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Da Olivetti internet. / Laudelino Jos Sarda, Organizador. Tubaro: Ed. Unisul, 2007. 156 p. Elaborada pela Biblioteca Universitria da UNISUL. A mquina que permitia pensar O jornalismo no pode transformar-se em rodovia de mentiras, sob pena de perder fora contra os obstculos da veracidade dos fatos. E, neste terceiro milnio, estamos a nos curvar observao de Voltaire, do sculo XVIII, de que muitos jornais tm sido arquivos de futilidades. No sabemos como interpretar, ao certo, o papel que exercemos nesta constelao de fontes e de informaes, as quais s procuram alicerar desejos, ambies, hipocrisias e os jogos polticos que distanciam igualdades. Mas uma coisa certa: o jornalismo se desencontrou na sua verdade, em seu papel, que ainda faz parte das leis naturais do ser humano. Os jovens dos anos 70 e 80 retornam com suas experincias vividas para mostrar, neste novo sculo, o quanto foi importante agir com destemor, sobretudo sem autocensura, para sobrepor-se ao mundo artificial criado pela ideologia do consumo e das aparncias. As mquinas do passado no nos impediam de pensar e enxergar a realidade no mundo efetivamente real. Por isso o jornalismo alicerava- se na realidade, na convico de lutar pela igualdade e felicidade humana. A Olivetti era uma simples ferramenta para datilografar o pensamento do jornalista. Hoje, o computador o acesso ao mundo; a forma de arrumar e, quem sabe, embaralhar pensamento, aglutinar exemplos e no ter tempo para consultar o passado e nem pensar no futuro. Ser que estamos preocupados com a histria? Estamos fazendo histria, ou o descartvel no cria limo? No se pode definir se as trs ltimas dcadas eram melhores. E estamos com dificuldades de prever como ser o jornalismo do amanh. S sabemos do risco de perdermos a dimenso do carter, se a informao no encontrar meios capazes de intensificar e estabelecer como paradigmas os valores indispensveis construo de uma sociedade ainda mais humana. Laudelino Jos Sard Organizador

Histria, censura, jornalismo e internet Esse livro foi se constituindo aos poucos numa grata surpresa. Imaginado para documentar a transio tecnolgica acontecida nas redaes dos jornais nos ltimos trinta anos, e tambm as mudanas nos estilos e formas de produo da informao, logo transformou-se num documento social de inestimvel valor. Reunindo depoimentos de 22 experientes jornalistas de SC, Da Olivelti Internet se constitui, igualmente, num retrato poltico do Brasil da dcada de 70, quando dominavam a ditadura militar, a censura nos jornais, a auto-censura dos jornalistas, a represso e tambm a resistncia nas ruas e nas redaes. Esses relatos no foram pautados nem sugeridos por ningum. Cada jornalista escolheu livremente, e a seu critrio, como e sobre o que escrever. E o resultado uma variedade de histrias e experincias sobre a profisso de reprter e fotgrafo ao longo das ltimas dcadas, bem como a evoluo do jornalismo no s em SC, mas tambm no Brasil. Do livro destacamos a implantao das primeiras reformas grficas modernas nos principais jornais brasileiros, as diversas tcnicas de reportagens e entrevistas, a improvisao, o cotidiano nas redaes tomadas pelas ruidosas mquinas de escrever, e o silncio tumular, hoje, nos jornais produzidos com computadores e a internet. Assim, este Da Olivetti Internet uma reflexo mltipla e coletiva sobre as prticas jornalsticas realizadas no Brasil nos ltimos anos, j que a maioria dos reprteres que trabalhou em SC foi tambm correspondente dos mais importantes jornais e revistas nacionais. E, considerado o momento histrico em que esses profissionais atuaram, acreditamos ser este livro imprescindvel fonte de consulta para os estudantes de jornalismo, para os jornalistas, para os polticos e para os leitores em geral, interessados em conhecer a histria recente da imprensa, a resistncia dos jornalistas e da populao, e as formas modernas de produo da notcia no Brasil. Raimundo C. Caruso Diretor da Editora Unisul

SUMRIO 1 - ACARI AMORIM Jornalismo econmico s v a perversa globalizao ........................................13 2- ADELOR LESSA Hoje so escritas as verses do mocinho e do bandido ..........................................17 3 - ALDO GRANGEIRO Numa entrevista, a fonte essencial. Mas, duvide ..................................................21 4- APOLINRIO TERNES O exrcito telefonava e proibia tal assunto ..........................................................24 5- CELSO VICENZI Viaja-se pelo pas e todos os jornais so iguais .......................................................29 6- ELAINE BORGES: Mulher jornalista? Afinal, aonde que ns estamos? .........................................35 7 ELISABETH KARAM De volta ao jornal, a angstia: Ser que vi a cor local? .......................................45 8- GERVSIO LUZ Briga clebre entre a Olivetti e o computador .........................................................50 9- ILDO SILVA Equipes mnimas e a notcia veloz ...........................................................................53 10 -LAUDELINO JOS SARD Quando a velocidade atropela a razo ......................................................................58 11- LAUDELINO SANTOS NETO Guevara, revoluo grfica e modernizao .............................................................70 12- LOURENO CAZARR No sou saudosista, mas queramos era mudar o pas ...........................................75 13 - LUCIANO BITENCOURT Um mini-ensaio sobre o mal-estar no jornalismo ......................................................82 14-MARCOS A. BEDIN A investigao Jornalstica numa sociedade tradicional ............................................86 15- MRIO MEDAGLIA Os dramas de um gacho editor de esportes em SC ...................................................92 16- MAURO MEURER Informao jornalstica tornou-se descartvel ...........................................................100

17- ORESTES ARAJO Fotografar o cotidiano, tumultos e tragdias ................................................................105 18- ORLANDO TAMBOSI Panorama visto da cozinha de uma antiga redaa ..................................................117 19- RAIMUNDO C. CARUSO Duas entrevistas que no houve, e o que a mdia hoje ................................................122 20-RAUL CALDAS FILHO Da gilette press ao computador .......................................................................................129 21- SALIM MIGUEL Antes era a barulheira, hoje o tumular silncio ...............................................................135 22- SRGIO LOPES Censura e jornalismo depois do golpe de 1964 ...............................................................139 JORNALISMO ECONMICO S V A PERVERSA GLOBALIZAO Acari Amorim*

[Jornalista econmico e ex-editor de O Globo, Acari critica o excessivo destaque dos grandes negcios nos jornais, quando quem sustenta a economia nacional e emprega 90% dos trabalhadores so as pequenas empresas.] Comecei no jornalismo de economia no incio da dcada de 80, um dramtico, em particular, para a economia brasileira e para todo o pas. A inflao acumulada no ano ultrapassava 1.000%. O salrio mnimo comeava e terminava o mesmo ms valendo a metade. Nessa poca, quando se pedia um chope, era recomendvel j outro para garantir o mesmo preo. O desemprego batia taxas recordes. Era uma poca de desolao, de desespero para a maior parte populao brasileira.

Nota de Rodap: *Acari Amorim nasceu em Blumenau e foi reprter do Zero Hora e do Coojornal, de Porto Alegre. Hoje, edita quatro revistas econmicas. 13

Mas nesta poca, como at hoje, o jornalismo econmico no conseguia captar a dimenso da crise e nem apontava caminhos viveis de soluo. Os jornais, revistas e as redes de rdio e televiso, quase que diariamente, estampavam a imagem do drago da inflao como se cada brasileiro fosse condenado a viver eternamente com esse monstro dentro da sua casa. Lembro que, nessa poca, o jornalismo econmico no falava de pessoas, nem de empresrios, muito menos de trabalhadores, de sem-teto, de sem-terra, de sem-comida. A economia parecia que era feita s de nmeros, de tristes estatsticas de inflao, desemprego, queda de produo de tudo e de muito overnight (compras dirias de ttulos pblicos pelos quais o governo pagava juros estratosfricos). Catarinense de Blumenau, depois de quatro anos em Porto Alegre (Coojornal e Zero Hora), fui para o Rio de Janeiro, onde trabalhei no jornal O Globo durante seis terrveis anos da dcada de 80. Primeiro como reprter, depois como chefe de reportagem e, por fim, como editor executivo de economia, com uma passagem de um ano e meio pela Revista Veja. A lembrana mais emblemtica que tenho dessa poca ocorreu numa manh, quando estava sozinho na redao de O Globo, elaborando pautas para entregar aos reprteres. Sem eu saber de onde, entrou na redao um homem de meia-idade e veio direto na minha direo. Estava plido, com as mos trmulas e falou com uma voz desesperada: Minha famlia est morando embaixo de um viaduto e, se eu no arrumar logo um emprego, vou acabar fazendo uma grande besteira. Pedi para ele sentar, ficar calmo. A esse homem comeou a chorar na minha frente. Vidal, como ele se chamava, contou que tinha sido expulso, com a famlia, de um stio perto de Bzios, onde trabalhava como caseiro h mais de cinco anos, sem nunca ter sido registrado em carteira. Fui com ele lanchonete do jornal e tomamos um caf. Depois, junto com um fotgrafo, fomos at o viaduto onde estava a sua famlia: a mulher e dois meninos e uma menina, todos com menos de sete anos. Eu mesmo fiz a primeira reportagem e, depois, toda a editoria se envolveu para manter o assunto no jornal por mais de duas semanas, abordando diferentes ngulos desse problema pessoal de homem honesto, que s queria trabalhar e sustentar a sua famlia. 14 Muitos se ofereceram para dar ao Vidal uma nova oportunidade de trabalho. Ele voltou a trabalhar de caseiro no interior do Rio de Janeiro, registro em carteira e ganhou do seu patro um pedao de terra trabalhar por conta prpria.

Depois de 6 meses, Vidal retornou redao de O Globo, com uma caixa de verduras e legumes que ele mesmo plantou no seu novo local de trabalho. Foi a forma que encontrou para agradecer a pequena ajuda da nossa equipe de redao. Um episdio jornalstico desse tipo era e continua sendo raro nas pginas de economia de todo o pas, embora espelhe bem a antiga e atual econmica, sempre com as marcas histricas da m distribuio de renda, da ausncia de um amplo plano de educao, de um amploplano de emprego e aumento de salrios. Hoje em dia tem um ingrediente com cara nova, mais perverso, no jornalismo econmico de todo o pas: a globalizao. Ento, parece para a maioria dos editores de dirios e revistas semanais do jornalismo econmico que s vale notcia o assunto globalizado, o grande negcio que transpassa oceanos, a grande transao financeira, a grande descoberta de petrleo e assim por diante. Esquecem-se, no ganham o mnimo espao, os pequenos empresrios. Nem preciso lembrar novamente os trabalhadores e os sem-terra (cujo assunto tinha que ser discutido nessas pginas, e no na de polcia). So justamente os pequenos empresrios, em diferentes setores, que sustentam a economia brasileira, no nmero de empregos, na massa salarial distribuda. Mais de 90% dos empregos do pas esto nas micro e pequenas empresas. E elas ainda tm que lutar contra tudo e contra todos: falta de crdito, carga extorsiva de impostos, avalanche de burocracias. Junto com esse terremoto da globalizao, temos ainda a mo forte, visvel e invisvel, do governo federal. Assim, completa-se todo o histrico engessamento do jornalismo econmico no pas, que parece s cobrir dois setores no momento: grandes negcios globalizados e a presena do governo, desde a merenda escolar at o seu sinal verde para o Santander comprar o Banco Real. J so quase 15 anos que estou fora do jornalismo econmico dirio e das revistas semanais. Estou agora na trincheira do jornalismo que privi15 legia justamente a pequena empresa. Nas pginas da revista Empreendedor, da Revista do Varejo, do Empreendedor Rural, do Guia de Franquias e do site

, estampamos inmeros pequenos negcios, inovadores, com enormes potenciais de crescimento. A cada edio nos surpreendemos com as novidades de negcios criadas em diferentes regies do Brasil que nunca tiveram e nunca tero um espao na mdia convencional do jornalismo econmico. Ser que os atuais editores e os chefes de reportagem do jornalismo econmico esto a aguardar que cheguem s redaes os novos Vidal? Mas desta vez no ser apenas mais um caseiro. A fila hoje est grande tambm entre os pequenos produtores rurais e os pequemos industriais e comerciais. 16

HOJE SO ESCRITAS AS VERSES DO MOCINHO E DO BANDIDO Adelor Lessa* [Uma bronca no reprter moda antiga: O teu texto de quem no foi l, no esteve no local, porque no passou emoo, clima, ambiente, no entrou no fato. Adelor ainda fala da represso aos mineiros de Cricima, e lembra algumas tcnicas de reportagem.] Tive que ficar amigo do funcionrio do Correio. Na marra. O Correio fechava no mximo s 18.00 h. O funcionrio no tinha nada a ver com o jornal, ganhava pouco (como at hoje) e no tinha motivo para ficar depois da hora, s para passar aquela tripa enorme de papel perfurado pelo telex. Mas ali estava, em cada furinho daqueles, o resultado de um dia, ou mais, de trabalho de investigao. Isto era final da dcada de 70. Cricima. Tinha a vantagem de a sucursal do jornal O Estado estar instalada bem ao lado do Correio. Mas era uma correria, mesmo assim. No

Nota de Rodap: *Adelor Lessa foi correspondente de O Estado, em Cricima. 17

fim, eu j era como um funcionrio do Correio. Na necessidade, at ajudava a atender os clientes. S no chegava a entregar cartas, claro! De qualquer forma, foi um tempo muito bom. Hoje os equipamentos so mais modernos, a comunicao imediata, mas naquele tempo era muito bom. No se trata de melhor ou pior que hoje, era apenas muito bom. Nem sei se no porque aquele foi o nosso tempo de incio. E o comeo do caminho a gente adora, nunca esquece, nunca sai da cabea! Aquele foi um tempo. O tempo das matrias maiores, mais recheadas, mais cercadas e, certamente, aprofundadas. Era o tempo da lauda na mquina de escrever. Matria especial era de 10 laudas. Cada lauda, 20 linhas. Mas, de vez em quando, o editor ainda mandava de volta, pedindo mais um dado, mais uma informao, que fosse vivenciar aquela realidade e fazer um relato. No jornalismo de hoje, chamado de pasteurizado, a referncia o toque no computador. Mas tudo curto. Jogo rpido. Comparando com o tempo da lauda, um texto hoje com mais de uma lauda coisa rara. Rarssima. Os jornais de hoje, salvo raras excees, que existem, perderam o trabalho aprofundado, um pouco mais investigativo, de denncia, mais forte. Mais completo, enfim. Porque mudou a forma de fazer. A superficialidade virou regra. Tive um editor que, de vez em quando, esbravejava ao telefone: O teu texto de quem no foi l, no esteve no local, porque no passou emoo, clima, ambiente, no entrou no fato, no contou o que foi, s ouviu, ficou apenas no formal e oficial. Hoje, este editor teria que devolver quase todos os textos. Seria um estranho no ninho das nossas redaes. Para exemplificar, resgato do arquivo a cobertura de uma eleio para o sindicato dos mineiros de Rio Maina, um distrito de Cricima. Na poca, s Cricima tinha dois sindicatos de trabalhadores, da mesma categoria, na mesma cidade. Uma manobra engendrada pelo governo federal para enfraquecer o sindicato dos mineiros de Cricima, conhecido nacionalmente pela militncia ativa e combatividade, e que havia liderado movimentos memorveis. As greves dos mineiros paravam a cidade e a regio. Muitos lderes dos mineiros foram perseguidos, presos, torturados, ameaados e condenados pela represso poltica dos

governos militares. O sindicato dos mineiros de Cricima foi dividido ao meio, e o sindicato de Rio Maina 18 entregue ao peleguismo. Nas eleies para o sindicato de Rio Maina, havia muitas denncias de manipulao de votos, desvios, roubos. Urnas desapareciam, faltava energia bem na hora da apurao, pessoas sumiam, e coisas do gnero. Se contar tudo o que acontecia, ningum acredita. Tudo para manter o peleguismo e a diviso, enfraquecendo o movimento sindical mais combativo, de protesto. Pela regra vigente hoje nas redaes, o procedimento normal para registro da eleio neste sindicato seria contar que o dia de votao foi movimentado, ou no, o sindicato tem tantos mineiros na sua base, de tantas empresas, e tal nmero de mineiros votou, o resultado foi este ou aquele, ou vai sair tal dia, e que houve denncias sobre isto ou aquilo. Mais ou menos isto. E nada mais. Por que? Porque, pela nova regra, no papel do jornal, rdio ou televiso esclarecer o porqu dos fatos. Apenas contar o que foi dito. E dar tratamento igual a toda denncia, independente de sua procedncia. Mas o pensamento da poca, dcada de 70, era diferente. Ento, acabei me misturando entre os mineiros e as pessoas envolvidas. No me identifiquei. Passei dois dias no meio deles, comendo arroz, feijo e ovo no bar da esquina, testemunhando tudo o que acontecia e anotando muito. Tinha desde o envolvimento de polticos da poca com o delegado do trabalho, e tudo combinado para dar determinado resultado na eleio, at o esquema armado para abrir prazo maior para recurso, para dar tempo de mexer nos votos depositados nas urnas. Publiquei uma longa reportagem de duas pginas. Que coincidiu com o incio do fim do esquema de peleguismo instalado naquele sindicato. Quando comecei no jornalismo, fui setorista de futebol. Acompanhava o ento Comercirio (mais tarde transformado em Cricima). Recebi do subeditor de esportes do jornal, uma orientao passada como uma espcie de princpio bblico. Condio inarredvel e inquestionvel. Disse ele: Na cobertura do dia-a-dia, vai entrando no estdio direto pelo vestirio, conversando e ouvindo os jogadores, porque eles so os artistas do

espetculo, e a eles que se deve maior ateno; cartola complemento, vem depois. No acredito que os seus sucessores tenham seguido hoje o mesmo raciocnio. A principal mudana no jeito de fazer est em entender que o compromisso escrever verses. O que foi dito. Pelos dois lados. Pelo mo19 cinho e pelo bandido. Dando a entender que aquele que se interessar por mais informaes, mais dados, para depois fazer o julgamento dos fatos, deve ir atrs. Mas com que tempo? E por quais meios? O cidado pagador de impostos cada vez tem menos tempo para pesquisar, investigar e buscar as informaes que o jornal no deu (ou o rdio, ou a televiso). Sem deixar de considerar que os mecanismos disponveis para o veculo apurar de fato so infinitamente maiores e mais eficientes. A denncia ficou mais freqente. No entanto, sem o devido e necessrio aprofundamento do que contado, dos interesses em jogo, do que est camuflado, o que tem por trs da histria contada. Como se isto no fosse responsabilidade do jornalismo. Como se no fosse papel do jornalista, ou dos veculos. E o . Na medida em que tem a misso de informar e, se possvel, ajudar a formar, tem o compromisso de contar a histria completa e verdadeira. Ou ento, vai acabar sendo apenas munio para brigas entre polticos, o que no tem nada a ver com briga poltica, ou conflitos de interesses entre grupos. Vai acabar dando o mesmo tratamento para uma denncia procedente, grave, sria e um mero conflito de tesouraria. Mas h veculos de informao que so completos. Justia seja feita. Basicamente, jornais nacionais. Nenhum dos chamados mdios e grandes de Santa Catarina. Mesmo assim, no compartilho com a tese de que ontem era melhor. Nem que era pior. Era diferente. Hoje se faz diferente. E como na poca era preciso aperfeioar, principalmente equipamentos, recursos tcnicos e agilidade de comunicao, hoje talvez seja prudente estabelecer debate, pelo menos, sobre o papel do jornalismo e o compromisso de contar a verdade completa. E no apenas ouvir as verses de um fato. 20

NUMA ENTREVISTA., A FONTE ESSENCIAL. MAS DUVIDE Aldo Grangeiro*

Experiente chefe de reportagem, Grangeiro se pergunta onde est a sensibilidade cultural dos Jornais. E recomenda ao reprter que no se isole nas redaes e que sempre duvide das fontes, pea-chave da informao

Quando se busca debater o modo de melhorar o desempenho dos profissionais da imprensa, o primeiro passo rever critrios e certezas. O que est em foco na abordagem que segue a banalizao - ou at mesmo a ausncia - das boas fontes nas reas do jornalismo em geral. Ao invs de sair s ruas na busca de fatos, os reprteres se sentem estimulados, pelas facilidades proporcionadas atravs da tecnologia, a permanecerem isolados nas redaes, onde cada vez mais freqente o hbito de escrever suas matrias na frente do computador, depois de Notas de Rodap: * Formado em Histria, Aldo Grangeiro foi chefe de reportagem do jornal O Estado e reprter de Veja e dos jornais O Estado de So Paulo, Folha de So Paulo e O Globo. 21 navegar pela Internet ou entrevistar por telefone seus informantes. O excessivo tecnicismo o pecado mais pernicioso da mdia dos tempos atuais. Quando os veculos de comunicao de massa se deixam deslumbrar pelo esplendor dos recursos da tecnologia, arriscam-se a desperdiar o seu capital mais valioso, que a informao de qualidade. Outra agravante a acelerada burocratizao da profisso, que pasteuriza ainda mais os textos e retira a emoo do trabalho no dia-a-dia. O telefone e a internet, embora

indispensveis, jamais substituiro o contato pessoal com as fontes. Aliados, eles se tornam apenas mais um instrumento para facilitar ao profissional da comunicao ir fundo nas investigaes, na produo de notcias bem fundamentadas. Trata-se de um dever tico intransfervel. Certa feita, na dcada de 80, um colega de Veja, Eurico Andrade, disse que, mesmo na Televiso, no basta a imagem, o texto fundamental. No exagero. A regra de ouro do jornalismo est ancorada em bons informantes, sejam ou no identificados para os leitores, dependendo da relevncia da informao. Essa uma prtica elementar e todo reprter que se preze, que tem compromisso com a contemporaneidade, no abre mo de uma boa agenda com nome, telefone e e-mail de suas principais fontes. Mas, antes de publicar qualquer notcia, deve se ater a um outro princpio bsico da profisso: fazer a checagem das informaes recebidas. Pior que a ausncia de dados confiar cegamente naquilo que a fonte repassou, O reprter deve, na feliz expresso do craque Cludio Abramo, catar a verdade que est camuflada atrs da verdade aparente. Eis um conselho de absoluta atualidade. Qualquer vacilo pode desembocar na leviandade. Rui Barbosa j nos ensinava que a dvida honesta transforma a imprensa na vista da Nao. Pode at ser amicssimo do informante, mas o bom jornalista no deve confiar cegamente naquilo que ele fala. Tampouco pode se arrogar a ser o paladino dos fracos e oprimidos. S a informao correta ajuda, o resto no passa de manipulao ou emocionalismo barato. importante detalhar, como lio do antijornalismo, os tempos bicudos vividos especialmente na dcada de 70. O ento Ministro Delfim Neto, uma espcie de czar da economia no auge da ditadura, distribua aos reprteres nmeros errados da arrecadao para levar os militares a tiranizar os movimentos populares e, lamentavelmente, muitos jornalistas 22 se deixaram seduzir, transformados em simples reprodutores do que diziam as fontes restritas, oficiosas e pouco confiveis do regime de planto. Como j se disse, por mais afvel que se apresente, uma fonte invariavelmente parte interessada, e o jornalista tem de ter o cuidado de no se deixar instrumentalizar. Cautela e medo so sentimentos que no se confundem. preciso pesquisar, sempre. Esse o compromisso bsico do jornalista. E antes de ser um bom pesquisador, dever de oficio ser

um bom escritor. No importa se autor de uma pequena notcia ou uma grande reportagem. A meta, em qualquer um dos casos, ir alm dos limites que os nossos sentidos mais imediatos j nos fazem perceber. Compreender as nuances, viajar pelas palavras. Ter capacidade de apurar at o fim. Mas essa postura - contendo os traos essenciais do bom jornalismo - parece contraditria e conflituosa nos tempos modernos da mdia globalizada, produzida em ritmo e velocidade jamais experimentados. Agora tudo eletrnico, cuidadosamente elaborado por computador de ltima gerao, que funciona em ritmo ainda mais frentico, velocidade da luz. Existem razes para que, afinal, possamos caracterizar o momento que o jornalismo atravessa como de profunda mudana estrutural, e no, simplesmente, como mais uma de suas fases de absoluta ausncia de emoo em meio a um cenrio de pasmaceira geral? Onde ficou o compromisso com a checagem da informao e com o aprofundamento dos contedos? Com a sensibilidade cultural e literria? Com a sensibilidade social? Este o ponto-chave. A busca de respostas a tantas e to diversificadas perguntas se constitui em elemento bsico de consulta para os que se interessam pela profisso e ajuda a tornar os leitores mais exigentes com os diversos tipos de jornalismo que fazemos, seja por meio eletrnico, digital ou impresso. A meta poder contribuir para elevar os padres de exigncia da comunicao social brasileira. Sob essa tica, precisamos tanto de reprteres, editores e colunistas mais competentes, quanto de fontes mais confiveis e empreendedores modernos. 23 O EXRCITO TELEFONAVA E PROIBIA TAL ASSUNTO Apolinrio Ternes* O cenrio nacional dos anos 70 tinha um aspecto cinza-chumbo lembra Apolinrio, que foi preso e espancado na vspera da chegada de Vera Fischer, ento Miss Brasil, a Joinville. Tambm compara a Improvisao de antes com o Jornalismo banal de 2007

Recorri carteira profissional para conferir a data de ingresso no jornalismo: 1 de maro de 1968, na Rdio Nereu Ramos, de Blumenau, ento sob o comando de Evelsio Vieira, o Lazinho, ex-jogador de futebol, que seria deputado e senador da Repblica. Eram os tempos em que a Repblica dormia sob o sono da ditadura. O Ato Institucional n5, que fechou o Congresso e imps a censura, seria assinado no dia 13 de dezembro de 1968. Notas de Rodap: *Apolinrio Temes estudou Histria e Direito e foi reprter e editorialista do jornal A Notcia. Escreveu vinte e cinco livros entre obras de fico e histria de empresas, instituies e a cidade de Joinville. 24 Naquele ms dezembro, por ironia da vida e paradoxos do tempo, me transferia com armas e bagagens para A Notcia, para redatoriar o jornal Cidade de Blumenau. O ano de 1968 se mantm como o grande smbolo e cone da histrica dcada de 1960, que, adiante, a Veja traduziria como o ano em que tudo mudou. Foi, de fato, um ano para nunca esquecer. Alm do fechamento do regime militar, os jovens se tomaram em indignao e produziram brbaras revoltas nas principais praas do mundo. Um ano invencvel, da plula anticoncepcional, dos Beatles, dos assassinatos de Martin Luther King e Bob Kennedy. E, no ano seguinte, teramos a conquista da Lua e o primeiro transplante de corao no Brasil, de autoria de Euriclides de Jesus Zerbini. 1969 seria o ano da trombose em Costa e Silva, da Junta Militar e, depois, Garrastazu Mdici. A dcada de 1970 seria inaugurada com o tri-campeonato mundial de futebol no Mxico, a ponte Rio-Niteri e Itaipu. Nascia o Brasil Grande. Minha estada no jornal Cidade terminaria j em dezembro de 1969. O jornal acabou desativado por deciso da matriz, o jornal A Notcia, de Joinville, que mantinha o dirio de Blumenau. E por a, acabei em Joinville, para desempenhar as nobres funes de reprter geral de A Notcia. Nos tempos do Brasil Grande, o jornalismo na trepidante Joinville ainda se fazia na base do chumbo quente, da linotipo e do telefone fixo, preto e improvvel. Naquelas mquinas de escrever pesadas como o passado, ou super-leves, anunciando o design da modernidade. Tnhamos as duas na redao.

Tempos delirantes de muito entusiasmo e pouca tcnica. Jovem em quase tudo, minha imerso no jornalismo ocorreu simultaneamente com os muitos medos da nao. Quase nada podia e quase tudo se temia. A censura chegava atravs de breves comunicaes telefnicas, a partir do Exrcito, cancelando tal assunto ou tal matria. Nada de publicao. A censura ocorria em torno do noticirio nacional ou mesmo internacional. Nos assuntos locais, valiam o medo e a autocensura. Que os mais antigos chamavam de prudncia e precauo. Aqui se podia tudo, ou quase. Falar mal de delegado de polcia dava cana. E deu. Da polcia militar, menos ainda. Dava cana. E deu. Com direito a espancamento em rua pblica, nas proximidades do quartel. Fui uma das vtimas da truculncia policial, que se servia da ditadura para controlar reprte25 res atrevidos. Fui preso e espancado dias antes da chegada da Miss Brasil - Vera Fischer para abrir a Festa das Flores. Foi um rebulio elegante na Sociedade Harmonia Lyra, quando colegas denunciaram o caso ao governador, pouco antes de um banquete. O governador mandou prender o policial, que foi expulso da corporao e, depois, queria vingar-se do jornalista. Foram semanas de esconde-esconde, como gato e rato, dorme aqui e acol, at que o meliante recebesse recomendao (da prpria polcia) para desistir de me apagar. Apesar do cinza-chumbo do cenrio nacional, por aqui, excetuando poltica e polcia, se podia escrever sobre quase tudo. E escrevi, com medo e raiva, sob a indomvel fria de jovem e romntico. Mantive, em A Notcia, nos primeiros anos da dcada de 1970, a coluna Teclados Sem Censura e, em cerca de 1500 crnicas, tentei interpretar o Brasil do meu tempo. De anos pesados e de jornalismo leve, mas apaixonado. No sabamos, mas repetamos Nlson Rodrigues, sem o talento, mas certamente com a mesma empfia. As crnicas ficaram como sucesso ululante e registro de um tempo paranico e de ditadura pesada, que foi abrandando com Ernesto Geisel, a partir de maro de 1974. Os nomes da poca, Delfim Neto, Golbery do Couto e Silva, Orestes Qurcia e Luiz Incio, o metalrgico. Falou-se, em mdia turva e nas entrelinhas, tambm de Vladimir Herzog, morto numa priso poltica de So Paulo; Manuel Fiel Filho, lder trabalhista assassinado; e de Armando Falco, um ministro da Justia.

Nos anos 70, em A Notcia, se compunha mo o ttulo de cada pgina, letra a letra. Tecnologia grfica dos anos 1930. Nas colees de fontes - incompletas - com dcadas de uso. Colees de fontes que vinham desde os tempos de Aurino Soares, o fundador do jornal, em 1923. Mas tnhamos linotipo, rdio-escuta (com o intrpido telegrafista Pio) e, nas horas de apuro, gilette-press, a inocente utilizao da gilete para recortar textos publicados em outros jornais (de So Paulo). A frota da empresa se resumia a um fusca e a uma kombi em pssimas condies de uso. O reprter de Cidade - eu - fazia a cobertura da Cmara, prefeitura e delegacia de polcia em rpidas caminhadas no quadriltero do poder, no ainda modesto centro urbano da cidade. Jornalismo de improviso, mas de paixo. E havia a concorrncia irresoluta do outro jornal, o no menos tradicional Jornal de 26 Joinville que pertencia aos Dirios Associados. Brigava-se muito para no sermos furados pelo concorrente. Nas trs principais reas: esporte, poltica e polcia. De 31 de janeiro de 1980 em diante, contudo, a modernidade, enfim, chegaria ao nosso jornal. Em novos tempos, com Moacir Thomazi na presidncia da empresa e Lus Meneghim na direo de redao, iniciamos, com algum atraso, a recuperao dos tempos perdidos. Foram anos de investimentos tanto em tecnologia, quanto em qualificao de pessoal. A redao foi se ampliando, ano a ano. Novos produtos. Novos cadernos. Mais profissionais. Ainda no comeo dos anos 70, o corpo de redatores no chegava a 10, nenhum com o curso respectivo, ou profissional formado em curso superior. Os tempos mudaram, inclusive com a regulamentao da profisso, que exige diploma. Os jornalistas eram escassos, mas multiplicavam-se os talentos, que se descobriam nascidos para a misso. E, assim, explica-se como o jornalismo, num Brasil recente, foi praticado com garra e notvel paixo. No se trata de nostalgia ingnua, mas a globalizao matou determinado tipo de jornalismo e introduziu novos valores e novos modos de fazer. Com Internet e celular. Computador e Google. O jornalismo, dos anos 90 em diante, tem se transformado numa impondervel corrida de obstculos, em que a tecnologia e a globalizao acabam por exibir produtos diferenciados, mltiplos e, acima de tudo, improvveis. Quase tudo que existe hoje pode

desaparecer amanh. No h dvida, o sistema antigo enfrenta uma dura crise. O maior de todos os desafios diz respeito criatividade e inovao. De qualquer forma, os novos tempos esto a produzir, perigosamente, jornais bonitos e banais. Bem editados, cheios de cores e infos, explicaes e acompanhamentos, os jornais de hoje interessam a pblicos cada vez menores, entretanto. A reinveno do jornalismo est para ser feita. O que temos em curso so experincias e movimentos especulativos em busca de leitores que esto sumindo. Da, embalagens cuidadas, contedos interativos, inovaes constrangedoras, tudo em busca de leitores que, a rigor, esto obtendo a mesma informao antes e em outros lugares. O jornal-papel, se no se reinventar - e com talento - pode virar, de fato, papel-jornal para embalar peixe. 27 Nos mercados do interior, porque, nos centros mais desenvolvidos, nem para isto servir. a crise da modernidade criando um desafio espetacular para as empresas de comunicao. Os jornalistas, contudo, sempre tero mais trabalho e menos emprego. A profisso est em alta, como revelam os ndices de procura de vagas na Academia. O mercado (ainda) no est saturado, as opes so muitas e inesperadas, at. Os talentosos, geralmente esforados, tambm, tero espao. O jornalismo sobreviver aos tempos indolentes e indiferentes de hoje, onde, infelizmente, se multiplicam os jornais bonitos, baratos e banais. 28 VIAJA-SE PELO PAS, E TODOS OS JORNAIS SO IGUAIS Celso Vicenzi* Por que dar tanta importnda s Declaraes das autoridades, pergunta Vicenzi, que, mesmo conhecendo todas as fases de produo de um Jornal, diz que mais um aprendiz de feiticeiro do que algum que sabe a mgica Comecei a trabalhar aos 16 anos, numa grfica. Como auxiliar de servios gerais, entre outras tarefas, carregava barras de chumbo do depsito at a mquina linotipo, que

derretia o metal para formar letra por letra, linha por linha. Algo de meu destino parecia estar traado ali. Algo que tinha a ver com muito suor para compor, letra a letra, um texto. Letras que queimavam e fumegavam antes de serem impressas. Cedo aprendi que as palavras podiam arder como fogo. E ferir como lavas incandescentes. Notas de Rodap: *Quarenta e oito anos e reprter de jornal, rdio e tv, Celso Vicenzi foi tambm professor de jornalismo do Ielusc, de Joinville. Em 1985, ganhou o Prmio Esso de Informao Cientfica e Tecnolgica. Foi presidente do Sindicato de Jornalistas de SC duas vezes. 29 Estvamos no incio de 1974. Poucas semanas depois, pedi demisso. E virei redator de humor na Rdio Blumenau, uma AM precursora das FMs, pois no havia programas convencionais s msicas intercaladas por comerciais e frases bem-humoradas. Depois passei para o Departamento de Jornalismo. E no abandonei mais a profisso (s vezes, ela que me deixa ao abandono!). Como reprter, sempre optei por trabalhar na Editora de Geral. Gostava de transitar por vrios assuntos: de sade a educao, de personagens singulares a tragdias plurais, de movimentos sociais a cincia. Acho importante contar de onde vim (j que nunca sei aonde vou), para que saibam que esta muito mais a opinio de um aprendiz de feiticeiro do que de algum que sabe dizer qual a mgica. No sou pesquisador, no sou estudioso da comunicao. Sou jornalista, ainda um tanto irresponsvel para aceitar essa tarefa que meu ex-editor de O Estado, Laudelino Sard, prope. Parodio Mrio Quintana: um erro impresso um erro eterno. E j os cometi exausto. A memria costuma pregar boas peas. Principalmente porque vem carregada de emoes. Por isso, dem o devido desconto. Era melhor a imprensa naquela poca? Sei apenas que muitas coisas mudaram, nem todas para melhor. A primeira impresso a de que era possvel arriscar mais. O jornalismo, nos anos 70 e parte dos 80, em Santa Catarina, ainda no era gerenciado por modernas tcnicas de produo, que encurtaram cada vez mais o horrio de fechamento da edio e aumentaram o controle sobre tudo o que acontece numa redao. Pelo menos, tudo que interessa s empresas...

Hoje nas redaes impera o silncio dos computadores. Os novos jornalistas parecem j ter a mente plugada em tudo que novidade tecnolgica e acesso a ilimitadas fontes de informao eletrnicas. Fazer jornal, h algumas dcadas, era um processo quase artesanal. Tinha-se um pacote de laudas ao lado de velhas e barulhentas mquinas de escrever, numa redao enfumaada de cigarro. Os textos seguiam para reviso, eram compostos e depois paginados mo: ttulos, legenda, tudo colado com parafina. Nessas horas, um estilete fazia milagres. Difcil explicar para quem no viu. Depois, virava fotolito e seguia para impresso a frio. Quando mudei da rdio para o jornal, comecei como correspondente 30 no interior de Santa Catarina, primeiro em Brusque, depois em Blumenau. Nada era online, muito menos uma transmisso da sucursal para a sede do jornal. Passvamos, s vezes, mais de uma hora a esperar que a mquina de telex processasse a fita perfurada, palavra por palavra, at enviar toda a notcia. E ainda era preciso prestar ateno para que metros e metros de fita no enrolassem e trancassem na mquina. Sem falar que as linhas telefnicas (para enviar a notcia por telex) quase sempre estavam ocupadas depois das 16 horas, disputadas pelos correspondentes. Em vrias ocasies, nos horrios de pique, para aproveitar a mesma ligao, aps passarmos algumas notcias, ainda redigamos outra(s) sem perfurar a fita, direto no telex, com a mxima rapidez e o mnimo de erro, pois no havia tempo para voltar atrs e corrigir. Hoje, facilmente eliminam-se ou acrescentam-se palavras e frases. Experimente alterar boa parte do que voc escreveu numa velha Remington ou diretamente num aparelho de telex. Na sede do jornal O Estado, em Florianpolis, aonde vim trabalhar mais tarde, lembro que notcias fresquinhas s com a chegada de algum reprter ou por telex. De vez em quando, algum saa da barulhenta sala das mquinas com a ltima novidade internacional, nacional ou estadual. Outra caracterstica era que a redao ainda no falava a mesma lngua do departamento comercial. Havia at certa animosidade entre as duas reas.

verdade que, hoje, os jornais tm melhor planejamento, mas tente dizer um no ao departamento comercial... E boa parte das pautas atende a esses interesses. So reportagens produzidas para o departamento comercial faturar (os famosos cadernos temticos). Mais do que antes, nesse newjornalismo, notcia isso que se publica para vender anncios. A arte de ganhar dinheiro com notcias se aprimorou muito. Havia mais tempo para conversar, dizer bobagens, tomar um cafezinho e aprender. Hoje so raros os jornalistas mais experientes nas redaes. E os que l esto no dispem de tempo para conversar com quem inicia. E tome erro no jornal. E tome obviedade. E tome enfoque errado. E tome falta de informao. E tome superficialidade. E tome texto burocrtico. E tome nota: as excees de praxe, porque em todas as pocas, h bons e maus jornalistas. 31 Claro que os erros tipogrficos eram mais comuns no antigo processo de fazer jornal. Mas os jornais tinham cara, estilos diferentes. Hoje so todos muito parecidos. Sobretudo aqueles que pertencem a um mesmo grupo. Uma notcia produzida por um deles divulgada por agncia, para os demais veculos. Mas, alm disso, os jornais tm-se pautado muito pela televiso. Pegue um avio do Rio Grande do Sul ao Amazonas ou vice-versa e leia as manchetes dos jornais distribudos a bordo. Parece terem sido feitas numa mesma redao. Onde a especificidade regional? A coragem de arriscar? De criar um estilo prprio? E por que tanta importncia ao que dizem as autoridades polticas e econmicas bales de ensaio a ocupar espao com meras declaraes e achismos que a imprensa logo esquece? Por que os porqus de tudo o que acontece raramente aparecem? Por que to poucos textos fazem relao entre causa e efeito? Problemas e solues? Por que tanta omisso de informao? O espao diminuiu drasticamente. Boa parte do que antes seria notcia hoje virou nota, curtinha. As especiais, uma sucesso de novas retrancas que, muitas vezes, quebram o ritmo da narrativa. E d-lhe colunas de opinio, muito parecidas - que coincidncia! com a opinio patronal. Alm de ser um jornalismo barato, cumpre o papel de influenciar ainda mais o leitor. Porque apurar e escrever timas notcias toma tempo e custa caro. E exige boas fontes e jornalistas competentes e ticos.

Os donos dos veculos de comunicao, atualmente, so empresrios de diversos ramos. V o leitor confiar numa informao que pode diminuir ou aumentar o lucro de suas (deles) aes na Bolsa de Valores, por exemplo. Como escapar dessa manipulao dos humores do mercado? Nem sempre os reprteres que cobrem determinados assuntos compreendem a verdadeira extenso da pauta. Sobretudo numa redao cada vez mais jovem e com uma rotatividade que s costuma perder para aquele outro ramo de negcio com luzes vermelhas porta. Renovar importante e novos talentos so bem-vindos. Mas quem vai poder dizer a muitos desses jovens que a roda j foi inventada, e, sobretudo, servir de memria e de apoio em momentos de dvida e insegurana? Para o empresrio, h uma lgica de mercado que o satisfaz plenamente: muito mais fcil manipular um jornalista inexperiente, 32 vido por uma vaga num mercado que j tem mais de uma dezena de escolas de comunicao no Estado, ansioso por ver seu nome destacado na mdia e deslumbrado com a nova profisso. Claro, h vantagens: os jovens assimilam melhor as mudanas tecnolgicas, por exemplo. Parecem j ter nascido com um chip no crebro. Mas raros so os que lem pelo menos a informao que ouo de colegas que esto nas redaes. E por que os jornais iriam se preocupar com textos de qualidade se os leitores salve as excees! tambm lem pouco? Vivemos a era da abundncia tecnolgica e do delrio audiovisual. A internet a nova revoluo de Gutenberg. Tanta informao sem profissionais com maturidade para avaliar certos modismos, separar notcia de espalhafato, permite a existncia feliz de egos gigantescos a ocupar espaos que no condizem com a obra que produzem. Descartes diria: apareo na mdia, logo, existo. H quem se contente com apenas 10 daqueles famosos 15 minutos de fama. Se me permitem o trocadilho: Mdia descarte! Num ritmo cada vez mais alucinante. Afinal, a censura feita tambm pelo excesso de informao. tanta disponibilidade que no h tempo para reter quase nada. O escndalo de hoje j sepultou o de ontem. s vezes intencional, sei.

Mas surge, a partir da, outro problema para o exerccio do jornalismo. H muita informao disponvel na internet. Com tanta fartura, acaba-se fazendo um jornalismo preguioso. Outro fenmeno que as redaes, cada vez mais enxutas e com oramentos apertados, usam e abusam do telefone para redigir matrias. Contato com a fonte, cara a cara, tarefa que escasseia. E fcil dissimular pelo telefone. Ao vivo, um bom reprter est atento mnima expresso corporal do entrevistado. So pistas para outras possveis leituras, alm daquilo que a fonte declara. Os jornais cresceram, tm mais leitores, faturam mais e, no entanto, viaja-se cada vez menos pelo Estado, e so raros os jornalistas em sucursais de cidades de mdio porte (fui correspondente em Brusque, imaginem, h quase 30 anos!). Outra facilidade so as assessorias de imprensa, mercado que se expandiu em alta velocidade. Tanta notcia pronta e disponvel acostuma muito mal. No preciso pensar muito, nem descobrir novas fontes, 33 tudo chega pronto e embalado s redaes. Basta enxugar, retocar e/ou acrescentar. A opo pela espetacularidade da notcia. Reportagens que no garantem boas fotos so pouco valorizadas. E os jornais vo ficando com cara de televiso, de revista. E do prmios e fazem malabarismos para manter tradicionais leitores e seduzir novos, muito mais interessados em mdias interativas, como a internet. Quais mdias vo sobreviver? Quais sero hegemnicas? Faam suas apostas! Acredito, no entanto, que neste admirvel mundo novo das tecnologias da informao, haver espao para a palavra, o gosto pela leitura apesar do fascnio da imagem. Que bons reprteres nos dem esse prazer. 34

MULHER JORNALISTA? AFINAL, ONDE QUE NS ESTAMOS? Elaine Borges* Atualmente as mulheres so maioria nos cursos de comunicao e tambm nos Jornais. Porm houve tempos em que a reprter era vista com desconfiana, s tinha acesso a umas poucas editoras e enfrentava brigas, galanteios e machismos1 E sua me sabe que voc vai viajar sozinha!? A pergunta - feita por uma autoridade do alto escalo do governo Colombo Machado Salles - retrata bem o momento em que vivamos. Naquela tarde do ms de outubro de 1972, eu estava no aeroporto Herclio Luz, embarcando para Belm do Par. Enviada Especial do jornal O Estado, fui acompanhar agricultores, a maioria do oeste catarinense, que, atraNotas de Rodap: * Elaine Borges foi correspondente de O Estado de So Paulo, em Florianpolis, por mais de duas dcadas, e reprter de O Estado e Dirio Catarinense. co-autora do livro de entrevistas Vozes da Lagoa, com o povo da Lagoa da Conceio.1

Este texto faz parte do livro: Jornalismo em Perspectiva, organizado por Maria Jos

Baldessar e Rogrio Christofoletti, e publicado pelo Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina e Universidade Federal de Santa Catarina para comemorar o cinqentenrio do nosso Sindicato. 35 dos pelas promessas de uma nova vida, iriam para a terra dos sonhos, a Amaznia (sonho que se transformou em pesadelo - a Transamaznica era mais um projeto megalmano do governo ditatorial do general Emlio Garrastazu Mdici). Naquele mesmo ano - 1972 - fui escalada para cobrir o famoso clssico Ava e Figueirense. Minha reportagem era observar a reao da torcida. Na poca, era rarssimo mulher reprter trabalhar nas editorias de esporte. Mais raro ainda era fazer reportagens nos campos de futebol. E - pelo inusitado - virei notcia.

Nossas funes nas redaes estavam delimitadas: variedades, comportamento, cultura, entre outras, eram editorias eminentemente femininas. As editorias de poltica, esporte e polcia, tradicionalmente, eram preenchidas por jornalistas do sexo masculino. Se hoje vejo na mdia eminentes lideranas polticas de Santa Catarina dando freqentes entrevistas s reprteres do setor, lembro as barreiras invisveis que estes mesmos polticos erguiam ao perceberem-nas por perto. Em plena ditadura militar, tentei inmeras vezes entrevistar um deles. Recebia apenas respostas lacnicas. De tanta insistncia, fui orientada por seus assessores para encaminhar perguntas por escrito. As respostas foram as mais lacnicas, limitando-se ao sim, no, talvez... Nesse perodo - dcada de 70 - presidi duas vezes o Clube dos Reprteres Polticos de Santa Catarina. Correspondente do Estado de S. Paulo, em alguns episdios minha demisso foi gentilmente solicitada por lideranas locais - nunca aceita pela direo do jornal. Mas os galanteios eram inevitveis. Galanteios que sempre procurava reverter em boas declaraes. Lideranas nacionais - como Ulysses Guimares - transformavam entrevistas em aulas de democracia e de resistncia. Bernadete Santos Viana (hoje, alm de jornalista, campe snior de tnis), nos anos 70 chefe da sucursal do Jornal de Santa Catarina, em Florianpolis, lembra: A desconfiana que despertvamos na poca no sei se era atribuda profisso ou a nossa condio de sermos mulheres jornalistas. Soframos mais contestao nas matrias que escrevamos do que os jornalistas do sexo masculino. Inmeras vezes tive de enfrentar os entrevistados por insistirem em ler os textos antes de publicados, ou por depois contestarem o que haviam dito. Decidi36 das e combativas, exigamos igualdade. Aline Brtoli (assessora de imprensa do Tribunal de Contas) foi uma das primeiras jornalistas a apresentar telejornal em Santa Catarina. Trabalhou tambm no jornalismo poltico, e relembra: Eu, com pouco mais de um metro e 60, magra, tinha que ficar sempre muito sria, at mesmo com cara de poucos amigos, para chegar s minhas fontes. Era para impor respeito. Mas havia aquelas que, alm de novas oportunidades de emprego oferecidas em Santa Catarina, tambm queriam usufruir - como ainda hoje - das delcias de morar numa Ilha

paradisaca. Marise de Martini Fetter (hoje morando em Braslia) foi uma das tantas que vieram do sul para trabalhar em Florianpolis: Para mim era fazer turismo, tinha sempre festa! E aquela musicalidade do jeito de falar dos ilhus, as praias, o vento sul... Mas o que me chamou ateno foi a facilidade com que a gente falava com as autoridades. O Secretrio sempre estava disponvel. O governador era acessvel. Aquilo me impressionava muito. Coisa de foca, conclui. Essa facilidade percebida por Marise foi tambm registrada por Rosamaria Urbanetto (hoje trabalhando na Globonews, no Rio). Ao entrevistar um secretrio de estado, ainda na dcada de 70, foi surpreendida com um convite inusitado: Espera um momento, e imediatamente o Secretrio colocou o brao em volta do ombro da Rosinha e pediu que o fotgrafo tirasse uma foto de ambos. Queria registrar o que considerou um fato indito: ser entrevistado por uma mulher. A jornalista Marisa Ramos (que, na dcada de 60, teve a ousadia de ser a primeira mulher de Florianpolis a botar a barriga de fora, usando mai de duas peas) foi tambm umas das primeiras mulheres jornalistas a comandar programas televisivos. Trabalhou na antiga TV Cultura, dirigindo um programa voltado para as mulheres. Mais tarde, com a modernizao do jornal O Estado, mantinha uma coluna com informaes e comentrios destinados ao pblico feminino. Em 1999 foi homenageada com a medalha do mrito pela Associao Catarinense de Imprensa. Atualmente, Marisa assessora de imprensa da Casa Civil do governo de Santa Catarina. Elo Miranda, ao contrrio da turma que veio do sul, chegou a Florianpolis, vinda do Rio de Janeiro, em 1975. Trabalhou no jornal O 37 Estado e depois na TV Cultura. Eu lembro que o Celso Pamplona (famoso e folclrico colunista social da cidade) tinha um programa de Variedades na TV Cultura e me convidou - por ser uma mulher exercendo a profisso de jornalista - para ser entrevistada. Uma mulher que sabe tudo, ele dizia. O saber tudo e a ousadia intrigavam e faziam aflorar o lado machista de alguns polticos e empresrios. Imara Stallbaum, reprter do Dirio Catarinense no final das dcadas de 80 e 90, ao fazer uma srie de reportagens denunciando a retirada ilegal de madeira de uma

floresta da reserva Indgena de Ibirama, foi acusada de mentirosa e irresponsvel. O ataque do madeireiro a ela consistiu em tentar me desmoralizar de forma machista. Em determinadas situaes, agir com sutileza foi sempre uma ttica da reprter: Na poca, desenvolvi uma ttica para ligar para a casa de algumas fontes ou autoridades. Eu ligava e a mulher do sujeito atendia. Estou certa de que ela desconfiava que eu era um cacho do marido, no uma reprter. Por isso, um dos primeiros desafios que aprendi a superar foram suas mulheres e as secretrias. Ningum me ensinou isso. Aprendi na marra. Ao ligar, eu explicava em detalhes a matria em curso para que se sentissem importantes. No fundo, isso era uma prtica feminista. Hoje, professora dos cursos de jornalismo da Ielusc, em Joinville, e da Estcio de S, em So Jos, Imara gosta de dar um recado s futuras colegas: Digo que devem evitar decotes ousados e tudo que possa desviar a ateno ou seduzir o entrevistado. A maioria, certamente, acha que exagero. E no entende que ser mulher, bonita, atraente pode ser um problema na hora da entrevista se a jornalista for tambm inteligente. O ideal serem maravilhosas na hora de escrever a matria. Traumas tambm marcaram a vida profissional de algumas reprteres,

grosseiramente ofendidas por homens pblicos. o caso da jornalista Rosemeri Laurindo (hoje trabalhando na FURB, em Blumenau). Reprter setorista de O Estado na Assemblia Legislativa de Santa Catarina, no final da dcada de 80 escreveu uma reportagem comparando os assdios dos partidos aos deputados como se fossem lances de um leilo (havia um intenso troca-troca de partidos devido chega38 da do PRN do Collor). Irritados, no dia seguinte publicao da matria, foi recebida duramente por um deles: Eu no tenho nada a declarar a voc, que est na zona, disse. Rose nunca mais voltou AL e direcionou sua profisso para outros caminhos: Fiquei traumatizada com o episdio, confessa. Lcia Helena Vieira, experiente jornalista, h mais de dez anos reprter de poltica e, embora nunca tenha enfrentado problemas profissionais, reconhece que num mundo que ainda predominantemente masculino, o da poltica, preciso ter jogo de cintura. H os assdios, que so quase comuns. Foi preciso ser muito firme para deixar clara a relao

sempre profissional. As mulheres jornalistas que trabalham em reas como a poltica, que lidam diretamente com o poder - exercido predominantemente por homens -, tm desafios dobrados. Precisam mostrar extrema competncia e independncia para conquistar o respeito do meio, tanto dentro quanto fora do jornal. Nas eleies municipais de 2004, Lcia Helena foi agredida verbalmente, na redao do A Notcia, em Florianpolis, pelo ento candidato a prefeito de So Jos, Fernando Elias (PSDB): Ele ficou possesso por causa de uma matria minha e deu de dedo na minha cara, me chamando de mau carter. Levantei e tambm dei de dedo na cara dele. Ele no admitiu ser questionado ou denunciado, muito menos por uma mulher. No Dirio Catarinense tambm enfrentei poderosos que pediram minha cabea... No sei se, nessas situaes, se fosse homem, deixaria de sofrer as agresses. Talvez o valento que botou o dedo no meu nariz no o fizesse se eu fosse homem. H um outro episdio que retrata bem a necessidade quase permanente de as mulheres jornalistas provarem que so capazes e inteligentes: Lembro-me de uma longa conversa com um deputado. Ficamos falando sobre o quadro poltico do momento, ele me questionava e depois repetia vrias vezes: ah, mas tu s inteligente! E eu, espantadssima com as observaes dele, rebatia: u, mas o que o senhor esperava? Mais tarde compreendi que ele no estava acostumado a lidar com mulheres que pensam! Deborah Almada (scia proprietria de uma agncia de notcias) sempre teve uma estranha impresso de que os colegas jornalistas homens impunham mais respeito: Eles chegavam s entrevistas coleti39 vas sempre muito srios, cheios de pompa, vestidos de terno e gravata, lascando sempre as melhores perguntas e naturalmente arrancando dos entrevistados as melhores respostas. Durante dez anos - de 1986 a 1996 - Deborah atuou na editoria de poltica e tinha esperanas de um dia aprender a frmula mgica de comparecer s coletivas j muito bem informada. Logo percebi que no mundo da poltica as entrevistas coletivas no deveriam provocar espanto nos jornalistas mais experientes. Reverenciados pelos polticos, os jornalistas apenas emprestavam seu prestgio a eventos desta natureza. At porque j tinham sido informados em primeira mo dos acontecimentos num caf da manh no dia anterior.

Ao avaliar sua atuao no jornalismo poltico, Deborah constata que os espaos de maior prestgio continuam sendo preenchidos por colegas do sexo masculino: No quero diminuir a presena feminina no jornalismo poltico. Longe de mim... logo eu, que s fiz isso em boa parte da vida. Mas vou morrer achando que a gravata quase que uma senha de acesso ao mundinho da poltica. As excees confirmam a regra. Detalhes que fazem a diferena chamaram a ateno da Doroti Port, 30 anos de profisso, grande parte deles vividos nas redaes dos jornais. Em 1975, ano em que chegou de Porto Alegre para trabalhar na redao de O Estado, ficou surpresa: no havia banheiro feminino e, s vezes, nem papel higinico. As laudas (que com a Intemet no mais existem) tinham ento dupla utilidade. A redao, aos olhos de uma mulher, parecia um tanto bagunada, cheia de papis jogados no cho. Outra constatao: os chefes de reportagem, redao e editores eram todos homens. O que hoje chamam assdio, antes era cantada. Doroti lembra que alguns figures tentavam aproximaes mais pessoais. Assdios que logo eram contornados: Mostrvamos que ramos profissionais srias. Atuar no jornalismo esportivo tambm exigia das profissionais duplo esforo: mostrar competncia e superar preconceitos. Claudia Sanz desde 1987 reprter especializada em cobrir esportes. Quando eu dizia que trabalhava na editoria de esportes, as pessoas invariavelmente perguntavam: Mas voc entra no vestirio para entrevistar os jogadores? Claudia trabalhou pouco na cobertura de futebol, prefere o espor40 te amador. Mas lembra que dificilmente era escolhida para trabalhar fora de Florianpolis porque os jornais, acostumados a mandar equipes com motorista, fotgrafo e reprter, colocavam todos no mesmo quarto no hotel e, se eu viajasse, a empresa teria um custo adicional, pois teria que reservar dois quartos. No foi fcil para Claudia se impor profissionalmente. Era recebida com certa resistncia, sem contar que num mundo masculino, como o esporte, as cantadas, as gracinhas

e o assdio sempre existiram. Eu sempre tirei de letra tudo isso, mas tive que me esforar mais do que muitos homens para conquistar meu espao. Aquela coisa de matar um leo por dia. A seriedade e a competncia profissional foram reconhecidas: em 1995, Claudia Sanz ganhou a Bola de Ouro - prmio entregue aos cronistas esportivos de todo o pas. Com a honraria, quebrou um tabu: at ento os agraciados eram radialistas e homens. Claudia, entre as mulheres, a que est mais tempo em atividade no jornalismo esportivo de Santa Catarina (18 anos). Fora das redaes, as mulheres jornalistas tambm tm histrias para contar. Suzete Antunes trabalhou no Dirio Catarinense no final da dcada de 80. Reconhece que, na redao, o convvio entre os colegas foi sempre harmonioso. O que considera ser o maior exemplo de sexismo estpido aconteceu quando passou a atuar como assessora de imprensa. Viu uma colega ser preterida a assumir um posto de chefia por ser mulher. Argumento do chefe: E se eu for jantar com um jornalista homem, como posso ir acompanhado por uma assessora, uma mulher! Entre as jornalistas que trabalham nas emissoras de televiso, alm da eterna preocupao com a aparncia (exigncia tambm para os profissionais do sexo masculino), h percalos a serem superados. Ligia Gastaldi - h mais de vinte anos trabalhando na RBS/TV percebe que h jornalistas que fazem do visual um marketing pessoal: conheo casos de mulheres que vestem roupas mais ousadas para conquistar certas vantagens no trabalho, mas eu sou contra isso e nunca usei de tal artimanha. Pelo contrrio, tomo muito cuidado com meu visual. Nunca vou trabalhar de saia curta, ou com decote acentuado. A profissional para ser respeitada tem que assumir uma postura sria. O que me livrou de algumas cantadas indesejveis. 41 A seriedade profissional no a impediu, no entanto, de ser agredida. Foi durante uma reportagem sobre a Farra do Boi, em Florianpolis. Os farristas, irritados com a presena dos reprteres, passaram a agredi-la verbalmente, chamando-a de mulherzinha e vagabunda. Naquele momento tenso ficou ntido que se fosse um reprter a reao no seria to violenta.

Histrias sobre a atuao das mulheres na imprensa de Santa Catarina so muitas. Se, com a ajuda da mquina do tempo, fssemos entrevistar Maura de Senna Madureira, ela certamente teria muito que contar. Maura foi a pioneira. Seu primeiro texto foi em resposta a um desafio: Jos Acrsio, atravs do jornal O Elegante, desafiou publicamente as mulheres a escreverem na imprensa de Florianpolis. Maura no s aceitou o desafio como, a partir do seu primeiro texto, no mais deixou de escrever. No comeo usava um pseudnimo - Alba Lygia - logo esquecido. Foi ela a primeira autora de um artigo feminista publicado em Santa Catarina (1923). Dois anos aps a publicao do seu primeiro texto, escreveu: Nesses ltimos tempos, com especialidade, muito se h pregado uma profisso para a mulher. Que ella se no dedique exclusivamente aprendizagem de encargos domsticos e prendas especialmente feminis. E o que mais: que no viva unicamente a cuidar de si, para aparecer bem, bem mascarada, fora de rouge, carmin e crayon, vivendo a vida material das futilidades e do coquettismo, das mentiras de salo, cuidando das modas e de flirt, em busca do marido rico, de invejvel posio social, a quem levianamente entregar o corao e a vida, sem a menor reflexo, quase sempre sem amor, e que lhe assegurar a mesma existncia cmmoda e chic.(...) O aumento do nmero de mulheres jornalistas nas redaes em Santa Catarina est relacionado diretamente ao aumento dos cursos de comunicao. Nas ltimas dcadas, medida que as universidades - pblicas e particulares - formavam jornalistas, as mulheres passaram a buscar empregos nas empresas de comunicao. Basta ver os nmeros para constatar que a presena das mulheres jornalistas nas diversas mdias passou a predominar. O Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina iniciou em 1979, e a primeira turma, formada em 1982, era composta de 9 homens e 9 mulheres. Dez anos depois, em 1992, de um total de 42 20 formandos, 15 eram mulheres e 5 homens. Em 2003 se formaram 19 mulheres e 14 homens. Nas universidades particulares, o percentual de mulheres jornalistas tambm superior ao de homens. No curso de Comunicao Social da Univali, no primeiro semestre de 1995 se formaram 7 mulheres e 3 homens; em 2000, eram 27 mulheres e 7 homens; em 2004, 24 mulheres e 8 homens. No vestibular de 2005, entre 40 aprovados, 28 so mulheres. Na

Unisul, em Palhoa, em 2005 ingressaram no curso de jornalismo 24 mulheres e 6 homens no perodo diurno e 18 mulheres e 8 homens, no noturno. No curso de Comunicao Social da UNOESC, em So Miguel do Oeste, de um total de 50 aprovados em 2005, 36 so mulheres. Na Unochapec, 31 mulheres ingressaram no curso de jornalismo em 2005 e apenas 14 homens. A maioria dos que concluem os cursos de jornalismo no exercer a profisso - ou por falta de emprego ou por terem optado por outras profisses. A presena das jornalistas nas redaes representa um expressivo percentual. No entanto a presena das mulheres nas redaes no tem correspondido ao acesso aos postos de relevncia. A visibilidade cada vez maior das mulheres nas diversas mdias no corresponde ao aumento de poder. A jornalista Ana Cludia Menezes observa que h uma dificuldade das mulheres em chegarem a postos de chefia em Santa Catarina. Elas realizam um trabalho competente em suas editorias, mas, com raras excees, atingem o cargo de editoras. necessrio refletir sobre esta tendncia. Sendo nossa profisso uma atividade intelectual, nossas tarefas e rotinas esto relacionadas com o escrever, com o pensar, com o observar. Conciliar a vida domstica com a profisso sempre foi um grande desafio para as mulheres. Para as que escolheram jornalismo como profisso, o desafio administrar a vida pessoal com a imprevisibilidade da funo. Devido a uma pauta inesperada, a reprter Imara Stallbaum foi fazer uma matria no dia do aniversrio de uma das filhas. Correu atrs da fonte, escreveu e finalmente foi para casa. A filha aniversariante j estava dormindo, abraada irm mais velha. Histrias que aqui so contadas evidenciam que o longo caminho percorrido pelas mulheres jornalistas em Santa Catarina tem sido de conquista, de quebra de tabus, de preconceito e at de enfrentamento. Convm sublinhar que as barreiras a vencer so heranas culturais. H quem 43 diga que se hoje um grande nmero de mulheres est nas redaes porque os salrios pagos aos jornalistas so baixos. Talvez, no dia em que no mais dedicarmos espaos para registrar a presena da mulher na imprensa, estejamos atingindo o ideal no mercado de trabalho - ou seja, oportunidade igual para todos, com salrios dignos. E no mais ouviremos a pergunta: E sua me sabe que voc vai viajar sozinha!?

44 DE VOLTA AO JORNAL, A ANGSTIA: SERA QUE VI A COR LOCAL? Elisabeth Karam* Em literatura, cor local a caracterstica exterior e particular dos lugares e das pessoas. No Jornalismo tambm h disso, s que, algumas vezes, esse aspecto nem sempre visvel.Neste texto, Karam conta a dificuldade de descobri-lo, alm de diferenciar a informao pura e simples do conhecimento Um fantasma que sempre assombrou minha vida de reprter foi a tarefa de ir atrs da chamada cor local, ou seja, ir ao palco do acontecimento sobre o qual iria escrever, para ter a percepo direta do fato e captar sua dimenso exata. Notas de Rodap: *Elisabeth Karam estudou jornalismo na PUC de Curitiba e trabalhou no jornal da Universidade de So Paulo. Foi correspondente de O Estado de So Paulo em Florianpolis e reprter de jornais e revistas do Paran e Santa Catarina. Escreveu monografias sobre cinema e assessora de imprensa da Unisul. 45 Era um fantasma a assombrar, porque sempre achei que tinha de voltar da busca da cor local com algo inusitado e surpreendente. Eu tinha que voltar com a grande matria, a grande declarao, enfim, com a insubstituvel cor local. Era presso demais. Claro que no nas reportagens sobre acidentes, por exemplo, em que a cor local estava explcita, ou numa entrevista na casa ou no trabalho de uma pessoa, cujo ambiente e movimentao serviam para compor o perfil do entrevistado. Era, sim, naquelas matrias em que eu j havia coletado vrias informaes e feito outras tantas entrevistas por telefone. Enfim, no havia nada de muito palpvel que poderia encontrar l, na cor local, e que fosse alterar ou acrescentar substancialmente o contedo das informaes j obtidas.

E assim foi naquele dia em que o chefe de reportagem me incumbiu de fazer uma matria sobre o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, a 40 km ao sul de Florianpolis, que sofria constantemente denncias de explorao ilegal. L fomos ns. O fotgrafo e eu andamos pelas estradinhas que cortavam a mata, s vezes ladeando um rio que proporcionava uma excelente foto, outras vezes passando na frente de uma madeireira ou da casa de um morador, e fizemos nosso trabalho. Mas nada de declarao forte de um explorador ou de um explorado... E, no caminho de volta, aquela angstia: ser que eu vi a cor local? que tinha de fazer diferena eu ter estado l, passado uma tarde andando pela serra, em vez de captar as informaes sem sair da redao do jornal. Essa angstia persistia at eu sentar na frente da mquina de escrever, na redao. No caminho de volta, j tinha repassado mentalmente todas as informaes colhidas e feito uma primeira estrutura, tambm mental, da matria que iria escrever. Aqui e acol havia coisas que no se encaixavam na estrutura montada, mas, bem, vamos ver o que vai sair. E a eu comeava como o imaginado e, muitas vezes, a seqncia ficava diferente, as coisas iam se encaixando de outra forma. Eu seguia arredondando arestas, preenchendo lacunas e, de repente, estava l: a cor local dando o tom do texto. No era nada bombstico, mas o fio condutor da narrativa. 46 s vezes, o lado pungente da notcia, outras vezes, a descrio da realidade. Mas, sempre, quando eu estava exercendo a profisso na verdadeira acepo da palavra: reportando algo, transmitindo a outros o que esses outros no tinham tido oportunidade de ver. E era quando eu mais facilmente escrevia o texto. A cor local impunha seu prprio ritmo no texto e na seqncia dos fatos, sem eu pensar se este seria mesmo o lead mais indicado ou se o pargrafo seguinte teria que conter esta ou aquela informao ou, ainda, se o final seria melhor desta ou daquela maneira. Ficava tudo redondo, dentro das normas exigidas, mesmo quando isso queria dizer transgredir essas normas. claro que matrias corretas podem ser feitas de uma entrevista pingue-pongue com um pensador genial ou com um artista que tem muito a dizer; ou quando o texto desmascara ou humaniza as estatsticas, mostrando a realidade por trs dos nmeros; ou quando se mostra que no h motivos para comemorao no Dia do ndio, no Dia da Independncia e em outras

datas. Tambm gratificante para o reprter chegar redao com uma entrevista surpreendente de um poltico; ou descobrir que a lista das principais empresas que esto fazendo obras no governo praticamente a mesma das que financiaram a campanha do ento candidato; ou, ainda, conseguir escrever sobre uma grande conquista cientfica de maneira que qualquer leitor entenda e perceba a importncia para o seu cotidiano. Mas no h como escrever sobre o que contm o lixo da cidade, sem sentir seu aroma e a sensao de, aos poucos, identificar papis e bilhetes relevantes no meio desse lixo. E estar l, no hall da Assemblia Legislativa, testemunhando a comisso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fazer aos deputados a entrega solene do pedido de impeachment do governador. E se D. Paulo Evaristo Arns no concede entrevista porque est diminuindo o ritmo de trabalho, que melhor gancho para matria do que isso? (Claro que a inspirao vem de Gay Talese e sua reportagem sobre Frank Sinatra, s observando a cor local em volta do cantor, e que se tornou um clssico do jornalismo). Antigamente, os reprteres chegavam ao jornal, recebiam duas ou trs pautas e saam para a rua, atrs das informaes, depois de 47 alguns rpidos telefonemas para marcar as entrevistas possveis. Se nas primeiras horas podia ser um pouco tranqilo, das 5 s 7 da tarde era um sufoco: todas as informaes tinham que estar coletadas at as 5, e a era correr de volta ao jornal e escrever at as 7. Nessas duas horas, no dava nem para respirar; no mximo, mais um telefonema na tentativa de localizar algum ou checar as ltimas informaes. E tinha o dia em que a gente fazia matria especial, ou seja, ficava um dia inteiro com um assunto s, e depois tinha outro dia inteiro para escrever uma matria maior, que normalmente ocuparia uma pgina inteira do jornal de domingo. Era assim. Mas, pensando bem, quem hoje leria uma dessas matrias de pgina? J est j tudo na internet, no Google, no YouTube. E justamente dessas fontes que bebem muitos reprteres. Em uma hora, consegue-se levantar informaes completas sobre o desmatamento da Amaznia ou da Tanznia, com nmeros, aspectos sociolgicos, histricos, menes a seus principais personagens, cronologia dos acontecimentos e, de quebra, declaraes de vrias fontes - quem que no tem um blog hoje em dia? A, bastam mais uma

ou duas entrevistas para fechar buracos no texto e dar voz a todos os lados envolvidos, e, pronto!, est feita a matria, com foto e tudo. (No sempre assim, verdade, mas possvel ser assim). E a tal da cor local, onde anda? Fazendo uma retrospectiva pessoal, eu vi a foto de Che Guevara morto nas revistas ilustradas da poca; Woodstock eu vi no cinema; muita coisa sobre a movimentao de 68 eu li em livros; o dream team da Copa de 70 eu vi na TV, assim como a comoo pela morte de John Lennon. Mas hoje tudo mudou. Pela internet eu acompanhei o pnico ps-choque dos avies nas torres gmeas de Nova York. A informao chega com mais velocidade, em tempo real. E-mails inundam as caixas postais de todo mundo com informaes, estatsticas, novidades, histrias passadas, alertas, fatos e relatos chocantes. Todo mundo recebe tudo. Quantidades e mais quantidades de informaes chegam at ns, basta sentarmos na frente de uma tela - do computador ou da TV. O cidado chins que se postou na frente dos tanques, durante a revolta dos estudantes em Pequim, 1989, repetiu a cena ocorrida na 48 invaso da Tchecoslovquia, 1968. As duas fotos comoveram o mundo. Mas no foram suficientes para mover esse mundo. Hoje, um muro est sendo construdo para isolar Israel do mundo rabe. Outro est sendo projetado entre os Estados Unidos e o Mxico. H uma priso aqui na Amrica Central para onde os Estados Unidos enviam prisioneiros capturados do outro lado do oceano. H gente morrendo de fome na frica. O progresso se esqueceu de prever sua autosustentao. A Anistia Internacional continua em atividade, com muito trabalho em todo o mundo, e a estrada para a Colmbia ainda uma das mais perigosas do planeta. 49 BRIGA CLEBRE ENTRE A OLIVETTI E O COMPUTADOR Gervsio Luz* Experiente professor de portugus,

Gervsio Luz travou um dos mais renhidos combates entre a tradio e a modernidade. Fugiu, desconversou, e agora veja aqui a sua histria Corria o ano de 2004. Horcio Antnio Braun, na sua pgina do caderno de Lazer, do Jornal de Santa Catarina, em nota intitulada Confisso (que bem poderia ser nominada de Dois no-plugados) desabafava: T todo prosa... que depois de 11 anos e meio escrevendo esta coluna com o sistema Fcil (criao de uma empresa de informtica blumenauense que tentou enfrentar a Microsoft aqui no Brasil), finalmente passei para o Word. T engatinhando nos seus segredos, e como velho e teimoso urso, abandono de vez a mquina de escrever, entregando-me de corpo e alma para o computador. Sou o ltimo aqui no Santa, mas no o ltimo na regio: h ainda os jornalistas Nagel Milton de Melio e Gervsio *Gervsio Luz nasceu em Rio do Sul e mudou-se para Blumenau, onde lecionou portugus. Foi reprter e editor em dezenas de jornais e publicou dois livros de crnicas. 50 Tessaleno Luz. Eles ainda resistem brava e heroicamente informtica. Muito antes, uma dcada talvez, quando me aposentei como professor no Colgio Santo Antnio, inventaram de informatiz-lo. Um professor, gordo e simptico, encomendado do Rio de Janeiro, dava as aulas. Notou, de cara, meu menor interesse pela nova arte. Sentava-me no fundo da sala, apenas cumprindo o dever de estar l. Um dia, provocou-me: - Professor Gervsio, quiqui? Na bucha, devolvi: - Sou um computadorfobo de berrio! Frei Pascoal, o diretor, chamou-me a ateno: - Ests usando de uma palavra que vem de dois idiomas diferentes. Irritado, devolvi: - Padre, sei bem, usei um hibridismo: computador palavra nossa, e phobus, grego, significa averso total a ele.

Nesse meio tempo, entra em cena um amigo meu, de mais de 50 anos. O jornalista Mauro Jlio Amorim, l da Ilha de Santa Catarina, chora numa carta: Meu irmo alemo, no agento mais, me obrigaram aqui na Polcia Militar a usar o computador. No d: uma lata de sardinha, metida a besta, est disposta a me dar ordens. Comecinho dos anos 90. Editava o caderno de Lazer no Jornal de Santa Catarina. Mquina de escrever - nheque, nheque em todos os ouvidos - era o canal entre o jornalista e o jornal. Havia semiportteis e as possantes Remingtons. Mas de repente, eis que surge a modernizao. Foram as ditas para o ferro-velho. O Gervasinho viu-se, obrigado e acorrentado, a enfrent-lo. O computador... No tenho absolutamente nada contra o computador. Ele que no gosta de mim. O mesmo disse Ariano Suassuna, madrugada dessas, ao J Soares. - Imagina que uma amiga mandou um e-mail e aconteceu o seguinte. O prenome, Ariano, tudo bem, saiu certinho, porque o aparelho parece gostar de raa pura. Mas o segundo nome ele estranhou: Vilar virou Vilo. E o sobrenome, talvez por abrigar uma enormidade de esses, transformou-se em Assassino. Logo, batizou-me de Ariano Vilo Assassino. 51 Qualquer dia, o nome deste cronista soar digno de palavro, digno de Nelson Rodrigues. Quando o Santa informatizou-se, veio uma professora de Porto Alegre, lindssima, incumbida de levar os funcionrios a mergulhar mundo da digitao. Eu assistia, impaciente, s aulas tericas. Ao chegar nos exerccios, saa de mansinho. Minutos depois, Jane, a mestra, surpreendia-me numa sala, bem escondida, a matar a saudade da mquina de escrever. Um dia, expliquei que corria contra o relgio. Tinha 4 pginas de Lazer para editar, alm da coluna diria Conte Aqui, que me tomava algum tempo.Compreensiva achou a soluo. Durante os exerccios, eu estaria elaborando minhas matrias... s que no computador. Dominei-o, mas me restringi em digitar e editar to somente. Nada de enviar ou receber correios eletrnicos, como querem nossos irmos dalm-mar. Os lusos abominam palavras estrangeiras, incluindo o e-mail.

Assim passei, dcada e tanto sem mexer mais nele, voltando, todo faceiro e alegre, minha intimorata semiporttil. Agora, recebo bilhete de um jornalista conhecido que diz: D pra perceber quando as palavras flutuam e no so atiradas no micro. Teu texto t saboroso. Estarrecido fiquei ao ver voc com e-mail. Realmente, me surpreende. Outra amiga, pianista, me relembra: - Ns no somos do tempo de apertar boto! Minha mquina datilogrfica resta silenciosa. Fico a repetir, como Millr Fernandes, em sua pea teatral: - Computa, computador computa... 52 EQUIPES MNIMAS E A NOTCIA VELOZ Ildo Silva* O primeiro jornal brasileiro a ser informatizado, dizem, foi o DC, em 1986. At ento, a notcia escrita pelo reprter passava pelo chefe de reportagem, pelo revisor, pelo editor de pgina, pelo editor da capa e pelo pessoal da composio. Hoje um reprter faz tudo isso sozinho

O primeiro jornal brasileiro a usar o computador na redao foi o Correio do Povo, de Porto Alegre. Comecei a trabalhar na redao da Rua da Praia, em janeiro de 1987. Mas h quem diga que o primeiro jornal brasileiro totalmente informatizado foi o Dirio Catarinense, de Florianpolis. Para os dois casos, o ano era 1986. Se pensarmos no computador como a ferramenta que temos hoje, com conexes em banda larga, acesso s maiores bibliotecas e bancos de dados do mundo inteiro, disponibilizados Notas de Rodap: *Ildo Silva foi reprter e editor nos jornais Correio do Povo e virio Catarinense. Trabalhou em televises de SC e Braslia. diretor da TV-Unisul, em Tubaro. 53

a partir da criao da World-Wide-Web (www), a nem vale o exemplo do Correio do Povo e tampouco vale o exemplo do Dirio Catarinense. Os computadores daquela primeira gerao nos jornais brasileiros eram frgeis, se comparados com os sistemas atuais. Os softwares eram limitados. A tela era gigantesca. Era verde. Cansava os olhos dos jornalistas, mas, de qualquer sorte, foi um avano no projeto do jornal impresso brasileiro e abriu caminho s novas tecnologias existentes atualmente e, melhor, quelas que j esto a caminho do nosso ofcio. A velocidade das mudanas impressiona. Jornais como o Dirio Catarinense chegaram a ter cerca de 800 profissionais no ano da inaugurao, hoje so empresas que empregam cerca de 300 pessoas. Havia um sistema de montagem de pginas aps a fase da redao, que empregava dezenas. O trabalho daqueles homens e mulheres era recortar e colar textos compostos. Os montadores de pginas foram todos demitidos. Alguns permanecem, contudo, sem aquela funo. Eles agora imprimem fotolitos que so enviados rotativa para a impresso do jornal. Mas trabalhei tambm em televiso. Comecei na TV Gacha, em 1981. Hoje a TV Gacha chama-se RBSTV Porto Alegre. Eu era iluminador. Acendia as luzes para as gravaes dos boletins dos reprteres Carlos Dornelles, Geraldo Canalli, Paulo Vasconcelos, Luci Baldissera, Timteo Lopes, Joo Bosco Vaz, Athades Miranda, Gilberto Lima. Jornalistas de primeira linha. Nossas equipes tinham cinco pessoas. O reprter, um cinegrafista, operador de VT, iluminador e motorista. O carro era uma Chevrolet Veraneio, que comportava e transportava confortavelmente uma equipe com aquela dimenso. Hoje as equipes podem andar nos menores veculos de fabricao nacional. O cinegrafista motorista. A iluminao e o VT so embutidos no equipamento nico de externa: a cmera de vdeo. Depois do trabalho daquela equipe, havia uma redao cheia de gente esperando para finalizar o trabalho da equipe de externas. Um editor de imagens, que operava as mquinas mecnicas de edio. Um editor de texto, que decidia o que seria aproveitado de todo o trabalho daquelas cinco pessoas nas gravaes externas. Alm de um editor-chefe. Hoje, o prprio reprter usa o computador e finaliza as reportagens. Esta edio pode comear no prprio veculo a caminho da redao, com uso de mquinas portteis. O editor-chefe o mesmo apresentador. A marcao de

54 pautas as apuraes por telefone hoje so realizadas por um nmero cada vez menor de profissionais. Em 1988, mudei para Braslia. O texto que seria lido pelos apresentadores dos telejornais locais e nacionais ainda era redigido nas mquinas de escrever. Os textos nacionais, com cabea de locutor e referncias das reportagens, como identificao dos reprteres e entrevistados (os crditos), eram enviados via telex. Gravava-se uma fita, toda perfurada, para depois a mensagem ser transmitida rapidamente. O custo da conexo era alto. Era uma conversa entre Braslia e So Paulo ou Brslia e Rio de Janeiro, via Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicaes). O envio das reportagens tambm era via Embratel. Os editores dos telejornais nacionais precisavam comprar canalizao entre as cidades para que a reportagem fosse transmitida. A gerao era em intervalos de 10 minutos. O custo da operao era bastante alto. Hoje esta realidade d lugar a conexes das prprias emissoras de televiso. possvel estar permanentemente conectado entre as maiores cidades dos estados brasileiros ou entre as principais capitais do pas, alm de linhas diretas com diversas cidades do mundo. Assim, a gerao de matrias jornalsticas pode se dar a qualquer momento. Estas facilidades permitem uma maior velocidade na produo do jornalismo de impressos, rdio e televiso. E isto aumenta a responsabilidade do jornalista, uma vez que a maior velocidade exige apurao voraz dentro de um tempo cada vez menor. Quanto mais rpido o processo. em veculos com cada vez menos jornalistas envolvidos na apurao e na reviso dos contedos, cada vez mais frgil e desconfortvel a situao destes jornalistas. Qualquer descuido fatal. O erro ser impresso ou irradiado com mais facilidade, uma vez que a velocidade dos processos muito maior, onde cada vez menor o nvel de conferncia. No h revises a no ser aquelas promovidas pelos profissionais que buscam as informaes e redigem os textos. Os jornalistas norte-americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel1 afirmam que o jornalismo moderno nasceu nas casas pblicas de Londres, os chamados pubs, onde os viajantes narravam suas aventuras e situaes vividas ao longe. Os tipgrafos mais atrevidos,

na primeira dcada dos 1600, comearam a recolher estas informaes e a imprimir os primeiros jornais com fofocas, informaes e discusses polticas. No Brasil 55 ainda dos ndios, o primeiro relato foi escrito por Pero Vaz de Caminha, uma espcie de jornalista imperial portugus, mandado vir nas caravelas de Cabral a fim de relatar ao rei portugus as ocorrncias da viagem dos desbravadores que se tornaram descobridores. Nestes primeiros 400 anos de imprensa, o jornalismo evoluiu sem muita velocidade, mas com grande qualidade. Foram abertos debates e discusses sobre o fazer-jornalstico, sobre nossa tica, sobre nosso papel na sociedade. A divulgao da informao nasceu de uma necessidade humana. A busca era desvendar o desconhecido. Nos pases nrdicos, por exemplo, h cerca de 80 exemplares de impressos para cada grupo de mil pessoas. No Brasil, este nmero no chega a 20 exemplares por mil. No Chile e na Argentina, a mdia de mais de 30 por mil. Se em 1609 havia a necessidade de esperar os viajantes chegarem para ouvir deles as histrias, hoje podemos ir a qualquer lugar do mundo em busca de informaes. Nos ltimos 10 anos, graas evoluo tecnolgica, a prtica do jornalismo deu um salto gigantesco. A velocidade que a circulao de informaes alcanou no tem registro na histria da humanidade. Foi muita coisa em um curtssimo espao de tempo. O discurso do presidente chins no alvorecer de um dia, enaltecendo o crescimento econmico, declarando a busca pela paz com Taiwan, determina um dia de bons negcios por todo o globo. Os movimentos agora so dirios. O maior fenmeno da atualidade, dentro do jornalismo moderno, a realizao da Reportagem Assistida por Computador, onde a busca feita em bancos de dados de todo o mundo. A rede mundial de computadores foi concebida durante uma severa ameaa pela qual passou a humanidade: a possibilidade da autodestruio. A Guerra Fria. O medo de um ataque nuclear intercontinental fez com que os bancos de dados fossem pulverizados em dezenas de lugares. Se um ponto fosse atacado e destrudo, haveria uma cpia preservada. Depois desta criao de alternativas de salvamento da informao criada, bastou dar acesso s pessoas. Hoje, as informaes no tm fronteiras. Bancos de pesquisas esto disponibilizados.

O professor Felipe Pena2 adverte que, na sociedade ps-industrial, no h bem mais valioso que a informao. Mercados financeiros esto conectados em tempo real, fluxos de capital mudam de ptria em frao 56 de segundo e mesmo um simples acesso Internet j nos coloca como ativos integrantes do estratgico banco de dados do mercado global. No exagero, fato. Seu perfil de consumidor (que h muito substituiu a palavra cidado) mapeado diariamente por meio de indicaes de gostos e preferncias registradas pelo clique do seu mouse na web. O Big Brother j existe, amigo. E voc est nele. Nesta evoluo no podemos perder o foco. O jornalismo precisa ser feito com responsabilidade. No pode haver um enfraquecimento da qualidade do texto por conta da velocidade imposta pela tecnologia. No importa quanto mais velozes sero os processos do jornalismo e da transferncia da informao. Ser sempre necessrio que haja um profissional por trs do teclado do computador ou frente da tela, com um sintetizador de voz capaz de colocar no HD da mquina um texto ditado pelo homem. A qualidade do jornalismo na era da Internet deve ser esta. No o veculo, mas a capacidade humana de buscar continuamente a verdade sobre as questes sociais mais relevantes e interessantes que se queira narrar. Notas de Rodap: 1 Kovach, BilI; Rosenstiel, Tom. Os elementos do jornalismo. So Paulo: Gerao, 2003. 2 Pena, Felipe. Teoria do Jornalismo. So Paulo: Contexto, 2005. 57 QUANDO A VELOCIDADE ATROPELA A RAZO Laudelino Jos Sard* Enquanto o profissional do terceiro milnio vive enfeitiado pela web, o Jornalista da Olivelti ocupava-se, longe da mquina, em procurar a notcia no desassossego diuturno de alimentar o Jornal com boas matrias, sempre querendo ser o autor da manchete

A tecnologia da informao seria hoje notabilizada apenas como uma avanada ferramenta de trabalho se o jornalismo no tivesse deixado para trs muitos questionamentos a respeito da sua misso. A maioria das organizaes empresariais mergulha firme na era do conhecimento, readequando seus valores e produtos s transformaes sociais e econmicas, sem precisar submeter-se a terapias para neutralizar os Notas de Rodap: *Laudelino Jos Sard trabalhou nos jornais O Estado, Jornal do Brasil, Correio Brasiliense e Dirio Catarinense. Foi um dos fundadores da TV Cultura (Ufsc/Udesc) e da TV Unisul. professor-doutor da disciplina Comunicao nas Organizaes, na Unisul. 58 efeitos de nostalgias contagiantes ou para reencontrar-se num mundo onde, por exemplo, a mdia aparenta-se sonmbula, correndo atrs das mudanas, preocupando-se at com a vida ntima de artistas e celebridades sob o temor de fugir-lhe a notoriedade. Se, at meados dos anos 80, principalmente em Santa Catarina, o jornalista precisava acelerar seu trabalho em razo de a tecnologia no ensejar maior rapidez, hoje, ao contrrio, a tecnologia proporciona velocidade mxima e, no entanto, faz-se jornal impresso no mesmo tempo que se levava nos anos 70. Uma matria de 50 linhas necessitava de, no mnimo, sete minutos para ser expelida pelo telex das agncias de notcias. Atualmente, 50 notcias invadem o e-mail do jornalista em menos de cinco minutos. A diferena que os sete minutos encarceravam o jornalista na longa espera, acomodando-o em leitura cautelosa, proporo que as linhas iam se completando no telex. Hoje, ao comear a ler o primeiro pargrafo de uma notcia, o jornalista percebe que outras dezenas de informaes acabaram de chegar, aguardando seus critrios de avaliao e aproveitamento. E, nessa neurose da quantidade x qualidade e do tempo x prazo, a ansiedade atropela-o, enquanto a organizao jornalstica corre atrs de um modelo de seleo e controle com eficincia da informao, preocupada com a avalanche que acaba congelando a relao aptica e recheada de desconfiana entre o veculo de comunicao e seus usurios. Mergulhado na velocidade com que a tecnologia despeja informao em sua mquina, o jornalista sente com impacincia a necessidade de tambm acelerar-se e, assim, mecaniza-se num processo em que se despe de ideologia e compromisso social. A notcia ganha sabor de espetculo, como a televiso j vem fazendo h dcadas. O papel social da

comunicao perde espao, porque a velocidade impe critrios instantneos e, assim, uma criana flagrada roubando uma loja notcia transitria, pouco interessando a causa que a levou a praticar o crime. O disse-disse ganha espao para falsear uma clere eficincia, passando a afirmao ou denncia, principalmente no campo poltico, a ser descartvel, sem merecer discusso e muito menos crtica. Com isso, o jornalismo descompromete-se com solues ou concluses de problemas sociais, econmicos e, principalmente, polticos. A amnsia toma conta da comunicao de massa, hoje movida pela emoo do 59 espetculo. O jornalismo parece romper com um compromisso ainda maior, a histria. No final de 1979, caiu um avio da Transbrasil no norte da Ilha de Santa Catarina, matando 54 pessoas. Se vivssemos naquela poca a maquinao tecnolgica de hoje, o jornal O Estado teria espetacularizado o fato, sem se preocupar com a causa da tragdia. No entanto, o jornal teve a capacidade de apurar que um oficial da Aeronutica que comandava a aeronave e que alguns quilos de ouro sumiram dos escombros. Talvez por causa desse furo de reportagem, o inqurito do acidente no foi concludo at hoje. O prprio jornal pecou em no exigir, sistematicamente, a apurao das denncias. Da mesma forma, podemos analisar um outro fato histrico ocorrido no mesmo ano, conhecido por Novembrada. Ser que, na velocidade de hoje, no teramos, na poca, omitido a questo do poder militar que comeara a fraquejar diante da reao popular, o que levou a ditadura a sinalizar para a retomada da democracia? No nos teramos limitado a exibir a bordoada nas imensas orelhas do ministro Csar Cals, ou o flagrante do arremesso do seu segurana ndio sobre os eletrodomsticos da loja Arapu? A HISTRIA NO SE REP