – que foram desenvolvidos
no âmbito das ciências naturais – e aplicá-los às ciências sociais.128
Todavia, tempos depois uma parte da filosofia da ciência começa a
romper com a aplicação indistinta do estatuto científico das ciências naturais às
humanidades. Isto porque seus defensores entendem que a análise científica
estruturada nos padrões lógico-matemáticos, que se pauta por premissas
estáticas no que toca aos quesitos espacial e temporal, é ineficaz para a
análise e explicação dos fenômenos inerentes ao homem como indivíduo e em
sociedade. Nesse sentido é a crítica de Jürgen Habermas ao positivismo:
A autocompreensão positiva amplamente dominante entre os pesquisadores adotou a tese da unidade das ciências positivas: o dualismo científico que deveria estar fundamentado na lógica da pesquisa é atrofiado segundo os critérios do positivismo e transformado em uma diferença relativa ao estado de desenvolvimento.129
Isso posto, passa-se a buscar o estabelecimento de um estatuto
epistemológico e metodológico próprio das ciências sociais, o qual deve se
pautar na especificidade do ser humano e na distinção essencial que existe
entre ele e a natureza. Sobre esta segunda vertente, assim preceitua
Boaventura da Souza Santos:
A ciência social será sempre uma ciência subjetiva e não objetiva como as ciências naturais; tem de compreender os fenômenos sociais a partir das atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às suas ações, para o que é necessário utilizar métodos de investigação e mesmo critérios epistemológicos diferentes dos correntes nas ciências naturais,
127 SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 34. 128 Foi justamente essa concepção científico-filosófica que inspirou Hans Kelsen na criação de sua Teoria Pura do Direito. Afinal, toda sua construção teórica se pauta exclusivamente na lógica formal da matemática. 129 HABERMAS, Jürgen. A lógica das ciências sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 9.
69
métodos qualitativos em vez de quantitativos, com vista à obtenção de um conhecimento intersubjetivo, descritivo e compreensivo, em vez de um conhecimento objetivo, explicativo e nomotécnico.130
No entanto, para que se desenvolva este conhecimento
intersubjetivo, descritivo e compreensivo das ciências sociais proposto por
Boaventura de Souza Santos, é imprescindível a utilização de procedimentos
analíticos e hermenêuticos, os quais se relacionam durante o processo de
pesquisa próprio das ciências sociais. Esta relação, contudo, existe em
constante tensão, e deve, como aponta Jürgen Habermas, ser equilibrada:
Enquanto as ciências naturais e as ciências humanas, que em outras circunstâncias se mostram como mutuamente indiferentes, podem viver em uma coexistência mais hostil do que pacífica, as ciências sociais precisam equilibrar internamente a tensão entre as abordagens divergentes; aqui, a própria práxis de pesquisa impõe a reflexão sobre a relação entre modos de procedimento analíticos e hermenêuticos.131
Não obstante a diferença entre essas duas vertentes científicas,
quais sejam, aquela que impõe a lógica matemática a toda a atividade científica
e a que propõe o estabelecimento de um estatuto científico próprio para as
ciências sociais, é preciso ter em mente o fato de que ambas integram o
paradigma científico dominante.
2.2. O paradigma emergente da ciência
O paradigma dominante da ciência, pautado pela lógica matemática
e pelo objetisvismo, tem como sua principal característica o determinismo. Isto
porque a ciência que conhecemos se alicerçou sobre os conceitos de ordem e
estabilidade, considerando os fatores tempo e espaço como absolutos, o que
resultaria na obtenção de resultados absolutos e previsíveis. A atividade
científica, portanto, é uma atividade orientada à certeza.
130 SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 38. 131 HABERMAS, Jürgen. A lógica das ciências sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 12. Nota-se que o autor diferencia ciências humanas de ciências sociais, concebendo que as primeiras dizem respeito ao homem isoladamente (v.g. psicologia), e que as segundas têm como objeto o homem em sociedade (v. g. sociologia).
70
Ocorre que as premissas científicas clássicas, que estruturam o
paradigma científico dominante, hoje passam por um momento de crise. Esta
crise decorre da evolução da própria atividade científica. Afinal, a lógica
matemática das ciências, pautada na ordem e na estabilidade começa a perder
espaço ante a constatação da flutuação e da instabilidade, todas elas
condicionadas às variações de tempo e espaço, as quais não são absolutas e
sujeitam o resultado da atividade científica a certo grau de previsibilidade.
Para Boaventura de Souza Santos, a crise do paradigma científico
dominante é o resultado de uma pluralidade de condições sociais e teóricas.
No tocante às últimas, o autor tece quatro observações que fundamentam esta
mudança de eixo que vem ocorrendo no paradigma científico dominante. A
primeira delas é que a identificação dos limites e das insuficiências estruturais
do paradigma científico dominante é resultado do seu próprio sucesso, pois
resulta do grande avanço no conhecimento que ele propiciou. Em segundo
lugar, o princípio da incerteza aponta para o fato de que, durante a
investigação científica, ocorre uma interferência estrutural do sujeito no objeto
observado e que, por isto, só se pode esperar resultados aproximados, sendo
que as leis da física são apenas probabilísticas. A terceira é que o teorema da
incompletude e os teoremas sobre impossibilidade, em certas circunstâncias,
mostram que nem sempre é possível encontrar dentro de um dado sistema
formal a sua consistência, mesmo seguindo a lógica da matemática. Assim, se
o rigor das leis da natureza se fundamenta justamente no rigor da linguagem
matemática, isto constituiria um silogismo, na medida em que o próprio rigor da
matemática carece de fundamento. Finalmente, que a teoria das estruturas
dissipativas e o princípio da ordem através de flutuações, todos eles
provenientes da física, demonstram que os sistemas abertos são produtos de
sua própria história. Destas observações o autor abstrai duas conclusões:
Em primeiro lugar, a reflexão é levada a cabo predominantemente pelos próprios cientistas, por cientistas que adquiriram uma competência e um interesse filosóficos para problematizar a sua prática científica. (...) A segunda faceta desta reflexão é que ela abrange questões que antes eram deixadas aos sociólogos. A análise das condições sociais, dos
71
contextos culturais, dos modelos organizacionais da investigação científica, antes acantonada no campo separado e estanque da sociologia da ciência, passou a ocupar papel de relevo na reflexão epistemológica.132
Essa posição apresentada por Boaventura de Souza Santos é uma
constatação realizada por ele, a partir dos estudos por ele realizados, acerca
do desenvolvimento da filosofia da ciência, a qual tem como base os resultados
dos experimentos científicos realizados pelos físicos.
Entretanto, Boaventura de Souza Santos é um sociólogo. Mais
interessante será ver esse mesmo raciocínio nas palavras de um físico.
De acordo com o físico Ilya Prigogine, a ciência clássica é a ciência
da estabilidade, dos resultados objetivos, previsíveis e também reversíveis. Ela
encontra seus fundamentos na dinâmica de Newton, a qual estrutura toda sua
construção teórica em leis – as famosas leis de Newton – que possuem caráter
absoluto e atemporal.
Ocorre que a física, especificamente no que toca à dinâmica, vem
realizando estudos que apresentaram como resultado a existência de sistemas
dinâmicos instáveis, isto é, objetos de estudo no campo da dinâmica que não
são apreensíveis cientificamente através da aplicação das leis de Newton
(dinâmica clássica), mas que só podem ser analisados através da
sistematização, e cujos resultados não apresentam uma resposta certa e
determinada, mas apenas possibilidades. Neste sentido são as palavras de Ilya
Prigogine:
A ciência clássica privilegiava a ordem, a estabilidade, ao passo que em todos os níveis de observação reconhecemos agora o papel primordial das flutuações e da instabilidade. Associadas a essas noções, aparecem também as escolhas múltiplas e os horizontes de previsibilidade limitada. Noções como a de caos tornaram-se populares e invadem todos os campos da ciência, da cosmologia à economia. Mas, como mostraremos neste livro, os sistemas dinâmicos instáveis levam também a uma extensão da dinâmica clássica e da física
132 SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 50-51.
72
quântica e, a partir daí, a uma formulação nova das leis fundamentais da física. Esta formulação quebra a simetria entre passado e futuro que a física tradicional afirmava, inclusive a mecânica quântica e a relatividade. Essa física tradicional unia conhecimento completo e certeza: desde que fossem dadas condições iniciais apropriadas, elas garantiam a previsibilidade do futuro e a possibilidade de retrodizer o passado. Desde que a instabilidade é incorporada, a significação das leis da natureza ganha um novo sentido. Doravante, elas exprimem possibilidades.133
Dessa forma, afirma o autor que tanto na dinâmica clássica quanto
na física quântica a lei não é mais sinônimo de certeza, mas apenas de
possibilidade. De outro lado, isto não descarta as leis. Apenas passa-se a
conceber que temos não só as leis, mas também eventos não dedutíveis delas,
os quais atualizam as suas possibilidades. Daí, portanto, a natureza apresentar
tanto processos irrevisíveis, quanto revisíveis. A diferença é que, de acordo
com Ilya Prigogine, os primeiros são a regra, e os segundos a exceção:
Enquanto os processos reversíveis são descritos por equações de evolução invariantes em relação à inversão dos tempos, como a equação de Newton na dinâmica clássica e a de Schrödinger na mecânica quântica, os processos irreversíveis implicam um quebra da simetria temporal. A natureza apresenta-nos ao mesmo tempo processos irreversíveis e processos reversíveis, mas os primeiros são a regras, e os segundos, a exceção. Os processos macroscópicos, como reações químicas e fenômenos de transporte, são irreversíveis. A radiação solar é resultado de processos nucleares irreversíveis. Nenhuma descrição da ecosfera seria possível sem os inúmeros processos irreversíveis que nela de desenrolam. Os processos reversíveis, em compensação, correspondem sempre a idealizações: devemos negligenciar a fricção para atribuir ao pêndulo um comportamento reversível, e isto só vale como uma aproximação.134
Nesse diapasão, fica claro que, conforme a física evoluiu, constatou-
se que as leis da física eram insuficientes para esclarecer uma enorme gama
de fenômenos por ela estudados. Como decorrência disso, percebeu-se que a
utilização da lógica matemática enquanto fator de cientificidade era relativa, 133 PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. 2ª ed. São Paulo: UNESP, 2011. p. 12. 134 PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. 2ª ed. São Paulo: UNESP, 2011. p. 25.
73
pois insuficiente para explicar uma série de fenômenos estudados pela ciência
e que, consequentemente, seus atributos de objetividade, previsibilidade e
reversibilidade não encontram aplicação na concepção contemporânea de
ciência, salvo nos casos de exceção. Afinal, como explica Ilya Prigogine, “as
leis da física, em sua formulação tradicional, descrevem um mundo idealizado,
um mundo estável e não o mundo instável, evolutivo, em que vivemos”.135
Daí o porquê de Boaventura de Souza Santos afirmar o que “a
noção de lei tem vindo a ser parcial e sucessivamente substituída pela noção
de sistema, de estrutura e de processo”.136
Na mesma linha, mas com uma ótica filosófica culturalista, Ernst
Cassirer também entende que a ciência contemporânea está sofrendo uma
mudança. Contudo, seu foco não está puramente nos resultados apresentados
pela ciência experimental, mas sim no simbolismo da utilização da linguagem
matemática pela ciência – que, por óbvio, acompanha os resultados da
atividade científica, tendo por base o mundo natural.
Segundo pontua, a ciência clássica se pautava na lógica matemática
tendo em vista o que o número representava, isto é, uma entidade separada
das demais, puramente intelectual, cuja linguagem objetiva, absoluta e
atemporal permitia o conhecimento de uma realidade universal independente
do tempo e do espaço.
No entanto, esta visão científica da lógica matemática se mostrou
insuficiente para analisar e descrever os objetos da ciência. Isto porque o
mundo natural não cabe dentro dos parâmetros deterministas de objetividade,
absolutismo e atemporalidade da lógica matemática.
Todavia, isso não significa para o autor o abandono da linguagem
matemática pela ciência. Pelo contrário, o que se deve alterar é o simbolismo 135 PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. 2ª ed. São Paulo: UNESP, 2011. p. 29. 136 SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 52.
74
da linguagem matemática para ciência moderna, especificamente no que toca
ao seu determinismo. Para Ernst Cassirer “o que a ciência precisa não é de um
determinismo metafísico, mas de um determinismo metodológico”. 137 E
prossegue a respeito do novo simbolismo da linguagem matemática:
O cientista age com base no princípio de que até nos casos mais complicados acabará conseguindo encontrar um simbolismo adequado que lhe permita descrever suas observações em uma linguagem universal e de compreensão geral. É certo que o cientista não nos dá uma prova lógica ou empírica de sua pressuposição fundamental. A única prova que nos apresenta é seu trabalho. Ele aceita o princípio do determinismo numérico como uma máxima condutora, uma idéia normativa que confere ao seu trabalho a sua coerência lógica e sua unidade sistêmica.138
Como se percebe, Boaventura de Souza Santos e Ilya Prigogine
postulam a ruptura do paradigma científico dominante com base na
demonstração da impossibilidade de utilização da lógica matemática – com
suas premissas deterministas, absolutas e atemporais – na atividade científica,
mostrando através de resultados científicos que grande parte dos fenômenos
estudados pela ciência apresentam resultados indeterminados e estão sujeitos
às variações de tempo e espaço, em suma, que atividade científica conduz à
probabilidade, e não à certeza.
Já Ernst Cassirer postula a ruptura do paradigma científico
dominante a partir de uma mudança de cunho simbólico na utilização da
linguagem matemática, isto é, reconhece que a linguagem matemática segue
uma lógica composta por premissas deterministas, absolutas e atemporais,
admitindo, porém, que as referidas premissas não atendem às especificidades
do objeto analisado. A diferença é que, a partir dessa constatação, o autor
reformula a interpretação do simbolismo atribuído à linguagem matemática,
postulando que, para a atividade científica, o seu determinismo, objetividade e
137 CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 356. 138 CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 357.
75
atemporalidade não devem ser atribuídos ao objeto nem ao resultado da
investigação, mas sim à metodologia utilizada.
2.3. A ciência e a técnica
Como tivemos a oportunidade de verificar acima, ciência é a busca
pelo conhecimento realizada através da análise e interpretação de determinado
objeto, a qual tem por finalidade a descrição do objeto e o estabelecimento de
uma metodologia para a posterior utilização do conhecimento adquirido. Note-
se que a atividade científica se encerra com a obtenção do resultado almejado
por aquela investigação.
Contudo, se um dos seus objetivos é o estabelecimento de uma
metodologia para posterior utilização do conhecimento adquirido, percebe-se
que falta um elo entre a atividade investigativa do cientista e a forma de
utilização deste conhecimento anteriormente adquirido. Esta ligação é realizada
justamente pela técnica.
Nesse sentido afirma Jürgen Habermas que entende por “técnica a
disposição cientificamente racionalizada sobre processos objetivados”.139 O
mesmo autor afirma o que segue:
Mas, se ela brota da ciência, e refiro-me aqui à técnica da influenciação do comportamento humano não menos do que ao domínio da natureza, então a introdução desta técnica no mundo prático da vida, a retroação da disposição técnica de âmbitos particulares na comunicação entre os sujeitos agentes, exige antes de mais [nada] uma reflexão científica.140
Na mesma linha se encontra o posicionamento de Tércio Sampaio
Ferraz, para quem “uma ciência se vale de diferentes técnicas. Mas não são as
técnicas que decidem sobre o caráter científico da investigação, e sim o
139 HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como ideologia. 2ª ed. Lisboa: Edições 70, 2006. p. 101. 140 HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como ideologia. 2ª ed. Lisboa: Edições 70, 2006. p. 100.
76
método”.141 Este pensamento é complementado pelo mesmo autor em outra
obra, que assim afirma:
Nestes termos, um pensamento tecnológico é, sobretudo, um pensamento fechado à problematização dos seus pressupostos – suas premissas e conceitos básicos têm de ser tomados de modo não-problemático – afim de cumprir sua função: criar condições para a ação.142
Dessa forma, podemos concluir que a ciência analisa o objeto, o
descreve e estabelece a metodologia para a utilização do conhecimento
adquirido, sendo que a técnica, por sua vez, decorre da metodologia
cientificamente construída, e tem como finalidade possibilitar a aplicação (na
prática) do conhecimento adquirido pela investigação científica.
2.4. A ciência e a técnica jurídica
Em se tratando especificamente de ciência jurídica é necessário ter
em mente que os modelos teóricos tradicionais de estruturação deste ramo
científico encontram-se parametrizados dentro dos preceitos do paradigma
científico dominante. Seja com base na primeira variável, que atribui à lógica
matemática os contornos de cientificidade atribuíveis a qualquer investigação,
ou ainda com base na segunda variável, a qual estabelece parâmetros
específicos para as ciências naturais e para as ciências sociais.
No que tange à primeira variável do paradigma científico dominante,
a principal vertente da filosofia da ciência foi a corrente positivista143, que no
direito teve como seu principal expoente Hans Kelsen. Este autor busca uma
concepção científica do direito estruturada sobre os parâmetros lógicos
141 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Direito, retórica e comunicação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 151. 142 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 87. 143 Sobre esta visão científica baseada na primeira vertente do paradigma científico dominante, Norberto Bobbio, em estudo sobre positivismo jurídico, assim pontua: “A ciência exclui do próprio âmbito os juízos de valor, porque ela deseja ser um conhecimento puramente objetivo da realidade, enquanto os juízos em questão são sempre subjetivos (ou pessoais) e conseqüentemente contrários a exigência de objetividade”. (BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 135)
77
próprios da matemática, aproximando-se, em sua formulação, da linguagem
que lhe é inerente. Afinal, somente assim ele consegue atingir a pureza por ele
tanto almejada144.
Para atingir esse objetivo, o autor pretendeu abstrair do direito todo
e qualquer aspecto subjetivo, variável e indeterminado, na medida em que a
lógica matemática – então travestida de lógica científica – se pauta no objetivo,
no absoluto e no determinado. Assim, ele abstraiu de sua formulação os
aspectos humano, social e axiológico, estruturando sua teoria exclusivamente
na norma jurídica:
Na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a firmação – menos evidente – de que são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou consequência, ou – por outras palavras – na medida em que constitui conteúdo de normas jurídicas.145
Tanto é assim que, sob o enfoque exclusivo da norma, Hans Kelsen
apresenta uma distinção entre a teoria estática e a teoria dinâmica do direito. A
primeira tem como objeto de estudo o conjunto de normas em vigor em um
determinado ordenamento, estaticamente consideradas. Já a segunda tem por
objeto de estudo o processo em que o direito é produzido e aplicado, isto é, o
direito em movimento. Este último, contudo, não retira em absoluto o enfoque
normativo da abordagem metodológica proposta pelo autor:
Por isso, os atos de produção e de aplicação (que, como veremos, também é ela própria produção) do Direito, que representam o processo jurídico, somente interessam ao conhecimento jurídico enquanto formam o conteúdo de normas
144 “Quando a si própria designa como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa que ela propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende liberar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 1). Daí o porquê do autor estruturar sua teoria sobre concepção de norma jurídica lógica e formalmente considerada. Esta é a única forma de afastar o direito de qualquer conteúdo material, admitindo, assim, a aplicação da lógica matemática, até então incompatível com as teorias elaboradas sobre este ramo científico. 145 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 79.
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jurídicas, enquanto são determinados por normas jurídicas. Desta forma, também a teoria dinâmica do Direito é dirigida a normas jurídicas, a saber, àquelas normas que regulam a produção e a aplicação do Direito.146
Como se percebe, é com base nessa perspectiva estritamente
formalista, abdicando de qualquer conteúdo volitivo ou valorativo, que Hans
Kelsen garante ao direito o status de ciência, pois compatibiliza a linguagem
jurídica à linguagem matemática. Ademais, ao focar o objeto de estudo do
direito na norma jurídica encontra, também, um fator de diferenciação com
relação às demais ciências:
Determinando o Direito como norma (ou, mais exatamente, como um sistema de normas, como uma ordem normativa) e limitando a ciência jurídica ao conhecimento e descrição de normas jurídicas e às relações, por estas constituídas, entre fatos que as mesmas normas determinam, delimita-se o Direito em face da natureza e a ciência jurídica, como ciência normativa, em face de todas as outras ciências que visam o conhecimento, informado pela lei da causalidade, de processos reais. Somente por esta via se alcança um critério seguro que nos permitirá distinguir univocamente a sociedade da natureza e a ciência social da ciência natural.147
Por sua vez, o autor ignora o aspecto técnico do direito, relegando,
por exemplo, a interpretação ao aspecto político, na medida em que, segundo
ele, a escolha da norma que se pretende aplicar “não é um problema de teoria
do Direito, mas um problema de política do Direito”.148
Em que pese a importância da obra de Hans Kelsen para a
sedimentação do direito enquanto ciência, sua visão lógico-matemática,
estruturada sobre parâmetros exclusivamente formais, se mostrou insuficiente,
na medida em que o direito não se resume à formulação lógica e à
sistematização de normas coercitivas que visam a regulação social. A realidade
do direito é significativamente mais ampla, e exige a formulação científica de
aspectos não contemplados na teoria deste autor.
146 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 80. 147 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 84-85. 148 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 393.
79
Nesse diapasão, surgiram diversas outras teorias visando explicar o
fenômeno jurídico, dentre as quais destacamos aquela elaborada por Tércio
Sampaio Ferraz Jr. Segundo este autor, a ciência do direito (dogmática)149 atua
no âmbito da sistematização e da interpretação do ordenamento jurídico e,
portanto, suas teorias são, antes de tudo, complexos argumentativos – e não
teorias no sentido zetético150 – com pretensão de decidibilidade de possíveis
conflitos. Desta forma, as proposições teórico-jurídicas ou tomam a forma de
orientações, ou a forma de recomendações ou ainda a forma de exortações. As
primeiras são proposições que pretendem orientar aquele que deve tomar uma
decisão oferecendo-lhe elementos cognitivos suficientes. As do meio são
proposições persuasivas que pretendem acautelar quem vai decidir,
oferecendo-lhe fatos e experiências comprovadas, as quais estarão
transformadas em regras técnicas. Já as últimas persuadem através de
sentimentos sociais e valores, em termos de princípios.151
À luz das explicações expostas torna-se possível constatar que a
ciência jurídica enquanto dogmática cumpre funções típicas de uma tecnologia,
na medida em que parte de um pensamento conceitual, vinculado ao direito
149 A dogmática é assim exposta pelo autor: “Ela explica que os juristas, em termos de um estudo estrito do direito, procurem sempre compreendê-lo e tonrá-lo aplicável dentro dos marcos da ordem vigente. Esta ordem que lhes aparece como um dado, que eles aceitam e não negam, é o ponto de partida inelutável de qualquer investigação. Ela constitui uma espécie de limitação, dentro da qual eles podem explorar as diferentes combinações para a determinação operacional de comportamentos juridicamente possíveis”. (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 48) 150 Sobre a zetética assim pontua o autor: “A zetética jurídica, nas mais diferentes discriminações, corresponde, como vimos às disciplinas que, tendo por objeto não apenas o direito, podem, entretanto, tomá-lo como um dos seus objetivos precípuos. Daí a nomenclatura das disciplinas Filosofia do Direito, Lógica Jurídica, Sociologia do Direito, História do Direito etc. O jurista, em geral, se ocupa complementarmente delas. Elas são tidas como auxiliares da ciência jurídica strictu sensu”. (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 47) 151 E o autor exemplifica: “Veja-se por exemplo, a teoria dogmática que atribui aos sindicatos o caráter de pessoa jurídica de direito privado. O jurista parte de uma classificação dos atores sociais, vistos como pessoas físicas e jurídicas. Pressupõe a distinção entre direito público (o Direito Administrativo, o Penal, o Processual) e privado (o Comercial, o Civil) e argumenta: ‘se o sindicato se caracterizasse como público, estariam irremediavelmente comprometidas tanto a liberdade sindical como a autonomia privada coletiva, valores que cada vez em intensidade maior são reconhecidos como princípios fundamentais da organização sindical, condição mesma da existência do sindicalismo’ (Nascimento, 1982:159). Note-se aí o recurso às classificações (orientações), o apelo a valores – como liberdade, autonomia – (exortações) e a menção ao fenômeno histórico e social do sindicalismo (recomendações)”. (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 87)
80
posto, que busca instrumentalizar a aplicação do direito em concreto. Isto,
aliás, é ressaltado pelo próprio autor:
Nestes termos, um pensamento tecnológico é, sobretudo, um pensamento fechado à problematização dos seus pressupostos – suas premissas e conceitos básicos têm de ser tomados de modo não-problemático – a fim de cumprir sua função: criar condições para a ação. No caso da ciência dogmática, criar condições para a decidibilidade de conflitos juridicamente definidos.152
Com vistas a este fato, Tércio Sampaio Ferraz Jr. apresenta os três
modelos através dos quais se pode encarar a questão da decidibilidade. O
primeiro modelo é chamado de analítico, pois “encara a decidibilidade como
uma relação hipotética entre conflito decisões”153, quer dizer que a questão é
determinar as possibilidades de decisão para um possível conflito. Por outro
lado o segundo modelo é chamado de hermenêutico, pois “vê a decidibilidade
do ângulo de sua relevância significativa”154, isto é, cuida da relação entre a
hipótese de conflito e a hipótese de decisão tendo em vista o seu sentido.
Finalmente, o terceiro modelo pode ser chamado de empírico, na medida em
que “encara a decidibilidade como busca das condições de possibilidade de
uma decisão hipotética para um conflito hipotético”155, ou seja, estabelece uma
relação entre hipótese de decisão e hipótese de conflito, procurando
estabelecer as condições desta relação para além da mera adequação formal
entre conflito e decisão.156
152 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 87. 153 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 93. 154 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 93. 155 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 93. 156 Os três modelos da dogmática apresentados por Tércio Sampaio Ferraz Jr. são apresentados e explicados por Maria Helena Diniz da seguinte forma: “a) O analítico, que vê a decidibilidade como uma relação hipotética entre conflito hipotético e uma decisão hipotética, procurando determinar as possibilidades de decisões para um possível conflito. A ciência do direito passa ater como escopo a sistematização de normas para obter decisões possíveis. Daí sua função organizatória, pro criar condições para classificação, tipificação e sistematização dos fatos relevantes. “b) O hermenêutico, que encara a decidibilidade do ângulo de sua relevância significativa. Trata-se de uma relação entre a hipótese de conflito e a hipótese de decisão, tendo em vista o seu sentido. Caso em que a ciência jurídica assume uma atividade interpretativa, tendo uma
81
Os modelos acima apontados estão inter-relacionados, pois a prática
jurídica apresenta uma combinação desses três modelos – ora destacando-se
mais um ou outro, ora destacando-se igualmente –, na medida em que todos
eles objetivam a solução de determinado conflito e, para tanto, utilizarão
elementos de convencimento para persuadir o destinatário do discurso. Daí o
seu caráter heurístico. A este respeito assim se posiciona Maria Helena Diniz:
Esses modelos, que estão inter-relacionados, demonstram os modos pelos quais a ciência jurídica se exerce enquanto pensamento tecnológico, pois ao objetivarem a solução de certo conflito, utilizam elementos de convencimento para persuadir o destinatário do discurso, tendo sempre uma função heurística, apesar de privilegiarem uma das funções teóricas, por possibilitarem a descoberta de algo relevante (novos fatos ou situações), criando condições para que certos conflitos sejam decididos com o mínimo de perturbação social. Ao dar preponderância a uma das funções teóricas, cada modelo engloba as demais.157
Disso decorre que o direito, dentro da dinâmica que lhe é própria, se
manifesta no plano concreto através da linguagem. Esta linguagem é utilizada
pelo cientista tanto para analisar e descrever as repercussões decorrentes das
normas jurídicas em diversos planos – filosófico, sociológico, psicológico etc. –
(zetética), quanto para analisar e sistematizar as normas do direito positivo,
atribuindo-lhes metodologicamente coerência e validade – esta última
significando aqui aceitabilidade social –, assim como oferecendo um arcabouço
técnico para viabilizar as decisões jurídicas – isto é, para possibilitar a
aplicação do direito – (dogmática).
função, primordialmente, avaliativa, por propiciar o encontro de indicadores para uma compreensão parcial ou total das relações. “c) O empírico, que vislumbra na decidibilidade uma busca de condições de possibilidade de uma decisão hipotética para um conflito hipotético. A ciência do direito procura investigar as normas de convivência, que, por serem encaradas como um procedimento decisório, fazem do pensamento jurídico um sistema explicativo do comportamento humano, enquanto controlado por normas. Eis por que (sic) sobreleva a função de previsão, que cria condições para que se possa passar do registro de certos fatos relevantes para outros fatos, eventualmente relevantes, para os quais não há registro” (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 196-197). 157 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 197.
82
Em suma, para o que interessa ao nosso trabalho, podemos abstrair
da teoria de Tércio Sampaio Ferraz Jr. que a dogmática oferece técnicas para
aplicação do direito (modelo analítico), as quais serão sopesadas juntamente
com questões fáticas de acordo com seu significado linguístico (modelo
hermenêutico) e com seu dimensionamento social (modelo empírico). Pode-se
dizer, pois, que a tecnologia jurídica é um imperativo de ordem prática.158
Por outro lado, é preciso levar em conta que a diferenciação clássica
– de origem grega – entre ciência (epistéme) e técnica (téchne) pode levar ao
reconhecimento de um terceiro elemento – também de origem grega –, qual
seja, o saber prático (phrónesis).
De acordo com Eros Roberto Grau o direito (positivo) não é uma
ciência (epistéme), haja vista que não analisa e descreve qualquer objeto. Por
outro lado, o direito é objeto de estudo de uma ciência, a assim chamada
ciência jurídica. Daí porque o autor afirma que “impõe-se distinguirmos, assim,
a ciência do direito e seu objeto, o direito. A primeira descreve – indicando
como, por quê e quando – este último”.159 Afinal, o direito não descreve, o
direito prescreve. Mesmo quando um texto normativo160 descreve uma coisa,
estado ou situação ele é prescritivo, pois “descreve para prescrever que aquela
é a descrição do que cogita”.161
Diante dessa afirmação, o autor prossegue e conclui que não há
uma única ciência do direito, mas sim um conjunto de ciências do direito – por
exemplo teoria geral do direito, história do direito, filosofia do direito, dogmática
158 A respeito da praticidade da tecnologia jurídica assim se posiciona Tércio Sampaio Ferraz jr.: “Assim, a tecnologia dogmática ao contrário da jurisprudentia romana, torna-se uma provocação, uma interpelação da vida social, para extrair dela o máximo que ela possa dar. A tecnologia jurídica atual força a vida social, ocultando-a, ao manipulá-la, ao contrário da ciência prática da Antiguidade, que se prostrava, com humildade, diante na (sic) natureza das coisas”. (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 88) 159 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 37. 160 Para o autor norma é o resultado da interpretação do texto normativo. 161 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 37.
83
jurídica (ou jurisprudência teórica), sociologia jurídica etc. – cujas linguagens
são metalinguagens, pois uma vez que tratam do direito como objeto, sua
linguagem não se confunde com a linguagem do objeto em estudo - o direito.
No tocante à dogmática jurídica (ou jurisprudência teórica) o autor
ressalta sua diferença da jurisprudência prática. A primeira tem por objeto o
estudo de problemas jurídicos visando o oferecimento de critérios a serem
adotados para a solução dos litígios. Por sua vez, a segunda se confunde com
o objeto da primeira, ou seja, “jurisprudência prática e direito (= cada direito)
são uma coisa só”.162
Com base nisso o autor diferencia hermenêutica de interpretação,
afirmando que a primeira é a ciência que trata de como interpretar, mas que
não indica esta ou aquela interpretação, isto é, indica como se decide, sem
indicar como se deve decidir. Já a interpretação se realiza no plano da
jurisprudência prática, na medida em que todo o direito reclama interpretação,
sendo ele próprio (o direito) jurisprudência prática. Portanto, não estamos no
âmbito da ciência (epistéme), mas sim na esfera da prudência, esta última
compreendida no sentido do saber prático (phrónesis). Sobre este ponto assim
expõe o autor:
O interprete autêntico163, ao produzir normas jurídicas, pratica a juris prudentia e não uma júris scientia. O interprete autêntico, então, atua segundo a lógica da preferência, e não conforme a lógica da conseqüência (Comparato 1979/127): a lógica jurídica é a da escolha entre várias possibilidades corretas. Interpretar um texto normativo significa escolher uma entre várias interpretações possíveis, de modo que a escolha seja apresentada como adequada (Larenz 1983/86). A norma não é objeto de demonstração, mas de justificação.164
Dessa forma, podemos verificar que, para Eros Roberto Grau, existe
diferença entre jurisciência e jurisprudência, sendo que a primeira é descritiva e
se opera no plano do verdadeiro/falso de acordo com uma lógica de 162 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 37. 163 Para o autor interprete autêntico é o juiz, isto é, aquele que profere o ato decisório. 164 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 41.
84
consequência, enquanto a segunda é prescritiva e se opera no plano do
certo/errado de acordo com uma lógica de preferência. Esta preferência, no
entanto, não é absoluta ou despadronizada, pois a prudência é implementada
de acordo com determinadas regras.
Ditas regras, que permitem ao autor afirmar que a prudência é
cientificamente estruturada 165 , nos parecem ser, na verdade, técnicas
oferecidas pela ciência ao interprete/aplicador166 do direito.
Não obstante a posição adotada por Eros Roberto Grau, é preciso
atentar à obra de um autor bastante mencionado por ele, que é Friedrich
Müller. Em que pese o primeiro não ter adotado integramente a teoria do
segundo, vale a pena ressaltá-la, devido às suas particularidades. Sobre sua
particularidade assim preceitua Vinícius de Mattos Magalhães:
Uma das maiores preocupações de Friedrich Müller, com a Teoria Estruturante do Direito (ou da norma jurídica) e com a metódica concretista, é, certamente, possibilitar uma união harmônica e o quanto mais racional possível entre o “direito” e a “realidade”, buscando superar o dogma positivista, de inspiração neokantista, da separação inconciliável entre ser e dever ser, reificando-se “prescrições legais e conceitos jurídicos em mera preexistência, que facilmente abandona o chão da positividade historicamente fixada e se converte em metafísica de má qualidade.” As primeiras páginas de seu Strukturierende Rechtslehre (Teoria Estruturante do Direito) são dedicadas a uma investigação, no plano da teoria das ciências, acerca dos pressupostos subjacentes às ciências humanas e naturais.167
165 “Como a prudência é sempre implementada segundo certas regras, que asseguram um mínimo de previsibilidade à decisão nela fundada, poderia ser referida como cientificamente estruturada”. (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 41) 166 Utilizamos interpretação/aplicação lado a lado porque o próprio autor as utiliza assim. Ele assim justifica sua opção: “(...) a interpretação do direito consiste em concretar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação [Gadamer 1991:401]. Assim, existe uma equação entre interpretação e aplicação: não estamos, aqui, diante de dois momentos distintos, porém frente a uma só operação [Marí 1991:236]. Interpretação e aplicação consubstanciam um processo unitário [Gadamer 1991:381], se superpõe”. (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 90) 167 MAGALHÃES, Vinícius de Mattos. O construtivismo de François Geny e a metódica estruturante de Friedrich Müller: há uma paralelismo possível entre a escola da livre investigação e a teoria estruturante do direito? Themis: Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do ceará. Fortaleza: v. 8, n. 2, ago/dez 2010. p. 20.
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Isso se deve ao fato de Friedrich Müller basear a construção de sua
teoria nos pilares da metodologia da norma jurídica. Com isto o autor pretende
trazer para o plano da norma jurídica as categorias direito e realidade,
estabelecendo, assim, uma ruptura com a tradicional divisão entre dever-ser e
ser tão fortemente arraigada no pensamento jurídico pelo positivismo:
Falando de modo tradicional, os problemas nunca se apresentam sem referência prévia a um ‘dever-ser’ e, com isso, ao mesmo tempo, a um âmbito material co-formador desse dever ser. ‘Dever-ser’ e ‘dado real’ constituem, sob o ponto de vista da teoria da norma, os dois aspectos principais da normatividade concreta em si, bem como do programa normativo e do âmbito normativo. Somente dentro dessas possibilidades estruturantes, determinadas questões apresentam-se como questões jurídicas; (...).168
Para o autor, direito e realidade – em que pese sejam coisas
distintas – se intercambiam no momento da criação da norma jurídica. Como
primeira premissa, estabelece que texto normativo e norma são coisas
essencialmente diferentes. Isto porque a norma é construída a partir do
programa normativo e do âmbito normativo (segunda premissa). Desta forma, o
texto normativo irá reproduzir o programa normativo e o âmbito normativo em
maior ou menor medida, conforme o tipo normativo169:
Ao contrário disso, o que ocorre é a dita distinção de norma e texto normativo e diferenciação teórico-normativa da estrutura normativa no programa normativo e âmbito normativo. Ambos os fatores da normatividade concreta são, de acordo com o tipo normativo, reproduzidos no texto normativo, em escala diferente.170
De uma forma sintetizada podemos dizer que, dentro do processo de
concretização da norma, o texto normativo será interpretado e, desta 168 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 207. 169 “A relação entre norma e texto normativo, ou seja, na análise teórico-normativa, a relação entre âmbito normativo, idéia normativa fundamental e sua expressão lingüística no texto literal da disposição é geralmente mais complexa. Quanto mais precisamente e mais completamente programa normativo e âmbito normativo são apreendidos pela língua no texto normativo, tanto mais fortemente a concretização pode ater-se à análise conceitual do texto literal (tradicionalmente muitas vezes mal-interpretado como ‘a norma’)”. (MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 214) 170 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 194.
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interpretação serão extraídas as suas diferentes possibilidades ou, como
chamadas pelo autor, ideias normativas. Essas ideias em conjunto integram o
programa normativo, que nada mais é do que o conjunto de interpretações
possíveis extraídas do texto normativo. O programa normativo deverá ser
interpretado conjuntamente com o âmbito normativo 171 num contexto
simultaneamente de retroalimentação e de retrolimitação172. Por sua vez o
âmbito normativo consiste nos aspectos materiais inerentes ao caso particular
ao qual será aplicada a norma173 – extraída do texto normativo. Este processo
interpretativo pressupõe a pré-compreensão174 do interprete, e é chamado de
círculo hermenêutico. O resultado deste processo será a norma jurídica:
Visto dessa maneira e expresso de modo convencional, não apenas a norma é aplicada ao caso, mas também este é aplicado à norma. Com o desenvolvimento tipológico de âmbito e programa normativos, a eficácia jurídica da disposição não é estabelecida de modo definitivo, visto que a distribuição de ambos os aspectos, juntamente com outros dados, é diferente em função do grau de precisão de sua aplicação no caso particular.175
171 “Por causa da formação jurídica existente, o âmbito normativo não se limita ao puro empirismo de um recorte da realidade. Ele não engloba a totalidade absoluta dos fatos a serem concretamente inseridos nesse recorte, porque, como parte integrante da norma estruturante vista, ele só aparece quando o programa normativo assinala, no processo da interpretação prática e na aplicação das normas jurídicas, as estruturas básicas relevantes desse âmbito normativo, considerando o caso particular. “É também no sentido dessa abordagem metódica (senão na apreensão de sentido perfeita e passível de ser isolada) que o programa normativo indica se em que medida essas estruturas básicas devem ser deixadas como estão e protegidas ou alteradas em seu resultado”. (MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 249) 172 “A idéia estruturante mais precisa do âmbito normativo é, ao contrário, restrita pelo programa normativo. Ambos em conjunto se mostram ao intérprete em diferentes relações de mistura, bem como em graus de precisão muito diversos no texto normativo. Aliás, esse texto já mostra de forma bem geral que ‘realidade’ aqui não pode ser entendida como o acúmulo de fatores heterogêneos, mas apenas como o recorte da realidade dos fatos, para o qual a norma é determinante, sendo tal recorte também determinante para a norma”. (MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 215) 173 “Estruturas materiais reais, geralmente já na situação co-formada pelo direito, constituem os âmbitos normativos em uma parte essencial, e de antemão fazem da normatividade jurídico-positiva normatividade materialmente determinada, não permitindo uma separação das fases puramente lógicas da concretização”. (MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 204) 174 “A pré-compreensão como um conjunto de atitudes, opiniões e antecipações de conteúdos que não passaram por uma reflexão e que em grande parte são intermediadas pela língua, assim como a pré-compreensão teórico-constitucional a ser desenvolvida pelo interprete dizem respeito à concretização da norma jurídica e, ao mesmo tempo, à concretização do caso jurídico a ser solucionado e que está em inseparável conexão com ela”. (MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 267) 175 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 255.
87
No tocante ao círculo hermenêutico, é preciso ressaltar que, não
obstante Friedrich Müller utilize a referida expressão, para ele a figura que
melhor representa a relação das interpretações que culminam na criação da
norma é a elipse.176 Isto porque, conforme explica, o processo de criação da
norma segue premissas metodológicas, as quais buscam racionalizá-lo através
de critérios pré-estabelecidos (programa normativo e âmbito normativo), os
quais estão abertos aos aspectos que concretamente influenciam a criação da
norma (interpretações do texto normativo e aspectos materiais do caso
concreto). Neste sentido são as palavras do autor:
A intermediação elíptica de dados admissíveis e as tônicas do programa normativo e do âmbito normativo devem aumentar, sem um esforço fictício pela apreensão de sentido perfeita e determinante, os pontos de vista que metodicamente precisam de fundamentação, auxiliando, assim, a esfera de ordenamento da disposição a ser concretizada a se tornar racionalmente mais transparente do que seria possível com argumentos no âmbito apenas linguístico ou apenas subjetivamente valorativo e ponderativo. A elipse aponta na direção de critérios que se ‘inserem entre’ a norma textual abstrata da norma jurídica e a norma concretizada de decisão. No sentido de um meio-termo teórico, a norma jurídica aparece como modelo de um ordenamento parcial materialmente determinado, modelo esse que se divide entre os motivos condutores do programa normativo e âmbito normativo e que constitui para as normas de decisão a serem concretamente desenvolvidas uma esfera formulada de modo mais ou menos sólido sob o ponto de vista material e mais ou menos completa em termos linguísticos.177
Conforme demonstrado, é a relação metodologicamente estruturada
entre programa normativo e âmbito normativo que permite estruturalmente a
criação da norma jurídica. Esta norma, por sua vez, devido à estruturação do
176 “O circulo hermenêutico corresponde melhor ao problema das ciências humanas em geral, sobretudo ao problema filológico do entendimento, ao processo da ‘interpretação’ do que ao desdobramento do texto ligado à configuração lingüística. A elipse é, para nos mantermos no plano figurativo, reduzida ao círculo, ou seja, a uma figura geométrica com apenas um foco (o ponto central do círculo),somente porque o entendimento da interpretação serve de base ao círculo hermenêutico como uma questão textual. A ciência normativa da ciência jurídica não pode se contentar com um tal estreitamento de seu campo de problemas, em nome da normatividade materialmente determinada de disposições legais a serem efetivadas” (MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 261). 177 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 261-262.
88
seu processo de criação, está aberta à influência dos fatores provenientes da
inter-relação entre programa normativo e âmbito normativo, bem como está
sujeita às limitações dos mesmos. Portanto, trata-se uma teoria que estrutura
metodologicamente a norma e, ao fazê-lo, estrutura consequentemente o
sistema178 no qual está inserida esta norma sem, contudo, fechar o sistema às
influências linguísticas, sensoriais e materiais inerentes à norma. Daí resulta,
pois, o caráter científico da teoria estruturante do direito de Friedrich Müller.
Não obstante a formulação metodológica apresentada pelo autor,
poderia parecer, num primeiro momento, que esta metodologia retiraria o
caráter técnico do direito. Contudo, a estruturação científica do autor demanda
técnica para a aplicação dos fatores provenientes do programa normativo e do
âmbito normativo. Isto posto, a técnica indicada por ele é a tópica:179
Os topoi que servem de base ao espaço normativo, na esfera da tradição jurídica, são fatores da normatividade que não reproduzem plenamente a norma do texto literal da disposição concretizada no caso particular, mas apenas a indicam.180
178 “O caráter da ligação elíptica do programa normativo e âmbito normativo, caráter esse que é sistemático e formador de sistema no sentido amplo, significa, de acordo com esses pressupostos, não um sistema no sentido dedutivo da axiomática prática ou da hierarquia que enfatiza valores, mas sim a conexão, necessária e fundamentada na visão estruturante da norma jurídica, entre normatividade materialmente determinada e realidade fundamentada pela norma”. (MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 264) 179 No que diz respeito à tópica Theodor Viehweg expõe o que segue: “O aspecto mais importante na análise da tópica constitui a constatação de que se trata de uma técnica do pensamento que está orientada para o problema” (VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos. 5ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2008. p. 33). Todavia, sobre o seu aspecto funcional o autor assim pontua: “A função dos topoi, e é indiferente que esses topoi se apresentem como topoi gerais ou como topoi especiais, consiste, pois, no fato de servir à discussão dos problemas. Disso, decorre que eles devem ter uma especial importância enquanto se trata da esfera de problemas determinados, cuja natureza vem sendo o fato de não perder de todo o próprio caráter problemático. No alterar de situações e de casos particulares se deve encontrar, pois, cada vez mais, novas informações para se fazer tentativas de resolver o problema. Os topoi, intervindo em auxílio, recebem em tonro de si o próprio sentido do problema. Eles remanescem sempre essenciais pelo fato de que eles recebem uma ordem com relação ao problema. Em realidade, com relação ao problema que eles acompanham, uma compreensão não é imodificável, e na mesma medida nem adequada e conveniente ou inadequada. Eles devem ser entendidos funcionalmente, como possibilidade de orientação e como fios condutores do pensamento” (VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos. 5ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2008. p. 40). 180 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 200.
89
Como visto, também na teoria estruturante do direito de Friedrich
Müller a técnica encontra seu plano de atuação, sendo que se manifesta
através da tópica, sem que isto lhe retire credibilidade, pois de fato a
interpretação do programa normativo e do âmbito normativo consiste num
pensar problemático orientado à criação da norma que irá solucionar um
determinado caso concreto.
90
3. A TÉCNICA DA PROPORCIONALIDADE
Uma vez estabelecidas as premissas para a análise do objeto do
presente trabalho nos dois capítulos anteriores, podemos finalmente passar à
análise da proporcionalidade, o que faremos de forma crítica, tomando como
base os posicionamentos dos autores apresentados (Capítulo 1), assim como a
relação da ciência e da técnica jurídicas de acordo com o paradigma científico
dominante (Capítulo 2).
Ao fim desta análise, esperamos identificar com precisão qual a
natureza jurídica da proporcionalidade, se ela possui força normativa ou não,
qual a sua forma de aplicação, qual o seu fundamento teórico e qual a sua
abrangência. Tudo isto baseado em premissas teóricas coerentes.
3.1. O problema da proporcionalidade como princípio
Conforme demonstramos no capítulo 1, a grande maioria dos
autores mencionados neste trabalho atribui à proporcionalidade o status
normativo de princípio jurídico – a exceção de Virgílio Afonso da Silva,
Humberto Ávila, Eros Roberto Grau e Marcelo Neves.
Entretanto, parece-nos que alguns problemas se colocam quanto à
atribuição da natureza jurídica de princípio à proporcionalidade. Passamos a
analisá-los.
3.1.1. A aplicação dos princípios enquanto normas jurídicas
Conforme verificamos no capítulo 1 a maioria dos autores
mencionados concebem a proporcionalidade como princípio, sendo que, para
eles, os princípios possuem a natureza de norma jurídica.181
181 Neste item deixamos de fora os posicionamentos dos autores que não concebem a proporcionalidade como princípio, por mais peculiares que possam ser suas classificações. Isto porque, se o enquadramento dado por eles à proporcionalidade não é o de princípio, de nada adianta analisar a proporcionalidade à luz do conceito de princípio por eles adotado, pois eles próprios reconhecem não se tratar de princípio jurídico.
91
Um dos maiores entusiastas da normatividade dos princípios é Luís
Roberto Barroso, que fundamenta o pós-positivismo182 na reaproximação entre
direito e ética, a qual ocorre através dos princípios jurídicos183, os quais nessa
nova visão passam a desfrutar do status de norma jurídica.184
De acordo com o autor, dentro do espectro normativo é possível
encontrar princípios e regras, todos eles dotados de normatividade. Contudo,
existem diferenças entre eles, sendo que, no momento, a que nos interessa é
aquela que diz respeito ao modo de aplicação:
c) quando ao modo de aplicação: regras operam por via do enquadramento do fato no relato normativo, com enunciação da conseqüência jurídica daí resultante, isto é, aplicam-se mediante subsunção; princípios podem entrar em rota de colisão com outros princípios ou encontrar resistência por parte da realidade fática, hipóteses em que serão aplicados mediante ponderação.185
Como relembrado aqui, pois já apresentado no item 1.1, Luís
Roberto Barroso adota a posição segundo a qual as regras se aplicam
mediante subsunção no modelo tudo ou nada, enquanto os princípios são
objeto de ponderação e se aplicam na maior ou menos medida.186
Em sentido semelhante temos também a posição de José Joaquim
Gomes Canotilho que, como demonstrado no item 1.5, afirma romper com a
concepção tradicional que separa normas e princípios, passando, então, a 182 O pós-positivismo, conforme apresentado pelo autor, se apresenta muito mais como um discurso ideológico do que como uma teoria metodológica jurídica. Mesmo como uma corrente de filosofia do direito fica difícil concebê-lo, pois, em que pese seu caráter eminentemente ideológico, falta-lhe estruturação filosófica. Parece-nos que a posição do autor é muito mais um manifesto a favor da re-valoração no direito do que qualquer outra coisa. 183 Note-se que o autor não explica metodologicamente como isso ocorre. 184 O autor, inclusive, chega a afirmar o que segue: “Há consenso na dogmática jurídica contemporânea de que princípios e regras desfrutam igualmente do status de norma jurídica” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 318). Todavia, como se verá no item 3.1.2, em que pese esta posição venha sendo amplamente aceita, não existe o referido consenso. 185 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 328. 186 Como já referido anteriormente, a posição adotada pelo autor se encontra fortemente influenciada pelo posicionamento de Ronald Dworkin a respeito deste assunto.
92
adotar o entendimento segundo o qual normas jurídicas são o gênero do qual
princípios e regras são espécies.187 A partir desta concepção o autor passa a
diferenciação de princípios e regras 188 para, em seguida, estabelecer a
tipologia dos princípios.189
Dessa diferenciação entre princípios e regras apresentada pelo
autor, que mostra vários critérios 190 , nos interessa destacar o critério de
diferenciação que diz respeito à aplicação das referidas normas. Isto porque,
para ele, os princípios impõe otimização e, por isto, admitem diversos graus de
concretização, enquanto as regras são imperativas, devendo ser totalmente
cumpridas ou então absolutamente não cumpridas:
(1) — os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (nos termos de DWORKIN: applicable in all-or--nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (ZAGREBELSKY); a convivência de regras é antinômica. Os princípios coexistem; as regras antinômicas excluem-se; (2) — consequentemente, os princípios, ao constituírem exigências de otimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à «lógica do tudo ou nada»), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exata medida das suas prescrições, nem mais nem menos.191
187 “A teoria da metodologia jurídica tradicional distinguia entre normas e princípios (Norm-Prinzip, Principles-rules, Norm und Grundsatz). Abandonar-se-á aqui essa distinção para, em sua substituição, se sugerir: “(1) — as regras e princípios são duas espécies de normas; “(2) — a distinção entre regras e princípios é uma distinção entre duas espécies de normas” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 166). 188 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 166-168. 189 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 170-174. 190 Os demais critérios são: 3) a conflituosidade entre princípios e entre regras e; 4) a problemática de peso e validade (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 168). 191 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 167-168.
93
Essa menção aos princípios como exigências de otimização remonta
à teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. Conforme pontuamos no
item 1.7, para este autor o critério fundamental de diferenciação entre
princípios e regras – ambos considerados normas jurídicas – é a conceituação
dos primeiros como mandamentos de otimização, enquanto as regras contêm
determinações que se realizam dentro das possibilidades fáticas e jurídicas:
O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.192
Todavia, pode parecer que o critério de diferenciação proposto por
Robert Alexy é o mesmo adotado por Ronald Dworkin. Visando evitar confusão
o próprio autor faz a seguinte ressalva:
A distinção apresentada assemelha-se à proposta por Dworkin (cf. Ronald Dworking, Taking Rights Seriusly, 2ª ed., London: Duckworth, 1978, PP. 22 e ss. e 71 e ss.). Mas ela difere em um ponto decisivo: a caracterização dos princípios como mandamentos de otimização.193
Como se percebe, para Robert Alexy a caracterização dos princípios
como mandamentos de otimização é o grande diferencial do modelo teórico por
ele adotado, quando comparado com aquele proposto por Ronald Dworkin. No
entanto, o primeiro autor admite que o critério apresentado pelo segundo deve
ser mantido, e não o exclui, mas o incorpora.
Com vista ao exposto, resta claro que os critérios de classificação
utilizados pelos autores mencionados194 para definir os princípios é bastante
192 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90. 193 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 91, nota 27. 194Todos os autores mencionados no capítulo 1 que atribuem à proporcionalidade a natureza jurídica de princípios utilizam mais ou menos esse mesmo critério da classificação de princípios. Portanto, a fim de evitar repetições, escolhemos para mencionar neste capítulo
94
semelhante, chegando até mesmo a ser complementar. Além disto, ficou claro
que, no que tange à forma de aplicação dos princípios enquanto normas
jurídicas, estes serão aplicados ao caso concreto na maior ou na menor
medida, sendo que, em acaso de colisão, não serão excluídos do ordenamento
jurídico, mas sim ponderados e terão maior ou menor incidência na decisão do
caso concreto.
Ora, se os princípios se aplicam mediante ponderação, na maior ou
na menor medida, fica afastada, portanto, a subsunção do fato à norma, e a
consequente aplicação total ou não aplicação, que é própria das regras.
Contudo, se a proporcionalidade é um princípio, sua forma de aplicação – por
uma questão de coerência lógica – deve ser aquela própria dos princípios, isto
é, a proporcionalidade deve ser objeto de ponderação, e deverá ser aplicada
ao caso concreto na maior ou na menor medida.
Todavia, vimos que a forma de aplicação da proporcionalidade não
condiz com aquela que é própria aos princípios jurídicos. Afinal, ela deverá ser
aplicada sempre que diante da colisão de princípios, e sua forma de aplicação
é imperativa, isto é, ou é aplicada ou não é aplicada, não admitindo qualquer
espécie de ponderação. Desta forma, a proporcionalidade não se enquadra no
conceito de princípio concebido como norma jurídica.
3.1.2. A natureza não-normativa dos princípios
Não obstante os autores mencionados no capítulo 1 atribuam aos
princípios a natureza de norma jurídica, é preciso atentar para a existência de
autores que defendem posição diametralmente oposta, isto é, que os princípios
não são normas jurídicas, ainda que por sua natureza, decorram logicamente
do sistema ou do direito positivo, e/ou que influenciem diretamente a criação de
normas de decisão.
aqueles que entendemos serem os mais pertinentes para, em poucas linhas, trazer o ponto principal que será aqui analisado, qual seja, o critério de diferenciação baseado no modo de aplicação dos princípios e das regras.
95
Um dos autores que diverge da linha adotada no capítulo 1 é Maria
Helena Diniz. Segundo esta autora os princípios decorrem das normas do
ordenamento jurídico, sendo que, mesmo se tratando de coisas diferentes,
princípios e normas possuem caráter prescritivo, sendo que a relação entre
eles é de cunho lógico-valorativo. 195 Ela sintetiza sua posição sobre os
princípios da seguinte forma:
a) São decorrentes das normas do ordenamento jurídico, ou seja, dos subsistemas normativos. Princípios e normas não funcionam separadamente; ambos têm, na nossa opinião, caráter prescritivo. Atuam os princípios como fundamento de integração do sistema normativo e como limite da atividade jurisdicional. b) São derivados das ideias políticas e sociais vigentes, ou seja, devem corresponder ao subconjunto axiológico e ao fático, que norteiam o sistema jurídico, sendo, assim, um ponto de união entre o consenso social, valores predominantes, aspirações de uma sociedade com o sistema de direito, apresentando, portanto, uma certa conexão com a filosofia política ou a ideologia imperante, de forma que a relação entre norma e princípio é lógico-valorativa, apoiando-se estas valorações em critérios da valor ‘objetivo’.196
Também defendendo a posição de que princípios não são normas
jurídicas encontramos a lição de Sérgio Sérvulo da Cunha. Partindo de um
ponto de vista histórico-evolutivo o autor afirma que a regra197 vem depois da
determinação, mas antes da norma. Tanto é assim que comumente se fala em
regras costumeiras, e não em normas consuetudinárias.
195 A autora apresenta esta posição quando trata dos princípios gerais de direito. Contudo, seu entendimento é extensível à todos os princípios, na medida em que, durante sua fundamentação, utiliza somente as expressões princípios e normas, deixando claro que o princípios gerais de direito são espécies de princípios e que, portanto, o critério de diferenciação entre princípios e normas é o mesmo. A única diferença, a nosso ver, que seria exclusiva dos princípios gerais de direito, é aquela que consta no item “c”, que não foi transcrito no corpo do texto, mas cuja transcrição fazemos agora: “c) São reconhecidos pelas nações civilizadas os que tiverem substractum comum a todos os povos ou a alguns deles em dadas épocas históricas” (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 475). 196 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 475. 197 Aqui a expressão regra é utilizada em sentido amplo, não fazendo qualquer menção – ainda mesmo que indireta – à classificação segundo a qual regra é uma espécie do gênero norma jurídica.
96
Nesse sentido as regras são mais próximas dos princípios do que
das normas. Isto porque os primeiros estão inscritos na natureza das coisas, a
partir de onde são revelados. Quer dizer, o princípio existe antes do respectivo
enunciado, “e só passamos a buscar seu enunciado a partir da revelação,
identificação e nominação do princípio”.198 Já as normas “não existem sem os
respectivos enunciados”. 199 Afinal, somente a partir de um determinado
enunciado é que se pode afirmar que algo é uma norma. Sobre a relação entre
princípios e normas assim afirma o autor:
Toda norma implica, na sua elaboração, várias opções valorativas. Essas opções, que são fundamentos da norma, correspondem a princípios. Os princípios, portanto, sob esse aspecto, são opções valorativas implicadas, como fundamento, no enunciado das normas.200
Dessa relação pode-se abstrair que é impossível a construção de
um ordenamento jurídico composto exclusivamente por princípios. Isto porque,
como se percebe, a exigibilidade dos princípios pressupõe a existência das
normas. A partir disto é possível concluir que a mediatidade é característica do
princípio jurídico, enquanto a imediatidade é característica da norma jurídica.
Mas a diferença entre eles não para por aí:
Um ponto delicado quanto à diferença entre princípio e norma é o concernente à sua incidência. Princípios não descrevem suportes fáticos para sua incidência (não têm prótase), nem discriminam os respectivos efeitos (não têm apódose), tudo ao contrário do que acontece com as normas. Estas pretendem ser instruções sobre o modo como se aplicam os princípios em situações determinadas, por elas previstas. Entretanto, o princípio tem um âmbito de eficácia e uma combinação implícita de nulidade, o que explica seja visto, por alguns, como uma norma ‘de grande generalidade’. Por isso convém sublinhar a irredutibiliade dos princípios.201
198 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Princípios constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 54. 199 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Princípios constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 54. 200 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Princípios constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 55. 201 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Princípios constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 56.
97
Com vistas a essa diferenciação o autor conclui que, “sob o ponto de
vista deontológico, princípio é a prescrição consistente numa opção valorativa
fundamental”.202 Portanto, para ele, obviamente, não se trata de norma jurídica.
Outro que partilha da posição de que princípios não são normas
jurídicas é Tércio Sampaio Ferraz Jr. Este autor parte da premissa de que o
ordenamento jurídico não contém apenas elementos normativos, mas é
composto também por elementos não-normativos. Estes últimos são
decorrência do processo de sistematização, que fica a cargo da zetética – e
não da dogmática –, o qual, em sua estrutura concreta, manifesta os mais
variados tipos de regras 203 e relações – por exemplo: definições, critérios
classificatórios, preâmbulos etc. Entre estas regras não jurídicas encontram-se
os princípios. Tanto é assim que o autor se manifesta da seguinte maneira a
respeito da formação das hierarquias (critério classificatório) e da atuação dos
princípios, ambos considerados por ele elementos não normativos:
Ora, nem a formação de hierarquias nem a atuação de princípios obedecem a critérios lógicos. Afinal, uma relação hierárquica é uma relação de superioridade e inferioridade, que a lógica não explica: as inferências lógicas se dão entre antecedentes e conseqüentes, mas antecedência não significa superioridade, nem conseqüência, inferioridade. Do mesmo modo, a atuação de um princípio não significa tomá-lo como antecedente para daí ditar conseqüências, mas projetá-lo como fim e direcionar-se para ele. Isto, obviamente, não exclui a possibilidade de uma lógica formal das normas. Significa, apenas, que a metodologia jurídica não é estritamente lógico-formal.204
Com base nessa posição o autor, mais a frente em sua obra, quando
trata dos princípios gerais de direito, assim sintetiza a posição dos princípios
(em geral) dentro do sistema jurídico, bem como sua forma de atuação:
De qualquer modo, ainda que se entenda que possam ser aplicados diretamente na solução de conflitos, trata-se não de normas, mas de princípios. Ou seja, não são elementos do repertório do sistema, mas fazem parte de suas regras
202 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Princípios constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 56. 203 Também aqui a expressão regra não é utilizada como espécie do gênero norma jurídica. 204 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 186.
98
estruturais (ver supra 4.3.1.1), dizem respeito à relação entre as normas no sistema, ao qual conferem coesão. Talvez por isso, como fórmula tópica, eles sejam aplicados sem especificações maiores. Como premissa do raciocínio, eles são mencionados na forma indefinida que depois se determina numa regra geral com caráter normativo jurisprudencial.205
Ou seja, mesmo não sendo normas jurídicas, por serem elementos
estruturais do sistema, estas regras de natureza metodológica denominadas
princípios podem, inclusive, influenciar direta ou indiretamente a criação e/ou a
aplicação de uma norma jurídica. Afinal, os princípios são regras de coesão
(zetética) que orientam a relação entre as normas do direito positivo
(dogmática), formando, pois, o ordenamento jurídico.
Também numa perspectiva sistemática, vale lembrar a posição de
Claus-Wilhelm Canaris. Isto porque o referido autor estrutura o sistema jurídico
como sendo uma ordem de princípios gerais do direito. Afinal, vislumbra como
característica principal da idéia de unidade sistemática “a recondução da
multiplicidade do singular a alguns poucos princípios constitutivos”. 206 Em
outras palavras, isto significa a necessidade de apuração da ratio iuris
determinante, que se esconde por detrás da lei e da ratio legis.
Para o autor, somente dessa forma torna-se possível encontrar a
conexão orgânica dos valores – que até então sofrem um isolamento aparente
– como forma de obter o grau necessário de generalização dos mesmos sobre
a ordem a e unidade do ordenamento jurídico. Portanto, o autor passa a definir
o sistema como uma ordem teleológica, nos seguintes termos:
O sistema deixa-se, assim, definir como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios gerais de Direito, na qual o elemento de adequação valorativa se dirige mais à característica de ordem teleológica e o da unidade interna à característica dos princípios gerais.207
205 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 247. 206 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema da ciência do direito. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. p. 76. 207 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema da ciência do direito. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. p. 77-78.
99
Ocorre que, ao formular o sistema jurídico como uma ordem de
princípios, Claus-Wilhelm Canaris enumera as vantagens decorrentes da
formação deste tipo de sistema em comparação com outros tipos de sistemas,
dentre eles os sistemas de normas:
No que toca, em primeiro lugar, a um sistema de normas, surge este como pouco significativo, porquanto se deve procurar justamente, a conexão aglutinadora das normas – e esta não pode, por seu turno, consistir também uma norma; de fato, os princípios jurídicos unificadores e significantes só numa parte demasiado pequena se deixam formular na forma de normas que devam ser firmemente delimitadas segundo as previsões e estatuições normativas e, assim, recuam perante a articulação mais flexível do princípio.208
Ora, ao opor o sistema de princípios gerais do direito ao sistema de
normas o autor deixa clara a distinção de natureza existente entre eles. Afinal,
para ele os princípios não são normas jurídicas. Tanto é assim que as normas
jurídicas são insuficientes para a formação de um sistema dotado de unidade e
coerência, no qual os valores socialmente partilhados são admitidos, enquanto
os princípios, por possuírem natureza não-normativa, conseguem atingir este
objetivo.
Além das posições acima mencionadas, vale lembrar que também
Friedrich Müller não enquadra os princípios como normas jurídicas. De acordo
com sua teoria estruturante do direito os princípios serão considerados pelo
programa normativo o qual, por sua vez, é extraído do texto normativo e,
posteriormente, será interpretado conjuntamente com o âmbito normativo para,
ao final deste processo de interpretação, culminar na criação da norma jurídica.
Afinal, como diz o próprio autor, “para uma tópica que trabalha com princípio e
norma, interpretação significa adequação mútua de princípio e texto, visto que
ambos são por si fragmentários”. 209 Desta forma, por uma questão de
coerência lógica e metodológica, não pode o autor conceber os princípios como
normas jurídicas.
208 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema da ciência do direito. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. p. 81. 209 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 195.
100
Como se percebe o número de autores que não atribuem aos
princípios o status de norma jurídica é bastante significativo. Isto sem falar que
seus argumentos são bastante coerentes, na medida em que respeitam a
metodologia por eles adotada. Portanto, uma questão se coloca: como a
proporcionalidade se ajusta enquanto princípio dentro de um modelo
metodológico que não enquadra os princípios como normas jurídicas?
Essa é uma problemática que deve ser considerada. Afinal, se a
proporcionalidade é apresentada como um princípio que busca solucionar o
conflito entre princípios – enquanto concebidos como normas jurídicas –, a
partir do momento que aos princípios não é atribuído o status normativo ela
deixa de ser necessária.
Em outros termos, o princípio da proporcionalidade seria um
princípio de ocasião, existente, apenas, nos ordenamentos jurídicos quando
sistematizados de forma a admitir a colisão entre princípios, e desde que estes
tenham sido concebidos como normas jurídicas. Exemplificamos a questão:
independentemente da metodologia adotada, todos os autores reconhecem o
princípio da legalidade. Seja a ele atribuído o status de norma jurídica ou não, o
referido princípio será identificado e nominado após sua revelação. 210 O
mesmo se passa com o princípio da segurança jurídica. Independentemente de
ser-lhe atribuído status normativo, uma vez revelado, será ele identificado e
nominado. Note-se que tanto o princípio da legalidade quanto o princípio da
segurança jurídica se revelarão ao operador do direito independentemente da
metodologia adotada, isto é, não importando se a eles foi atribuída natureza
normativa ou não. Contudo, o mesmo não ocorre com o princípio da
proporcionalidade. Afinal, ele não se apresenta ao operador do direito
independentemente da metodologia adotada. Pelo contrário, o referido princípio 210 Eros Roberto Grau, que atribui natureza normativa aos princípios, assim se manifesta a respeito: “Os princípios jurídicos, princípios de direito, não são resgatados fora do ordenamento jurídico, porém descobertos no seu interior” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 70). No mesmo sentido, mas negando aos princípios natureza normativa, é o posicionamento de Sérgio Sérvulo da Cunha: “O princípio, porém, existe antes do respectivo enunciado; e só passamos a buscar seu enunciado a partir da revelação, identificação e nominação do princípio” (CUNHA, Sérgio Sérvulo. Princípios constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 54).
101
somente é cogitado quando diante da colisão de princípios, enquanto
considerados como normas jurídicas. Se não considerados normas jurídicas,
sua forma de aplicação não permite a invocação – e conseqüente utilização –
do referido princípio. Daí o porquê do princípio da proporcionalidade estar
limitado a certas metodologias e, portanto, ser um princípio de ocasião.
Data venia, independentemente da natureza jurídica dos princípios,
a ciência jurídica não pode admitir a existência de princípios de ocasião. Ou um
princípio se revela ao operador do direito diante de toda e qualquer
metodologia – e, portanto, será de fato um princípio –, ou então estamos diante
de outra coisa, que não um princípio. Desta forma, também sob esta
perspectiva a proporcionalidade não pode ser concebida como um princípio.
3.2. O problema da proporcionalidade como regra
Dentre os autores citados no capítulo 1 vimos que Virgílio Afonso da
Silva, ao contrário dos demais, atribui à proporcionalidade o status de norma
jurídica do tipo regra. Afinal, assim como os autores mencionados no item
3.1.1, ele parte da premissa de que as normas jurídicas são o gênero do qual
as regras e os princípios são as espécies. Entretanto, ao atribuir o status de
regra à proporcionalidade este autor se distancia da posição defendida por
aqueles autores, haja vista que eles atribuem à proporcionalidade a natureza
jurídica de princípio.
Mas por que a proporcionalidade não seria um princípio segundo
Virgílio Afonso da Silva, assim como é para aqueles que partilham das mesmas
premissas metodológicas?
Em que pese o autor adote os mesmos critérios de diferenciação de
regras e princípios, e reconheça, também, que a proporcionalidade deve ser
utilizada quando diante da colisão de princípios, ele acredita que, com base
nos critérios de diferenciação adotados – por ele e pelos autores do capítulo
3.1.2 – não é possível enquadrar a proporcionalidade como um princípio. Isto
porque a proporcionalidade deve ser aplicada sempre que diante da colisão de
102
princípios, não admitindo qualquer espécie de gradação – aplicação na maior
ou na menor medida –, nem muito menos ponderação. Ou aplica-se a
proporcionalidade integralmente, com seus três subitens, ou não se aplica em
absoluto. Diante desta constatação o autor conclui que a forma de aplicação da
proporcionalidade é aquela própria de uma regra e que, portanto, ela só pode
ser uma regra.
Todavia, de acordo com os critérios utilizados pelo autor as regras
garantem direitos definitivos,211 se aplicam mediante subsunção212 e, em caso
de incompatibilidade total entre regras, a solução é a declaração de invalidade
de uma delas.213 Desta forma, em sendo a proporcionalidade uma regra, a ela
se aplicam todos os preceitos acima listados.
No entanto, as regras têm a estruturação normativa clássica de uma
prescrição que estabelece direitos ou deveres através de comandos que
consistem em ações ou em abstenções. Afinal, ao contrário dos princípios, as
regras são razões definitivas, que se manifestam como juízos concretos de
dever-ser.214 Assim, podem ser logicamente estruturadas como prescrições da
seguinte ordem: “Se A é, então B deve ser”; ou “Se A é, então B não deve ser”.
O problema é que, ao contrário dos princípios, que podem estar
expressos ou implícitos no texto normativo, o referido tipo de prescrição deve
necessariamente se encontrar expressamente afirmada no direito positivo. Aí
vem a questão: a regra da proporcionalidade preenche estes requisitos?
211 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 45. 212 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 46. 213 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 48. Em havendo incompatibilidade parcial a solução ocorre através da utilização de uma cláusula de exceção. 214 Nesse sentido aponta a lição Robert Alexy, cuja teoria é adotada por Virgílio Afonso da Silva: “Se uma regra é uma razão para um determinado juízo concreto – o que ocorre quando ela é válida, aplicável e infensa a exceções –, então, ela é uma razão definitiva. Se o juízo concreto de dever-ser tem como conteúdo a definição de que alguém tem determinado direito, então, esse direito é um direito definitivo. Princípios são, ao contrário, sempre razões prima facie. Isoladamente considerados, eles estabelecem apenas direitos prima facie” (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 107-108).
103
Após uma pesquisa tomando como base o direito positivo brasileiro
pudemos encontrar algumas menções expressas à proporcionalidade na
Constituição da República e em algumas leis. A Constituição aduz em seu
artigo 58, § 4° à proporcionalidade da representação partidária na comissão
representativa do Congresso Nacional durante o recesso,215 e em seu artigo
155, § 4°, inciso II se refere à proporcionalidade na arrecadação de tributos
decorrentes de operações interestaduais.216
Já a lei de processo administrativo federal (Lei n° 9.784/1999)
estabelece em seu artigo 2° que a administração pública obedecerá, dentre
outros, aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (veja que ela
trata os dois distintamente).217
Por sua vez, o Código de Processo Penal faz referência à
proporcionalidade em dois momentos. No seu artigo 438, § 2° determina a
fixação de pena alternativa ao serviço do júri por escusa de consciência
atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.218 Já no seu
artigo 156, inciso I admite que o juiz ordene a produção antecipada de provas
urgentes e relevantes observando a necessidade, a adequação e a
proporcionalidade da medida.219
Dos casos encontrados no direito positivo brasileiro apenas o último
poderia ser considerado como uma prescrição que formula a proporcionalidade
como regra. Contudo, em que pese seja possível identificar uma prescrição
215 Art. 58 (...) § 4º - Durante o recesso, haverá uma Comissão representativa do Congresso Nacional, eleita por suas Casas na última sessão ordinária do período legislativo, com atribuições definidas no regimento comum, cuja composição reproduzirá, quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária. 216 Art. 155 (...) §4° (...) II - nas operações interestaduais, entre contribuintes, com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo, o imposto será repartido entre os Estados de origem e de destino, mantendo-se a mesma proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais mercadorias; 217 Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. 218 Art. 438 (...)§ 2o O juiz fixará o serviço alternativo atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 219 Art. 156 (...)I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.
104
normativa própria das regras na adequação – se existe inquérito policial para
investigar a prática de ilícito penal, então deverão ser produzidas provas – e na
necessidade – se há a necessidade de produção imediata de prova sob pena
de gerar prejuízo para a apuração do fato, então a prova deve ser produzida –,
o mesmo não parece ser possível no caso da proporcionalidade em sentido
estrito. Isto porque esta última funciona como outro tipo de juízo, não sendo
enquadrável, pois, como regra.220
Não obstante isso, ainda que o texto do artigo 156, inciso I do
Código de Processo Penal fosse perfeitamente enquadrável na forma de
prescrição própria das regras, ainda assim a proporcionalidade careceria de
texto normativo.221 Isto porque não existe texto normativo afirmando que a
colisão de princípios deve ser solucionada pela proporcionalidade, através da
análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade –
preferencialmente explicando em que consiste cada uma delas.222
Visto isso, fica claro que a proporcionalidade não pode ser uma
regra porque lhe falta o texto de onde decorre a prescrição que lhe confere a
forma lógica de uma regra. Ademais, não dá para ignorar a ausência de
uniformidade estrutural da proporcionalidade – isto de acordo com os critérios
estabelecidos pelo próprio autor –, pois em que pese que duas de suas
etapas 223 possuam a estruturação de regras, a terceira possui uma forma
estrutural que não difere essencialmente daquela das etapas anteriores.
220 A falta de técnica legislativa do dispositivo em questão é latente. Uma simples norma no sentido de que “se há a necessidade de produção imediata de prova sob pena de gerar prejuízo para a apuração do fato, então a prova deve ser produzida” (se A é, então B deve ser) seria suficiente para solucionar a questão de forma coerente. Contudo, a falta de metodologia dos legisladores e operadores do direito, aliada ao modismo indiscriminado que assola a doutrina brasileira no que toca à proporcionalidade, levou à distorção apresentada. 221 Conforme aponta a tradição jurídica, os princípios podem ser explícitos ou implícitos, enquanto as regras devem ser sempre explícitas. 222 O oposto ocorre com o critério para solução de conflito entre regras. Isto porque a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro estabelece em seu no artigo 2°, §1° que “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”, e sem §2° que “a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”. 223 Nomenclatura utilizada pelo próprio autor (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 175)
105
Todavia, alguém poderia afirmar ainda que a proporcionalidade foi
introduzida no ordenamento jurídico brasileiro através de decisão judicial
(norma de decisão) a qual, por sua vez, possui a estrutura de regra. Daí porque
a proporcionalidade assumiria também a forma de uma regra, e dispensaria a
existência de texto normativo.
Data venia, esse raciocínio não resolve o problema. Primeiramente
porque a terceira etapa, a proporcionalidade em sentido estrito, continua tendo
uma forma de aplicação incompatível com a estrutura de uma regra. Em
segundo lugar, porque a incorporação da proporcionalidade ao direito positivo
pressupõe a sua adoção reiterada pelos tribunais pátrios, a ponto de formar
jurisprudência.224 Para tanto, a proporcionalidade deveria ser uniformemente
utilizada pelos tribunais sempre que diante da colisão de princípios, o que nem
sempre acontece, seja por opção argumentativa 225 ou mesmo por razões
metodológicas. 226 Em terceiro lugar, ainda que a proporcionalidade fosse
uniformemente adota pelos tribunais, não bastaria sua utilização como critério
para a formação de uma regra de decisão, mas seria necessário que ela
própria oferecesse o conteúdo decisório. O que se quer dizer é que, para ser
considerada uma regra, a proporcionalidade deveria ela própria determinar um
fazer ou não fazer, ou seja, o fundamento da regra de decisão precisaria ser a
própria proporcionalidade, e não o princípio prevalente naquele caso concreto
de colisão.227
Dessa forma, pelos motivos acima mencionados fica clara a
impossibilidade de se enquadrar a proporcionalidade como regra, enquanto
espécie do gênero norma jurídica. 224 A jurisprudência é assim conceituada por Maria Helena Diniz: “O termo jurisprudência está aqui sendo empregado como o conjunto de decisões uniformes e constantes dos tribunais, resultantes da aplicação de normas a casos semelhantes, constituindo uma norma geral aplicável a todas as hipóteses similares ou idênticas. É o conjunto de normas emanadas dos juízes em sua atividade jurisdicional” (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 296). 225 Nos casos em que, na hora de fundamentar sua decisão, o interprete/aplicador opte por fundamentar sua decisão utilizando outro parâmetro que não a proporcionalidade. 226 Nos casos em que a metodologia utilizada pelo interprete/aplicador for incompatível com o uso da proporcionalidade. 227 A esse respeito vide o debate entre os ministros Gilmar Ferreira Mendes e Eros Roberto Grau nos autos da ADI 855-2.
106
3.3. O problema da proporcionalidade como “norma diversa”
Em que pese que a maioria dos autores mencionados no capítulo 1
parta da premissa de que norma jurídica é o gênero do qual princípios e regras
são as únicas espécies, existem autores que reconhecem que princípios e
regras são normas jurídica e admitem a existência de outras espécies de
norma jurídica. Para estes autores a proporcionalidade é norma jurídica, não é
princípio nem regra, mas sim uma “norma diversa”.
Obviamente “norma diversa” não é uma categoria normativa.
Utilizamos esta nomenclatura neste item porque, como se verá, cada autor
atribui à proporcionalidade uma categoria normativa específica, categorias
estas que serão analisadas nos subitens abaixo.
3.3.1. A proporcionalidade como postulado normativo aplicativo
Conforme foi mostrado no item 1.9 do capítulo 1, Humberto Ávila
parte da premissa de que as normas jurídicas podem ser categorizadas em
dois graus: no primeiro temos os princípios e as regras; no segundo temos os
postulados normativos. Para o autor, as normas de primeiro grau atuam no
nível do objeto da ciência jurídica, qual seja, o nível do direito positivo,
enquanto as normas de segundo grau atuam num metanível, isto é, atuam
sobre as normas que estão no plano do direito positivo. Estas últimas, por sua
vez, podem ser de duas espécies: postulados normativos hermenêuticos e
postulados normativos aplicativos.
É importante ressaltar que o autor não apenas apresenta duas
novas espécies de norma jurídica – postulados normativos hermenêuticos e
postulados normativos aplicativos –, mas também rompe com o conceito de
princípios e regras tradicionalmente difundido com base nos modelos de
Ronald Dworkin e Roberty Alexy. Isto porque, segundo Humberto Ávila, os
princípios se caracterizam por serem imediatamente finalísticos, primariamente
prospectivos e por terem pretensão de complementariedade e de parcialidade.
107
Já as regras se caracterizam por serem imediatamente descritivas,
primariamente retrospectivas e por possuírem pretensão de decidibilidade e de
abrangência.228
No que toca aos postulados normativos – os quais não se
confundem nem com regras nem com princípios –, o autor esclarece que “a
interpretação de qualquer objeto cultural submete-se a algumas condições
essenciais, sem as quais o objeto não pode ser sequer apreendido”,229 e que
estas condições especiais são justamente os postulados. Em se tratando de
ciência jurídica, existem os postulados cuja função é a compreensão geral do
direito (postulados hermenêuticos), bem como aqueles destinados à
estruturação da sua aplicação concreta (postulados aplicativos). Portanto,
estes postulados são normas metódicas que instituem critérios para a
interpretação e para a aplicação das normas situadas no nível do direito
positivo. Daí porque o autor as classifica como metanormas, incluindo-as num
plano diferente de atuação. Por isto é que são chamadas por ele de normas de
segundo grau.
Todavia, o autor ressalva o fato de que os postulados, normas de
segundo grau, não se confundem com normas de primeiro grau que
influenciam outras normas, tais como os sobreprincípios. Isto porque estes
últimos situam-se no mesmo nível das normas objeto de interpretação e de
aplicação, isto é, no plano do direito positivo. Desta forma, eles atuam sobre
outras normas situadas no mesmo plano em que se encontram, mas agem no
âmbito semântico e axiológico, e não no âmbito metódico – como fazem os
postulados.
Após apresentar essa diferenciação metodológica entre normas de
primeiro grau e de segundo grau – com a consequente conceituação das
espécies de cada uma delas –, o autor conclui que a proporcionalidade é um
postulado normativo aplicativo.
228 Cada característica se encontra detalhadamente explicada no item 1.9 do capítulo 1. 229 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 121-122.
108
Em que pese acharmos a posição de Humberto Ávila uma das mais
bem estruturadas dentre aquelas aqui apresentadas, nos parece que a sua
posição merece algumas considerações.
Primeiramente é preciso atentar ao fato de que a tradição jurídica
afirma que as normas jurídicas são produzidas a partir das fontes do direito, as
quais se dividem em duas espécies: materiais e formais. As primeiras são o
conjunto de fatos sociais que determinam o conteúdo do direito, exprimindo,
assim, os valores que foram inseridos nas normas jurídicas durante seu
processo de criação. Já as últimas são aquelas que dão forma ao direito, e se
referem aos modos de manifestação das normas jurídicas.
As fontes formais, ainda de acordo com a clássica divisão, se
dividem em fontes formais estatais e não estatais. Dentre as primeiras temos a
lei em sentido amplo, compreendendo a constituição, as leis complementares,
as leis ordinárias, as leis delegadas, os decretos executivos, os decretos
legislativos, as portarias, as resoluções etc., e a jurisprudência, considerada
como o conjunto de decisões uniformes e reiteradas, proferidas pelos tribunais,
aplicáveis a casos idênticos ou semelhantes.230 Já a fonte formal não estatal é
o costume, entendido como a prática reiterada de certo ato, atribuindo a ele o
caráter de obrigatoriedade. Há, contudo, autores que acrescentam às fontes
não estatais outras três: o poder negocial, compreendido como força geradora
de normas jurídicas particulares e individuais;231 o poder normativo dos grupos
sociais, compreendido como o conjunto de normas criadas pelos agrupamentos
sociais, tais como o direito canônico no âmbito da igreja católica e as normas
230 No que se refere às súmulas vinculantes, somos da opinião de que, em que pese sejam criadas pelo Poder Judiciário, estas, pela sua generalidade e abstração, devem ser incluídas no grupo das leis em sentido amplo. 231 No que toca ao poder negocial se pode entender que a autonomia contratual, enquanto contida na lei e por ela limitada, está implícita naquela fonte formal estatal e, portanto, não merece classificação específica. Ou ainda que, por gerar obrigações no caso concreto, não atende ao requisito das fontes do direito que é reger as relações jurídicas em abstrato.
109
da justiça desportiva;232 e a doutrina, concebida como a atividade científico-
jurídica realizada pelo jurista visando a sistematização das normas jurídicas.233
Pois bem, quando nos debruçamos sobre a classificação proposta
por Humberto Ávila e a analisamos sob o prisma das fontes do direito
percebemos que as normas de primeiro grau – sejam elas regras, princípios
implícitos ou explícitos, ou ainda sobreprincípios – encontram sua fonte
material nos valores sociais normatizados, e sua fonte formal na lei em sentido
amplo, ou eventualmente na jurisprudência. Afinal, como afirma o autor, as
normas de primeiro grau estão no plano do direito positivo e têm sua atuação
no âmbito semântico e axiológico.
Todavia, quando o autor propõe a existência dos postulados, isto é,
das normas de segundo grau, ele esclarece se tratar de normas cuja atuação
ocorre no âmbito metódico. Contudo, o autor não esclarece quais as fontes
destas normas enquanto direito.
Diante disso, nos parece que a atribuição do status normativo às
normas de primeiro grau segue rigorosamente os padrões exigíveis de uma
norma jurídica, na medida em que fica clara, na exposição do autor, quais são
as suas fontes. Por outro lado, a proposta metodológica da existência dos
postulados hermenêuticos e aplicativos vai bem até o momento em que o autor
lhes atribui o status normativo. Afinal, enquanto normas jurídicas, torna-se
necessário esclarecer quais são as suas fontes.
Tendo em vista que o autor não realizou a tarefa de analisar a
normatividade dos postulados, isto é, das normas de segundo grau à luz das
fontes do direito, tentaremos realizá-la nós mesmos, para melhor visualizar o
seu enquadramento enquanto norma jurídica.
232 A inclusão do poder normativo dos grupos sociais pressupõe a premissa de que o Estado não detém o monopólio do direito. 233 Mais à frente apresentaremos a discussão sobre a doutrina como fonte do direito.
110
De acordo com o Humberto Ávila os postulados se encontram acima
do plano do direito positivo e atuam no âmbito metodológico. Portanto, pode-se
dizer que são ferramentas apresentadas pelo cientista do direito após o
processo de sistematização do direito positivo, visando facilitar a interpretação
e a aplicação do direito.
Note-se que estas ferramentas estão desprovidas de qualquer
aspecto axiológico. Diante desta constatação, fica claro que os postulados
estão desprovidos de fonte material, na medida em que os fatores sociais –
sejam eles históricos, econômicos, éticos, políticos, etc. – em nada interferem
em sua criação, já que os postulados não possuem conteúdo material.
Entretanto, sob o aspecto formal, salta aos olhos o fato de que os
postulados não são provenientes da lei em sentido amplo, assim como não
decorrem da jurisprudência, não possuindo, pois, uma fonte formal estatal. De
outro lado não são oriundos da prática reiterada de certos atos e, portanto, não
decorrem do costume. Não são também manifestação de poder negocial nem
do poder normativo de grupos sociais. Mas, enquanto ferramentas criadas pelo
cientista para facilitar a interpretação e a aplicação do direito, os postulados
podem ser enquadrados na doutrina enquanto fonte do direito e, desta forma,
decorreriam de uma fonte formal não estatal. O problema é que a questão não
é simples assim.
No que diz respeito à doutrina enquanto fonte do direito cumpre
frisar a existência de dissenso doutrinário no que tange a sua aceitação
enquanto tal. Dentre os que a admitem ressaltamos a posição de Maria Helena
Diniz. Para a autora a doutrina, enquanto decorrente da atividade científica,
deve ser tida como fonte de direito costumeiro. Assim afirma a autora:
Todavia, será preciso não olvidar que a doutrina é decorrente de atividade científica, e esta é tida por muitos, inclusive por nós, como fonte de direito costumeiro. Poderíamos até considerar a doutrina como forma de expressão do direito consuetudinário, resultante da prática reiterada de juristas sobre certo assunto. É nos tratados que se procuram as normas, neles os juristas apresentam sua interpretação de
111
normas e soluções prováveis para casos não contemplados; se seus pensamentos forem aceitos pelos contemporâneos, fixam-se em doutrina, que, por sua vez, irá inspirar os tribunais.234
Em que pese o posicionamento exarado pela autora, nos parece
haver uma confusão entre a doutrina enquanto fonte do direito e a incorporação
de determinado preceito doutrinário pelo direito positivo através de uma
determinada fonte do direito. Isto porque, a doutrina em si, enquanto
sistematização do direito positivo, não se confunde com ele, nem mesmo cria
normas jurídicas que serão por ele incorporadas. O que ela faz é apresentar
ferramentas, as quais sistematizam o direito positivo e auxiliam na sua
interpretação e aplicação. Nada impede, contudo, que uma determinada
ferramenta doutrinária possa integrar o direito positivo. Para tanto, será
necessária a sua conversão em prescrição normativa através de uma
determinada fonte do direito. Tanto é assim que a própria Maria Helena Diniz
reconhece que “a atividade científica sem o beneplácito dos tribunais e sem a
sedimentação do costume não cria o direito”.235
Veja-se, por exemplo, que o artigo 2° da Lei de Introdução ao Direito
Brasileiro incorporou ao direito positivo um preceito doutrinário expresso pelo
brocardo jurídico lex posteriori derogat priori (lei como fonte formal). Este
brocardo, por sua vez, vinha sendo reconhecido indistintamente como critério
de solução de conflito normativo desde o direito romano (costume como fonte
formal). No entanto, a adoção deste brocardo como solução dos conflitos
normativos ocorreu antes de tudo no âmbito dos tribunais (jurisprudência como
fonte formal).
O fato é que, quando um preceito doutrinário é incorporado ao direito
positivo e, portanto, vira norma jurídica, por mais que se trate de uma
metanorma, esta norma permanecerá no mesmo nível das demais, existindo,
234 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 326. 235 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 327.
112
assim, apenas um grau único de normatividade. E, como visto, sua
incorporação ao direito positivo é feita pelas fontes do direito.
Já dentre aqueles que refutam a doutrina como fonte de direito
destacamos a posição de Paulo de Barros Carvalho. Segundo este autor a
doutrina se utiliza de um discurso descritivo, na medida em que – enquanto
atividade científica – descreve o seu objeto de estudo, qual seja, o direito
positivo. Por sua vez, o direito positivo não tem sua natureza afetada pela
atividade da ciência, mantendo, assim, sua estrutura prescritiva. A recíproca é
verdadeira. O enunciado científico também não tem sua natureza afetada pelo
seu objeto de estudo, não tendo, pois, sua estrutura descritiva alterada. Isto
posto, por criar enunciados descritivos, e não prescritivos, a doutrina não é
fonte do direito:
A doutrina não é fonte do direito positivo. Seu discurso descritivo não altera a natureza prescritiva do direito. Ajuda à compreende-lo, entretanto não o modifica. Coloca-se como urna sobrelinguagem que fala da linguagem deôntica da ordenação jurídica vigente. Nem será admissível concebe-Ia como fonte da Ciência do Direito, pois ela própria pretende ser científica. Quem faz doutrina quer construir um discurso científico, reescrevendo as estruturas prescritivas do sistema normativo.236
Percebe-se que a característica de sobrelinguagem – também
chamada de metalinguagem – atribuída por Paulo de Barros Carvalho aos
enunciados científicos lembra bastante a ideia de metanormas, as quais são
normas de segundo grau no critério proposto por Humberto Ávila. Todavia,
para que sejam normas jurídicas, os postulados propostos pelo último devem
ser emanados por uma fonte normativa, quando, então, adotarão a linguagem
de enunciados prescritivos. Do contrário, manterão a linguagem descritiva, e
deverão ser considerados simplesmente enunciados científicos.
De outra parte, também Miguel Reale rejeita o enquadramento da
doutrina como fonte do direito. Este, por sua vez, ressalta primeiramente ser
236 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 56.
113
preciso ter em mente o fato de que a doutrina não tem força suficiente para
revelar a norma jurídica que deverá ser cumprida pelo aplicador do direito ou
pelas partes – caso contrário os preceitos doutrinários de Pontes de Miranda,
por exemplo, estariam influenciando as decisões judiciais até hoje. No entanto,
o argumento principal apresentado por ele, diz de que a doutrina não se
desenvolve em uma estrutura de poder, o que é requisito essencial para o
conceito de fonte. Por isto, diferencia os modelos jurídicos dos modelos
científico ou dogmáticos. Sobre a diferença entre eles expõe o que segue:
As fontes de direito produzem modelos jurídicos prescritivos, ou, mais simplesmente, modelos jurídicos, isto é, estruturas normativas que, com caráter obrigatório, disciplinam as distintas modalidades de relações sociais. Como pensamos ter demonstrado em nosso livro O Direito como Experiência, enquanto que as fontes revelam modelos jurídicos que vinculam os comportamentos, a doutrina produz modelos dogmáticos, isto é, esquemas teóricos, cuja finalidade é determinar: a) como as fontes podem produzir modelos jurídicos válidos; b) que é que estes modelos significam; e c) como eles se correlacionam entre si para compor figuras, institutos e sistemas, ou seja, modelos de mais amplo repertório.237
Como se percebe, os postulados são criações científicas que têm
por finalidade auxiliar na interpretação e na aplicação do direito e, portanto, são
modelos científicos ou dogmáticos, e não normas jurídicas. Mas isto não
significa a exclusão da doutrina da atividade jurídica, nem mesmo o seu
rebaixamento a algo sem importância. Afinal, o próprio autor faz questão de
frisar que “a doutrina, por conseguinte, não é fonte do Direito, mas nem por
isso deixa de ser uma das molas propulsoras, e a mais racional das forças
diretoras, do ordenamento jurídico”. 238
Nesse ponto vale relembrar o entendimento de Celso Ribeiro Bastos
que, quando trata da interpretação constitucional, admite a existência de
postulados. 239 No entanto, este autor não lhes atribui o status de norma
237 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 167. 238 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 169. 239 Os postulados a que se refere Celso Ribeiro Bastos, por serem considerados com vista à interpretação da Constituição, correspondem àqueles considerados por Humberto Ávila como postulados hermenêuticos, ressalvadas as particularidades da teoria de cada autor.
114
jurídica, mas os concebe como enunciados dirigidos àquele que exerce
atividade interpretativa240:
Postulado é um comando, uma ordem mesma, dirigida à todo aquele que pretende exercer a atividade interpretativa. Os postulados precedem a própria interpretação, e se se quiser, a própria Constituição. São, pois, parte de uma etapa anterior à de natureza interpretativa, que tem que ser considerada enquanto fornecedora de elementos que se aplicam à Constituição, e que significam, sinteticamente, o seguinte: não poderás interpretar a Constituição devidamente sem antes atentares para estes elementos.241
Vale ressaltar que uma posição que nos chama a atenção no que diz
respeito aos postulados é a de Eros Roberto Grau. Como visto no item 1.10 do
capítulo 1, o autor atribui à proporcionalidade o status de postulado normativo
de interpretação/aplicação do direito. 242 Para tanto o autor se remete
constantemente e de forma expressa à teoria de Humberto Ávila, de onde
abstrai que a proporcionalidade é um postulado normativo aplicativo243 – sendo
que, mais a frente, o renomeia para adequá-lo à premissa estabelecida por ele
de que a interpretação e a aplicação do direito “se confundem”. 244
O problema é que Eros Roberto Grau estabelece sua teoria sobre os
conceitos de direito posto e de direito pressuposto. Segundo preceitua o
primeiro é o direito das regras, o direito positivo, enquanto o segundo é o direito
240 Há que ressaltar que Celso Ribeiro Bastos diferencia os postulados dos instrumentais hermenêuticos, o que faz nos seguintes termos: “Os postulados, já se frisou, são pressupostos para uma válida interpretação. Os instrumentais hermenêuticos é que são propriamente recursos da interpretação” (BASTOS, Celso. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3ª ed. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 169). A nenhum deles é atribuído o status de norma jurídica. 241 BASTOS, Celso. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3ª ed. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 165. 242 Nesse sentido o autor afirma o que segue: “Proporcionalidade e razoabilidade são, destarte, postulados normativos da interpretação/aplicação do direito e não princípios” (GRAU, Eros Roberto. Ensaio sobre a interpretação/aplicação do direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 191). 243 GRAU, Eros Roberto. Ensaio sobre a interpretação/aplicação do direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 188 ss. 244 Conforme visto no item 1.10 do capítulo 1, o autor entende que a interpretação e a aplicação ocorrem de forma simultânea, seja no momento de criação da norma de decisão (interpretação in concreto), ou no da produção norma jurídica (interpretação in abstrato).
115
dos princípios.245 Entretanto, o direito posto e o direito pressuposto possuem
uma relação de mútua influência, como explica o próprio autor:
Em outros termos: o legislador não é livre para criar qualquer direito posto (direito positivo), mas este mesmo direito transforma sua (dele) própria base. O direito pressuposto condiciona a elaboração do direito posto, mas este modifica o direito pressuposto.246
Ora, se o direito pressuposto condiciona a elaboração do direito
posto, assim como a modificação do direito posto altera o direito pressuposto,
isto significa que ambos estabelecem uma relação de retroalimentação entre si.
Dito isto, uma vez que a criação/modificação de um altera o outro, não há
dúvida de que o direito posto e o direito pressuposto atuam no mesmo nível e
que, portanto, a existência de normas de segundo grau é incompatível com a
teoria de Eros Roberto Grau. Ademais, há que se lembrar que em sua teoria o
autor concebe apenas as regras e os princípios como espécies de normas
jurídicas, silenciando quanto aos postulados.
Não obstante tudo isso, o ponto central é que nada impede que os
postulados sejam metodologicamente estruturados. Todavia, sua estruturação
ocorre no plano da atividade científica, e não no plano do direito positivo,
motivo este que lhe afasta o caráter normativo. Admite-se, no entanto, que o
postulado venha a ser convertido em norma jurídica, desde que por meio de
uma das fontes do direito, quando, então, estará no mesmo plano das demais
normas do ordenamento jurídico.
Dessa forma, fica claro que, enquanto postulado aplicativo, a
proporcionalidade não é uma norma jurídica, mas sim um modelo científico –
produto da atividade científica –, o qual utiliza a linguagem descritiva, e tem
como objetivo auxiliar o aplicador do direito no momento da criação de uma
norma jurídica de decisão. 245 “O direito pressuposto é fundamentalmente princípios, nada obstando, de toda sorte, a que nele vicejem regras, entendidas estas como normas jurídicas cujo grau de generalidade é mais estreito do que o grau de generalidade dos princípios” (GRAU, Eros Roberto, O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 77). 246 GRAU, Eros Roberto, O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 64.
116
3.3.2. A proporcionalidade como híbrido
No item 1.11 do capítulo 1 tivemos a oportunidade de analisar a
teoria de Marcelo Neves. Naquela ocasião verificamos que o autor parte da
teoria do agir comunicativo de Jürgen Habermas, a qual trabalha com os
conceitos de plano da ação, sendo aquelas afirmações ocorridas no âmbito da
prática cotidiana, e de plano do discurso, que surge quando as pretensões
sustentadas pelas ações são problematizadas nas interações concretas,
passando, então, a exigir justificação.
Com base nesse modelo habermasiano o autor afirma que a
distinção entre regras e princípios só pode ocorrer no plano discursivo, pois o
comando normativo, que era aceito no plano da ação, passa a ser suscetível
de questionamento no plano da argumentação.
Entretanto, o autor insere os preceitos da teoria do agir comunicativo
dentro da concepção de sistema, de onde abstrai a existência de duas ordens
de observação: as de primeira e as de segunda ordem. As observações de
primeira ordem são aquelas referentes à aplicação rotineira do direito pela
burocracia estatal, onde não há questionamento de sentido ou de validade, por
exemplo. Já as observações de segunda ordem alcançam outro plano, pois
discutem as normas a serem aplicadas, seja no tocante ao seu sentido, à sua
validade, às condições de cumprimento etc. É justamente no plano do discurso
jurídico, dentro das observações de segunda ordem, que ganha relevância a
distinção entre regras e princípios.
Com base nessa relação discursiva de segunda ordem Marcelo
Neves afirma que “os princípios e as regras são normas jurídicas reconstruídas
à luz da observação de segunda ordem dos processos de argumentação
jurídica”.247 E complementa esta afirmação mais a frente, pontuando que “a
247 NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 100.
117
argumentação jurídica ocorre na intersecção entre a justificação e a aplicação
das normas”.248
Todavia, sob a influência de Max Weber o autor enquadra estas
espécies normativas como conceitos típico-ideais, não nos termos da teoria
weberiana, mas enquanto “estruturas cognitiva de seleção das ciências sociais
em relação à realidade-ambiente que, diante delas, apresenta-se mais
complexa e desestruturada”,249 fugindo, assim, da dicotomia que resultaria da
simples aplicação da teoria sistêmica. Isto porque, dentro do âmbito
normativo,250 os tipos ideais se prestam à ordenação seletiva das disposições e
enunciados normativos, justamente o papel desempenhado pelos princípios e
pelas regras no plano da argumentação jurídica.
A partir daí o autor classifica os princípios como sendo normas no
plano reflexivo, as quais possibilitam o balizamento e a construção ou a
reconstrução de regras. Já as regras são classificadas como razões imediatas
para normas de decisão, funcionando como condição de aplicação do princípio
ao caso concreto. É o processo argumentativo que definirá, sob o ponto de
vista funcional-estrutural, se uma norma se encaixa no padrão de princípios ou
de regra.
No entanto, o autor ressalva que, por se tratarem de conceitos
típico-ideais, que são categorias gnosiológicas, poderá ocorrer contaminação
recíproca entre eles. Por isto, ele reconhece a possibilidade da existência de
híbridos, que nada mais são do que normas jurídicas que se encontram em
situação intermediária entre princípios e regras. Para ele a proporcionalidade é
justamente uma norma desta espécie.
Após apresentar a teoria proposta por Marcelo Neves passamos às
nossas considerações. 248 NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 100. 249 NEVES, Marcelo. Entre hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 102. 250 O autor utiliza a expressão âmbito normativo em sentido diverso daquele adotado por Friedrich Müller, na medida em que não adota a teoria deste último.
118
Segundo Max Weber a construção de uma teoria científica apta a
promover o conhecimento no âmbito das ciências sociais precisa adotar, em
sua metodologia, conceitos típico-ideais. Conforme preceitua, os elementos
conceituais destas ciências não são apreensíveis senão através da utilização
desta espécie de conceito. “Portanto, a construção de tipos ideais abstratos
não interessa como fim, mas única e exclusivamente como meio de
conhecimento”.251 Nesta perspectiva, o tipo ideal é uma tentativa de apreender
os indivíduos históricos e/ou os seus processos de conhecimento em conceitos
genéticos.252 Tanto é assim que alguns dos conceitos típico-ideais trazidos pelo
autor como exemplo são os seguintes: valor253 , individualismo, feudalismo,
mercantilismo e convencional.254
Note-se que referidos conceitos não são encontrados de forma pura
na realidade social e que, portanto, não servem como um esquema no qual se
possa incluir a realidade de maneira exemplar – como ocorre com os conceitos
das ciências naturais. Pelo contrário, os conceitos típico-ideais são antes
conceitos limites, desenvolvidos no plano da razão, que permitem esclarecer o
conteúdo empírico de alguns elementos da realidade:
Tem, antes, o significado de um conceito limite puramente ideal, em relação ao qual se mede a realidade a fim de esclarecer o conteúdo empírico de alguns dos seus elementos importantes, e com o qual esta é comprada. Tais conceitos são configurações nas quais construímos relações, por meio da utilização da categoria de possibilidade objetiva, que a nossa imaginação, formada e orientada segundo a realidade, julga adequadas.255
Com vistas ao exposto é possível compreender que a criação dos
conceitos típico-ideais proposta por Max Weber parte de uma premissa 251 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais – parte 1. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 139. 252 A expressão “conceitos genéticos” é utilizada pelo próprio autor (WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais – parte 1. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 140). 253 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais – parte 1. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 141. 254 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais – parte 1. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 139. 255 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais – parte 1. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 140.
119
filosófica racionalista, e tem por finalidade estabelecer uma metodologia
racional para produção do conhecimento científico no âmbito das ciências
sociais, uma vez que o modelo das ciências naturais lhe é incompatível.
Todavia, a incorporação de conceitos típico-ideais à ciência jurídica
nos parece possível, mas desde que incluída em uma metodologia estruturada
sobre parâmetros filosóficos racionalistas. Referida inclusão seria bem aceita
especialmente quando a teoria em questão buscasse conceituar termos como
soberania, cidadania, dignidade humana e pluralismo político (artigo 1°, incisos
I, II, III e V da Constituição da República). Por outro lado, categorias como
princípios e regras não são compatíveis com a gênese dos conceitos típico-
ideais, pois não possuem um substrato empírico de referencia, bem como não
permitem conhecer o conteúdo empírico da realidade.
Não obstante a incompatibilidade do conceito de tipo ideal de Max
Weber com o enquadramento jurídico dos princípios e das regras, durante a
exposição de sua teoria, Marcelo Neves se propõe a conceber os tipos-ideais
de uma forma um pouco diferente da proposta weberiana, isto é, para ele o tipo
ideal é a estrutura de conhecimento típica das ciências sociais, a qual permite
ordenar seletivamente a realidade-ambiente. Se de um lado Max Weber se vale
dos tipos ideais como estruturas racionais aptas à produção do conhecimento,
de outro Marcelo Neves os concebe como estruturas voltadas para a
organização de um modelo racional de apreensão do conhecimento. Desta
forma, enquanto para o primeiro o tipo ideal permite encontrar o significado de
determinado objeto cultural, para o segundo o tipo ideal permite organizar o
sistema de produção do conhecimento que irá analisar aquele objeto cultural.
Daí porque este último afirma que no âmbito normativo os tipos ideais não se
prestam a orientar expectativas cognitivas.256
O problema é que, do ponto de vista da estruturação científica do
direito positivo sob a lógica de um sistema normativo – o que é admitido pelo
autor –, os tipos-ideais seriam aplicáveis a conceitos como unidade, coerência,
256 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais – parte 1. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 103.
120
poder constituinte, eficácia, nulidade, norma jurídica etc. Contudo, as espécies
em que são decompostas cada categoria científica são meras classificações, e
não outras categorias autônomas (tipos ideais) nem subcategorias (subtipos
ideais). Tanto é assim que dentro da categoria científica (tipo ideal) nulidade é
possível encontrar diversas classificações, tais como nulidade absoluta e
relativa, inconstitucionalidade formal e material; na categoria científica (tipo
ideal) eficácia, as classificações de absoluta, plena, contida e limitada; na
categoria científica (tipo ideal) poder constituinte, as classificações histórico e
revolucionário.257
O mesmo ocorre no que toca ao tipo ideal norma jurídica. Isto
porque, conforme vimos, o conceito de norma jurídica pode receber a
classificação regra, princípio, postulado ou híbrido, e pode até mesmo não ser
decomposto em nenhuma classificação. Afinal, as classificações têm como
intuito facilitar o trabalho do cientista e/ou do técnico através da diferenciação
dos elementos integrantes de uma mesma categoria. Elas podem ser de vários
tipos, desde que mantenham coerência com as premissas metodológicas
adotadas. Portanto, as classificações, quando metodologicamente coerentes,
podem ser mais úteis, menos úteis ou inúteis, mas não certas ou erradas.
Em face disso é possível concluir que, mesmo dentro do conceito de
tipo ideal proposto pelo autor, princípios, regras e híbridos são simplesmente
classificações atribuídas à norma jurídica, esta sim, um tipo ideal. Como tais,
elas podem receber outra nomenclatura e assumir outra estruturação. Nestes
termos, a categoria científica (tipo ideal) norma jurídica pode ser encarada
como um imperativo-autorizante,258 sendo que, por sua vez, pode vir a ser
decomposta de acordo com os elementos por ela apresentados. Assim sendo,
257 Entendemos que o chamado poder constituinte derivado, por não possuir a mesma natureza, não deve ser considerado como uma classificação da categoria científica poder constituinte. Ademais, cremos também que o poder constituinte enquanto no plano científico do direito pode ser caracterizado como tipo ideal nos moldes propostos por Marcelo Neves, enquanto estruturação do poder jurídico. Contudo, sua análise no plano da ciência política deve ser feita sob a forma de tipo ideal proposta por Max Weber, pois aqui se buscará seu conteúdo, na medida em que este é analisado puramente como manifestação de um poder, sendo inútil, pois, a utilização do conceito de tipo ideal proposto por Marcelo Neves. 258 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 387.
121
não nos parece ser útil uma classificação que não particularize os elementos
de uma categoria científica, mas que, pelo contrário, os confunda, como ocorre
na classificação das espécies de norma jurídica como princípios, regras e
híbridos.
Ademais, no que toca à aplicabilidade do conceito de tipo ideal
proposto por Marcelo Neves como estrutura cognitiva de organização das
ciências sociais, a análise do tipo ideal poder constituinte é bastante
elucidativa. Isto porque, no âmbito da ciência jurídica, este tipo ideal é
analisado sob o enfoque da estruturação do poder jurídico e, portanto,
estabiliza expectativas normativas. Todavia, no âmbito das ciências sociais, o
tipo ideal poder constituinte almeja orientar a expectativa cognitiva do cientista,
de forma a encontrar o conteúdo daquela determinada manifestação de poder
a partir da realidade. Ao contrário do que ocorre no âmbito do direito, não há
organização do sistema científico das ciências sociais a partir deste tipo ideal.
Isto posto, o conceito de tipo ideal proposto pelo autor se encontra limitado à
ciência do direito, enquanto ciência normativa, não sendo aplicável às ciências
sociais como um todo. Para estas últimas é mais indicado o conceito de tipo
ideal proposto por Max Weber.
Diante dessas observações, não nos parece justificável a utilização
da classificação das normas jurídicas como princípios, regras e híbridos, tendo
em vista a confusão trazida por ela, já que ao invés de auxiliar o cientista e/ou
o técnico do direito, os confunde ainda mais.
Por fim, quando o autor atribui à proporcionalidade o status de
norma jurídica da espécie híbrido, ele analisa seus três subitens. Após sua
análise afirma que a adequação e a necessidade seriam regras, haja vista que
se enquadram na classificação atribuída a esta espécie tanto estruturalmente
quanto funcionalmente.259 De outro lado, a proporcionalidade em sentido estrito
seria um híbrido, uma vez que estruturalmente teria a forma de uma regra, mas
259 NEVES, Marcelo. Entre hydra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 110.
122
que funcionalmente operaria como um princípio.260 Contudo, tendo em vista a
clareza com que o autor classifica tanto a adequação quanto a necessidade
como regras, não nos parece científico que, ao final, lhes seja atribuído o status
de híbridos porque consideradas “dentro do pacote”, assim como o mesmo não
seria admissível com a proporcionalidade em sentido estrito, isto é, atribuir-lhe
o status de regra quando em conjunto com as demais.
Segundo nos parece, restariam duas opções: ou a proporcionalidade
por si mesma é deixada de lado, considerando-se isoladamente cada um dos
critérios que determinam as análises da adequação, da necessidade e da
proporcionalidade em sentido estrito como normas jurídicas; ou então se
reconhece que a proporcionalidade, enquanto estruturada sobre estes três
critérios, não é uma norma jurídica, assim como também não são os seus três
subitens. Tendo em vista que o critério de classificação utilizado carece de
utilidade ficamos com a segunda opção.
Mas a segunda opção é a única viável também por outro motivo.
Para que sejam considerados isoladamente como normas jurídicas, tanto a
proporcionalidade quanto os seus três subitens carecem de uma fonte do
direito que lhes atribua este status. Do contrário, a proporcionalidade,
juntamente como seus três subitens, nasce como enunciado científico e, como
tal, não ingressa no plano do direito positivo.
Vale ressaltar, assim, que o instituto do reentry, segundo o qual “o
que é condição de possibilidade da ordem passa a ser norma da própria
ordem”,261 e que foi proposto pelo autor como solução para a inclusão da
proporcionalidade e de seus subitens no direito positivo, não pode ser
concebido como uma operação natural do sistema que ocorre no plano
puramente lógico. Isto porque o reentry na verdade nada mais é do que a
inclusão no direito positivo de determinado enunciado científico por intermédio
de uma determinada fonte do direito, o qual, para que se opere, precisa 260 NEVES, Marcelo. Entre hydra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 111. 261 NEVES, Marcelo. Entre hydra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 110,
123
satisfazer os requisitos da fonte do direito correspondente. Afinal, do contrário,
todo e qualquer enunciado científico seria automaticamente incluído no plano
do direito positivo através do reentry, ainda que oriundos de teorias científicas
metodologicamente incompatíveis, 262 o que, por sua vez, inviabilizaria a
atuação do cientista e/ou do técnico do direito dentro dos parâmetros de
coerência exigidos pela teoria sistêmica. Diante disto não é possível conceber
a proporcionalidade nem seus subitens como normas jurídicas.
3.4. A técnica da proporcionalidade
Conforme tivemos a oportunidade de verificar nos itens anteriores
deste mesmo capítulo 3, a proporcionalidade não deve ser enquadrada como
norma jurídica, não importando o tipo de classificação adotada. Como veremos
a seguir, isto se deve ao fato de que, de acordo com os parâmetros da ciência
jurídica, a proporcionalidade possui a natureza de uma técnica.
É justamente por esse motivo que os autores previamente citados
tiveram tanta dificuldade de atribuir-lhe metodologicamente status normativo.
Afinal, como ressaltamos oportunamente, é possível que uma técnica venha a
ser normatizada, mas isto não ocorre no plano da estruturação metodológica,
mas sim através dos parâmetros estabelecidos pela metodologia depois de
estruturada, isto é, por meio de uma das fontes do direito.
3.4.1. A proporcionalidade como técnica de aplicação do direito
No item 2.4 do capítulo 2 tivemos a oportunidade de analisar quatro
metodologias distintas utilizadas de forma coerente na estruturação científica
do objeto direito positivo.
Na análise da obra de Hans Kelsen verificamos que o autor concebe
sua teoria sobre o estudo da norma jurídica sob uma ótica eminentemente
262 Veja-se, por exemplo, que o positivismo jurídico de Hans Kelsen é incompatível com o tridimensionalismo de Miguel Reale, assim como a teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy é incompatível com a teoria estruturante do direito de Friedrich Müller.
124
formal, buscando evitar qualquer espécie de contaminação de ordem volitiva ou
valorativa – daí porque o atributo de pureza de sua teoria. Partindo desta
premissa o autor analisa as normas jurídicas tanto sob a perspectiva do
conjunto formado por aquelas que vigoram em um determinado ordenamento
(teoria estática), quanto com vistas ao processo de produção e aplicação do
direito (teoria dinâmica).263
Note-se que o autor afasta da atividade do cientista, a interpretação
do direito, na medida em que esta não fica adstrita ao juízo puro e simples de
validade ou invalidade da norma jurídica, mas deve considerar também os seus
aspectos materiais. Por este motivo ele relega a interpretação à política
jurídica, silenciando, contudo, sobre o seu caráter técnico.264
Já quando analisamos a teoria de Tércio Sampaio Ferraz Jr.
pudemos constatar que este autor atribui à ciência do direito dois planos de
atuação, quais sejam o da zetética e o da dogmática. No primeiro a análise
recai sobre as repercussões sociais decorrentes da aplicação das normas do
direito positivo (função especulativa), enquanto no segundo se busca
sistematizar o direito positivo, estruturando-o de forma metodologicamente
coerente, a fim de oferecer ao técnico do direito os instrumentos necessários
para a aplicação das normas jurídicas (função diretiva).265
A dogmática, por sua vez, possui três modelos de decisão, isto é, o
analítico, o hermenêutico e o empírico. O primeiro encara a decidibilidade como
uma relação hipotética entre conflito e decisão. O segundo vê a decidibilidade
sob a ótica do seu sentido, analisando a relação entre a hipótese de conflito e a
hipótese de decisão. O terceiro vislumbra a decidibilidade dentro do prisma da
busca das condições de uma decisão hipotética para um conflito hipotético.
Para o autor os três aspectos estão inter-relacionados.266
263 KELSEN. Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 70-80. 264 KELSEN. Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 393. 265 FERRAZ JR. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 41. 266 FERRAZ JR. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 93.
125
Como se vê os modelos de decisão da dogmática operam com
premissas hipotéticas, pois não almejam apresentar uma decisão concreta a
um conflito real – se o fizessem não se trataria atividade científica, mas sim de
técnica. Pelo contrário, por atuarem numa perspectiva abstrata buscam
estabelecer instrumentos (técnicas) que serão oferecidos ao aplicador do
direito para sua utilização quando diante de conflitos reais que exijam uma
decisão concreta.
De outro lado, verificamos que Eros Roberto Grau, remontando aos
conceitos gregos clássicos de ciência (epistéme) e saber prático (phrónesis),
afirma que a distinção entre a ciência do direito e o seu objeto, isto é, o direito
positivo, leva a conclusão de que não há apenas uma ciência do direito, mas
sim um conjunto de ciências do direito – tais como filosofia do direito, história
do direito, dogmática jurídica.267
No entanto o autor faz questão de ressaltar a diferença existente
entre a dogmática jurídica – também chamada de jurisprudência teórica – e a
jurisprudência prática, sendo que esta última se confunde com o próprio direito.
Para ele a jurisprudência teórica (dogmática) tem por objeto o estudo dos
problemas jurídicos que serão solucionados pela aplicação das normas deste
direito e, portanto, está voltada para a indicação de critérios para a solução de
litígios, sendo, por esta razão, uma ciência (epistéme).268 Já a jurisprudência
prática opera no momento de interpretação/aplicação da norma jurídica,
escolhendo dentre as possibilidades de decisão, aquela que melhor resolve o
conflito instaurado e, desta forma, é considerada uma prudência (phrónesis).269
Diante disso percebe-se que a dogmática jurídica (epistéme)
estabelece e oferece à jurisprudência prática (phrónesis) critérios concebidos
em abstrato visando viabilizar a solução dos casos concretos. Este instrumental
267 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 37. 268 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 38. 269 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 39.
126
oferecido pela dogmática jurídica à jurisprudência prática, por sua vez, possui
natureza técnica (téchne).
O último autor apresentado no item 2.4 do capítulo 2 foi Friedrich
Müller, cuja teoria estruturante do direito se pauta na análise estrutural da
norma jurídica, mas rompendo com a cisão tradicional entre dever ser e ser,
traz para o plano da norma jurídica o direito e a realidade.270
Para atingir essa finalidade o autor trabalha com a separação entre
texto normativo e norma jurídica. Segundo pontua, o texto normativo quando
interpretado não apresenta uma única possibilidade de resultado, mas
diversas, e a cada uma delas é chamada de ideia normativa. O conjunto de
idéias normativas recebe o nome de programa normativo.271 De outro lado o
autor concebe também o âmbito normativo, que é o conjunto de aspectos
materiais inerentes ao caso concreto.272 Por seu turno, a norma jurídica será o
produto da interpretação do programa normativo juntamente com o âmbito
normativo. Todo este processo de interpretação, também chamado de círculo
hermenêutico, 273 pressupõe a pré-compreensão do interprete, 274 isto é, a
existência de um conjunto de atitudes, opiniões e valores próprios do sujeito
que irá realizar a interpretação.
Mesmo com sua estruturação metodológica voltada da norma para a
realidade e vice versa, o autor ainda agrega o método tópico à interpretação
operada pelo intérprete durante o círculo hermenêutico. Segundo afirma os
topoi servem de base ao espaço normativo, influenciando a interpretação tanto
do programa normativo como do âmbito normativo.275
270 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 207. 271 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 214. 272 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 249. 273 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 261-262. 274 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 267. 275 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 200.
127
Não obstante o fato de termos apresentado até aqui quatro teorias
completamente diferentes umas das outras, é possível perceber que o ponto
comum em todas elas é que a dogmática jurídica tem como objeto o direito
positivo, e o analisa em abstrato com o intuído de sistematizá-lo de forma
coerente (ciência jurídica) e, consequentemente, de oferecer ao aplicador o
instrumental necessário para solução do caso concreto de forma ordenada
(tecnologia jurídica). A metodologia adotada para a sistematização do direito
positivo pode variar de um cientista para outro, mas em todos os casos a teoria
escolhida deve necessariamente primar pela coerência.
Disso decorre que o cientista sistematiza o objeto de estudo de uma
forma coerente e, com isto, apreende hipoteticamente os enunciados que serão
utilizados na aplicação ordenada e racional do mesmo. Já ao técnico de nada
importa a estruturação científica ou a metodologia adotada, pois lhe interessam
apenas os enunciados resultantes da análise científica, os quais serão por ele
concretamente utilizados.
O ponto central é que, se trouxermos essa conclusão para a análise
da proporcionalidade, enxergaremos facilmente porque é tão difícil atribuir-lhe,
metodologicamente, o status de norma jurídica.
Pois bem, aquele que adota uma teoria do direito que estabelece
que no plano do direito positivo as normas jurídicas se subdividem em regras e
princípios, além de estar sujeito ao conceito de regra e de princípio por ela
definido – e não outro, ainda que de teoria que se valha da mesma
classificação –, estará sujeito, também, à possibilidade de ocorrência de
colisão entre princípios. Nesta hipótese, para que possa solucionar a colisão,
deverá utilizar a técnica de solução oferecida por aquela teoria. É justamente
aqui que entra a proporcionalidade.
De acordo com a análise das obras dos autores apresentados no
capítulo 1, pudemos verificar que todos eles adotam teorias do direito que
concebem as normas jurídicas como regras e princípios. Por este motivo todos
128
eles apresentam como critério para a solução da colisão entre princípios
justamente a proporcionalidade. Isto significa dizer que a técnica oferecida
pelas teorias daqueles autores – que neste ponto se aproximam –, para os
casos de colisão entre princípios é exatamente a proporcionalidade, conforme
estruturada analiticamente sobre três pilares: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito. A proporcionalidade é, pois, mais uma
técnica oferecida ao aplicador do direito que se utiliza de uma daquelas teorias
apresentadas.
Sobre o papel da técnica na atividade jurídica e o problema da
coerência metodológica assim se manifesta Tércio Sampaio Ferraz Jr.:
Sendo vista como uma atividade interpretativa-normativa, o jurista se obriga ao uso de variadas técnicas. Fala-se em interpretação gramatical, lógica, sistemática, teleológica, sociológica, histórico-evolutiva etc. A multiplicidade terminológica das diferentes técnicas provoca muitas dificuldades, mesmo porque os seus termos ora coincidem, ora se entrecruzam. Mesmo aqueles que procuram expor ordenadamente essas diferenças técnicas reconhecem a ausência entre elas, de uma relação hierarquicamente unitária. Mais grave que essa pluralidade das técnicas é, porém, o problema da unidade do método que ela implica. Uma ciência se vale de diferentes técnicas. Mas não são as técnicas que decidem sobre o caráter científico da investigação, e sim o método.276
É pelo motivo exposto por Tércio Sampaio Ferraz Jr. que fazemos
questão de ressaltar o papel da proporcionalidade enquanto técnica de
aplicação do direito nos casos de colisão de princípios, mas desde que no
âmbito das teorias que classificam as normas do direito positivo como regras e
princípios. Afinal, uma teoria que concebe princípios e normas jurídicas como
coisas distintas – conforme visto no item 3.1.2 –, não admite a possibilidade de
colisão de princípios no plano normativo e, portanto, prescinde da técnica da
proporcionalidade.
276 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Direito, retórica e comunicação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 151.
129
Em vista do exposto, não resta dúvida de que a proporcionalidade
possui a natureza de uma técnica de aplicação do direito direcionada aos
casos de colisão entre princípios, desde que no âmbito de uma teoria do direito
que classifique as normas jurídicas em regras e princípios. Desta forma, ela
não se situa no âmbito da ciência jurídica, mas da tecnologia jurídica.
3.4.2. A proporcionalidade como técnica de argumentação racional
Diante das conclusões apresentadas no item anterior cremos não
haver mais dúvida de que a proporcionalidade possui a natureza de uma
técnica de aplicação do direito. Isto porque a aplicação do direito se manifesta
no plano do discurso jurídico, como afirmam Marcelo Neves 277 e Tércio
Sampaio Ferraz Jr.278
Daí porque a necessidade do aparato tecnológico oferecido pela
ciência jurídica ao aplicador do direito, cujo intuito é permitir que seja proferida
uma decisão racional. Afinal, no momento da decidibilidade o aplicador não faz
ciência jurídica em abstrato, mas deve proferir uma decisão solucionando o
caso concreto, a qual deverá levar em consideração os valores envolvidos nas
normas aplicáveis bem como as circunstâncias de fato daquela relação jurídica
conflituosa. Neste sentido, pois, são as palavras de Tércio Sampaio Ferraz Jr.,
que pontua: “sob o ponto de vista do discurso, a positivação expressa, assim,
de um lado, o domínio dos valores e finalidades valorados ideologicamente,
onde se permite apenas a discussão técnico-instrumental”.279
A questão é que os diversos elementos considerados pelo aplicador
na hora de solucionar o caso concreto não devem ser aleatoriamente pinçados
e inseridos na decisão daquele conflito. Isto porque, ao contrário do que ocorre
na esfera científica do direito (dogmática jurídica), não será possível abstrair 277 NEVES, Marcelo. Entre hidra e hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 96. 278 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Direito, retórica e comunicação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 57 ss. 279 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Direito, retórica e comunicação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997. 159.
130
metodologicamente um resultado específico puramente objetivo que
solucionará do caso concreto. Afinal, diversos elementos subjetivos estão
diretamente envolvidos na aplicação do direito. É justamente para solucionar
este impasse que o papel da técnica jurídica consiste no oferecimento de
critérios racionais de solução de conflito para o aplicador do direito, os quais
serão utilizados para que se possa proferir uma decisão socialmente aceitável
e inspirada pela justiça.
Nesses termos, podemos concluir que a racionalidade oferecida pela
técnica jurídica contrapõe-se a arbitrariedade, servindo como parâmetro de
segurança para as relações reguladas pelo direito. Sobre a relação entre a
racionalidade do direito e a arbitrariedade são pontuais as palavras de Eros
Roberto Grau:
O direito moderno, posto pelo Estado, é racional porque cada decisão jurídica é a aplicação de uma proposição abstrata munida de generalidade a uma situação de fato concreta, em coerência com determinadas regras legais. Eis o que define a racionalidade do direito: as decisões deixam de ser arbitrárias e aleatórias, tornam-se previsíveis.280
Note-se que a racionalidade enquanto imperativo de segurança
jurídica é admitida como parâmetro de aplicação dos princípios de justiça e da
busca do bem na teoria da justiça de John Rawls. Para tanto o autor adota o
conceito de racionalidade deliberativa, sendo concebida como o processo pelo
qual uma pessoa escolheria um determinado plano de ação, após uma
criteriosa ponderação, dentre todos aqueles compatíveis com os princípios de
justiça.281 O próprio autor assim resume a questão:
Em resumo, nosso bem é definido pelo plano de vida que adotaríamos com plena racionalidade deliberativa se o futuro fosse previsto com precisão e adequadamente percebido pela imaginação. As questões que acabamos de discutir estão ligadas a ser racional nesse sentido. Aqui vale salientar que um plano racional é aquele que seria escolhido se fossem satisfeitas certas condições. O critério do bem é hipotético de
280 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 288. 281 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 515.
131
maneira semelhante ao critério de justiça Quando surge a questão de saber se fazer algo está de acordo com o nosso bem, a resposta depende de como isso se encaixa no projeto que seria escolhido com racionalidade deliberativa.282
A ideia de racionalidade tão fortemente arraigada como imperativo
de segurança jurídica, que impacta tanto teorias do direito quanto teorias da
justiça, encontra seu expoente na economia política e na filosofia das ciências
sociais de Max Weber. Segundo este autor o conhecimento interpretativo
somente é obtido através da interpretação racional, a qual é elaborada a partir
das categorias meio e fim. Disto resultaria a objetivação da ação humana
enquanto considerada nesta relação causal:
Em todos os casos em que ‘compreendemos’ uma ação humana sendo condicionada por ‘fins’ que foram conscientemente objetivados, concomitantemente a um conhecimento claro dos ‘meios’, a ‘compreensão’ atinge um grau especificamente elevado de ‘evidência’. Indagado acerca das razões deste fato, percebemos que estas consistem na circunstância que a relação entre ‘meios’ e ‘fim’ é acessível a uma evidência racional bem semelhante a uma relação causal, que inclui a generalização e as ‘leis’. Não há ação racional sem uma racionalização causal daquela parte da realidade que foi considerada como objeto e meio de influência. Isto quer dizer que esta parte da realidade deve ser enquadrada num sistema de regras empíricas, que nos indicam que grau de êxito se pode esperar em decorrência do nosso comportamento.283
De acordo com o autor essa relação causal entre meio e fim confere
racionalidade e objetividade ao conhecimento obtido através da interpretação.
Isto porque permite que condutas humanas realizadas em pleno exercício do
livre arbítrio, assim como valores socialmente experimentados, sejam objeto de
ponderação racional, possibilitando a obtenção de um conhecimento
cientificamente estruturado, convertendo-se, pois, em ação teleológica
racional.284
282 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 521. 283 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais – parte 1. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 94. 284 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais – parte 1. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 96.
132
Há que se ressaltar que Jürgen Habermas critica a proposta de Max
Weber, pois o primeiro afirma que na construção weberiana “as hipóteses
fundamentais ligam-se a um agir idealizado sob máximas puras; não se pode
derivar delas nenhuma hipótese legal empiricamente dotada de conteúdo”.285
Ou seja, por possuir a pretensão de ser um conhecimento empírico-analítico
esta teoria acaba confundindo os pressupostos lógicos e as condições
empíricas, uma vez que a premissa racionalista fundada em máximas puras da
qual parte é incompatível com a derivação de hipóteses empiricamente dotadas
de conteúdo.
Entretanto, a leitura da obra de Max Weber nos faz perceber o
quanto a concepção de proporcionalidade de Robert Alexy foi por ele
fortemente influenciada. Afinal, este último concebe a proporcionalidade como
uma norma jurídica que busca através da ponderação racional encontrar a
solução da colisão de princípios, tomando como premissa a relação existente
entre o meio empregado e o fim perseguido. Ele acredita, assim, realizar uma
analise cientifica dos elementos subjetivos envolvidos, mas com resultados
objetivos.286
O problema é que, conforme anteriormente demonstrado, a
proporcionalidade não pode ser metodologicamente estruturada como norma
jurídica sem o auxílio das fontes do direito. Além do que sua atuação não
produz conhecimento jurídico, mas sim pacificação social através do auxilio na
criação de uma norma jurídica de decisão, pois atua no plano técnico da
argumentação, buscando estruturar a decidibilidade do caso concreto, e não no
plano científico. 285 HABERMAS, Jürgen. A lógica das ciências sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 79. 286 Nesse sentido vide as palavras de Robert Alexy: “Princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, exigência de sopesamento, decorre da relativização em face das possibilidades jurídicas. (...) Isso significa, por sua vez, que a máxima da proporcionalidade em sentido estrito é deduzível do caráter principiológico das normas de direitos fundamentais”. (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 117-118). E prossegue: “Já as máximas da necessidade e da adequação decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas” (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 118). Note-se que o autor tenta atribuir racionalidade científica – isto é, obter a objetividade dos resultados através de fórmulas lógicas – à análise de elementos subjetivos, quais sejam, possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto.
133
Sobre a pretensão de objetividade é preciso ressaltar que haverá
sempre a necessidade de interpretação e que, como aponta Friedrich Müller,
os elementos subjetivos inerentes ao próprio intérprete não podem ser
afastados deste processo (pré-compreensão).287 Neste sentido Virgílio Afonso
da Silva reconhece a existência de uma margem de liberdade ao interprete
quando se utiliza da proporcionalidade:
O que se pode exigir, portanto, de tentativas de elevação da racionalidade de um procedimento de interpretação e aplicação do direito, como o sopesamento, é a fixação de alguns parâmetros intersubjetivos, ou seja, de parâmetros que permitam algum controle da argumentação.288
Tanto é assim que, quando da aplicação da proporcionalidade ao
caso da ADI 855-2289 o autor chegou a um resultado diferente daquele atingido
pelo Supremo Tribunal Federal também com base na proporcionalidade. Para a
Corte a lei é inconstitucional, pois falhou no exame da necessidade. Já Virgílio
Afonso da Silva entende se tratar de lei constitucional, pois aprovada nas três
etapas da proporcionalidade.290
Todavia, é preciso ter em mente que as críticas realizadas ao
modelo concebido por Max Weber, bem como à tentativa de enquadramento da
proporcionalidade no âmbito puramente científico de Robert Alexy, não têm o
condão de afastar a racionalidade da atividade científica, muito menos do
âmbito da ciência do direito e/ou da técnica jurídica.291
287 MÚLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 267. 288 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 148. 289 No caso em apreço o Governo do Estado do Paraná criou a Lei Estadual n° 10.248/93, a qual determinava que os botijões de gás fossem pesados na frente do consumidor, afim de verificar se o valor cobrado era condizente com o peso do botijão vendido. Desta forma eventuais variações no peso do botijão acarretariam uma cobrança mais justa, podendo alterar o preço para mais ou para menos, de acordo com o peso constatado no botijão. 290 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798 (2002): 23-50. pp. 37-41. 291 Nesse sentido Carlos Bernal Pulido defende a racionalidade da ponderação afirmando que racionalidade possui dois níveis, quais sejam, o teórico e o prático. O primeiro estabelece as condições que uma teoria ou um conceito deve cumprir para que seja considerado racional, enquanto o segundo determina as condições que um ato humano deve reunir para que seja considerado racional (PULIDO, Carlos Bernal. La racionalidad de la ponderacion. In.
134
A questão central aqui é que, conforme pontua Amartya Sen, a
racionalidade não se limita a simples análise da adequação entre meio e fim,
na medida em que este tipo de análise pode levar a resultados utilitaristas e/ou
egoísticos. Pelo contrário, a escolha racional pressupõe uma análise muito
mais ampla e dialógica, como sugere o próprio autor:
O método da escolha racional, nessa visão, está fundamentalmente ligado a conformar nossas escolhas à investigação crítica das razões para fazê-las. As exigências essenciais da escolha racional referem-se a submetermos nossas escolhas – de ações, bem como de objetivos, valores e prioridades – à análise arrazoada.292
Isso posto, a análise da racionalidade é composta por muito mais
elementos do que a mera relação de causalidade entre meio e fim.293 Ela
contempla a investigação crítica de todos os fatores envolvidos naquela
escolha, assim como, consequentemente, a exposição criteriosa dos seus
motivos. Por conta disto o autor afirma que a escolha racional é ao mesmo
tempo exigente e permissiva. É exigente porque nenhuma fórmula simples é
automaticamente vista como racional, sem que antes seja submetida a uma
análise penetrante, que inclua tanto o exame dos objetivos almejados quanto
as restrições de comportamento que podemos ter razão para seguir. 294 É
permissiva, pois não descarta a possibilidade de que mais de uma opção possa
ser escolhida como razão de decisão, desde que sobreviva à análise crítica.
Diante disto o autor conclui o seguinte:
A possibilidade da pluralidade de razões suscetíveis não é apenas importante para fazer justiça à racionalidade; também distancia a idéia de escolha racional de seu papel putativo de simples instrumento de previsão da escolha real, como ela tem
CARBONEL, Miguel. El princípio de proporcionalidad en el Estado constitucional. Colombia: Universidad Externado de Colombia, 2007. pp. 59-60). Após estabelecer esta premissa o autor apresenta um modelo de ponderação estruturado sobre uma fórmula de peso, e ao final conclui que a ponderação é uma atividade racional (PULIDO, Carlos Bernal. La racionalidad de la ponderacion. In. CARBONEL, Miguel. El princípio de proporcionalidad en el Estado constitucional. Colombia: Universidad Externado de Colombia, 2007. pp. 80). 292 SEN, Amartya. A idéia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 213. 293 Note-se que não se nega a análise da adequação entre meio e fim como um dos elementos da análise racional. Apenas ressalta-se que a racionalidade não se resume a isto. 294 SEN, Amartya. A idéia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. pp. 214-215.
135
sido amplamente utilizada na economia dominante. Mesmo que cada escolha real resulte ser sempre racional, no sentido de ser sustentável passando pela crítica, a pluralidade da escolha racional torna difícil obter uma previsão única da escolha real de uma pessoa a partir da idéia de racionalidade apenas.295
Com vistas ao exposto, podemos concluir que a argumentação
jurídica, enquanto destinada à decidibilidade, tem como requisito intrínseco a
racionalidade, a qual exige do aplicador uma análise crítica dialógica de todos
os fatores envolvidos na escolha, assim como, consequentemente, a exposição
criteriosa dos seus motivos. É por esta razão que se pode afirmar que a
racionalidade acarreta segurança e aceitação social à decisão, na medida em
que afasta a arbitrariedade.
Para facilitar a argumentação empregada na análise e motivação da
decisão do caso concreto, o aplicador encontra inúmeras técnicas disponíveis,
as quais decorrem da estruturação metodológica do direito positivo realizada
pela ciência do direito, e que o auxiliam a deduzir racionalmente uma solução
para o conflito jurídico através do oferecimento de parâmetros racionalizados296
para a estruturação da decisão297. Contudo, assim como a racionalidade não
apresenta um único resultado objetivo, também não existe uma única técnica
aplicável em detrimento das demais quando diante de determinada hipótese
concreta.
Diante disso, podemos abstrair duas conclusões: a primeira reside
no fato de que a racionalidade é uma condição estrutural da argumentação
jurídica; a segunda consiste na constatação de que toda a técnica de aplicação
do direito funciona também como instrumento de motivação de decisões e,
portanto, é simultaneamente técnica de argumentação racional.
Dessa forma, a proporcionalidade enquanto técnica de aplicação do
direito é também uma técnica de argumentação racional, pois atua também na 295 SEN, Amartya. A idéia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. pp. 216-217. 296 Parâmetros racionalizados porque decorrentes da atividade racional realizada pelo cientista do direito. Poderíamos normalmente utilizar a expressão racionais, pois eles de fato são, mas preferimos ressaltar o primeiro aspecto por entendermos ser neste momento mais pertinente. 297 Por estruturação da decisão entenda-se o enfrentamento do problema e a fundamentação da decisão racionalmente escolhida.
136
motivação das decisões, através do oferecimento de parâmetros racionalizados
para a estruturação da decisão. No entanto, em que pese tenha sido concebida
especificamente para solucionar as hipóteses de colisão entre princípios no
caso concreto, por se tratar de uma técnica, a proporcionalidade não é dotada
de força cogente e, portanto, sua utilização pelo aplicador do direito não é
obrigatória.
3.4.3. O uso equivocado da proporcionalidade como topos
Em que pese o fato da natureza da proporcionalidade ser de técnica
de aplicação e argumentação racional do direito, é preciso ter cuidado para não
se cair no erro de confundi-la com outra técnica, qual seja, a tópica, ou de
incluí-la como um dos topos do catálogo tópico.
Essa ressalva foi feita por Virgílio Afonso da Silva, que após analisar
a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal constatou o que segue:
O recurso à regra da proporcionalidade na jurisprudência do STF pouco ou nada acrescenta à discussão e apenas solidifica a idéia de que o chamado princípio da razoabilidade e a regra da proporcionalidade seriam sinônimos. A invocação da proporcionalidade é, não raramente, um mero recurso a um topos, com caráter meramente retórico, e não sistemático. Em inúmeras decisões, sempre que se queira afastar alguma conduta considerada abusiva, recorre-se à formula ‘à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, o ato deve ser considerado inconstitucional’.298
Realmente assiste razão à crítica do autor. A prática do Supremo
Tribunal Federal em inúmeros casos é utilizar a proporcionalidade como um
topos igualmente aceito pelos interlocutores e destinatários da decisão, a partir
do qual se fundamenta uma determinada opção decisória.
É isto que se vê no HC 76060, aonde a corte, analisando a
inconstitucionalidade da coercibilidade da realização de exame de DNA por
pretenso pai que se nega a fazê-lo, vislumbrou a existência de colisão entre de 298 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798 (2002): 23-50. p. 31.
137
direitos fundamentais, o que culminou na aplicação do princípio da
proporcionalidade da seguinte forma:
O que, entretanto, não parece resistir, que não seja, ao confronto do princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade – de fundamental importância para o deslinde constitucional da colisão de direitos fundamentais – é que se pretenda constranger fisicamente o pai presumido ao fornecimento de uma prova de reforço contra uma presunção de que é titular.299
Situação semelhante ocorreu no RE 414.426, quando julgando a
inconstitucionalidade da exigência de inscrição dos músicos em órgão de
classe, bem como da regulação estatal desta atividade, o tribunal mencionou
expressamente que casos como este devem ser solucionados à luz da
proporcionalidade sem, contudo, aplicar a técnica na forma em que foi
medologicamente concebida:
Este expediente se impõe em qualquer Estado de Direito Democrático, servindo a razoabilidade e a proporcionalidade como critérios para a análise da viabilidade de eventuais restrições aos direitos fundamentais.300
Não obstante o uso tópico atribuído à proporcionalidade muitas
vezes pelo Supremo Tribunal Federal, esta não se confunde com a tópica nem
com nenhum dos seus topoi. Isto porque, a tópica, como salienta Theodor
Viehweg, é “uma técnica do pensamento que está orientada ao problema”301 e,
enquanto tal, parte de pontos comumente aceitos pelos interlocutores (topoi)
para construir uma argumentação que levará a solução do problema. Afinal, a
tópica tem caráter pré-lógico302, pois estabelece a premissa que será aceita
299 HC 76060, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 31/03/1998, DJ 15-05-1998 PP-00044 EMENT VOL-01910-01 PP-00130, p. 138. 300 RE 414426, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2011, DJe-194 DIVULG 07-10-2011 PUBLIC 10-10-2011 EMENT VOL-02604-01 PP-00076, p. 90. 301 VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídicos-científicos. 5ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2008. p. 33. 302 Nesse sentido as palavras de Maria Helena Diniz: ”Sendo modalidade pré-logica, a tópica assinala como se buscam as premissas para atingir uma possível solução para a questão dúbia; a lógica as recebe e com elas trabalha adaptando-as ao pensamento conclusivo, considerado necessário” (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 498). A autora chega a esta conclusão escorada por Theodor Viehweg, que afirma: “Considerada deste modo, a tópica é uma meditação pré-lógica, já que concebida como tarefa, a inventio tem caráter
138
pelo aplicador e que, uma vez aceita, será utilizada pela lógica na construção
da argumentação e elaboração da decisão.
A proporcionalidade, por outro lado, não se apresenta como uma
premissa comumente aceita pelos interlocutores e destinatários da decisão,
mas sim como uma estrutura analítica, metodologicamente concebida, que
busca oferecer uma solução racional ao aplicador do direito, que parte da
premissa de que existe uma colisão entre princípios – enquanto considerados
normas jurídicas. Portanto, é o conteúdo jurídico dos princípios em colisão que
funcionará no plano pré-lógico, como premissa para a construção da
argumentação, e não a proporcionalidade.
Dessa forma, a técnica da proporcionalidade não de confunde com a
técnica tópica porque ambas possuem modi operandi essencialmente distintos.
Do mesmo modo a proporcionalidade não é um topos, pois não serve como
ponto de partida comumente aceito pelos interlocutores sobre o qual será
construída a argumentação. Isto não quer dizer, contudo, que a tópica é
inaplicável ao direito. Significa, apenas, que se trata de técnicas distintas, cujas
especificidades e os momentos de utilização devem ser respeitados.303
3.4.4. O problema da proporcionalidade como fundamento da inconstitucionalidade
Não obstante a proporcionalidade ser uma técnica de aplicação do
direito, e simultaneamente uma técnica de argumentação racional, há que se
ressaltar o fato de que em diversos julgados do Supremo Tribunal Federal
primário; a conclusio, ao invés, tem caráter secundário. A lógica deve indicar, propriamente, de que modo se encontra a premissa. A lógica aceita a premissa mesma e, elabora-a” (VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídicos-científicos. 5ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2008. p. 41). 303 Sobre as diferentes formas de aplicação da tópica ao direito: DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 493-498; MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A tópica e o supremo tribunal federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. pp. 243-271; FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. pp. 326-330.
139
encontramos a proporcionalidade sendo utilizada como o fundamento da
declaração de inconstitucionalidade.
Nesse diapasão, analisando o HC 104410 é possível encontrar na
ementa a seguinte afirmação: "Apenas a atividade legislativa que, nessa
hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada
de inconstitucional".304 Como se pode abstrair do trecho citado, no caso em
comento o fundamento invocado para fundamentar a constitucionalidade da lei,
foi a não ocorrência de afronta à proporcionalidade.
Situação semelhante se encontra no RE 511961, da onde se pode
verificar a proporcionalidade sendo utilizada da seguinte maneira:
A Constituição de 1988, ao assegurar a liberdade profissional (art. 5º, XIII), segue um modelo de reserva legal qualificada presente nas Constituições anteriores, as quais prescreviam à lei a definição das "condições de capacidade" como condicionantes para o exercício profissional. No âmbito do modelo de reserva legal qualificada presente na formulação do art. 5º, XIII, da Constituição de 1988, paira uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e proporcionalidade das leis restritivas, especificamente, das leis que disciplinam as qualificações profissionais como condicionantes do livre exercício das profissões. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.305
O que se vê aqui, à semelhança do exemplo anterior, é a discussão
a respeito da proporcionalidade da restrição legal como fundamento da
inconstitucionalidade.
Assim como os dois casos aqui apresentados, existem outros em
que o fundamento da inconstitucionalidade repousa na proporcionalidade.306
Em outras palavras, a desproporcionalidade é utilizada como sendo o porquê
da inconstitucionalidade.
304 HC 104410, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 06/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-062 DIVULG 26-03-2012 PUBLIC 27-03-2012, p. 03. 305 RE 511961, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 17/06/2009, DJe-213 DIVULG 12-11-2009 PUBLIC 13-11-2009 EMENT VOL-02382-04 PP-00692 RTJ VOL-00213- PP-00605, p. 693. 306 Nesse sentido vide RE 414426 e HC 76060.
140
No entanto, uma vez que a proporcionalidade é uma técnica de
aplicação do direito e de argumentação racional, não pode ela própria servir
como fundamento da decisão de inconstitucionalidade. Primeiramente porque
este não é o papel que lhe foi metodologicamente atribuído. Em segundo lugar,
porque o vício de inconstitucionalidade decorre diretamente da violação de uma
norma jurídica constitucional e, como demonstrado, a proporcionalidade não
possui a natureza de norma jurídica. Portanto, utilizá-la como fundamento da
inconstitucionalidade é um subterfúgio meramente retórico, o qual esvazia o
caráter científico da metodologia jurídica.
Nesse sentido vale ilustrar o debate instaurado entre os Ministros
Gilmar Ferreira Mendes e Eros Roberto Grau durante o julgamento da ADI 855-
2. Neste julgamento o primeiro afirmou o seguinte:
(...) não há cogitar de reserva legal, senão de reserva legal proporcional. Temos, sim, de verificar se a lei não esvazia o conteúdo dos direitos fundamentais, e, nesse sentido, temos de examinar a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.307
Em seguida contestou o segundo:
Nós não estamos julgando segundo a proporcionalidade, mas eventualmente dizendo que, por não ser proporcional em relação a liberdade, à afirmação da igualdade, por exemplo, julgamos inconstitucional. Mas a inconstitucionalidade está referida não à proporcionalidade ou a razoabilidade, porém a direito fundamental que tenha sido violado pelo texto.308
Isso posto, cremos ser acertada a ressalva feita pelo Ministro Eros
Roberto Grau no julgamento em comento, na medida em que a
proporcionalidade possui natureza de tecnologia jurídica, não sendo possível,
pois, fundamentar o vício de inconstitucionalidade na técnica utilizada para
solucionar a colisão de princípios diante do caso concreto. Ou determinada
307 ADI 855, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2008, DJe-059 DIVULG 26-03-2009 PUBLIC 27-03-2009 EMENT VOL-02354-01 PP-00108, p. 151. 308 ADI 855, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2008, DJe-059 DIVULG 26-03-2009 PUBLIC 27-03-2009 EMENT VOL-02354-01 PP-00108, 152.
141
medida é inconstitucional por violação do princípio x, ou é constitucional com
base no princípio y, mas nunca com fundamento na técnica utilizada para
solucionar a colisão.
3.5. Adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito
Depois de demonstrarmos que a proporcionalidade é uma técnica de
solução de colisão entre princípios, a qual é utilizada pelas teorias do direito
que atribuem aos princípios o status de norma jurídica, analisaremos
brevemente as três etapas que compõe a técnica da proporcionalidade.
A primeira etapa da técnica da proporcionalidade é a adequação,
que segundo Robert Alexy consiste em analisar se a medida adotada (M1) com
base num determinado princípio (P1) é adequada para atingir o seu objetivo
(Z). Em que pese as possíveis divergências, isto nada mais é do que a
operação mais elementar da aplicação do direito, qual seja, a subsunção.
Através dela se verifica se o fato – no caso a medida adotada (M1) – se adapta
à norma – ao princípio no qual a medida se baseou (P1) e, consequentemente,
ao objetivo por ele traçado (Z). Ora, se para aqueles que se utilizam da técnica
da proporcionalidade o princípio é uma norma jurídica, então, enquanto norma,
ele se submete a esta operação. Trata-se, portanto, de subsunção, mas
realizada de uma forma que respeita as particularidades dos princípios
enquanto normas jurídicas.309
Já a segunda etapa da técnica da proporcionalidade é a
necessidade. Ainda de acordo com Robert Alexy, nela se verifica, dentre as
medidas adequadas (M1 e M2), qual delas afeta menos o outro princípio (P2)
que está em colisão com o princípio (P1), que fundamenta as medidas
necessárias (M1 e M2). Como se percebe, o que se faz aqui é a racionalização
309 Conforme frisamos no item 3.4.1, não há que se falar em técnica da proporcionalidade em se tratando de teoria do direito que não enquadre os princípios na categoria de norma jurídica. Até porque, no âmbito destas não teria como se operar a análise da adequação, que não passa de subsunção do fato a norma. Afinal, para aqueles que utilizam a técnica da proporcionalidade os princípios são normas jurídicas e, portanto, estão sujeitos a esta operação.
142
das possibilidades existentes (M1, M2, M3, M’) com vistas tanto aos objetivos
do princípio que embasa a medida (P1) quanto à menor restrição do princípio
em colisão (P2). Trata-se, pois, da verificação das possibilidades racionalmente
viáveis, as quais irão servir de base para a escolha final do interprete e/ou do
aplicador do direito.310
Finalmente, a terceira etapa da técnica da proporcionalidade é a
proporcionalidade em sentido estrito, que de acordo com Robert Alexy consiste
no mandato de sopesamento propriamente dito, isto é, na análise da
possibilidade jurídica para a realização do princípio colidente (P1) com o
princípio antagônico (P2). Ou seja, aqui ocorre a escolha pelo aplicador do
direito de uma das opções racionais oferecidas pela análise realizada na etapa
anterior. Trata-se, assim, da aplicação do princípio da razoabilidade, que
permitirá ao aplicador do direito escolher dentre as hipóteses racionais, uma
que seja socialmente aceita e que preencha o sentimento de justiça.
Como visto, as etapas da técnica da proporcionalidade não
apresentam nada diferente daquilo que verificamos no item 3.4.2, e do que
veremos no capítulo 4, pois se trata de pontos pertinentes a toda aplicação do
direito. Isto posto, a técnica da proporcionalidade nada mais faz do que
operacionalizar sistematicamente a forma própria de aplicação do direito com
vistas à solução da colisão de princípios, visando propiciar uma linha de
argumentação racional, como meio de evitar arbitrariedades e escolhas
aleatórias – as quais muitas vezes ocorreram, e tiveram como desculpa o
caráter fluido dos princípios.
310 Vale lembrar que a racionalidade é inerente a toda atividade de aplicação do direito.
143
4. O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
Depois de verificarmos todos os aspectos inerentes à técnica da
proporcionalidade, urge atentar ao fato de que, ao contrário do que defende
Luís Roberto Barroso, proporcionalidade e razoabilidade não são dois nomes
atribuídos à mesma coisa por culturas jurídicas distintas. 311 Também não
assiste razão a Willis Santiago Guerra Filho quando afirma que a razoabilidade
nada mais é do que uma importação equivocada do princípio de origem inglesa
da irrazoabilidade, o qual tem como escopo rejeitar os atos excepcionalmente
irrazoáveis.312 Os autores em questão se equivocam por dois motivos: em
primeiro lugar, porque realizam a análise comparativa entre proporcionalidade
e razoabiliadde no plano dos princípios, sendo que a primeira, como se viu, é
uma técnica; em segundo lugar, porque em suas comparações adotam um
conceito errôneo de razoabilidade, conforme demonstraremos nos subitens a
seguir.
4.1. A razoabilidade como imperativo de razão prática
Tivemos a oportunidade de verificar no item 2.4 que, segundo Eros
Roberto Grau, a atividade jurídica pode ser dividida em duas espécies: a
jusrisciência e a jurisprudência. A primeira é a dogmática jurídica, atividade
científica que tem por finalidade sistematizar e organizar o direito positivo
(epistéme). A segunda é a jurisprudência prática, atividade prudencial que tem
como intuito oferecer uma decisão socialmente aceitável para a solução de um
conflito concreto (phrónesis).
Como bem apontado pelo autor, a atividade científica do direito se
opera no âmbito da organização sistemática do direito positivo, adotando, para
tanto, uma determinada metodologia. Esta atuação segue o parâmetro lógico
de causa e conseqüência. Como resultado produz uma tecnologia que será
311 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 224. 312 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e teoria do direito. In. GRAU, Eros Roberto. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 283.
144
utilizada pelo aplicador do direito. Todavia, o momento da decisão, da escolha
de uma determinada técnica e/ou de certa linha de argumentação, o aplicador
do direito atua no plano da prudência, pois leva em consideração diversos
fatores, das mais diversas ordens – fáticos, normativos, axiológicos, políticos
etc. –, buscando criar uma norma de decisão, agindo, pois, segundo uma
lógica de preferência. É o que decorre das suas palavras:
O interprete autêntico, ao produzir normas jurídicas, pratica júris prudentia e não júris scientia. O interprete autêntico, então, atua segundo a lógica da preferência, e não conforme a lógica da conseqüência (Comparato 1979/127): a lógica jurídica é a da escolha entre várias possibilidades corretas. Interpretar um texto normativo significa escolher uma entre várias interpretações possíveis, de modo que a escolha seja apresentada como adequada (Larenz 1983/86). A norma não é objeto de demonstração, mas de justificação.313
Isso se deve ao fato de que o direito, por sua natureza especifica,
não oferece uma estrutura lógica calcada sobre uma relação causal, composta
por um número limitado de variáveis, que lhe permita apresentar um único
resultado objetivo ao problema apresentado, ao contrário do que ocorre com as
ciências naturais, ao menos até o advento do novo paradigma científico. Desta
forma, a interpretação e a aplicação do direito pressupõem a existência de um
agente catalisador, que agrega às variáveis do problema, os seus próprios pré-
conceitos, os quais serão utilizados na interpretação destas variáveis, trazendo,
assim, uma inevitável carga de subjetividade à operação. Isto posto, assiste
razão a Eros Roberto Grau quando afirma que a lógica formal da ciência não
incide sobre a interpretação e a aplicação do direito. Neste ponto, ele segue a
mesma linha de Lourival Vilanova, que assim pontua:
Por isso, quando os juristas da escola dogmática da exegese pensavam que somente com a Lógica o juiz podia decidir os casos controvertidos da vida cotidiana, não precediam como Mr. Jourdan, que fazia prosa sem o saber: acreditavam fazer Lógica, mas faziam outra coisa sem o saber. Faziam interpretação e aplicação do Direito positivo, que se não
313 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. pp. 40-41.
145
consomem no formal do silogismo, sem valorações e sem referências à realidade social subjacente.314
Por óbvio a atuação do aplicador não é atividade científica. Trata-se,
pois, de atividade técnico-prudencial. Afinal, se por um lado o aplicador tem a
liberdade de escolha, de outro esta escolha é limitada pelo arcabouço técnico
disponibilizado – o qual exige coerência na sua utilização –, assim como pela
racionalidade exigida no processo de interpretação e aplicação do direito.315
Contudo, somente o aparato técnico e a racionalidade não são suficientes para
se atingir a aceitabilidade social e para preencher o sentimento de justiça. É
justamente aí que entra a prudência, manifestada pela razoabilidade. Nesse
sentido Goffredo Telles Jr., quando trata da lógica do jurista, afirma o que
segue:
O que, sobre este assunto, devemos dizer é que o verdadeiro jurista, ao relacionar a lei ao caso concreto, é levado a conscienciosamente acrisolar a lógica do racional, aprimorando-a com a lógica do razoável.316
E prossegue mais a frente em sua obra:
A verdadeira compreensão das leis, a sábia interpretação delas, a sua aplicação prudente ao caso concreto, não depende de erudição apenas, mas da sabedoria, ‘not knowledg, but Wisdom’, daquela ‘sabedoria profunda e silenciosa’, de que falam os pensadores. Valendo-se da lógica do razoável, o juiz fará uma justiça que ‘excede a justiça dos escribas e dos fariseus’, a que se referiu Jesus, no Sermão da Montanha.317
Percebe-se, pois, que a lógica do razoável pertence à esfera da
phrónesis e, enquanto atividade prudencial, não se confunde com a
314 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo: Noeses, 2005. pp. 299-300. 315 Ao contrário de Eros Roberto Grau, que entende que interpretação e aplicação ocorrem sempre simultaneamente, somos da opinião de que toda a aplicação pressupõe interpretação, mas a última pode ocorrer sem a primeira. 316 TELLES JR., Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 366. 317 TELLES JR., Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 367.
146
racionalidade. Desta forma, assiste razão a John Rawls quando afirma que
racionalidade e razoabilidade são coisas distintas:
Ao longo deste trabalho farei uma distinção entre o razoável e o racional, como vou me referir a eles. Estas são as idéias básicas e complementares que entram na idéia fundamental da sociedade como um sistema justo de cooperação social. Quando aplicada ao caso mais simples, ou seja, pessoas envolvidas em cooperação e situadas como iguais em aspectos relevantes (ou simetricamente, para abreviar), pessoas razoáveis estão prontas para propor, ou reconhecer quando propostos por outras, os princípios necessários para especificar o que pode ser visto por todos como os termos justos de cooperação. Pessoas razoáveis também entendem que eles devem honrar esses princípios, mesmo à custa de seus próprios interesses, conforme as circunstâncias podem exigir, haja vista que os outros também deverão honrá-los.318
Reconhecemos que a diferenciação apontada pelo autor está
fundada sobre as premissas de sua própria teoria, na medida em que se refere
à aplicação dos dois princípios de justiça por ele propostos. Contudo, mesmo
fora da teoria do autor a diferença entre racionalidade e razoabilidade deve ser
reconhecida. Afinal, a conexão entre a racionalidade de determinada escolha e
a sustentabilidade de suas razões depende da justamente da razoabilidade. A
respeito da relação entre racionalidade e razoabilidade assim se manifesta
Amartya Sen:
A racionalidade é, de fato, uma disciplina bastante permissiva, que exige a prova do raciocínio, mas permite que o autoescrutínio arrazoado assuma formas bastante diferentes, sem necessariamente impor qualquer grande uniformidade de critérios. Se a racionalidade fosse uma igreja, seria uma igreja bastante ampla. De fato, as exigências da razoabilidade, assim como caracterizada por Rawls, tendem a ser mais rigorosas do que as exigências da mera racionalidade.319
Disso decorre que a racionalidade, conforme demonstrado no item
3.4.5, apresenta a exigência de que a argumentação jurídica seja estruturada
dentro dos parâmetros da razão. No entanto, em que pese o fato da
racionalidade agregar transparência e afastar arbitrariedade na fundamentação
318 RAWLS, John. Justice as fairness: a restatement. Massachusetts: Harvard Univerty Press, 2001. pp. 6-7 (tradução livre). 319 SEN, Amartya. A idéia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. pp. 229-230.
147
das decisões, ela sozinha não garante a aceitabilidade social da escolha
racionalmente realizada pelo aplicador do direito. Isto porque, a aplicação do
direito se opera no âmbito da prudência e, desta forma, exige que a escolha do
aplicador seja aquela que melhor atenda aos anseios de justiça e pacificação
social. Daí porque o autor afirmar que “isto pode muito bem ser a moralidade
social, mas é em última análise uma moralidade social prudencial”.320 Nesse
ponto nos parecem apropriadas as palavras de Chaïm Perelman, que afirma:
Enquanto as noções de ‘razão’ e de ‘racionalidade’ se reportam a critérios bem conhecidos da tradição filosófica, tais como as idéias de verdade, de coerência e de eficácia, o razoável e o desarrazoado são ligados a uma margem de apreciação admissível e ao que, indo além dos limites permitidos, parece socialmente aceitável.321
Como se percebe, existe uma relação bastante íntima entre
prudência e razoabilidade. Afinal, se a aplicação do direito é uma atividade
técnico-prudencial que exige a racionalidade como forma de transparência para
afastar a arbitrariedade, e sabendo que a racionalidade sozinha não atende
aos anseios de justiça e aceitabilidade social, torna-se necessário o recurso à
razoabilidade. Esta necessidade decorre do caráter eminentemente prático da
aplicação do direito enquanto atividade técnico-prudencial de caráter racional.
Portanto, é possível concluir que a razoabilidade é um imperativo de razão
prática. Não é outra a conclusão apresentada por John Finnis, em sua releitura
da teoria do direito natural de Tomás de Aquino:
O discernimento, a inferência e a elaboração dos princípios morais é uma tarefa para a razoabilidade prática. Os julgamentos que alguém faz quando age assim, todos juntos, são chamados de sua consciência, num sentido anterior ao sentido em que a consciência é o julgamento que passa ou poderia passar nos seus próprios atos considerados retrospectivamente. Alguém, cuja consciência é sadia, tem no lugar os elementos básicos do julgamento correto e da razoabilidade prática, que é da virtude intelectual e moral que Tomás de Aquino chama de prudentia. A prudentia plena requer que alguém coloque seu julgamento adequado em ação em todos os sentidos, isto é, nos detalhes da escolha e da
320 SEN, Amartya. A idéia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 236. 321 PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 436.
148
ação em face das tentações alternativas irrazoáveis, mas talvez não ininteligíveis.322
Também Amartya Sen – fora da ótima do direito natural – reconhece
que a razoabilidade possui um papel fundamental no âmbito da razão prática.
Tanto é assim que o autor diz o que segue:
Como foi discutido no capítulo 5, a idéia de objetividade na razão prática e no comportamento pode ser sistematicamente vinculada às exigências de imparcialidade. Partindo disso, podemos assumir que o padrão relevante de objetividade dos princípios éticos está ligado a sua defensibilidade em uma estrutura aberta e livre de argumentação pública. As perspectivas e avaliações de outras pessoas, bem como seus interesses, teriam um papel aqui de forma que a racionalidade por si não necessita exigir.323
Como se abstrai do trecho citado, ao atribuir à razoabilidade o papel
de concretizadora da racionalidade no âmbito da prudência, o autor enxerga
que a aceitabilidade social da racionalidade só se opera no plano prático, pois
em tese qualquer argumento racional seria suficiente, mas na realidade a
aceitabilidade deve ser analisada com vistas ao resultado prático.
Isso posto, é fácil concluir que a razoabilidade é um imperativo de
razão prática, na medida em que sem ela faltará à racionalidade o parâmetro
concreto que acarreta a aceitabilidade social e o sentimento de justiça, os quais
só podem ser concebidos com vistas a determinado resultado prático.
4.2. A natureza principiológica da razoabilidade
Uma vez demonstrado que a racionalidade sem a razoabilidade não
alcança a aceitabilidade social e não acarreta o sentimento de justiça, e
sabendo que a ciência do direito tem por finalidade a ordenação sistematizada
do direito positivo com vistas à pacificação social, o que deve ser feito de forma
racional para atribuir transparência e evitar arbitrariedade, fica claro que a
322 FINNIS, John. Direito natural em Tomás de Aquino: sua reinserção no contexto do juspositivismo analítico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007. p. 41. 323 SEN, Amartya. A idéia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 230.
149
razoabilidade está inserida implicitamente no ordenamento jurídico como
condição sine qua non para a aplicação eficaz do direito.
Dessa forma, pode-se concluir que se trata de um princípio jurídico
implícito, pois, como afirma Eros Roberto Grau, já se encontra integrado ao
sistema jurídico, e deve ser descoberto e revelado pelo interprete:
Os princípios explícitos, estes se manifestam de modo expresso. Os demais, implícitos, não são ‘positivados’, mas descobertos no interior do ordenamento; pois eles já eram, nele, princípios de direito positivo, embora latentes. EM outros termos: o interprete autêntico nada ‘positiva’. O princípio já estava positivado. Se não fosse assim, não poderia ser induzido.324
O ponto é que, conforme vimos no capítulo 1, inúmeros são os
conceitos de princípio jurídico encontrados na doutrina. Analisaremos, aqui, a
razoabilidade à luz dos três mais divergentes, quais sejam, Robert Alexy,
Humberto Ávila e Marcelo Neves.
No item 1.7 mostramos que Robert Alexy conceitua os princípios
jurídicos como mandamentos de otimização, os quais têm como características
poderem ser satisfeitos em graus variados, assim como o fato da medida para
sua satisfação não depender apenas das possibilidades fáticas, mas também
das jurídicas.325
Quando comparamos a razoabilidade com o referido conceito,
verificamos que ela se encaixa perfeitamente. Afinal, a razoabilidade se aplica
em graus diferentes, dependendo das circunstâncias envolvidas, as quais são
de ordem fática e também jurídica. Aliás, esta é justamente a sua essência.
Assim, dentro do conceito proposto por Robert Alexy a razoabilidade é um
princípio jurídico.
324 GRAU, Eros Roberto. Ensaio sobre a interpretação/aplicação do direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 171. 325 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90.
150
Por outro lado, vimos no item 1.9 que Humberto Ávila classifica os
princípios como normas jurídicas que estabelecem um fim a ser atingido
(finalísticas), propondo para tanto um objetivo determinado (propositivas), os
quais visam contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão
(pretensão de complementariedade e parcialidade).326
A partir dos elementos supramencionados se percebe que a
razoabilidade estabelece como fim a criação de uma norma de decisão aceita
socialmente, cujo objetivo é a pacificação social, e o faz conjuntamente com
outras razões jurídicas e não jurídicas. Portanto, ela também se enquadra
dentro do conceito de princípio proposto por Humberto Ávila.327
Já Marcelo Neves defende no item 1.11 a ideia de que os princípios
são normas jurídicas que, do ponto de vista funcional-estrutural, serão
incorporadas no processo argumentativo, mas no plano reflexivo, na medida
em que possibilitam o balizamento e a construção ou reconstrução das
regras.328
Ao incluirmos a proporcionalidade nos parâmetros desse conceito,
verificamos que ela atua sim no plano reflexivo, uma vez que é incorporada no
processo argumentativo – e racional – como balizamento para a construção ou
reconstrução de uma regra de decisão socialmente aceitável e que atinja o
sentimento de justiça. Isto posto, a razoabilidade também se enquadra no
conceito de princípio da teoria de Marcelo Neves.
Não obstante a razoabilidade ser enquadrável nos conceitos de
princípio dos três autores citados há que se atentar ao fato de que todos eles
326 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. pp. 78-79. 327 Sabe-se que Humberto Ávila classifica a razoabilidade como postulado normativo aplicativo. Entretanto, nossa proposta, aqui, é verificar o enquadramento da proporcionalidade em diferentes conceitos de princípio. Isto sem falar no problema das fontes do direito das quais emanam os postulados hermenêuticos e aplicativos (normas de segundo grau) levantado por nós no item 3.3.1. 328 NEVES, Marcelo. Entre hydra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 103.
151
atribuem status normativos aos princípios. Contudo, vimos no item 3.1.2 que
existem autores que não oferecem aos princípios o status de norma jurídica.
Dentre os autores que não atribuem status normativo aos princípios
destacamos a posição de Sérgio Sérvulo da Cunha. Segundo o autor os
princípios são opções valorativas implicadas como fundamento no enunciado
de normas jurídicas,329 os quais não descrevem suportes fáticos de incidência,
nem mesmo discriminam efeitos.330
Ao fazermos a comparação da razoabilidade com o conceito de
princípio do referido autor, constatamos que de fato a razoabilidade é uma
opção valorativa levada a cabo pelo aplicador do direito quando diante de
várias possibilidades racionais para a criação de norma jurídica. Além disto, a
razoabilidade não descreve um suporte fático de incidência, assim como não
discrimina os seus efeitos. Dessa forma, a razoabilidade também se enquadra
como princípio dentro daquelas teorias que não concebem os princípios como
normas jurídicas.
O que se pode constatar dessa análise é que, não obstante a
premissa teórico-científica adotada, a razoabilidade se enquadra como um
princípio jurídico. Isto é a demonstração mais clara de que realmente se trata
de um ente desta espécie. Afinal, como salientamos nos itens 3.1.1 e 3.1.2, um
princípio deve ser sempre um princípio, independentemente da metodologia
empregada, pois a ciência do direito não comporta a idéia da existência de
princípio de ocasião.
Diante disso podemos concluir com segurança que a razoabilidade é
realmente um princípio jurídico.
4.3. Razoabilidade não é sinônimo de equidade
329 CUNHA, Sérgio Sérvulo. Princípios constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 54. 330 CUNHA, Sérgio Sérvulo. Princípios constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 56.
152
Uma vez esclarecido que a razoabilidade é um princípio, é preciso
retomar o ponto do item 1.10 no qual Eros Roberto Grau afirma que a
razoabilidade – e também a proporcionalidade – não passa de um mesmo
nome dado à equidade.331
Em que pese a afirmação proferida pelo autor, com vistas a tudo o
que foi exposto até aqui, não podemos concordar com suas conclusões.
Primeiramente, é preciso frisar que a proporcionalidade é uma
técnica metodologicamente estruturada para solucionar as colisões entre
princípios no âmbito daquelas teorias do direito que classificam os princípios
como normas jurídicas, enquanto a razoabilidade é um princípio jurídico,
independentemente da teoria adotada.
Em segundo lugar, tivemos a oportunidade de demonstrar que a
razoabilidade é um princípio que atua no âmbito da aplicação do direito e que,
enquanto imperativo de razão prática, busca escolher dentre as opções
racionais disponíveis uma que seja aceita socialmente e que preencha o
sentimento de justiça. Para atingir sua finalidade, o referido princípio se vale de
um instrumental de razões bastante amplo, que não se limita a questão da
adequação entre meio e fim, mas leva em consideração também os aspectos
social e individual da decisão, bem como as questões fáticas e jurídicas
envolvidas no caso em análise.
Talvez por isso Humberto Ávila tenha decomposto a tipologia da
equidade em três espécies: razoabilidade como equidade, razoabilidade como
congruência e razoabilidade como equivalência. Na primeira espécie ela exige
a harmonização da norma geral com o caso individual. Na segunda exige a
harmonização da norma com as condições externas de aplicação. Na terceira
exige uma relação de equivalência entre medida e critério. Já a análise da
331 Nesse sentido o autor assim se posiciona sobre a equidade: “E de modo tal que, em face da realidade, quando a sua concepção é retomada – e isso desejo sustentar – embora assumindo a mesma forma e conteúdo, ela toma outros nomes. Inicialmente, o de razoabilidade; mais recentemente, o de proporcionalidade” (GRAU, Eros Roberto. Ensaio sobre o discurso e interpretação/aplicação do direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 193).
153
relação de causalidade entre meio e fim o autor passa para os domínios da
proporcionalidade.
Mesmo com a limitação da razoabilidade levada a cabo pelo autor –
com a qual não podemos concordar –, o ponto positivo é que Humberto Ávila
enxerga que a razoabilidade não tem um único enfoque de atuação, mas sim
vários. Afinal, todos os três focos de atuação da razoabilidade, por ele
apresentados, de fato a ela pertencem. No entanto, não são só estes três, mas
muitos mais. Serão tantos quantos necessários para se encontrar dentre as
opções racionais aquela que atenda às exigências de aceitabilidade social e
preenchimento do sentimento de justiça – inclusive a relação de causalidade
entre meio e fim.332
Dessa forma, a equidade é uma das formas de manifestação do
princípio da razoabilidade, a qual aparece nos momentos de vazio normativo,
visando colmatar uma lacuna jurídica. Neste sentido são as palavras de Maria
Helena Diniz, que afirma o que segue:
A equidade confere, pode-se assim dizer, um poder discricionário ao magistrado, mas não uma arbitrariedade. É uma autorização de apreciar, segundo a lógica do razoável, interesses e fatos não determinados a priori pelo legislador, estabelecendo uma norma individual para o caso concreto ou singular, sempre considerando as pautas axiológicas contidas no sistema jurídico, ou seja, relacionando sempre os subsistemas normativos, valorativos e fáticos.333
Com vistas à diferenciação entre o princípio da razoabilidade e a
equidade, assim se manifesta Chaïm Perelman:
O limite assim traçado parece-me especificar melhor o funcionamento das instituições jurídicas do que a idéia de justiça ou de equidade ligada a certa igualdade ou a certa
332 Por esse motivo a classificação das formas de atuação do princípio da razoabilidade nos parece tarefa inútil. Só o caso concreto poderá mostrar qual(is) o(s) enfoque(s) necessário(s) para solucionar aquela demanda à luz dos requisitos da aceitabilidade social e do sentimento de justiça. 333 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 483.
154
proporcionalidade, pois, vimo-lo por vários exemplos, o desarrazoado pode resultar do ridículo ou do inadequado, e não somente do iníquo ou do inequitativo.334
Diante do exposto, podemos constatar que, ainda que a equidade se
apresente como uma das formas de manifestação do princípio da
razoabilidade, com ele não se confunde, haja vista que este tem atuação muito
mais ampla, atuando também nos casos em que existe suporte normativo para
a decisão do caso concreto.
4.4. A idéia de justiça transcende a noção de proporção
Diante do exposto no item 3.5.1 podemos verificar que o princípio da
razoabilidade, enquanto imperativo de razão prática, é fundamental para a
realização da justiça no caso concreto. Isto porque o referido princípio orienta o
aplicador do direito na escolha de uma das opções racionais disponíveis, que
resulte em uma decisão aceita socialmente e que transmita a idéia de justiça.
Entretanto, existem muito autores que advogam a tese de que a
noção de proporção é um imperativo de justiça. Afinal, segundo apontam, a
ideia de justiça reside na premissa de dar a cada um o que é seu por direito.
Neste sentido Miguel Reale defende o que segue:
Se a justiça é uma proporção de homem para homem que garante a cada um o que é seu (jus suum cuique tribuere) a idéia de Justiça implica a idéia de ordem. A Justiça, em sentido objetivo (como hoje é geralmente empregado o termo) equivale à própria ordem social que a virtude justiça visa a realizar.335
O problema é que a noção de proporção dentro do direito está muito
mais ligada a ideia de adequação entre peso e medida do que a de dar a cada
um o que é seu de direito. Basta verificar a questão da aplicação das penas no
direito criminal para enxergar o que estamos falando. Quando se fala que a
pena deve ser proporcional à conduta praticada, a lei estabelece uma série de
334 PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 335 REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. pp. 308-309.
155
parâmetros para orientar a análise do aplicador. Partindo de uma pena base, e
tendo como limite uma pena máxima, o juiz analisa as circunstâncias
atenuantes e agravantes e as causas de aumento e diminuição de pena para
determinar a extensão da condenação do réu. Em outras palavras, as
circunstâncias legais aplicáveis ao fato são o peso, enquanto a condenação é a
medida. Se a condenação do réu (medida) não estiver adequada às
circunstâncias atenuantes e agravantes e às causas de aumento e diminuição
de pena (peso), estaremos diante de uma sentença desproporcional, a qual
deverá ser reformada pela instância superior.
Em que pese alguns possam dizer que isso seria a mesma coisa do
que dar a cada um o que é seu de direito, na medida em que a punição estatal
seria aplicada dentro dos parâmetros estabelecidos em lei, esta lhe é na
verdade uma questão inerente. Isto porque a idéia de dar a cada um o que é
seu de direito se opera no âmbito da justiça comutativa, sob a fórmula “se A é
então B deve ser”, isto é, aquele que pratica ato ilícito deve ser punido. Já os
limites de aplicação da punição constituem uma analise de adequação entre
peso e medida, a qual visa manter a proporção da punição inerente à fórmula
apresentada. Desta forma, a idéia de dar a cada um o que é seu de direito está
contida na fórmula de justiça comutativa “matar alguém: pena – reclusão de
seis a vinte anos”, 336 e não no critério de mensuração da condenação
legalmente estabelecido.
O mesmo ocorre no plano do direito civil. Quando uma empresa
inscreve indevidamente o nome de um cliente no serviço de proteção ao crédito
ela lhe acarreta um dano de ordem moral, o qual deve ser punido. Aqui
também está presente a fórmula de justiça comutativa “se A é então B deve
ser”, pois quem gera dano moral a outrem (ato ilícito) tem o dever de indenizá-
lo (punição). 337 No direito civil, ao contrário do direito penal, a lei não
estabelece um rol de causas atenuantes e agravantes, ou causas de aumento
e diminuição de pena, mas apenas estabelece que na punição deve haver 336 Código Penal: Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. 337 Código Civil: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
156
proporção entre o ato ilícito praticado e a extensão do dano.338 Mais uma vez, o
critério utilizado para dar a cada um o que é seu, é a proporção, só que, neste
caso, os parâmetros para sua aferição são menos amarrados. Contudo, outros
critérios poderão ser utilizados conjuntamente quando da criação da norma de
decisão.339 É o que ocorre, por exemplo, quando a inscrição no cadastro de
inadimplentes era inicialmente devida e, depois de quitada a dívida, a inscrição
foi mantida. Neste caso, além do critério de proporção, o aplicador irá
considerar o fato de que a inscrição era originalmente devida e que, portanto,
existia uma adequação originária entre o meio empregado e fim almejado,
critério este que também será utilizado, juntamente com a noção de proporção,
na definição da condenação, podendo, inclusive, reduzir o seu valor.
Isso posto, a idéia de dar a cada um o que é seu de direito é uma
decorrência do princípio da igualdade, enquanto a noção de proporção é
simplesmente um critério adotado para concretizá-lo. Trata-se, pois, do critério
legalmente definido para a aplicação do direito nas hipóteses contempladas
pela justiça comutativa, o qual não exclui a adoção de outros tantos critérios
quantos necessários.
No entanto, a idéia de dar a cada um o que é seu de direito também
está contemplada pela justiça distributiva. Isto porque, sua essência consiste
em garantir a todos os cidadãos o acesso a determinados bens compreendidos
como fundamentais dentro da ordem política, mesmo que nem todos os
utilizem, ou ainda que uns sejam onerados e outros não. Este caso também é
uma decorrência do princípio da igualdade, mas aqui encarado sob o enfoque
da desigualdade. Daí porque podemos afirmar que a justiça comutativa se
pauta pela igualdade formal, enquanto a justiça distributiva é orientada pela
igualdade material.
O ponto importante aqui é que, no tocante à noção de proporção,
esta nem sempre será aplicável à justiça distributiva. Isto porque esta última, 338 Código Civil: Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização. 339 Mesmo no direito criminal, como se verá logo abaixo.
157
em regra, não busca a aplicação do princípio da igualdade com vistas a
adequação entre peso e medida para determinado caso. Os critérios que a
dimensionam normalmente são outros. Ela adota aqueles critérios que lhe
permitem produzir uma decisão racional e proporcional, mas cujo resultado
garanta a todos os cidadãos o acesso àqueles bens compreendidos pela
ordem política como fundamentais. Certamente se trata de aplicação do
princípio da igualdade, porque visa garantir para todos os cidadãos o acesso
aos bens fundamentais daquela ordem política. Todavia, os critérios essenciais
serão outros, pois a adequação entre peso e medida não se presta a
fundamentar a desequiparação, em que pese possa ser adotada a partir de
certo ponto para mitigá-la.
Quando o poder público institui um tributo cuja receita será
destinada exclusivamente ao ensino público, ele está buscando garantir para
todos os cidadãos o acesso a educação, bem compreendido pela ordem
política como fundamental. Caso um determinado contribuinte não utilize o
serviço público de educação, seja por não ter idade escolar ou mesmo por
optar pelo ensino privado, não poderá por este motivo eximir-se do pagamento
do tributo. Como se vê ele não usa o serviço, mas paga igualmente por ele. Em
que pese isto seja essencialmente desproporcional, garante a igualdade
material, e o faz com base no critério que busca compatibilizar o aspecto
individual ao coletivo. Se, contudo, este tributo for cobrado de forma
progressiva, ou se tiver alíquotas diferenciadas de acordo com a possibilidade
financeira de cada contribuinte, a noção de proporção estará sendo utilizada
juntamente com o critério anterior, mas com o intuito de mitigar a
desequiparação realizada.
Por esse motivo podemos afirmar que a noção de proporção
também pode ser utilizada como critério pela justiça distributiva, mas ao
contrário do que ocorre com a justiça comutativa, não será o critério principal
legalmente atribuído. Na verdade, em muitos casos, ela não será sequer
utilizada, mas quando for utilizada, o será de forma subsidiária, com vistas à
mitigação da desequiparação realizada.
158
Dito isso, não há dúvida de que o princípio da igualdade é
fundamental para o preenchimento do sentimento de justiça. Todavia, a idéia
de dar a cada um o que seu de direito – por ser proveniente de um princípio –
pode ser afastada em determinadas hipóteses para que se atinja o sentimento
de justiça. É o que vemos, por exemplo, nos casos em que se aplica o
chamado princípio da insignificância no direito criminal. Certas vezes a conduta
criminosa é de tão pequena monta que o agente envolvido – o juiz ou o
promotor de justiça – opta pela não movimentação do aparato estatal para
puni-lo. Nestes casos, tendo em vistas as opções racionais disponíveis, deixa-
se de aplicar a justiça comutativa, e sua consequente punição, com base em
razões de economicidade e de lesividade socialmente aceitas, as quais não
ofendem o sentimento de justiça. Não estamos diante de um princípio de
insignificância – pois se fosse insignificante não seria ato ilícito –, mas sim da
aplicação do princípio razoabilidade com seus variados critérios.
Se a própria idéia de dar a cada um o que é seu de direito pode ser
relativizada, por óbvio o critério da noção de proporção também o será, e com
muito mais razão. Afinal, existem hipóteses em que se aplica o princípio da
igualdade, mas utilizando outro critério para a solução do caso concreto. É o
que ocorre, por exemplo, quando diante de uma hipótese integração analógica
do direito. No caso da Lei Federal n° 7.670/1988, o seu artigo 1°, inciso II
autoriza o levantamento do FGTS para o custeio de tratamento médico nos
casos em que o titular da conta é portador do HIV. Contudo, inúmeros pedidos
foram realizados judicialmente requerendo o levantamento do FGTS para
custear o tratamento não do titular, mas de dependente seu. O poder judiciário,
valendo-se da integração analógica, criou a norma jurídica que autoriza o
levantamento do FGTS também para o custeio do tratamento médico de
dependente do titular da conta. Note-se que estamos diante de aplicação do
princípio da igualdade, mas o critério utilizado não foi a noção de proporção, e
sim a comparação entre o critério legal e o caso individual.
Com vistas ao exposto, uma vez que a noção de proporção é um
dos critérios legalmente adotados para a concretização do princípio da
igualdade – dar a cada um o que é seu de direito –, o qual tem como enfoque a
159
relação de adequação entre peso e medida, está claro que se trata de um dos
juízos inerentes ao princípio da proporcionalidade.340 Sendo assim, poderá ser
utilizado isoladamente ou em conjunto com os demais critérios a ela inerentes.
Desta forma, não é a noção de proporção que é inerente à idéia de justiça, mas
sim os princípios da igualdade e da razoabilidade.
340 Algo semelhante àquilo que Humberto Ávila chama de razoabilidade por equivalência.
160
CONCLUSÃO
Conforme tivemos a oportunidade de demonstrar nesse trabalho,
inúmeros são os autores relevantes para o direito brasileiro que adotam a
classificação de que norma jurídica é gênero, do qual regras e princípios são as
espécies – sendo que alguns admitem a existência de normas de segundo grau
(postulados), ou ainda há aqueles que incluem ao lado das regras e princípios
um terceiro tipo (híbridos). Não obstante as peculiaridades de suas teorias,
todos eles atribuem à proporcionalidade o status de norma jurídica – seja como
princípio, postulado ou híbrido.
Verificamos, também, que a atividade científica, no direito, busca
sistematizar e ordenar de forma coerente o direito positivo. Ao fazê-lo, através
de uma metodologia determinada, desenvolve um aparato técnico que será
disponibilizado para o aplicador do direito, o qual irá utilizá-las para criar uma
norma de decisão. Esta norma de decisão, construída com base no aparato
técnico-jurídico, deverá ser criada com prudências, de forma a acarretar
aceitabilidade social e preencher o sentimento de justiça. Daí porque a
aplicação do direito é uma atividade de caráter técnico-prudencial.
Com base nisso, pudemos verificar que a proporcionalidade é uma
técnica de aplicação e de argumentação racional oferecida metodologicamente
ao aplicador do direito para solucionar as hipóteses de colisão de princípios –
isto, obviamente, para aqueles que adotam uma teoria do direito que atribui
status normativo aos princípios.
Para tanto, demonstramos porque metodologicamente – dentro das
premissas de cada teoria – a proporcionalidade não é norma jurídica, seja sob
a forma de regra, de princípio, de postulado ou de híbrido.
Em seguida, verificamos cada uma das três etapas inerentes à
técnica da proporcionalidade. Na primeira delas, a adequação, constatamos se
tratar de subsunção do fato à norma, mas adaptada às particularidades dos
princípios enquanto normas jurídicas. Na segunda, percebemos se tratar da
161
verificação das possibilidades racionais existentes, tendo como parâmetro as
medidas possíveis e os princípios em colisão. Na terceira, vimos que se trata
da aplicação do princípio da razoabilidade, uma vez que nela o aplicador do
direito irá escolher, dentre as possibilidades racionais, a mais prudente, cuja
adoção acarrete aceitabilidade social e o preenchimento do sentimento de
justiça.
A partir desse ponto passamos à análise da razoabilidade, a qual
demonstrou ser algo distinto da proporcionalidade. Conforme verificado, a
razoabilidade decorre da racionalidade e do caráter técnico-prudencial da
aplicação do direito. Isto porque, a decisão racional não necessariamente é a
mais prudente, bem como pode não ser aceita socialmente ou então acarretar
um sentimento de injustiça. Portanto, a razoabilidade tem como finalidade
escolher, dentre as opções racionais disponíveis, a mais prudente, e que
acarrete aceitabilidade social, bem como preencha o sentimento de justiça.
Diante disso, analisamos a natureza jurídica da razoabilidade, e
constatamos que se trata de autêntico princípio, haja vista que se encaixa
nesta categoria, em todas as teorias do direito aqui apresentadas – mesmo
naqueles que não lhe atribuem normativo.
Diante de tudo isso, concluímos que a proporcionalidade é uma
técnica que sistematiza metodologicamente a forma de aplicação das normas
jurídicas inerente ao direito, com vistas à solução da colisão de princípios
sendo, portanto, aplicável por aqueles que adotem um teoria do direito que
classifique os princípios como normas jurídicas. Já a razoabilidade, por sua
vez, é um princípio de aplicação do direito, sendo assim enquadrado em
qualquer das teorias do direito apresentadas.
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