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DA OBRIGATORIEDADE À PRÁTICA PEDAGÓGICA: AS FORMAÇÕES DISCURSIVAS ACERCA DO ENSINO DE ARTE NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

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DA OBRIGATORIEDADE À PRÁTICA PEDAGÓGICA: AS

FORMAÇÕES DISCURSIVAS ACERCA DO ENSINO DE ARTE

NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

1

SILVANA MOURA DA SILVA

DA OBRIGATORIEDADE À PRÁTICA PEDAGÓGICA: AS

FORMAÇÕES DISCURSIVAS ACERCA DO ENSINO DE ARTE

NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal de Pernambuco,

como requisito parcial para obtenção do

grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª Drª Maria Luiza Neto Siqueira.

Recife

2004

2

Silva, Silvana Moura da Da obrigatoriedade à prática pedagóg ica : as

formações discursivas acerca do ensino de arte nos anos iniciais do ensino fundamental / Silvana Moura da Silva : O Autor, 2004.

138 folhas : il., fig., quadros. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal

de Pernambuco. CE. Educação, 2004. Inclui bibliografia e anexos. 1. Educação – Ensino de arte – Histórico e

legislação. 2. Arte – Prática docente – Concepção do p rofessor. 3. Análise do d iscurso – Fala e prática. I. Título.

373.67

372.5 CDU (2.ed.)

CDU (22.ed.) UFPE

BC2005-006

3

4

DEDICATÓRIA

A meu pai (in memorian), Bernardino Inácio da Silva, com quem aprendi

a humildade da vida e a capacidade de acreditar no ser humano...

A minha mãe, dona Silvinha, grande lutadora, por seu amor, e pela

valorização ao aprendizado, tornando-se um “modelo” de educadora...

A meus filhos Karla Daniela e Murilo, meu sobrinho Lucas e meus netos

Mayk e Swellen, símbolos de tolerância e paciência que testemunharam e

fizeram parte dessa batalha, compartilhando a ausência e a pouca presença...

A meus irmãos e irmãs – Tonho, Juca, Nita, Jó, Vado, Vaninho, Niltinho,

Benedito, Sílvia e Silma, pelo apoio que representam em minha vida, cada um

de seu jeito, acreditando e estimulando meus sonhos...

5

AGRADECIMENTOS

A construção de um trabalho dessa natureza torna-se possível pela

colaboração de pessoas que, em diferentes momentos, dão suporte e forma

aos sonhos que não são seus, doando energia para sonhar junto o sonho do

outro. Tornam-se mestres nos ensinamentos. Meus agradecimentos:

Aos educadores, alunos e gestores da escola campo de investigação,

pela disponibilidade em contribuir na realização deste trabalho.

Aos mestres: Drª Profª Célia Salsa e Gabriela Martin Ávila,

especialmente pelas contribuições na qualificação; Fernando Azevedo, pelas

contribuições que o tornara “co-orientador”, pela fé e luta na democratização do

ensino de Arte; à Drª Profª Graça Ataíde pela sapiência (uma vez mestra

sempre mestra) e disponibilidade em ser co-autora na autonomia intelectual de

seus discípulos; a Sebastião Pedrosa, pela disponibilidade e desprendimento

com que lida com o desconhecido, fazendo o outro sentir-se parte.

Ao Dr. Profº Sérgio Abranches, pela sabedoria em acreditar no ser

humano, apoiando sua jornada com mensagens e incentivos, estimulando e

ajudando no crescimento, além de seu compromisso com a construção de

conhecimento e da autonomia intelectual de seus discípulos, dosada com

respeito, amor e humor. Obrigada, Mestre! Mais uma vez!

A Drª. Profª Maria Luiza Neto Siqueira, que, como orientadora, conciliou

competência com paciência e respeito, tornando humana a construção deste

trabalho, com freqüentes doses de incentivo. Mas, sobretudo, pela

6

sensibilidade e coragem em aceitar o desafio de orientar um trabalho que

inaugura uma temática no Centro de Educação, abrindo espaço que traz a

possibilidade de uma nova linha de pesquisa: o ensino de Arte.

A Grande Mestra Letícia Ramos, pelas valiosas contribuições,

desprendimento e solidariedade, nos momentos que precisei de apoio, ora

como pessoa humana, ora como pesquisadora, ora como amiga.

Ao colega Everson, pelo prazer que expressou ao saber da existência

deste trabalho, pelas doses de incentivo em seguir adiante, compartilhando a

empolgação com o objeto de pesquisa, fazendo deste uma referência. É

pouco? Pela sua humildade, fazer do seu sonho alimento para o sonho do

outro: Vamos Publicar Nossos Livros!

A Luíza e Flávio, que foram mestres em acreditarem que a harmonia e o

movimento são capazes de compor uma orquestra de saberes mediados pela

busca de ser feliz.

A minha AMIRMÃ (uma mistura de amiga e irmã), Marluce Ferreira dos

Santos, pelo grande apoio que representa na minha vida acadêmica e pessoal,

dando exemplo de competência, humildade, justiça e compromisso com a

construção de um mundo mais humano.

E finalmente, indo, para a regra “Os últimos serão os primeiros”:

Meus agradecimentos a Deus e ao Arcanjo Miguel, que mesmo quando

não “tivemos” tempo de pensar nele, dispensou todo seu tempo para cuidar de

nós, com sua presença em cada uma dessas e de outras pessoas que

contribuíram nessa caminhada, apoiando cada passo desta etapa de meu

crescimento.

7

RESUMO

Este trabalho discute as concepções de Arte e de ensino de Arte de

professoras do Ensino Fundamental I da Rede Municipal da Prefeitura da

Cidade do Recife, propondo compreender sua prática frente à obrigatoriedade

do ensino de Arte na Educação Básica, assegurada pela Lei nº 9.394/96, da

LDB. A revisão bibliográfica sobre a temática discute o percurso histórico

ocidental dos conceitos de Arte, indicando elementos para a compreensão dos

paradigmas atuais sobre o seu ensino. A pesquisa foi de abordagem

fenomenológica, adotada por sua possibilidade de aproximação às professoras

como uma busca compartilhada do sentido de seu sistema de significados. O

aporte metodológico foi a Análise de Discurso – AD, com base na linha teórica

de Eni Orlandi, tendo como foco os discursos dito e não-dito das professoras,

apreendidos através de observação de sua prática e de entrevistas

semiestruturadas. Denominando seu discurso como pedagógico, analisamos

ainda o interdiscurso, concebido como a articulação desse discurso com o

institucional, o qual corresponde aos textos de base legal: LDB, PCNs,

proposta pedagógica da PCR. Verificamos, como base de sustentação do

discurso pedagógico: o ideário canônico; o ideário de beleza clássica; a livre

expressão, como sinônimo de liberdade. As professoras expressaram, como

dificuldades para o ensino de Arte, a carência de formação adequada e de

habilidade para trabalhar com Arte, o que denominamos de distância entre a

proposição instituída e sua operacionalização. Mesmo reconhecendo suas

limitações, quanto à sua formação e condições de trabalho, mostram-se

8

dispostas a discutir, com pesquisadores e definidores de políticas públicas,

suas dúvidas, necessidades e dificuldades, e assim, abertas às possibilidades

de superá-las. Inferimos que as questões aqui discutidas vêm contribuir para a

reflexão sobre a importância do ensino de Arte no currículo, considerando,

sobretudo, que se trata de uma linguagem, que atribuindo sentido ao seu

objeto de conhecimento, sua construção e/ou produção, comunica e expressa

saberes culturais e estéticos, sendo, portanto, merecedora de eqüidade em

relação às demais áreas.

Palavras-chave: Arte, Ensino de Arte e prática docente.

9

ABSTRACT

This work argues the conceptions of Art and teaching of Art by teachers of the

first grade of elementary municipal schools on Recife Town (supported by PCR

– The Town Hall), aiming understand the docent practical, facing that Art is a

compulsory subject in basic education and is assured by the LDB law Nº

9.394/96. The bibliographical revision on the thematic area argues occidental

route of Art precepts, indicating elements that guide the understanding of the

current paradigms about its teaching. The research was guided by

phenomenological approach, adopted for its possibility of approach to teachers,

aiming a shared search of the sense of its system of meaning. We make use,

as a methodological base for data analysis, of the Discourse Analysis – DA,

based on the theoretical line of Eni Orlandi, focusing the teachers’ said and not-

said (silence) speeches, apprehended through its practical observation and

semi-structuralized interviews. Denominating this speech as pedagogical, we

also analysed the inter-speech, conceivable as a decurrently link of institutional

speech, which correspond to texts of legal base: LDB, PCNs and texts of the

PCR Pedagogical Proposal. We verify, as a sustentation basis for pedagogical

speech: the canonic ideology, the classical beauty ideology, and the free

expression as a synonymous of freedom. The teachers had expressed as

difficulties for the education of Art, the lack of adequate formation and of the

ability to work with Art, what we denominated as distance between the

institucional proposal and the concretely done. Even recognizing its limitations

about formation and work conditions, the teachers demonstrated interest to

discuss with researchers and public politicians, concerning its doubts,

10

necessities and difficulties, and thus, were opened to the possibilities to

overcome them. We concluded that the questions argued here come to

contribute for the reflection on the importance of the education of Art in the

scholar’s curriculum, considering, over all, that Art is a language, attributing

sense to its object of knowledge, construction and/or production, report and

express esthetical and cultural knowledge, thus deserving equity in relation to

the other subjects.

Key words: Art, teaching of Art and docent practical.

11

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA....................................................................................................4

AGRADECIMENTOS ..........................................................................................5

RESUMO ............................................................................................................7

ABSTRACT.........................................................................................................9

INTRODUÇÃO..................................................................................................13

CAPÍTULO I – O ENSINO DE ARTE: UMA PRESENÇA NA HISTÓRIA E NA

EDUCAÇÃO.......................................................................................................22

1.1 – Arte: Os Diferentes Sentidos e Seu Referencial Ocidental...................23

1.2 – O Ensino de Arte: Influências Ocidentais na Educação Brasileira........27

1.2.1 – O Ensino de Arte no Brasil: Breve História da Democratização.....33

1.3 – A Arte e o Ensino de Arte na Contemporaneidade...............................40

CAPÍTULO II – ABORDAGEM METODOLÓGICA............................................55

2.1 – Fundamentos Teórico-metodológicos da Pesquisa: Caminho

Norteador.......................................................................................................56

2.2 – Análise de Discurso: Contribuições na Compreensão da Concepção

de Arte e de Ensino de Arte...........................................................................60

2.3 – Leitura do Quadro: A Escola Campo de Investigação ..........................63

2.4 – Seleção dos Sujeitos da Pesquisa .......................................................65

2.5 - Procedimentos da Pesquisa..................................................................67

2.6 – O Discurso da Professora na Entrevista...............................................69

2.7 – Corpus: Mapeando o Texto, Identificando o Discurso ..........................70

12

CAPÍTULO III – O DISCURSO SOBRE ARTE E O ENSINO DE ARTE ...........71

3.1 – Arte como Recurso aos Interesses Econômicos: Discurso

Institucional....................................................................................................74

3.1.1 – O Discurso Pedagógico Frente à Obrigatoriedade do Ensino de

Arte ............................................................................................................82

3.2 – Arte como Recurso a outras Disciplinas: O Discurso Pedagógico .......89

3.2.1 – Importância da Disciplina Arte Frente a Outras Disciplinas ...........89

3.2.1.1 – Apoio Administrativo e Pedagógico às Professoras com o Ensino

de Arte: Elementos Trabalhados................................................................90

3.2.2 – Dinâmica de Trabalho do Professor com o Ensino de Arte ...............96

3.2.3 – Arte: Relação Saber/Poder ..........................................................103

3.2.4 – Arte: Da Beleza ao Prazer ...........................................................106

3.2.5 – Arte como Livre Expressão: O Silêncio na Memória da Formação

.................................................................................................................108

3.2.6 – O Ensino de Arte: Atividades Múltiplas ou Interdisciplinaridade? 116

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................121

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................129

ANEXOS ........................................................................................................136

13

INTRODUÇÃO

14

Este trabalho tem sua origem nas inquietações vivenciadas na nossa

prática docente com o Ensino Fundamental I, na qual enfrentamos o desafio da

obrigatoriedade de ensinar Arte, uma área de conhecimento específico,

contudo, desdobrada na sua diversidade de linguagens: artes visuais, teatro,

dança e música.

O currículo de formação dos/as professores/as1 do Ensino Fundamental,

nos níveis médio (Normal Médio) e de graduação (Pedagogia), não contempla

disciplinas que os preparem para o efetivo exercício do ensino de Arte.

Entretanto, é reconhecido o direcionamento desse ao caráter polivalente na

prática docente no Ensino Fundamental I.

Essas considerações nos levam a identificar a obrigatoriedade, aqui

discutida, como algo de relevante complexidade, uma vez que vários desafios

se articulam: a polivalência da prática docente no contexto do Ensino

Fundamental I; o ensino de uma área de conhecimento – Arte, sem uma

adequada formação docente para sua práxis; a busca de uma prática docente

coerente com o reconhecimento da contribuição desse ensino para a formação

da cidadania dos alunos.

Além dessas reflexões, vale ressaltar o tabu que, ao longo dos anos,

envolveu a arte em mistérios, destinando-a para alguns privilegiados que

1 A ênfase de gênero, no que se refere à palavra professor/a, traz a intenção de contemplar a

categoria de profissionais que atuam no Ensino Fundamental I. Embora o magistério nesse nível de ensino seja, culturalmente, desempenhado eminentemente pelo sexo feminino, nos últimos anos tem atraído também profissionais do sexo masculino.

15

nasciam com o dom do fazer e pensar artístico. Mencionamos aqui a ideologia

do dom como a idéia de que o fazer e o pensar artístico são frutos de um

lampejo de inspiração, destinado a uns poucos nascidos com habilidade para

tal. Os indivíduos comuns, sobretudo os das classes populares, desenvolvem

atitudes decorrentes da absorção da ideologia do “dom”, materializando

limitações no que se refere à arte, acreditando não ter habilidades para realizar

uma leitura de uma obra de arte e, muito menos, criar algo que seja

considerado arte. A citada ideologia é um entrave ao ensino de Arte, levando

tanto o/a professor/a quanto o estudante a acreditarem que não são capazes,

e, portanto, a desconhecerem que o fazer artístico demanda, também, de um

processo de aprendizagem e de persistente trabalho, e não meramente de

inspiração divina.

Tem sido reconhecido que o efetivo exercício da cidadania está

vinculado à apropriação do conhecimento historicamente produzido pela

humanidade. Nessa produção, a Arte está incluída enquanto área de

conhecimento específico, dotada de elementos constitutivos transformados em

conteúdos escolares.

Assim, a apropriação de conhecimentos em arte instrumentaliza o

indivíduo a ler a realidade onde está inserido, alfabetizando-o noutras

linguagens codificadas e construídas historicamente pela humanidade.

No entanto, devemos lembrar que mesmo reconhecendo a presença da

arte no dia a dia da sociedade, no âmbito de sua formação escolarizada, os/as

professores/as do Ensino Fundamental I têm sido privados desse contato direto

com a obra de Arte e informações afins, que possibilitassem o desenvolvimento

de competências que os habilitassem a ler arte, além de uma perspectiva

16

formalista. Esse fato se legitima de um lado pela legislação educacional

brasileira e, por outro, pelo caráter canônico das Artes, o que garantiu ao longo

de sua história manter-se distante das classes populares.

É relevante destacar, em que pese toda a produção artística no último

século, a especificidade brasileira da supremacia de uma cultura transplantada

e suas formas sistemáticas de transmissão cultural monopolizada por ordens

religiosas (jesuítas) que, assegurando o analfabetismo das classes populares,

favorece o advento da cultura de massa, construindo um muro virtual entre as

classes populares e as manifestações artísticas culturais, como, por exemplo,

as artes plásticas, teatro, etc... (SODRÉ, 1999).

No que se refere à dimensão canônica da arte, podemos nos reportar

aos movimentos artísticos que, seguidos de seus manifestos, traziam “... as

idéias dos artistas sobre o mundo e sobre a arte, a maneira de realizar a

ruptura com o passado e de construir uma nova forma de expressão” (NARDIN

e FERRARO, 2001, p. 188). Esses manifestos propõem um caráter

universalista e, conseqüentemente, supervalorizam a dita “alta cultura” em

detrimento da cultura popular, contribuindo assim para perdermos a referência

de articulação da criação com o contexto social, mantendo a arte afastada do

restante da sociedade.

No Brasil, Ana Mae Barbosa (2002) traz essa questão no livro “Tópicos

Utópicos”, ao realizar uma crítica pós-colonialista, onde chama a atenção para

a atitude de colonizado dos brasileiros. Trata de parte da história do ensino de

Arte no Brasil, com o pioneirismo das escolas de educação superior trazida por

D. João VI, entre elas a Academia de Belas-Artes. Afirma que esta teve sua

organização como Escola Neoclássica de linhas retas e puras, em contraste

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com o barroco brasileiro, oriundo de Portugal, já modificado por artistas e

artífices. A mudança de paradigma estético, provocada pelos artistas

neoclássicos do Instituto de França que vieram para o Brasil, provocou um

preconceito de classe a partir da categorização estética, separando o barroco

para o povo e o neoclássico para a elite.

Esse afastamento da arte do restante da sociedade e a diretriz

norteadora dos currículos, tratando o ensino de Arte como atividade, na LDBEN

5.692/71, explicitam a ausência do ensino de Arte na escola, e desse modo, a

ausência de uma base sólida prática e teórica na formação do/a professor/a,

que permitisse prepará-lo/la para o exercício da referida área de conhecimento.

Assim, sem as diretrizes educacionais que garantiriam a teorização no

processo de formação escolarizada, e distanciado do acervo de produção da

arte, o/a professor/a vem sendo privado/a do conhecimento ampliado a esse

respeito.

Nesse sentido, não podemos perder de vista um olhar analítico do

ensino de Arte sob a ótica da base legal, sobretudo, do contexto que marca o

final da década de 80 e a década de 90, do século passado2. Na verdade, esse

período foi diferente, uma vez que se trata de um período de discussão,

elaboração e aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –

LDBEN, Lei nº 9.394/96. Esta lei, em seu § 2º, do artigo 263, assegura o ensino

de Arte como “componente curricular obrigatório”.

Entretanto, a obrigatoriedade do ensino de Arte, assegurada na LDB/96,

exige uma operacionalização, determinando a esse/a professor/a a promoção 2 Neste trabalho, todas as referências entre as décadas de 20 a 90 dizem respeito ao século

XX. 3 “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da

educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (BRASIL, LDB Nº 9.394/96).

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do desenvolvimento cultural do/a aluno/a através de sua prática docente, o que

tem se constituído um desafio, uma vez que, como área de conhecimento

específico, passa a ter um conjunto de conteúdos em diversas modalidades de

expressão artística, tais como: música, artes visuais, teatro e dança.

Esse fato nos remete a inferirmos que o desenvolvimento da práxis do

ensino de uma área de conhecimento, sobre a qual não houve formação

anterior, já se revela como uma atividade complexa. Junte-se a isso o fato

dessa diversidade de linguagens – artes visuais, teatro, dança e música –, ter

em comum, em princípio, apenas a criatividade. Questionamos, portanto, se

os/as professores/as se encontram instrumentalizados/as para desenvolver tal

prática.

De acordo com as considerações expostas, elaboramos as seguintes

questões: Que concepção de ensino de Arte norteia a prática docente no

Ensino Fundamental? De que forma os/as professores/as do Ensino

Fundamental conduzem o ensino de Arte? Foram tais questões, sob a ótica

das diretrizes da LDB/96, dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (Vol.

6) e da Proposta Pedagógica da Prefeitura da Cidade do Recife, que

orientaram a nossa investigação, na busca de esclarecer o objeto desta

pesquisa: as concepções de Arte e de ensino de Arte dos/as docentes do

Ensino Fundamental I, para o que mereceu destaque a sua prática pedagógica.

Embora esta categoria não tenha sido tratada com especificidade neste

trabalho, suas noções significativas transversalizam as discussões desta

investigação, reconhecendo relevantes contribuições, de autores como Paulo

Freire (1987, 1997), Tardif (2002), Giroux (1997) entre outros.

19

Professoras4 do Ensino Fundamental I, em exercício na Rede Pública

Municipal de Ensino da Prefeitura da Cidade do Recife – PCR, como pessoas

que vivenciam esse dilema de ensinar uma área de conhecimento para a qual

não estão preparadas, foram os sujeitos selecionados para a realização deste

estudo. Como critério para tal escolha, consideramos a antecipação da PCR

com sua decisão de inserir Arte no currículo enquanto disciplina obrigatória, no

Ensino Fundamental I, antes mesmo de ser assegurada na LDB, lei nº

9.394/96.

A PCR, através da Secretaria de Educação e Cultura, implantou a Arte

nas séries iniciais do Ensino Fundamental desde o ano de 1993, norteando sua

proposta pedagógica pelo princípio de cidadania. Naquele momento, a PCR

dizia reconhecer “... a arte como linguagem autônoma, como disciplina e seus

conteúdos específicos, como área de conhecimento” (Proposta Pedagógica da

PCR, Arte, 1996).

A legislação foi considerada como eixo desencadeador de mudanças,

desde a elaboração da Constituição Federal do Brasil (1988), que foi a base de

discussão e elaboração da Nova LDB/96 e de desdobramentos em outros

instrumentos afins, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs,

nos quais reconhecemos, no contexto histórico da década de 80 e 90, a

possibilidade de nos fornecer uma visão dos interesses econômicos, sociais,

políticos e culturais. De fato, os discursos, presentes na legislação, nos

permitiram situar a prática docente do professor do Ensino Fundamental I no

ensino de Arte, compreendendo-a nas relações que se estabelecem no meio

onde se desenvolve.

4 A utilização da palavra “professora”, apresentada no gênero feminino, refere-se às

professoras que foram sujeitos desta investigação.

20

Foram essas considerações que nos levaram a iniciar este estudo sobre

a prática docente do ensino de Arte das professoras do Ensino Fundamental I

na Rede Municipal do Recife, com o propósito de compreender essa práxis.

Nesse sentido, buscamos conhecer o estado de discussão sobre a prática

docente desse ensino, questões que se situam numa dimensão de ordem

intelectual. Buscamos ainda, do ponto de vista do exercício profissional, o

rebatimento desse estado, na concepção de Arte e de ensino de Arte das

professoras, através de seu discurso e de sua prática, que também se tornou

um tipo de texto, considerado por nós como discurso.

Estruturamos este trabalho em três capítulos. O primeiro trata das raízes

históricas e ocidentais da Arte e de alguns de seus paradigmas. Também traz

elementos do debate nacional sobre as influências políticas e históricas para o

ensino de Arte5.

No segundo capítulo, descrevemos o percurso metodológico,

apresentando a linha de pensamento que norteou o trabalho, a qual se

aproxima de uma abordagem fenomenológica; apresentando também a análise

do Discurso – AD, como aporte metodológico á análise dos dados desta

investigação.

No terceiro capítulo, analisamos as formações discursivas das

professoras do Ensino Fundamental I acerca das concepções de Arte e de

ensino de Arte, sob a luz dos textos da base legal e documentos educacionais

que asseguram a obrigatoriedade do ensino dessa disciplina, bem como

apontam seus princípios filosóficos e pedagógicos.

5 Embora tenhamos a clareza que o ensino de Arte comporta as linguagens: artes visuais,

teatro, dança e música, a base teórica deste trabalho privilegiou uma ampla referência produzida na linguagem de artes visuais, considerando a carência de produção das outras linguagens, sobretudo voltadas para o ensino de Arte, bem como a predominância dessa linguagem na prática docente no Ensino Fundamental I.

21

Nas considerações finais apresentamos uma síntese da articulação

entre as formações discursivas e o silêncio dos discursos. Discutimos também

as possíveis implicações decorrentes das concepções de Arte e do ensino de

Arte das professoras, participantes da pesquisa, considerando ainda as

possibilidades que se descortinam a partir desta investigação, bem como a

provisoriedade do próprio conhecimento construído com ela.

22

CAPÍTULO I – O ENSINO DE ARTE: UMA PRESENÇA NA

HISTÓRIA E NA EDUCAÇÃO

23

Devo confessar primeiramente, que eu não sei o que é belo e

nem sei o que é arte.

(Mário de Andrade, 1938).

1.1 – Arte: Os Diferentes Sentidos e Seu Referencial Ocidental

É comum iniciar um trabalho apresentando definições. Mas, em se

tratando de Arte, isso se torna infinitamente desafiante frente ao que estamos

nomeando de paradoxo: há uma indefinição, no sentido de uma definição

universal coexistindo com uma multiplicidade de definições.

Sem dúvida, podemos afirmar que os diferentes sentidos da palavra

"arte" variou muito ao longo dos tempos e das culturas. No Ocidente, no

contexto pré-histórico a arte expressava a praticidade das atividades artísticas.

Na Antiguidade designava ocupações diferentes (orador, esgrimista ou

tecelão), sinalizando o sentido sinônimo de ofício ou habilidade, que pouco se

diferençava da técnica e da ciência. Em toda a Idade Média, sobretudo no

Renascimento e nos séculos seguintes, a palavra "arte" serviu para designar

tanto o trabalho de intenção estética como outros sem nenhuma relação com a

estética. Só no século XIX a palavra passou a ser aplicada predominantemente

à criação estética e às denominadas "belas-artes" e, no século XX, se amplia

para além das artes plásticas6.

6 O século XIX também é marcado por uma crise no estatuto das belas artes e na História da

Arte, provocada pelo advento das técnicas de reprodução, como a fotografia e a litografia, que na visão de Benjamin, embora não altere o conteúdo da obra de Arte, desperta do seu valor de culto, gerando uma polêmica entre pintores e fotógrafos que se prolonga até o

24

Contudo, verificamos que alguns aspectos estão presentes na tentativa

de conceituar a Arte: (1) a Arte é produto de um ato criativo; (2)

correspondência da Arte com paradigmas da ordem em que se insere; e (3)

universalidade da Arte na sua relação com a pessoa humana, ao longo de sua

história.

Consultando o Houaiss (2001), opção arbitrária dentre tantos outros

dicionários, encontramos uma infinidade de definições de Arte, que em parte se

justifica pelos adjetivos que o complementam, atribuindo uma especificidade

aos verbetes. Mas, dentre eles, dois nos chamaram atenção: um, numa

perspectiva a partir da tradição platônica, indicando Arte como “habilidade ou

disposição dirigida para execução de uma finalidade prática ou teórica,

realizada de forma consciente, controlada e racional”; outra, com base na

tradição aristotélica apresentando Arte como “conjunto de meios e

procedimentos através dos quais é possível a obtenção de finalidades práticas

ou a produção de objetos” (p. 306).

Nas referidas definições encontramos Arte no sentido de técnica, sendo

essa a peculiaridade que queremos destacar para lembrar nossa herança

cultural oriunda da Antiguidade Clássica7.

A Arte na Grécia Antiga não tinha o sentido de belas-artes como o

atribuído na modernidade e sim, de tecné, embora esse sentido de belas-artes

da modernidade origine-se do sentido de beleza atribuído por Platão,

século XX. Ver mais sobre o assunto em: AZEVEDO, Fernando Antonio, 2004; BENJAMIN, Walter, 1980.

7 Situar o sentido da arte na Antiguidade contribui para compreendermos nossa história e as influências decorrentes no nosso modo de pensar arte e conseqüentemente o ensino de arte no mundo ocidental; contudo, essa referência ao passado não deve desconhecer que na contemporaneidade têm ocorrido mudanças no mundo da arte e da estética que repercutem na arte-educação. A esse respeito ver: PARSONS, Michel J., s/d; BARBOSA, Ana Mae, 2001.

25

sobretudo vinculado ao prazer estético, que, em suas idéias, aparece

reprimido.

Noutras palavras, poderíamos assinalar que, na visão de Platão, a

permanência do ser é assegurada pela idéia, e a produção de um determinado

objeto por um artesão está subordinada a essa idéia, o que faz dele um

imitador. A mimese8 não tem sentido próximo a uma concepção naturalista e

realista; ela é vinculada à concepção grega do ser e da verdade. Aristóteles,

em sua Poética, sustenta que todas as artes imitam a natureza e se

classificam conforme a maneira pela qual o fazem (com cores ou formas, com

sons ou ritmos, palavras etc.). No entanto, a mimese, para Aristóteles, é a

imitação, como representação superior do sensível e não como reprodução

imperfeita do absoluto, como concebe Platão.

Situando o papel do pintor nesse processo, ele estaria como um

imitador de uma “coisa” que já não era o real, mas imitação desse real, fato

que marca a diferença entre a mimese da imitação pictórica, da imitação

artesanal.

Na concepção platônica, o filósofo concebe a idéia como verdade (a

idéia de um objeto), o objeto individual que o artesão fabrica e o objeto

reproduzido na pintura é uma imitação da imitação. Nesse sentido, o pintor

está mais distante da verdade do que o artesão. Assim, Platão situa o poeta e

o pintor como produtores de simulacro.

A Arte, para Platão, “designa um saber, um savoir-faire refletido e

fundado no raciocínio que se opõe à rotina” (LACOSTE, 1986, p. 12). Por essa

8 A palavra mimese é um conceito estético que surge na Antiguidade com uma diversidade de

significados no discurso filosófico. No sentido elementar alguns autores, a exemplo de Osborne (1993), assinalam que significa imitação. Ver mais sobre o assunto em: OSBORNE, HAROLD, 1993.

26

idéia de não verdade, Platão rejeita as Artes não pela Arte em si, mas pelo

ilusionismo que em sua visão a Arte revolucionária de sua época provoca.

A novidade dessa "revolução" ilusionista dos primórdios da Arte

ocidental consiste no que Platão designa como a Arte da aparência

enganadora, capaz de dar ao espectador a ilusão de profundidade

(perspectiva linear, modelado de sombra e luz, jogo das cores).

O outro elemento da Arte condenado por Platão é a sombra – não a que

acompanha exteriormente o objeto, mas a passagem gradual sobre ele da luz

à sombra. Platão considera esse fenômeno de “impressão” enganadora como

uma perturbação da alma, aproximando a pintura da feitiçaria.

A sedução da Arte, com base no pensamento de Platão, por meio da

ilusão, exerce, paradoxalmente, um fascínio que a filosofia deve dissipar de

maneira assídua e incansável. A Arte faz esquecer as verdadeiras realidades e

a beleza, entendida em Platão, desvia da sensibilidade e do corpo. Quando

Platão condena a pintura como uma Arte da qual a mimese é a essência, tem

consciência do poder da estética uma vez que a estética é “uma fisiologia

aplicada”.

Na República de Platão, por exemplo, a música (cantos e danças)

desempenha um papel essencial na educação moral dos jovens cidadãos. O

legislador deve regulamentar a Arte pela influência sobre o corpo e as paixões,

e, mesmo a excelência soberana da cultura musical é acompanhada de uma

severa regulamentação.

No que se refere ao belo e à criação artística, embora Platão defina a

Arte pela mimese e não pela beleza, em suas idéias reside o sentido que

atribuímos às Belas-artes, uma vez que sua análise aborda os efeitos

27

psicológicos e fisiológicos da Arte, assim como uma descrição do entusiasmo

poético que as “estéticas” setecentistas reencontrarão.

Segundo Jean Lacoste (1986), o aspecto mais importante da definição

da beleza de Platão é a busca da unidade dessa definição através da

multiplicidade de belas coisas sensíveis. A Arte do belo em Platão existe na

dialética, a Arte suprema que procura purificar o prazer e substituí-lo pela

apreensão intelectual das essências. A beleza, embora sensível, não é própria

das obras de Arte e conduz, de fato, à ascese. A Arte de imitação, sob esse

ponto de vista, é um obstáculo à busca da Beleza, dado que convida,

primordialmente, a permanecer no mundo sensível que ela reproduz.

E onde reside a importância dessas idéias para nossa discussão? Se

não conseguimos, com isso, chegar a uma definição universal de Arte, pelo

menos nos ajudou a entender a Arte como área de conhecimento específico,

uma vez que vem sendo construído ao longo da história da humanidade.

Consideramos a limitação de nosso interesse à transposição desse

legado ao contexto escolar, traduzido ao ensino de Arte de professores/as do

Ensino Fundamental I. Assim, é pertinente destacar que, neste trabalho, as

terminologias Arte e Ensino de Arte são apresentadas com iniciais maiúsculas,

registrando o respeito que atribuímos às mesmas nesse contexto.

1.2 – O Ensino de Arte: Influências Ocidentais na Educação Brasileira

O discurso sobre o Ensino de Arte no contexto educacional brasileiro,

entre outras questões, sinaliza para a função que a Arte desempenha na

formação do estudante, seja como expressão, seja como contribuição ao

28

desenvolvimento de um leitor crítico do mundo, seja como lazer. A verdade é

que a Arte no âmbito educacional, como um dos componentes das diretrizes

curriculares na formação do estudante, não é uma discussão nova. Essa já era

uma preocupação na Antiguidade Grega, quando Platão interroga sobre a

natureza da Arte,

conceituando a atividade artística para chamá-la a colaborar nas tarefas pedagógicas, integrando-a ao conjunto de conhecimentos e de práticas ajustados àqueles ideais necessários à formação do homem, que os gregos denominaram de Paidéia (NUNES, 1976, p. 01).

Nas idéias presentes no pensamento grego sobre a formação do

homem, podemos buscar as raízes da formação do ser humano integral, tão

presente nas discussões educacionais das últimas décadas, considerando sua

vinculação com a função social da escola. Verificamos sua presença nas

diretrizes da educação, em documentos como os PCNs do Ensino

Fundamental I, nas orientações que apontam como finalidade da educação a

formação da cidadania9, a qual é definida como uma das responsabilidades da

escola. Nessa perspectiva, tem sido admitido que ninguém é cidadão apenas

do ponto de vista cognitivo, mas na sua completude material e espiritual. A

idéia de cidadania está vinculada à concepção de um ser que participa

ativamente da vida política, social, econômica e cultural do meio onde está

inserido, o que se dá pela consciência da realidade e de si mesmo. O conceito

de cidadania acompanha a dinamicidade da vida e, ao longo dos anos, rompe

9 A palavra cidadania aparece nas leis educacionais brasileiras, pela primeira vez, no contexto

da redemocratização do país, como consolidação das instituições democráticas, definidas pela Constituição de 1988. Esta noção é tratada com mais profundidade em MACHADO, Nilson José (1997); SILVA, Aída (2000). Na perspectiva econômica mundial, tem sido discutida a noção de cidadania transnacional, compreendida como complemento da cidadania nacional, uma vez que o exercício dos direitos transcende os limites territoriais ou mesmo, os limites materiais que competem aos Estados-membros que formam o bloco. Contribuições em: GONÇALVES, Maria Eduarda (2002).

29

com sua etimologia latina (civis) que designava apenas os habitantes das

cidades que tinham direitos e, portanto, participavam ativamente da vida

política, atualizando a cada contexto, conforme as necessidades e interesses

de um povo.

Essas considerações nos remetem à reflexão de Cosme D. B. Massi

(2001) sobre autonomia, quando assinala que ela tem sido revelada pela

política educacional brasileira como algo que somente se constrói na medida

em que se é capaz de ter vontade própria, agir com intencionalidade, ou seja,

ser capaz de refletir sobre a realidade e nela intervir, com o desejo de

participação e transformação dessa realidade, o que nos leva a acreditar que a

formação da pessoa humana do aluno/a não passa apenas pela dimensão

cognitiva.

Situamos essa discussão do ser humano integral nas idéias de Paulo

Freire (1987), quando ele enfatiza uma práxis que implica ação e reflexão dos

homens sobre o mundo para transformá-lo. Na sua concepção, consciência vai

além do cognitivo, considerando sua articulação com os aspectos político e

humanista na formação do sujeito.

Num artigo que trata da ação cultural e conscientização, Paulo Freire

(2001, p. 77) assinala que “é como seres conscientes que homens e mulheres

estão não apenas no mundo, mas com o mundo”. Isso implica na capacidade

do ser humano em realizar uma operação de transformar o mundo pela sua

ação, apreendendo a realidade e, ao mesmo tempo, expressando-a por meio

de sua linguagem criadora.

Nesse sentido, favorecer ao sujeito o efetivo exercício da cidadania

numa perspectiva transformadora é pensar sua formação como ser integral,

30

capaz de objetivar a realidade e a si mesmo, garantindo seu espaço no e com

o mundo. Daí a importância dessa visão da pessoa humana na re-significação

da função social da escola, de modo que tenhamos clareza do tipo de

sociedade em que estamos inseridos, que tipo de sociedade desejamos

construir e que tipo de ser humano serve ao tipo de sociedade que desejamos.

Nessa perspectiva, podemos assinalar que a presença dessa discussão

acerca do Ser Humano Integral na legislação da educação brasileira pode ser

identificada no discurso de autonomia, assim como no discurso dos princípios

educacionais de interdisciplinaridade e contextualização. A interdisciplinaridade

traz a pauta da discussão sobre a fragmentação que marcou o avanço da

ciência num dado momento histórico. Por outro lado, a contextualização aborda

o significado que passa a ser atribuído à cultura local, que sempre foi relegada

a último plano e não encontrava espaço na escola.

Considerando essa questão cultural, verificamos que o eixo norteador

muda, centrando-se no ser humano, uma vez que sem ele não há cultura. O

Papa João Paulo II, num discurso proferido na UNESCO em 1996, afirmou que

“é a cultura humana que reflete os diversos sistemas de relações de produção,

mas, tendo o homem em sua origem”. E como a cultura é uma dimensão da

vida que está constantemente em construção é compatível com o conceito de

ser humano integral como uma idéia de vir-a-ser ainda que não seja no sentido

de perfeição.

Essa idéia que concatena a visão de ser humano, além de uma

dimensão cognitiva, física, material, mas, articulando-a com as dimensões

emocional, espiritual, intuitiva, está presente na visão holística desse ser. Ela o

concebe como o ser que manifesta, pelo corpo físico, suas ações e

31

pensamentos. Contudo, é preciso que conheça suas próprias necessidades,

para que se desenvolva intelectual e moralmente. A aprendizagem é um

continuum fluxo e, nesse sentido,

a visão holística consiste em aceitar as duas verdades como partes da mesma realidade: a verdade relativa da existência do sujeito e do objeto, do conhecedor, do conhecido e do conhecimento, e a verdade absoluta da identidade entre sujeito e objeto (WEIL, 1993, p. 58).

Ratificamos que a raiz desse pensamento se encontra na Grécia, como

cultura que se dedica à formação no sentido particular e no seu sentido

histórico, dedicando-se à formação de um elevado tipo de homem.

De acordo com Werner Jaeger, duas concepções influenciam essa

formação: a de cultura e a de natureza. A de cultura é compreendida como

“totalidade das manifestações e formas de vida metafísica, como princípio de

uma valoração nova do homem” (1995, p. 8). Na verdade, a ampliação da

noção de cultura, nesse ideal grego, atribui ao homem, como criador da cultura,

a responsabilidade da articulação entre os mundos físico e espiritual, e a

concepção de natureza, considerando “as coisas do mundo numa perspectiva

tal que nenhuma delas apareceria como parte isolada do resto, mas, sempre

como um todo ordenado em conexão viva, na e pela qual tudo ganhava

posições e sentido” (1995, p. 8). Na verdade, tanto nessa noção de natureza

quanto na de cultura, a idéia de integralidade da pessoa humana fortalece as

idéias platônicas da divisão entre os dois mundos: o das idéias e o da

aparência.

Jaeger (19995, p. 10) lembra que

quando esse povo atinge a consciência de si próprio descobre pelo caminho do espírito as leis e normas objetivas cujo conhecimento dá ao pensamento e à ação uma segurança antes desconhecida.

32

Nesse sentido, o contexto grego fornece indicativos do processo

histórico que consubstanciou a cultura ocidental e o nosso jeito de fazer

educação, entre tantas outras dimensões da vida em sociedade, considerando,

sobretudo, que foram seus pensadores que deram origem a um pensamento

racional e filosófico.

Rafael Yus (2002), em sua obra Educação Integral: Uma educação

holística para o século XXI, ao definir e caracterizar a Educação Holística como

uma abordagem educacional que integra a pessoa humana, mostra que o

ponto de partida para se pensar uma educação nessa perspectiva é o repensar

a fragmentação de todas as esferas da vida humana: econômica, social,

pessoal, cultural. Em se tratando de um novo paradigma, a visão de educação

holística formata-se numa abordagem que leva em consideração a globalidade

da pessoa, a espiritualidade, inter-relações, equilíbrio, cooperação, inclusão,

experiência e contextualização.

As idéias, que o referido autor traz, não se distanciam do conceito de

competência10 presente no relatório da Comissão Internacional sobre

Educação para o Século XXI (1996), para a UNESCO, no qual “aspectos de

aprender estão combinados com a formação do ser humano, num processo de

educação de convivência humana e de práxis social” (MARKET, 2001, p. 2).

Se essas preocupações estão presentes por modismo ou por uma busca

de identidade do homem é uma discussão que não cabe no momento, mas, a

essência humana, a dimensão além do cognitivo, tem sido preocupação que

acompanha os estudiosos no processo da história da humanidade.

10 Essa noção, definida por Perrenoud (2000, p. 15) como a “capacidade de mobilizar diversos

recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situação”, tem sido muito freqüente nas diretrizes e discussões educacionais brasileiras, sendo articulada à abordagem de currículo em ação. Para mais informações: Documentos produzidos pelo MEC para a Educação Básica (PCNs, 1997) e PERRENOUD, Philippe (2000).

33

Market (2001), citado acima, fazendo alusão a uma análise que Marx faz

nos manuscritos, lembra que a essência humana é algo próprio no interior do

homem e caracteriza o desenvolvimento dos cinco sentidos, como uma tarefa e

conseqüência da história da humanidade. Ele demonstra que para Marx, o

homem é um ser ativo, produtivo e sensível, e apropria seu ser multiforme de

forma global, isto é, como homem integral, portanto, formando seus próprios

sentidos, sua sensibilidade, e suas relações sociais num processo dialético: na

interação com a natureza (no trabalho) e com o outro homem (na

comunicação) num processo universal. Nesse sentido, só por intermédio da

riqueza objetivamente desenvolvida do ser humano que a riqueza da

sensibilidade humana (um ouvido musical, um olho sensível à beleza das

formas, em suma, sentidos capazes da satisfação humana e que se confirmam

como faculdades humanas) é cultivada ou criada.

Enfim, a função que a Arte desempenha na formação do estudante, seja

como expressão, seja como contribuição ao desenvolvimento de um leitor

crítico do mundo, seja como lazer, é uma construção histórica da humanidade.

Conhecê-la, contribui na reflexão para entendermos e construirmos nossa

pratica com o ensino de arte.

1.2.1 – O Ensino de Arte no Brasil : Breve História da Democratização

O Ensino de Arte no Brasil teve início com as escolas especializadas

para crianças e adolescentes, no final da década de 20 e início da década de

30. Esse momento foi marcado por reflexões acerca da especificidade da Arte,

gerando o fenômeno da Arte como atividade extra curricular. Iniciando com a

34

Escola Brasileira de Arte, em São Paulo, esta admitia alunos com base no

talento, por meio de prova de desenho, e desenvolvia um ensino apoiado na

livre expressão, no espontaneísmo, no estilo que privilegiava a fauna e a flora.

Outros espaços se abriram com o mesmo modelo, como iniciativa dos

precursores Theodoro Braga, Anita Mafaltti e outros. Uma importante

contribuição veio de Mário de Andrade, que, em suas reflexões e análises,

publicados em artigos e desenvolvidos em sua prática como docente, tomava a

produção da criança com critérios científicos sob a ótica da filosofia da Arte,

considerando a “Arte como linguagem complementar, como Arte

desinteressada, e como exemplo de espontaneísmo expressionista a ser

cultivada pelo artista” (BARBOSA, 2001, p. 38).

Esse movimento foi frustrado no período da ditadura do Estado Novo,

pela pedagogização da Arte, no momento que o governo federal coloca no

currículo na Escola Secundária, desenho geométrico, e, na escola primária,

desenho pedagógico e cópia de estampas nas aulas de composição em língua

portuguesa. Na visão dessa autora, essa pedagogização se caracteriza pela

“utilização instrumental da Arte na escola para treinar o olho e a visão ou seu

uso para liberação emocional e desenvolvimento da originalidade vanguardista

e da criatividade” (BARBOSA, 2001, p. 38).

Contudo, foi após a referida ditadura do Estado Novo, já em 1947, que

teve início um movimento de valorização da Arte da criança, liderado por

artistas e arte-educadores, tais como Guido Viaro, Lula Cardoso Ayres, Suzana

Rodrigues, Noêmia Varella, contando com o apoio professores como Helena

Antipoff e Anísio Teixeira, do Movimento de Redemocratização da Educação.

Essa idéia, movimento de valorização de Arte, dá origem ao movimento

35

Escolinhas de Arte no Brasil11, chegando, na época, a um total de trinta e duas

escolas; com o objetivo de “liberar a expressão da criança (...) sem

interferência do adulto”. Muitas dessas escolas funcionaram em ateliês de

artistas. Era um movimento que se caracterizava pelo neo-expressionismo, o

qual eclodiu na Europa e Estados Unidos no pós-guerra, e no Brasil após a

ditadura em questão. Os expoentes do movimento tentavam mostrar o valor da

Arte na formação do ser humano, junto aos professores da rede pública, com

argumentos psicológicos. Contudo, estes não tinham autonomia frente às

orientações de seus governos.

Na época, 1948, houve uma tentativa de elaboração de uma proposta,

por Lúcio Costa, a qual trazia a “preocupação de articular o desenvolvimento

da criação e desarticular a identificação de Arte e natureza, direcionando a

experiência para o artefato” (BARBOSA, 2001, p. 40). Mas, apenas em 1958,

com uma lei federal, que instituía nas escolas, classes experimentais12, é que

fragmentos dessa proposta começaram a ser veiculados.

As classes experimentais, desenvolvendo um trabalho no qual co-

existiam uma certa variedade de técnicas e métodos, tais como método

naturalista de observação, método de Arte como expressão de aula, tinham o

propósito de “investigar alternativas experimentando variáveis para os

currículos e programas determinados como norma geral pelo Ministério de

Educação” (BARBOSA, 2001, p. 40).

11 A repercussão do Movimento Escolinhas de Arte, no Estado de Pernambuco, resultou na

criação, em 1953, da Escolinha de Arte do Recife, por um grupo de educadores, artistas e intelectuais, e, era parte desse grupo, Noêmia de Araújo Varela, arte-educadora que tem um importante papel no modernismo em Arte Educação. Outras relevantes contribuições nesse sentido encontramos em Azevedo (2000).

12 No Recife (PE), as experiências com as classes experimentais, se destacam: a Escola Ulysses Pernambucano, o Grupo Escolar Regueira Costa e Grupo Escoar Manoel Borba.

36

O trabalho, nas classes experimentais, tinha ainda, como eixo norteador,

o respeito às etapas de evolução gráfica das crianças, e um propósito

perseguido foi o do “Ensino de Arte em direção ao desenvolvimento da

criatividade” (BARBOSA, 2001, p. 41), caracterizando este momento como o

Modernismo em Arte-Educação. Nomes de peso, que atuavam na Escola de

Arte do Brasil, foram: Margaret Spencer, pela sua experiência fora do país,

como conhecedora de Arte; Augusto Rodrigues, artista plástico e poeta

pernambucano que, junto com ela, criou a primeira escolinha, desempenhando

um papel politicamente importante, pelas relações que estabelecia com as

classes dominantes, conseguindo assim, salvaguardar a Escolinha de qualquer

suspeita durante o regime militar (1964-1983); Lúcia Valentim, pelo norte de

sistematização que atribuía ao trabalho; e Noêmia Varella, como orientadora

teórica e prática.

A LDB de 1961 eliminou a uniformização dos programas escolares,

permitindo continuar as experiências iniciadas em 1958. Porém, é reconhecido

que o Ensino de Arte na escola não evoluiu e desde a década de 50 até a

década de 70, como lembra Lucimar Bello Frange (2002), o ensino de arte é

marcado pela livre expressão. Com o golpe de 1964, instalando-se outra

ditadura no Brasil, as escolas experimentais foram desmontadas.

É na LDB 5.692/71 que, sendo a Arte normatizada, passa a compor o

currículo como Educação Artística, materializada numa prática de Arte

sugestionada por temas e desenhos alusivos a comemorações cívicas,

religiosas e outros eventos.

Com a demanda causada pela normatização da arte como Educação

Artística – apesar do efeito multiplicador das escolas especializadas, a exemplo

37

da Escola de Arte do Brasil de onde saíram muitos professores que passaram

a atuar na escola pública – são criados cursos de Arte nas universidades.

Assim, atendendo à pressa na formação e a polivalência, por meio de cursos

aligeirados (com duração de dois anos), surge as denominadas licenciaturas

curtas, com direito a habilitação específica.

Na época, o Ministério da Educação, devido a essa demanda, e à

necessidade de definir o que ensinar e como ensinar, estabeleceu convênio

com a Escola de Arte do Brasil, para que técnicos das Secretarias Estaduais se

preparassem para elaborar guias curriculares de Educação Artística para os

Estados. Contudo, de modo geral, não funcionaram satisfatoriamente. Segundo

Barbosa (2001) houve “... dissociação entre os objetivos emitidos que dificulta o

fluxo de entendimento introjetado na ação”. Nessa experiência de elaboração

do guia, alguns estados se destacaram com um trabalho mais efetivo junto a

seus professores, tais como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

O MEC, no ano de 1977, reconhecendo o fiasco que representou a

experiência, e o caos que se encontrava o Ensino de Arte, criou o Programa de

Desenvolvimento Integrado de Arte Educação – PRODIARTE, com o propósito

de “integrar a cultura da comunidade com a escola, estabelecendo convênios

com órgãos estaduais e universidades” (BARBOSA, 2001, p. 46).

Muitos Estados da federação vivenciaram projetos, destacando-se os

Estados da Paraíba, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. O final da década de

70 tornou-se um momento em que a organização da categoria de arte-

educadores se intensificou, muita embora sem profundidade de reflexão

política. As articulações que aconteceram no período eram freqüentemente

coordenadas por pessoas bem relacionadas com o regime militar. Portanto, até

38

aquele momento, essas articulações contabilizaram apenas ganhos

quantitativos, com adesão, cada vez maior, de professores para a discussão do

Ensino de Arte e de questões pertinentes à área, tais como a pesquisa.

Só a partir da década de 80, é que foram possíveis as discussões

políticas acerca do Ensino de Arte, sendo de fundamental importância para o

fortalecimento da categoria, a Semana de Arte e Ensino na USP, quando foi

criado o Núcleo Pró Associação de Arte Educadores de São Paulo.

O cenário de redemocratização do país, após a década de 80 até os

dias de hoje, foi favorável aos arte-educadores e artistas interessados na

discussão do Ensino de Arte e ao desenvolvimento de algumas ações políticas.

Foram desencadeados congressos e festivais, simpósios, fóruns de discussão,

bem como, encaminhamentos a partir de suas entidades representativas, como

a Federação de Arte Educadores do Brasil – FAEB, para a luta de

reconhecimento e legitimidade do Ensino de Arte de forma conseqüente.

Nessas discussões, vem ganhando espaço a Proposta Triangular, que

teve por base ações como fazer, ler e contextualizar, elaborada por Ana Mae

Barbosa, sistematizadas a partir das condições estéticas e culturais da pós-

modernidade, caracterizada pelo uso da imagem, sua decodificação e

interpretações na sala de aula. Na nova perspectiva de Ensino de Arte, a

Proposta Triangular, como uma das opções, veio a partir da consciência de

necessidades de contribuir para a leitura crítica do mundo.

Nessa nova fase, a LDB 9.394/96 foi um marco, porque assegurou a

obrigatoriedade do Ensino de Arte para toda Educação Básica. Contudo, por si

só, essa resolução não garante efetivamente o exercício desse ensino nas

salas de aulas das escolas públicas. Os próprios Parâmetros Curriculares

39

Nacionais – PCNs, que são criados com a intenção de proposição pedagógica,

sem caráter obrigatório, conforme o Parecer nº 03/97 do Conselho Nacional de

Educação – CNE, não apenas é amplo, como está distante de se sintonizar

com a realidade das escolas brasileiras. Fato que soa curioso, caracterizando

suas propostas descontextualizadas, na medida em que suas orientações

didáticas sugerem métodos e procedimentos que consideram o valor educativo

da ação cultural da arte na escola. Porém, a própria realidade do Ensino de

Arte nas escolas públicas se constitui por uma quase inoperância, pela

ausência de espaço, carência de professores qualificados, entre outras

deficiências. E ainda, a abrangência, tratada por Maura Penna (2001), pode ser

identificada de antemão pelas quatro linguagens – Música, Dança, Cênica e

Artes Visuais – componentes do Ensino de Arte. Isso exigiria um professor

qualificado em cada uma das linguagens, e no caso de sua demanda, conta

apenas com um profissional (quando conta), que, por suas limitações, mesmo

com “boa fé”, acaba privilegiando uma das linguagens, em detrimento das

outras.

Em resumo, é conhecido o esforço, por parte de arte-educadores,

brasileiros, entre esses, teóricos e artistas, sua luta em democratizar o ensino

de Arte através da escola. Porém, essa luta, ao longo de sua história instituinte,

se depara com a estrutura, que indica não apenas a complexidade dessa

batalha, mas, sinaliza, também, os jogos de interesses que permeiam essas

relações educacionais no que diz respeito ao ensino de Arte.

E, nesse sentido, conhecer os jogos de interesse que envolvem a

obrigatoriedade do ensino de Arte, nos oportuniza não apenas identificar as

40

influências políticas e históricas que envolve a questão mas, possibilita-nos

entender a importância dessa disciplina no currículo do ensino Fundamental.

1.3 – A Arte e o Ensino de Arte na Contemporaneidade

O caráter obrigatório do Ensino de Arte, assegurado na lei 9.394/96,

representa um grande avanço, uma vez que na legislação anterior Lei nº

5.692/71, a Arte era proposta como atividade, e, conforme adverte Azevedo

(1996, p. 35)

Destituída de um caráter de disciplina que colabora na formação/informação/construção do conhecimento humano, favorecendo a formação de uma mentalidade excludente quanto ao acesso da maioria da população aos bens estéticos e artísticos.

Torna-se relevante lembrar que o contexto que marcou a oficialização na

LDB de 71 e o movimento que caracterizou a elaboração da lei 9.394/96 são

totalmente opostos. O primeiro marcado pela intransigência retrógrada de um

período de ditadura militar em que vivia o país; a segunda, por um momento de

abertura política, que permitia a participação da sociedade civil organizada

intervir no processo de elaboração.

De fato, como assinala Saviani (2000), para esclarecermos o significado

de um produto de modo eficaz, é necessário verificarmos como foi produzido.

No artigo intitulado “Funções de preservação e deformação do Congresso

Nacional na legislação do ensino: Um estudo de política educacional” esse

autor analisa as Leis: 4.024/61 (LDB), 5.540/68 (Reforma Universitária) e

41

5.692/71 (Reforma do 1º e 2º grau), afirmando que as emendas na legislação

revelam a função do Congresso Nacional na legislação do ensino.

Em suas conclusões, Saviani (2000) revela que a função do Congresso

Nacional pode ser de deformação ou preservação da coerência do projeto

original. As respostas, para as diferenciações e causas dessas funções, estão

no modo de funcionamento do regime político brasileiro. Assim, no nosso

regime dito democrático, à luz desse significado, ganham importância às

noções de democracia restrita e democracia excludente.

De posse desse esclarecimento, devemos lembrar também que a forma

como a Arte está assegurada na legislação atual, ao mencionar que a mesma

deve “promover o desenvolvimento cultural dos alunos”, já aponta alguns

elementos que norteiam a concepção de Arte veiculada às discussões em

torno dessa questão. Contudo, isso não significa que esteja garantido tal

desenvolvimento, nem que os interesses dos arte-educadores tenham

conseguido prevalecer, em detrimento dos interesses das classes dominantes.

Ana Mae Barbosa (1998), analisando o papel da Arte no

desenvolvimento cultural, chama a atenção para a representação simbólica dos

traços espirituais, materiais, intelectuais e emocionais, característicos de uma

sociedade. Assinala ainda que a Arte, enquanto linguagem presentacional dos

sentidos, transmite significados que outras áreas do conhecimento, como a

sociologia, a história a antropologia, não podem dizer frente ao tipo da

linguagem discursiva e cientifica. Segundo essa autora, através da Arte é

possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do

meio ambiente, e desenvolver a capacidade crítica, de modo que analisando a

42

realidade percebida e desenvolvendo a criatividade, essa realidade possa ser

transformada.

Entretanto, não é simplesmente colocando a Arte no currículo que está

garantido o crescimento dessas habilidades mencionadas. É necessário

preocupar-se com o modo como a Arte é concebida e ensinada. Nesse sentido,

a escassez teórica no Ensino de Arte limita seu uso em procedimentos que se

situam numa abordagem da tradição positivista. Temos, como ilustração disso,

o uso das Artes visuais como mero recurso para comemorações festivas e

atividades afins. Distanciando-se de uma perspectiva contemporânea, não

favorece o conhecimento nas e sobre Artes visuais, de modo organizado,

relacionando produção artística com apreciação estética e informação histórica,

integração que corresponde à epistemologia de Arte (BARBOSA, 1998).

Na verdade, essa perspectiva rompe com o conceito de Arte como

recurso, deslocando-o para o campo dos saberes, enfatizando que “o

conhecimento das Artes tem lugar de intersecção: experimentação,

decodificação e informação. Nas Artes visuais, estar apto a produzir uma

imagem e ser capaz de ler uma imagem são duas habilidades inter-

relacionadas” (BARBOSA, 1998, p. 17). A importância de leitura visual, na

atualidade, é um requerimento fundamental, atribuindo à educação a tarefa de

ensinar a gramática visual e sua sintaxe através da Arte. De fato, o desafio

atual do Ensino de Arte é pensar e propor além da leitura formalista.

Fruto de muita discussão entre os arte-educadores, atualmente essa

tendência vem se desenvolvendo em torno do Ensino de Arte. Na verdade, ela

privilegia essa área de conhecimento enquanto constituída de teoria do

conhecimento e história própria como qualquer outra área de conhecimento

43

específico, tais como as disciplinas de Matemática, Português e outras, com

seus respectivos conteúdos.

No entanto, o ensino da Arte, conforme afirmamos anteriormente, era

concebido como atividade, e não como área de conhecimento, constituída de

objeto específico.

A partir de sua experiência em sala de aula e na coordenação de

projetos educacionais, Célia Maria de Castro Almeida (2001) propõe-se a tratar

acerca das concepções e práticas artísticas na escola. Com base em seus

estudos, pode-se observar que a prática docente do Ensino de Arte nas séries

iniciais, na forma pela qual se desenvolve, caracteriza-se pela utilização da

Arte a serviço de outras disciplinas, como recurso para ilustrá-las, atribuindo-se

às Artes, o que denomina de caráter utilitário ou instrumental. Ela recorre a

estudos de autores como Vicent Lanier (1984), Elliot Eisner (1979) e Georges

Snyders (1998), para identificar as concepções assumidas pelos professores,

destacando as características e as posições ideológicas das práticas

pedagógicas de tais professores.

Nessa perspectiva, é destacado, ainda, o uso da Arte pelos professores,

em geral, também, a serviço do desenvolvimento emocional e social da

criança, recorrendo-se ao desenho, para ilustrar os trabalhos e desenvolver a

coordenação motora; à música para relaxar as crianças e desenvolver a

acuidade auditiva, e assim por diante. Esse modo de agir com a Arte estaria

fundado na abordagem contextualista, mesmo sem os professores em questão

se darem conta de sua existência.

É pertinente destacar que a abordagem contextualista da Arte, de modo

geral, caracteriza-se pela função instrumental da Arte na formação do indivíduo

44

como um todo. Portanto, a partir dos conhecimentos específicos da área, a Arte

estaria a serviço da formação do indivíduo nas dimensões: intelectual, afetiva,

espiritual e física.

De acordo com Almeida (2001, p. 13) nas idéias dos autores

contextualistas

o ensino das Artes nas escolas não deveria se preocupar apenas com o desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e valores exclusivos da área artística, mas também com a formação geral dos alunos.

A referida autora compartilha com as idéias contextualistas e identifica

que a prática dos professores com o ensino de Arte caracteriza-se por essa

perspectiva. Entretanto, questiona o fato de que professores não têm clareza

do porquê da presença da Arte no currículo escolar.

Assim como a autora, na nossa experiência docente, percebemos que

os professores têm consciência de que o ensino de Arte na educação básica

não tem o propósito de formar o músico, o artista plástico, o ator ou o

dançarino. De fato, a Arte na educação escolar de hoje não tem como objetivo

formar artistas, mas, sobretudo, busca contribuir para uma leitura mais ampla

de mundo. A falta dessa clareza é um fator determinante da inquietação dos

professores do Ensino Fundamental, no que se refere a “o que ensinar”.

Nessa perspectiva, para mostrar as razões que justificam a presença da

Arte no currículo escolar, a discussão de Elliot Eisner (1979), mostra, tendo

como referência às Artes plásticas, a Arte reconhecida enquanto disciplina

capaz de construir habilidades de pensamento, de percepção, motores e de

valores. Eisner (1979) aludido por Almeida (2001, p. 14) destaca que ao

realizarem atividades artísticas as crianças

45

desenvolvem auto-estima e autonomia, sentimentos de empatia, capacidade de simbolizar, analisar, avaliar e fazer julgamentos e um pensamento mais flexível; (...) o senso estético e as habilidades específicas da área artística, tornam-se capazes de expressar melhor idéias e sentimentos, passam a compreender as relações entre partes e todo e a entender que as Artes são uma forma diferente de conhecer e interpretar o mundo.

Apesar de reconhecer que, por meio do ensino de Arte, os alunos se

tornam mais sensíveis, capazes de perceber de forma acurada modificações

no mundo físico e natural, e também de experimentar sentimentos de ternura,

simpatia e compaixão, o motivo apontado como mais importante para incluir as

Artes no currículo escolar, segundo Almeida (2001, p. 15) é que elas “... são

partes do patrimônio cultural da humanidade, e uma das principais funções da

escola é preservar esse patrimônio e dá-lo a conhecer”.

Nessa discussão, o traço essencial que pretendemos destacar é que a

importância do ensino da Arte vai além do campo específico das Artes.

Podendo ser observado quando ela afirma que

as Artes deveriam servir a interesses políticos e sociais; para discutir questões como diversidade cultural e formas de exclusão social e, desse modo, contribuir para a construção de sentimentos de tolerância, respeito e compaixão entre as pessoas (ALMEIDA, 2001, p. 18).

Assim, é pertinente destacar que, de acordo com essa autora, a

concepção dualista que separa mente e corpo, pensar e fazer, lazer e trabalho,

Arte e técnica contribui na escola, para uma descaracterização do ensino

artístico. Isso, de certo modo, explica a demanda dos professores por “técnicas

novas” e “novos modelos” de “trabalhinhos” e, também, alguns ditos, imagens e

idéias dos professores com relação ao fazer e ao ensinar Arte: “é preciso ter

dom”, “não tenho jeito” ou “sou desafinado”.

46

Tais preocupações norteiam a concepção de que Arte não se ensina, já

se nasce sabendo. Entretanto, na contemporaneidade, a, capacidade

imaginativa do artista é entendida

Como passível de ser aprendida e apreendida por qualquer pessoa, sem distinções preestabelecidas de dotes artísticos (...) a imaginação do artista pode ajudar a inaugurar um novo olhar, mais sensível e inteligente, sobre o real (AZEVEDO, 1996, p. 17).

Essas observações demonstram que a concepção de Arte como mero

fazer artístico, desprovida de qualquer elemento constitutivo enquanto

conteúdo possível de ser apreendido vem, aos poucos, sendo superada como

fruto de muita discussão, pesquisa e produção envolvendo essa temática.

Portanto, frente a um breve olhar acerca do ensino da Arte, é possível

identificar alguns pontos chaves: por um lado, uma concepção apoiada numa

visão filosófica idealista, revestida de um caráter ideológico liberal, na medida

que assegura que o artista é pré-dotado misticamente pelo “dom”, justificada

pelo determinismo biológico, considerando que já se nasce artista; e por outro,

uma concepção onde a Arte é

compreendida como um processo de trabalho consciente em que a inteligência, assim com a emoção, são mobilizadas em sua relação dialética, no sentido de dominar e transformar a matéria prima em fato artístico (AZEVEDO, 1996, p. 29).

Isso vem revelar a inter-relação do Ensino de Arte com as dimensões

política, social, cultural e econômica da sociedade, como trata Barbosa (2001).

Ela chama a atenção que, politicamente, os textos redigidos e aprovados pelo

Conselho Federal de Educação – CFE, são caracterizados por sua

ambigüidade política, que beneficia a empresa privada do ensino. Esse

benefício se materializa na realidade das escolas da rede particular, as quais,

protegidas pela ambigüidade de sentido dos textos, retiram Arte de seus

47

currículos tendo em vista que, menos um professor na folha de pagamento

representa mais lucro em sua contabilidade.

Conforme Heliana Ometto Nardin e Mara Rosângela Ferraro (2001),

acerca dessa dimensão política da historicidade do percurso da arte, não há na

contemporaneidade uma referência estética e teórica que revele um caráter

conceitual de Arte de forma universal e invariável. Tal indefinição faz gerar uma

obra transformadora e investigadora. Elas destacam que o movimento interno,

vivenciado nas Artes, está em interação com os aspectos da vida social,

política, econômica e cultural da sociedade.

Essas autoras, fazendo alusão a estudo de Arthur Efland (1998) sobre

os conceitos de cultura, sociedade, Arte e educação em um mundo pós-

moderno, reportam-se ao movimento modernista, como uma revolução cultural

ocidental, que afetou a vida em todos os sentidos. O período tratado é marcado

pela emergência do progresso da ciência, tendo por característica o surgimento

de determinados movimentos de Arte já nomeado por seus criadores. A título

de exemplo, podemos mencionar o Cubismo, que de acordo com Nardin e

Ferraro (2001), trata-se de movimento estético que rompe com a imitação do

real. Tal movimento é historicamente prenunciado entre 1907 e 1914 pelas

obras de Picasso e Braque.

Essa nomeação dos movimentos vinha acompanhada de um manifesto,

no qual apresentava “... as idéias dos artistas sobre o mundo e sobre a Arte, a

maneira de realizar a ruptura com o passado e de construir uma nova forma de

expressão” (NARDIN e FERRARO, 2001, p. 188). É interessante perceber que

esses manifestos propõem um caráter universalista, e, conseqüentemente,

contribuem para perdermos a referência da criação com o contexto social.

48

Também supervalorizam a dita “alta cultura” em detrimento da cultura popular,

e assim, contribuem para que a Arte se mantenha afastada do restante da

sociedade. Tendo por base esse afastamento, começamos a encontrar

respostas para a ausência do ensino de Arte na escola.

Vale ressaltar que essa ausência está relacionada à Arte como

atividade, assegurada na legislação como Educação Artística, voltando-se o

ensino modernista para o desenvolvimento da expressão do aluno.

Diferentemente de uma perspectiva pós-moderna ou contemporânea, que,

além disso, assegura o desenvolvimento da livre interpretação da obra de Arte

como objeto de ensino, ratificado pelo slogan: todos podemos compreender e

usufruir da Arte (BARBOSA, 2002).

Ana Mae Barbosa (1996), contribuindo no sentido da discussão dessa

ausência, no artigo “A pintura: algumas polaridades no Brasil e suas

conseqüências para a crítica e o ensino”13, aponta polaridades existentes nas

Artes plásticas no Brasil no que se refere à caracterização da produção das

obras. Após apresentar um breve histórico das categorias artísticas que

predominou no Brasil da década de 20, à contemporaneidade, ela norteia sua

reflexão para a postura dos críticos em Artes e sua atenção exclusiva para a

leitura e análise da neo-abstração e neoconceitual, como também, para os

arte-educadores que se direcionaram para o figurativo. Segundo essa autora,

“... é de contestação e ruptura, e não de cristalização, que se alimenta a Arte”

(BARBOSA, 1996, p. 7). Esta alusão é usada para indicar a polaridade entre o

13 Nesse artigo a autora trata das artes plásticas, reportando-se ao Modernismo explosivo de

1922, relacionando ao que denomina de “quase cubismo” de Tarsila do Amaral, com ênfase numa temática culturalista; e, ao expressionismo de Anita Malfatti como uma temática que denomina intimista. Ela refere ainda, que os anos 50 e 60, dominados pelo abstracionismo, foram sacudidos também pela polaridade (entre a geometria e o gesto).

49

Modernismo explosivo de 22 e expressionismo que se confrontou no Brasil do

século XX.

Um aspecto que consideramos pertinente destacar é o dos arte-

educadores, que, segundo essa autora, tais profissionais, privam a escola de

se aprofundar no desenvolvimento de habilidades mais profundas, no que diz

respeito à apreciação e recepção da obra de Arte. Ela afirma que, na

contemporaneidade, a tensão bipolar se origina na confrontação do figurativo e

do não-figurativo. Destaca ainda, que nos anos 50, essa luta foi amena, mas

que voltou com muita força nos anos 80.

Nessa perspectiva, concordamos com a autora quando nos adverte

sobre a questão da polaridade, observando que a “representação objetiva e

não-objetividade se inter-relacionam no discurso sem apontar para uma

artificial hierarquização pseudo-desenvolvimentista” (BARBOSA, 1996, p. 12).

Queremos destacar no período abordado por ela, o fato dos críticos de Arte

“menosprezarem” o figurativo, e os arte-educadores o abstracionismo. O que

reclama um equilíbrio, que se traduz pela necessidade dos críticos se voltem

também para a avaliação do figurativo, e os arte-educadores compreendam

que a “facilidade” de análise que o figurativo pode proporcionar é apenas um

estágio da apreciação.

No que se refere ao contexto sócio-econômico e político da década de

80 e 90, vimos que as interações transnacionais marcaram diversos aspectos

da vida em sociedade, vindo os interesses da globalização repercutir inclusive

na legislação educacional.

Verificamos em Boaventura de Souza Santos (2002), na obra que

organiza, intitulada: “A Globalização e as Ciências Sociais”, na qual reflete

50

acerca do processo de globalização, uma explicação a complexidade desse

fenômeno que trás em seu bojo contradições e desigualdades.

Ele inicia sua reflexão, com uma alusão a Gildens (1990), apresentando

a noção de definição de globalização como “... intensificação de relações

sociais mundiais que unem localidades distantes de tal modo que os

acontecimentos locais são condicionados por eventos que acontecem a muitas

milhas de distância e vice versa” (SANTOS, 2002, p. 26).

É essa particularidade de condicionamento que tomamos como

referência para entendermos a realidade brasileira no período a partir do final

da década de 80. Reconhecemos que a partir dos elementos econômicos,

sociais, políticos e culturais, que permeiam o fenômeno da globalização,

possamos compreender essa complexidade. E que tal compreensão revelar-

se-á imprescindível para verificarmos como reagiu a realidade brasileira na

gestação de sua legislação que vem completar o marco do período da

redemocratização do país, na relação entre o local e o global.

Na nossa concepção, a elaboração da legislação, referente à

Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases – LDB, Lei nº

9.394/96, apoiou-se no que Santos (2002, p. 66) denominou de Globalismo

Localizado, consistindo, “... no impacto específico nas condições locais

produzido pelas práticas e imperativos transnacionais que decorrem dos

localismos globalizados”.

Podemos assim nos perguntar: De que modo essas preocupações do

Banco Mundial, e de outros organismos internacionais, são materializados na

legislação?

51

Primeiramente, é pertinente esclarecer que essa complexidade não foi

uma construção repentina, pois a globalização é um fenômeno que remonta ao

final do século XV e início do século XVI, ressurgindo revigorada na década de

80, do século XX, revestida de um poder “desumano” que anuncia entre outros

fatores uma crise econômica global, bem como, o recuo das vitórias históricas

das classes trabalhadoras e da sociedade em geral, com efeitos no exercício

dos direitos sociais e humanos.

Considera-se que essa construção revigorada parte da crise do

capitalismo do final da década de 60, tornando-se mais clara na década de 70

eclodindo no contexto da intensa e progressiva crise estrutural do regime de

acumulação fordista, fortalecendo a retórica neoliberal que ganha espaço

político, e também, densidade ideológica, com crença fundamental na

eficiência e justiça da economia e da sociedade reguladas pelo mercado

(GENTILI, 1996).

A retórica neoliberal se expressa como base para elaboração teórica e

conceitual de um novo senso comum. Verificamos em Pablo Gentili (1996) que

compreende o neoliberalismo como “... um complexo processo de construção

hegemônica”, elementos de tal elaboração, que o desafio dos intelectuais

neoliberais foi o de promover uma mudança de mentalidade na população, ou

seja, construírem um novo senso comum, podendo ser traduzido como um

novo imaginário social, que desse sustentação aos ideais da nova ordem

social.

Esse teórico, refletindo acerca do discurso neoliberal no campo

educacional, atribui o êxito cultural a cinco décadas de história teórica e mais

de vinte anos de experiência no exercício do poder como elementos que

52

contribuíram para a definição da natureza e do caráter dos programas de

ajustes neoliberais em nível mundial.

Esse desgaste reflete-se nas desigualdades garantidas por meio de

orientação e apoio de organismos internacionais. Podemos, como exemplo,

mencionar o Banco Mundial, que, por um lado, reconhece que a igualdade é

relativa e para superá-la é preciso intensificar os gastos em saúde e educação;

por outro lado, reúne esforços para que isso seja viabilizado com vistas ao

crescimento econômico (CHOMSKY, 2001).

Recorrendo aos estudos de Otávio Ianni (2002) quando reflete sobre a

ocidentalização do mundo, em sua obra “A sociedade global”, verificamos que

ele assinala que um novo ciclo de ocidentalização está em curso, o qual vem

sendo fortalecido pelas “missões civilizatórias” das organizações multilaterais,

transnacionais.

Esse autor destaca, com base no documento Word Bank, Education

Washington (1974) que

desde que o Banco Mundial decidiu entrar no campo de desenvolvimento educacional, em 1962, seu objetivo tem sido (...) ajudar os países em desenvolvimento a reformar e expandir seus sistemas educacionais, de tal maneira que eles possam contribuir mais plenamente para o desenvolvimento econômico (IANNI, 2002, p. 74).

Nesse sentido, lembramos que a racionalização do mundo interfere nas

relações, nos processos e estruturas de todos as dimensões da vida em

sociedade, visando à dominação e apropriação de bem, e promovendo a

integração e antagonismo entre nações e no seio de cada uma delas. É aí que

entra o papel de missionário das civilizações das organizações transnacionais,

influenciando, orientando e induzindo o fazer das nações.

53

Sendo um dos propósitos da globalização o alcance mundial do

capitalismo que se consolidou no século XX, é clara sua vinculação e

intervenção entre os projetos de desenvolvimento nacional e os projetos

econômicos e políticos de âmbito mundiais. Percebemos que tais propósitos

são marcados pelo desenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo, que

se expressa na concentração e centralização do capital, também em escala

mundial.

Tendo em vista essa concentração e centralização do capital e

atendendo a esse propósito, materializa-se também a produção e distribuição

de produção em larga escala por todas os cantos do planeta. Nesse novo ciclo

do capitalismo, a indústria cultural vem se tornando um dos meios de

“reeducar” o povo através da expansão dos meios de comunicação de massa,

o que vem sendo reconhecido como a categoria imagens. Essa expansão trás

um propósito, que, de acordo com Ianni (2002), é o de produzir uma cultura

internacional-popular.

Segundo Fischer (2002, p. 233) “o lucro obtido na satisfação (...) por

entretenimento é o alvo dos produtores e distribuídos da chamada ‘arte para as

massas’ no mundo capitalista”, configurada como uma produção carregada de

frases feitas, comercializadas como sonhos por meio de imagens. É pertinente

lembrar que os artistas buscam novos meios para denunciar e/ou representar

essa realidade obscura que se formata nesse novo momento do capitalismo.

Artistas e escritores têm sido incitados a procurar novas expressões que

possibilitem denunciar e representar essa nova realidade.

Entretanto, ocorre que para as massas de seres humanos, alvo predileto

no momento do capitalismo, a Arte é algo, de modo geral, inteiramente novo.

54

Como assinala Fischer (2002, pp. 233-234) “... não aprenderam a distinguir o

bom do ruim, seres cujos gostos artísticos ainda está por se formar, cuja

capacidade de apreciar as qualidades artísticas precisa ser desenvolvida”.

Considerando a capacidade de produção cada vez mais arrojada dos

meios de produção capitalista; a expansão do modo de pensar, de agir, de

imaginar das massas atendendo ao propósito da globalização; a missão

civilizatória das organizações transnacionais, mediadoras dos “receptores e

doadores” do desenvolvimento econômico; a disponibilidade de uma arma tão

poderosa como a Arte, para as massas “ignorantes”, inferimos que nada mais

conveniente do que colocá-la nos currículos escolares.

Entretanto, não podemos desconsiderar que se a Arte tem, como função

permanente, como afirma Fischer (2002, p. 252), “... recriar para a experiência

de cada indivíduo a plenitude daquilo que ele não é, isto é, a experiência da

humanidade em geral”, devemos buscar sua magia uma vez que esse

processo de recriação indica que a realidade é possível de ser transformada.

Nessa perspectiva, a magia está em identificarmos a importância da Arte

na formação da pessoa humana, em definirmos seu papel no currículo escolar,

em reconhecermos as possibilidades dos/as educadores/as em conhecer a

história da Arte e ter clareza quanto às opções pela formação das classes

populares.

55

CAPÍTULO II – ABORDAGEM METODOLÓGICA

56

A linha não existe na natureza. É uma invenção do homem, um guia para aqueles que desejam penetrar no mundo amorfo que nos circunda em toda parte. A linha é o fio de Ariadne que

nos conduz através do labirinto de milhões de objetos naturais. Sem a linha estaríamos perdidos. Não

encontraríamos mais o caminho.

(Georges Grosz, 1924)

2.1 – Fundamentos Teórico-metodo lóg icos da Pesquisa: Caminho

Norteador

Considerando que o objeto de pesquisa deste trabalho diz respeito a

uma temática de profundo significado existencial – Arte, buscamos uma opção

teórico-metodológica que favorecesse uma adequada aproximação entre

sujeitos envolvidos e pesquisadora, permeada por essa dimensão da Arte. Ao

lado disso, consideramos ainda a necessidade de abordar a relação dos

sujeitos com os textos de base legal, referente ao ensino de Arte.

Inicialmente, norteamos nossa escolha pela busca de um enfoque

metodológico que enfatizasse o mundo da vida cotidiana, o que nos levou para

o campo de preocupação da fenomenologia social, com base nas idéias de

Schutz, por sua vez, inspirada na filosofia husserliana.

Ela dá ênfase ao estudo do cotidiano, como já mencionamos,

reconhecendo que o estudo da realidade e do fenômeno ocorre de maneira

57

subjetiva14. A fenomenologia propõe o estudo do homem procurando a

essência e o significado do objeto.

De acordo com Schutz, a realidade já possui um sentido atribuído pelos

sujeitos que aí vivem, sendo o propósito do pesquisador revelar esses

significados. Fazendo alusão a esse pensador, Maria Cecília Minayo (2000, p.

58) assinala que, “...são os pequenos grupos (...), os responsáveis pela

identidade dos indivíduos, pela sua estabilidade e por seu sistema de

significados, na medida em que os integram uma visão de mundo

compartilhada”. Com base nessa reflexão, Inferimos que os indivíduos que

integram a escola, realidade que compõe o campo de estudo desta

investigação, correspondem a sujeitos que norteiam sua prática por uma

intencionalidade.

Em função desse sentido, já atribuído à Arte e ao Ensino de Arte, pelos

professores, escolhemos os instrumentos de coleta de dados, de modo que

apreendêssemos o discurso dos sujeitos por meio de sua fala e de sua prática,

preservando a dimensão de subjetividade. Reconhecemos que esse processo

esteve norteado pela referência intencional também do pesquisador, uma vez

que na perspectiva fenomenológica, a experiência vivida é um exercício de

interpretação.

A fala das professoras contém um conhecimento íntimo, profundo,

permanente, estando presente parte do sensível. Meu papel enquanto

pesquisadora foi de um bom crítico, que numa perspectiva antropológica

“passeia na frente da obra com uma lâmpada”.

14 A subjetividade, conforme o ideário fenomenológico, neste estudo é entendida como a

dimensão do sujeito, desenvolvida a partir de suas experiências de vida.

58

Outro aspecto abordado pela fenomenologia é a intersubjetividade, o

que significa dizer que para a fenomenologia só existe conhecimento entre dois

sujeitos a partir de uma relação subjetiva, a qual envolve a dimensão afetiva e

não apenas a racional.

Na perspectiva de assegurar a historicidade desse sujeito – professor/a,

recorremos, como aporte metodológico para análise dos dados, a Análise de

Discurso – AD, tendo por base as idéias de Eni Orlandi. Segundo essa autora,

“na Análise do Discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido,

enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do

homem e da sua história” (ORLANDI, 2002, p. 15).

Portanto, ao lidar com uma categoria complexa como a Arte, e

desafiante como o Ensino de Arte, nosso esforço se deu em procurar manter

um equilíbrio entre o conhecimento e a afetividade. Essa busca foi expressa no

decorrer do processo de conhecimento da realidade social em questão, pela

aproximação entre a estrutura simbólica e a essência do significado desse

simbolismo.

A legitimidade desse processo, do ponto de vista da fenomenologia se

deu no sentido de assegurar a dimensão da subjetividade, que apenas se

consolida na intersubjetividade. Ou seja, o conhecimento foi sendo

gradativamente construído, pela relação subjetiva existente entre sujeitos,

envolvendo não apenas a dimensão racional, mas também a afetiva. Do ponto

de vista da AD, essa legitimidade ocorre pela teorização da interpretação que o

sujeito faz da realidade, ao atribuir-lhe sentido. Como assinala Orlandi (2002, p.

26), “o estudo do discurso visa a compreensão de como um objeto simbólico

produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos”.

59

Com essa perspectiva, além da escolha da teoria fenomenológica, que

no processo de conhecimento se volta para a compreensão do fenômeno,

recorremos à AD como aporte metodológico, uma vez que seu elemento

fundante é a construção de sentido. Assim, procuramos contribuir para o

desvelamento do sentido dos dados apreendidos na realidade estudada, à luz

de informações documentais, considerando, sobretudo, o dito e o silenciado

como base de análise.

O dito e o silenciado, presente na fala e na prática dos professores do

Ensino Fundamental I, com o ensino de Arte, tomaram forma de texto, no qual

buscamos apreender o sentido atribuído por tais sujeitos, considerando-os

“...enquanto unidade significativa e pragmática, portador do contexto situacional

expresso pelo sentido” (MINAYO, 2000, p. 212).

Embora o texto já tenha sido tomado como objeto de estudo em outras

épocas15, é a AD, a partir do século XX, anos 60, que desenvolve uma

perspectiva de preocupação em saber como o texto significa.

Como aporte metodológico, a AD surge afiliado a uma tradição

intelectual européia, que se volta para a reflexão sobre o texto e sobre a

história, bem como para a prática escolar da explicação de texto, ambos tendo

uma base de interdisciplinaridade, uma vez que era preocupação de lingüistas,

historiadores e psicólogos.

É na perspectiva do alinhamento lingüístico ao sócio-histórico que o

quadro teórico da AD recorre aos conceitos de ideologia e de discurso,

aspectos esses que devemos considerar ao tratarmos com a Arte e seu ensino,

uma vez que seu objeto de interesse, enquanto área de conhecimento, situa-se 15 Temos como referências: No século XIX, por M. Brial, na perspectiva da Semântica Histórica;

nos anos 20/30 do século XX, pelos formalistas russos; e, nos anos 50, por Z. Harris, estruturalista americano, entre outros.

60

como linguagem capaz de comunicar e expressar, portanto, assumindo o papel

de texto a ser compreendido por um leitor.

2.2 – Análise de Discurso: Contribuições na Compreensão da Concepção

de Arte e de Ensino de Arte

Como já se encontra mencionado, para identificação das concepções de

Arte e de Ensino de Arte dos professores, recorremos à contribuição da AD.

Essas concepções foram apreendidas através do registro de suas falas nas

entrevistas; de observações em sala de aula; de observações do contexto da

escola como um todo, dando destaque a alguns eventos pedagógicos, tais

como: as festividades do folclore, feira de conhecimento, a vivência de um

projeto, de tema Paz na escola, os quais, foram promovidos pelo conjunto de

profissionais.

Sob a luz da AD, reconhecemos a prática de Ensino de Arte como práxis

social, que se expressa para nós em sentido estrito, enquanto contexto

imediato, como circunstâncias de enunciação; e, no sentido amplo, como

contexto sócio-histórico e ideológico: Ambos revelando as condições de

produção do discurso onde o interdiscurso é entendido como a memória

discursiva das representações e signos construídos pelos sujeitos e/ou

instituições, que se revelam no discurso proferido (ORLANDI, 1999).

Nesse sentido, torna-se pertinente ressaltar que a referida prática

docente é desenvolvida por sujeitos que são afetados por questões de ordem

social, cultural, econômica, ideológica e política, que marcam sua experiência

de vida, conforme se inscrevem na história. De acordo com Orlandi (1999, p.

37) “... os sentidos e os sujeitos sempre podem ser outros. Todavia nem

61

sempre o são”. Inferimos então, que nem os sujeitos, nem os sentidos, nem o

discurso, estão prontos e acabados.

É a partir dessa possibilidade, de incompletude, que o elemento se

materializa como objeto da AD: O discurso vai se constituindo na concepção de

Arte e de ensino de Arte do/a professor/a, articulando-se com outros discursos

interno e externo a esses profissionais.

Como assinala Orlandi (1999, p. 17), “... os estudos discursivos visam

pensar o sentido dimensionado no tempo e no espaço das práticas do homem,

descentrando a noção de sujeito e relativizando a autonomia do objeto da

lingüística”.

É nessa perspectiva que buscamos, na fala do/a professor/a e em sua

ação, o sentido que dimensiona a concepção de Arte e de Ensino de Arte,

identificando elementos que são parte de sua formação enquanto sujeito social,

os quais são monitorados, na sua prática com o Ensino de Arte e, nas idéias

norteadoras da referida prática, como parte de um projeto de sociedade.

Esse sentido do discurso, desconstruído, permite identificar a concepção

de Arte e de Ensino de Arte. De fato, acreditamos, conforme o que preconiza a

AD, que estaremos teorizando a interpretação, uma vez que buscamos

compreender “... como um objeto simbólico produz sentidos, como está

investido de significância para e por sujeitos” (ORLANDI, 1999, p. 26), tendo

como referência o dito, o interdiscurso e o silêncio (não-dito).

O interdiscurso se justifica pela relação do discurso dos professores,

com outros discursos já ditos em outras épocas e lugares. Na verdade, os

discursos assegurados na Lei e nas diretrizes operacionais, presentes em seus

desdobramentos (PCN e Proposta Curricular da PCR), são caracterizados por

62

um sentido de permissividade que outrora não vigorava, mas, atualmente é

conveniente. Esse é um aspecto externo ao professor, que pode ser

identificado como o interdiscurso.

Nesse sentido, é significativo saber “como o texto significa”, uma vez

que não sendo a linguagem transparente, o importante na AD é construir

sentidos, sobretudo, por sua materialidade simbólica própria e significativa em

sua discursividade: é disso que trata a Análise de Discurso.

É pertinente lembrar que o bem merecido status da Arte, como

componente curricular enquanto área de conhecimento específico, resulta da

luta da categoria de arte-educadores. Se essa vitória não foi assegurada antes,

se deve ao fato da Arte representar uma possibilidade de ampliação da

consciência do sujeito, representando um risco às classes dominantes,

situação típica que revela que “o interdiscurso é todo o conjunto de formulações

feitas e já esquecidas, que determinam o que dizemos. Para que minhas

palavras tenham sentido é preciso que elas já façam sentido” (ORLANDI, 1999,

p. 33).

Poderíamos ainda lembrar os fatores que constituem a formação do

imaginário no que se refere às condições de produção do discurso. Como

assinala Orlandi (1999, p. 43) “o discurso se constitui em seu sentido porque

aquilo que o sujeito diz se inscreve em uma formação discursiva e não outra

para ter um sentido e não outro”.

Aproveitamos para enfatizar a importância de outra noção da AD

pertinente ao presente trabalho: o silêncio (o não-dito). O não-dito aparece no

dizível no momento em que buscamos situar as condições de produção dos

documentos legais, considerando o contexto em que seus discursos se

63

inserem, caracterizados pela busca da qualidade na educação. É através dos

mecanismos de interpretação e, pela função em constituir indivíduos concretos

em sujeitos que a ideologia “funcionando nos rituais materiais de vida cotidiana,

opera a transformação dos indivíduos em sujeitos. Portanto, é no sujeito e por

meio dele que a ideologia será possível” (BRANDÃO, 2002, pp. 23-24).

2.3 – Leitura do Quadro: A Escola Campo d e Investigação

Com o propósito de compreender o Ensino de Arte, a partir dos/as

professores/as do Ensino Fundamental I, tomamos como referência o discurso

desses professores/as, expresso na sua fala por meio de entrevistas, e, na sua

prática desenvolvida em sala de aula e no contexto coletivo da escola.

Frente à nossa opção, desenvolvemos a pesquisa de campo em apenas

uma escola, da Rede Municipal que oferece o Ensino Fundamental I,

localizada na cidade do Recife.

A opção por essa escola, tendo em vista subsídios significativos que

favorecessem a compreensão do Ensino de Arte, teve como critérios: Escola

Pública da Rede Municipal da Prefeitura da Cidade do Recife, considerando,

sobretudo, nossa aproximação com a mesma, enquanto educadora e, por esta

rede de ensino assegurar a obrigatoriedade do Ensino de Arte, antes mesmo

da LDB 9,394/96; escola que contasse com um número significativo de

professores, em exercício de suas atividades no Ensino Fundamental I, que

estivessem na rede antes de 1996, portanto, antes da promulgação da

64

LDB/96, o que implicaria que já estavam na rede quando esta assegurou a

obrigatoriedade do Ensino de Arte em seu currículo.

O processo de seleção se deu por meio de visitas a algumas escolas,

estabelecendo um diálogo informal com a direção das mesmas e com os

professores, visando apreender a aceitação dos sujeitos que ali desenvolvem

suas atividades, bem como, verificando se tais escolas atendiam aos citados

critérios pré-estabelecidos.

A escola selecionada está situada numa comunidade que apresenta

carência de serviços, e seu público, ali atendido, apresenta, de modo geral,

nível sócio econômico baixo. Suas instalações físicas e as condições materiais

são boas, contando com biblioteca, laboratório de informática, pátio com

pequeno palco para apresentações, instalação de pequeno parque e demais

ambientes comuns aos parâmetros habituais da arquitetura da escola pública

brasileira, conseguindo manter um padrão de organização e manutenção do

espaço físico com muita higiene.

Trata-se de uma escola recém construída, para suprir a necessidade de

instalação de uma anterior, cujos alunos e professores foram absorvidos nesse

novo espaço físico. A mesma funciona em três turnos: Manhã, tarde e noite

atendendo a 728 alunos na Educação Infantil e Ensino Médio. Destes, como

mostra o Quadro 1, que apresenta a estrutura de organização do ensino16 na

PCR, 28 (uma turma) alunos/as são do 2º ciclo da Educação Infantil; 592,

distribuídos em turmas de 1º, 2º e 3º ano do ciclo I e 1º e 2º ano do ciclo II no

16 A Secretaria de Educação da Prefeitura da Cidade do Recife, desde o ano de 2001, com

base no Inciso I, § 3º do artigo 87 e do Caput do artigo 32, da Lei de Diretrizes e Bases – LDB, nº 9.394/96, implantou a organização do ensino em ciclo.

65

Ensino Fundamental; e 108 no 1º, 2º e 3º ano do módulo I da Educação de

Jovens e Adultos.

Nível Educação Infantil Ensino Fund amental Ed. de Jovens e

Adu ltos

Estrutura Ciclo I Ciclo II Ciclo I Ciclo II Ciclo

III Ciclo

IV Módulo I Módulo II

Ano 1º 1º 2º 3º 1º 2º 1º

2º 1º 2º 3º 1º 2º

Turmas 1 5 2 4 4 4 1 1 1

TA* ������ ���������� �������

�� ���� ��Quadro 1 – Estruturas da Organização do ensino Fonte: Elaboração da autora, com base na organização de ensino da PCR. *TA, significa, no contexto desta tabela, Total de Alunos/as.

2.4 – Seleção do s Sujeitos da Pesquisa

A seleção das professoras, sujeitos da pesquisa, teve por base os

seguintes critérios: 1 – todas deveriam estar na rede antes de 1996,

considerando que a obrigatoriedade do Ensino de Arte na Rede Municipal do

Recife remonta ao ano de 1993, pressupondo que os impactos seriam

menores frente à obrigatoriedade assegurada na Lei nº 9.394/96; 2 – as

professoras deveriam estar desenvolvendo, atualmente, suas atividades no

Ensino Fundamental I.

O contato com tais professoras, em princípio, se deu no momento da

visita às escolas no processo de seleção. Escolhida a escola, apresentamos o

projeto de pesquisa, revelando nossa intenção acerca da dinâmica da coleta

de dados, abrindo espaço tanto à direção quanto aos professores de se

posicionar sobre o processo de levantamento dos dados empíricos

necessários à investigação. A receptividade à pesquisa foi muito boa. Por

parte dos professores, seu interesse foi atribuído: à carência de discussão

66

sobre o tema, considerando suas limitações com o ensino de Arte; ao descaso

da escola, como instituição, no que se refere à falta de apoio à disciplina de

Arte. De nossa parte, reconhecemos o compromisso e a responsabilidade em

discutirmos os resultados da investigação, com o propósito de vir a contribuir

no repensar de nossa prática docente com o ensino de Arte.

Considerando os critérios já mencionados, sobretudo, no que diz

respeito ao ano de ingresso na PCR, a seleção dos professores esteve

vinculada à sua disponibilidade em participar efetivamente da investigação,

predispondo-se a conceder entrevista e permitir a observação de suas aulas

de Arte.

É pertinente destacar que a escola escolhida, conta com um quadro de

18 professoras, distribuídos em 3 turnos: 10 no primeiro turno, 10 no segundo,

dos quais, 4 delas trabalham os dois turnos (manhã e tarde); e 3 no turno da

noite, sendo uma delas professora de dois turnos (tarde e noite).

Deste total de 18 professoras, 10 delas ingressaram na PCR entre 1979

e 1995, aspecto que atende aos critérios de nossa investigação, nos

fornecendo, portanto um quadro assim distribuído: 03 professoras que

ingressaram em 1995; 04 professoras que ingressaram em 1981; 02

professoras que ingressaram em 1980; 01 professora que ingressou em 1979.

Das 10 professoras selecionadas, 08 se dispuseram a nos conceder

entrevista, mas conseguimos entrevistar apenas 07, em função da falta de

disponibilidade para o encontro; e das professoras entrevistadas, 04 nos

permitiram observar sua sala de aula: Uma turma do 2º ano e outra do 3º ano

do ciclo I, que correspondem a 1ª e 2ª série na perspectiva seriado e, duas

turmas do Ciclo II, uma do 1º ano e outra do 2º, correspondendo

67

respectivamente a uma 3ª e 4ª série. Realizamos 02 (duas) observações em

cada sala de aula17 considerando, sobretudo, que as aulas de Arte só

aconteciam uma vez por semana. Outro motivo que limitou o número de

observações em sala de aula foi em função de que os dados começarem a se

esgotar.

2.5 - Procedimentos da Pesquisa

Esse processo de seleção das professoras e a dinâmica que o rumo da

investigação tomava, marcou o início da fas e exploratória da pesquisa, uma

vez que adentrávamos no cotidiano da escola. Esse momento serviu como

parâmetro para construção dos instrumentos – roteiros de observação e

entrevista, com especial atenção às peculiaridades da realidade que nos

propomos investigar.

No que se refere à observação, tivemos como propósito nos aproximar e

conhecer mais de perto o campo e os sujeitos no cenário a ser investigado,

reconhecendo que esse instrumento de coleta de dados contribui nesse

contato do pesquisador com o trabalho de campo. Para isso, tomamos os

devidos cuidados, reconhecendo que se trata de um exercício desenvolvido

pela mente humana, seletiva naquilo que focaliza, e, passível de sofrer

influências da história pessoal do observador: esta autora, no momento na

condição de pesquisadora, desenvolve, como profissional da educação,

atividade semelhante à das participantes da pesquisa. Assim, a nossa

aproximação teve uma conotação de intersubjetividade (pesquisadora/

17 Cada observação correspondeu a 5 horas aula, sendo realizadas em cada sala observada,

10 h/a, correspondendo a 40 horas aula de observação.

68

participantes). Contudo, foi observado o cuidado em preservar um certo

distanciamento, próprio de uma perspectiva científica, o que implicou, portanto,

em seu planejamento, definindo previamente “o que” e o “como” observar

(Lüdke e André, 1986; Alves-Mazzotti & Gewandsznjder, 1998).

Nesse sentido, considerando o que afirma Triviños (1987, p. 26):

- “... a observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com

o fenômeno pesquisado...”;

- observar um fenômeno social significa que determinado evento social tenha

sido abstratamente separado de seu contexto para que, em sua dimensão

singular, seja estudado.

Assim, determinamos que observaríamos:

1 – a dinâmica de trabalho do professor no que se refere a planejamento,

metodologia e conteúdos do Ensino de Arte;

2 – tempo pedagógico destinado à disciplina;

3 – como a escola administra a importância da disciplina de Arte frente a outras

disciplinas (horários, carga horária, participação em eventos);

4 – em que medida se organiza com relação à Arte; que elemento trabalha e

como trabalha;

5 – apoio administrativo (direção) e pedagógico (orientadora pedagógica)

quanto ao ensino de Arte nas atividades regulares de ensino, nos eventos

especiais, (planejamento, reuniões, etc);

6 – apoio administrativo no que se refere à disponibilidade de material

(permanente e de consumo), disponibilidade de tempo para tratar o assunto do

ensino de Arte (estudo, discussão, planejamento etc.).

69

2.6 – O Discurso da Professora na Entrevista

Minayo (2000, p. 108), fazendo alusão a Kahn e Cannell (1962, p. 52),

assinala que a entrevista se trata de uma “conversa a dois, feita por iniciativa

do entrevistador, destinada a fornecer informações pertinentes para um objeto

de pesquisa, e entrada (pelo entrevistador) em temas igualmente pertinentes

com vistas a este objetivo”.

No mesmo sentido, Lüdke e André (1986) assinalam que a entrevista é

um instrumento de coleta de dados que desempenha um importante papel na

criação de uma relação de interação e/ou de influência recíproca entre quem

pergunta e quem responde.

Nesse sentido, nosso roteiro foi concebido e elaborado para a interação

com as informantes, a partir dos questionamentos básicos pertinentes à

pesquisa e das observações de campo. Durante a realização das entrevistas,

foi ainda possível ampliar algumas interrogações.

As questões que nortearam o roteiro das entrevistas18 com as 7

professoras, dizem respeito a:

a) Que concepção do Ensino de Arte norteia a prática docente no

Ensino Fundamental?

b) De que forma os professores do Ensino Fundamental conduzem o

Ensino de Arte?

18 O roteiro da entrevista segue em anexo I.

70

2.7 – Corpus: Mapeando o Texto, Identificando o Discurso

Concomitante ao processo de coleta de dados, fez-se necessária a

consulta a alguns documentos legais (Constituição do Brasil de 1988, LDB/96,

PCNs de Arte do Ensino Fundamental I e a Proposta de Ensino de Arte da

PCR), tendo em vista que estes serviriam de pano de fundo para análise dos

dados.

Assim, sob a luz de nosso arcabouço teórico-conceitual, desenvolvido na

primeira parte deste trabalho, e, da base legal, buscamos entender o discurso

das professoras do Ensino Fundamental I, no que se refere à concepção de

Arte e de Ensino de Arte. Identificamos, na referida base, um importante eixo, o

qual contribuiu na contextualização dos textos – formados pelos registros das

observações e falas – e, na identificação do sentido da construção do discurso

dessas profissionais.

Nesse sentido, categorizar os discursos situando as fontes por data,

origem, tipos de discurso, foi um exercício que possibilitou a busca de

identificação dos sentidos na estrutura dos discursos dos professores.

Esses discursos, delimitados nos respectivos documentos, como já

esclarecemos, não foram fonte de análise, mas eixos norteadores carregados

de significados, que subsidiaram a definição do discurso das professoras do

Ensino Fundamental I, possibilitando descortinar as formações discursivas, o

que nos permitiu desconstruir tal discurso, tomando-as como fonte de análise

como veremos a seguir.

71

CAPÍTULO III – O DISCURSO SOBRE ARTE E O ENSINO DE

ARTE

72

São os espectadores que fazem os quadros (...) O artista não

é o único a concluir o ato de criação, porque o espectador estabelece o contato da obra com o mundo exterior,

decifrando e interpretando suas qualidades profundas e assim juntando sua própria contribuição ao processo criativo.

(Marcel Duchamp, 1957).

Dos textos organizados sobre a base legal da educação brasileira,

situamos as fontes por data, origem e tipos de discurso, conforme mostra o

Quadro 4.

73

DATA ORIGEM TEXTOS

1971 LDB – Artigo 7º

Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969.

1993

PCR – Proposta

Pedagógica (1996: 7)

A Arte como linguagem autônoma, como disciplina e seus conteúdos específicos, como área de conhecimento.

1996 LDB – Lei nº

9.394/96

Artigo 26

O Ensino da Arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.

1998

PCN Fundamental I,

Arte – Pág. 15

A educação em Arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico, que caracteriza um modo particular de dar sentido as experiências das pessoas: por meio dele, o aluno amplia a sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação.

2002

PCR – Proposta Pedagógica

A Arte da Rede Municipal do Recife está comprometida com a população escolar no acesso à Arte e ao patrimônio cultural, fundamentada em três eixos da política educacional: Educação sob a ótica do direito; Cultura, identidade e vínculo social; Ciência, tecnologia e qualidade de vida, por isso não pode sonegar à Arte seu ensino e sua história para todos os níveis da escolaridade.

Quadro 04 – Corpus Documental da Base Legal da Educação Brasileira Fonte: A Autora (2003)

Para efeito deste estudo, verificamos que a Lei de Diretrizes e Bases Nº

5.692/71, torna-se uma referência para situarmos a memória discursiva da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei Nº 9.394/96. Esta

última é, efetivamente, a que teremos como grande referência, tornando-se a

causa primeira de nossa inquietação com o Ensino de Arte, ao assegurar sua

obrigatoriedade na Educação Básica. Lembrando Saviani (2000), é importante

questionarmos a que interesses serve o Congresso Nacional, no momento de

elaboração de leis, sobretudo, em função das alianças que os candidatos

74

realizam no processo de campanhas. Essas alianças normalmente tornam-se

eixo norteador dos interesses aos quais têm que servir em seus mandatos, e,

esclarecem a função de deformação ou preservação do Congresso Nacional,

no que se refere aos projetos originais. O autor mencionado, afirma que as

respostas, para as diferenciações e causas dessas funções, estão no modo de

funcionamento do regime político brasileiro.

Além da lei 9.394/96, tomamos como subsídio, para análise do discurso

do professor: o discurso da Proposta Pedagógica da PCR de 1996, que dá

sustentação legal à obrigatoriedade, assegurando na Rede o Ensino de Arte

nas séries iniciais do Ensino Fundamental, desde 1993; a Proposta mais

recente, datada de 2002; e, o volume 6, dos Parâmetros Curriculares

Nacionais, que trata de Arte para o Ensino Fundamental I.

3.1 – Arte como Recurso aos Interesses Econômicos: Discurso

Institucional

Como podemos observar, no artigo 7º da Lei Nº 5.692/71, a Arte com a

denominação de Educação Artística, encontra-se mencionada juntamente com

Educação Moral e Cívica, Educação Física e Programa de Saúde. É

interessante perceber a ênfase às questões de ordem moral, ética, religiosa,

articuladas ao ideário nacionalista19, em todos os níveis de ensino, recorrendo

à ideologia como “...interpretação de sentido em certa direção, direção esta

determinada pela história” (ORLANDI, 2002, p. 101).

19 O ideário Nacionalista é entendido, no contexto deste trabalho, como ideário de uma doutrina

que subordina a política interna de um país ao desenvolvimento e/ou do poder nacional.

75

O contexto, onde se inseriu tal legislação e as condições de sua

produção e/ou imposição, é marcado por circunstâncias anti-democráticas,

uma vez que o Brasil vivia, nessa época, um regime de ditadura militar.

Verificamos que essa faceta do poder vem acompanhada de um tipo de

silêncio opressor na forma de política de silêncio local, que se instala pela

censura a comportamentos e ações democráticas da sociedade e de seus

sujeitos, proibindo-os de emitir qualquer discurso que tenha sentido contrário

aos princípios do totalitarismo do período em questão20.

A própria terminologia Educação Artística e os efetivos

encaminhamentos nos currículos plenos, apontam o descaso com a área de

Arte, reservando-lhe um papel apenas de atividade, como recurso a outras

disciplinas, desenvolvida, portanto, como tarefa ilustrativa.

A PCR, no ano de 1993, assegurando a obrigatoriedade do Ensino de

Arte, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, revela um avanço significativo,

no sentido de considerá-la como uma área de conhecimento especifico. Essa

consideração diz respeito ao fato de que, na época em questão, vigorava a Lei

5.692/71 como legislação educacional. Entretanto, não podemos perder de

vista que se tratava de um período em que o país estava vivendo o processo

de redemocratização política. Nesse contexto havia uma ampla discussão, que

culminou com a elaboração e aprovação da Constituição de 1988, garantindo

conseqüentemente a elaboração de uma nova LDB, sobre a qual, em 1993, já

tramitava o processo de discussão e elaboração na Câmara dos Deputados,

com a participação da sociedade civil organizada. Embora a nova LDB já

estivesse em vias de elaboração, temos de reconhecer que a história da 20 No caso específico de Pernambuco, essa repressão ocorre no mesmo nível como em todo

território brasileiro e, uma expressão dela, é a perseguição, prisão e exílio, de intelectuais, como Paulo Freire, que em Recife fez parte do Movimento de Cultura Popular.

76

educação da PCR antecipa-se ao feito, ao assegurar a obrigatoriedade do

Ensino de Arte em toda educação básica.

Em 1996 é aprovada a LDB, Lei Nº 9.394/96, a qual, embora não tenha

contemplado largamente os interesses das classes populares, devido às

manobras e interesses políticos das classes dominantes, decorreu também da

participação da sociedade civil organizada no processo de discussão da

elaboração da LDB21, o que garantiu significativos avanços, tal como ter

assegurado o Ensino de Arte como componente curricular na educação básica.

Vale ainda ressaltar que a LDB em questão, além de dedicar um

parágrafo exclusivamente ao Ensino de Arte, apontou seu propósito: promover

o desenvolvimento cultural dos alunos.

A partir do que está dito, na lei atual identificamos a presença do silêncio

da lei anterior (5.692/71): O desenvolvimento cultural estava esquecido em

detrimento do desejo do Estado em um tipo de comportamento nacionalista, o

que podemos verificar por meio da ênfase atribuída à disciplina Educação

Moral e Cívica. Esse fato nos conduz a indagarmos sobre as razões do

interesse pelo desenvolvimento cultural na década de 90. Se o Ensino de Arte,

até a década de 90, esteve voltado a atividades reprodutivas e/ou ilustrativas,

por que agora esse interesse em monitorá-la como área de conhecimento?

Se tomarmos como referência as mudanças de paradigmas na

sociedade, especificamente as percorridas pela história da Arte, verificamos

que movimentos, como o da Semana de Arte Moderna de 1922, que aconteceu

no Brasil (São Paulo), mobilizaram as possibilidades do sujeito, no que se

refere a sentimentos e idéias, vislumbrando mudanças na realidade, como

21 Tema abordado por Ivany Pino (2001).

77

indicativos da gênese do interdiscurso da função da Arte, atualmente

explicitada no discurso da legislação. Há o reconhecimento de que este é um

comportamento que se tornara indesejável no período da ditadura militar (1964-

1979), a qual se interessava por uma concepção de Arte voltada à reprodução,

sem mobilizar nenhuma competência que conduzisse à reflexão.

Reconhecemos que, no momento atual, o desenvolvimento cultural

ainda é do interesse das classes dominantes. Entre tantas razões para isso,

podemos citar o atrelamento financeiro externo mantido pelo Brasil no campo

das políticas sociais, especificamente, na educação. São as exigências

internacionais que orientam o formato educacional do país. Contudo, nesse

processo não podemos omitir a mobilização da sociedade civil organizada e, no

que se refere ao ensino de Arte, a participação dos arte-educadores, os quais,

a partir de suas idéias inovadoras de trabalhar esse ensino, também têm lutado

para assegurar a Arte no currículo enquanto área de conhecimento. Entretanto,

vale aqui uma ressalva, para lembrarmos que essa luta dos arte-educadores

brasileiros não é nova, apesar das repercussões da organização de sua luta

ser mais visível a partir dos anos 80, culminando com uma série de

associações, inclusive a Federação de Arte Educadores do Brasil – FAEB22.

Assim é apontado um fato, no mínimo curioso: sendo a Arte tão

importante para o desenvolvimento cultural do aluno, só agora, no final da

década de 90, foi assegurada na educação brasileira.

Na tentativa de compreender essa preocupação atual da legislação

brasileira, em assegurar a obrigatoriedade do ensino de Arte na educação

básica, voltamos nosso olhar para a nova ordem social. Esta atualmente é

22 Informação já mencionada no capítulo 1 (item 2.1).

78

caracterizada por um projeto, a partir de idéias neoliberais, que sistematiza e

mobiliza esforços para moldar o comportamento das pessoas em sociedade.

Nesse mesmo sentido, conforme já mencionamos anteriormente, do ponto de

vista econômico, torna-se necessário destacar a globalização, a qual, tendo

como sustentação o avanço da ciência e da tecnologia, produz em grande

escala recorrendo a apenas um terço da população, à qual assegura um lugar

no mercado de trabalho formal. Em se tratando das classes populares, grande

parte é excluída, pela falta de qualificação adequada para acompanhar o

avanço da ciência e da tecnologia, no contexto de um competitivo mercado de

trabalho.

Ao se deparar com esse processo de exclusão, o sujeito precisa de

criatividade, de idéias que o ajudem a sobreviver, e, nesse sentido, nada

melhor do que o ensino de Arte para desenvolver competências dessa

natureza. Além disso, as possíveis competências, desenvolvidas com esse

ensino, também vêm atender às exigências do novo perfil de trabalhador:

criativo, com habilidade para convivência em grupo, espírito de liderança, etc.

De fato, esse novo ciclo do capitalismo, definido assim por Ianni (2002),

vem reeducando o povo, por meio de um processo que nos dá a idéia de que o

conhecimento está em toda parte. Assim, a categoria de imagens vem

ganhando espaço nas ruas, e sobretudo, nos meios de comunicação de

massa. Se o indivíduo das classes populares não encontra um lugar no

mercado de trabalho formal, a competência da criatividade pode “ajudá-lo” a

“vender picolé na praia” e achar que é empresário, ao invés de buscar a origem

dos problemas do desemprego.

79

Além disso, vale aqui mencionar um fenômeno relevante, no que se

refere à imagem, que tem sido freqüente, nos últimos tempos – a produção em

grande escala do que denominamos de superprodução de imagens, veiculada

no comércio: réplicas de artistas famosos e/ou paisagens, produzidos de uma

matéria-prima com características emborrachadas, e outros, como encartes de

revistas, vendidas a preços populares.

Reforçando essa idéia, nos reportamos a Antonio F. Costella, na obra

Para Apreciar a Arte: Roteiro Didático, na qual, chama atenção que no século

XX intensificou-se a incorporação à sociedade de consumo, dos bens

tradicionais da cultura. Ele assinala que: “a arte dita superior está

transbordando, enfim, dos seus nichos de origem e ganha as ruas das cidades,

as ondas eletromagnéticas e as infovias eletrônicas, pois as coleções dos

museus invadiram até a Internet” (2002, p. 7). Como ilustração, podemos

lembrar um artigo de Paulo Polzonoff Jr. (2004), publicado no mês de agosto

na Revista Continente Cultural, sobre banco de imagem disponível para

“download” na Internet, trazendo inclusive, o caso da Subsidiária Corbis, de Bill

Gates, que adquiriu os direitos de reprodução de obras como Mona Lisa, de Da

Vinci, entre tantas outras imagens de interesse didático, jornalístico e

publicitário. Diante de um fenômeno dessa natureza, é necessário um

consumidor. Geralmente, se consome o que se conhece ou se tem

possibilidades de conhecer. Com essa reflexão, inferimos que o fenômeno

mencionado representa mais um aspecto silenciado, a ser observado sobre a

importância que tem sido atribuída ao ensino de Arte na legislação.

Recorremos mais uma vez a Fischer (2002, pp. 233-234) para lembrar que as

“massas de seres humanos (...) não aprenderam a distinguir o bom do ruim,

80

seres cujos gostos artísticos ainda está por se formar, cuja capacidade de

apreciar as qualidades artísticas precisa ser desenvolvida”.

Nesse sentido, podemos verificar o que sugere o volume 6 dos PCNs,

que trata do Ensino de Arte para o Ensino Fundamental I, quando assinala que:

A educação em Arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico, que caracteriza um modo particular de dar sentido as experiências das pessoas: por meio dele, o aluno amplia a sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação. Aprender Arte envolve, basicamente fazer trabalhos artísticos, apreciar e refletir sobre eles. Envolve, também, conhecer, apreciar e refletir sobre as formas da natureza e sobre as produções artísticas individuais e coletivas de distintas culturas e épocas (BRASIL, 1997, p. 15).

A força parafrástica, como um jeito diferente de dizer a mesma coisa,

processo que assegura a memória, de algo que se mantém do discurso já dito,

pode ser identificado no enunciado do PCN em questão, quando assinala que

por meio da educação em Arte “o aluno amplia a sensibilidade, a percepção, a

reflexão e a imaginação”. De fato, essa idéia esteve presente na Semana de

Arte Moderna de 192223, assim como esteve presente no processo de luta dos

arte-educadores brasileiros. E a polissemia, jogando com o equívoco, assegura

um deslocamento com a significação (ORLANDI, 2002), traz o já dito como se

fosse o novo, após um período de esquecimento, mas que esteve presente na

legislação educacional brasileira, Lei nº 5.692/71, em um momento que era

perigoso ampliar a sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação.

Assim sendo, os PCNs, legitimam o discurso da LDB/96, quando afirma

que a educação em Arte desenvolve o pensamento artístico, explicitando que

esse tipo de pensamento caracteriza um modo particular de dar sentido às

experiências das pessoas. Portanto, trata-se de um interdiscurso, na medida 23 A Semana de Arte Moderna de 22 representou para Pernambuco um marco na história da

Arte, dando origem ao movimento regionalista de 1926, ligado não somente a artistas, mas, também a intelectuais, como resposta ao experimentalismo estético de 22 que fomentou uma ideologia que reexaminam os problemas da cultura.

81

que indica a relação com outros discursos já ditos em outros momentos

históricos.

Ratificamos que esse já dito, na verdade, está adormecido em berço

esplêndido, do ponto de vista institucional, dissimulando a luta da categoria de

arte-educadores que vem, ao longo dos anos, defendendo a democratização

do ensino de Arte. O diferencial é que, no momento atual, os sujeitos

responsáveis em instituir esse discurso, já sabem o que fazer com ele, em

termos de privilégios mercadológicos. Isso nos faz lembrar a teoria

heliocêntrica, imaginando Copérnico ser punido por descobrir que a Terra é

que girava ao redor do Sol. Ideologicamente, a justificativa de sua punição

assentava-se na mudança de paradigma que a referida teoria provocaria,

deslocando o centro das atenções para o homem e não mais para a natureza,

fato que incomodava as forças econômicas e a ordem instituída naquele

momento.

Em síntese, verificamos que, o discurso dos documentos legais, de

modo geral, mostra-se mais articulado aos interesses e exigências da atual

ordem social, firmados entre os Estados participantes nos compromissos de

Educação para Todos, em detrimento dos interesses das classes populares.

No referido discurso, a ênfase é atribuída à finalidade da Arte, o que

poderíamos traduzir como a função da Arte na vida do sujeito. Essa função,

como fio condutor da formação desse sujeito, revela, pelo não-dito, os

interesses que permeiam a concepção de Arte como recurso e apoio, às

exigências mercadológicas da nova ordem.

Assim, reconhecemos como a memória constitutiva (o interdiscurso) é

importante para compreendermos “como este texto significa”. De fato, não seria

82

possível essa compreensão sem recorrermos aos recursos ideológicos e às

forças parafrásticas e polissêmicas, que fazem o discurso, entre o mesmo e o

diferente, movimentando tanto sujeitos quanto sentidos.

3.1.1 – O Discurso Pedagóg ico Frente à Obrigatoriedade do Ensino de Arte

Sendo a base legal, apresentada acima, a diretriz do sistema

educacional brasileiro, instrumento que repercute diretamente na prática

docente, procuramos saber no discurso das professoras, até que ponto estão

informadas sobre a obrigatoriedade do ensino de Arte, sobre a Proposta

Pedagógica da PCR, os PCNs e a LDB nº 9.394/96, e as implicações do

silêncio desse discurso na prática docente do ensino de arte.

A obrigatoriedade do ensino de Arte é real e as professoras têm

conhecimento disso. Verificamos, que a exclusão nos processos de debates e

tomadas de decisões, é a formação discursiva que dá sentido ao discurso da

professora. O discurso expressa a consciência de que as mudanças chegam

na escola para serem cumpridas:

Fiquei sabendo igual às outras disciplinas. Chegou, passou a ser exigida e está lá para ser ensinada. Não vou exigir do aluno o que não sei passar pra eles.

Decorre daí três questões: A primeira, que assegurar o ensino de Arte

na lei nº 9.394/96 não foi um presente dos deuses, uma vez que representa o

esforço e luta de arte-educadores em assegurar a democratização do ensino

de Arte, luta que ganha evidência a partir da década de 80, ao tornar-se

possível a discussão política (Barbosa, 2001). A segunda, também já discutida

neste trabalho, diz respeito ao fato da participação da sociedade civil

83

organizada na elaboração da legislação, desde a Constituição Federal de

1988, até a referida LDB, sobretudo pelo processo de participação que marcou

a redemocratização24 do país. E a terceira, é o interdiscurso presente nesse

discurso, como memória das leis anteriores, a exemplo da 5.692/71 que como

uma grade aprisionava, não permitia nenhuma participação, uma vez que os

interesses da ordem social que a contextualizavam, voltavam-se às exigências

racionalistas do capitalismo, sem qualquer interesse em discutir nenhuma

concepção com a sociedade civil, muito menos concepção de ensino.

Chamamos atenção para essas reflexões, considerando que se torna

compreensível as inquietações das professoras frente à sua prática com o

ensino de Arte.

A segunda fala nos conduz a retomar as idéias de Ana Mae Barbosa

(2001), para chamarmos atenção de que não é simplesmente colocando a Arte

no currículo que a operacionalização dessa área de conhecimento irá

potencializar as possibilidades que acreditam os arte-educadores, fato que não

se distancia do que pensa uma das professoras investigadas quando afirma

que:

Sei da obrigatoriedade e acho importante. Mas, a verdade é que nada mudou porque há uma exigência, mas, não oferecem a formação adequada.

Nas idéias às quais nos referimos, a autora chama atenção da

importância da Arte no currículo para o desenvolvimento da percepção e da

imaginação, bem como da capacidade crítica do sujeito diante da realidade,

aspectos que não serão garantidos simplesmente por estar assegurado em lei.

Frente a essas considerações, compreendemos que seja necessário um

trabalho sistematizado que privilegie a alfabetização artística assegurando por 24 Questão já discutida no primeiro capítulo (item 3).

84

meio desta que o/a aluno/a seja capaz de realizar uma leitura crítica do

mundo. Contudo, diante dos dados desta investigação, verificamos que isso

apenas tornar-se-á possível a partir do momento que seriamente se pensar na

formação adequada da professora do Ensino Fundamental I.

Nesse sentido, é importante perceber que os discursos, acima

apresentados, indicam marcas de uma memória presente no processo de

formação e experiência profissional das professoras, participantes desta

pesquisa, vinculado ao modelo de sociedade. Essa memória, em outro

contexto, era o discurso dito que se expressava através de uma prática comum

no sistema educacional brasileiro, em que as decisões, determinações, com

mais freqüência e naturalidade vinham de cima para baixo. Nesse modelo não

há espaço para discussão, diferentemente do período de redemocratização do

país, como já mencionamos, no qual a sociedade civil organizada é chamada à

participação em nome da autonomia. Contudo, para quem passa uma vida

inteira excluído de qualquer participação política, não é tão fácil romper com

esse comportamento de passividade. Esse modelo ditatorial, por mais que

venha sendo superado, ainda está presente nos contextos escolares

brasileiros. Assim, as implicações aparecem na figura do profissional da

educação, como um tarefeiro, cumpridor das mudanças sinalizadas nas

diretrizes educacionais. Ou, como denomina Giroux (1997), um técnico

especialista em cumprir tarefas. O referido autor reclama para o profissional da

educação o papel de intelectual, que inclui a função de pensar a educação.

Ainda sobre isso, Tardif (2002) discute os saberes do professor, profissional

que para ele deve ser concebido como sujeito epistêmico.

85

A ruptura da função de cumpridor de tarefas para a função de educadora

no papel de intelectual se depara com alguns limites, como a falta de leitura e

de debates sobre documentos e legislação educacionais, com suas

implicações na prática docente.

Esse papel de cumpridora de tarefas, das professoras pesquisadas, fica

mais claro ao verificarmos seu discurso sobre cada um dos documentos legais.

A partir do roteiro de entrevista, conversando sobre a Proposta

Pedagógica – PP da PCR, podemos verificar o sentido atribuído por uma das

professoras, sobre as proposições desse referido documento:

Existe. Não li. Mas, observei que é fora do real tanto pela carência na formação do professor, quanto pala falta de condições físicas de ambiente e recursos materiais.

Verificamos, nesse discurso, que as proposições pedagógicas que

chegam até ao profissional de educação, no que se refere ao ensino de Arte,

ainda conta com mais esse agravante: sem espaço, sem professores

qualificados, ou outras deficiências, questões apresentadas por Maura Penna

(2001). De fato, a própria estrutura das escolas públicas brasileiras não contam

com espaço adequado para o desenvolvimento das aulas de arte. Muito

embora, não nos surpreende as limitadas condições, se revisitarmos a história

da educação brasileira, e especificamente a história do ensino de Arte uma vez

que este nunca foi objeto de maiores preocupações.

Outro aspecto que destacamos está relacionado com o possível papel

de intelectual, a que nos referimos anteriormente, que o/a educador/a precisa

assumir. Como podemos verificar no discurso de uma outra professora, ao se

referir aos PCNs:

Não li. Não temos tempo e a escola não proporciona um espaço para estudo dessa natureza.

86

Esse discurso é a memória de uma postura do educador que vai de

encontro ao conjunto de proposições presentes nos documentos que se

desdobram da LDB nº 9.394/96. Verificamos que o referido discurso aponta

uma articulação com uma época em que foi comum a ausência de uma

concepção de ensino que se traduziu no contexto educacional por meio das

tendências liberais, que, mais tarde, viriam ceder lugar a tendências

educacionais progressistas, que se expressam mais efetivamente a partir da

década de 80 com a redemocratização do país. É nesse período, em que o

sistema educacional brasileiro começa a pensar, mais efetivamente, na

democratização do ensino para atender as novas exigências sociais, políticas,

econômicas e culturais da nova ordem social. São essas exigências que

compele o sistema educacional a rever algumas noções imbricadas com a

concepção de ensino, como a concepção de avaliação, por exemplo, presente

no discurso da professora ao afirmar:

Não vou exigir do aluno o que não sei passar pra eles.

Verificamos nessa fala que a terminologia exigir, se traduz como uma

formação discursiva nos indicando a memória, de um tipo de avaliação

antidemocrática25, quando a avaliação era voltada predominantemente para

classificar o indivíduo entre os que sabem e os que não sabem; entre os que

teriam sucesso e os que não teriam, portanto, um discurso já dito em outro

momento histórico. Frente às novas exigências da ordem social, a idéia de

25 Luckesi (1999) discute, entre outros aspectos da avaliação, a relação entre as exigências da

sociedade, a democratização do ensino e a noção de avaliação que possibilita assegurar essa democratização não só como acesso, mas como permanência e a terminalidade da escolarização.

87

democratização do ensino sugere romper com esse tipo de avaliação voltada

apenas para classificar o aluno.

É nesse momento que se toma consciência de nossas lacunas teóricas,

e que, efetivamente, o sistema passa a investir em formação em serviço, ora

promovendo grandes eventos, ora desenvolvendo as ditas capacitações de

forma seletiva, no sentido de ter como critério para realização das

denominadas capacitações a representatividade de professores/as por escola,

com a esperança de que estes, em caráter de agente multiplicador, repassem

as informações para o restante dos/as professores/as que não tiveram

oportunidade de participar, o que nem sempre acontece.

De modo geral, pode ser observado que a base legal de nossa

educação não é lida, muito menos estudada, e, podemos ratificar o que vem

sendo apresentado até o momento com a fala da professora:

A LDB sei que existe, mas não li.

Essa informação nos aponta a memória discursiva de uma prática

docente tecnicista26 que predominou dos idos dos anos 60 até 70, orientada a

partir da atuação de técnicos em ações de planejamento e de professores, na

ação do fazer, reduzida a atividade de dar aulas. Esse contexto é marcado por

decisões governamentais, que se expressam nas ordens a serem cumpridas

sem nenhuma discussão com os sujeitos envolvidos no processo educacional.

Essa exclusão em debates e decisões gera a ausência de uma base teórica

que inclua os profissionais da educação.

26 Libâneo (1998), na abordagem que faz das tendências pedagógicas, assinala que as

manifestações do tecnicismo na prática escolar é uma influência que remonta a segunda metade dos anos 50 através do Programa Brasileiro-Americano de Auxílio ao Ensino Elementar – PABAEE.

88

As implicações decorrentes dessa adequação à perspectiva tecnicista

do sistema educacional e, a racionalização do sistema capitalista, sedimentou

a dicotomia entre teoria e prática, sobre o que as diretrizes educacionais atuais,

a partir da LDB 9.394/96 vem sinalizando a superação. Nada mais previsível

que as inquietações e, paradoxalmente, o aparente comodismo e/ou inércia

dos profissionais de educação frente à disponibilidade pela leitura e pelo

conhecimento. Isso nos leva acreditar que as lacunas não estão restritas às

professoras, e talvez, também não estejam contidas nas diretrizes

educacionais asseguradas na base legal e demais documentos, mas na forma

como ele chega até aos/às professores/as.

Contudo, enquanto os órgãos formadores e outros interessados não se

sensibilizarem em ouvir os/as professores/as sobre suas necessidade, dúvidas

e possibilidades, as implicações na prática docente, e nesta, o ensino de Arte,

que é objeto de nosso interesse nesta investigação, predominará a fragilidade

na concepção de ensino, reproduzindo a dissociação entre teoria e prática.

Essa situação, por tabela, torna-se obstáculo em reconhecer a finalidade da

Arte na educação: incluir a dimensão estética e artística para a grande maioria

da população, uma vez que, o motivo mais importante para incluir arte no

currículo é por ser parte de um de um patrimônio cultural da humanidade, e

preservar e assegurar o acesso a esse patrimônio está entre as funções da

escola. (ALMEIDA, 2001).

89

3.2 – Arte como Recurso a outras Disc iplinas: O Discurso Pedagóg ico

Categorizar o discurso das professoras investigadas foi possível pela

proximidade com os pólos: a fala e a prática observada, uma vez que foram daí

que emergiram as formações discursivas, que são eixos norteadores da

construção de seu discurso, possibilitando-nos inferir a concepção de Arte e a

concepção de ensino de Arte dessas educadoras.

3.2.1 – Importância da Disc iplina Arte Frente a Outras Disc iplinas

Durante a fase de observação, procuramos verificar, junto à direção,

alguns aspectos que considerávamos pertinentes, no sentido de nos indicar a

importância que a escola atribui ao ensino de Arte e seu apoio administrativo,

tanto no que diz respeito aos recursos, quanto ao sentido de assegurar um

espaço à discussão e organização pedagógica.

Assim, buscamos saber a carga horária que era destinada, pelo

currículo, à disciplina de Arte. Constatamos que a ênfase é atribuída aos 200

(duzentos) dias letivos, que deve ser seguido sem a menor preocupação ou

vigilância com a eqüidade das diversas áreas de conhecimento que compõem

a matriz curricular da escola.

Essa informação foi obtida através da diretora e da secretária da escola,

a qual nos informou que essa questão da distribuição da carga horária fica sob

responsabilidade das professoras. Complementando, nos afirmou ainda que

não há registro na escola que contemple essa questão. Detalhou, inclusive,

que no formulário de transferência, o qual anteriormente constava a carga

90

horária de cada disciplina, atualmente isso não ocorre com a implantação da

educação em Ciclos.

3.2.1.1 – Apo io Administrativo e Pedagóg ico às Professoras com o Ensino

de Arte: Elementos Trabalhados

Tivemos oportunidade de presenciar preparativos e realizações de

alguns eventos da escola, ora relacionados a datas comemorativas, ora a

projetos, tais como: o folclore; feira de conhecimento; “Paz na Escola”, este

último elaborado por uma professora de uma das turmas de 2º ano do ciclo II,

culminando com uma passeata pelo bairro.

Verificamos que a escola não oportunizou às professoras momentos

para planejamento conjunto das atividades, em tempo hábil, predominando a

fragmentação das atividades e a improvisação no uso de material de sucata.

No comportamento e depoimentos informais de tais profissionais, observamos

inquietação e/ou insatisfação. Isso foi bastante claro na culminância do evento

referente ao folclore. Naquele momento, uma das professoras que preparava

seus alunos para uma apresentação teatral de uma fábula (a formiga e a

cigarra), construía as asas da cigarra com cartolina usada, de outra atividade.

Expressando insatisfação, assinalou que:

...não sabemos trabalhar arte, e quando nos dispomos a trabalhar, temos que nos virar com material de sucata, pois, a direção não oferece nenhum apoio nesse sentido.

Presenciamos também, ainda com relação ao folclore, a articulação

entre duas professoras, que, por sua própria iniciativa, uma solicita à outra que

preparasse um grupo de alunos para apresentar o frevo na culminância da

91

comemoração em questão. Observamos que o trabalho de contextualização e

epistemologia sobre o frevo era feito pela professora da turma. No trabalho

desenvolvido com a dança, a professora orientava o grupo de alunas e alunos,

obedecendo a uma sincronia com relação à distribuição de espaço, de tempo

entre a música e os movimentos, revelando um cuidado intuitivo com

elementos possíveis de serem explorados do ponto de vista da “dança”

enquanto linguagem artística. Uma coisa significativa dessa vivência é que os

outros alunos são apenas expectadores, pois, os professores não atentavam

para o fato de que poderiam participar mais ativamente, por exemplo, na

confecção do figurino.

Esse fato pareceu ser resultado das condições estruturais da escola com

relação a recursos para atividades dessa natureza. Recorrer a empréstimo com

colegas de outras escolas, foi o que aconteceu com as roupas que o grupo de

foliões usou para se apresentar.

Essa inferência, ou até mesmo julgamento que fazemos ao apresentar

essa assertiva, tornou-se mais clara, quando essa mesma professora, que

orientou o grupo de foliões, se juntou com uma professora de outra turma e

formaram um grupo de alunos das duas salas, para prepararem apresentação

de um pastoril no final de ano. Os ensaios aconteceram assiduamente às

sextas-feiras. Contudo, essa apresentação não ocorreu porque a direção da

escola não viabilizou a compra das roupas.

Um aspecto a se destacar nos eventos desenvolvidos na escola,

programados pelo conjunto de professoras, é a articulação e os efetivos

interesses dos alunos. Foi observado que, mesmo contando com o intensivo

trabalho desenvolvido em sala de aula sobre o folclore (como fábulas, contos,

92

etc...), os alunos se mostraram muito inquietos e, boa parte deles, dispersos,

sem dar a devida atenção às apresentações. Como mostra a figura 1, em plena

apresentação de um grupo de alunos/as, parte das crianças ficam passeando

pelo pátio, conversando em pequenos grupos, ou buscando outras atividades

que a ele/as, naquele momento pareciam mais interessantes.

Fig 1 – Alunos dispersos no momento das apresentações Fonte: Fotografada pela autora na festa do folclore (2003)

O interesse dos/as alunos como aspecto importante nas situações

didáticas, sejam elas de natureza cultural ou não, fica claro nos registros das

figuras 2 e 3. Estas mostram que, no momento em que eles/as têm

oportunidade de vivenciar atividades que são de iniciativa própria, recorrem a

situações e /ou movimentos que estão mais presente em seu meio sócio-

cultural. Em várias dessas situações de final de apresentação, os/as alunos/as

dançam forró, jogam capoeira (mesmo sem os apretechos necessários:

berimbau, caxixi, etc.), com músicas escolhidas pelas professoras ou por eles

mesmos. Nessas ocasiões, o desinteresse e inquietação inicial cedem lugar ao

envolvimento total, inclusive com shows improvisados.

93

Fig 2 – Alunos (as) dançando forró

Fonte: Fotografada pela autora na festa do folclore (2003)

Fig 3 – Alunos dançando capoeira

Fonte: Fotografada pela autora na Festa do Folclore (2003)

É pertinente destacar que a direção da escola, abordada sobre recursos

para os professores trabalhar o ensino de arte, informou que:

De acordo com o que se pedir, se compra. Agora, sabem que tem que ter que ser com um certo tempo de antecedência.

Segundo ela, a PCR não manda material nenhum. E sua ressalva com

relação à antecedência era se referindo que para essas despesas ela tinha que

contar com o empenho (mecanismo contábil) que a Prefeitura repassa para a

escola quatro vezes por ano (duas no 1º semestre e duas no segundo

semestre).

No momento em que as professoras questionaram o fato das roupas não

terem sido compradas, ela alegou que não falaram a tempo. Mas, na verdade,

94

a própria diretora havia me informado a “dita relação” de material, solicitados

pelas professoras, já no mês das vivências comemorativas do folclore.

Outro fato interessante foi o momento da vivência do projeto “Paz na

escola”, sob a coordenação de uma professora do 2º ano do ciclo II. O referido

projeto começou a ser absorvido pela escola, mas, sem nenhuma discussão

coletiva para os encaminhamentos.

A professora, que elaborou o projeto, planejou detalhadamente as

ações, que iniciariam no pátio, no momento da entrada: as crianças em fila

cantaram músicas que falavam de “paz”, e como foi proposto, qualquer aluno/a

de qualquer turma, num dado momento, iria até o palco ler para o grande

grupo, e/ou mostrar seu cartaz com desenhos que sugeria reflexão sobre a

paz. A continuidade seria vivenciada em sua sala de aula, articulando seus

conteúdos à temática. Porém, a concretização do que o projeto teve de comum

em interação na escola, foi apenas esse momento no pátio e uma breve

reunião com os professores uma semana antes da culminância, para “planejar”

a realização de uma passeata no bairro com a participação de outras escolas

que foram convidadas.

Os preparativos para a passeata tiveram o apoio financeiro da direção

da escola, com a maioria das professoras preparando material (a pomba, como

broche de esborrachado, viseiras brancas do mesmo material etc.) para

distribuir com os alunos no dia do evento.

Contudo, alguns alunos, por conta própria, numa atividade extra-classe,

prepararam uma surpresa para a passeata, que representou a culminância do

projeto. Como mostra a figura 4 e 5, eles prepararam uma “Rede de TV” que

denominaram de “Rede Povo Sem Televisão” e saíram entrevistando as

95

pessoas na rua: pedestres, moradores e motoristas que enfrentavam o

engarrafamento.

Fig 4 – Alunos entrevistando motorista

Fonte: Fotografado pela autora na Passeata pela Paz (2003)

Fig 5 – Alunos entrevistando pedestre

Fonte: Fotografada pela autora na Passeata pela Paz (2003)

A feira de conhecimento, outro evento vivenciado por toda a escola foi

marcado pela socialização das produções dos alunos, a qual se revelou um

dos momentos mais autênticos do processo de produção do conhecimento em

suas diversas áreas como mostra a figura 6. A Arte foi utilizada amplamente,

como recurso a outras áreas, como mostra a figura 7, na qual as alunas

pousam orgulhosas para fotos, em frente à produção do grupo: um trabalho

sobre água.

96

Fig 6 – Alunos/as em atividade para a Feira de Conhecimento

Fonte: Fotografia cedida pela professora (2003)

Fig 7 – Alunas na Feira de Conhecimento

Fonte: Fotografia cedida pela professora (2003)

3.2.2 – Dinâmica de Trabalho do Professor com o Ensino de Arte

Diante do nosso propósito em apreender a concepção de Arte e de

ensino de Arte das professoras, partimos para a observação da prática

docente efetivamente em sala de aula. As dez professoras selecionadas,

inicialmente, como participantes da investigação, redefinimos que

observaríamos apenas quatro delas. Uma das questões que justificou nossa

redefinição foi por percebermos, por um lado, o constrangimento das

professoras com nossa presença na sala; e outra questão é que algumas

delas criaram uma expectativa, a ponto de pedirmos orientação do que fazer

e/ou como fazer, no que se refere ao ensino de Arte.

97

No que diz respeito à dinâmica de trabalho da professora com o ensino

de Arte, observamos que não constam no planejamento delas nenhum registro

sobre o ensino de Arte. Este instrumento, o planejamento, está organizado,

privilegiando as disciplinas: Língua Portuguesa, Matemática, História,

Geografia e Ciências.

Considerando o planejamento um instrumento que norteia a prática

docente, vimos, como desdobramento deste, o horário da distribuição de carga

horária como mostra os quadros 2 e 3, e neles, a disciplina de Arte está

presente apenas em uma parte do horário, que quando muito, corresponde a

duas horas aula – h/a de 50 minutos cada.

Disc. Dias

L. P.

M

C

H

G

A

I

Segunda-feira X Terça-feira X Quarta-feira X X Quinta-feira X X Sexta feira X

Quadro 02 – Distribuição do horário por disciplinas27 Fonte: A autora a partir da organização da professora 228 (2003)

Disc. Dias

L. P.

M

C

H

G

A

I

Segunda-feira X X X Terça-feira X X Quarta-feira X X Quinta-feira X X Sexta feira X X X X X X

Quadro 03 – Distribuição do horário por disciplinas Fonte: A Autora, a partir da organização da professora 4 (2003).

27 LP corresponde a Língua Portuguesa; M, Matemática; C, Ciência; H, História; G, Geografia;

A, Arte; e I, Informática. 28 A organização de horário das demais professoras são semelhantes a estes apresentados no quadro 2 e 3. E, no que se refere a disciplina de Arte, em todos esta aparece sempre as sextas-feiras, sozinha, ou geminada com outras disciplinas revisadas nesse dia.

98

Vale destacar uma particularidade do quadro 2: embora a disciplina de

Arte apareça sozinha, a professora nos informou com muita ênfase que

Quando eu trabalho Arte, que normalmente está relacionada com alguma data festiva vivenciada pela escola, me dedico à encenação. E assim mesmo com muita dificuldade.

A ênfase a qual me refiro é ao “quando trabalho arte”, indicando nessa

afirmação que as aulas de Artes em sua turma, não acontecem com a

regularidade das outras disciplinas.

E outro depoimento que ratifica esse dado veio de outra professora,

afirmando que

O ensino de Arte está na Rede. É obrigatório, consta na caderneta. Mas, na verdade, nem fazemos nem planejamos. Não sabemos trabalhar com Arte.

Embora possamos considerar esta programação da distribuição do

horário como uma forma de planejamento, vale lembrar que a disciplina Arte,

quando é desenvolvida, na verdade, seu conteúdo (e/ou atividade) é vinculado

ao conteúdo de outras disciplinas, trabalhadas no decorrer da semana ou na

programação dos trabalhos do dia. É pertinente ressaltar que essa vinculação é

caracterizada pelo desenvolvimento da aula sobre o conteúdo definido e

planejado previamente pela professora e, entre as atividades, é solicitado

desenho, pintura, ou outras formas de registro, para representar a

compreensão do assunto trabalhado.

Diante desse quadro, verificamos ainda como as professoras conduziam

o trabalho com o ensino de Arte em sala de aula. Observamos que algumas

situações se repetiam: a professora pedia para os alunos realizarem desenhos

livres.

99

Num desses momentos, estava sendo desenvolvido por uma professora,

um projeto, que tinha como tema: “paz na escola”. Após a vivência no pátio, no

primeiro horário da aula (duas h/a) uma das professoras iniciou sua aula,

fazendo uma revisão de Matemática, a partir de umas “contas” da operação

“divisão” que havia passado como tarefa de casa no dia anterior. Num segundo

momento, a professora distribuiu papel ofício e solicitou aos alunos que

desenhassem o que quisessem. Ela anunciou que, depois, o grupo-classe

escolheria o melhor, e este seria premiado com um caderno.

Quando alguns alunos perguntavam se o desenho devia ser sobre a

paz, a professora respondia que o desenho era livre, portanto, eles deveriam

fazer o que quisessem. Após a atividade, sem nenhuma exploração sobre as

produções, assim como não tiveram nenhum estímulo anterior, as atividades

foram expostas na parede (corredor da escola).

No decorrer da atividade, muitos alunos ficavam parados, sem nenhuma

iniciativa. E ao nos aproximarmos deles, revelavam que

Eu não sei o que fazer, porque não pensei em nada.

Fig 8 – Alunos e alunas em atividade de Arte

Fonte: Fotografada pela autora em observação de sala de aula (2003)

O ensino de Arte, nessa turma do 2º ano do Ciclo II (Figura 8), quando

acontecia nos dias de sextas-feiras, na última aula, apresentava sempre esse

mesmo formato, no que se observa algumas crianças atentas, desenhando a

100

partir de suas idéias; outras, copiando (decalcando) alguma imagem de livros

didáticos utilizados por eles em outras disciplinas; outros alunos, pedindo a

algum colega que faça um desenho para ele alegando que não sabem

desenhar; e ainda aqueles que ficam parados, com o olhar preso em algum

ponto do espaço sem saber o que fazer; sem contar naqueles que, mesmo sob

o olhar vigilante da professora, ainda conseguem se ocupar com alguma

peraltice, pra ele, no momento, “mais interessante”,

Outra atividade muito comum, em algumas turmas, nos horários e dias

de aula de Arte é a exibição de filmes. As sessões são exibidas na sala da

biblioteca, que deve ser reservada com antecedência, a qual, abriga

“confortavelmente”, uma turma de 20 alunos. Vale salientar que as turmas são

formadas por uma média de 35 a 40 alunos. Portanto, a sala fica superlotada.

Na sessão mostrada na foto, uma professora, vamos chamá-la de

professora “B”, de uma turma de 2º ano do Ciclo II, havia reservado a biblioteca

para exibir um filme. Os alunos já estavam acomodados, quando a professora

“A” resolveu levar também seus alunos para aproveitar a sessão. A sala ficou

ainda mais superlotada, e os alunos da professora “A” inquietos com o

conteúdo do filme que ia além de sua compreensão e interesse. Aproveitando,

sobretudo, a ausência da professora deles no recinto onde se desenvolvia a

atividade, dedicaram-se a conversas paralelas e pequenas situações de

conflitos entre eles, interferindo assim, na atividade da professora “B” que tinha

sido previamente programada.

Essa sala observada, de uma turma do 2º ano do Ciclo I, de

responsabilidade, do que chamaremos, da professora “A”, pelo episódio

narrado, com freqüência, dedicava todo o horário da aula (5 h/a) ao ensino de

101

Arte, recorrendo a essa atividade, de assistir um filme, como mostra a figura 9.

Ao concluir a sessão os alunos retornavam à sala de aula e faziam algum

exercício, com assunto já trabalhado no decorrer da semana, omitindo o tema

do filme. Na verdade, o espaço que ela dedicava a Arte limitava-se ao lazer.

Fig 9 – Alunos assistindo a um filme no espaço da biblioteca

Fonte: Fotografada pela autora (2003)

Vale destacar que essa abordagem da Arte como lazer reforça a

concepção dualista que separa, lazer e trabalho, contribuindo para

descaracterização do ensino de arte (ALMEIDA, 2001).

Uma professora, de uma das salas de aula observadaS, uma turma do

2º ano do Ciclo II, mencionou que havia passado por uma experiência

orientada por uma supervisora circulante da área de Arte da PCR. O processo

vivenciado por ela, esteve articulado a algumas ações: visita a uma exposição

de Frans Post, apreciação de sua obra, contextualização; atividades com os

alunos de observação do espaço do bairro e articulação com a leitura de

imagens que tinham realizado a partir da exposição; e, finalmente produção

deles, com material improvisado, onde a tela era confeccionada com papelão.

Algo significativo nisso é que, mesmo vivenciando essa experiência, que a

diferencia das outras professoras observadas, ela afirma que

isso não me garante um desempenho significativo em Arte, pois não me sinto preparada para trabalhar essa disciplina.

102

Além disso, a falta de recurso material para trabalhar com arte é outra dificuldade.

Esses fatos vêm demonstrar as limitações das orientações pedagógicas,

inclusive das denominadas capacitações, como instrumentos de formação em

serviço. O depoimento da professora nos indicou que tais instrumentos não

vêm atendendo suas necessidades, não apenas pelo seu caráter esporádico –

semestral, no caso das capacitações e, mais raras ainda, as orientações

pedagógicas por parte de um profissional qualificado –, mas, sobretudo, por

idéias já sedimentadas que insiste em articular suas habilidades ao ideário do

pré-dotado misticamente pelo “dom”, justificada pelo determinismo biológico;

dificultando, portanto, a apreensão de uma noção de Arte concebida como

trabalho consciente, no qual razão e emoção se mobilizam dialeticamente,

implicando portanto, que a Arte pode ser aprendida (AZEVEDO, 1996).

Um outro dado significativo diz respeito às professoras que afirmam ter

alguma afinidade e habilidade com alguma linguagem artística. Foi o caso de

uma professora que se identifica com o teatro. Ela aproveita essa afinidade

para trabalhar algumas apresentações com os alunos. Um caso que

observamos foi um trabalho que desenvolveu com os alunos na semana do

folclore: a apresentação de uma fábula. Ela preparou todo o figurino com

material de sucata, oriunda de outros materiais didáticos já utilizados por ela ou

outras professoras da escola.

Mesmo com essa habilidade, ela não se sente preparada para trabalhar

Arte, sobretudo as artes visuais. Quando ensina Arte, o desenvolvimento de

suas aulas se trata de solicitações aos alunos de determinadas atividades,

articuladas a outras disciplinas que trabalha no momento ou, diretamente

103

relacionada a alguma data comemorativa. Nesse caso, dedicando-se a

preparar uma peça para encenação.

É pertinente ressaltar que todas as professoras observadas, quando

pensam o ensino de Arte e tecem algum comentário a respeito, ou mesmo,

quando se dedicam a dar aula de Arte, voltam-se sempre para as artes

plásticas. Um dado comum entre elas a respeito do ensino de Arte, é que não

há sequer um planejamento registrado para a disciplina.

Frente a essa situação, consideramos que os dados começavam a se

esgotar, no sentido que nos interessava: a observação da prática docente,

especificamente com o ensino de Arte. Nesse sentido, é pertinente destacar

que esse esgotamento de dados se expressa através de alguns fatores, entre

eles, a não realização das aulas de Arte ou, aula de Arte como recurso a outra

disciplina ou atividade comemorativa.

Concomitante à observação, aconteciam as entrevistas, representando a

fala, das professoras, como parte do que consideramos texto. A partir de tais

entrevistas, criamos uma imagem das falas com elementos das observações

(anexo II e III), categorizando e analisando os discursos das professoras, como

veremos a seguir.

3.2.3 – Arte: Relação Saber/Poder

Conforme os dados referente ao Ensino de Arte, o discurso do

professor, o dito, na fala e na prática, traz a presença do silêncio como poder,

ao assinalar que ensinar Arte é

... dominar um mundo criativo, construído, socializando nossos bens culturais.

104

A terminologia dominar usada pela professora, como formação

discursiva, trata-se de uma força de expressão que indica, como memória

discursiva, a relação saber/poder. Esse domínio é ratificado, quando, ao se

referir à concepção de Arte, uma das professoras se reporta a “pessoas que

tenham conhecimento de desenho, prepara trabalhos com papel....”

Acrescentando: “Eu nunca tive jeito para essas coisas”. Esse fato, além de

demonstrar que os processos discursivos se realizam pelos sujeitos, mas não

têm origem neles, nos remete ao conceito de discurso competente tratado por

Marilena Chauí (2000, p. 07), como “aquele que pode ser proferido, ouvido e

aceito como verdadeiro ou autorizado (...) porque perdeu os laços com o lugar

e o tempo de sua origem”.

Estabelecendo uma relação entre esse sentimento de fragilidade dessa

professora do Ensino Fundamental I sobre Arte e seu ensino, com a sua

formação, sob a ótica da história e a filosofia da nossa educação,

consideramos pertinente ressaltar a influência da Antiguidade Clássica no

ocidente e a práxis da referida profissional.

No que se refere à Antiguidade Clássica, embora os filósofos gregos

pensassem no papel da Arte pedagogicamente, verifica-se que Arte e poder

consolida um vínculo, especificamente tratando do poder político, que se

origina com o surgimento dos princípios estéticos na Grécia, mas que não tem

sido diferente nos períodos posteriores: Na Idade Média, a Arte também esteve

vinculada aos grupos da Igreja e da nobreza, os quais dividiam o poder. A

autonomia e profissionalização do artista são fenômeno da sociedade

moderna.

105

Com relação à práxis social da professora, ela expressa uma dominação

vinculada à sua própria formação, embora venha buscando romper com

tendências pedagógicas liberais, as quais tratam o conhecimento como

domínio privado de uns poucos privilegiados que detém o saber. Contudo, o

impasse entre o novo e o velho está presente, o que é evidenciado na fala:

Acredito e prefiro sempre trabalhar em equipe, para que o aluno que sabe menos aperfeiçoe seu desenho com o outro que sabe mais.

O impasse se verifica entre o dito no discurso da professora e o

observado na prática da mesma. Por um lado, o novo sinaliza uma prática

sócio-interacionista, uma vez que “trabalhar em equipe”, significa privilegiar a

cooperação, a troca, a possibilidade de criação da zona de desenvolvimento

proximal defendida por Vygotski29. Por outro, a professora traz o desenho

como única opção de ensino de Arte, sem o menor aprofundamento de

qualquer aspecto e/ou conteúdo da referida disciplina. Nesse sentido, assume,

na prática, a natureza de um trabalho “livre”, revelando como interdiscurso,

uma tendência do ensino de Arte presente em momentos históricos anteriores,

marcado entre outras coisas, pela escassez teórica nessa área do

conhecimento (Barbosa, 1998), limitando o uso da Arte a procedimentos que se

situam numa abordagem da tradição positivista, o que, por sua vez, implica em

tratar a Arte como recurso para comemorações festivas e atividades afins.

A presença desse impasse, na escolha do trabalho em equipe, no qual

“o aluno que sabe menos, aperfeiçoe seu desenho com o outro que sabe

29 Vygotski desenvolve o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP, considerando a existência de dois níveis de desenvolvimento: o real, que se traduz pela capacidade do sujeito em realizar tarefas independente da ajuda de outros; e o potencial, a capacidade de realizar com ajuda. Nesse sentido, a ZDP, para esse teórico, se define pela distância entre esses dois níveis de desenvolvimento, traduzindo-se portanto, como o caminho percorrido no desenvolvimento de funções em processo de amadurecimento, que serão consolidadas no nível real. Mais sobre o assunto, ver: Oliveira (1993) e Onrubia (1999).

106

mais”, presentifica não apenas a memória discursiva da relação de

saber/poder, como indica a estreita relação da prática do ensino de Arte da

professora do Ensino Fundamental I com uma perspectiva de ensino que ainda

privilegia a atividade. Dessa forma, distanciando-se de uma perspectiva

contemporânea, que favorece o conhecimento nas e sobre artes visuais, de

modo organizado, relacionando produção artística com apreciação estética e

informação histórica, integração, que corresponde à epistemologia de Arte

(BARBOSA, 1998).

3.2.4 – Arte: Da Beleza ao Prazer

Outro achado significativo está presente na fala da professora que

assinalou que o ensino de Arte deve proporcionar prazer. Diante da dificuldade

de definir o que é Arte, assinalou a partir de uma certeza intuitiva:

Arte para mim, expressa conhecimento, a partir dos sentimentos, de uma visão de mundo. Algo que provoca prazer. “Esse prazer que eu me refiro, que eu sinto, quando vejo uma tela bonita...”

Nessa fala, tomando dois termos usado pela professora: prazer e

bonito30, verificamos que em seu discurso, o dito denuncia o silêncio da Arte

institucionalizada, situando a memória discursiva nos ideais de beleza da

Antiguidade Clássica. Revistando os conceitos de beleza no referido contexto,

temos de um lado, a concepção platônica que, vinculada à visão do mundo de

Platão – mundo sensível e mundo da essência –, indica a beleza como brilho

30 Essa idéia do bonito é retomada no ideário do fascismo nazista, o qual, com base na idéia de

pureza e beleza, condena a arte expressionista, caracterizada por seus traços fortes, exteriorizando as inquietudes dos artistas contra os valores burgueses, a qual, é denominada de degenerada. A esse respeito temos as contribuições de: SONTAG, Susan (1980); ALMEIDA, Maria das Graças Andrade Ataíde de (2001).

107

ou esplendor da verdade, e, de outro lado, a concepção aristotélica que

sustenta que “a beleza consiste em unidade na variedade”. Como podemos

observar, Aristóteles desloca a Beleza do campo do ideal para o campo do

objeto, apontando outros dados a serem observados, tais como a ordem (ou

harmonia), a grandeza, a medida e a proporção.

Apontar esses conceitos de beleza da Antiguidade Clássica é

reconhecer a importância da contribuição desses filósofos gregos para a

Estética. Mas, além disso, é buscar a relação dessas idéias remanescentes

com a formação dessa professora como profissional e como pessoa humana.

Suas inquietações estão presentes na concepção que tem sobre Arte,

vinculada a um modelo canônico que denuncia a influência grega na cultura

ocidental. Podemos verificar isso em sua dedicação nos preparativos do

cenário e figurino para encenação teatral de uma fábula (a formiga e a cigarra),

que foi apresentada na escola, nas comemorações do folclore. Utilizou-se da

Arte como recurso, o que é comum nos períodos anteriores à promulgação da

LDB, Lei nº 9.394/96. E ainda, mostrou-se presa à perfeição na confecção dos

apretechos da encenação, que foi centralizada nela mesma, sem a participação

dos alunos e alunas nesse processo.

A perfeição com o que é confeccionado, sobretudo os adereços, mesmo

que seja com material reciclável, provoca um efeito em alguns professores, os

quais identificam na habilidade da professora prendada, o testemunho de que

Arte é para quem tem dom, chegando mesmo a afirmar “não tenho nenhum

pendor artístico”.

Verificamos ainda a lacuna na formação da professora e seu apelo para

remediar a situação, quando afirmou que

108

Tem que ter orientação, pintar, usar o papel (...) é uma coisa profunda.

A idéia de Arte, relacionada aos padrões de perfeição que aparece

nessas falas, traz ainda a presença do silêncio, através do interdiscurso

vinculado aos movimentos artísticos que se desenvolveram até o século XIX,

em torno dos artistas consagrados pelas idéias dominantes, ou que têm suas

obras institucionalizadas, como já mencionamos no primeiro capítulo, traduzida

num ideário de arte canônica.

3.2.5 – Arte como L ivre Expressão: O Silêncio na Memória da Formação

Independente da institucionalização ou não de determinadas obras,

como parte de nosso acervo cultural produzido por grandes nomes da

humanidade, a verdade é que as imagens estão distantes das salas de aulas,

ainda que as professoras reconheçam a importância de tê-las quando

mencionam que para o Ensino de Arte é “fundamental o acesso a livros e a

obras dos pintores famosos”. Esse fato vem revelar a possibilidade de

superação do não uso da imagem em sala de aula, apontada por Ana Mae

Barbosa (2001) em estudos sobre as reações dos educadores até a década de

80, os quais privavam a escola de se aprofundar no desenvolvimento de

habilidades mais profundas, no que diz respeito à apreciação e recepção da

obra de Arte.

Durante as observações, registramos as dificuldades referentes aos

recursos materiais, incluindo, com muita ênfase a falta de condições devido aos

baixos salários. Além disso, as lacunas na formação, como já mencionamos,

109

tornam-se entrave para a busca de material de apoio, no sentido de não saber

o que selecionar.

Nesse sentido, verificamos, que esse discurso dito, na fala e na prática

da professora, reforça uma prática, fundado na memória discursiva da Arte

como livre expressão. A presença da idéia de laissez-faire pode ser notada

quando a professora afirma que:

Nem fazemos, nem planejamos. Não sabemos trabalhar Arte. (...) seu ensino se reduz a alguns trabalhos de vez em quando. (...) desenho, em cima do assunto que você trabalha em outras disciplinas.

Ratificada pela fala de outras colegas de trabalho, quando reconhecem que:

Não somos preparados para trabalhar com o Ensino de Arte. (...) deveria ter um professor específico de Arte.

Nesse discurso, aparece um dado novo: “deveria ter um professor

específico de Arte”. O novo é o reconhecimento de que o profissional da

educação não é polivalente, apontado por essa professora pela sua fragilidade

em uma dada área de conhecimento: Arte. A fala dela, de fato, é construída por

um tipo de silêncio que “consolida” a prática da professora das séries iniciais

credenciando-a para o ensino das diversas áreas de conhecimento do

currículo, desse nível de ensino. Ao se ver “obrigado” a ensinar uma área para

a qual não teve acesso a uma formação adequada, como já mencionamos, ela

revela sua fragilidade diante desse silêncio de propriedade, gritando sua

polivalência no trato com as demais disciplinas do currículo: Língua

Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciência. Assim, nesse discurso,

verificamos que o ensino de Arte vem apenas ser o calcanhar de Aquiles,

revelando, portanto, um aspecto responsável pela falta de equidade em nossos

currículos, que histórica e culturalmente vem sendo ao longo dos anos

tendenciosa. Esse problema, nas séries iniciais do Ensino Fundamental se

110

torna mais visível: o privilégio da Língua Portuguesa e Matemática, em

detrimento das outras disciplinas.

É no bojo dessa discussão que se pode compreender a fragilidade no

trabalho com o ensino de Arte aludida pela professora, acompanhada da

dificuldade ao acesso a material de apoio pedagógico, que é comum, no

discurso das professoras, uma prática na perspectiva de livre-expressão, sem

assegurar ao aluno o acesso a uma aprendizagem significativa e aliada à

produção histórica e social da Arte.

Essa idéia de liberdade no desenvolvimento do Ensino de Arte aparece

no discurso dizível da professora:

Deixar o aluno expressar no desenho (...) fruir a imaginação. Deixá-lo livre. Deve-se trabalhar Arte, interagindo31 com outras disciplinas.

Lacuna, materializada como fragilidade na prática do ensino de Arte em

sala de aula, confirmada pela ausência de planejamento, a qual indicou o

pouco caso que ainda é atribuído a esse mesmo ensino, expressando-se na

falta de equidade frente às demais disciplinas que compõem o currículo. Ainda

acerca desse planejamento de carga horária, verificamos que o ensino de Arte

fica restrito às sextas-feiras, na última aula, e, na prática, verifica-se que Arte é

tratada como lazer e/ou como recurso a outras disciplinas, como já

mencionamos.

Por outro lado, esses dados apontam a fragilidade (ou pouco caso) da

legislação, uma vez que diz o que quer, mas não considera as condições de

31 Vale ressaltar que o sentido atribuído pela professora ao destacar interagindo com outras

disciplinas, não foi na perspectiva interdisciplinar considerando-a como diálogo entre as disciplinas, mas, no sentido utilitarista, como recurso a outras disciplinas.

111

realização e/ou implementação32. Essa ausência de norte indica que a

legislação não está considerando nem a complexidade da Arte enquanto área

de conhecimento com uma diversidade de linguagens (visuais, cênica, dança e

música) muito menos, as limitações das professoras, as quais não foram

formadas adequadamente para desempenhar tal função. Portanto, indicam

apenas o vínculo institucional com as exigências da nova ordem, sobretudo,

com os interesses de organismos internacionais, que ditam as diretrizes dos

setores das políticas sociais do Brasil, como país da América Latina.

Nesse sentido, é pertinente destacar que as diretrizes educacionais

brasileiras exigem mais dos profissionais em educação do que lhes

ofereceram. Embora consideremos a possibilidade da pessoa humana tomar

consciência e transformar a realidade, inclusive se transformando, ou seja, a

possibilidade de efetivamente, estar com o mundo, como assinala Paulo Freire

(1987), reconhecemos o quanto é doloroso a ruptura com um padrão de

formação que consolidou uma visão de mundo e de homem que não

vislumbrava o futuro, mas moldava comportamentos para o momento presente.

São visíveis as marcas que dão sentido ao silêncio presente no discurso

de uma professora, ao reconhecer a Arte como área de conhecimento ainda

que articulando sua concepção de Arte a sentimentos, emoção, e mesmo, a

elementos constitutivos, articulando os conteúdos dessa disciplina aos padrões

formais:

A arte também é o conhecimento de som, cores, formas. Quando se faz arte, o sujeito revela uma visão do exterior, da natureza.

32. A esse respeito, ver: BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros

Curriculares Nacionais: Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997. 130 p. Vol. 6.

112

Entre as professoras participantes desta investigação, há aquelas que,

além dos conteúdos, indicam ter consciência de que a escola não tem

responsabilidade de formar o artista, mas, de instrumentalizar o estudante a

conhecer Arte. Assim, revelam suas buscas e compromisso com o ensino de

Arte, traduzido no esforço em se apropriar de “algumas técnicas” através de

leituras que realizam por conta própria, bem como, por orientação de uma

profissional, na função de supervisão circulante (que passa na escola,

conforme a necessidade e solicitação). Reconhecem ainda que

Ensinar Arte na verdade, é fazer releitura: olhar o quadro, procurar saber o que o autor estava pensando, o que ele quer dizer com aquela imagem, o que representa o objeto ou cena retratada... Pedir que ele (ela se refere ao estudante) crie também sua obra.

Apesar de enfatizar em sua afirmação que:

“Eu não tenho nenhum pendor artístico”

A vinculação do sentido, atribuída à Arte sob a ótica da influência do

pensamento grego, vinculando tal sentido a tecné, tornou-se, há muito um

paradigma consolidado e é comum entre as professoras investigadas a

indicação de que Arte se refere a “todos os trabalhos que usa a imaginação,

até receitas relacionadas à cozinha, questões relacionadas à decoração, etc...”

e ainda acrescenta:

Uma decoração numa festa, feita com canapés, por exemplo, o efeito que causa na mesa, é uma Arte.

De fato, há nesse discurso múltiplos sentidos para Arte. Mas, o silêncio

que nele reside é, em si mesmo, fundador da memória da fala dessa

professora. Uma memória relacionada à sua experiência e condição enquanto

mulher. A questão de gênero aparece no discurso da professora, para

113

assegurar-lhe o papel de produtora de Arte mesmo que seja nos domínios do

lar.

Para compreendermos o sentido amplo atribuído à Arte ratificado por

outra professora ao afirmar que “Arte é tudo”, é preciso reconhecer que o

referido discurso traz a presença de um diálogo com um interdiscurso da Arte

em seus primórdios, como tecné, e desta, prevaleceu a influência até final do

século XIX e início do século XX.

É importante destacar que, mesmo nos primórdios do classicismo grego,

quando Arte e artesanato se confundiam em nível de conceituação, naquela

sociedade, entre o século V e IV a.C., essa era uma atividade reservada aos

homens. Os gregos faziam divisão entre as artes, denominando-as de artes

maiores e artes menores33. Contudo, independente da classificação que lhe era

atribuída, essa era uma atividade eminentemente masculina naquela sociedade

em que a mulher não era considerada cidadã. Para situar a questão de gênero

nessa discussão das artes, neste trabalho é relevante apenas mencionar que,

ao longo da história da humanidade, no que se refere à produção de obras de

arte, os nomes consagrados são de pintores do sexo masculino. Apenas no

final do século XIX e início do século XX, é que verificamos o surgimento de

destaque de algumas mulheres conquistando espaço nessa área.

Por outro lado, considerando esse múltiplo sentido da Arte, a que nos

referimos anteriormente, esse silêncio relacionado à questão de gênero,

aproxima o discurso da professora da concepção pós-modernista do ensino de

Arte que concebe a Arte como produção cultural possível de ser codificada.

Nessa perspectiva, a capacidade humana de organizar formas, de inventar e 33 As denominações: artes maiores e artes menores, após o Renascimento, atribui uma

hierarquia, classificando como artes maiores a arquitetura, a escultura, a pintura, literatura e a música; e como artes menores a cerâmica, tapeçaria, marcenaria, etc.

114

reinventar o cotidiano cria ornamentos, que de acordo com Azevedo (1999),

devem também ser considerados por um projeto de educação escolar em Arte,

sobretudo, por se tratar da tradução de sentimentos e pensamentos acerca de

questões vitais para o ser humano.

Entretanto, essa possibilidade de uma pratica pós-moderna do ensino de

Arte, além dos limites que se impõem no desenvolvimento de uma prática

voltada a um processo de construção e re-construção de conhecimento, ainda

se depara com limitações estruturais relacionadas ao funcionamento da escola.

Essa instituição não cria espaço para discussão, em função do cumprimento

dos 200 dias letivos, restando às professoras, como única possibilidade, a

busca solitária da superação de suas limitações. Muito embora, vale de consolo

que é difícil, mas não impossível.

Como assinala Gaston Bachelard (1989) em seu texto “Minha lâmpada e

meu papel em branco” discutindo sobre A chama de uma vela, poeticamente,

ele dá ênfase à importância da construção e da reconstrução de nossas idéias

no âmbito da produção individual, destacando ainda que essa produção deve ir

além das experiências de vida e das leituras que fazemos da realidade. Isso

indica que, por mais traumático que tenha sido nossa experiência com a Arte

no decorrer de nossa formação, podemos assumir o papel da professora, como

intelectual, e ir à luta.

Com base no que assinala esse autor, o aspecto delimitado, repensado,

recriado torna-se “um outro ser”. Fato, que nos leva a entender que, embora a

busca das professoras, tenha sido um trabalho solitário de um indivíduo, tornar-

se criação, que só é possível pela construção e reconstrução de conhecimento,

115

sistematizado-o, o qual, vai continuar oferecendo elementos para novos

processos.

Enquanto o discurso pedagógico se apoiar em idéias assim expressas:

Seria bom que o professor ensinasse o aluno a modelar, mas eu particularmente não sei.

Ou ainda:

Tem que ter jeito para trabalhar com Arte (...) em algumas datas, como carnaval, por exemplo, há um envolvimento com trabalhos artísticos.

Continuará sendo consolidada a memória discursiva, sem promover

nenhuma reflexão que sinaliza mudança na prática docente, no que se refere

ao ensino de Arte.

De fato, entre as tendências presentes em nossas escolas públicas, nas

turmas de Ensino Fundamental I, há o indicativo de uma base pedagógica

orientada por um modelo, que ora privilegia a técnica como fim em si mesma,

ora a livre expressão. São encaminhamentos didáticos, apresentados como

alternativa para o aluno, muitas vezes, ocultando-se na prática de releitura34.

Sem negar a importância da releitura, haja visto que proporciona o contato do

aluno com a obra de Arte, Almeida (2001) chama a atenção para que ela não

seja tomada como modelo. O que importa é que a obra de Arte torne-se objeto

de questionamento, explorando as possibilidades de construção do

conhecimento. Afirma, ainda, que da mesma forma seja este o contato com

técnicas, tomando destas a contribuição para aquisição de habilidades.

O que a referida autora denomina de “prática modelar”, Donald Schön

(1991) trata como “imitação”. Schön menciona que se trata de uma prática

34 A releitura é um instrumento didático utilizado no Ensino de Arte, numa perspectiva moderna,

que embora tenha como ponto positivo o fato do aluno ter acesso a obra de Arte limita a sua produção à cópia. Sobre o assunto, ver Barbosa (2001), capítulo 5 (leitura da obra de Arte).

116

comum no campo das Artes, o que ele denomina de “modelo artístico de

aprendizagem”. Na visão desse autor “para imitar é preciso captar os

elementos essenciais do que se deve imitar, o que não é tão simples como se

imagina” (ALMEIDA, 2001, p. 28).

3.2.6 – O Ensino de Arte: Atividades Múltiplas ou Interdisc iplinaridade?

O ensino de Arte, na realidade investigada, pareceu se desenvolver em

múltiplas direções, sem ao certo apontar um eixo definido que norteasse sua

prática em sala de aula, como podemos verificar no discurso abaixo:

Conduzimos o trabalho com desenho, pintura, dobraduras, artesanatos com material reciclável, etc.

Nesse discurso, a Arte supera os ditames de um modelo canônico,

consciente ou inconscientemente, para assentar-se nos parâmetros

denominados por alguns autores como a pós-modernidade das expressões

artísticas. Verificamos essa tendência pela presença de material reciclável nas

produções artísticas, bem como, por apresentar elementos tais como

artesanato e dobradura, que poderão se transformar em instalações, e,

portanto, em obras de Arte. O ponto frágil, tanto no uso de material reciclável

quanto em trazer a produção de artesanato para sala de aula, reside no como

fazer e que elementos se trabalha nesse fazer. Nesse sentido, há o risco de

desenvolver atividades que resultem em produções que se traduzem em um

fazer como fim em si mesmo, contrariando assim as atuais diretrizes da

educação brasileira, que sugerem o trabalho dos conteúdos como um meio

para desenvolver competências.

117

Além dessas considerações, verificamos que o sentido construído no

discurso das professoras, além de expressar o silêncio que o articula ao já dito,

indica também a possibilidade de uma nova abordagem em sua prática: a

interdisciplinaridade, desde que seja assegurada a autonomia de cada uma das

disciplinas envolvidas, fato que na verdade não ocorre, como já deixamos claro

no decorrer deste trabalho. Contudo, verificamos essa possibilidade nas falas

abaixo relacionadas:

Desenho em cima do assunto que trabalho em outras disciplinas. Deve-se trabalhar Arte, interagindo com outras disciplinas. Quando trabalho um assunto (está se referindo a conteúdos de outras disciplinas), eu digo: desenhe o que mais gostou.

As formações discursivas: “desenho” (presente na primeira fala citada

acima) e “desenhe” (presente na última), apontam, como interdiscurso, a

pedagogização da Arte no período da ditadura do Estado Novo, quando

desenho geométrico e desenho pedagógico foram assegurados no currículo,

pelo governo federal. O desenho, como parte das técnicas e recursos da

expressão artística, é legítimo e presente na Arte e no ensino de Arte. Assim,

pudemos confirmar, em nossa investigação, que o desenho resistiu ao tempo

e, em alguns casos, ainda predomina como única alternativa ao ensino de Arte.

Outra formação discursiva relevante: “Interagindo”, vai buscar na história

o sentido que constrói o discurso da professora, por um lado apontando

elementos que explicita as lacunas de sua prática com o ensino de Arte; e por

outro, indicando a possibilidade de mudança.

Ao indicar “interagindo” e permanecer trabalhando o ensino de Arte nem

mesmo como disciplina autônoma, mas, como recurso, como já mencionamos,

verificamos que o interdiscurso, como memória do discurso já dito, situa-se na

118

Antiguidade. A nosso ver, esse interdiscurso estabelece uma relação com o

momento atual para ser retomado e re-elaborado no que se traduz no conceito

de interdisciplinaridade.

Situar o interdiscurso na Antiguidade nos compele lembrar que só com

Aristóteles a ciência passa a ser concebida do ponto de vista enciclopédico,

classificando o conhecimento e, conseqüentemente, divide a ciência em

teóricas (teologia, matemática e física), práticas (ética, economia e política) e

poéticas (todas as artes).35

Esse modelo se assemelha à organização disciplinar instituída a partir

da formação das universidades modernas, que se seguiu por todo século XX.

Assemelha-se, também, à organização do ensino por área de conhecimento,

assegurado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.36

Assinalamos a relação dessa memória com a interdisciplinaridade37 por

termos verificado nas aulas de Arte que seu ensino, apesar de se relacionar a

outras disciplinas, não sugere um diálogo. Embora fale em interação, as

professoras conduzem as aulas de Arte a partir de uma relação unilateral, na

qual a arte torna-se um instrumento, ou como já dissemos em outros

momentos, um recurso a serviço de outras disciplinas, comprometendo,

inclusive, a Arte como área de conhecimento.

A Arte como área de conhecimento específico traz, em si, aspectos

como espaço, proporções, e outros elementos específicos da área em questão,

35 A esse respeito ver: BOUTROUX, Émile. (2002). 36 As diretrizes a qual nos referimos, trata-se de uma proposta de regulamentação da base

curricular nacional e de organização do Ensino Médio, assegurado pelo Parecer CEB nº 15/98. Para mais informação, ver: BRASIL, PCNEM (2002).

37 A noção de interdisciplinaridade vem sendo amplamente discutida por alguns pesquisadores e estudiosos. Podemos citar JAPIASSU, Hilton (1976) e FAZENDA, Ivani (1995; 1998; 1998a; 2000) os quais vêm, ao longo dos anos, buscando uma definição, explicitar método e construir uma teoria da interdisciplinaridade. Neste trabalho, é atribuído a essa noção o sentido de interação de diferentes áreas de conhecimento, preservando a cooperação, troca, diálogo e planejamento.

119

que indicam a necessidade de diálogo com outras áreas de conhecimento.

Porém, nesse processo, deve ser assegurado, ao indivíduo, autonomia na

produção do conhecimento, bem como, equidade da disciplina diante das

demais áreas. Apenas assim, tanto indivíduo, quanto disciplina, serão

respeitados em sua dinamicidade e história.

A ruptura com uma concepção de Arte como recurso a outras disciplinas

pode se delinear a partir do momento em que as professoras, ao invés de

tarefas com atividade artística, tomar os conteúdos da Arte estabelecendo um

diálogo com as mesmas.

A possibilidade, de que falamos, exige das professoras uma nova

postura: o papel de professoras pesquisadoras. Esta é uma necessidade, mas

não uma realidade, que verificamos no discurso de uma professora, ao revelar

como encaminha seu trabalho com o ensino de Arte.

Deve-se trabalhar Arte, interagindo com outras disciplinas.

Em seguida, acrescentando:

Em algumas datas, como carnaval, por exemplo, há um envolvimento com trabalhos artísticos.

Ao mencionar inicialmente “deve-se trabalhar”, a professora nos fornece

duas questões importantes que se imbricam: Por um lado, indica que não

trabalha Arte com regularidade, como confirmamos nas observações; e por

outro, traz um indicativo de sua sintonia com os princípios das atuais diretrizes

educacionais, no que se refere à interdisciplinaridade, quando acrescenta a

esse deve ser, a formação discursiva interagindo.

Apesar da inquietação de não saber como fazer, já mencionada tantas

vezes neste estudo e, a irregularidade das aulas de Arte indicarem as lacunas

na formação, o alento é a possibilidade, embora silenciosa, de construção de

120

uma prática de ensino de Arte que esteja sintonizada com a proposta

sistematizada por Ana Mae Barbosa, a partir das condições estéticas e

culturais da pós-modernidade, caracterizada pelo uso da imagem, sua

decodificação e interpretações na sala de aula, denominada de Proposta

Triangular, como já mencionamos anteriormente (capítulo 1). A mesma tem por

base ações como fazer, ler e contextualizar, trazendo a possibilidade de

contribuir na formação dos indivíduos, tornando-os leitores críticos do mundo. É

pertinente destacar que tal proposta “coincide” com o sugerido nos PCNs,

embora a assessoria que o produziu, tenha esquecido de mencionar suas

fontes.

121

CONSIDERAÇÕES FINAIS

122

Que concepções de Arte e de ensino de Arte norteiam a prática

docente no Ensino Fundamental I? As inquietações que motivaram a

formulação desta questão tinham como pressuposto a importância da Arte na

formação integral do indivíduo. Por isso, reconhecemos a necessidade de que

o ensino da Arte se desenvolva articulado aos princípios teóricos e

metodológicos de sua história, preservando sua integridade como um conjunto

de conhecimentos específicos. A busca de respostas, para compreender as

concepções de Arte e de ensino de Arte das professoras investigadas, revelou

dados que explicitam o sentido dos discursos que denominamos de

pedagógico, o das professoras; e, institucional, o da base legal da educação

brasileira, que serviram como subsídios para análise do discurso das

professoras.

Frente às inquietações e às respostas, não exatamente em caráter de

verdade absoluta, fica a certeza das atuais lacunas, no ensino de Arte no

Ensino Fundamental I. Contudo, fica também a clareza de que as professoras,

como protagonistas da prática docente no contexto escolar, reconhecem suas

limitações e estão dispostas a dizer aos pesquisadores e aos definidores das

políticas públicas, sobre suas dúvidas, necessidades e dificuldades,

mostrando-se também abertas às possibilidades.

No que se refere às lacunas, verificamos que as concepções de Arte e

de ensino de Arte das professoras do Ensino Fundamental I têm por base o

ideário canônico, apoiada em pilares como: o caráter misterioso da Arte, que

123

aparece como inatingível por simples mortais e, sim reservado a super

dotados; o ideário de beleza clássica, oriunda da Antiguidade Grega, retomada

pelo Renascimento, como parte de uma herança assegurada ao mundo

ocidental; a livre-expressão, como sinônimo de liberdade.

Verificamos que tais aspectos sugerem a distância entre o que hoje é

proposto como ensino de Arte e o cotidiano do contexto escolar, sobretudo em

sala de aula, identificando como responsáveis por essa distância, as carências

de formação adequada e de habilidade para trabalhar com Arte. Nesse sentido,

torna-se relegado ao esquecimento qualquer possibilidade de valorização de

saberes experienciais dos próprios professores, como parte da formação do

sujeito, e negada, ainda, a possibilidade da Arte e de seu ensino demandar de

um processo de trabalho, portanto, conhecimento possível de ser construído.

Essas lacunas, como memória do discurso institucional, da base legal e

de documentos que norteiam a educação brasileira, estão refletidas no

discurso pedagógico expresso na fala e na prática das professoras,

participantes desta investigação, tanto no dito quanto no não-dito. Encontramos

na escola, especificamente nas salas de aulas, o espaço de repercussão dessa

obrigatoriedade do ensino de Arte. Foi lá, também, como espaço in lócus, que

verificamos a fragilidade do projeto político educacional inscrito na base legal, a

exemplo da LDB/96, que sinaliza o que se tem que fazer, mas não como fazer.

Do mesmo modo, os PCNs, como desdobramentos dessa referida lei,

enquanto instrumentos e/ou diretrizes que devem subsidiar a elaboração da

matriz curricular, não apontam caminhos operacionais que possibilitem a

superação da falta de eqüidade entre as disciplinas.

124

Nesse sentido, compreendemos que o dizível e o silêncio, tanto no

discurso da base legal, que denominamos de institucional, quanto no discurso

das professoras, que denominamos de pedagógico, apontam uma unidade no

tipo de discurso que podemos denominar de legitimador. Por parte do discurso

institucional verificamos que o eixo é o desenvolvimento cultural do aluno,

visando a formação da cidadania. Esse discurso dito silencia o

desenvolvimento de competências, articulando-se ao sentido de mecanismos

técnicos, utilitários e instrumentais, que atendem ao mercado de trabalho, no

que se refere ao perfil do trabalhador exigido pela atual ordem social:

criatividade, flexibilidade, entre outros. Por parte das professoras, a

legitimidade se sustenta pela fragilidade, em sua formação para lidar com o

ensino de Arte, a qual se amplia, apontando também a falta de clareza na base

de sustentação de suas idéias e de seus discursos.

A concepção de Arte e a prática, em geral, do Ensino de Arte da

professora do Ensino Fundamental I se expressam como questões que se

imbricam. E as lacunas originárias da falta de formação específica dessa

professora e no distanciamento da Arte da sociedade, compromete a prática

desse profissional, distanciando-a de uma práxis, considerando sobretudo que

esta, a práxis, busca na realidade exterior os elementos que nortearão a

atividade humana, sendo esta, portanto, produto da consciência (Vásquez,

1997). Essa etapa é elaborada pelas professoras, na medida em que, diante

das exigências da legislação brasileira que “obriga a ensinar Arte”, vivenciam,

no contexto escolar, os limites e as possibilidades desse ensino. Entretanto, a

etapa seguinte dessa consciência é a interiorização, que se desenvolve através

125

da ação, caracteriza-se, portanto, como um processo de reelaboração,

necessariamente retornando à realidade exterior.

Frente a esse processo dialético, nos parece que as professoras que

participaram da pesquisa não têm clareza do que ensinar, não estão

conseguindo elementos que viabilizem o ensino da Arte enquanto área de

conhecimento específico. De fato, em princípio, ocorre a interiorização da

informação no que se refere à obrigatoriedade do ensino de Arte. Contudo, os

dados apontam que não ocorre a interiorização de elementos que permitiriam a

elaboração e reelaboração para o retorno à realidade exterior.

Paulo Freire (1997), ao tratar de sua teoria do conhecimento voltada

para a educação, com base na concepção dialética, visualiza que a prática,

orientada pela teoria, reorienta essa teoria num processo contínuo de

aperfeiçoamento. Segundo ele, “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma

exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá

e a prática, ativismo” (FREIRE, 1997, p. 24).

Uma segunda observação sobre esse imbricamento prática/concepção

gira em torno da operacionalização do processo de ensino, sendo este

entendido como a situação didática criada pelo professor para o ensino de Arte.

Na prática, usando a Arte a serviço de outras áreas de conhecimento, torna-se

um indicativo de que as professoras não possuem clareza necessária sobre o

ato de como ensinar Arte. Essa postura compromete o desenvolvimento de

habilidades possíveis de expandir a capacidade do aluno de dizer mais e

melhor sobre si e sobre o mundo.

A AD, como aporte metodológico, nos possibilitou a explicitação dessa

estrutura atual da política de operacionalização do ensino de Arte, a partir da

126

observação dos sentidos que tornaram possível a caracterização do discurso

pedagógico da professora e, em certa medida, o discurso institucional,

considerando que este, como um conjunto de memória discursiva, dá

sustentação às formações discursivas das professoras.

De fato, esta investigação, como desafio e exercício de reflexão,

representou, para nós, uma contribuição para repensarmos os compromissos

das professoras com uma educação de qualidade, bem como, para

verificarmos em que medida essa qualidade está articulada aos interesses das

classes populares, de modo que numa perspectiva inclusiva, do ponto de vista

da autonomia intelectual, esse segmento da sociedade possa ser sujeito

partícipe da construção do conhecimento em Arte.

Consideramos que este trabalho apresenta subsídios para um

diagnóstico das condições das professoras do Ensino Fundamental I, da Rede

Municipal do Recife, referentes ao ensino de Arte. Identificando o que elas

pensam a esse respeito, obtivemos elementos para compreender como

formatam a base de sua resistência e/ou limitações frente ao ensino dessa

área de conhecimento.

Nesse sentido, entendemos que abordar o ensino de Arte, na prática

docente dos/as professores/as no Ensino Fundamental I, trouxe a possibilidade

de reflexão, tanto para os profissionais que atuam na modalidade em questão,

quanto para os órgãos definidores de política de formação continuada e/ou

instituições formadoras.

No que se refere aos docentes, esses terão ao seu alcance elementos

que permitirão o repensar de sua concepção de Arte e do ensino de Arte,

contribuindo na ressignificação de sua postura frente à docência em Arte e à

127

relação desta com a formação ampla e integral do indivíduo. Isso se daria, por

exemplo, através de iniciativas para a conquista de espaços e oportunidades

para a concretização de debates permanentes no local de trabalho. A

viabilidade dessas iniciativas poderia se dar por meio da reorganização

otimizada do tempo pedagógico, de modo a privilegiar ações educativas que

enfatizem o papel do/a professor/a pesquisador/a, disposto/a a romper com o

instituído, no que estaria incluída a sua própria atitude em relação à Arte como

área de conhecimento.

Por outro lado, os órgãos definidores de políticas de formação

continuada e/ou instituições formadoras, terão, a partir dos dados da

investigação, indicativos possíveis de nortear um plano de trabalho que venha

atender aos interesses e necessidades dos educadores em pauta, uma vez

que tais dados sugerem as lacunas e as possibilidades de tais profissionais no

que se refere ao ensino de Arte.

Reconhecemos que a grande contribuição da AD foi a de apontar como

se constrói o sentido do discurso das professoras, revelando-se, portanto,

como um instrumento para diagnosticar as reais necessidades delas. Sabemos

que na formação em serviço, nas ditas capacitações, são oferecidas, aos

professores, oficinas, seminários, e outros instrumentos de reflexão do

conhecimento voltados à prática docente, apontando como se faz e como

deveria se fazer. Temos observado, na nossa experiência como docente e/ou

discente, nessas formações, que muitas vezes, o que é oferecido com toda

“boa intenção”, mesmo sendo considerado como necessidade dos

profissionais, não os encontra abertos, uma vez que têm uma posição

sedimentada, não dando espaço para o novo, para o diferente. Acreditam que

128

suas limitações do momento, no que se refere ao ensino de Arte, são eternas,

como se fossem de origem biológica.

A partir dessas reflexões, sugerimos que a importância desses

momentos residiria em apresentar as memórias discursivas que dão

sustentação às suas idéias e/ou discursos, ao mesmo tempo em que estaria

apontando elementos que possibilitassem aos professores compreender o

porquê de sua posição, fornecendo-lhes elementos para uma tomada de

consciência e escolhas coerentes com isso. Apenas assim, asseguraremos a

possibilidade da reflexão sobre o ensino de Arte no currículo, assegurando-lhes

a mesma importância das outras disciplinas, considerando, sobretudo, que se

trata de uma linguagem, que atribuindo sentido ao seu objeto de conhecimento,

sua construção e/ou produção, comunica e expressa saberes culturais e

estéticos, e, portanto, merecedora de equidade em relação às demais áreas.

129

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ANEXOS

137

ANEXO I

ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

1 – Qual sua concepção de arte?

2 – Qual sua concepção de ensino de arte?

3 – Na sua escola está acontecendo o ensino de arte?

3.1 – Como?

3.2 – Por que?

4 – Como você conduz o ensino de arte na sua prática?

5 – Você está informada sobre a obrigatoriedade do ensino de arte? Como

você tomou conhecimento?

6 – Você conhece a proposta curricular de arte da PCR? Como tomou

conhecimento dela? O que está nessa proposta condiz com o entendimento de

arte que você tem? Por que?

7 – Você conhece os PCN(s)? Como tomou conhecimento deles? Já estudou o

volume de arte? O que é apresentado no volume de arte ajuda você na prática

de sala de aula? Como?

8 – Você conhece a LDB (9.394/96)? Já observou o que ela diz sobre arte?

Qual a sua opinião? Por que?

9 – O que você destacaria acerca da exigência legal na relação com a prática?

138

ANEXO II

MAPEAMENTO DAS ENTREVISTAS DAS PROFESSORAS: CONCEPÇÃO DE ARTE

DITO SILENCIADO Maneira pela qual o indivíduo expressa seus sentimentos, suas ações e reações. Emoção

Expressar conhecimento, a partir dos sentimentos, de uma visão de mundo. Algo que provoca prazer.

Prazer

Livre Expressão O que me emociona, enquanto expressão artística é Arte. Livre Expressão

Arte faz parte da vida. Arte é tudo. A todo dia, toda hora, estamos fazendo Arte. Multiplicidade

É a maneira de expressar conhecimento a partir do sentimento. (...) também é o conhecimento de som, cores, formas. Quando se faz Arte, o sujeito revela uma visão do exterior, da natureza.

Livre Expressão

Pessoas que tenham conhecimento de desenho, preparar trabalhos com papel, desenhos geométricos, massa de modelar. Eu nunca tive jeito pra essas coisas. É uma preparação do professor para trabalhar uma cultura popular com o aluno, pintar e outras coisas.

Cânone da arte

Pedagogização da arte

São os trabalhos Artesanais, pintura, todo trabalho que usa a imaginação (desenho, etc...) até receitas relacionadas à cozinha, questões relacionadas à decoração, etc...

Forma de produção: Vida cotidiana / Gênero

Interdisciplinaridade

139

ANEXO III

MAPEAMENTO DAS ENTREVISTAS E PRÁTICAS OBSERVADAS DAS PROFESSORAS:

CONCEPÇÃO DE ENSINO DE ARTE

FALA PRÁTICA SILENCIADO

Dominar um mundo criativo, construído, socializando nossos bens culturais.

Cânone da Arte Saber/poder

Proporcionar esse prazer que eu me refiro, que eu sinto, quando vejo uma tela bonita... Encenação de contos e fábulas

Sem planejamento; Arte como atividade em datas comemorativas; Arte recurso a outras disciplinas; Encenação (teatro) Prepara guarda roupa e cenário.

Arte como atividade

Não tenho nenhum pendor artístico. Lendo, aprendi algumas técnicas que procuro aplicar.

Cânone da arte

Tem que ter orientação para desenhar, pintar, usar o papel... é uma coisa profunda. O acesso a livros, a obras dos pintores famosos, etc... Nem fazemos, nem planejamos. Não sabemos trabalhar Arte. Seu ensino se reduz a alguns trabalhos de vez em quando: desenho, em cima do assunto que você trabalha em outras disciplinas.

Filmes (desenho animado); Sem orientação; Sem exploração posterior. Livre Expressão

Deixar o aluno expressar no desenho, fruir a imaginação. Deixá-lo livre. Deve-se trabalhar Arte, interagindo com outras disciplinas. Em algumas datas, como carnaval, por exemplo, há um envolvimento com trabalhos artísticos. Tem que ter jeito para se trabalhar com Arte. Não se estimulou a ter essa liberdade de fazer livremente o que se queria.

Livre Expressão

Acredito e prefiro sempre trabalhar em equipe, para que o aluno que sabe menos, aperfeiçoe seu desenho com o outro que sabe mais. Seria bom que o professor ensinasse o aluno a modelar, mais eu particularmente não sei. Não vejo que o professor tenha que mandar, ou corrigir algum erro. Quando trabalho um assunto, eu digo: desenhe o que gostou mais. Não é exigir. É deixar livre.

Sem planejamento em Arte (intuitivo); Desenho livre; Premiação ao melhor desenho; Nenhuma exploração sobre as produções; Nenhum estímulo (ambientação); Exposição dos trabalhos.

Saber/poder

Não somos preparados para trabalhar com o Ensino de Arte. Deveria ter um professor específico em Arte. Conduzimos o trabalho com desenho, pinturas, dobraduras, Artesanatos com material reciclável.

Recurso a outras disciplinas; Discute as produções dos alunos; O planejamento de Arte é absorvido em seu planejamento da semana.

Interdisciplinaridade