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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS

DRAMATURGIA, TEXTO E CONTEXTO

PROFESSORA TERESA MONTERO

DA PEÇA AO LIBRETO

por

Willa Soanne

Rio de Janeiro, 2013

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RESUMO

Investiga-se a adaptação da peça teatral em ópera. Como se dá a adaptação de textos

teatrais para os libretos de ópera, quais são as principais alterações que seus diálogos sofrem

em razão da forma operística, qual a relação entre determinados tipos de personagens e um

tipo específico de voz são algumas das questões levantadas. Através de uma revisão

bibliográfica e da análise comparativa da peça teatral francesa de Beaumarchais “As Bodas de

Fígaro” e sua adaptação ao libreto italiano por Lorenzo Da Ponte para a ópera homônima de

Wolfgang Amadeus Mozart busca-se encontrar possíveis respostas a estas questões.

Teremos como referências os relevantes autores estudiosos da ópera Fernando

Peixoto, Digaetani e Sérgio Casoy.

A análise comparativa será baseada no resumo comparativo de Antonio Monteiro

Guimarães (1991) de onde serão destacados e comentados os principais momentos de

contraste entre peça e teatro.

1. A ÓPERA E O LIBRETO

Entende-se como ópera a arte que une o teatro e a música, podendo em alguns casos

também incluir números de dança. Na ópera, diversos elementos estão unidos para a

realização de um mesmo espetáculo, tais como encenação, cenário, figurino, texto,

coreografia, orquestra, e também vários artistas de áreas diferentes como maestro, cantores,

bailarinos, atores, coreógrafos, diretores de cena e musicais, dentre outros. Por esta razão,

muitos consideram a ópera como uma obra de arte total devido a sua capacidade de combinar

várias artes numa única forma.

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Entre as artes, somente a ópera combina as melhores possibilidades

musicais de uma orquestra e de vozes magníficas com a excitação visual, dramática

e intelectual do teatro. Todos esses elementos se fundem num extraordinário

espetáculo ao qual o público pode se integrar totalmente. (DIGAETANI, 1988:11).

Um dos mais importantes elementos da ópera, sem o qual não seria possível a sua

elaboração é o chamado libreto (livrinho em italiano), ou seja, o texto da ópera. A partir da

elaboração do libreto o compositor irá compor a música da ópera. Os libretos podem ser

escritos a partir de uma história original, mas a grande parte tem origem na adaptação de uma

peça teatral. Isto se dá principalmente em razão da forma “acidental” como a ópera foi criada.

Apesar de só terem sobrevivido cerca de 30 obras de apenas três autores (THIERCY,

2009:11) as tragédias gregas sempre despertaram o interesse e curiosidade dos estudiosos

através dos tempos. No final do século XV, um grupo de artistas e intelectuais de Florença na

Itália conhecido como Camerata Florentina se reunia para debater diversos assuntos da

filosofia, as artes em geral, ciências e principalmente aspectos da música vocal. “A maior

preocupação era restaurar o poder de gerar e conduzir as emoções humanas que eles

acreditavam que a música tivesse no período grego clássico.” (CASOY, 2007:71) Para tanto,

pesquisaram como era a música neste período e chegaram a conclusão de que no teatro grego

o canto era monódico, ou seja, para cada sílaba da palavra associava-se apenas um som. Eles

estavam convencidos de que o canto monódico, o canto a uma só voz, acompanhado de

instrumento, era capaz de “mover os afetos”.

À época da Camerata, só haviam descoberto parte dos documentos sobre a

Antiguidade Clássica e por isso os estudos que Girolamo Mei havia feito acerca do teatro

grego eram incompletos e imprecisos. Apesar de eles estarem corretos quanto à prática da

monodia, eles entendiam que todo o teatro grego era cantado, o que não é correto, pois o texto

era declamado de forma rítmica e a parte cantada era expressa através do coro. Ou seja, no

intuito de reviver a forma de representação da tragédia grega tal, os integrantes da Camerata

Florentina,por equivoco, inventaram uma nova forma de arte: a ópera, ou seja, conforme

sugere Casoy (2007), um engano feliz.

Tomando como modelo o que eles acreditavam que tivesse sido o teatro da

Grécia Antiga, os integrantes da Camerata propuseram então, como alternativa a

todos os gêneros que já existiam, um movo modelo em que música e drama se

fundiam num só espetáculo.

Então, Casoy conclui:

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É aí que acontece o engano feliz: pensando no passado, eles criaram um

tipo de espetáculo que reconstituísse o antigo teatro grego, a Camerata acabou

lançando as bases de uma forma de teatro musical completamente nova, que se

espalhou rapidamente pela península italiana e por toda a Europa, criando profundas

raízes. (CASOY, 2007:78)

Como vimos, devido à sua origem no teatro grego, criou-se uma prática de se utilizar

as peças teatrais na ópera mas, existe certa crítica quanto a baixa qualidade da adaptação dos

libretos. Peixoto (1986) conta que os críticos acusam os libretos de serem medíocres e com

soluções dramáticas ingênuas que beiram o ridículo, mas defende que estes não podem ser

julgados separadamente da música. “Um libreto não pode ser julgado independentemente da

música que lhe confere uma nova dimensão humana e poética” (PEIXOTO, 1986:45). Ou

seja, apesar de a primeira vista a trama e os diálogos das óperas aparentarem uma menor

complexidade, deve-se lembrar que à música é atribuída grande parte da profundidade

expressividade do texto e desta forma ambas se completam, afinal, o libreto é um texto

destinado a ser cantado e não declamado ou interpretado. As entonações, ritmos e acentos do

texto são determinados musicalmente articulados por meio das alturas e durações musicais,

escolhas estas destinadas ao compositor e não ao ator.

De qualquer forma, conforme ressalva Peixoto “são evidentes as alterações necessárias

ou não, dependendo da visão e das intenções de cada um em cada caso ou época. Mas é

evidente que o resultado, no caso de adaptação, não é mais o original.” (PEIXOTO, 1986:45).

Desta forma não é possível tecer-se comparações entre o libreto e a obra original teatral, pois

cada qual terá uma destinação diferente. De qualquer forma, tomado o libreto isoladamente,

não se pode esperar que possua a mesma qualidade literária que uma peça teatral. Neste

ponto, também Peixoto (1986) admite que apesar da música possuir uma inegável capacidade

de transformar as palavras, são raros os casos de libretos com qualidades excepcionais, até

porque os libretos podem sofrer interferência do compositor no intuito de melhor adequá-lo a

forma musical.

Não só a forma musical é responsável por alterações na peça original como se tem na

ópera convenções estéticas no tocante a classificação vocal do cantor e os papéis a este

destinado. Sopranos, por ex, vivem jovens apaixonadas (ex: Norina, Julieta, Manon, etc). As

Soubrettes cantam empregadas e mocinhas espevitadas (Despina, Susanna, Serpina). Os

tenores líricos vivem heróis, os leggeros, jovens apaixonados (Almaviva, Nemorino).

Conforme narra Casoy:

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Estas convenções surgiram na passagem do século XVIII para o XIX e se

consolidaram durante o romantismo. Durante toda a era do barroco e do classicismo,

jamais houve a preocupação em estabelecer uma correspondência “lógica” entre o

tipo vocal do cantor e o personagem que ele iria interpretar.

Mas Mozart, segundo narra e analisa Digaetani já:

(...) destinava cada papel para uma determinada voz na ópera da corte que lhe

havia encomendado o trabalho. Consequentemente seus papeis exigem, muitas

vezes, um tipo especial de voz e uma combinação também especial de qualidades e

habilidades vocais” (DIGAETANI, 1986:37)

A escolha de uma voz específica par ao papel da personagem contribui para uma mais

detalhada tipificação a personagem, demonstrando mais detalhes de sua personalidade.

2. AS BODAS DE FÍGARO (LE NOZZE DI FIGARO) DE BEAUMARCHAIS E DE

DA PONTE E MOZART

As Bodas de Figaro de Pierre-Augutin Caron de Beaumarchais faz parte da trilogia O

Barbeiro de Seviglia, As Bodas de Figaro e A Mãe Culpada. São três comédias inter-

relacionadas que denunciavam de forma bem humorada as falhas morais da nobreza de sua

época. As duas primeiras são conhecidas do público em geral devido à Rossini1 que musicou

o Barbeiro de Seviglia e à Mozart, compositor de As Bodas de Figaro.

As Bodas de Figaro foi escrita em 1777-1778 e não foi muito bem aceita pela

censura de sua época encontrando muita dificuldade para ser levada a palco pela primeira vez,

somente em 1784. Passou por seis censores consecutivos e teve “sua estreia duas vezes

interditada pelo próprio Luís XVI.”. (GUIMARÃES, 1991:vii).

A peça se passa no castelo do conde Almaviva e se passa em um único dia: o dia do

casamento de Figaro, servo do conde, com Susanna, camareira da condessa Rosina. Diversas

personagens tentam interferir no casamento: Marcelina, uma governanta, com a ajuda do

médico Don Bartolo, quer casar com Figaro chantageando-o com uma dívida. O conde, por

sua vez, tenta restaurar o “direito feudal” (direito que concede ao conde o direito de ter a

primeira noite da esposa de seus servos logo após o casamento). No meio da trama ainda

temos os jovens: o pajem Cherubino e Barbarina, filha do jardinheiro. O primeiro é

1 Existe ainda a primeira versão operística desta peça composta pelo compositor barroco Paisiello, mas nos dias

atuais a versão de Rossini é a mais famosa, graças a inesquecível e virtuosa ária de Figaro, Largo Factotum della

città.

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apaixonado pela condessa e desperta o ciúmes do conde. Já a jovem camponesa já foi

assediada pelo conde, tem suas aventuras com Cherubino. No meio de toda essa giocosa

confusão, temos o drama do sofrimento da condessa que se sente abandonada pelo marido. A

tem um final inusitado: Marcelina descobre que é a mãe de Figaro e abençoa seu casamento, e

o conde é pego em uma armadilha feita por sua esposa e Susana e é obrigado a pedir perdão

por suas traições publicamente, na frente de todas as figuras mais importantes do castelo.

A censura à peça se explica devido a história explicitar as atitudes amorais do conde

em relação as suas criadas, principalmente a noiva Susanna e rompantes violentos de ciúmes

em relação à Rosina, a condessa.

É possível dizer que a comédia de Beaumarchais é uma encenação

antecipatória do desmoranamento da sociedade aristocrática, enquadrada no

microcosmo de um ambiente doméstico (...). a participação do conde Almaviva em

toda a ação da peça redunda invariavelmente em esforços reiterados e fracassados

para exercer privilégios que historicamente já estão próximos da abolição; nem o seu

autoritarismo, nem a sedução aristocrática, nema falta de escrúpulos, nem o poder

efetivo de que dispõe lemvam-no a atingir seus objetivos. A cada passo é

desmascarado ou burlado, não engana mais ninguém, nem seu poder tem mais o

fascínio que paralisa os subalternos. (GUIMARÃES,1991:xi)

Com isto, a aristocracia não se sentia à vontade assistindo uma peça de teatral onde

seria exposta e ridicularizada mesmo que através de uma personagem fictícia. Mas mesmo o

medo dos nobres não impediu que a peça fosse um sucesso quando estreou. Tamanho foi o

sucesso e popularidade que a história então foi levada a palco também em versão operística

por Wolfgang Amadeus Mozart.

A peça de Beaumarchais foi adaptada para libreto por da Lorenzo da Ponte, italiano de

Veneza, a pedido do compositor Mozart. Da Ponte, que vivia em Viena exilado devido a

alguns ensaios, preferiu excluir os comentários políticos e sociais da peça. Cenas como alguns

solilóquios de Figaro onde critica e desafia o conde, assim como diálogos mais ferozes entre

os dois e a redução para 4 atos são algumas alterações da adaptação da peça à ópera. Mesmo

com essa preocupação no tocante a censura, todo o contexto da ópera continua a expor a

sociedade aristocrática sob uma ótica desfavorável.

Guimarães (1991: xv) observa que para adaptar a peça à ópera, Da Ponte teve que

adequá-la ao gênero opera buffa, mas muitos estudiosos consideram que o resultado foi a

criação não de uma opera buffa, mas uma commedia per musica ou drama giocoso.

Sobre a adaptação Da Ponte declarou :

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“A duração prescrita pelo uso corrente para uma performance cênica, bem como

diversas outras considerações relativas à prudência, costumes, lugar e público, foram

as razões pelas quais não fiz uma simples tradução dessa excelente comédia, mas

antes uma imitação ou, por assim dizer, um resumo. Por esses motivos, fui levado a

reduzir as dezesseis personagens originais a apenas onze, duas das quais podem ser

interpretada pelo mesmo ator, e também omitir, além de todo um ato, cenas

extremamente eficientes e muitos ditos espirituosos em que o texto original é

prolífico. Tive que substituí-los por cançonetas, árias, coros, e outros pensamentos e

palavras que podiam ser musicados – o que só é possível fazer recorrendo-se à

poesia, e nunca à prosa. Apesar de todo o zelo e cuidado, meus e do compositor, a

ópera não será das menores a ser montada em nossos palcos. Esperamos que a nossa

escusa será a variedade das ações nesse drama, sua extensão e abrangência, o

número de peças musicais necessárias para não deixar os intérpretes ociosos, para

evitar o aborrecimento e a monotonia dos longos recitativos, para retratar fielmente e

a plenas cores a diversidade de paixões suscitadas nas personagens e para realizar

nosso maior propósito, que era oferecer um novo tipo de espetáculo, como de fato

foi, para u m público de gosto tão refinado e de discernimento tão seguro. (DA

PONTE apud GUIMARÃES, 1991:xvi).

Digaetani considera que “os inteligentes libretos de Lorenzo da Ponte foram a chave

para o sucesso de Mozart”. (DIGAETANI, 1986:37). Mas, quanto à música, é inegável as

inovações de Mozart na forma musical. Conta Digaetani que:

Musicalmente, Mozart – essencialmente um compositor conservador –

aceitou o modelo de óepra do século XVIII, mas o melhorou com seu grande gênio.

Ele foi um dos poucos compositores da época que desejava que o enredo da ópera

avançasse não só durante os recitativos mas também durante os números musicais.

(...)

Mozart escreveu óperas que não eram apenas uma série de árias agradáveis,

pois ele, muitas vezes, acrescentou duetos, coros e uma ação convincente para variar

o nível do interesse musical da ópera. (DIGAETANI, 1986:37)

A seguir analisaremos de forma mais detalhada as adaptações necessárias à que

Da Ponte aludiu em seu depoimento a partir de um resumo comparativo entre peça e ópera

feita por Guimarães (1991).

3. COMENTÁRIOS ACERCA DO RESUMO COMPARATIVO DA ÓPERA E

DA PEÇA TEATRAL DE ANTONIO MONTEIRO GUIMARÃES.

Guimarães realizou um resumo comparativo entre a peça e a ópera da qual teceremos

alguns comentários destacando as principais diferenças.

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3.1 PERSONAGENS E TRADUÇÃO DOS NOMES

As personagens principais são exatamente as mesmos, mas há na peça alguns papéis

menores de pouca relevância como Double-Main, Um Porteiro de Audiências, Gripe-Soleil,

Uma Jovem Pastora e Pédrille, além de criados, camponesas e camponeses, que na ópera são

representados pelo coro.

O nome das personagens também são os mesmos, porém na ópera há a tradução dos

nomes franceses para o italiano. Suzanne é Susanna, Chérubin é Cherubino, Marceline é

Marcelina, Bazile é Basilio,

Também há alguns casos em que o nome se torna totalmente diferente o de Fanchette

traduzida como Barbarina e do juiz Don Guzmán Brid’Oison, na ópera, Don Curzio.

3.2 RITMO DA TRAMA

Nota-se a diferença, principalmente no ritmo do desenrolar da trama como podemos

constatar logo no Ato I Cena 2, na peça, um solilóquio de Figaro e na ópera um recitativo e

Cavatina de Figaro “Se voul ballare”. Enquanto na peça, Figaro “lança, irritadíssimo, um

desafio ao conde” (GUIMARÃES, 1991:215), na ópera o desafio é feito de forma mais bem

humorada. Figaro diz que fará o conde dançar conforme a sua música: “Se quer dançar,

Senhor Condezinho, o bandolim eu vou tocar. Se quer entrar para a minha escola, a cabriola

eu vou ensinar.” (GUIMARÃES, 1991:9).

Há muito mais informação no solilóquio de Fígaro, onde declara as suas conclusões

acerca dos acontecimentos e mostrando um planejamento das ações futuras:

Cuide de ficar com os olhos bem abertos hoje, meu caro Figaro! A primeira

providência é antecipar a hora da festa, para casar com mais segurança; depois,

livrar-se dessa Marceline, que anda lançando uns olhares muito gulosos para o seu

lado; embolsar o ouro e os presentes; dar um bom troco às paixõezinhas do senhor

conde; fazer o mestre Bazile pagar bem caro. E...(GUIMARÃES, 1991:118)

Não há tantas informações nesta cena no caso da ópera. As conclusões de Fígaro a

cerca dos acontecimentos é feita no recitativo de forma bem mais enxuta enquanto em sua ária

é feito um desafio bem humorado por Fígaro, ao invés de antecipar a história através de um

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planejamento como ocorre na peça. No caso da peça, já na cena 2 ficamos sabemos que além

do Conde existem ainda mais duas personagens, Bazile e Marceline atrapalhando o seu

casamento com Susana. Já na ópera eles não são citados nesse momento e o plano de

vingança de Fígaro é demonstrado ao longo da história mantendo um pouco mais o suspense

das ações futuras. A trama se desenrola e se revela de forma mais cautelosa e menos confusa

que na peça.

Logo na cena seguinte, algumas informações são omitidas no diálogo entre Marcelina

e Bartholo na versão da ópera, deixando para ser reveladas num momento futuro. Na peça,

Marceline cobra de Bartholo uma cumplicidade no plano de acabar com o casamento de

Figaro e Susanna no intuito de casar-se com ele e para isso o lembra que era ele que deveria

tê-la desposado, pois no passado haviam sido amantes e tido um filho juntos. Já na ópera “o

diálogo (...) reproduz resumidamente o da peça, mas Da Ponte omite a alusão ao filho natural,

descartando assim essa preparação da “cena do reconhecimento” do terceiro ato.”

(GUIMARÃES, 1991:215)

3.3 REDUÇÕES DO TEXTO

O texto da peça em geral é muito maior do que da ópera. Isso se deve provavelmente

ao fato de que uma ária de ópera tem uma duração maior do que o texto falado e seria

impossível se reproduzir da mesma forma todo o texto em música, correndo o risco de a sua

duração ser extremamente longa e inviável de se apresentar. Mesmo com as diversas

reduções, As Bodas de Figaro em forma de ópera tem a duração de 4 horas e meia, razão pela

qual é raro se presenciar sua forma completa e se tem por práxis fazer os cortes tradicionais

ou seja, supressão de ritornellos (repetições musicais), de árias (normalmente de Basilio e

Marcelina), ou recitativos, etc. Na adaptação da peça à ópera, foi necessário reduzir também o

número de atos de 5 para 4 atos, diminuindo o tempo gasto com intervalos.

Reduções da peça na adaptação para a ópera, como vimos então são necessárias, o que

não ocasiona necessariamente em um ritmo mais acelerado da história como pudemos

constatar no caso da cena 2 e nem em uma redução da qualidade do texto. A Cavatina de

Fígaro Se vuoi ballare apesar de menos texto se demonstra mais poética do que o solilóquio

da peça, e ainda adiciona um pouco mais de humor e criatividade ao caráter da personagem.

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3.4 CORTE DE CENAS

Algumas cenas foram totalmente eliminadas ou substituídas por outras. Algumas delas

são:

Cena 11 do Ato I “Cena cômica entre Bazile, Chérubin e Figaro, em que este último

diz ao pajem para ficar escondido no castelo até o casamento”. (GUIMARÃES, 1991:217)

após ter sido mandado embora do castelo pelo conde para se alistar em seu regimento como

soldado. Na ópera sabemos que Cherubino está escondino no castelo para o casamento no Ato

III quando em recitativo aparece junto a Barbarina que lhe veste roupas de camponesa para

que ele fique disfarçado.

Cena 23 ato II “Figaro e Basile travam um breve diálogo cômico, e Figaro canta uma

seguidilla acompanhado por Bazile” (GUIMARÃES, 1991:219)

Cena 5 ato III, onde Figaro e Conde se enfrentam em diálogo tenso. Esta cena foi

cortada para tornar a ópera menos repudiada pela aristocracia e ser aceita ao em vez de

censurada como aconteceu com a peça.

Conclui-se que as cenas foram eliminadas por ter pouca importância na trama,

contribuindo para a redução necessária à forma da ópera ou como forma de tornar a ópera

aceita pela censura.

CONCLUSÃO

Conclui-se que a adaptação das peças teatrais em ópera implica em alteração tanto do

ritmo da trama quanto do texto em questão e a redução do texto é necessária devido à longa

duração que teria em função da música. No entanto isso não implica na redução da qualidade

do espetáculo, pois a música completa o sentido do texto, enriquecendo ainda mais o drama

encenado. Também as convenções de tipos vocais para tipos de personagem auxiliam a

reforçar os caráteres das personagens assim como, musicalmente, facilitam ao público a

identificar se a personagem é jovem, velha, boa, má, ingênua, esperta, heroica, romântica,

cômica, ardilosa, etc. Todos os esses detalhes sonoros que compõe a música tais como

timbres vocais e instrumentais, formas musicais, tonalidades, ritmo, dinâmicas, agógicas, são

responsáveis por completar o texto, não sendo necessário que a parte textual seja tão

explicada e extensa como na peça teatral original e mantendo a qualidade da peça original.

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REFERÊNCIAS

CASOY, Sérgio. A invenção da ópera . São Paulo: Ed. Algol, 2007.

DIGAETANI, John Louis. Trad. Furlanetto, B. Convite à Ópera. Rio de Janeiro: Ed. Zahar,

1986.

KERMAN, Joseph. Trad. Alves, E. F. A ópera como drama. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1990

MOZART; DA PONTE; BEAUMARCHAIS. Org. Guimarães, Antônio Monteiro. Rio de

Janeiro, Ed. Zahar, 1991.

PEIXOTO, Fernando Ópera e encenação. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1985.

THIERCY, Pascal. Trad. Neves, P. Tragédias gregas. Porto Alegre: Ed. L&PM, 2009.