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MURILLO SAPIA GUTIER DA ORDEM DOS PROCESSOS E DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS Uberaba-MG Junho de 2018

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MURILLO SAPIA GUTIER

DA ORDEM DOS PROCESSOS E DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS

Uberaba-MG

Junho de 2018

INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL CIVIL | PROCEDIMENTO NOS TRIBUNAIS | MURILLO SAPIA GUTIER

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Sumário

Sumário ................................................................................................................................. 2

PARTE III – DOS PROCEDIMENTOS NOS TRIBUNAIS | DA ORDEM DOS PROCESSOS

E DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS ........................ 4

1. SISTEMA DE PRECEDENTES ...................................................................................... 4

1.1. Considerações gerais sobre os precedentes ...................................................... 4

1.2. A decisão jurídica .................................................................................................. 9

1.3. Precedentes Vinculantes: notas sobre o artigo 927 do CPC de 2015 .............. 10

1.3.1. Aplicação obrigatória dos precedentes ...................................................... 10

1.3.1.1. Acordão do STF em controle concentrado de constitucionalidade ...... 11

1.3.1.2. Súmula vinculante .................................................................................... 12

1.3.1.3. Precedentes vinculantes em IRDR e IAC ................................................. 12

1.3.1.4. Súmulas ..................................................................................................... 12

1.3.1.5. Orientação do plenário ou órgão especial .............................................. 13

1.4. O precedente no common law ............................................................................ 13

1.5. A fundamentação vinculante .............................................................................. 13

1.6. Âmbito de não atuação da eficácia vinculante .................................................. 14

1.6.1. Distinguishing ............................................................................................... 14

1.6.2. Overuling ....................................................................................................... 15

2. ORGANIZAÇÃO DOS JULGAMENTOS NO TRIBUNAL | Art. 929 e ss. ..................... 17

2.1.1. Poderes do relator ........................................................................................ 18

2.1.2. Prosseguimento do julgamento .................................................................. 19

2.1.3. Técnica de julgamento não unânime | art. 942............................................ 22

2.1.4. O acórdão ...................................................................................................... 23

2.1.5. Relação entre julgamento da apelação e agravo de instrumento ............. 24

3. INCIDENTES NOS TRIBUNAIS ................................................................................... 24

3.1. IAC - Incidente de Assunção de Competência | Art. 947. .................................. 24

3.2. IRDR - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas | Art. 976 e ss. ........ 26

3.3. Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade | Art. 949 e 950 ...................... 30

3.4. Conflito de competência | Art. 951 e ss. ............................................................. 31

4. AÇÕES AUTÔNOMAS DE IMPUGNAÇÃO NOS TRIBUNAIS .................................... 33

4.1. AÇÃO RESCISÓRIA | Art. 966 e ss. ..................................................................... 33

4.1.1. Natureza jurídica ........................................................................................... 33

4.1.2. Rescindibilidade ........................................................................................... 34

4.1.3. Objeto da rescisão ........................................................................................ 35

4.1.4. Vícios rescisórios ......................................................................................... 36

4.1.5. Legitimidade ................................................................................................. 43

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4.1.6. Procedimento ................................................................................................ 44

4.2. RECLAMAÇÃO ..................................................................................................... 46

4.2.1. Conceito ........................................................................................................ 46

4.2.2. Cabimento ..................................................................................................... 47

4.3. HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA E DA CONCESSÃO DO

EXEQUATUR À CARTA ROGATÓRIA | Art. 960 e ss..................................................... 50

4.3.1. Contexto ........................................................................................................ 50

4.3.2. Cabimento ..................................................................................................... 50

4.3.3. Requisitos para a homologação .................................................................. 52

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 56

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PARTE III – DOS PROCEDIMENTOS NOS TRIBUNAIS | DA ORDEM DOS PROCESSOS E DOS

PROCESSOS DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS

1. SISTEMA DE PRECEDENTES1

1.1. Considerações gerais sobre os precedentes

O CPC de 2015 tentou edificar um sistema de precedentes obrigatórios. A denominada

força normativa dos precedentes é associada aos países de common law e alguns afirmam que

esta característica é estranha ao Brasil. O sistema do Common Law é tradicional, tendo notícia

no século XI o início da sua formação. A força obrigatória dos precedentes é de meados do

século XIX. A questão que se coloca é se a tradição brasileira é compatível ou não com a dos

precedentes. Didier Jr. alude que no século XIX, no Brasil, deveriam os magistrados seguir as

decisões do Supremo Tribunal de Justiça (antigo nome do atual Supremo Tribunal Federal).2

Ainda, na década de 1890, com a fundação da República, firmou-se no ordenamento

jurídico o controle difuso de constitucionalidade e os juízes devem seguir o entendimento do

STF em controle de constitucionalidade.3 As súmulas, criadas na década de 60, também foram

firmadas para sua obediência. Nos anos 90, várias reformas legislativas foram feitas para

obediência aos precedentes das cortes superiores, como limitação de recursos e reexame

necessário.

Os defensores do sistema de precedentes argumentam que, assim como a Lei não

engessa o Direito, os precedentes vinculantes também não têm esse poder. O que impõe é a

1 BIBLIOGRAFIA BÁSICA: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coordenadora). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Editora JusPodivm, v. 2, 2015. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Editora JusPodivm, 2018. MITIDIERO, Daniel, Cortes Superiores e Cortes Supremas - do Controle à Interpretação, da Jurisprudência ao Precedente – 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2014. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. 3ª edição: São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. 2 DIDIER-BRAGA-OLIVEIRA, Curso..., v. 2, 2015. 3 No Estado Novo (década de 1930) foi editada uma norma obrigando os juízes a seguirem as decisões do Supremo Tribunal Federal.

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observância do precedente, devendo enfrenta-lo, não podendo ignorá-lo, tendo, portanto, as

seguintes alternativas:

(a) Aplicação do precedente, se condizer com o caso concreto.

(b) Distinção (distinguishing): caso entenda que o precedente não se aplica ao caso

aventado.

(c) Superação (overruling ou overriding) do precedente;

A lógica do sistema de precedentes é a de afirmar a hierarquização e a autoridade dos

Tribunais Superiores, uma vez que parte da percepção de que se estes foram criados para dar

a última palavra acerca da intepretação do Direito, estando autorizados, por isso, a dar as

diretrizes do Direito e, sendo boa ou ruim, deve valer para todos. A ideologia declarada é a de

promover:

(a) Igualdade, na crença de que todos serão tratados pelo Judiciário da mesma maneira.

(b) Tutela da confiança (segurança jurídica), de modo a conferir previsibilidade às

decisões judiciais, de modo até a fomentar que os cidadãos vão ao Judiciário discutir

lides temerárias.

(c) Aceleração do processo: uma vez que os casos em que há precedentes já firmados,

a discussão se dará acerca da aplicação ou não dos precedentes, se o caso é distinto

ou se o precedente está superado.

(d) Confere racionalidade ao Direito, uma vez que não fica submetido ao voluntarismo

do juiz, limitando os julgamentos conforme a consciência de cada magistrado.

Didier4 ressalta que para a implementação destas perspectivas, vários institutos

jurídicos-processuais devem ser revisitados, como o conceito de processo como meio de

solução de um caso, uma vez que é possível processo para a fixação de um modelo decisório

para outros casos futuros. Para Didier, o processo passa a ser um modelo de julgamento de

casos e de construção de precedentes.

Esta perspectiva afeta sobremaneira os princípios do contraditório e ampla defesa. O

contraditório não seria mais como um instrumento-garantia para discutir dialeticamente a

solução de um litígio, mas, também, para a construção de um padrão decisório (precedente

4 DIDIER-BRAGA-OLIVEIRA, Curso..., v. 2, 2015.

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obrigatório). Igualmente, a motivação da decisão também deve ser vislumbrada sobre um

duplo discurso5, ou seja, um discurso para duas plateias: (a) as partes, como solução do caso;

(b) para os demais jurisdicionados, para casos futuros equivalentes.6 A estruturação do

sistema de precedentes se dá em vários momentos:

(a) Na improcedência liminar do pedido: caso o pedido contrarie precedente

obrigatório e seja desnecessária a produção de provas, o juiz está autorizado a julgar

liminarmente improcedente o pedido.

(b) Na tutela provisória: se o pedido do autor estiver em consonância com o precedente

obrigatório, o juiz pode conceder liminar independentemente de urgência.

(c) Na sentença: Eventual sentença fundada em precedentes, autoriza a retirada do

efeito suspensivo automático da apelação;

(d) Reexame necessário: se a sentença estiver fundada em precedente obrigatório, o

reexame necessário será dispensado.

(e) Nos Tribunais: aumentou os poderes do relator para proferir decisões monocráticas

em consonância ou dissonância com os precedentes obrigatórios.

(f) Reclamação: ampliou o cabimento para prever seu cabimento em caso de não

aplicação de precedente obrigatório.

O direito se construiria a partir de diversos papeis, em que o legislador apresenta um

programa legal de solução de conflitos. As particularidades do caso concreto é atribuição do

magistrado, que tem por propósito dar sentido aos casos concretos. Didier vislumbra a

doutrina como mediador desse papel de construção do Direito.

O sistema do CPC de 2015 afirma que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência

e mantê-la estável, íntegra e coerente.7 Na forma estabelecida e segundo os pressupostos

fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a

sua jurisprudência dominante. Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se

5 MITIDIERO, Daniel, Cortes Superiores e Cortes Supremas - do Controle à Interpretação, da Jurisprudência ao Precedente – 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2014. p. 27-31, 59-64 e 82-90; MARINONI-ARENHART-MITIDIERO, Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015. p. 151-152, vol. I. 6 DIDIER vislumbra uma alteração na intervenção de terceiros também, uma vez que terceiros interessados podem intervir como assistentes na construção do precedente. 7 CPC de 2015, Art. 926.

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às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação. Os juízes e os tribunais

observarão8:

Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 (contraditório)9 e no art. 489, §

1o (decisões devem ser fundamentadas) quando decidirem com fundamento na aplicação dos

precedentes. Os mesmos afirmam:

8 CPC de 2015, Art. 927. 9 Vide o que falamos acima, em que o contraditório, na perspectiva dos precedentes, não seria mais como um instrumento-garantia para discutir dialeticamente a solução de um litígio, mas, também, para a construção de um padrão decisório (precedente obrigatório). Igualmente, a motivação da decisão também deve ser vislumbrada sobre um duplo discurso, ou seja, um discurso para duas plateias: (a) as partes, como solução do caso; (b) para os demais jurisdicionados, para casos futuros equivalentes.

Precedentes vinculantes

As decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado

de constitucionalidade;

Os enunciados de súmula vinculante;

Julgamentos e os acórdãos em

Incidente de assunção de competência | IAC

Incidente de resolução de demandas repetitivas | IRDR

Recursos extraordinário e especial repetitivos;

Os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do

Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

A orientação do plenário ou do órgão especial aos quais os juízes

estiverem vinculados.

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8

A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de

casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas,

órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e

dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver

modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada

em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e

específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da

isonomia.

Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica

decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores. O Código de

Processo Civil de 2015 considera julgamento de casos repetitivos as decisões,

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§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela

interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo

concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus

fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles

fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela

parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a

superação do entendimento.

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independentemente de terem por objeto questão de direito material ou processual, as

proferidas em10:

(I) Incidente de resolução de demandas repetitivas;

(II) Recursos especial e extraordinário repetitivos.

1.2. A decisão jurídica

Toda decisão tem uma fundamentação e o dispositivo. Neste último elemento, o juiz fixa

a norma jurídica aplicável ao caso concreto (norma individual e concreta), considerando as

peculiaridades do caso apresentado. Em outras palavras, no dispositivo que o magistrado aduz

que o réu deve ao autor, que deve pagar honorários advocatícios, juros, custas. Esta parte da

decisão que se estabiliza pela coisa julgada.

A fundamentação tem o propósito de demonstrar “qual norma jurídica” geral incide

naquele caso apresentado, ou seja, o âmbito de incidência normativa. Ao se afirmar que quem

causa dano a outrem deve indenizar (neminem laedere). Segundo Didier Junior, em todas as

decisões judiciais temos a norma que regula o caso, presente no dispositivo e a norma geral

que fundamenta o caso.

Didier Jr. denomina de norma jurídica geral do caso concreto, uma que a norma geral

regula várias situações hipotéticas e, na fundamentação, o magistrado busca no ordenamento

jurídico a norma que se amolde no caso apresentado. Trata-se, portanto, de norma que tem

origem no caso concreto e só pode ser compreendida à luz do mesmo. A norma geral é

construída a partir de um caso, fundamentando a solução deste caso, servindo como modelo

para a solução de casos semelhantes.

Assim, o precedente atua como parâmetro para a fundamentação de um caso concreto

e a outros semelhantes. Segundo Didier Jr., o conjunto caso + argumentação jurídica + norma

jurídica utilizada para solucionar = precedente.

10 CPC de 2015, Art. 928.

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A decisão judicial consiste, portanto, na solução de um caso e um precedente. Enquanto

solução de caso, temos o dispositivo. Na fundamentação, teremos a apresentação do

precedente.

O núcleo do precedente consiste na norma jurídica geral construída a partir de um caso,

ou seja, a norma do precedente. A norma do precedente é chamada de ratio decidendi. Esta,

portanto, é o fundamento normativo da decisão, de modo que o dispositivo decorre do

precedente.

1.3. Precedentes Vinculantes: notas sobre o artigo 927 do CPC de 2015

1.3.1. Aplicação obrigatória dos precedentes

O sistema de “Precedentes vinculante” está positivado no artigo 927 do CPC de 2015. O

caput aduz que os Tribunais observarão os precedentes ali descritos. Ao utilizarem a palavra

observarão, entende-se como aplicarão obrigatoriamente (Didier e Medina), ao ponto deste

artigo, por si só, fundar a eficácia vinculante dos precedentes ali descritos.

Caso Concreto

Argumentação Jurídica

Norma Jurídica

Geral Utilizada

Precedente

Decisão Judicial

Solução de caso No dispositivo

Precedente Na fundamentação

Didier

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11

Nery11 e Câmara salientam que a palavra “observarão” significa que, obrigatoriamente

analisarão os precedentes descritos no artigo, ou seja, interpretam como um dever de

enfrentamento dos precedentes na decisão, não sendo, necessariamente, vinculante. A dita

eficácia vinculante não seria oriunda do artigo 927 do CPC de 2015. Este, por si só, não tem

este poder.

1.3.1.1. Acordão do STF em controle concentrado de constitucionalidade

A eficácia vinculante já advinha da Constituição, mas no que tange ao dispositivo da

decisão de controle de constitucionalidade. Vale dizer, é a declaração de constitucionalidade

ou inconstitucionalidade que vincula, nos termos do artigo 102, § 2º da CF.12 No que tange ao

precedente, o que vincula são os seus fundamentos determinantes e, assim sendo, a previsão

em Lei alberga a teoria da transcendência dos motivos determinantes.

Interessante observar que o STF já adotou esta teoria, mas não mais a adota. Ante o

artigo 927, I do CPC de 2015, há a necessidade de aplicação desta teoria. Assim se uma

determinada norma municipal é tida como inconstitucional por 2 fundamentos, estes

fundamentos, se em qualquer outro processo, for objeto de discussão em qualquer município

11 Ressaltam NERY-NERY que “o texto normativo impõe, imperativamente, aos juízes e tribunais que cumpram e apliquem os preceitos nele arrolados. Trata-se de comando que considera esses preceitos como abstratos e de caráter geral, vale dizer, com as mesmas características da lei. Resta analisar se o Poder Judiciário tem autorização constitucional para legislar, fora do caso da Súmula Vinculante do STF, para o qual a autorização está presente na CF 103-A. Somente no caso da súmula vinculante, o STF tem competência constitucional para estabelecer preceitos de caráter geral. Como se trata de situação excepcional – Poder Judiciário a exercer função típica do Poder Legislativo – a autorização deve estar expressa no texto constitucional e, ademais, se interpreta restritivamente, como todo preceito de exceção. Observar decisão: a) em RE e REsp repetitivos, b) em incidente de assunção de competência, c) em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), d) entendimento constante da súmula simples do STF em matéria constitucional, e) entendimento constante da súmula do STJ em matéria infraconstitucional (rectius: federal) e f) do órgão especial ou do plenário do tribunal a que estejam vinculados os juízes significa que esses preceitos vinculam juízes e tribunais, vinculação essa de inconstitucionalidade flagrante. O objetivo almejado pelo CPC 927 necessita ser autorizado pela CF. Como não houve modificação na CF para propiciar ao Judiciário legislar, como não se obedeceu o devido processo, não se pode afirmar a legitimidade desse instituto previsto no texto comentado. Existem alguns projetos de emenda constitucional em tramitação no Congresso Nacional com o objetivo de instituírem súmula vinculante no âmbito do STJ, bem como para adotar-se a súmula impeditiva de recurso (PEC 358/05), ainda sem votação no parlamento. Portanto, saber que é necessário alterar-se a Constituição para criar-se decisão vinculante todos sabem. Optou-se, aqui, pelo caminho mais fácil, mas inconstitucional. Não se resolve problema de falta de integração da jurisprudência, de gigantismo da litigiosidade com atropelo do due process of law. Mudanças são necessárias, mas devem constar de reforma constitucional que confira ao Poder Judiciário poder para legislar nessa magnitude que o CPC, sem cerimônia, quer lhe conceder” (Comentários ao CPC, 2016). 12 CF/88, Art. 102, § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

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brasileiro e, se tiver o mesmo conteúdo da norma anteriormente tida como inconstitucional,

afetará demais decisões com idêntico conteúdo. Ante o artigo em comento, há imposição da

aplicação desta teoria da transcendência dos motivos determinantes, por afetar a ratio

decidendi.

1.3.1.2. Súmula vinculante

Por imperativo constitucional, os verbetes com enunciados em súmula vinculante

obrigam todo o Judiciário e o Executivo, no que tange a seguir o entendimento ali fixado. Com

a reforma do Judiciário em 2004, por meio da EC 45/04, incluiu-se o artigo 103-A , culminando

em dispor que a súmula vinculante é obrigatória.13

1.3.1.3. Precedentes vinculantes em IRDR e IAC

O Julgamento repetitivo se dá por meio de Recurso Extraordinário e Especial repetitivos

ou por intermédio do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). Ainda, o

Incidente de Assunção de Competência tem o propósito de criar precedente vinculante aos

casos potencialmente “repetitivos”. A regulamentação está nos artigos 1.040, 1.041, 985 e

947 do CPC de 2015, podendo, também, extrair destes dispositivos a eficácia vinculante.14

1.3.1.4. Súmulas

Esta hipótese versa sobre as súmulas – não vinculantes – que versarem sobre Matéria

Federal (STJ) e Matéria Constitucional (STF). As súmulas aqui previstas são obrigatórias às

instâncias ordinárias. Eventuais súmulas que não versem sobre direito federal ou sobre direito

13 CF/88, Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 14 Expressão utilizada por NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual..., 2018.

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13

Constitucional – e o STF tem – não serão obrigatórias. A 3ª Turma do STJ, no REsp N.

1.655.722/SC, em obter dicta, ressaltou que o artigo 927, IV, que versa sobre as súmulas

normais, não vinculantes, possuem eficácia persuasiva.

Curiosamente, o mesmo STJ, interpretando o inciso V do artigo 927, no HC n.

370.687/SP, salientou que as decisões ali previstas possuem eficácia vinculante.

1.3.1.5. Orientação do plenário ou órgão especial

Interessante que não houve distinção acerca dos Tribunais, de modo que qualquer

tribunal que tenha acórdão prolatado pelo plenário ou órgão especial serão vinculantes.

1.4. O precedente no common law

Nelson e Rosa Nery ressaltam que no common law “há uma análise acurada do caso

para que se verifique se é cabível a aplicação do mesmo princípio que norteou o julgamento

do caso tomado como precedente, o que é bem diferente daquilo que se entende comumente

por esse instituto no Brasil”. Explicam, ainda, que “no common law, o precedente é fonte

referencial do direito, que, contudo, nunca deve ser aplicado se houver lei expressa regulando

a matéria. Cada vez mais o common law, regido principalmente por precedentes e costumes,

se aproxima do civil law criando leis escritas. Havendo lei, não se aplica nenhum

precedente”.15

1.5. A fundamentação vinculante

É imprescindível fazer a distinção entre fundamentação como ratio decidendi, ou seja,

são fundamentos determinantes da decisão. Daniel Neves salienta que, se fizer a

interpretação inversa e o resultado for diferente, este será o fundamento determinante.

15 NERY-NERY, Comentários ao CPC, 2016, Comentário ao artigo 926.

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Outro tipo de fundamentação é o denominado obter dicta, que são fundamentos feitos de

passagem, paralelamente ao julgamento, não resolvendo o caso concreto. Assim sendo, a

ratio decidendi é a fundamentação que vincula.

1.6. Âmbito de não atuação da eficácia vinculante

O sistema prevê duas hipóteses de não incidência da eficácia vinculante.

1.6.1. Distinguishing

A primeira é a denominada distinção (distinguishing), que significa uma não aplicação

pontual16, ou seja, apenas naquele caso deixa-se de aplicar o precedente vinculante, mas o

mesmo continua eficaz frente aos demais casos similares. Faz-se um juízo de não incidência

do precedente. Daniel Neves ressalta que “trata-se de hipótese de não aplicação do

precedente no caso concreto sem, entretanto, sua revogação. Dessa forma, é excluída a

aplicação do precedente judicial apenas para o caso concreto em razão de determinadas

particularidades fáticas e/ou jurídicas, mantendo-se o precedente válido e com eficácia

vinculante para outros processos”. Para a não incidência do precedente, são necessários

estarem presentes as seguintes razões:

(a) Singularidade fática: que é a peculiaridade do caso que faz com que descaracterize

o precedente naquele caso. Marinoni-Arenhart-Mitidiero ressaltam que “se a

questão não for idêntica ou não for semelhante, isto é, se existirem particularidades

fático-jurídicas não presentes – e por isso não consideradas – no precedente, então

é caso de distinguir o caso do precedente, recusando-lhe aplicação. É o caso de

realizar uma distinção (distinguishing)”.17

(b) Questão jurídica não enfrentada ou, em tempos de realismo jurídico, alguma

consequência extrajurídica não pensada quando da elaboração do precedente.

16 NEVES, Daniel. Manual..., 2018. 17 MARINONI-ARENHART-MITIDIERO, Novo Curso de Processo Civil – vol. 2 – Tutela dos Direitos mediante procedimento comum – 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, n. 13.6.

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15

Importante ressaltar que, quanto maior o âmbito de fundamentação qualitativo do

precedente, menor será a incidência da distinção.

Importante ressaltar que, estas duas hipóteses acima devem ter aptidão, ainda que

potencial, para propiciar uma decisão diferente daquela consagrada no precedente. A

distinção pode ser feita por qualquer juízo, uma vez que é feito apenas um juízo de não

incidência do precedente àquele caso.

Elucida Ronaldo Cramer que “uma das formas de rejeitar a aplicação do precedente no

caso concreto é a distinção (distinguishing, do Common Law)”, uma vez que “o precedente

somente deve ser adotado, se o seu caso for idêntico ao caso sob julgamento. Quando não

for idêntico, haverá distinção”.18

Daniel Neves explica que “o art. 927, em seus §§ 2º a 4º, do Novo CPC, entretanto, só

trata da superação do precedente, não havendo qualquer previsão legal a respeito da

distinção”.19

1.6.2. Overuling

Neste caso, estamos diante de uma superação do precedente e, assim sendo, é feita de

forma excepcional. Marinoni-Arenhart-Mitidiero explicam que a “superação de um

precedente (overruling) constitui a resposta judicial ao desgaste da sua congruência

social e coerência sistêmica. Quando o precedente carece desses atributos, os princípios

básicos que sustentam a regra do stare decisis – segurança jurídica e igualdade – deixam de

autorizar a sua replicabilidade (replicability), com o que o precedente deve ser superado. Essa

conjugação é tida pela doutrina como a norma básica para superação de precedente (basic

overruling principle)”.20

Daniel Neves ressalta que deve sopesar, para a superação do precedente, que haja uma

mudança substancial de ordem econômica, política, social ou jurídica. Ainda, é possível o

18 CRAMER, Ronaldo. Precedentes Judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 141. 19 NEVES, Daniel. Manual..., 2018, n. 56.9. 20 MARINONI-ARENHART-MITIDIERO, Novo Curso..., vol. 2, 2ª ed., 2016, n. 13.6.

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16

reconhecimento de erro manifesto ou grave injustiça quando da formação do precedente ou

súmula, seja no conteúdo ou na apreciação da tese jurídica ou, ainda, no que tange aos efeitos

da tese fixada.21 Pode ocorrer, não raro, a superveniência de uma nova Lei ou Emenda

Constitucional que torne o precedente sem sentido, como ocorrido com o CPC de 2015.

Fala-se ainda em overriding, que significa a superação parcial do precedente.22

Diferentenmente da distinção, no overuling, somente o tribunal criador do precedente ou

súmula é que tem competência para analisar a superação da tese jurídica ali fixada. Há, ainda

o antecipatory overruling que é a autorização aos órgãos jurisdicionais inferiores para não

aplicar o precedente ou a súmula. Entretanto, é imprescindível que haja uma sinalização

(signaling)23 por parte do tribunal que criou o precedente ou a súmula, sinalização esta no

sentido de haver uma superação/mudança da tese jurídica.

Segundo Marinoni-Arenhart-Mitidiero, “tendo em conta a necessidade de desenvolver

o direito a fim de mantê-lo sempre fiel à necessidade de sua congruência social e coerência

sistêmica, um sistema de precedentes precisa prever técnicas para sua superação – seja total

(overruling), seja parcial. Nessa última hipótese, a superação pode se dar

mediante transformação (transformation) ou reescrita (overriding). Para proteção

da confiança depositada no precedente e da igualdade de todos perante a ordem jurídica, a

superação do precedente normalmente é sinalizada (signaling) pela Corte e, em outras, a

eficácia da superação do precedente só se realiza para o futuro (prospective overruling – como

prevê expressamente o art. 927, § 3.º)”.24

No overruling é possível a modulação de efeitos, conforme artigo 927 do CPC de 2015.

O tribunal pode fixar uma superação do precedente, de modo a preservar a “segurança

jurídica” e/ou a “boa-fé objetiva”. Assim sendo temos as seguintes possibilidades:

(a) Ex nunc: dali em diante.

21 NEVES, Daniel. Manual..., 2018. 22 Posição de NEVES, Manual..., 2018. MARINONI-ARENHART-MITIDIERO elucidam que “pode ocorrer de não ser oportuna – ou necessária – a revogação total do precedente. Nesses casos, para patrocinar em parte a sua alteração (overturning) alça-se mão das figuras da transformação (transformation) e da reescrita (overriding). São técnicas de superação parcial do precedente” (Novo Curso..., vol. 2, 2ª ed., 2016, n. 13.6.). 23 Explicam MARINONI-ARENHART-MITIDIERO que “Como forma de incrementar o respeito à segurança jurídica, é importante que a alteração do precedente seja sinalizada (signaling) pela Corte responsável pela sua autoridade justamente para indicar aos interessados a possibilidade de mudança do entendimento judicial. Pela sinalização, a Corte não distingue o caso nem revoga o precedente no todo ou em parte, mas manifesta sua preocupação com a justiça da solução nele expressa. Essa é uma das maneiras pelas quais se busca evitar a traição da confiança legítima do jurisdicionado nos precedentes judiciais” (Novo Curso..., vol. 2, 2ª ed., 2016, n. 13.6). 24 MARINONI-ARENHART-MITIDIERO, Novo Curso..., vol. 2, 2ª ed., 2016, n. 13.6.

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17

(b) Ex tunc: como se o precedente nunca tivesse existido, como no caso de erro grave

na apreciação dos efeitos.

(c) Ex tunc limitada: em que a retroação é limitada no tempo (1 ano, 2, 3...) e não na

origem da formação do precedente.

(d) Pro futuro: em que fixa um marco temporal para a geração de efeitos da decisão.

Segundo o artigo 927, §§ 3º e 4º, ressaltam que “na hipótese de alteração de

jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela

oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração

no interesse social e no da segurança jurídica” (§ 3o). “A modificação de enunciado de súmula,

de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará

a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da

segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia” (§ 4o).

2. ORGANIZAÇÃO DOS JULGAMENTOS NO TRIBUNAL | Art. 929 e ss.

Os autos serão registrados no protocolo do tribunal no dia de sua entrada, cabendo à

secretaria ordená-los, com imediata distribuição.25 A critério do tribunal, os serviços de

protocolo poderão ser descentralizados, mediante delegação a ofícios de justiça de primeiro

grau.26 Far-se-á a distribuição de acordo com o regimento interno do tribunal, observando-

se a alternatividade, o sorteio eletrônico e a publicidade.27

O primeiro recurso protocolado no tribunal tornará prevento o relator para eventual

recurso subsequente interposto no mesmo processo ou em processo conexo.28 Distribuídos,

os autos serão imediatamente conclusos ao relator, que, em 30 (trinta) dias, depois de

elaborar o voto, restituí-los-á, com relatório, à secretaria.29

25 CPC de 2015, Art. 929. 26 CPC de 2015, Art. 929, parágrafo único. 27 CPC de 2015, Art. 930. 28 CPC de 2015, Art. 930, Parágrafo único. 29 CPC de 2015, Art. 931.

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18

2.1.1. Poderes do relator

Incumbe ao relator30:

30 CPC de 2015, Art. 932.

Po

de

res

do

Re

lato

r

I - dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem

como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes;

II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência

originária do tribunal;

III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado

especificamente os fundamentos da decisão recorrida;

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em

julgamento de recursos repetitivos;

entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de

competência;

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a

decisão recorrida for contrária a:

súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em

julgamento de recursos repetitivos;

entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de

competência;VI - decidir o incidente de desconsideração da

personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;

VII - determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso;

VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.

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19

O relator, como qualquer juiz, tem o dever de prevenção quando da condução dos casos

que lhes forem apresentados para julgamento, como corolário do modelo cooperativo de

processo e respeito ao contraditório, de modo que, antes de considerar inadmissível o

recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício

ou complementada a documentação exigível.31

Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a

existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados

no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco)

dias.32

Se a constatação ocorrer durante a sessão de julgamento, esse será imediatamente

suspenso a fim de que as partes se manifestem especificamente. Se a constatação se der em

vista dos autos, deverá o juiz que a solicitou encaminhá-los ao relator, que tomará as

providências previstas no acima e, em seguida, solicitará a inclusão do feito em pauta para

prosseguimento do julgamento, com submissão integral da nova questão aos julgadores.

2.1.2. Prosseguimento do julgamento

Em seguida, os autos serão apresentados ao presidente, que designará dia para

julgamento, ordenando, em todas as hipóteses previstas neste Livro, a publicação da pauta

no órgão oficial.33

Entre a data de publicação da pauta e a da sessão de julgamento decorrerá, pelo menos,

o prazo de 5 (cinco) dias, incluindo-se em nova pauta os processos que não tenham sido

julgados, salvo aqueles cujo julgamento tiver sido expressamente adiado para a primeira

sessão seguinte.34

Às partes será permitida vista dos autos em cartório após a publicação da pauta de

julgamento. Afixar-se-á a pauta na entrada da sala em que se realizar a sessão de julgamento.

31 CPC de 2015, Art. 932, Parágrafo único. 32 CPC de 2015, Art. 933. 33 CPC de 2015, Art. 934. 34 CPC de 2015, Art. 935.

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20

Ressalvadas as preferências legais e regimentais, os recursos, a remessa necessária e os

processos de competência originária serão julgados na seguinte ordem35:

(I) Aqueles nos quais houver sustentação oral, observada a ordem dos requerimentos;

(II) Os requerimentos de preferência apresentados até o início da sessão de julgamento;

(III) Aqueles cujo julgamento tenha iniciado em sessão anterior; e

(IV) os demais casos.

Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará

a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao

membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada

um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses36:

(I) Recurso de apelação;

(II) Recurso ordinário;

(III) Recurso especial;

(IV) Recurso extraordinário;

(V) Embargos de divergência;

(VI) Ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação;

(VII) Agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem

sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência;

(VIII) Em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal.

A sustentação oral no incidente de resolução de demandas repetitivas observará o

disposto no art. 984, no que couber. Este artigo salienta uma ordem:

35 CPC de 2015, Art. 936. 36 Art. 937.

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21

O procurador que desejar proferir sustentação oral poderá requerer, até o início da

sessão, que o processo seja julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais.

Nos casos de Ação rescisória, mandado de segurança e na reclamação, que são processos

de competência originária, caberá sustentação oral no agravo interno interposto contra

decisão de relator que o extinga. É permitido ao advogado com domicílio profissional em

cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal realizar sustentação oral por meio de

videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo

real, desde que o requeira até o dia anterior ao da sessão.

A questão preliminar suscitada no julgamento será decidida antes do mérito, deste não

se conhecendo caso seja incompatível com a decisão.37 Constatada a ocorrência de vício

sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício, o relator determinará a realização

ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau de jurisdição,

intimadas as partes. Cumprida a diligência acima, sempre que possível, prosseguirá no

julgamento do recurso.

Reconhecida a necessidade de produção de prova, o relator converterá o julgamento

em diligência, que se realizará no tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, decidindo-se o

recurso após a conclusão da instrução.

Quando não determinadas pelo relator, as providências acima indicadas poderão ser

determinadas pelo órgão competente para julgamento do recurso. Se a preliminar for

rejeitada ou se a apreciação do mérito for com ela compatível, seguir-se-ão a discussão e o

37 CPC de 2015, Art. 938.

IRDRI - o relator fará a

exposição do objeto do incidente;

II – em sustentação sucessiva de suas

razões:

Autor

Réu do processo originário

Ministério Público

Pelo prazo de 30 (trinta) minutos;

Os demais interessados, no

prazo de 30 (trinta) minutos, divididos entre todos, sendo

exigida inscrição com 2 (dois) dias de antecedência.

Sustentação Oral

Considerando o número de inscritos, o

prazo poderá ser ampliado.

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22

julgamento da matéria principal, sobre a qual deverão se pronunciar os juízes vencidos na

preliminar.38

O relator ou outro juiz que não se considerar habilitado a proferir imediatamente seu

voto poderá solicitar vista pelo prazo máximo de 10 (dez) dias, após o qual o recurso será

reincluído em pauta para julgamento na sessão seguinte à data da devolução.39

Se os autos não forem devolvidos tempestivamente ou se não for solicitada pelo juiz

prorrogação de prazo de no máximo mais 10 (dez) dias, o presidente do órgão fracionário os

requisitará para julgamento do recurso na sessão ordinária subsequente, com publicação da

pauta em que for incluído. Quando assim requisitado, se aquele que fez o pedido de vista

ainda não se sentir habilitado a votar, o presidente convocará substituto para proferir voto,

na forma estabelecida no regimento interno do tribunal.

Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para

redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor.40 O voto

poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, salvo

aquele já proferido por juiz afastado ou substituído. No julgamento de apelação ou de agravo

de instrumento, a decisão será tomada, no órgão colegiado, pelo voto de 3 (três) juízes. O

voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para

todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento.

2.1.3. Técnica de julgamento não unânime | art. 942

Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento

em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos

termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a

possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o

direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.41

38 CPC de 2015, Art. 939. 39 CPC de 2015, Art. 940. 40 CPC de 2015, Art. 941. 41 Art. 942.

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23

Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-

se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado. Os julgadores

que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do

julgamento. A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao

julgamento não unânime proferido em:

(a) Ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse

caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no

regimento interno;

(b) Agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar

parcialmente o mérito.

2.1.4. O acórdão

Os votos, os acórdãos e os demais atos processuais podem ser registrados em

documento eletrônico inviolável e assinados eletronicamente, na forma da lei, devendo ser

impressos para juntada aos autos do processo quando este não for eletrônico.42 Todo acórdão

42 Art. 943.

Convocação dos outros

Desembargadores

Incidência

Apelação

Agravo de Instrumento

Se houver reforma e

Julgamento parcial do mérito

Ação Rescisória

Não se aplicação ao julgamento:

No incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;

Da remessa necessária;

Não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.

Art. 942

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24

conterá ementa. Lavrado o acórdão, sua ementa será publicada no órgão oficial no prazo de

10 (dez) dias.

Não publicado o acórdão no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da sessão de

julgamento, as notas taquigráficas o substituirão, para todos os fins legais,

independentemente de revisão.43 O presidente do tribunal lavrará, de imediato, as conclusões

e a ementa e mandará publicar o acórdão.

2.1.5. Relação entre julgamento da apelação e agravo de instrumento

O agravo de instrumento será julgado antes da apelação interposta no mesmo

processo.44 Se ambos os recursos de que trata o caput houverem de ser julgados na mesma

sessão, terá precedência o agravo de instrumento.45

3. INCIDENTES NOS TRIBUNAIS

3.1. IAC - Incidente de Assunção de Competência | Art. 947.

O incidente de assunção de competência integra o microssistema de precedentes

vinculantes obrigatórios, visando formar precedentes obrigatórios, não sendo o caso de

julgamento de casos repetitivos. O incidente de assunção de competência é um

aperfeiçoamento do § 1º do artigo 555 do CPC de 73, que afirmava só caber em apelação e

agravo. No CPC de 2015, é cabível em qualquer tribunal e qualquer causa que esteja em

trâmite. O propósito do incidente de assunção de competência é:

a) Formar precedente obrigatório;

b) Prevenir ou compor divergência interna no Tribunal;46

43 CPC de 2015, Art. 944. 44 CPC de 2015, Art. 946. 45 CPC de 2015, Art. 946, Parágrafo único. 46 No IRDR não há que se falar em prevenção, mas sim efetiva repetição de processos e pelo menos um processo no Tribunal.

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25

c) Decidir questão de Direito relevante, de modo a ser julgada por um órgão colegiado

maior.

Neste último caso, que consiste na grande característica do IAC, visa justamente alterar

a competência para julgar uma causa em tribunal, transferindo a competência para um

tribunal, dada a relevância do tema.

É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa

necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito,

com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.47

Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a

requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a

remessa necessária ou o processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado que

o regimento indicar. O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo

de competência originária se reconhecer interesse público na assunção de competência.

O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos

fracionários, exceto se houver revisão de tese. Aplica-se o disposto neste artigo quando

ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a

composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.

47 CPC de 2015, Art. 947.

Cabimento do Incidente de Assunção de Competência

Momento No Julgamento

De recurso

De remessa necessária ou

De processo de competência originária

Matéria Envolver

Relevante questão de direito;

Com grande repercussão social

Sem repetição em múltiplos processos

Art. 947

Sigla: IAC

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26

3.2. IRDR - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas | Art. 976 e ss.

O IRDR é novidade no CPC de 2015, integrando o sistema de precedentes vinculantes da

codificação. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas

quando houver, simultaneamente:48

(I) Efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma

questão unicamente de direito;

(II) Risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

A desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente,

justamente porque o propósito transcende ao mero interesse individual. Se não for o

requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá assumir

sua titularidade em caso de desistência ou de abandono. A inadmissão do incidente de

resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de

admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente

suscitado.

Ressaltando a hierarquização do sistema, salvaguardando a função de Corte de

Precedentes por parte do STJ e STF, é inadmissível o incidente de resolução de demandas

repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já

tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual

repetitiva. Vale dizer, em eventual conflito de Recursos Repetitivos no STJ ou STF e os dos

Tribunais locais, prevalece o dos tribunais superiores.

Importante salientar que não serão exigidas custas processuais no incidente de

resolução de demandas repetitivas. O pedido de instauração do incidente será dirigido ao

presidente de tribunal:49

(I) Pelo juiz ou relator, por ofício;

(II) Pelas partes, por petição;

(III) Pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.

48 CPC de 2015, Art. 976. 49 CPC de 2015, Art. 977.

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27

O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do

preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.50 O julgamento do

incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela

uniformização de jurisprudência do tribunal.51 O órgão colegiado incumbido de julgar o

incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o

processo de competência originária de onde se originou o incidente.52

A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica

divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.53

Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas

sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao

Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro.

Para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o

registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os

fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.

Aplica-se o disposto neste artigo ao julgamento de recursos repetitivos e da repercussão geral

em recurso extraordinário.

O incidente será julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais

feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.54 Após este

prazo, cessa a suspensão dos processos sobrestado, salvo decisão fundamentada do relator

em sentido contrário.55

Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao

seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos, quais sejam, se

houver, simultaneamente: (a) Efetiva repetição de processos que contenham controvérsia

sobre a mesma questão unicamente de direito; (b) Risco de ofensa à isonomia e à segurança

jurídica.56-57 Admitido o incidente, o relator58:

50 CPC de 2015, Art. 977, Parágrafo único. 51 CPC de 2015, Art. 978. 52 CPC de 2015, Art. 978, Parágrafo único. 53 CPC de 2015, Art. 979. 54 CPC de 2015, Art. 980. 55 CPC de 2015, Art. 980, Parágrafo único 56 CPC de 2015, Art. 976. 57 CPC de 2015, Art. 981. 58 CPC de 2015, Art. 982.

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28

(I) Suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no

Estado ou na região, conforme o caso: A suspensão será comunicada aos órgãos

jurisdicionais competentes. Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência

deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.

(I) Poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se

discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias;

(II) Intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15

(quinze) dias.

Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado para a instauração do

IRDR, poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou

especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território

nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.

Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em

curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a

suspensão dos processos individuais ou coletivos. A suspensão em tela cessará se não for

interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.

O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e

entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão

requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da

questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no

mesmo prazo.59

Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública,

ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria. Concluídas as

diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente. No julgamento do

incidente, observar-se-á a seguinte ordem60:

59 CPC de 2015, Art. 983. 60 CPC de 2015, Art. 984.

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29

O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados

concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários. Julgado o incidente, a

tese jurídica será aplicada61:

(I) A todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão

de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive

àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

(II) Aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a

tramitar no território de competência do tribunal, salvo se houver revisão.

61 CPC de 2015, Art. 985.

IRDR

I - o relator fará a exposição do objeto do incidente;

II – em sustentação sucessiva de suas razões:

Pelo prazo de 30 (trinta) minutos;

Autor

Réu do processo originário

Ministério Público

Os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 (dois) dias de antecedência.

Sustentação OralConsiderando o número de inscritos, o prazo poderá ser

ampliado.

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30

Não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação.

Se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido,

permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à

agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes

sujeitos a regulação, da tese adotada.

A revisão da tese jurídica firmada no incidente far-se-á pelo mesmo tribunal, de ofício

ou mediante requerimento do Ministério Público ou Defensoria Pública (art. 977, inciso III).62

Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial,

conforme o caso.63 O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de

questão constitucional eventualmente discutida. Apreciado o mérito do recurso, a tese

jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será

aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre

idêntica questão de direito.

3.3. Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade | Art. 949 e 950

É sabido que todos os magistrados têm o poder-dever de analisar a constitucionalidade

das Leis, uma vez que o sistema constitucional brasileiro albergou a possibilidade do controle

difuso de constitucionalidade, assim como o sistema concentrado no STF. Diferentemente do

1º grau de jurisdição, em que o juiz singular pode, sozinho, deixar de aplicar uma norma por

entender ser a mesma inconstitucional, no âmbito dos Tribunais há a regra da colegialidade,

vale dizer, apenas o órgão especial ou plenário do Tribunal é quem tem a competência

funcional para fazer o controle difuso de constitucionalidade (regra denominada de Full Bench

ou cláusula de reserva de plenário).

62 CPC de 2015, Art. 986. 63 CPC de 2015, Art. 987.

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31

Arguida, em controle difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder

público, o relator, após ouvir o Ministério Público e as partes, submeterá a questão à turma

ou à câmara à qual competir o conhecimento do processo.64 Se a arguição for65:

(I) Rejeitada, prosseguirá o julgamento;

(II) Acolhida, a questão será submetida ao plenário do tribunal ou ao seu órgão

especial, onde houver.

Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a

arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do

Supremo Tribunal Federal sobre a questão.66

Remetida cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a

sessão de julgamento67. As pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do

ato questionado poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade se assim o

requererem, observados os prazos e as condições previstos no regimento interno do tribunal.

A parte legitimada à propositura das ações previstas no art. 103 da Constituição

Federal poderá manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de

apreciação, no prazo previsto pelo regimento interno, sendo-lhe assegurado o direito de

apresentar memoriais ou de requerer a juntada de documentos.

Considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, o relator

poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

3.4. Conflito de competência | Art. 951 e ss.

O conflito de competência pode ser suscitado por qualquer das partes, pelo Ministério

Público ou pelo juiz.68 O Ministério Público somente será ouvido nos conflitos de competência

64 CPC de 2015, Art. 948. 65 CPC de 2015, Art. 949 66 CPC de 2015, Art. 949, Parágrafo único. 67 CPC de 2015, Art. 950. 68 CPC de 2015, Art. 951.

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32

relativos aos processos previstos no art. 178, mas terá qualidade de parte nos conflitos que

suscitar.69

Não pode suscitar conflito a parte que, no processo, arguiu incompetência relativa. O

conflito de competência não obsta, porém, a que a parte que não o arguiu suscite a

incompetência.70 O conflito será suscitado ao tribunal,71 devidamente instruídos com os

documentos necessários à prova do conflito:

(I) Pelo juiz, por ofício;

(II) Pela parte e pelo Ministério Público, por petição.

Após a distribuição, o relator determinará a oitiva dos juízes em conflito ou, se um deles

for suscitante, apenas do suscitado72. No prazo designado pelo relator, incumbirá ao juiz ou

aos juízes prestar as informações.73

O relator poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, determinar,

quando o conflito for positivo, o sobrestamento do processo e, nesse caso, bem como no de

conflito negativo, designará um dos juízes para resolver, em caráter provisório, as medidas

urgentes.74

O relator poderá julgar de plano o conflito de competência quando sua decisão se

fundar em75:

(I) Súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do

próprio tribunal;

(II) Tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção

de competência.

Decorrido o prazo designado pelo relator, será ouvido o Ministério Público, no prazo de

5 (cinco) dias, ainda que as informações não tenham sido prestadas, e, em seguida, o conflito

irá a julgamento.76

69 CPC de 2015, Art. 951, Parágrafo único. 70 CPC de 2015, Art. 952. 71 CPC de 2015, Art. 953. 72 CPC de 2015, Art. 954. 73 CPC de 2015, Art. 954, Parágrafo único. 74 CPC de 2015, Art. 955. 75 CPC de 2015, Art. 955, Parágrafo único. 76 CPC de 2015, Art. 956.

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33

Ao decidir o conflito, o tribunal declarará qual o juízo competente, pronunciando-se

também sobre a validade dos atos do juízo incompetente.77 Os autos do processo em que se

manifestou o conflito serão remetidos ao juiz declarado competente.78

No conflito que envolva órgãos fracionários dos tribunais, desembargadores e juízes em

exercício no tribunal, observar-se-á o que dispuser o regimento interno do tribunal.79

O regimento interno do tribunal regulará o processo e o julgamento do conflito de

atribuições entre autoridade judiciária e autoridade administrativa.80

4. AÇÕES AUTÔNOMAS DE IMPUGNAÇÃO NOS TRIBUNAIS

4.1. AÇÃO RESCISÓRIA | Art. 966 e ss.

4.1.1. Natureza jurídica

No sistema, temos os meios de impugnação de decisão judicial, que é gênero. A ação

rescisória é uma espécie de meio de impugnação de decisão judicial, assim como os recursos,

mas com estes não se confundem. Rescisória é ação, a ser proposta diretamente no Tribunal

e pressupõe o trânsito em julgado. O recurso só é cabível antes do trânsito em julgado, tanto

que se fala em efeito obstativo, que visa justamente impedir a formação da coisa julgada.

Recurso e rescisória não convivem temporalmente.81 A rescisória é um meio típico de

relativização da coisa julgada, uma vez que está previsto na Lei e incorporado ao sistema, não

havendo discussão acerca da sua existência no sistema processual.

Em sendo meio típico, o sistema não admite o cabimento de outras ações de

impugnação quando houver o transito em julgado, tanto que a coisa julgada é pressuposto

processual negativo, alegável em preliminar de defesa em qualquer ação que atente contra o

77 CPC de 2015, Art. 957. 78 CPC de 2015, Art. 957, parágrafo único. 79 CPC de 2015, Art. 958. 80 CPC de 2015, Art. 959. 81 Cf. NEVES, Daniel. Manual..., 2018.

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34

transito em julgado. Ainda, não se admite mandado de segurança ou reclamação contra

decisão que tenha formada a coisa julgada.

4.1.2. Rescindibilidade

A discussão na rescisória versa sobre a rescindibilidade da decisão, vale dizer, se a

decisão apresenta os motivos para sua rescisão, que são vícios tipificados na Lei (art. 966),

também chamado de vícios de rescindibilidade. Trata-se de uma decisão existente, mas que

apresenta vícios de validade ou algum outro motivo relevante escolhido pelo legislador. Se a

decisão for inexistente, não é o caso de rescisória, mas sim, de ação declaratória de

inexistência de ato jurídico ou de relação processual também conhecida como querela

nullitatis insanabilis, em primeiro grau de jurisdição. Assim sendo, apenas a decisão ou

processo eivado de nulidade absoluta é que é rescindível.

No que tange à coisa julgada, fala-se, quando transita em julgado, no “efeito” sanatório

geral das nulidades ocorridas no curso do processo, sejam absolutas ou relativas, não sendo

possível a sobrevivência da nulidade após o trânsito em julgado. Em outras palavras, com o

trânsito em julgado, se houve alguma nulidade no processo, estas serão consideradas

sanadas.

Interessante ponderar que, com relação às nulidades, apenas os vícios previstos como

nulidades absolutas é que são passíveis de rescindibilidade por intermédio da ação rescisória.

Uma curiosidade que merece ser registrada e a de que, quanto as nulidades absolutas e a sua

rescindibilidade, durante o transcorrer procedimental (antes do “trânsito), utiliza-se a

nomenclatura “nulidade absoluta” dos atos processuais. Após o trânsito em julgado, a

denominação muda, posto se fala em rescindibilidade do processo ou da decisão ante as

causas de nulidade absoluta.

É possível, ainda, que tenhamos uma decisão formalmente perfeita, mas rescindível,

como o caso de prova nova ou erro de Direito. Portanto, nem sempre as causas de nulidade

absoluta serão as de rescindibilidade.

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35

4.1.3. Objeto da rescisão

O CPC de 2015 alterou significativamente o objeto da rescindibilidade, pois, antes falava

em sentença de mérito transitada em julgado. Hoje, fala-se apenas em decisão de mérito

transitada em julgado (art. 966, caput)82, podendo ser acórdão, sentença, decisão

monocrática do relator, sentença parcial, basta que seja decisão que conceda tutela definitiva,

ou seja, baseada em cognição exauriente, que, consiste em procedimento apto a formar um

juízo de certeza. Na tutela provisória, se versar sobre cautelar antecedente e esta for

indeferida pelo reconhecimento da decadência ou prescrição, há a aptidão para formar a coisa

julgada material (art. 310).83 Assim sendo, cabe (ria) a rescisória em tutela provisória. O

sistema prevê o não cabimento de rescisória nos seguintes casos:

(a) Ações de controle de constitucionalidade: art. 26 da Lei 9.868/99;

(b) Juizados Especiais: art. 59 da Lei 9.099/95.

No que tange às decisões de mérito, o artigo 487 é o dispositivo regente: (i) se acolher

ou rejeitar o pedido; (ii) decisão que reconheça decadência ou prescrição; (iii) decisões

homologatórias de autocomposição. Entretanto, dentre as espécies de decisões de mérito

acima descritas, apenas o inciso I e II são decisões rescindíveis, ao passo que a hipótese do

inciso III é impugnável por ação anulatória (art. 966, § 4º).84

82 CPC de 2015, Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] 83 CPC de 2015, Art. 310. O indeferimento da tutela cautelar não obsta a que a parte formule o pedido principal, nem influi no julgamento desse, salvo se o motivo do indeferimento for o reconhecimento de decadência ou de prescrição. 84 CPC de 2015, Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] § 4o Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.

Rescindibilidade

Decisões inexistentesCabe querella nullitatis

insanabilis

Lei veda

Ações de controle de constitucionalidade:

Art. 26 da Lei 9.868/99

Juizados Especiais: Art. 59 da Lei 9.099/95

Atos das partes homologados em juízo

Cabe ação anulatória

Não cabimento da Rescisória

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36

No que tange às decisões terminativas, o art. 966, § 2º admite em duas hipóteses:

(a) Decisão terminativa que inadmite repropositura da ação: deve ser lido

conjuntamente com o artigo 486, § 1º do CPC. A decisão terminativa não impede a

repropositura, mas o artigo 486, § 1º condiciona tal ação ao saneamento do vício

que ensejou a extinção formal do procedimento, assim como o pagamento das

custas do processo anterior. Se para repropor deve mudar alguns elementos da ação,

como o caso da extinção por ilegitimidade, com a correção da parte legítima,

estaremos diante de uma nova ação e não de uma repropositura. Assim sendo, se

inadmitida a ação, cabe a rescisória.85

(b) Decisão que versa sobre admissibilidade recursal: trata-se de juízo de

admissibilidade negativo, isto é, uma decisão processual, terminativa, que inadmite

o recurso. Esta decisão de inadmissão, se dada por um desembargador impedido,

ensejará a rescisória.86

A súmula 514 do STF aduz que a decisão, para ser rescindível, não precisa ter sido

recorrida no processo de origem, isto é, não é obrigado exaurir os recursos para propor a

rescisória. É possível exaurir os recursos e depois ir para a rescisória ou ir direto para a

rescisória.

4.1.4. Vícios rescisórios

Trata-se de ação originária em tribunal que tem por propósito a rescisão de uma decisão

de mérito transitada em julgado. Assim, a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser

rescindida quando87:

85 Outra hipótese seria a perempção, que não admite sanação do vício, devendo ser proposta nova ação. Se esta nova ação não for admitida e transitar em julgado, caberá rescisória. 86 Cf. NEVES, Daniel. Manual..., 2018. 87 CPC de 2015, Art. 966.

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37

4.1.4.1. Prevaricação88, concussão89 e corrupção passiva90 do magistrado

As apurações destes crimes podem ser feitas de forma incidental na rescisória, não

dependendo de ação penal condenatória para propor a rescisória.91 Se a causa de pedir for a

88 Art. 319 do Código Penal. 89 Art. 316 do Código Penal. 90 Art. 317 do Código Penal. 91 Explicam NERY-NERY que “não se exige que o juiz tenha sido previamente condenado pela prática de um desses crimes, pois a prova pode ser feita na própria ação rescisória, cujo resultado independe da solução de eventual processo criminal. Condenado o juiz no crime, projeta-se aquela decisão no cível; absolvido o magistrado na esfera criminal, pode ser julgada procedente a pretensão rescisória no cível. No caso de membro de órgão colegiado, basta que um dos prolatores de voto vencedor tenha cometido o crime para que seja rescindível o acórdão. O vício cometido por juiz que

Cabimento da Rescisória

I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;

III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as

partes, a fim de fraudar a lei;

IV - ofender a coisa julgada;

V - violar manifestamente norma jurídica;

VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou

venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;

VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja

existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar

pronunciamento favorável;

VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos

Art. 966

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38

prática de um destes crimes, poderá ser instruída a rescisória com repercussão cível apenas,

qual seja, a rescisão da decisão. Obviamente que há repercussão criminal, incorrendo as

seguintes hipóteses:

(a) Concomitância da ação penal com a rescisória: em que se aplica (ria) o art. 315 do

CPC, qual seja, o sobrestamento da rescisória até o deslinde da ação penal. Nery e

Barbosa Moreira aduzem que é uma faculdade do juízo cível.

(b) Decisão penal transitada em julgado: neste caso, há a vinculação da decisão penal

no âmbito cível se houve a condenação do juiz, ante os efeitos positivos da coisa

julgada. Entretanto, se houve absolvição do juiz, dependerá do fundamento: (i) se

for a inexistência de crime do acusado, a decisão é vinculante; (ii) outro motivo para

a absolvição penal, que não a inexistência do crime, não há a vinculação.92

4.1.4.2. Impedimento do juiz e incompetência absoluta do juízo

Quando o CPC aduz sobre a parcialidade do magistrado, há a previsão das hipóteses de

suspeição (art. 145) e de impedimento (art. 144). Contudo, pelo artigo 966, o que acarreta a

rescindibilidade do julgado é apenas o impedimento. O STJ, no AgRg no REsp n. 968.523/GO,

aduziu que só cabe rescisória, se o voto a ser considerado influenciar no resultado. Assim, se

estivermos diante de um 3 x 0, não há interferência no resultado do processo, ao passo que,

se for um 2 x 1, será possível. Mas a decisão do STJ ignorou o poder de influência dos

magistrados entre eles, especialmente se for o relator.93

Nos casos de Incompetência absoluta, se prolatada a decisão por juízo absolutamente

incompetente, será rescindível a decisão. Não há que se falar em rescisória em casos de

incompetência relativa.

4.1.4.3. Dolo da parte vencedora ou colusão entre as partes

votou vencido não enseja rescisória, porque o ato do magistrado não teve nenhuma influência no julgamento” (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao CPC, 2016, comentário ao artigo 966, n. I.25). 92 Como a prescrição penal, que só evita a punibilidade no âmbito penal, mas não a produção de efeitos no cível. 93 Crítica feita por NEVES, Daniel. Manual..., 2018.

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39

A interpretação do inciso III não é restritiva. Parte é autor e réu e eventuais terceiros

intervenientes. No presente caso, se, também, eventual representante legal agir com dolo,

assim com o seu advogado, admite-se a rescindibilidade. Entretanto, deve-se demonstrar o

nexo de causalidade entre conduta e o resultado do processo. O nexo de causalidade é

demonstrável:

(a) Por intermédio da influência na formação do convencimento do juiz.

(b) Nem sempre é possível demonstrar a correlação acima descrita, mas é possível

vislumbrar que o dolo prejudicou a ampla defesa pela parte vencida.

Fala-se, ainda, em colusão entre as partes94, que é o consenso entre as partes para

ofender a Lei ou terceiro. No dolo, uma parte visa prejudicar a outra. Na colusão, ambas visam

prejudicar terceiro ou a Lei. O processo simulado é o que cria, fictamente uma situação para

prejudicar a outrem.

Ressaltam Marinoni-Arenhart-Mitidiero que o [atual] art. 966, III, CPC, permite a

rescisão da coisa julgada se a decisão resultou de dolo da parte vencedora em detrimento da

parte vencida. Evidentemente, trata-se de dolo processual – não se trata de dolo material (STJ,

1.ª Seção, AR 98/RJ, rel. Min. Adhemar Maciel, j. 28.11.1989, DJ 05.03.1990, p. 1.394). Há dolo

processual quando a parte vencedora age de má-fé no processo (arts. 5.º, 77 e 80, CPC). Para

que a coisa julgada seja rescindida, é necessário que exista nexo de causalidade entre o

comportamento doloso da parte e o pronunciamento jurisdicional. Vale dizer: a litigância de

má-fé deve ter desempenhado papel decisivo na formação do convencimento judicial”.95

4.1.4.4. Ofensa à coisa julgada

94 CPC de 2015, Art. 142. Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé. 95 MARINONI-ARENHART-MITIDIERO, CPC Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, comentário ao artigo 966.

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40

Esta hipótese de cabimento da rescisória se baseia em decisão que ofende a coisa

julgada material e que esta decisão, ofensiva, transitou em julgado. Temos duas coisas

julgadas sobrepostas. Temos uma decisão transitada em julgado e uma segunda decisão, que

vai contra a primeira. O ponto é: se não alegada a ofensa à coisa julgada em dois anos, que é

o prazo da rescisória, haverá a coisa julgada soberana e, assim sendo, consolidará a segunda

coisa julgada em detrimento da primeira e não poderá ser rediscutida.

4.1.4.5. Violar literal disposição de lei

O CPC de 2015 fala em manifesta violação à norma jurídica. No código anterior, o

correspondente à esta previsão falava em violação de Lei (norma legal), de modo que o

princípio não previsto em norma legal também poderia ser objeto de rescisão. No atual código

fala em norma jurídica, abarcando, portanto, norma constitucional ou legal, de direito

material ou processual, de direito estrangeiro ou nacional. Consagrou, ainda, a possibilidade

de alegar violação de princípio, que era posicionamento doutrinário.96

Interessante observar que não há a previsão de súmula vinculante, mas corrente

doutrinária capitaneada por Nelson Nery e Teresa Arruda Alvim, que aduzem que, por ser uma

“norma interpretada pelo STF”, a sua ofensa seria grave, daí defenderem seu cabimento. O

STJ, no info n° 60097, admitiu o cabimento de rescisória no caso de violação de precedente

vinculante. A contrario sensu, não é cabível em caso de precedente persuasivo.

O artigo 966, nos parágrafos 5º e 6º, tipifica o âmbito de incidência do inciso V, ao dizer

que a decisão que desconsidera a distinção no caso concreto, ou seja, contra decisão baseada

em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não

tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão

decisório que lhe deu fundamento. Nesta hipótese, o juiz decidiu conforme o precendente

vinculante ou a súmula, mas não deveria, pois havia um distinguishing. Este é o âmbito de

cabimento da rescisória.

96 Especialmente Nelson e Rosa Nery, Comentários ao CPC, 2016. 97 STJ - REsp. 1.655.722/SC.

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41

Se arguir este fundamento, há o ônus argumentativo de demonstrar a aplicação do

precedente ou súmula e aventar que há um distinguishing no caso rescindendo.

4.1.4.6. Falsidade probatória

Luiz Dellore enaltece que “admite-se AR [ação rescisória] se a decisão de mérito que deu

origem à coisa julgada estiver fundada em prova falsa – seja prova falsa apurada em processo

crime ou mesmo demonstrada na própria rescisória”.98

Explicam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery que “quando a sentença rescindenda puder

subsistir por outro motivo, mesmo com a verificação de que se fundou em prova falsa

(material ou ideológica), não há ensejo para sua rescisão. A prova da falsidade pode ser feita

na própria rescisória ou ter sido declarada em processo criminal ou civil, desde que a

declaração de falsidade tenha sido reconhecida por sentença entre as mesmas partes e

acobertada pela autoridade da coisa julgada, o que pode ocorrer em ação declaratória

autônoma (CPC 19 II), em ação declaratória incidental (CPC 20) ou em arguição de falsidade

(CPC 430).99

4.1.4.7. Prova nova

O inciso VII do artigo 966 ressalta que “depois da sentença, o autor obtiver documento

novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de ihe assegurar

pronunciamento favorável”.

Segundo Marinoni-Arenhart-Mitidiero, “prova nova é aquele cuja ciência é nova ou cujo

alcance é novo. O novo Código fala em prova nova e não mais em documento novo. Isso quer

dizer que não só a prova documental nova dá azo à ação rescisória. Outras espécies de prova,

desde que novas, podem suportar a propositura da ação rescisória. Prova nova é aquela

preexistente ao processo cuja decisão se procura rescindir. Não é prova nova aquela que se

98 DELLORE, Luiz. Execução e Recursos - Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 06/2017, p. 774. 99 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao CPC, 2016, comentário ao artigo 966, n. VI.47.

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formou após o trânsito em julgado da decisão (STJ, 3.ª Seção, AR 451/SP, rel. Min. Hélio

Quaglia Barbosa, j. 11.05.2005, DJ 27.06.2005, p. 221). Além de ser prova de ciência nova ou

alcance novo, a prova deve ser capaz por si só de alterar o resultado do julgamento

rescindendo, assegurando ao demandante decisão favorável (STJ, 1.ª Turma, REsp

906.740/MT, rel. Min. Francisco Falcão, j. 06.09.2007, DJ 11.10.2007, p. 314)”.100

Humberto Theodoro Jr. explica que “o art. 966, VII, do novo CPC consolidou e ampliou a

tendência jurisprudencial, prevendo o cabimento da rescisória, não mais com fundamento

em documento novo, mas em prova nova, que seja capaz, por si só, de reverter o julgamento

anterior. Qualquer prova, portanto, inclusive a testemunhal, pode ser utilizada para tal fim. O

que importa é a força de convencimento do novo elemento probatório, diante da qual seria

injusta a manutenção do resultado a que chegou a sentença”.101

4.1.4.8. Erro de fato

O Inciso IX do artigo 966 permite a rescisão da sentença “fundada em erro de fato,

resultante de atos ou de documentos da causa”. Ante este fundamento, deve “a coisa julgada

seja rescindível por erro de fato é imprescindível que exista nexo de causalidade entre o erro

apontado pelo demandante e o resultado da sentença (STJ, 1ª Seção, AR 4.264/CE, rel. Min.

Humberto Martins, j. 27.04.2013, DJe 02.05.2016). Há erro de fato quando a sentença admitir

um fato inexistente ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido (art.

966, § 1.º, CPC)”.102

Assim, há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando

considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos,

que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado.

Nas hipóteses previstas acima, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora

não seja de mérito, impeça:

100 MARINONI-ARENHART-MITIDIERO, CPC Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, comentário ao artigo 966. 101 THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v. III, n. 662. 102 MARINONI-ARENHART-MITIDIERO, CPC Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, comentário ao artigo 966.

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43

(I). Nova propositura da demanda; ou

(II). Admissibilidade do recurso correspondente.

A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão. Os atos de

disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e

homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução,

estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.

Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão

baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos

que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e

o padrão decisório que lhe deu fundamento.

Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor,

sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada

por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução

jurídica.

4.1.5. Legitimidade

Têm legitimidade para propor a ação rescisória103:

103 CPC de 2015, Art. 967.

Legitimidade para propor a rescisória

I - quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal

ou singular;

II - o terceiro juridicamente interessado;

III - o Ministério Público:

se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a

intervenção;

quando a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de

fraudar a lei;

em outros casos em que se imponha sua atuação;

IV - aquele que não foi ouvido no processo em que lhe era

obrigatória a intervenção.

Art. 967

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Nas hipóteses do art. 178, o Ministério Público será intimado para intervir como fiscal da

ordem jurídica quando não for parte.104

4.1.6. Procedimento

A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art. 319,

devendo o autor105:

• Cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento do processo;

• Depositar a importância de cinco por cento sobre o valor da causa, que se

converterá em multa caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada

inadmissível ou improcedente;

Esta é uma condição específica de admissibilidade da rescisória, de modo que, em não

sendo cumprida pelo proponente, importará no indeferimento da ação. Tal dispositivo é

inaplicável à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, às suas respectivas

autarquias e fundações de direito público, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e aos

que tenham obtido o benefício de gratuidade da justiça. Importante ressaltar que o depósito

acima referido tem um teto, não será superior a 1.000 (mil) salários-mínimos.

Além dos casos previstos no art. 330, a petição inicial será indeferida quando não

efetuado o depósito acima descrito. Aplica-se à ação rescisória o disposto no art. 332.

Reconhecida a incompetência do tribunal para julgar a ação rescisória, o autor será intimado

para emendar a petição inicial, a fim de adequar o objeto da ação rescisória, quando a decisão

apontada como rescindenda:

• Não tiver apreciado o mérito e não se enquadrar na situação prevista no § 2o do

art. 966;

• Tiver sido substituída por decisão posterior.

104 CPC de 2015, Parágrafo único do art. 967. 105 CPC de 2015, Art. 968.

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Na hipótese do § 5o, após a emenda da petição inicial, será permitido ao réu

complementar os fundamentos de defesa, e, em seguida, os autos serão remetidos ao tribunal

competente. A propositura da ação rescisória não impede o cumprimento da decisão

rescindenda, ressalvada a concessão de tutela provisória106.

O relator ordenará a citação do réu, designando-lhe prazo nunca inferior a 15 (quinze)

dias nem superior a 30 (trinta) dias para, querendo, apresentar resposta, ao fim do qual, com

ou sem contestação, observar-se-á, no que couber, o procedimento comum.107

Na ação rescisória, devolvidos os autos pelo relator, a secretaria do tribunal expedirá

cópias do relatório e as distribuirá entre os juízes que compuserem o órgão competente para

o julgamento.108 A escolha de relator recairá, sempre que possível, em juiz que não haja

participado do julgamento rescindendo.109

Se os fatos alegados pelas partes dependerem de prova, o relator poderá delegar a

competência ao órgão que proferiu a decisão rescindenda, fixando prazo de 1 (um) a 3 (três)

meses para a devolução dos autos.110

Concluída a instrução, será aberta vista ao autor e ao réu para razões finais,

sucessivamente, pelo prazo de 10 (dez) dias.111

Parágrafo único. Em seguida, os autos serão conclusos ao relator, procedendo-se ao

julgamento pelo órgão competente. Julgando procedente o pedido, o tribunal rescindirá a

decisão, proferirá, se for o caso, novo julgamento e determinará a restituição do depósito a

que se refere o inciso II do art. 968.112

Considerando, por unanimidade, inadmissível ou improcedente o pedido, o tribunal

determinará a reversão, em favor do réu, da importância do depósito, sem prejuízo do

disposto no § 2o do art. 82.113

106 CPC de 2015, Art. 969. 107 CPC de 2015, Art. 970. 108 CPC de 2015, Art. 971. 109 CPC de 2015, Art. 971, Parágrafo único. 110 CPC de 2015, Art. 972. 111 CPC de 2015, Art. 973. 112 CPC de 2015, Art. 974. 113 CPC de 2015, Art. 974, Parágrafo único.

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O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da

última decisão proferida no processo.114 Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente

subsequente o prazo de dois anos, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados

ou em dia em que não houver expediente forense.

Se fundada a ação em prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso,

capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável após o trânsito em julgado, o

termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo

de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

Nas hipóteses de simulação ou de colusão das partes, o prazo começa a contar, para o

terceiro prejudicado e para o Ministério Público, que não interveio no processo, a partir do

momento em que têm ciência da simulação ou da colusão.

4.2. RECLAMAÇÃO

4.2.1. Conceito

Com previsão constitucional (arts. 102, I, “l”, e 105, I, “f”), a Reclamação é considerada

um “remédio processual” que “se presta a aparelhar a parte com um mecanismo processual

adequado para denunciar àquelas Cortes Superiores atos ou decisões ofensivos à sua

competência ou à autoridade de suas decisões”.115

Ressaltam Marinoni-Arenhart-Mitidiero que “a reclamação é uma ação que visa a

preservar a competência de tribunal, garantir a autoridade das decisões de tribunal e garantir

a eficácia dos precedentes das Cortes Supremas e da jurisprudência vinculante das Cortes de

Justiça (art. 988, CPC). Diante do direito anterior, a Constituição permitia reclamação apenas

diante das Cortes Supremas. O Supremo Tribunal Federal entendeu ainda que era cabível a

reclamação diante dos Tribunais de Justiça, desde que as respectivas Constituições estaduais

assim o permitissem. O novo Código permite a reclamação para preservação da competência

114 CPC de 2015, Art. 975. 115 Cf. THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil..., v. III, 2016, n. 711.

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e para garantir a autoridade da decisão de “qualquer tribunal” (art. 988, § 1.º, CPC). Vale dizer:

permite também reclamação diante dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais

Federais”.116

4.2.2. Cabimento

O propósito do cabimento é a da preservação da autoridade ou competência dos

Tribunais. Explicam Marinoni-Arenhart-Mitidiero que “cabe reclamação sempre que se

vislumbrar a usurpação de competência de tribunal, a violação de autoridade de decisão, a

ofensa à autoridade de precedentes das Cortes Supremas (desde que esgotadas as instâncias

ordinárias, art. 988, § 5.º, II, CPC) e de jurisprudência vinculante. Rigorosamente, a reclamação

constitui instrumento de tutela da decisão do caso concreto. Dito de outro modo: ela não deve

ser vista como meio de tutela do precedente ou da jurisprudência vinculante. Isso porque

semelhante modo de ver o seu papel pode ocasionar o fenômeno inverso àquele que se

pretende evitar com a instituição de filtros recursais: o abarrotamento do Supremo Tribunal

Federal e do Superior Tribunal de Justiça com reclamações que, per saltum, visam a outorgar

força ao precedente”.117

Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para118:

(I) Preservar a competência do tribunal: não apenas o STF ou STJ, mas qualquer

tribunal está abrangido por esta possibilidade.

(II) Garantir a autoridade das decisões do tribunal: conforme Lenio Streck, “isto

quer dizer, antes de tudo, que é vedado à Corte efetuar revisão da decisão judicial

ou do ato administrativo impugnado (vale dizer, não se pode alterar o conteúdo

da decisão ou do ato objeto da reclamação). Apenas lhe é permitido cassar a

decisão judicial ou anular o ato administrativo e, ainda, a depender do caso,

determinar medida adequada à solução da controvérsia (art. 992, CPC). Ao

contrário da reclamação constitucional, o instituto de que trata o CPC não poderá

116 MARINONI-ARENHART-MITIDIERO, Comentários..., 2017, comentário ao artigo 988. 117 MARINONI-ARENHART-MITIDIERO, Comentários..., 2017, comentário ao artigo 988. 118 CPC de 2015, Art. 988.

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ser manejado de ofício ou com caráter avocatório. Como já afirmado, são as

partes, o assistente litisconsorcial em processo prévio ou o MP que devem

intentar a ação”.119

(III) Garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do

Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade:120

compreende a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos

que a ela correspondam.

(IV) Garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de

resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de

competência: igualmente, compreende a aplicação indevida da tese jurídica e

sua não aplicação aos casos que a ela correspondam.

A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete

ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda

garantir.

Elucidam Marinoni-Arenhart-Mitidiero que “o art. 988, § 5.º, II, CPC, condiciona o

cabimento da reclamação para as Cortes Supremas, em certas hipóteses, ao esgotamento das

instâncias ordinárias. Isso se presta para evitar o acionamento das Cortes Supremas

desnecessariamente e per saltum. Excepcionalmente, porém, poderá o STF ou o STJ – diante

da urgência de sua intervenção, da gravidade do caso e da inviabilidade do prévio

esgotamento das vias ordinárias – relevar esse requisito e conhecer diretamente da

reclamação. Na vigência do CPC/1973, as Cortes Supremas em várias oportunidades

reconheceram a necessidade de examinar diretamente pedidos de efeito suspensivo ou de

antecipação de tutela recursal, sem que se houvesse ainda esgotado o papel das instâncias

ordinárias. A mesma lógica deve ser aqui aplicada, de modo a permitir excepcionalmente a

superação da exigência contida no art. 988, § 5.º, II, CPC”.121

A reclamação deverá ser instruída com prova documental e dirigida ao presidente do

tribunal. Assim que recebida, a reclamação será autuada e distribuída ao relator do processo

principal, sempre que possível. É inadmissível a reclamação:

119 STRECK, Lenio. Comentários ao CPC..., 2017, comentário ao art. 988. 120 Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016 121 MARINONI-ARENHART-MITIDIERO, Comentários..., 2017, comentário ao artigo 988.

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(I) Proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada;

(II) Proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com

repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de

recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as

instâncias ordinárias.

A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida

pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação. Ao despachar a reclamação, o relator122:

(I) Requisitará informações da autoridade a quem for imputada a prática do ato

impugnado, que as prestará no prazo de 10 (dez) dias;

(II) Se necessário, ordenará a suspensão do processo ou do ato impugnado para

evitar dano irreparável;

(III) Determinará a citação do beneficiário da decisão impugnada, que terá prazo de

15 (quinze) dias para apresentar a sua contestação.

Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante.123 Explicam Wambier-

Conceição-Ribeiro-Mello que “tem legitimidade ativa aquele que sofreu prejuízo (ou que

alega ter sofrido prejuízo) em decorrência da decisão que usurpou a competência do Tribunal

e decidiu de modo que lhe seja prejudicial”.124 Na reclamação que não houver formulado, o

Ministério Público terá vista do processo por 5 (cinco) dias, após o decurso do prazo para

informações e para o oferecimento da contestação pelo beneficiário do ato impugnado.125

Julgando procedente a reclamação, o tribunal cassará a decisão exorbitante de seu

julgado ou determinará medida adequada à solução da controvérsia.126 O presidente do

tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão

posteriormente.127

122 CPC de 2015, Art. 989. 123 CPC de 2015, Art. 990. 124 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de; Primeiros comentários ao NCPC..., 2ª ed., 2016. 125 CPC de 2015, Art. 991. 126 CPC de 2015, Art. 992. 127 CPC de 2015, Art. 993.

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4.3. HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA E DA CONCESSÃO DO

EXEQUATUR À CARTA ROGATÓRIA | Art. 960 e ss.

4.3.1. Contexto

É possível que uma decisão proferida no estrangeiro produza efeitos no Brasil. Para

tanto, é imprescindível o desenvolvimento de um procedimento próprio no STJ. Marinoni-

Mitidiero elucidam que “o processo de homologação de sentença estrangeira visa a aferir a

possibilidade de decisões estrangeiras produzirem efeitos dentro da ordem jurídica

nacional”.128

Segundo Mazzuoli, “homologar significa tornar a sentença estrangeira semelhante (em

seus efeitos) às sentenças aqui proferidas, utilizando-se como parâmetro as decisões do

Judiciário pátrio. Trata-se, portanto, de ato formal que recepciona a sentença alienígena na

ordem jurídica nacional, apoiado, contudo, em mero juízo delibatório, pelo qual não se analisa

in foro domestico senão o preenchimento dos requisitos formais previstos tanto no CPC (art.

963) como na LINDB (art. 15)”.129

4.3.2. Cabimento

Parte-se do pressuposto que há uma decisão estrangeira e busca-se a geração de efeitos

no Brasil. A pretensão é a de produção de efeitos no Brasil. Quando se fala em efeitos, pode

ser executivos ou não, pois podem ser declaratórios, constitutivos... Conforme o objeto do

processo no exterior. Para a produção de efeitos no Brasil, imprescindível a homologação da

decisão junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Esclarece Mazzuoli que “trata-se da aplicação do sistema de delibazione do direito

italiano pós-1942 (hoje alterado pela Lei de Reforma de 1995, que reintroduziu na Itália o

sistema de eficácia automática das sentenças estrangeiras, guardadas certas condições).

128 MARINONI-MITIDIERO. Comentários ao CPC, tomo XV, São Paulo: RT, 2016, Comentário ao artigo 960. 129 MAZZUOLI, Valerio Oliveira. Curso de Direito Internacional Privado, 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 245.

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Somente após a homologação pelo STJ – a qual poderá, inclusive, ser parcial – é que terá a

sentença estrangeira eficácia no Brasil (CPC, art. 961, caput e § 2º). Havendo, porém, tratado

internacional entre o Brasil e o Estado de onde proveio a sentença, não há dúvida que a

convenção entre as partes prevalecerá às leis nacionais, podendo, v.g., dispensar a

homologação nacional e prever a aplicação direta das decisões respectivas em ambos os

territórios”.130

O artigo 960, caput, do CPC, aduz que se houver previsão expressa em tratado, é possível

a dispensa da homologação. No caso do divórcio consensual, dispensa-se a homologação da

decisão, gerando efeitos no Brasil independentemente do pronunciamento do STJ (art. 961, §

5º). Nesta hipótese, faz-se a tradução juramentada e averba no cartório e, caso queira discutir

algum vício formal, deverá ser feito via ação ordinária em 1ª instância.

O STJ diferencia divórcio simples do qualificado. Este, além do divórcio, abrangeria

outros temas, como a guarda, alimentos, direito de visita. Aquele, versa apenas sobre o

divórcio, sem outras incidências. Assim sendo, estando diante do divórcio qualificado, o STJ

entende que deverá ser feita a homologação no tribunal.131

Não se fala mais em sentença estrangeira, mas exige-se que seja uma decisão final. Em

se tratando de decisão interlocutória estrangeira, a mesma será executada via carta rogatória,

que enseja a expedição do exequatur, via controle do STJ. Este não homologará a decisão

interlocutória, mas controlará os requisitos de admissibilidade e, se positivos, expedir-se-á o

130 MAZZUOLI, Valerio Oliveira. Curso de Direito Internacional Privado, 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 245. 131 STJ – Corte Especial (CE) – Homologação de Sentença Estrangeira (SEC) N. 14.525/EX, citado por NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual..., 2018.

Divórcio

Simples

Abrange apenas o divórcio

Não precisa ser homologada no STJ

Qualificado

Que abrange

Divórcio

Guarda

Visita

Alimentos

Partilha

Precisa ser homologado pelo STJ

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exequatur, que é a ordem de cumprimento da interlocutória, como uma instrução probatória,

uma decisão de urgência.

O regimento interno do STJ admite a homologação de decisão estrangeira de natureza

administrativa, que no Brasil teria natureza jurisdicional. Em se tratando de sentença arbitral,

igualmente há a necessidade de homologação.

4.3.3. Requisitos para a homologação

Os requisitos exigidos são para a homologação e para a expedição do exequatur. No

artigo 963 temos a exposição deles.

(a) Que a decisão seja proferida pela autoridade competente: a preocupação é com o

artigo 964, caput, que aduz que há matérias de competência exclusiva do juízo

brasileiro e, assim sendo, não há que se homologar decisão que invada tal

competência.132 Casos assim, se ocorrer no exterior, não produzirá efeitos no Brasil.

(b) Ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia;

(c) Ser eficaz no país em que foi proferida;

(d) Não ofender a coisa julgada brasileira;

(e) Estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista

em tratado;

(f) Não conter manifesta ofensa à ordem pública: ressalta Nadia Araújo que “na grande

maioria das vezes os pedidos provenientes do exterior são deferidos e há poucos

casos de indeferimento por contrariedade à ordem pública. Não obstante, como

esse é o único caminho que permite a discussão, ainda que de forma tangencial, do

mérito da causa, as partes sempre procuram desenvolver essa linha de

132 Como ações reais imobiliárias, partilha de bens no Brasil...

INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL CIVIL | PROCEDIMENTO NOS TRIBUNAIS | MURILLO SAPIA GUTIER

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argumentação para evitar o cumprimento de medidas e sentenças provenientes do

exterior que considerem desfavoráveis”.133-134

A homologação de decisão estrangeira será requerida por ação de homologação de

decisão estrangeira, salvo disposição especial em sentido contrário prevista em tratado.135 A

decisão interlocutória estrangeira poderá ser executada no Brasil por meio de carta rogatória.

A homologação obedecerá ao que dispuserem os tratados em vigor no Brasil e o

Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. A homologação de decisão arbitral

estrangeira obedecerá ao disposto em tratado e em lei, aplicando-se, subsidiariamente, as

disposições deste Capítulo.

A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença

estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido

contrário de lei ou tratado.136 É passível de homologação a decisão judicial definitiva, bem

como a decisão não judicial que, pela lei brasileira, teria natureza jurisdicional. A decisão

estrangeira poderá ser homologada parcialmente, se for o caso de preencher apenas uma

parte dos requisitos.

A autoridade judiciária brasileira poderá deferir pedidos de urgência e realizar atos de

execução provisória no processo de homologação de decisão estrangeira. Haverá

133 Ressalta Nadia Araújo que “Com efeito, vários pedidos de homologação de divórcios realizados no exterior – que eram indeferidos no passado, por serem contrários à ordem pública brasileira de então – passaram a ser deferidos após a Lei do Divórcio e da Separação Judicial (Lei 6.515/1977). Em matéria de cartas rogatórias, há outro exemplo que se destaca: o STF considerava contrária à ordem pública a concessão de exequatur em medidas de caráter executório. Em seguida, passou a aceitar sua concessão nos casos em que o Brasil fosse signatário de convenção que contasse com permissão nesse sentido, abrandando-se, portanto, a posição anteriormente adotada. Com a EC 45/2004, o STJ passou a adotar uma nova postura nessa hipótese, a partir da permissão do art. 7º da Resolução 9/2005, do STJ, e a concessão de medidas de caráter executório não é mais considerada como sendo contrária à ordem pública” (ARAÚJO, Nádia. Direito Internacional Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, n. 7.2.3). 134 Nadia Araújo ressalta que “a análise da jurisprudência dos últimos 10 anos do STJ demonstra que essa corte seguiu a orientação do STF. Para um caso ainda sob a questão relativa à citação para dívida de jogo contraída no exterior, o exequatur foi concedido por não ofender a soberania nacional ou a ordem pública a citação de pessoa aqui domiciliada para responder a ação de cobrança de uma dívida de jogo, contraída em país estrangeiro no qual essa atividade é lícita. Na verdade, a origem desse agravo era uma carta rogatória do STF, justamente na qual o Min. Marco Aurélio havia deferido o pedido e a parte, inconformada, manejado o agravo. Esse recurso só veio a ser apreciado pelo STJ em 2008, por força da transferência dessas ações na esteira da EC 45/2004. No seu voto, o Min. Humberto Gomes de Barros relata essa situação e o voto do Min. Marco Aurélio. Acrescenta, ainda, uma ponderação importante: que não cabe ao STJ imiscuir-se no mérito da ação, mas apenas “que o ato rogado seja passível de cumprimento em nosso território, sem violação à soberania nacional e à ordem pública” (ARAÚJO, Nádia. Direito Internacional Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, n. 7.2.3). 135 CPC de 2015, Art. 960. 136 CPC de 2015, Art. 961.

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homologação de decisão estrangeira para fins de execução fiscal quando prevista em tratado

ou em promessa de reciprocidade apresentada à autoridade brasileira.

A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil,

independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesta hipótese,

competirá a qualquer juiz examinar a validade da decisão, em caráter principal ou incidental,

quando essa questão for suscitada em processo de sua competência.

Medida de urgência: É passível de execução a decisão estrangeira concessiva de medida

de urgência.137 A execução no Brasil de decisão interlocutória estrangeira concessiva de

medida de urgência dar-se-á por carta rogatória. A medida de urgência concedida sem

audiência do réu poderá ser executada, desde que garantido o contraditório em momento

posterior. O juízo sobre a urgência da medida compete exclusivamente à autoridade

jurisdicional prolatora da decisão estrangeira.

Quando dispensada a homologação para que a sentença estrangeira produza efeitos no

Brasil, a decisão concessiva de medida de urgência dependerá, para produzir efeitos, de ter

sua validade expressamente reconhecida pelo juiz competente para dar-lhe cumprimento,

dispensada a homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.

Exequatur, grosso modo, significa autorização para execução, que no presente caso se

dá nas cartas rogatórias.138-139 Para a concessão do exequatur às cartas rogatórias, observar-

137 CPC de 2015, Art. 962. 138 Como é o caso de oitiva de testemunhas, quebra de sigilo bancário, intimação, citação... O STF, quando tinha competência constitucional para tanto (até 2004), não admitia arresto ou penhora de bens (a EC 45/04 transferiu a competência para o STJ). Explica Nadia Araújo que “O STJ modificou essa posição ao incluir permissão expressa nesse sentido na Resolução 9/2005, que estatuiu: “As cartas rogatórias podem ter por objeto atos decisórios ou não decisórios”. Referida previsão foi mantida no Regimento Interno do STJ, e incluída no CPC de 2015. São de vários tipos os casos que se apresentam no STJ, sendo os mais relevantes os atinentes a busca e apreensão de menores, informações referentes ao sigilo bancário e penhora de bens. A penhora de bens é uma hipótese em que o pedido teria dificuldade de ser transformado em homologação de sentença estrangeira, porque na maior parte das vezes é uma medida de caráter liminar. Um pedido interessante foi o proveniente da Argentina para penhorar os proventos de um devedor de ação de alimentos. O STJ considerou que a hipótese estava amparada não só no Protocolo de Medidas Cautelares, como na Convenção de Nova York sobre Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, e o pedido foi deferido” (Direito Internacional Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018). 139 Nadia Araújo (in Direito Internacional Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018) explica que “na CR 3.723/DE (STJ, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 21.09.2009), na qual restou impedida a concessão do exequatur para interrogatório de menor brasileiro, em vista de sua inimputabilidade penal no Brasil. Veja-se, ainda, SEC 10.411/EX (STJ, rel. Min. Og Fernandes, DJe 16.12.2014), em que a homologação de sentença estrangeira de divórcio proveniente dos EUA foi deferida parcialmente, afastada a parte relacionada à guarda de menor, por ofensa à ordem pública brasileira, e SEC 6.485/EX (STJ, rel. Min. Gilson Dipp, DJe 23.09.2014), em que a homologação de sentença estrangeira de divórcio, também proveniente dos EUA, foi deferida parcialmente, afastada a parte relacionada à guarda e alimentos de menor, por já ter sido objeto de decisão proferida pelo Poder Judiciário brasileiro. Um último caso em que o STJ se refere à violação à soberania nacional diz respeito ao indeferimento de uma carta rogatória para citar a União e os interessados em uma ação de indenização em curso no Paraguai por danos decorrentes de ato jurisdicional lícito praticado pela Justiça brasileira (STJ, CR 6.496/PY, rel. Min. Felix Fischer, DJe 04.12.2012)”.

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se-ão os pressupostos previstos no caput deste artigo e no art. 962, § 2o.140 Marinoni-

Mitidiero explicam que “além dos requisitos constantes nos arts. 963, CPC, e 216-P,

Regimento Interno do STJ (respeito à soberania nacional, à dignidade da pessoa humana e à

ordem pública), a concessão de exequatur depende de o contraditório ser em qualquer caso

garantido perante o juízo estrangeiro (art. 963, parágrafo único, CPC). Não é necessário que o

contraditório seja prévio: interessa apenas que a parte tenha a oportunidade de discutir a

questão, querendo, perante a jurisdição estrangeira. Vale dizer: tanto a possibilidade de

contraditório diferido como de contraditório eventual atendem ao art. 962, § 2.º, CPC”.141

Não será homologada a decisão estrangeira na hipótese de competência exclusiva da

autoridade judiciária brasileira.142 O dispositivo também se aplica à concessão do exequatur à

carta rogatória.

O cumprimento de decisão estrangeira far-se-á perante o juízo federal competente, a

requerimento da parte, conforme as normas estabelecidas para o cumprimento de decisão

nacional.143 O pedido de execução deverá ser instruído com cópia autenticada da decisão

homologatória ou do exequatur, conforme o caso.144

140 CPC de 2015, Art. 963, Parágrafo único. 141 MARINONI-MITIDIERO. Comentários ao CPC, tomo XV, São Paulo: RT, 2016, Comentário ao artigo 960. 142 CPC de 2015, Art. 964. 143 CPC de 2015, Art. 965. 144 CPC de 2015, Art. 965, Parágrafo único.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) ABELHA, Marcelo. Manual de Direito Processual Civil, 6ª edição. Rio de Janeiro:

Forense, 2016.

(2) CABRAL; Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coordenação). Comentários ao novo

Código de Processo Civil – Rio de Janeiro: Forense, 2015.

(3) CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2017.

(4) DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil

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(5) DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; Curso de Direito

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(7) GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil - Recursos e Processos da Competência

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(9) MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Código de

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(10) MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Curso de

Processo Civil: Processo de Conhecimento – v.2. – São Paulo: RT, 2016.

(11) MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de

Processo Civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015.

(12) MEDINA, José Miguel Garcia. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:

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(13) MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de Direito Processual Civil Moderno. 3ª ed. São

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(14) MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de Direito Processual Civil. 3ª ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2017.

(15) MITIDIERO, Daniel, Cortes Superiores e Cortes Supremas - do Controle à Interpretação,

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(17) NERY JR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado.

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(18) NERY JR. Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado.

9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

(19) NERY Jr., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

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(20) NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador:

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(21) NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC Comentado. Salvador: Editora JusPodivm,

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(22) NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de direito processual civil. Salvador: Ed.

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(23) OLIVEIRA, Pedro Miranda. Novíssimo sistema recursal: conforme o CPC de 2015. 2ª ed.

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(24) RODRIGUES, Marco Antonio. Manual dos Recursos - Ação Rescisória e Reclamação. São

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(25) THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Vol. III, 47ª edição. Rio de

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(26) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coordenadora). Direito jurisprudencial. São Paulo:

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(27) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et. Alii (coord.) Breves comentários ao Novo Código de

Processo Civil. Coordenadores: Teresa Arruda Alvim Wambier; Frédie Didier Jr.; Eduardo

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(28) WAMBIER-CONCEIÇÃO-RIBEIRO-MELLO. Primeiros comentários ao Novo Código de

Processo Civil: artigo por artigo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

(29) ARRUDA ALVIM, Novo contencioso cível. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

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