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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO DA NATUREZA JURÍDICA DOS INSTITUTOS QUE COMPÕEM A CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM FRENTE À LEI 9.307/96 NELSON CARDOSO PIERONI Biguaçu [SC], maio de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU

CURSO DE DIREITO

DA NATUREZA JURÍDICA DOS INSTITUTOS QUE COMPÕEM A

CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM FRENTE À LEI 9.307/96

NELSON CARDOSO PIERONI

Biguaçu [SC], maio de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU

CURSO DE DIREITO

DA NATUREZA JURÍDICA DOS INSTITUTOS QUE COMPÕEM A

CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM FRENTE À LEI 9.307/96

NELSON CARDOSO PIERONI

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Rafael Burlani

Biguaçu [SC], maio de 2008

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a

coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora o Orientador de toda e qualquer

responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu [SC], maio de 2008

Nelson Cardoso Pieroni Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Nelson Cardoso Pieroni, sob o título Da natureza jurídica dos institutos que compõem a convenção de arbitragem frente à lei 9.307/96 foi submetida em 16/06/2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Rafael Burlani, Gabriel Pítsica, Fabiano Pires Castagna, e aprovada com a nota [9.5] (nove e meio).

Biguaçu [SC], maio de 2008

Professor Especialista Rafael Burlani Orientador e Presidente da Banca

Professora Helena Nastasya Pítsica Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

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ROL DE ABREVIATURAS OU DE SIGLAS

ART. Artigo

ARTS. Artigos

CC Código Civil

CF Constituição Federal

CPC Código de Processo Civil

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

LA Lei de Arbitragem

LEI 9.307/96 Lei n° 9.307/96

N. Número

P. Página

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

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ROL DE CATEGORIAS

Arbitragem

Entende-se por arbitragem o instituto através do qual controvérsias oriundas de um negócio

jurídico cujo objeto verse sobre bens patrimoniais disponíveis sejam dirimidas por um árbitro

escolhido pelas partes, em respeito a o que dispõe a Lei 9.307/96.

Convenção de arbitragem

Entende-se por convenção de arbitragem a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Cláusula compromissória

Entende-se por cláusula compromissória a convenção através da qual as partes em um

contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir

relativamente a tal contrato (Lei 9.307/96, art. 4˚).

Compromisso arbitral

Entende-se por compromisso arbitral a convenção através da qual as partes submetem um

litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou exrtrajudicial (Lei

9.307/96, art. 9˚).

Direito material

“é o Direito Objetivo que vem estabelecer a substância, a matéria da norma agendi, fonte

geradora e a seguradora de todo direito. Diz-se também Direito Substantivo, porque é o

princípio criador de tôda a relação concreta de direito [...]”1.

Direito natural

“o Direito Natural é tido como o que decorre de princípios impostos à legislação dos povos

cultos, fundados na razão e na equidade, para que regulem e assegurem os direitos

individuais, tais como os de vida, de liberdade [...]”2.

1 De PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico. vol. 2, São Paulo: Forense, 1975. p. 540. 2 De PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico. vol. 2, São Paulo: Forense, 1975. p. 541.

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Direito positivo

“É dominação genérica, dada em oposição à de Direito Natural, no seu sentido de dever de

consciência, para distinguir o conjunto de regras jurídicas em vigor, que se impõem às

pessoas e às instituições, sob a coação sanção da fôrça pública, em quaisquer dos aspectos em

que se manisfeste”3.

.

3 De PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico. vol. 2, São Paulo: Forense, 1975. p. 542.

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SUMÁRIO

RESUMO ..........................................................................................................................................11

ABSTRACT......................................................................................................................................12

INTRODUÇÃO................................................................................................................................13

CAPÍTULO 1 ...................................................................................................................................16

ASPECTOS GERAIS ACERCA DA ARBITRAGEM ................................................................16

1.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ......................................................................................16

1.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS............................................................................................17

1.2.1 Origens da arbitragem no direito alienígena........................................................................17

1.2.2 A evolução da arbitragem no Brasil......................................................................................18

1.2.2.1 Constituições..............................................................................................................18 1.2.2.2 Código Comercial ......................................................................................................19 1.2.2.3 Código Civil...............................................................................................................20 1.2.2.4 Código de Processo Civil...........................................................................................21

1.3 ASPECTOS CONCEITUAIS ACERCA DA ARBITRAGEM...................................................22

1.3.1 Conceito....................................................................................................................................22

1.3.2 Natureza jurídica ....................................................................................................................23

1.3.3 Constitucionalidade da lei de arbitragem.............................................................................25

1.3.4 Desvantagens da arbitragem..................................................................................................26

1.3.5 Vantagens da arbitragem .......................................................................................................27

1.4 ASPECTOS INSTITUCIONAIS DA LEI DE ARBITRAGEM .................................................29

1.4.1 Introdução ...............................................................................................................................29

1.4.2 Das Partes e do Direito ...........................................................................................................29

1.4.3 Direito aplicável à arbitragem ...............................................................................................30

1.4.4 Dos árbitros .............................................................................................................................31

1.4.5 Procedimento arbitral.............................................................................................................34

1.4.6 Sentença arbitral .....................................................................................................................38

1.4.7 Reconhecimento de sentença estrangeira .............................................................................40

1.5. DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM...................................................................................41

CAPÍTULO 2 ...................................................................................................................................42

ASPECTOS ESTRUTURAIS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E CONTRATOS EM GERAL

............................................................................................................................................................42

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2.1 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................42

2.2 DOS ASPECTOS GERAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO ............................................................42

2.2.1 Conceito....................................................................................................................................42

2.2.2 Elementos.................................................................................................................................44

2.2.3 Classificação dos Negócios Jurídicos.....................................................................................47

2.2.3.1 Unilaterais e bilaterais................................................................................................48 2.2.3.2 Patrimoniais e extrapatrimoniais................................................................................48 2.2.3.4 Onerosos e gratuitos...................................................................................................49 2.2.3.5 Formais e não formais................................................................................................50

2.2.4 Dos defeitos do negócio jurídico ............................................................................................50

2.2.4.1 Erro.............................................................................................................................51 2.2.4.2 Dolo............................................................................................................................52 2.2.4.3 Coação........................................................................................................................53 2.2.4.4 Estado de perigo.........................................................................................................54 2.2.4.5 Lesão ..........................................................................................................................55 2.2.4.6 Fraude contra credores ...............................................................................................56

2.3 DOS ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO............................................................................57

2.3.1 Conceito....................................................................................................................................57

2.3.2 Princípios .................................................................................................................................60

2.3.3 Classificação dos contratos.....................................................................................................63

2.3.3.1 Contratos bilaterias e unilaterais ................................................................................63 2.3.3.2 Contratos onerosos e gratuitos ...................................................................................64 2.3.3.3 Contratos consensuais e reais.....................................................................................64 2.3.3.4 Contratos solenes e não solenes .................................................................................65 2.3.3.5 Contratos nominados e inominados ...........................................................................66 2.3.3.6 Contratos principais e acessórios ...............................................................................66 2.3.3.7 Contratos preliminares e definitivos ..........................................................................67 2.3.3.8 Contratos paritários e de adesão.................................................................................68

CAPÍTULO 3 ...................................................................................................................................70

ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM ...............................70

3.1 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................70

3.2 DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM (CONCEITO, FINALIDADE E NATUREZA

JURÍDICA) ........................................................................................................................................71

3.3 DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA.....................................................................................73

3.3.1 Conceito....................................................................................................................................73

3.3.2 Forma da cláusula compromissória ......................................................................................74

3.3.3 Conteúdo da cláusula compromissória .................................................................................76

3.3.4 Autonomia da cláusula ...........................................................................................................77

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3.3.5 Execução específica da cláusula compromissória ................................................................79

3.3.6 Natureza jurídica ....................................................................................................................80

3.4 DO COMPROMISSO..................................................................................................................83

3.4.1 Base legal segundo o código civil ...........................................................................................83

3.4.2 Conceito....................................................................................................................................84

3.4.3 Compromisso e transação ......................................................................................................85

3.4.4 Espécies de compromisso .......................................................................................................86

3.4.5 Requisitos obrigatórios do compromisso ..............................................................................86

3.4.6 Requisitos facultativos do compromisso ...............................................................................87

3.4.7 Natureza jurídica ....................................................................................................................87

Considerações Finais .......................................................................................................................91

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ....................................................................................94

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RESUMO

Como é sabido, a pluralidade de interesses é uma característica natural dos indivíduos que

vivem em sociedade. Em conseqüência disto, muitas vezes os interesses dos indivíduos apresentam-

se opostos, do que se vislumbra um conflito entre os mesmos. Assim, para que os conflitos entre os

interesses dos indivíduos sejam solucionados de forma legal, o Estado promove a pacificação social

oferecendo a tutela jurisdicional, cujo instrumento é o processo. Todavia, o processo não representa

a única forma legal e efetiva de resolução de conflitos. Para tanto há os denominados meios

alternativos de resolução de conflitos, dentre estes a arbitragem, precipuamente o objeto de estudo

desta monografia. Nesta esteira, aduz-se que a arbitragem seja um meio extraprocessual de

resolução de conflitos, pois põe termo aos litígios entre as partes sem que o Estado seja acionado

para tanto. No primeiro capítulo desta monografia efetua-se uma abordagem acerca de aspectos

gerais da arbitragem, tais como seu histórico na legislação nacional, sua definição, seu objeto, seu

procedimento e os efeitos de sua sentença, consoante a lei de arbitragem (Lei 9.307/96). O segundo

capítulo desta pesquisa destina-se a examinar aspectos estruturais dos negócios jurídicos e contratos

em geral, como suas respectivas conceituações, requisitos de existência e validade. Além disso,

registram-se diversos critérios de classificação dos negócios jurídicos e contratos, com o intuito de

que melhor se compreenda a correspondência entre a convenção de arbitragem e os negócios

jurídicos em geral. No terceiro capítulo desta obra estuda-se a convenção de arbitragem, assim

entendida como a cláusula compromissória e o compromisso, investigando sua natureza jurídica e

demonstrando que esta corresponda à essência dos negócios jurídicos e contratos em geral.

Palavras chave: Arbitragem. Convenção de arbitragem. Negócio jurídico. Contrato.

Natureza jurídica.

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ABSTRACT

As is known, the plurality of interests is a natural characteristic of individuals living in

society. As a result of this, many times the interests of individuals present themselves opposites,

which sees a conflict between them. So if the conflicts between the interests of individuals are

resolved in a legal manner, the State promotes social peace offering to judicial protection, whose

instrument is the process. However, the process is not the only legal and effective way of conflict

resolution. For both are so-called alternative means of conflict resolution, among them the

arbitration, specially the object of study of this monograph. In this connection, adds that the

arbitration is a means of conflict resolution however without the ordinary process, because it

terminates the litigation between the parties without the state to be triggered for both. In the first

chapter of this monograph makes up an approach about general aspects of arbitration, such as its

history in national legislation, its definition, its purpose, its procedure and effects of its ruling, as

the law of arbitration (Law 9.307/96). The second chapter of this research is to examine structural

aspects of legal transactions and contracts in general, as their conceptualizations, conditions of

existence and validity. Moreover, enter different criteria for classification of legal transactions and

contracts in order to understand it better if the correspondence between the arbitration agreement

and legal transactions in general. In the third chapter of this book examines itself to the arbitration

agreement, thus understood as the arbitration clause and commitment, investigating its legal and

demonstrating that it matches the essence of legal transactions and contracts in general.

Key words: Arbitration. Convention for arbitration. Business law. Contract. Legal nature.

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INTRODUÇÃO

A presente monografia de conclusão de curso de direito tem por objeto o estudo da

arbitragem e do negócio jurídico, visando demonstrar a natureza jurídica da convenção de

arbitragem.

Em um primeiro momento e por fazer-se alusão a noções fundamentais, propende-se aludir

uma perspectiva segundo a qual o direito, tido como um sistema amplo de princípios e normas

representa uma criação cognitiva do homem destinada a regulamentar e pacificar seu convívio em

sociedade. Estriba-se tal afirmação no brocardo latino em que ubi societatis ibi jus. Destarte,

forçoso é sustentar ser o direito, mais precisamente o ordenamento jurídico, o sustentáculo da

idealização e conseqüente imposição do que a própria sociedade concebe por correto e justo.

Entretanto, pelo que se aprende através do próprio direito natural, também fruto da racionalidade

humana, corrobora-se haver um consenso quanto aos limites considerados toleráveis no tocante ao

comportamento humano exercido em sociedade. Assim, muito embora a justiça avulte como um

elemento subjetivo, o qual muta-se conforme os critérios aplicados concretamente, é intuitivo da

própria razão humana ponderar teleologicamente acerca de suas normas de conduta, buscando

enfim, o bem comum. Desta feita, corrobora-se que os valores sociais sejam parâmetros para que o

direito positivo institua e proteja os bens da vida.

Contudo, por mais que se conjecture a existência de um grupo de pessoas adeptas de uma

mesma cultura e submetidas ao crivo de um mesmo direito, a contrariedade de interesses é

característica natural, inerente, e conseqüente da complexidade do ser humano. Com efeito, a partir

do momento em que os indivíduos decidiram viver em uma sociedade regida pela égide do direito

representado pelo Estado, este teve de promover um aparato capaz de conter as controvérsias

individuais, de forma que a solução das mesmas se opere sob o cunho do poder público em

detrimento do modo arcaico como os homens resolviam seus conflitos, como por exemplo, a

vingança privada. Evidentemente que o surgimento do Estado não preveniu de maneira incontinente

as barbáries praticadas pelo homem. Entretanto cabe afirmar que a composição e pacificação dos

conflitos humanos seja função do Estado. Assim não fosse a Constituição não disporia em seu

artigo 35, inciso XXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito”.

Nesta ordem de idéias, o Estado fornece o processo como instrumento formal do direito, o

qual tem por fim imediato coordenar um meio lícito e legal para que as pessoas interessadas

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obtenham uma solução para suas controvérsias, e por fim mediato a resolução das pretensões

postuladas no desenvolver do processo. Por esse motivo aduz-se ter o cidadão o direito público

subjetivo (direito de ação) para recorrer ao Estado para que este, através do processo, sane os

conflitos de interesses, o que ocorrerá com a prestação da jurisdição, isto é, a atuação do Estado-juiz

no caso concreto.

Feitas essas considerações, cumpre trazer ao corpo desta pesquisa os conceitos relativos à

jurisdição e ao processo, sendo aquela o poder do Estado–juiz de dizer o direito, e este o

instrumento legal através do qual o direito é aplicado concretamente.

Constata-se, portanto, que o Estado exerce a jurisdição, por meio do processo, com a

finalidade de resolução dos conflitos de interesses oriundos das relações em sociedade. Porém, em

que pese a tutela jurisdicional do Estado ser correntemente provocada para que promova a resolução

de conflitos sociais (meio processual de resolução de conflitos), esta não representa a única forma

para tanto. Deve-se superar o paradigma de que a pacificação dos conflitos sociais haja de se

realizar por atuação exclusiva do Estado. Com efeito, a sociedade tem à sua disposição a

prerrogativa de recorrer-se dos denominados meios alternativos de resolução de conflitos, dentre

estes a arbitragem.

Como é sabido não apenas pelos operadores do direito, mas pela sociedade de uma forma

geral, o Poder Judiciário se mostra hiposuficiente em relação ao número de conflitos submetido ao

seu crivo. Haja vista para o fato de que inúmeras pessoas se envolvem em disputas jurídicas

diariamente, resta admitir que o aparato do Poder Judiciário haveria de ser estendido radicalmente

para corresponder à demanda pela prestação jurisdicional.

Como se vem aqui sustentar, seria oportuno reiterar que a sociedade haja de superar o

paradigma segundo o qual tão somente o Estado seja capaz de solucionar os conflitos

intersubjetivos de maneira segura, justa e com o respaldo dos mecanismos necessários para

assegurar suas decisões. É justamente por isso, que se argumenta em favor dos meios alternativos

de resolução de conflitos, através dos quais as partes litigantes têm a oportunidade de dirimirem

suas pendências sem que se provoque o Estado para tanto.

Tendo em vista ser a arbitragem um instrumento alternativo de resolução de conflitos e

considerando-se a importância da convenção de arbitragem, pelo que representa o meio através do

qual será legitimada a competência do árbitro, cumpre elucidar suas natureza jurídica, para, assim,

demonstrar como se compõe e de que forma incide nas relações jurídicas estabelecidas entre as

pessoas.

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Delimita-se o objeto de pesquisa desta monografia no ordenamento jurídico brasileiro e nas

normas contemporâneas à promulgação da lei de arbitragem.

Têm-se como objetivos gerais desta pesquisa demonstrar aspectos estruturais do instituto da

arbitragem, bem como do negócio jurídico e dos contratos em geral. No que diz respeito aos

objetivos específicos desta pesquisa, busca-se esclarecer a natureza jurídica da convenção de

arbitragem, investigando se a referida convenção é negócio jurídico, assim como se tal instituto

detém natureza contratual, podendo, portanto, ser designado contrato.

No primeiro capítulo desta obra far-se-á uma análise acerca da Lei 9.307/96, diploma legal o

qual regulamenta a aplicação do instituto processual da arbitragem. Com isso, serão verificados

aspectos gerais da arbitragem, buscando-se assim examinar os elementos concernentes à mesma.

No segundo capítulo desta pesquisa buscar-se-á examinar os aspectos estruturais do negócio

jurídico, bem como do contrato, verificando suas respectivas conceituações, elementos

constitutivos, classificações e demais noções imprescindíveis para que se aufira uma visão geral e

correlata com o que se busca provar na presente pesquisa.

No terceiro capítulo desta monografia efetuar-se-á estudo no que diz respeito à convenção

de arbitragem, averiguando seu conteúdo do ponto de vista legal e doutrinário para, com isso,

demonstrar sua natureza jurídica, bem como esclarecer se por sua essência pode-se afirmar designar

espécie de negócio jurídico e de contrato.

Como problema da presente pesquisa lança-se indagar se a convenção de arbitragem é

negócio jurídico, bem como se é contrato. Em resposta ao problema suscitado propõe-se como

hipótese de resolução sustentar a forma como coadunam os elementos constitutivos da convenção

de arbitragem com os dos negócios jurídicos e contratos em geral.

Por fim, tem-se como método desta pesquisa o dedutivo, o que se constata pela ordem de

raciocínio empregada, o qual parte de uma abordagem mais geral e abrangente para em seguida

afunilar-se, corroborando características próprias de um instituto específico.

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CAPÍTULO 1 ASPECTOS GERAIS ACERCA DA ARBITRAGEM

1.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A singularidade e complexidade são características inerentes à condição humana de ser.

Destarte, entreve-se natural e inevitável que o ser humano entre em conflito com seu semelhante,

porquanto dividem os bens da vida em sociedade.

Tendo-se em conta que determinados membros da sociedade não consigam chegar a uma

solução pacífica e satisfatória para suas pendências, surge como dever do Estado promover a

pacificação social dos conflitos, estribada sua atuação nos princípios norteadores de nosso sistema

jurídico.

Nessa ordem de idéias, consubstancia-se o processo como instrumento para que o Estado

imponha o Direito e propicie a pacificação social, pondo fim aos conflitos sociais mediante a

prestação da jurisdição, isto é, através da atuação do Estado-juíz no caso concreto.

De acordo com Cintra, Grinover e Dinamarco a jurisdição e processo podem ser concebidos

como “[...] uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses

em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa

pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado

em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função mediante o processo, seja

expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando um

mundo de coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada)” 4.

Todavia, o processo não há de ser a única forma jurídica de resolução de conflitos, tendo em

vista que o próprio ordenamento jurídico confere aos indivíduos capazes a prerrogativa de sanarem

suas pendengas, a exemplo do que ocorre com a transação.

Com efeito, a arbitragem é uma forma de processo o qual preza por princípios como o do

devido processo legal e do contraditório, por exemplo, o qual fora regulamentado pela lei 9.307/96

(lei de arbitragem) para que sua utilização estivesse embasada de forma mais clara e evidente pela

4 CINTRA,ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO; GRINOVER, ADA PELEGRINI; DINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 131.

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sistemática jurídica, ensejando-se assim incentivar sua aplicação, mormente porque seria um meio

idôneo para que não se sobrecarregasse o Judiciário. Desta feita, buscou o legislador dedicar um

diploma legal específico para a aplicação do instituto da arbitragem, não servindo mais o Código de

Processo Civil parta tanto.

Ademais, houve nítida evolução do instituto em epígrafe com o advento da lei de

arbitragem, uma vez que por este diploma legal a sentença arbitral passou a não ser objeto de

homologação pelo Judiciário, bem como a cláusula compromissória passou a ter força de execução

específica, não gerando seu descumprimento tão somente perdas e danos, o que será corroborado

oportunamente nesta monografia de conclusão de curso.

1.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

1.2.1 Origens da arbitragem no direito alienígena

Assim como a origem do processo, concebido como a aplicação do direito emanado de uma

entidade política soberana, o surgimento da arbitragem remonta à antiguidade. Aduz-se que já no

ano de 3000 a.C. a arbitragem era aplicada, demonstrando-se assim um dos institutos jurisdicionais

mais antigos da história. Afirma-se que os hebreus utilizavam o instituto em tela ao tempo de 1300

a. C., época da promulgação do direto mosaico. Denominado Beth – din, tal procedimento

arbitragem era realizado por um órgão colegiado de árbitros conhecidos por serem doutores da lei.5

Na Grécia, país de cultura pagã e politeísta, as pessoas inspiravam-se nos deuses, seres

dotados de sentimentos e condutas de caráter humano que, por vezes, resolviam seus deslindes de

forma amistosa. Motivo pelo qual constatar nesta sociedade a opção pela arbitragem como forma de

resolução de conflitos. Em adição, sabe-se ser o procedimento arbitral grego composto por duas

fases, uma preliminar destinada à tentativa de reconciliação e se malograda esta, uma fase posterior

5 VALÉRIO, MARCO AURÉLIO GUMIERI. Arbitragem no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Universitária de Direito, 2004.

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consubstanciada no juízo arbitral propriamente dito, sendo a sentença proclamada, juramentada sob

forma de sacramento e publicada em placas de mármore ou metal.6

No direito romano o procedimento arbitral desenvolvia-se por uma fase inicial denominada

in jure, na qual vinha imposta a controvérsia, e uma segunda fase designada apud iudicem, na qual

o juiz escolhido pelas partes decidia o conflito de interesse.7

Quanto à Idade Média, pode-se sustentar haverem incidido cinco fatores para que a

arbitragem fosse amplamente utilizada: ausência de leis ou sua excessiva rigidez e incivilidade;

escassez de garantias jurisdicionais; ausência de um único ordenamento que se sobrepusesse a todas

os povos; a impotência da figura do Estado e os incessantes conflitos e discrepâncias entre os

interesses deste com a Igreja.8

Até o tempo da revolução francesa a arbitragem exibia-se como meio de combater as

injustiças cometidas pelos monarcas, haja vista para as conseqüências do poder acarretado pelo

absolutismo. Com o advento do liberalismo posterior ao referido marco histórico e com o

fortalecimento da instituição do Estado como entidade política soberana, acrescendo-se a isto a

codificação promovida por Napoleão, a arbitragem passou a ser relegada a um segundo plano, pois

tinha-se como corolário que a estatização da jurisdicionalidade seria a forma ideal para a

consecução da justiça. O prestigio que outrora motivava recorrer-se à arbitragem ressurgiria no

século XX, fortalecido pelos tratados internacionais que se multiplicavam.9

1.2.2 A evolução da arbitragem no Brasil

1.2.2.1 Constituições

Tem-se como fato que mesmo tornando-se o Brasil um país independente, permanecia em

vigor não apenas a cultura jurídico-lusitana herdada como também a própria lei estrangeira. Tal é o

caso das ordenações Filipinas que dispunham acerca da arbitragem no sentido de que seriam sempre

6 VALÉRIO, MARCO AURÉLIO GUMIERI. Arbitragem no Direito Brasileiro. 2004, p. 33. 7 MUJALLI, WELBER BRASIL. A Nova Lei de Arbitragem. São Paulo: Editora de Direito, 1997. 8 MUJALLI, WELBER BRASIL. A Nova Lei de Arbitragem. 1997, p. 40. 9 MUJALLI, WELBER BRASIL. A Nova Lei de Arbitragem. 1997, p. 41.

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passíveis de recurso a ser analisado pela justiça estatal, não sendo relevante que o contrato objeto da

arbitragem contivesse cláusula estipulando a impossibilidade de recurso para o Judiciário.10

A Constituição Política do Império do Brasil de 1824 dispunha em seu artigo 160 que “Nas

(causas) cíveis e penais civilmente intentadas poderão as partes nomear juízes árbitros. Suas

sentenças serão executadas sem recurso, se assim convencionarem as mesmas Partes”.11

Quanto à seguinte Constituição aduz-se que esta estabeleceu, no artigo 5°. XIX, a

competência privativa da União para legislar sobre normas fundamentais da arbitragem comercial.12

Constate-se em seguida que a Constituição de 1937, no artigo 18, letra “d”, permitiu aos Estados

legislarem sobre organizações públicas, com o fim de conciliação extrajudiciária dos litígios ou sua

decisão arbitral.13 Ainda estribando-se no referido autor extrai-se o seguinte:

Poder-se-ia dizer que as outras seis Constituições do Brasil (1891 a 1988) optaram por uma técnica jurídica adequada, ao omitir, em seu texto, referência direta à arbitragem ou ao juízo arbitral.14

Com efeito, assevera-se que o papel da Carta Magna seja o de consagrar a proteção aos

direitos fundamentais, dentre estes, os direitos a um processo justo é a tutela do Poder Jurisdicional.

A arbitragem, por seu turno, há de ser objeto de legislação ordinária, o que se perfaz pela Lei

9.307/96 e pelo Código Civil, no que tange ao instituto do compromisso.

1.2.2.2 Código Comercial

Consoante lição de Mujalli, em 25 de Julho de 1850, por meio da Lei n° 556 foi promulgado

o Código Comercial no Brasil, sendo que segundo o texto codificado havia apenas um único

dispositivo a respeito da arbitragem. Seria o artigo 294 com a seguinte redação: “as questões sociais

que surgissem entre sócios, durante a existência da companhia ou sociedade, incluindo a sua

liquidação ou partilha, deveriam ser submetidas ao juízo arbitrar”.15

10 MUJALLI, WELBER BRASIL. A Nova Lei de Arbitragem. 1997, p.30. 11 SANTOS, PAULO DE TARSO. Arbitragem e Poder Judiciário. LTR: São Paulo, 2001. 12 SANTOS, PAULO DE TARSO. Arbitragem e Poder Judiciário. 2001, p.19. 13 SANTOS, PAULO DE TARSO. Arbitragem e Poder Judiciário. 2001, p.19. 14SANTOS, PAULO DE TARSO. Arbitragem e Poder Judiciário. 2001, p.20. 15 MUJALLI, WELBER BRASIL. A Nova Lei de Arbitragem. 1997, p. 32.

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Joel Dias Figueira Júnior reitera que o Código Comercial (Lei n° 556 de 1850) dispunha

sobre o juízo arbitral no art. 245, quando tratava da locação mercantil e no art. 294, a respeito das

questões entre sócios16.

Ainda no tocante ao Código Comercial cumpre salientar a incidência do decreto 737, de 25

de novembro de 1850 o qual alterou a redação do referido código. Para o que se demonstra

relevante ao estudo em tela transcreva-se:

O Decreto 737, de 25 de novembro de 1850, estabeleceu “A Ordem do Juízo no Processo Comercial”; seus arts. 411 a 475 referem-se ao “Juízo Arbitral”. O art. 411 diz que “O juízo arbitral ou é voluntário ou necessário”; seu parágrafo 1° menciona que é voluntário, o juízo arbitral, “quando é instituído por compromisso das partes” e “pode ser judicial ou extrajudicial”. O “juízo arbitral” necessário aparece, no Decreto, relacionado com os arts. 245, 294, 348, 739 (revogado), 783 e 846 (revogado) do Código Comercial de 1850. Pelo art. 457 desse decreto, os árbitros deviam julgar “de fato e de direito, conforme a Legislação Comercial” (Cap. I do Tít. I e cláusulas do compromisso).17

O supracitado autor arremata o assunto asseverando que pela Lei 1.350, de 14 de setembro

de 1866 foi derrogado o juízo arbitral estabelecido pelo Código Comercial de 1850, determinando

que tal juízo seria sempre voluntário, mediante o compromisso das partes. Cumpre ainda enaltecer

que pela referida Lei ficou facultado às partes autorizar os árbitros a julgarem aplicando o critério

da equidade. 18

1.2.2.3 Código Civil

No Código Civil de 1916 o legislador tratou com mais ênfase do instituto da arbitragem de

sorte a regulamentar diversos aspectos atinentes ao tema, como por exemplo, delimitar o âmbito dos

direitos passíveis de serem objeto de transação e determinar a livre escolha das partes quanto ao

árbitro. Incluiu o diploma legal também normas procedimentais correlatas ao papel dos árbitros e

prerrogativas das partes, bem como a forma de realização do processo extrajudicial, dentre outras.

Cumpre registrar as disposições constantes dos arts. 1025 a 1048, correspondentes aos capítulos

“Da Transação” e “Do Compromisso”.19

16 FIGUEIRA JÚNIOR, JOEL DIAS. Arbitragem. LTR: São Paulo, 1999. 17 SANTOS, PAULO DE TARSO. Arbitragem e Poder Judiciário. 2001, p. 20. 18 SANTOS, PAULO DE TARSO. Arbitragem e Poder Judiciário. 2001, p. 21. 19 SANTOS, PAULO DE TARSO. Arbitragem e Poder Judiciário. 2001, p. 21.

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De qualquer forma resta a crítica da doutrina ao Código porquanto não inovou o suficiente

ao ponto de tornar efetiva a arbitragem no sentido de que sua aplicabilidade permanecia restrita.

Ilustra tal circunstância o fato de o Código silenciar no que diz respeito à cláusula compromissória,

do que resulta esta poder indistintamente ser alvo da prestação da tutela jurisdicional pelo Poder

Judiciário, o que se defronta com a própria essência da arbitragem a qual busca informalidade e

celeridade.20

Tal impasse apenas encontraria solução pelo advento da Lei 9.307/96, através da qual restou

instituída a execução específica da cláusula compromissória, o que será oportunamente abordado no

terceiro capítulo desta monografia.

1.2.2.4 Código de Processo Civil

Preliminarmente é forçoso aludir à mesma crítica feita pela doutrina ao Código de Processo

Civil com relação ao Código Civil. Mais uma vez teria o legislador evitado enfrentar aspectos que

trariam um verdadeiro caráter de jurisdicionalidade à arbitragem.21

Resume-se a forma como o diploma processual pátrio abordava o instituto ora tratado pelas

palavras da seguinte doutrina:

O citado Capítulo XIV do CPC compõe-se de quatro seções: “Do Compromisso”, “Dos Árbitros”, “Do Procedimento” e “Da Homologação do Laudo”. Na seção I, referente ao compromisso (art. 1072), o legislador facultava, às pessoas capazes de contratar, o poder de louvar-se, mediante compromisso escrito, em árbitros “que lhes resolvam as pendências judiciais ou extrajudiciais, de qualquer valor, concernentes a direitos patrimoniais, sobre os quais a lei admita transação”; na Seção II (arts. 1078 a 1084), estabelecia, o CPC, normas quanto ao árbitro, determinando que “Pode ser árbitro quem quer que tenha a confiança das partes”, com as exceções que discriminava: os incapazes, os analfabetos, os impedidos de servir como juiz, e os suspeitos de parcialidade; e a Seção III (arts. 1085 a 1097) tratava do “procedimento”. Finalmente, quanto à homologação do laudo, o CPC determinava que “É competente para homologação do laudo arbitral o juiz a que originariamente tocar o julgamento da causa” (art. 1098) e elencava oito hipóteses de nulidade do laudo (art. 1100).22

Ressaltasse que o que o Código Civil dispunha ficava revogado pelo Código de Processo

Civil, por ser diploma legal posterior e versar sobre a mesma matéria. Ademais força é frisar o

20 MUJALLI, WELBER BRASIL. A Nova Lei de Arbitragem. 1997, p. 34. 21 MUJALLI, WELBER BRASIL. A Nova Lei de Arbitragem. 1997, p. 36. 22 SANTOS, PAULO DE TARSO. Arbitragem e Poder Judiciário. 2001, p. 24.

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aspecto negativo desta lei no que tange à obrigatoriedade de homologação do laudo arbitral pelo

juiz togado, o que inibia a rapidez do procedimento arbitral. Também este entrave para que o

procedimento arbitral se tornasse efetivo encontraria solução na Lei 9.307/96, pela qual se

estabelece que as sentenças arbitrais não ficam sujeitas a homologação pelo Poder Judiciário.

1.3 ASPECTOS CONCEITUAIS ACERCA DA ARBITRAGEM

1.3.1 Conceito

Pode-se ter como definição que a arbitragem seja “uma convenção privada, celebrada entre

duas ou mais pessoas, para a solução de suas controvérsias, através da intervenção de uma ou mais

pessoas (árbitros), que recebem os seus poderes dos seus convenientes, para com base nesta

convenção, decidirem os seus conflitos, sem a intervenção do Estado, sendo que a decisão destinada

às partes tem a eficácia da sentença judicial”.23

Carlos Alberto Carmona também conceitua o instituto da seguinte maneira:

A Arbitragem – meio alternativo de resolução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.24

Por outras palavras, também é possível conceber o conceito de a arbitragem como

correspondente ao “conjunto dos atos e operações que tem por finalidade resolver os litígios de

direito privado, em virtude de convenção entre as partes interessadas, por juízes privados, não

designados pela lei, mas escolhidos pelas partes”.25

Quanto às características do instituto em questão transcreve-se alusão efetuada pelo seguinte autor,

comprimindo aspectos atinentes ao assunto:

23 MUJALLI, WELBER BRASIL. A Nova Lei de Arbitragem. 1997, p. 52. 24 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. Atlas: São Paulo, 2006. p. 51. 25 ANGHELOS FOSTHOUCOS APUD VALÉRIO. Arbitragem no Direito Brasileiro. 2004, p.23.

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[...] conclui-se que, são características basilares da arbitragem: a) é um instituto sui generis; b) possui naturezas contratual e jurisdicional; c) existência de um conflito atual ou potencial de interesses; d) o sistema de julgamento é especial; e) o árbitro é indicado pelas partes; f) a decisão é obrigatória; g) a sentença tem força executória; e h) a solução do conflito é vinculante.26

Interessante ressaltar as características transcritas acima, pois, de forma sintética, restam

abordados aspectos de grande relevância, tanto acadêmica quanto prática, uma vez que se

contemple a natureza jurídica do instituto, o caráter vinculante o qual resulta da convenção de

arbitragem, a prerrogativa que têm as partes para deliberar acerca de elementos do procedimento,

como, por exemplo, a escolha dos árbitros, o que privilegia o princípio da autonomia da vontade,

corolário da teoria geral dos contratos. Optou-se por fazer menção às transcritas características neste

tópico, porquanto estas contribuem para uma melhor apreciação do que se deva ter em mente para

conceituar o instituto em epígrafe. Contudo, não se deve olvidar que tais características serão

oportunamente analisadas nos capítulos seguintes desta pesquisa.

1.3.2 Natureza jurídica

O entendimento quanto à natureza jurídica da arbitragem não é pacífico, de modo a gerar

caloroso debate entre os doutrinadores. De um lado, parte da doutrina vê na arbitragem uma

atividade não vinculada à jurisdição, posto que esta tão somente seja exercida pelo Estado, através

dos juízes togados (corrente publicista). De outro lado, doutrinadores vêem na arbitragem uma

atividade não apenas atrelada à jurisdição estatal, mas a própria atuação da mesma, delegada aos

árbitros pela vontade das partes envolvidas na contenda (corrente privatista).

O autor Marco Aurélio Gumieri Valério sintetiza o debate com propriedade:

Nesse duelo jurídico digladiam-se, num extremo, os privatistas ou contratualistas, que vêem na arbitragem, ou no juízo arbitral, uma atividade de natureza privada desligada da função estatal de julgar e, no outro, os publicistas, que enxergam, nesse instituto, o exercício da jurisdição.27

Em seguida o doutrinador explana os fundamentos sobre os quais se alicerçam as duas

mencionadas teorias:

26 VALÉRIO, MARCO AURÉLIO GUMIERI. Arbitragem no Direito Brasileiro. 2004, p. 26 27 VALÉRIO, MARCO AURÉLIO GUMIERI. Arbitragem no Direito Brasileiro. 2004, p. 27.

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Na teoria da primeira corrente, privilegia-se o ato que deu origem à arbitragem, que é instituída através de um negócio jurídico de natureza privada concretizado na cláusula ou no compromisso arbitral. Os privatistas negam o exercício da jurisdição aos árbitros, alegando a existência de um monopólio estatal sobre ela. Além disso, apontam para a falta de poderes inerentes ao seu exercício, como o de coerção e o de execução, necessários para se impor sanções ou medidas cautelares, assim, a atividade arbitral não se concretizaria num processo, mas um mero procedimento. Já no entendimento da segunda corrente, o aspecto teleológico da função do árbitro é o mais importante, sendo a arbitragem, do ponto de vista finalista, eminentemente pública. Os publicistas partem da premissa de que existem outras jurisdições além da exercida pelo Estado, cabendo aos árbitros, uma das espécies, aplicando-se, da mesma forma que na jurisdição estatal, uma regra geral em um caso concreto.28

Feitas elucidações acerca das duas correntes cujo entendimento predominou na doutrina,

destaca-se uma abordagem segundo a qual a natureza jurídica da arbitragem não é nem

contratualista, nem publicista, nem é, tampouco, mista. Seria a forma mais correta de conceber o

instituto atribuir ao mesmo um aspecto de singularidade. Nesse diapasão expressa-se a doutrina:

Segundo elucida o ilustre professor José Cretella Junior, a arbitragem é o sistema especial de julgamento, com procedimento, técnica e princípios informativos próprios e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este subtraído, mediante o qual duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, em conflito de interesses, escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes a pendência, anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida.29

O professor Welber Barral também alude na mesma ordem de idéias:

O que se observa, portanto é a oscilação entre a tentativa de alargamento do âmbito de aplicação da arbitragem e a manutenção da vigilância judiciária. Esta oscilação impraticável a inserção da arbitragem numa natureza contratual ou jurisdicional, que será apenas predominante num dado momento histórico. Tampouco pode-se mencionar uma natureza mista, face à relevância política da arbitragem e suas repercussões além do contrato e da jurisdição. Dessa forma é forçoso concluir por uma natureza autônoma da arbitragem. Somente a compreensão da impossibilidade de sua categorização é que permitirá a evolução da arbitragem, resguardando concomitantemente os interesses coletivos.30

Do exposto, acredita-se ser possível ao menos defender com certeza que a natureza jurídica

da arbitragem detenha tanto cunho contratual, porque surge de uma manifestação das partes, quanto

jurisdicional, porquanto substitui a jurisdição estatal quase que de forma plena, excetuadas medidas

de caráter coercitivo, as quais hão de emanar tão somente do Poder Judiciário.

28 VALÉRIO, MARCO AURÉLIO GUMIERI. Arbitragem no Direito Brasileiro. 2004, p. 27. 29 JOSÉ CRETELLA JUNIOR APUD MUJALLI. A Nova Lei de Arbitragem. 1997, p. 52. 30 BARRAL, WELBER. A Arbitragem e Seus Mitos. OAB/SC: Florianópolis, 2000.

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1.3.3 Constitucionalidade da lei de arbitragem

Como se vem buscando demonstrar, para que a arbitragem pudesse ser efetuada de forma

célere, informal e sigilosa, imprescindível seria que tal procedimento se concretizasse

independentemente do cunho do Poder Judiciário. Destarte, mobilizou-se o legislador para

implementar as mudanças necessárias ao ordenamento jurídico, com vistas a dissociar o

procedimento arbitral da tutela jurisdicional do Estado. Contudo, tais alterações suscitaram um

debate doutrinário no que diz respeito a uma possível violação a princípios constitucionalmente

garantidos. Nesse sentido aduz a seguinte doutrina:

A substancial alteração dada ao juízo arbitral, pela Lei n. 9307/96, com a introdução da execução compulsória da cláusula arbitral, a dispensa da homologação por juiz togado da decisão do árbitro e a irrecorribilidade da sentença arbitral, antes inexistentes no ordenamento jurídico brasileiro, reacendeu a antiga discussão quanto à constitucionalidade deste instituto, trazendo à tona antigas discussões doutrinárias. 31

Dispõe o art. 5°, XXV, da Constituição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Tal preceito consagra o princípio da inafastabilidade do

controle jurisdicional, princípio este que não é absoluto, como será corroborado em seguida.

Primeiramente, no ordenamento jurídico pátrio jamais houve a previsibilidade de um monopólio

estatal da jurisdição, logo o exercício de jurisdição privada jamais esteve proibido. Com efeito, o

que o transcrito dispositivo constitucional visa coibir é “a existência de conselhos e tribunais

extraconstitucionais, os quais venham a julgar de forma sumária e em desrespeito a princípios como

o do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa”.32 Aliás, isso reflete uma

circunstância a qual nitidamente coaduna com um regime de governo ditatorial, à medida que se

afasta dos alicerces de um Estado democrático de direito.

Ademais, forçoso reconhecer que se o ordenamento jurídico permite que partes capazes

façam concessões recíprocas para dirimirem suas disputas, a exemplo do que ocorre pelo instituto

da transação, não haveria que se falar em inconstitucionalidade da arbitragem, tendo em vista que o

crivo desta irá tão somente alcançar direitos a que o mesmo ordenamento empreste o condão de

serem dispostos por seus titulares.

Em harmonia com essa afirmação averigua-se o posicionamento da seguinte doutrina: 31 VALÉRIO, MARCO AURÉLIO GUMIERI. Arbitragem no Direito Brasileiro. 2004, p. 101. 32 VALÉRIO, MARCO AURÉLIO GUMIERI. Arbitragem no Direito Brasileiro. 2004, p. 104.

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Assim sendo, com a celebração da convenção de arbitragem, as partes optam pela jurisdição privada, não significando renúncia ao direito de ação, mas um livre ajuste na forma pela qual se comprometem a compor sua lide, ademais, se o titular de um direito disponível pode renunciá-lo então, por dedução lógica, pode escolher a forma de solucionar controvérsia em torno desse mesmo direito.33

Outrossim, a lei de arbitragem é fonte legal de um procedimento respaldado pelos princípios

processuais da ampla defesa e contraditório, pois trata as partes com igualdade e perfaz a relação

jurídica destas com o árbitro de forma eqüidistante e imparcial.

O fato de a sentença arbitral ser irrecorrível não afronta os princípios em questão, pois

vigilante estará o Poder Judiciário para a incidência de qualquer vício ou nulidade no procedimento

arbitral, segurança jurídica imposta pela própria Lei 9.307/96.

1.3.4 Desvantagens da arbitragem

Tendo em vista que um objeto de análise deva ser considerado sob prismas diversos,

entende-se por aconselhável tecer uma breve perspectiva a respeito de possíveis desvantagens

eventualmente oriundas da aplicação da arbitragem.

Primeiramente poder-se-ia levantar uma questão atinente ao argumento de que apenas os

juízes togados detêm o conhecimento jurídico, processual e material, para que o processo se

desenvolva de forma efetiva e em consonância com seus princípios correspondentes. Todavia,

averigua-se a incidência de diversos mecanismos promovidos pela lei de arbitragem, no sentido de

assegurar um processo justo, como, por exemplo, a possibilidade de anular a sentença arbitral, bem

como a possibilidade de se argüir impedimento ou suspeição dos árbitros. Demais disso, sabe-se

que um dos pontos positivos da arbitragem é justamente a opção de se cogitar como árbitro, pessoa

que possua aprofundado conhecimento técnico da matéria objeto do litígio. Tal argumentação

nitidamente prejudica qualquer intuito de menosprezar o conhecimento dos técnicos do ponto de

vista material, substancial.

Em segundo lugar, ensejar-se-ia atacar o instituto da arbitragem pelo que empresta a lei às

sentenças arbitras a força e efeitos das sentenças judiciais, contudo não prevê o diploma legal a

possibilidade de uma via recursal. Em que pese a imprevisão de recurso do laudo arbitral, uma vez

33 VALÉRIO, MARCO AURÉLIO GUMIERI. Arbitragem no Direito Brasileiro. 2004, p. 106.

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que a lei de arbitragem não prevê recurso da sentença arbitral, não faltam mecanismos para

assegurar que este esteja em concordância com os mais elevados princípios nos quais o

ordenamento jurídico se estriba. Demais disso, não seria em vão relembrar que a arbitragem, não

obstante suas vantagens como informalidade, celeridade e sigilo, é um procedimento não imposto,

mas oferecido às partes interessadas, as quais terão a prerrogativa de escolher os árbitros, o direito a

ser aplicado, a forma procedimental a ser adotada, o alcance do direito material pretendido e terão

sua liberdade de deliberar acerca da arbitragem a ser realizada limitada pelos critérios aplicados no

processo ordinário.

1.3.5 Vantagens da arbitragem

Notavelmente a quantidade de pretensões submetidas ao cunho da tutela jurisdicional do

Estado é nitidamente desproporcional à capacidade do Poder Judiciário para julgar. Isso não

significa dizer que os juízes não tenham os atributos imprescindíveis para o exercício da jurisdição,

como por exemplo, competência técnica (jurídica) e assiduidade no compor os litígios levados ao

seu conhecimento.

Na verdade, sabe-se ser o aparato do Poder Judiciário insuficiente em relação à demanda de

lides intentada. Dessa forma, vislumbra-se na arbitragem, um meio extraprocessual de resolução de

conflitos seguro pelo fato de estar sempre atuando sob a égide do direito, da lei, e do Poder

Judiciário, o qual atuará em casos de vícios e nulidades eventualmente ocorridas no procedimento

arbitral. Portanto afastar o controle jurisdicional não significa omitir o direito a um processo justo,

desenvolvido com respeito ao princípio do devido processo legal.

Além da celeridade oferecida pela arbitragem em comparação à morosidade que aflige o

judiciário, saliente-se ser o procedimento arbitral sigiloso, em detrimento do caráter eminentemente

público do processo judicial. Não obstante, o árbitro escolhido será, em tese, dotado de um alto

grau de conhecimento técnico no que tange à matéria objeto do conflito de interesses. O juiz, por

seu turno, conhece o direito. Em adição, as custas processuais são altas, cumuladas a um processo

demorado que, por vezes, leva diversos anos para ser resolvido. Tais custas podem ser radicalmente

reduzidas quando a composição do conflito se dá por intermédio da arbitragem, um procedimento

muito menos burocrático.

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A doutrina elenca diversas das vantagens apresentadas pela arbitragem:

Assinala-se primeiramente que a arbitragem, como método alternativo de solução dos conflitos de natureza patrimonial disponível, tenha adquirido mais prestígio e importância na sociedade contemporânea, mormente nas últimas duas décadas, demonstrando ser um instrumento hábil a atingir os objetivos para os quais tem sido idealizada e modernamente desenvolvida pela ciência jurídica. Isso porque alcança com facilidade, segurança, tecnicidade, rapidez, sigilo e economia, os objetivos perseguidos pelos contratantes que, no plano nacional ou no internacional, fizeram a opção pela jurisdição privada, através de cláusula expressa, para dirimirem os litígios decorrentes do mesmo contrato.34

O seguinte doutrinador aponta sinteticamente as virtudes propiciadas pelo juízo arbitral:

Em princípio, pode-se citar a possibilidade de uma questão de ordem técnica vir a ser decidida por especialistas na área em discussão, diversamente da justiça estatal, onde é normal juízes sem o devido conhecimento, corroborarem com laudos de peritos que, na verdade, acabam por decidir a lide. Cumpre ressaltar que especificação deve ser encarnada como uma vantagem desse instituto, e não como uma falha do Judiciário tratando-se, na realidade, de uma missão impossível do ponto de vista estrutural, instalar o mesmo nível de especificação da arbitragem nesse Poder. A segunda, seguramente, é a informalidade procedimental, que pode ser determinada pelas partes, na cláusula ou no compromisso arbitral, pelos árbitros, posteriormente à instituição do Tribunal Arbitral, ou ainda, adotar-se o rito de uma instituição arbitral. Por influência dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos, são várias as tentativas de se eliminar as formalidades dentro do procedimento estatal como, por exemplo, a Lei n. 9099/1995, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. A terceira, e talvez maior das virtudes da arbitragem, citada por vários autores, é a atmosfera favorável ao entendimento, lembrando que, além das partes já se conhecerem, o árbitro é da confiança de ambos, favorecendo, assim, o surgimento de um clima conciliatório.35

Com efeito, restam demonstrados aspectos relevantes no que diz respeito às vantagens

oriundas do procedimento arbitral, sendo estas não apenas a informalidade, sigilo e celeridade,

como também a circunstância de se ter como julgador pessoa tecnicamente privilegiada para

apreciar a questão em debate.

34 FIGUEIRA JÚNIOR, JOEL DIAS. Arbitragem. 1999, p. 30. 35 VALÉRIO, MARCO AURÉLIO GUMIERI. Arbitragem no Direito Brasileiro. 2004, p. 45 – 46.

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1.4 ASPECTOS INSTITUCIONAIS DA LEI DE ARBITRAGEM

1.4.1 Introdução

Nesta parte deste capítulo busca-se tecer alguns apontamentos no que concerne ao âmbito

estrutural da Lei 9307/96, isto é, demonstrar elementos fundamentais da referida lei. Atente-se

desde logo para o fato de que o instituto da convenção de arbitragem, de relevante importância para

o estudo deste subitem, será abordado em item isolado, porquanto nela reside o âmago de estudo

desta pesquisa. Além disso, cumpre justificar não ser o foco desta pesquisa institutos como o

procedimento arbitral e a execução de sentença arbitral, por exemplo. Por esse motivo, tratar-se-á

com maior atenção neste capítulo tão somente dos institutos diretamente correlacionados com o

objeto desta monografia, caso contrário mister seria compilar uma obra destinada a comentar a lei

de arbitragem como um todo, o que se mostraria inviável.

1.4.2 Das Partes e do Direito

Conforme dispõe a Lei 9.307 (art. 1°) qualquer pessoa poderá recorrer à arbitragem, desde

que seja civilmente capaz e que o objeto da contenda verse sobre direitos patrimoniais disponíveis.

Para explicar os elementos do dispositivo supra mencionado encontra-se suporte na lição de Welber

Barral:

A esse respeito cabe ressaltar que a capacidade é regida pela Lei Civil, no Código Civil, Parte Geral, Livro I, Título I, Capítulo I, especialmente artigos 2° a 9°. A capacidade é regra, consistindo em exceções apenas aquelas relativas aos absolutamente incapazes, elencadas no artigo 5° e legislação extravagante, e aos relativamente incapazes, elencadas no artigo 6° e legislação extravagante [sic]. Somente podem ser objeto da arbitragem as questões relativas a direitos patrimoniais disponíveis. Direito patrimonial disponível, por sua vez, é aquele direito sobre o qual a transação ou a cessão é permitida. Não se admite portanto arbitragem sobre coisas extra commercium, como questões de estado e capacidade das pessoas.36

36 BARRAL, WELBER. A Arbitragem e Seus Mitos. 2000, p. 16.

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Destarte, a própria Lei 9.307, em seu artigo 1°, preconiza os limites da jurisdição arbitral,

restando assim claro seu objeto e em diapasão com o que impera por força do ordenamento jurídico,

pois nem todos os bens podem ser dispostos por seus respectivos titulares, a exemplo do que ocorre

com a pensão alimentícia (art. 1707, Código Civil).

Quanto ao salário, deve-se ponderar que em razão do art. 444 da Consolidação das Leis do

Trabalho, o qual implica no princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, aquele não

haveria de ser considerado disponível por seu titular37. Verifique-se o mencionado artigo:

Art. 444: “As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das

partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos

contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”.

1.4.3 Direito aplicável à arbitragem

Quanto às fontes de direito a serem aplicadas no juízo arbitral, determina o art. 2° da lei em

análise que ficará a critério das partes a respectiva escolha. Permitiu o legislador que o árbitro

utilizasse tanto o direito positivo, quanto os princípios gerais de direito, os usos e costumes, as

regras internacionais de comércio e até mesmo a equidade. Quanto ao que se compreende por bons

costumes, pode-se aduzir serem as reiteradas práticas da sociedade e que estejam em conformidade

com a ordem e a moral. Com relação ao conceito de equidade, conforme os ensinamentos de

Plácido e Silva38, aquela “compõe o conceito de uma justiça fundada na igualdade, na

conformidade do próprio princípio jurídico e em respeito aos direitos alheios”. Contudo,

importante seria enaltecer a ressalva quanto ao conteúdo da mencionado art. 2° feita pelo professor

Barral, o qual aduz que não dispondo as partes sobre o julgamento eqüitativo, prevalece a regra

geral do Processo Civil, que é o julgamento de acordo com as normas legais.39

37 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 57 – 58. 38 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. vol. 2. São Paulo: Forense, 1975, p. 609. 39 BARRAL, WELBER. A Arbitragem e Seus Mitos. 2000, p. 18.

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1.4.4 Dos árbitros

A Lei 9.307/96 trata dos árbitros no cap. III dos arts. 14 ao 18.

Pode-se denominar como árbitro pessoa física indicada pelas partes ou por delegação destas

para solucionar uma controvérsia envolvendo direto patrimonial disponível. Quanto à capacidade

para ser árbitro, esta há de ser plena. Encontra-se fundamento para tanto no próprio Código Civil,

do qual extrai-se que a incapacidade cessa ao dezoito anos, por conseguinte idade esta necessária

para que se assuma a função de árbitro40.

Questão interessante diz respeito à possibilidade de se nomear árbitro pessoa que seja

analfabeta ou estrangeira. Vale transcrever a posição do seguinte doutrinador:

De qualquer forma, não se argumente pela exclusão do analfabeto com base na dificuldade que este encontraria para inteirar-se dos documentos que lhe fossem apresentados, pois nada impediria que tudo lhe fosse lido; da mesma forma, o fato de não poder redigir o laudo de mão própria não o impediria de proceder a ditado, e a assinatura poderia ser feito a rogo. Quanto ao estrangeiro, nenhuma restrição lhe pode ser feita, sendo indiferente que conheça ou não o idioma nacional, até porque podem as partes avençar que seja utilizada durante a arbitragem língua estrangeira, ou mais de uma língua (o que, aliás, acontecerá com freqüência em arbitragens que envolvam brasileiros e nacionais de outros países do Mercosul, por exemplo)41.

Quanto à questão da capacidade civil para desempenhar a função de árbitro, aparentemente

não há que se cogitar sobre posicionamentos diversos. No que diz respeito ao árbitro ser analfabeto,

porém, encontra-se posicionamento diverso na lição de Walter Brasil Mujalli, segundo o qual os

analfabetos não podem exercer a função de árbitro pela presunção de que não possa efetivamente

exercer as atribuições técnicas e procedimentais que a lei lhe delega. 42

Outra questão interessante relaciona-se ao fato de o juiz togado poder ou não exercer

atividade de árbitro. Contudo, resta clara a impossibilidade do magistrado estatal desempenhar tal

função, posto que o art. 26, II, da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar n° 35/79)

proíbe sob pena de perda do cargo de magistrado, o exercício de qualquer função que não a que lhe

incumbe, excetuada uma de professor43.

40 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 200-201. 41 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 202. 42 MUJALLI, WELBER BRASIL. A Nova Lei de Arbitragem. 1997, p. 84. 43 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 203.

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No que concerne ao procedimento de escolha dos árbitros, a lei de arbitragem prestigia ao

máximo o princípio da autonomia da vontade, destarte vale transcrever o comentário da doutrina:

Os métodos diretos garantem participação efetiva dos litigantes na aceitação ou exclusão de certos nomes; os métodos indiretos limitam-se a permitir a escolha de quem fará a nomeação dos árbitros, concedendo-se às partes, porém, fixar previamente um espectro das qualidades que esperam encontrar no árbitro a ser escolhido, fazendo desde logo restrições quanto a qualificação profissional, domínio de idiomas, nacionalidade ou local de residência (para citar os pontos mais comuns em que se apegam os litigantes). As partes podem, portanto, especificar atributos especiais para os árbitros que julgarão o litígio, mas devem ser razoáveis e atentar para duas diretrizes: em primeiro, devem ter em mira a lista de árbitros, de sorte a permitir que o árbitro procurado seja encontrado entre aqueles de que dispões o órgão arbitral escolhido; ao depois, os atributos especiais que querem encontrar no árbitro devem ser claros, evitando-se características nebulosas (“notório saber jurídico”, “e mérito professor”, “jurista”, “renomado arquiteto” etc.)44.

Silvio de Salvo Venosa corrobora o referido método indireto de escolha dos árbitros

asseverando poderem as partes submetê-la a uma entidade na qual confiem o julgamento45.

Em se tratando de órgão colegiado o diploma legal em questão, no art. 13 e parágrafos

correspondentes impõe o seguinte:

§ 1º As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo nomear, também, os respectivos suplentes. § 2º Quando as partes nomearem árbitros em número par, estes estão autorizados, desde logo, a nomear mais um árbitro. Não havendo acordo, requererão as partes ao órgão do Poder Judiciário a que tocaria, originariamente, o julgamento da causa a nomeação do árbitro, aplicável, no que couber, o procedimento previsto no art. 7º desta Lei.

Quanto ao que dispõe o parágrafo 2° supra transcrito, cumpre enaltecer o seguinte

comentário da doutrina:

Note-se que a determinação legal é absoluta e diz respeito à própria instituição da arbitragem, de tal maneira que não se considera instituída a arbitragem enquanto não for nomeado o terceiro árbitro. Pouco importa, portanto, que as partes tenham estipulado, na convenção de arbitragem, que a nomeação do terceiro árbitro só ocorra em caso de empate na decisão: tal disposição é ineficaz, devendo os árbitros nomeados (em número par) escolher imediatamente o árbitro faltante46.

Com relação à escolha do presidente do órgão arbitral, vale destacar ser este um ato de

extrema relevância, pois a lei de arbitragem atribui ao árbitro presidente o condão de decidir a

contenda em não havendo decisão majoritária (art. 24, § 1°, LA). Cumpre ressaltar que havendo

44 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 206. 45 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, São Paulo: Atlas, 6° ed., 2006, p. 580. 46 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 204.

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mais de um árbitro, caberá ao respectivo órgão colegiado eleger o presidente do tribunal arbitral e

em não havendo consenso quanto à escolha deste, a função será desempenhada pelo árbitro mais

velho47.

No art. 14 tratou o legislador de questão relativa ao impedimento e à suspeição dos árbitros.

Devem-se conceber como casos de impedimento e suspeição os mesmos relacionados pelo Código

de Processo Civil, demais disso acrescente-se qualquer circunstância que ponha em dúvida a

neutralidade do árbitro. Todavia, e mais uma vez prestigiando com ênfase o princípio da autonomia

da vontade, destaca-se que mesmo que um árbitro esteja em situação de suspeição ou impedimento,

poderá instruir o procedimento normalmente, desde que as partes estejam cientes da circunstância e,

ainda assim, desejem tê-lo como árbitro48. Pelo conteúdo do parágrafo 1° do referido art., extrai-se

o dever de revelação imposto ao árbitro quanto à sua situação suspeita, cujo intuito seja coibir a

possibilidade do árbitro exercer sua função desprovido das devidas qualidades de imparcialidade e

independência. Dessa forma, a parte pode promover a petição de exceção para afastar o árbitro

suspeito ou impedido, conforme procedimento expresso no art. 20 desta lei. Note-se que em o

árbitro não reconhecendo sua parcialidade, prosseguirá normalmente o procedimento arbitral, o que

não impede a parte que se julgar prejudicada levante a questão após a prolação da sentença, nos

termos do art. 33 49.

Nesse sentido interpreta a lei a seguinte doutrina:

A falta de imparcialidade do árbitro encontra remédio no procedimento previsto para a alegação de impedimento ou suspeição (art. 14). A respectiva exceção deve ser apresentada ao próprio árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral. Aceito o pedido de afastamento, assume as funções o substituto designado pelas partes (se houver). Não havendo designação de substituto para o árbitro impedido ou suspeito, aplica-se o procedimento do art. 16.50

Silvio de Salvo Venosa reforça o diapasão da doutrina corroborando o seguinte:

47 VALÉRIO. Arbitragem no Direito Brasileiro. 2004, p. 79. 48 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 215. 49 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 42. 50 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 42.

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Como juízes da questão que lhe foi afeita, na forma do art. 14 da Lei n° 9.307/96, os árbitros submetem-se a idênticas restrições de impedimento e suspeição estabelecidos no CPC para os magistrados togados, com os respectivos deveres e responsabilidades (arts. 134 e135). Dentro desses princípios quem for indicado para funcionar como árbitro tem o dever de revelar, antes de aceitar a função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto a sua imparcialidade e independência (art. 14, § 1°). Nada impede, porém, que ambas as partes, cientes de eventual impedimento ou suspeição, admitam o árbitro. Para tal é necessário que os compromitentes sejam expressos a respeito da causa de impedimento e suspeição. É possível, por exemplo, que as partes escolham para árbitro amigo comum, que tenha conhecimento prévio da pendência. Acordando a esse respeito, desaparece o impedimento ou suspeição51.

Ademais, o mencionado capítulo determina que no exercício de suas funções ou em razão

delas, ficam os árbitros equiparados aos funcionários públicos para os efeitos da legislação penal

(art. 17, LA). Portanto, os árbitros não apenas sujeitam-se ao dever de indenizar perdas e danos se

agirem com culpa nos termos do art. 159 do Código Civil, mas também podem ser

responsabilizados criminalmente por delitos próprios de funcionário público52. Dispões, ainda, ser o

árbitro juiz de direito e de fato, não sendo a sentença que proferir sujeita a recurso ou homologação

pelo Poder Judiciário (art. 18, LA).

No tocante à competência expressamente conferida ao árbitro, cumpre ressaltar que em

conseqüência do art. 8° da Lei 9.307/96, atribui-se ao árbitro pleno poder de decidir sobre a

existência, validade e eficácia da cláusula e do compromisso, assim como do próprio contrato

objeto da mesma. Isso significa dizer que ainda se o contrato objeto da cláusula compromissória for

viciado, não necessariamente será a mesma53.

1.4.5 Procedimento arbitral

Pode-se denominar o procedimento arbitral como aquele a ser seguido pelos árbitros ou pelo

Colégio Arbitral, sendo normalmente fixado pelos compromitentes, isto é, pelas partes que

pretendem resolver a controvérsia por meio da arbitragem54.

Conforme aduz Valério não basta a realização do compromisso arbitral para que seja

instituída a arbitragem, sendo imprescindível a aceitação da nomeação pelo árbitro ou, no caso de

51 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, 2006, p. 580-581. 52 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, 2006, p. 581. 53 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 37. 54 MUJALLI, WELBER BRASIL. A Nova Lei de Arbitragem. 1997, p. 85.

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mais de um, a aceitação do último55. Complemente-se este raciocínio sustentando que a não

aceitação do árbitro designado pelo compromisso gera a extinção deste (art. 12, I, LA). Com efeito,

torna-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação do árbitro (art. 19, LA).

Uma vez instituído o juízo arbitral, poderá o árbitro sanar quaisquer dúvidas acerca do

conteúdo da convenção de arbitragem, fazendo-se adendo a esta, se necessário (art. 19, § único,

LA).

Com relação à argüição de suspeição e impedimento do árbitro, bem como de invalidade e

ineficácia da convenção de arbitragem, esta deve ser efetuada logo na primeira oportunidade de

manifestação das partes no processo, depois de instituída a arbitragem (art. 20, LA). Se forem

acolhidas as preliminares de suspeição e impedimento, o árbitro será substituído nos termos do art.

16 da lei em estudo. Já quanto ao reconhecimento de incompetência do árbitro ou do tribunal

arbitral, bem como de nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, serão as

partes remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa (art. 20, § 1º, LA).

Não sendo acolhida a argüição, terá normal prosseguimento a arbitragem, sem prejuízo de vir a ser

examinada a decisão pelo órgão do Poder Judiciário competente, quando da eventual propositura da

demanda de que trata o art. 33 da lei em apreço.

Pelo teor do art. 21 da lei de arbitragem, extrai-se que as partes têm a livre iniciativa de

dispor sobre as regras procedimentais que entenderem por conveniente. Se as partes não dispuserem

acerca de tais regras, caberá ao árbitro fazê-lo (§ 1º). Todavia, dispõe a lei de arbitragem de forma

cogente e imperativa ao determinar que o procedimento adotado, qualquer que seja, deverá atender

aos princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre

convencimento (§ 2º). Constata-se também a lei se manifestar no sentido de que as partes podem se

ver acompanhadas por advogado, muito embora tal assistência não se faça necessária para o válido

desenvolvimento do procedimento arbitral (§ 3º). Averigua-se, a exemplo da legislação ordinária,

que a lei em análise cuidou de promover explicitamente a tentativa de conciliação das partes (§ 4º).

Todavia, quanto a isto, vale aludir o comentário doutrinário no sentido de que muito embora

recomendável que se propicie em audiência a tentativa de conciliação, a ausência desta não teria o

condão, por si só, para inquinar a decisão final56.

Do teor do art. 22 da mesma lei, o qual se vislumbra zelar pela instrução do procedimento e

produção de provas, destaca-se que poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das

partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar 55 VALÉRIO, MARCO AURÉLIO GUMIERI. Arbitragem no Direito Brasileiro. 2004, p. 82. 56 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, 2006, p. 583.

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necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício. O depoimento das partes e das

testemunhas será tomado em local, dia e hora previamente comunicados, por escrito, e reduzido a

termo, assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos árbitros (§ 1º). Em caso de desatendimento,

sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral

levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência

for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral

requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da

convenção de arbitragem (§ 2º). Cumpre enaltecer que se faz necessário recorrer à autoridade

judiciária, porquanto o árbitro, muito embora juiz de fato e de direito, não tem o poder de

determinar ordens coercitivas. Corrobora-se este argumento, pois a própria lei de arbitragem

determina que o órgão do Poder Judiciário a ser provocado deverá ser aquele que seria competente

para a causa originariamente (§ 4º). Ainda nesta seqüência resta expresso que a revelia da parte não

impedirá que seja proferida a sentença arbitral (§ 3º). Por fim, cabe registrar que pelo que se

durante o procedimento arbitral, um árbitro vier a ser substituído, fica a critério do substituto repetir

as provas já produzidas (§ 5º).

Entende-se por conveniente retomar a dissertação acerca do registrado instituto da revelia,

restando forçoso transcrever os comentários e lição da seguinte doutrina:

O § 3º do artigo é expresso ao estatuir que “a revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral”. A revelia caracteriza-se pela ausência de contestação. Consubstancia-se quando o demandado deixa transcorrer em branco o respectivo prazo; quando contesta intempestivamente e quando não impugna especificamente os fatos narrados pelo autor na petição inicial. Neste último aspecto, a revelia pode ser parcial. Na arbitragem, a revelia não só não impede a sentença, como não se presumem verdadeiros os fatos não contestados (art. 319 do CPC) 57.

No que tange mais especificamente ao procedimento de ordem processual a ser aplicado no

juízo arbitral, percebe-se grande conformidade com os postulados processuais em geral, em se

tratando de garantir os princípios processuais vigentes no ordenamento jurídico pátrio. Por outro

lado, diferentemente do citado código processual, as partes gozam da prerrogativa de ampla

liberdade para escolherem a forma como o procedimento arbitral se exteriorizará, respeitadas as

vedações impostas pela lei objeto desta pesquisa. Assim alude o seguinte doutrinador:

57 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, 2006, p. 583-584.

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Restaram fortalecidos os princípios básicos do devido processo legal, ao mesmo tempo em quem a autonomia da vontade foi prestigiada, na medida em que fica a critério das partes a disciplina procedimental da arbitragem. A regra preconizada é a seguinte: as partes podem adotar o procedimento que bem entenderem desde que respeitem os princípios do contraditório, da igualdade da partes, da imparcialidade do árbitro e do seu convencimento racional. Se nada dispuserem sobre o procedimento a ser adotado e se não reportarem a regras de alguns órgão institucional, caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral ditar as normas a serem seguidas, sempre atendidos os princípios há pouco mencionados, princípios esse que, em última análise, resumem o conteúdo do que, historicamente, acabou sendo conhecido como o devido processo legal. 58

Quantos às imposições feitas pela lei, as quais limitam a autonomia das partes, conforme foi

feita alusão anteriormente, o citado doutrinador enaltece o seguinte entendimento:

Cumpre lembrar que a vontade das partes (e, subsidiariamente, dos árbitros) quanto à especificação de regras procedimentais encontra limitação na natureza e finalidade da arbitragem, bem como da própria Lei. Assim, não podem as partes estabelecer, por exemplo, que a sentença arbitral tenha forma diversa daquela prevista no art. 26 ou que possa ser a decisão impugnada além do prazo previsto no art. 33.59

Em diapasão ao exposto cumpre asseverar que o procedimento arbitral será realizado

consoante a vontade manifestada pelas partes interessadas, orientação que tem como corolário o

princípio da autonomia da vontade, o qual, tanto no que tange aos negócios jurídicos e contratos em

geral, quanto no tocante à arbitragem, haverão de respeitar as normas cogentes atinentes ao tema.

Destarte, concebendo-se que não haja norma sobre arbitragem a qual repila a possibilidade de haver

recurso da decisão arbitral para um outro órgão de jurisdição arbitral, conclui-se que, se assim as

partes se manifestarem por ocasião da convenção arbitral, poderão, por conseguinte, instituir a

possibilidade de recurso da decisão arbitral a ser proferida 60.

Com efeito, corrobora-se que o princípio da autonomia da vontade prevalecerá quando no

silêncio da lei, porquanto as restrições se demonstram exceção em se tratando de arbitragem. Nesse

raciocínio pode-se conceber que uma regra procedimental adotada pelas partes em sede de juízo

arbitral, a qual macule as características do devido processo legal, haverá de ser oportunamente

combatida e suprimida do julgamento.

58 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 42 e 43. 59 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 43. 60 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, 2006, p. 586.

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38

1.4.6 Sentença arbitral

No cap. V da lei trata-se da sentença arbitral. Talvez a questão que mais suscite interesse

acadêmico diga respeito à impossibilidade de recurso do laudo arbitral, o qual possui força de

sentença judicial. Assim, seria de bom alvitre comentar o tema fazendo alusão às palavras do ilustre

doutrinador:

A sentença proferida não fica sujeita a qualquer recurso. Nada impede, porém, que as partes estabeleçam que a sentença arbitral possa ser submetida a reexame por outro órgão arbitral ou por outros árbitros, ou ainda que, na hipótese de não ser a decisão unânime, possa o vencido interpor recurso semelhante aos embargos infringentes previstos no Código de Processo Civil, fazendo integrar o tribunal arbitral por outros membros, escolhidos da forma estabelecida pelos contendores. Importa ressaltar, porém, que tais recursos são sempre internos, nunca dirigidos a órgãos da justiça estatal. E a decisão arbitral que obrigará as partes e que se sujeitará ao ataque previsto no art. 33 será aquela final, após a decisão dos referidos recursos. Apesar da aventada possibilidade de disporem as partes acerca de recursos, como parte do procedimento arbitral, o fato é que tais recursos são de todo inconvenientes e a sua utilização não parece corriqueira em países onde a arbitragem vem florescendo.61

Tal sustentação apenas corrobora o que já fora mencionado no tópico anterior com relação à

possibilidade de recurso da decisão arbitral.

Determina-se, sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos

indisponíveis, o árbitro remeterá as partes ao Poder Judiciário, suspendendo o procedimento

arbitral. Resolvida a questão prejudicial, isto é, transitada em julgado a sentença, terá normal

seguimento a arbitragem, sendo assim retomada (art. 25, LA).

A sentença, analogamente ao que institui o Código de Processo Civil, será composta de um

relatório, de fundamentação atinente às questões de fato e de direito, de dispositivo no qual restará

estabelecido o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso, e por fim da data e lugar em que

foi proferida (art. 26, LA).

Também na sentença arbitral será decidido sobre a responsabilidade das partes acerca das

custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má- fé, se for

o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem (art. 27, LA).

61 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem E Processo. 2006, p. 44.

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39

Em havendo acordo entre as partes no decurso da arbitragem, o arbitro poderá, mediante

pedido das partes, declarar tal fato através de sentença, a qual conterá os requisitos do art. 26 desta

lei (art. 28, LA).

Proferida a sentença arbitral dá-se por finda arbitragem, devendo as partes serem notificadas

por via postal ou qualquer outro meio de comunicação, mediante comprovação de recebimento, ou,

ainda, entregando a sentença diretamente às partes, mediante recibo (art. 29, LA).

No prazo de cinco dias a contar da notificação da sentença, a parte interressada, mediante

comunicação à outra parte, poderá solicitar ao arbitro que corrija qualquer erro material da sentença

e que esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da mesma (art. 30, LA). Cumpre

adicionar o comentário da doutrina:

[...] para interpor seus “embargos de declaração”, que podem servir tanto para correção de erros materiais (que os árbitros poderiam até retificar de ofício) como para esclarecer obscuridade e contradição, ou ainda para provocar a manifestação dos árbitros sobre ponto omitido a respeito do qual deveriam ter-se manifestado. Em dez dias os árbitros devem apresentar a decisão aditando a sentença arbitral (mesmo que seja para acrescentar que os “embargos” foram rejeitados) e notificando as partes.62

A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmo efeitos da sentença

proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo (art. 31,

LA).

Quanto à nulidade da sentença arbitral, esta ocorrerá: se for nulo o compromisso; se emanou

de quem não podia ser árbitro; se não contiver os requisitos do art. 26 da lei em tela; se for proferida

fora dos limites da convenção de arbitragem; se não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;

se restar comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; se for

proferida fora do prazo (respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta lei) e se forem

desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, parágrafo 2°, desta lei (art. 32, LA).

Por fim, possibilita-se às partes interessadas pleitear ao órgão do Poder Judiciário

competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32 (art. 33, LA).

62 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 45.

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1.4.7 Reconhecimento de sentença estrangeira

Consoante o que dispõe a Lei 9.307/96, para que a sentença arbitral estrangeira possa

produzir seus efeitos no Brasil, basta sua homologação perante o Supremo Tribunal Federal. Dessa

forma a decisão arbitral receberá o mesmo tratamento da decisão judicial estrangeira, encerrando

definitivamente o desnecessário “sistema da dupla homologação” 63.

Contudo, em virtude do advento da emenda constitucional n˚ 45, a qual alterou a redação do

artigo 105, I, i, da Constituição, transferindo da competência do Supremo Tribunal Federal para a

competência do Superior Tribunal de Justiça o reconhecimento de sentenças estrangeiras.

Com relação ao reconhecimento de sentença arbitral estrangeira o raciocínio é o mesmo, até

porque quando a lei menciona sentença estrangeira, deve-se ter em conta que esta seja gênero do

qual a sentenças arbitrais estrangeiras são espécie.

Seria importante ressaltar que a sentença arbitral estrangeira obterá eficácia em nosso país

uma vez que cumpridas as determinações legais. Disso pode-se averiguar que em rigor as sentenças

arbitrais estrangeiras serão homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça, exceto as hipóteses que

coincidirem com as preconizadas pelo art. 38 da lei de arbitragem64.

O procedimento em questão efetuado junto ao Superior Tribunal de Justiça seguirá o

disposto no art. 36 da lei, sendo este o mesmo utilizado para homologação de sentença estrangeira

constante nos arts. 483 e 484 do Código de Processo Civil, devendo interessado na homologação

apresentar os documentos requisitados no art. 37 da lei de arbitragem65.

Por fim, quanto à improcedência do pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira,

sustenta o doutrinador:

A homologação somente será denegada nos casos previstos nos arts. 38 e 39, sendo importante atentar para o disposto no parágrafo único do art. 39, que resolvem problema crucial em matéria de homologação de sentenças estrangeiras em geral. Trata-se da questão da citação do réu, que muitas vezes não é realizada segundo as formas da lei brasileira e, no caso de parte residente no Brasil, não é efetivada através de carta rogatória (de procedimento demorado e extremamente custoso). Fica assim assentado que não pode ser denegada homologação da sentença arbitral estrangeira sob tal alegação. 66

63 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 48. 64 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, 2006, p. 590 – 591. 65 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 48. 66 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 48.

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Do exposto tem-se que a sentença arbitral estrangeira haverá de encontrar sua aplicação pelo

cunho do ordenamento jurídico pátrio, desde que em conformidade com os tramites legais impostos,

promovendo assim a eficácia de tais sentenças em nosso território, o que contribui para que o

instituto da arbitragem, como um todo, continue a ser aplicado em âmbito internacional.

1.5. DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM

O instituto da convenção de arbitragem é o mais relevante de todos para esta pesquisa, tendo

em vista ser o fulcro do caráter negocial e contratual da arbitragem. Por isso, este instituto será

abordado no capitulo III desta monografia, uma vez que o referido capítulo terá por objetivo

demonstrar a natureza jurídica negocial e contratual das figuras que compõem a convenção de

arbitragem.

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CAPÍTULO 2 ASPECTOS ESTRUTURAIS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E CONTRATOS

EM GERAL

2.1 INTRODUÇÃO

Tendo em vista o intuito de demonstrar aspectos de natureza contratual de institutos

atinentes à lei de Arbitragem, precipuamente os elementos caracterizadores da convenção de

arbitragem, mister se faz a exposição do presente capítulo.

Com efeito, para que se discorra acerca da natureza contratual da referida convenção,

conditio sine qua non traduz-se no estudo do âmbito estrutural do contrato. Na mesma ordem de

idéias, para que se teça explanação sobre a estrutura do contrato, deve-se primeiramente fazê-lo

quanto ao negócio jurídico, porquanto este representa gênero daquele.

Não se deve olvidar o fato de que esta monografia tem por escopo abordar os negócios

jurídicos e os contratos sob a luz da doutrina e legislação contemporâneas, motivo pelo qual não se

dará ênfase à evolução dos institutos em tela, o que ensejaria uma pesquisa mais extensa e

aprofundada.

Dessa forma, no que tange ao assunto supra mencionado, buscar-se-á averiguar aspectos

relevantes para uma melhor apreciação da convenção de arbitragem efetuada posteriormente.

2.2 DOS ASPECTOS GERAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO

2.2.1 Conceito

Primeiramente, cumpre elucidar a idéia de que o negócio jurídico, antes de ser assim

delimitado por apresentar determinadas características, como será averiguado, é numa visão mais

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embrionária uma relação jurídica. O autor Fábio Ulhoa Coelho sintetiza o que se deva entender por

relação jurídica nos seguintes termos:

A noção central do conceito de relação jurídica é a alteridade, isto é, a necessária correspondência entre direitos de certos sujeitos aos deveres de outros. A todo direito subjetivo, lembre-se, corresponde um dever. Em razão da alteridade, há sempre pelo menos dois sujeitos envolvidos em qualquer questão jurídica. Ao vínculo que aproxima o titular de um direito subjetivo do dever do devedor da obrigação correspondente chama-se relação jurídica67.

Assim, para conceituar o instituto do negócio jurídico o autor Fábio Ulhoa Coelho aduz que

“se o ato jurídico é praticado com a intenção de gerar conseqüência prevista na norma jurídica (isto

é, produzir certos efeitos) denomina-se negócio jurídico”68.

Consoante exposição de idéias do doutrinador Washington de Barros Monteiro pode ser

definido o negócio jurídico como “[...] uma declaração privada de vontade que visa produzir

determinado efeito jurídico, ou ainda, um ato de vontade fundado em direito, portanto lícito, que

visa adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos”. 69 Com efeito, percebe-se a

semelhança entre o conceito supra e a definição trazida pelo Código Civil de 1916 (Lei 3.071/16),

que assim dispunha:

Art. 81: “Todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir,

modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico”.

Não seria demais enaltecer que diferentemente do Código de 1916, o atual Código Civil não

se prestou a definir o negócio jurídico, mas tão somente a estabelecer seus requisitos de validade,

elementos acidentais, etc.

Assevera Silvio Rodrigues representar o negócio jurídico “[...] uma prerrogativa que

ordenamento jurídico confere ao indivíduo capaz de, por sua vontade, criar relações a que o direito

empresta validade, uma vez que se conforme com a ordem social”. 70

De acordo com explicação de Carlos Roberto Gonçalves o negócio jurídico “[...] deriva de

um ato jurídico, isto é, um acontecimento da vida relevante para o direito, originado pela vontade

humana para produzir determinador efeitos”. 71

Para Maria Helena Diniz o negócio jurídico define-se por ser “[...] o poder de auto-

regulação dos interesses que contém a enunciação de um preceito, independentemente do querer 67 COELHO, FÁBIO ULHOA. Curso de Direito Civil. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 281. 68 COELHO, FÁBIO ULHOA. Curso de Direito Civil. vol. 1, 2006, p. 280. 69 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. Parte Geral, 39ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 70 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. Parte Geral, 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 71 GONÇALVES, CARLOS ROBERTO. Sinopses Jurídicas, Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2007.

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interno”. Explica a autora que o negócio jurídico se funda na autonomia privada das partes

envolvidas e entre as mesmas produz força de lei. Além disso, aduz que os efeitos almejados pelas

partes participantes do negócio jurídico hão de estar em consonância com a ordem jurídico-positiva,

isto é, os interesses das partes estarão adstritos ao que o ordenamento jurídico concebe por legal e

lícito72.

Conforme preleciona Plácido e Silva, negócios jurídicos são aqueles denominados “[...] os

fatos do homem, que se vinculam à existência de um direito, e que podem ter por efeito vir criar

uma nova relação jurídica, ampliar, conservar ou proteger um direito já existente”73.

Pode-se averiguar que nos elementos caracterizadores da convenção de arbitragem também

incidem os mencionados aspectos, uma vez que as partes se vinculam ao juízo arbitral mediante

uma declaração de vontade que irá gerar direitos e obrigações recíprocas entre as mesmas.

2.2.2 Elementos

A doutrina divide os elementos do negócio jurídico em essenciais e acidentais. Os essenciais

concernem ao aspecto estrutural do negócio jurídico, ao passo que os acidentais representam

institutos condicionantes de sua eficácia, como o são a condição e o termo, por exemplo. Intenta-se

aqui colocar em relevo os seus elementos essenciais.

Quanto aos elementos essenciais do negócio jurídico, estes dizem respeito aos requisitos de

existência e validade do mesmo. Segundo Gonçalves os requisitos de existência são a declaração de

vontade, a finalidade negocial e a idoneidade do objeto, sem os quais inexiste o negócio jurídico. 74

No que concerne à declaração de vontade, de fácil percepção que esta corresponda ao

consentimento das partes. Tal aspecto detém tanta importância que se estiver inquinado por vício

poderá acarretar a anulação do negócio, como se propõe a asseverar nesta monografia. Seria

interessante trazer a lição de Serpa Lopes para melhor definir o consentimento, elemento

fundamental dos negócios jurídicos e, consequentemente, dos contratos:

72 DINIZ, MARIA HELENA. Direito Civil Brasileiro. vol. 1, 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 394 – 395. 73 PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. vol. 3, 4ª ed. São Paulo: Forense, 1975, p. 1059. 74 GONÇALVES, CARLOS ROBERTO. Sinopses Jurídicas, Direito Civil. 2007, p. 129.

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O consentimento exige, em primeiro lugar, um lado interno, consistente num ato de vontade deliberado; em segundo lugar, um ato externo, consistente na forma mediante a qual se exterioriza; finalmente, a conformidade dos dois movimentos – a oferta e a aceitação. Um ato de vontade apto a constituir um contrato deve necessariamente conter promessa ou aceitação, conforme se trate, no contrato unilateral, da vontade do promitente ou do aceitante. Se, ao contrário, é um contrato bilateral que se cogita, constará de aceitação, acompanhada de mútua promessa. 75

Arremata o assunto de forma sucinta Coelho, expondo o seguinte:

São três os atributos do negócio jurídico: existência, validade e eficácia. O negócio existe se preenchidos dois pressupostos: a conjugação dos seus elementos essenciais (sujeito de direito, declaração de vontade com intenção de produzir certos efeitos e objeto fisicamente possível de existir) e a juridicidade (descrição pela lei como fato jurídico). Uma vez existente, será válido, se atendidos os requisitos de validade (agente capaz, objeto lícito e determinável, forma legal) e desde que inexistente vício de formação (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores). Existente, válido ou inválido, o negócio jurídico será eficaz quando os efeitos pretendidos pelo sujeito ou sujeitos declarantes se realizarem espontaneamente ou com a intervenção do Poder Judiciário76.

Não seria inoportuno aduzir ser da própria natureza ou escopo do negócio jurídico sua

finalidade negocial, expressa pela manifestação da vontade das partes envolvidas (princípio da

autonomia da vontade) e uma vez que é expressa, cria um vínculo obrigacional (princípio da

obrigatoriedade dos contratos). Este preceito encontra respaldo na mui conhecida máxima latina,

segundo a qual os pactos devem ser observados (pacta sunt servanda).

Para que o negócio jurídico seja válido deve atender aos requisitos do art. 104 do Código

Civil, que assim dispões:

Art. 104: “A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível,

determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei”.

Em se tratando de pessoa física a incapacidade cessa, em regra, quando a pessoa atinge a

maioridade. As restrições impostas pela lei também se encontram no Código Civil, no art. 2 e

seguintes. Outrossim, se o contratante possui dezoito anos e não se encaixa no que preconizam os

referidos artigos do Código referentes a incapacidade absoluta ou relativa, terá capacidade jurídica

para exprimir sua vontade. Coelho reforça o assunto aduzindo o seguinte:

75 SERPA LOPES, MIGUEL MARIA. Curso de Direito Civil. vol. 3. Rio de Janeiro: editora jurídica Freitas Bastos, 1966. 76 COELHO, FÁBIO ULHOA, Curso de Direito Civil. vol. 1. 2006, p.285.

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O negócio jurídico praticado pela pessoa física incapaz é valido obedecida a respectiva regra de capacidade. Isto é, o absolutamente incapaz deve fazer a declaração de vontade através de seu representante; o relativamente incapaz de fazê-la devidamente assistido. Desatendidas essas regras, o negócio será, no primeiro caso, nulo e, no segundo, anulável77.

Já no que tange à capacidade de pessoa jurídica, cabe transcrever o que leciona Venosa:

As pessoas jurídicas terão capacidade de goza de acorda com a destinação para a qual foram criadas, pois não podem agir em desacordo com suas finalidades estatutárias. Por isso, diz-se que no tocante à capacidade de gozo sofrem as pessoas jurídicas restrições de duas ordens: as comuns à generalidade das pessoas coletivas (não podem praticar atos de direito de família, por exemplo) e as especiais, próprias para certas classes de pessoas jurídicas e de acordo com suas finalidades78.

Ainda tratando do que preconiza o art. 104 do Código Civil, no que concerne à capacidade

do agente, alude a doutrina que “tal capacidade deve ser aferida no momento do ato. A capacidade

superveniente à pratica do ato não é suficiente para sanar a nulidade. Por outro lado, a incapacidade

que sobrevém ao ato não o inquina, não o vicia”79.

O citado autor traz à tona, ainda, relevante distinção entre capacidade e legitimação, sendo

esta a “que não se trata de incapacidade genérica para os atos da vida negocial, mas de aptidão

específica para a prática de determinados atos [...]”80. Dessa forma, trazendo a discussão para o

campo da convenção de arbitragem, poder-se-ía aduzir que a parte legítima a promover a

instauração do procedimento arbitral seria a parte a qual firmou a convenção, tratando-se de questão

atinente à legitimação para tanto, e não de capacidade para tal ato.

O objeto lícito, por sua vez, seria aquele que não destoe da lei, da moral e dos bons

costumes. Por conseguinte, não seria plausível a tentativa de submeter à apreciação de um árbitro

um conflito de interesses cujo cerne seja um contrato de transporte de substância ilegal, por

exemplo. No mesmo sentido e com mais propriedade as palavras de Coelho:

A validade do negócio jurídico pressupõe objeto lícito. Não são válidos, assim, os negócios em que uma parte (ou as duas), para que se alcancem os objetivos predispostos, deva praticar ato sancionado por norma jurídica. O objeto do negócio jurídico válido não pode ser, por outro lado, impossível ou indeterminável81.

77 COELHO, FÁBIO ULHOA. Curso de Direito Civil. vol. 1, 2006, p. 323. 78 VENOSA, SÍLVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 379. 79 VENOSA, SÍLVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 1, 2006, p. 379. 80 VENOSA, SÍLVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 1, 2006, p. 381. 81 COELHO, FÁBIO ULHOA. Curso de Direito Civil. vol. 1. 2006, p. 325.

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No que concerne à forma dos negócios jurídicos em geral, possuem, em regra, forma livre,

do que se conclui não dependerem de exigências específicas. Entretanto, há negócios em que a lei

exige forma específica, impondo solenidade aos mesmos para que surtam eficácia82.

Quanto à forma, tendo em vista que a convenção de arbitragem se assemelha a um contrato,

como se busca demonstrar nesta monografia, à rigor possuiria forma livre, o que representa a regra

geral entre os contratos. Todavia a convenção de arbitragem comporta exceção, como por exemplo,

prevê a lei de arbitragem no tocante à cláusula compromissória nos contratos de adesão, a qual deve

estar evidenciada em negrito ou em instrumento à parte e deve conter assinatura do contratante

especificamente quanto à referida cláusula.

Buscou claramente o legislador assegurar que não se utilize de fraudes ou expedientes

ardilosos para que o contratante expresse consentimento pela realização do procedimento arbitral e

assim abdique de seu direito público subjetivo de ação. Deve-se levar em conta que a cláusula

compromissória será registrada necessariamente por escrito, pertencendo ao corpo do contrato

principal ou em instrumento separado (art. 4, LA).

Quanto ao compromisso arbitral, este deve ser lavrado em consonância com o que determina

a Lei 9.307, no art. 10.

2.2.3 Classificação dos Negócios Jurídicos

Para que se melhor compreenda a estrutura do negócio jurídico seria importante tecer um

breve estudo no que tange à sua respectiva classificação. Como se percebe pela produção

doutrinária diversos são os critérios utilizados para classificar os negócios jurídicos, assim sendo,

serão trazidos ao presente tópico apenas os mais enfatizados pelos estudiosos do assunto, haja vista

para o fato de que esta pesquisa há de ser objetiva e sintetizada, bem como há de atender a um

limite de extensão.

82 COELHO, FÁBIO ULHOA. Curso de Direito Civil. vol. 1, 2006, p. 327.

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2.2.3.1 Unilaterais e bilaterais

Com relação à quantidade de declarações de vontade necessária para que determinado ato

jurídico produza os efeitos para o que se destina, tornando-se assim negócio jurídico, estes se

dividem em negócios unilaterais e bilaterais.

Nos negócios em que basta uma única manifestação de vontade para que o ato produza seus

efeitos, diz-se unilaterais, a exemplo do que ocorre no testamento. Esta espécie de negócio pode

ainda ser dividida em negócios receptícios e não receptícios. Naqueles há a necessidade de que a

vontade seja dirigida e conhecida por outra pessoa, pessoa esta cuja vontade não há de ser

manifestada, consoante o que ocorre em revogação de mandato, comunicação do término de uma

relação contratual ou dispensa de empregado; já no que diz respeito aos negócios não receptícios, o

conhecimento por parte de outrem da vontade manifestada por seu emissor é irrelevante, a exemplo

do que ocorre no testamento e em caso de confissão de dívida83.

No que diz respeito aos negócios bilaterais, tem-se que estes dependam da manifestação de

duas vontades para que se produzam seus efeitos. Traz-se como exemplo um contrato de compra e

venda ou a instituição do casamento, negócios jurídicos em que a manifestação de duas vontades é

imprescindível84.

No caso da convenção de arbitragem há que se reiterar o caráter bilateral das respectivas

manifestações de vontade, tendo em vista que ambas as partes deverão consentir expressamente

sobre o negócio firmado, seja este o compromisso, seja a cláusula compromissória.

2.2.3.2 Patrimoniais e extrapatrimoniais

Basicamente este critério se relaciona ao fato de o objeto do negócio ter cunho patrimonial

(testamento, contratos), ou ter cunho de relação pessoal (questão de direito de família). Coelho

explana o assunto da seguinte forma:

83 VENOSA, SÍLVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 1. 2006, p. 342. 84 VENOSA, SÍLVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 1, 2006, p. 343.

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Os negócios jurídicos patrimoniais têm por objeto bens, isto é, coisas suscetíveis de estimação pecuniária. Os contratos, testamentos, concessão de hipoteca são negócios jurídicos patrimoniais. Já os extrapatrimoniais têm o objeto diverso de bens, como, por exemplo, coisas não precificáveis, estado civil, formação de vínculo de parentesco etc85.

Do exposto, constata-se que nem sempre os negócios jurídicos apresentam cunho

patrimonial, diferentemente do que ocorre nos contratos, uma vez que substancial parte da doutrina

defende como elemento essencial do contrato o seu conteúdo patrimonial, o que será oportunamente

averiguado ao se tratar do âmbito conceitual do contrato.

2.2.3.4 Onerosos e gratuitos

No tocante ao objeto do negócio jurídico tem-se que este seja a título gratuito quando

patrimônio de uma das partes é transferido para o patrimônio de outra, independentemente de uma

contraprestação. Já nos negócios jurídicos a título oneroso a referida transferência de patrimônio se

dá correspondentemente a uma contrapartida por parte do credor86.

Não seria demais transcrever lição de Venosa, segundo o qual os negócios onerosos

possuem, ainda, uma outra divisão, observada a seguir:

Os negócios jurídicos onerosos podem ser, ainda, comutativos, quando as prestações são equivalentes, certas e determinadas, e aleatórios, quando a prestação de uma das partes depende de acontecimentos incertos e inesperados; a álea, a sorte, é elemento do negócio, como é o caso do contrato de seguro87.

São exemplos de negócio oneroso o contrato de compra e venda e o contrato de locação.

Como exemplo de negócio gratuito pode-se mencionar o contrato de doação, concebido este como

perfeito sem que haja uma contraprestação imposta à parte beneficiada.

85 COELHO, FÁBIO ULHOA. Curso de Direito Civil. vol. 1. 2006, p. 287 – 288. 86 COELHO, FÁBIO ULHOA. Curso de Direito Civil. vol. 1, 2006, p. 288. 87 VENOSA, SÍLVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 1. 2006, p. 344.

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2.2.3.5 Formais e não formais

Quanto à forma a qual reveste os negócios jurídicos, sustenta-se que aqueles em que for

exigida forma especial, o que denomina os negócios de solenes, esta deverá ser respeitada sob pena

de acarretar a invalidade do respectivo negócio. Caso não haja forma específica exigida, esta será

livre, “[...] prevalecendo a regra geral do art. 107 do atual Código, o qual dispõe que “a validade da

declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a

exigir”88.

No que tange mais especificamente à convenção de arbitragem, aduz-se que esta impinja

solenidade às partes interessadas, posto que o compromisso apresente requisitos específicos e que a

cláusula compromissória, quando inserta em contratos de adesão, requer expresso consentimento do

aderente, o que se traduz em maior formalidade imposta ao respectivo negócio jurídico.

2.2.4 Dos defeitos do negócio jurídico

Os defeitos do negócio jurídico são divididos em dois grupos: vícios do consentimento (erro,

dolo, coação, estado de perigo, lesão) e vícios sociais (fraude contra credores, simulação).

Maculam a validade do negócio jurídico que, muito embora apresente todos os elementos

existenciais, poderá ter seus efeitos anulados por decorrência de decisão judicial. Nos vícios do

consentimento o ato praticado torna-se anulável, cessando seus efeitos a partir da sentença prolatada

(efeito ex nunc). Nos vícios sociais o ato praticado torna-se nulo, retroagindo a nulidade dos atos

praticados até a data correspondente ao início dos efeitos gerados por ocasião do respectivo vício

(efeito ex tunc). Em outras palavras, em se tratando de caso de nulidade, uma vez decretada retroage

ao tempo em que o ato maculado fora praticado.

Cumpre enaltecer que assim como nos negócios jurídicos em geral, suscetíveis de anulação

por vícios ou defeitos, o mesmo sucederá com a convenção de arbitragem, seja o compromisso, seja

a cláusula compromissória.

88 VENOSA, SÍLVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 1, 2006, p. 345.

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51

Nos seguintes tópicos, serão tratados os vícios do erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão

e fraude contra credores, pois são aqueles suscetíveis de incidência na convenção de arbitragem,

segundo a seguinte doutrina:

Pode ser anulado o compromisso quando for firmado por agente incapaz relativamente, e por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores89.

Com isso intenta-se desde já aduzir a correlação que a convenção de arbitragem tenha com a

estrutura de um negócio jurídico, podendo a parte a qual firmou a convenção buscar fulminar de

nulidade a mesma, uma vez que reste provada a existência de vício que a macule, da mesma forma

que ocorreria com os negócios jurídicos em geral.

2.2.4.1 Erro

O erro pode ser definido como uma idéia falsa da realidade. Para que se caracterize é

necessário que seja substancial, escusável e real.

Deve ser substancial no sentido de concernir à essência do negócio praticado. Em outras

palavras, o suposto equívoco tem de acometer aspecto de grande relevância para a consecução da

finalidade negocial.

O erro deve ser escusável do ponto de vista que não poderia ser constatado de pronto pelo

contratante, levando-se em conta a diligência mediana do ser humano.

Erro real deve ser considerado como aquele que traz efetivo prejuízo à parte que se sente

lesionada.

Imagine-se como exemplo uma compra e venda de um veículo que esteja com problemas de

transmissão e que por conseqüência não se possa engatar a quarta e a quinta marcha. Constata-se

facilmente a incidência dos três aspectos supra mencionados, pois a troca de marchas é qualidade

essencial do veículo do ponto de vista de seu normal funcionamento, para perceber tal avaria o

comprador teria de fazer um teste anteriormente à aquisição, o que nem sempre ocorre nas práticas

89 DELGADO, JOSÉ AUGUSTO. Comentários ao Novo Código Civil. vol. XI, tomo 2, Rio de Janeiro: Forense 2004, p. 362.

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de comércio, e, por fim, haveria efetivo prejuízo ao comprador pelo fato de que seu carro avançaria

tão somente à terceira marcha.

Seria de bom alvitre registrar o que instrui a seguinte doutrina, no que diz respeito ao erro

com relação à pessoa, defeito este para o qual o ordenamento jurídico confere a possibilidade de

anulação, se a manifestação de vontade tiver por motivo determinada pessoa, de forma que a

identidade desta corresponda a uma qualidade essencial do negócio:

O erro, incidindo sobre a pessoa com que se teve intenção de tratar, só é causa de anulabilidade do ato quando a consideração da mesma pessoa foi a causa determinante, a mola propulsora do negócio jurídico, quer quanto a sua identidade, quer quanto a qualidade essencial de que seja portadora90.

Feita essa consideração, é possível ponderar que o erro possa ser causa de anulabilidade de

uma convenção de arbitragem. Imagine-se, por exemplo, uma convenção arbitral na qual as partes

estabeleçam determinada pessoa a qual haveria de funcionar como o árbitro da disputa processual:

em adição, conjecture-se que, no momento em que se torne oportuno instaurar o procedimento

arbitral, uma das partes venha a deparar-se com o fato de que o árbitro provocado a manifestar o seu

“aceite” quanto ao procedimento não seja a pessoa que se tinha a intenção de incluir na convenção,

mas outra pessoa, de mesmo nome. Acredita-se que isso corresponda ao erro quanto a pessoa ora

abordado. Pode-se, ainda, conjecturar que a pessoa indicada na convenção para ser árbitro seja

aquela com relação a qual as partes teriam a intenção de contratar, todavia sucede-se que o suposto

árbitro fora condenado por conduta ilícita qualquer. Neste caso, tem-se que idoneidade do suposto

árbitro esteja em cheque, o que se pode traduzir em erro quanto a pessoa, uma vez que a idoneidade

seja elemento fundamental para que se deposite confiança em um julgador.

2.2.4.2 Dolo

Ocorre o dolo quando alguém maliciosamente induz outro à prática de um ato que lhe é

prejudicial, entretanto que acarreta algum benefício ao autor do dolo. Pode ser considerado como

um erro provocado.

90 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p.222.

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Em outros termos, define-se o vício do dolo como “[...] o emprego de um artifício ou

expediente astucioso para induzir alguém à prática de um ato que o prejudica e aproveita ao autor

do dolo ou a terceiro”91.

Poderia ocorrer o dolo se, por exemplo, por atitude astuciosa e leviana, uma das partes

ludibriasse a outra, no sentido de assinar a cláusula compromissória sem perceber seu conteúdo,

pensando assim, estar apenas rubricando o contrato principal por mera formalidade. Note-se que

neste exemplo o art. 4 da Lei 9.307 restaria respeitado, posto que teria sido rubricada a cláusula

compromissória. Evidentemente, tal situação ficta tornar-se-ia objeto de lide, pois a parte autora

alegaria o dolo e a parte ré argüiria a literalidade do contrato e respectiva assinatura no que tange à

referida cláusula, asseverando ter a parte autora diligência suficiente para ter ciência do que fora

assinado. Enfim, a ilustrada questão dependeria de prova do autor, demonstrando justamente o vício

do dolo, o qual restaria evidente se decorresse de alguma fraude, como uma página forjada no

contrato ou uma assinatura falsificada. De qualquer modo, cumpre aduzir que para que o autor do

suposto dolo obtivesse alguma vantagem indevida com a adesão da outra parte à cláusula

compromissória, mancomunado com aquele deveria estar o árbitro, o que geraria irregularidades de

uma outra ordem, da qual também cuida a lei de arbitragem.

Do exposto, forçoso admitir que em se tratando deste vício do consentimento, dificilmente

ocorreria no ato de adesão quanto à convenção de arbitragem, porém sendo visível nos negócios

jurídicos e contratos em geral, cujo objeto principal em nada diz respeito com a forma a serem

dirimidos conflitos oriundos do tal contrato ou negócio.

2.2.4.3 Coação

Ocorre a coação quando alguém força outro por meio de violência ou grave ameaça a

praticar um ato ou um negócio. Conforme preleciona Washington de Barros Monteiro a coação “é o

vício mais profundo que possa afetar o negócio jurídico, uma vez que seu impacto o atinge na

própria base, a vontade livre do agente”. O autor define a coação como sendo a pressão física ou

moral exercida sobre alguém para induzi-lo à prática de um ato. 92

91 BEVILÁQUA apud DINIZ, Direito Civil Brasileiro. vol. 1. 2004, p. 416 – 417. 92 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 1, 2003, p. 237.

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No que tange às espécies de coação, o citado autor a divide em coação física (vis absoluta) e

em coação moral (vis compulsiva). Na primeira, entrega-se o exemplo da pessoa que tem sua mão

forçada a rubricar determinado documento. Na segunda, ilustre-se com o exemplo de pessoa que

assina determinado documento, pois que outra aponta-lhe arma de fogo e assim a obriga.

O Código Civil de 2002 trata deste vício do consentimento da seguinte forma:

Art. 151: “A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente

fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens”.

Com efeito, assevera-se pelo corpo do texto legal que para que a coação seja considerada

vício do consentimento, esta há de ser causa determinante do ato; há de incutir ao paciente temor

justificado; há de causar dano iminente; tal dano deve ser considerável e deve dizer respeito à

pessoa do paciente, à sua família ou a seus bens.

Com o intuito de correlacionar o vício da coação com a convenção de arbitragem, ilustre-se

uma situação na qual a parte aderente em um contrato o assine e rubrique a cláusula

compromissória, sobejando assim o ato em conformidade com o que a lei impõe quanto a forma

desta espécie de negócio jurídico. Entretanto, cogite-se que a referida parte aderente tenha praticado

tal ato porque se não o fizesse a parte coatora, ou terceiro, teria desferido tiro com a arma de fogo a

qual estaria apontada contra sua cabeça no momento em que se realizava o negócio jurídico. Ou,

ainda, vislumbre-se que a parte coagida tenha assinado o contrato porque caso contrário pessoa de

sua família seria morta, enfatizando-se que o agente coator tivesse mostrado fotos da vítima em

cativeiro. Enfim, avulta claro o vício da coação, restando maculado de nulidade a convenção de

arbitragem. No caso proposto, a cláusula compromissória jamais poderia surtir os efeitos a que se

destina.

2.2.4.4 Estado de perigo

Configura-se o estado de perigo quando alguém, por necessidade de salvar-se ou de salvar

alguém de sua família, assume obrigação demasiadamente onerosa. O Código Civil assim dispõe

sobre o tema:

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Art. 156: “Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias”.

Washington de Barros Monteiro ilustra este defeito dos negócios jurídicos com o exemplo

de pessoa que para arcar com despesas de inadiável tratamento médico de que necessita seu filho,

dá em pagamento ao médico o imóvel em que reside a família, de valor muito superior ao dos

serviços médicos. 93

Poder-se-ia acrescentar exemplo corriqueiramente mencionado em disciplina desta

Universidade, consistindo determinado negócio jurídico em situação na qual haja uma inundação e

a pessoa que esteja em vias de se afogar firme um contrato qualquer com outra pessoa que esteja na

posse de um barco. Desta feita, premido da necessidade de salvar sua vida ameaçada por risco

iminente, um indivíduo assume obrigação jurídica demasiadamente excessiva ou onerosa, para o

que a lei empresta a prerrogativa de ter-se o referido ato negocial anulado por decisão do Poder

Judiciário.

Com efeito, da mesma forma que um contrato de doação celebrado ante as circunstâncias

acima simuladas poderia ser anulado pelo vício ora dissertado, a convenção de arbitragem também

haveria de ser, tendo em vista que tanto o objeto do contrato principal quanto o objeto da cláusula

ou do compromisso, remanescem eivados pelo vício do consentimento.

2.2.4.5 Lesão

Ocorre a lesão quando uma parte no negócio resta desproporcionalmente obrigada,

porquanto ao tempo da celebração do negócio era movida por necessidade ou porque a parte

beneficiada abusou de sua inexperiência. Nos termos do Código Civil, a definição de lesão é a

seguinte:

Art. 157: “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por

inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”.

93 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 1, 2003, p. 245.

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Washington de Barros Monteiro ao tratar do tema constata inovação trazida pelo Código

Civil de 2002, tecendo as seguintes considerações esclarecedoras acerca do instituto em tela:

O Código de 1916 não previu esse tipo de defeito do negócio jurídico, que tem efetivamente características diferentes dos demais, porque a vontade emitida coincide com a vontade íntima do declarante. As circunstâncias que o cercam, porém, é que fogem à normalidade, pois está ele premido pela necessidade ou não tem experiência, naquele tipo de negócio ou em geral, de modo que o negócio jurídico que vem a ser concluído apresenta desproporção exagerada entre as prestações assumidas. A essa inexperiência, ou estado de necessidade, alia-se o conhecimento da parte que disso se beneficia, embora não haja induzimento da vítima à celebração do negócio. Nessa situação, contudo, é inegável que haverá locupletamento ilícito da parte, o que não pode ser tolerado94.

Destarte, corrobora-se uma distinção um tanto tênue entre o estado de necessidade e a lesão,

restando de fundamental relevância que se demonstre a disparidade de forças entre as partes

envolvidas no negócio jurídico que se busca invalidar.

2.2.4.6 Fraude contra credores

Este vício social é tratado pelo Código Civil nos artigos 158 a 165. Conceitue-se este vício

transcrevendo as palavras de Maria Helena Diniz:

A fraude contra credores constitui a prática maliciosa, pelo devedor, de atos que desfalcam seu patrimônio, com o fim de colocá-lo a salvo de uma execução por dívidas em detrimento dos direitos creditórios alheios. Dois são seus elementos: o objetivo (eventus dammi), que é todo ato prejudicial ao credor, por tornar o devedor insolvente ou por ter sido realizado em estado de insolvência, ainda quando o ignore, ou ante o fato de a garantia tornar-se insuficiente; e o subjetivo (consilium fraudis), que é a má-fé, a intenção de prejudicar do devedor ou do devedor aliado a terceiro, ilidindo os efeitos da cobrança95.

Denota-se não ser de fácil constatação a incidência de vícios como este na convenção de

arbitragem, tendo em vista que comumente as partes que à arbitragem recorrem o fazem com o

intuito de se verem resolvidas suas pendência de forma célere e menos burocratizada. Todavia,

apenas para que se ilustre o acometimento do vício da fraude contra credores com relação à

convenção de arbitragem, basta imaginar-se uma situação em que exista um determinado negócio

jurídico (o qual verse sobre bem patrimonial disponível) e que tal negócio tenha sido efetuado por

94 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 1, 2003, p. 246. 95 DINIZ, MARIA HELENA. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 158.

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uma das partes almejando desfazer-se de seu patrimônio para que este não seja eventualmente

penhorado em virtude de dívida pendente. O que ocorreria no caso em tela, seria o fato de que o

credor, alheio à relação jurídica pactuada em razão da convenção de arbitragem, haveria de buscar a

nulidade do suposto negócio jurídico para se ver garantido no que diz respeito ao adimplemento da

dívida que lhe toca, contudo a via processual para tanto restaria no próprio procedimento arbitral,

uma vez que o árbitro escolhido seria a autoridade competente para decidir não apenas acerca da

convenção em si, mas também no que tange ao negócio jurídico principal. Fundamento para esta

afirmação jaz no princípio da autonomia da cláusula compromissória, o que será devidamente

corroborado por ocasião do terceiro capítulo desta monografia.

2.3 DOS ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO

2.3.1 Conceito

O contrato é um negócio jurídico bilateral, o qual necessita da manifestação de vontade das

partes envolvidas para que se produzam os efeitos almejados. Enquanto o negócio jurídico é gênero,

o contrato é espécie. No âmbito do direito obrigacional, o contrato é considerado fonte de

obrigação. Pode-se aduzir ser o contrato um acordo bilateral de vontades, sendo por vezes

sinalagmático, conquanto gere direitos e deveres recíprocos entre as partes, tendo por finalidade a

mesma do negócio jurídico, qual seja adquirir, transferir, modificar, extinguir direitos.

Em harmonia com o que se tenha aqui declarado anteriormente, o objeto de pesquisa desta

monografia está adstrito ao ordenamento jurídico pátrio, muito embora seja sabido que a origem de

nosso direito, por vezes, seja alienígena. No entanto, no que concerne à conceituação de contrato,

mister se faz um breve esboço a respeito do que se tem por fundamento quando se depara com o

intuito em definir o termo contrato, consoante a legislação brasileira.

Com efeito, não há em nosso Código Civil um artigo destinado a definir o instituto do

contrato. Conforme se verificou anteriormente neste capítulo, o art. 81 do Código de 1916 se propôs

a definir o negócio jurídico, gênero de contrato. Demais disso, há que se reconhecer que nosso

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Código Civil promova um rol de contratos nominados e permita se firmem outros desde que em

conformidade com os requisitos de existência e validade aplicáveis aos negócios jurídicos em geral.

Conforme preleciona Serpa Lopes, em duas correntes de pensamento se encontra respaldo

para a noção de contrato. Sucintamente asseverando, tem-se que para uma há a distinção entre

convenção e contrato, sendo este destinado a criar obrigações jurídicas e aquela destinada a regular

relações jurídicas cujo escopo seja a resolução de um outra resolução jurídica; enquanto que para

uma segunda corrente não há que se fazer qualquer distinção entre contrato e convenção, a exemplo

do que ocorre no Brasil. Aduz o autor que ilustra a perspectiva segundo a qual há que se fazer

distinção entre convenção e contrato o artigo 1.101 do Código Civil francês e como sustentáculo

para o entendimento de que não há que se fazer tal distinção o art. 1.321 do Código Civil italiano96.

De qualquer forma, a distinção comentada não teria efeito prático em nosso sistema jurídico,

uma vez que o mesmo não a reconhece.

Segundo Gagliano e Pamplona Filho, o contrato é o instituto de direito civil de maior

projeção, do que se torna forçoso admitir ser tarefa difícil conceituá-lo, o que os autores efetuam

nos seguintes termos:

[...] um negócio jurídico bilateral, por meio do qual as partes, visando a atingir determinados interesses patrimoniais, convergem as suas vontades, criando um dever jurídico principal (de dar, fazer ou não fazer), e, bem assim, deveres jurídicos anexos, decorrentes da boa-fé objetiva e do superior princípio da função social97.

Pode-se perceber da definição transcrita a idéia de que, muito embora o sistema jurídico

pátrio adote a teoria voluntarista, pela qual se concebe ser a manifestação de vontade o núcleo dos

negócios jurídicos em geral, e, ainda que nosso ordenamento jurídico privilegie o princípio da

autonomia da vontade, há que se salientar, como o fizeram os doutrinadores citados, o fato de que a

liberdade de contratar e de fazer surgir efeitos jurídicos deva existir em consonância com postulados

de ordem social, ao quais, por seu turno, transcendem o âmbito individual das relações contratuais.

O autor Plácido e Silva traz importante lição sobre o tema ora exposto, conceituando o

contrato com base nos seguintes aspectos:

96 SERPA LOPES, MIGUEL MARIA. Curso de Direito Civil. vol. 3. 1996, p.28 – 30. 97 GAGLIANO, PABLO STOLZE; FILHO, RODOLFO PAMPLONA. Novo Curso de Direito Civil. tomo 1. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 14.

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Derivado do latim contractus, de contrahere, possui o sentido de ajuste, convenção, pacto, transação. Expressa assim a idéia do ajuste, da convenção, do pacto ou da transação firmada ou acordada entre duas ou mais pessoas para um fim qualquer, ou seja, adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos. O contrato, pois, ocorre quando as partes contratantes, reciprocamente, ou uma delas assume a obrigação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa. Em razão disso, fundamentalmente, o concurso de vontades das partes contratantes (consentimento) mostra-se elemento de valia para sua feitura98.

Conforme explicação de Ruggiero observa-se a forma como o elemento “vontade de

contratar” é determinante para a formação do contrato, adicionando-se a isso a argumentação de que

a terminologia empregada para designá-lo passa a ficar relegada a um segundo plano, o que se

verifica a seguir:

Tudo se mudou profundamente no direito moderno. Uma vez que qualquer acordo destinado a criar uma relação jurídica é produtivo de efeitos e gera ação, salvo os casos excepcionais em que a causa o proíbe ou se prescreva uma determinada forma sob pena de nulidade, qualquer distinção entre simples convenção e contato desapareceu. Sobre a forma ou sobre a causa que constitui o elemento objetivo prevalece o elemento subjetivo, isto é, o encontro das duas vontades, o mútuo consenso; para que se crie um vínculo contratual entre duas ou mais pessoas basta que as vontades se tenham encontrado, basta que haja o consenso, desde que (compreende-se) seja justificado pela existência de um fim lícito e protegido. Assim a convenção, isto é, o acordo das vontades, torna-se sinônimo de contrato e o próprio contrato identifica-se com o consenso: qualquer acordo sobre um objeto de interesse jurídico torna-se contrato e é desde logo protegido pelo ordenamento jurídico, seja qual for o nome ou a natureza da ação pela qual se concretiza a tutela, e isto porque a vontade das partes, seja qual for a forma por que foi manifestada, é só por si suficiente para criar o vínculo. O contrato, na parte em que designa o encontro de duas ou mais vontades e se destina a fundar uma relação jurídica, confunde-se cada vez mais com o negócio jurídico bilateral99.

No mesmo sentido posiciona-se Plácido e Silva, como se observa a seguir:

Geralmente se emprega o vocábulo no mesmo sentido de convenção. Embora pareça existir diferença entre ambos, na verdade são sinônimos: o contrato surge da convenção, a convenção se firma no contrato. E ambos têm o preciso sentido de acordo, ajuste formado entre duas ou mais pessoas100.

Pode-se reiterar, portanto, que contrato é uma espécie de negócio jurídico bilateral o qual é

fonte de obrigação e vincula as partes que o firmam101.

98 PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. vol. 3, 1975, p. 430. 99 RUGGIERO, ROBERTO. Instituições de Direito Civil. vol. 3. Campinas: Bookseller, 1999, p.299. 100 PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. vol. 1, 1975, p. 430. 101 GONÇALVES, CARLOS ROBERTO, Direito Civil Brasileiro. vol. 3, São Paulo: Saraiva, 2006, p.2.

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2.3.2 Princípios

Princípio é norma jurídica cujo escopo seja orientar as demais normas sistematicamente

organizadas pelo ordenamento jurídico. Desta feita enaltece-se seu caráter preponderantemente

filosófico e teleológico. Não se quer com isso aduzir que os princípios não coadunem ou contenham

conteúdo de ordem dogmática, mas apenas que por sua finalidade norteadora e incidência por vezes

abstrata, representa mais uma norma de hermenêutica do que um comando normativo.

Diversos são os princípios aplicáveis aos negócios jurídicos, por conseguinte também o são

os atinentes aos contratos. Em razão disso, bem como do objetivo específico desta pesquisa

acadêmica, serão objeto de análise tão somente os princípios de maior ênfase para o que concerne

com o aspecto estrutural do contrato.

O Código Civil trata, nos artigos 421 e 422, dos princípios da função social do contrato e do

princípio da probidade e da boa-fé, respectivamente.

Todavia, consoante lição de Silvio Rodrigues três são os princípios básicos que constituem o

alicerce da teoria contratual, sendo estes o princípio da autonomia da vontade, o princípio da

relatividade das convenções e o princípio da obrigatoriedade das convenções ou da força vinculante

do contrato. 102

Assevera o citado mestre que o princípio da autonomia da vontade consiste na prerrogativa

conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que se submetam às regras

impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral ou não o contradigam. Ademais,

preleciona que este princípio se desdobra em dois outros, quais sejam o princípio de contratar ou

não contratar e o princípio da liberdade de contratar aquilo que se bem entender.

Portanto, corrobora-se a liberdade de se convencionar pelo instrumento do contrato a

produção de quaisquer efeitos jurídicos desejados, respeitada a ordem pública (jus publicum

privatorum pactis derrogare non potest) sendo esta entendida como as normas cogentes e as normas

que zelem pela moral e pelos bons costumes103.

No mesmo sentido preleciona Serpa Lopes, ao sustentar que o princípio da autonomia da

vontade concebido filosoficamente, se estriba na concepção predominantemente liberalista

inspirada na mui conhecida expressão “laissez faire, laissez passer”, da qual se extrai a idéia de que

102 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2006. 103 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. vol. 3, 2006, p. 16 – 17.

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o indivíduo é o melhor conhecedor e defensor de seus próprios interesses, motivo pelo qual há que

se reconhecer e respeitar os efeitos decorrentes de sua intenção manifesta104.

Reitera, ainda, Serpa Lopes, proposições decorrentes do princípio da autonomia da vontade,

proposições essas para as quais vale dirigir a atenção, dessa forma transcreve-se a explanação do

respeitado autor:

O princípio resume-se nessas duas proposições essenciais: toda obrigação para ser sancionada pelo direito, deve ser livremente consentida; mas, ao revés, toda obrigação, a partir do momento em que for livremente assumida, deve ser sancionada pelo direito. Os postulados que decorrem dessas proposições podem ser assim determinados: 1) os indivíduos são livres de contratar ou de não contratar; 2) nulo é o contrato em não havendo um consentimento livre; 3) o conteúdo do contrato pertence livremente à determinação das partes contratantes; 4) no caso de conflito interespacial de leis, os contratantes são livres de eleger a lei aplicável a lei aplicável às suas relações contratuais; 5) concluído o contrato é ele inatingível, a menos que as próprias partes contratantes o rescindam voluntariamente; 6) o contrato concluído livremente incorpora-se ao ordenamento jurídico, tendo o contratante o direito de pedir a intervenção do Estado para a execução da obrigação não cumprida; 7) o juiz, ao aplicar o contrato, é obrigado a se ater à intenção comum das partes contratantes105.

Pelo princípio da relatividade das convenções extrai-se que “pelo fato de o vínculo

contratual emanar da vontade das partes, os efeitos do mesmo não aproveitarão nem prejudicarão

terceiros, ficando assim adstritos às partes contratantes”106.

Concebe-se o princípio da relatividade dos contratos sob uma outra perspectiva consoante

lição de Carlos Roberto Gonçalves, a qual se transcreve:

Não resta dúvida de que o princípio da relatividade dos efeitos do contrato, muito embora ainda subsista, foi bastante atenuado pelo reconhecimento de que cláusulas gerais, por conterem normas de ordem pública, não se destinam a proteger unicamente os direitos individuais das partes, mas tutelar o interesse da coletividade, que deve prevalecer quando em conflito com aqueles107.

Por fim, segundo o princípio da força vinculante dos contratos, vem à tona a idéia de que

uma vez firmado o contrato e em obediência aos requisitos legais, ficam as partes ligadas ao mesmo

até que se cumpra o estabelecido em seu conteúdo, incidindo assim uma espécie de norma legal

privada inter partes, uma vez que o inadimplemento contratual enseja recurso ao poder coercitivo

do Estado para, inclusive, executar o patrimônio do devedor. Corrobora-se em evidência a vigência

do antigo princípio segundo o qual os pactos devem ser observados (pacta sunt servanda).

104 SERPA LOPES, MIGUEL MARIA. Curso de Direito Civil. 1966, p. 34. 105 SERPA LOPES, MIGUEL MARIA. Curso de Direito Civil. 1966, p. 33 – 34. 106 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. vol. 3, 2006, p. 17. 107 GONÇALVES, CARLOS ROBERTO, Direito Civil Brasileiro. vol. 3, São Paulo: Saraiva, 2006, p.27.

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Ressalva-se, contudo, haver exceção ao princípio da força vinculante dos contratos, qual seja a

extinção do contrato por motivo de força maior ou caso fortuito108.

Na mesma ordem de idéias posiciona-se Serpa Lopes, cujos ensinamentos são registrados da

seguinte maneira:

Equiparou-se o contrato à lei, quanto à sua força obrigatória. E efetivamente entre contrato e lei observam-se certos pontos de perfeita correspondência, exceto na extensão de sua eficácia, pois, enquanto a lei é uma ordem geral, destinada a uma coletividade, o contrato tem efeitos limitados às próprias partes contratantes. Dessa equiparação do contrato à lei, nasceu o princípio: pacta sunt servanda. Mas a obediência irrestrita ao que se pactuou, não pode converter-se numa ressurreição do velho princípio da Lei das XII Tábuas: uti língua nuncupassit, ita ius esto. Modernamente, o princípio do pacta sunt servanda não é encarado de um modo absoluto, em face de outro princípio – o da cláusula rebus sic stantibus – ou o da teoria da imprevisão, que lhe impõe restrições e dá ao juiz um poder de revisão sobre os contratos109.

Quanto ao princípio da força vinculante dos contratos, diferentemente dos outros dois

princípios abordados, acredita-se emergir certa peculiaridade no que tange à sua aplicação por

ocasião de convenção de arbitragem. Nos contratos em geral, tendo em vista que não se pode coagir

fisicamente alguém à prática de um ato em razão de obrigação de fazer, resolve-se o contrato em

perdas e danos. Nesse sentido leciona Silvio Rodrigues110:

O inadimplemento das obrigações de fazer, em regra, resolve-se em perdas e danos, pois não pode a autoridade judiciária, sem grave atentado à liberdade individual, obrigar uma pessoa a praticar determinado ato. Nemo praecise cogi potest ad factum.

Na convenção de arbitragem, que abarca obrigação de fazer, qual seja a submissão ao juízo

arbitral, há a possibilidade de recurso ao Poder Judiciário para que este sentencie obrigando a parte

dissidente, que se recusa a adimplir a convenção, a praticar tal ato, não se resolvendo a pendência

em perdas e danos, conforme será demonstrado na presente pesquisa, diferentemente do que ocorre

nos contratos em geral, como fora demonstrado pela citação efetuada.

108 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. vol. 3, 2006, p. 18. 109 SERPA LOPES, MIGUEL MARIA. Curso de Direito Civil. 1966, p. 44. 110 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. vol. 3, p. 42.

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63

2.3.3 Classificação dos contratos

A doutrina pode apresentar terminologias diferenciadas para designar os caracteres dos

contratos. Sabe-se que a classificação representa uma forma de estabelecer critérios para que se

identifique melhor cada espécie de contrato. Traz-se a este tópico apenas os critérios de

classificação que tenham uma influência direta no que tange à convenção de arbitragem, posto que

se tornaria por demais exaustiva a menção a todos os critérios de classificação adotados pela

doutrina.

2.3.3.1 Contratos bilaterias e unilaterais

Primeiramente, seria de bom alvitre relembrar que o ato jurídico unilateral surge e produz

efeitos a partir da manifestação de uma só vontade. O negócio jurídico bilateral, por seu turno, se

forma pela manifestação de duas vontades, sendo necessário uma para criá-lo e duas para que se

aperfeiçoe e passa gerar os efeitos a que se destina.

Como se buscou demonstrar no tópico referente ao conceito de contrato, este é espécie de

negócio jurídico, portanto sua estrutura conterá, necessariamente, a manifestação de duas vontades.

Nessa ordem de idéias caberia indagar o porquê da classificação dos contratos em unilaterais e

bilaterais. O mestre Silvio Rodrigues explica a terminologia:

Quando se fala, entretanto, em contratos bilaterais ou unilaterais, considera-se o fato de o acordo de vontades entre as partes criar, ou não, obrigações recíprocas entre elas111.

Dessa maneira, unilaterais serão os contratos cujas obrigações onerarem apenas uma das

partes, como, por exemplo, o contrato de depósito. Nesse caso há apenas uma parte na condição de

devedor. Bilaterais, por sua vez, serão os contratos cujas obrigações atingirem ambas as partes,

como, por exemplo, o contrato de compra e venda. Nesse caso ambas as partes são credores e

devedores de modo recíproco.

111 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. vol. 3, 2006, p. 29.

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Esta classificação detém grande relevância pelo que preconiza o art. 476 do Código Civil,

conforme se pode observar:

Art. 476: “Nos contratos bilaterais, nem um dos contratantes, antes de cumprida a sua

obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.

Conforme leciona a doutrina, o transcrito artigo põe em evidência a máxima latina exceptio

non adimpleti contractus, o qual obriga o adimplemento contratual de uma parte que deseja ver

cumprido o da outra.

Logo, a convenção de arbitragem estaria circunscrita à categoria de contratos bilaterais, uma

vez que a obrigação de sujeição ao procedimento arbitral atinge igualmente as partes contratantes.

2.3.3.2 Contratos onerosos e gratuitos

Esse critério leva em conta a contraprestação entre as partes contratantes.

Conforme lição de Washington de Barros Monteiro, podemos definir o contrato gratuito

como aquele em que a parte beneficiada não contrai uma obrigação, enquanto que nos contratos

onerosos ambas as partes arcam com alguma obrigação. A grande maioria dos contratos é de cunho

oneroso, cite-se como exemplo do contrato gratuito a doação sem encargo112.

Nessa ordem de raciocínio, concebe-se que na convenção de arbitragem haveria um contrato

oneroso, porquanto ambas as partes arcam com uma obrigação idêntica, qual seja a submissão à

jurisdição arbitral.

2.3.3.3 Contratos consensuais e reais

Contratos reais “[...] são aqueles que necessitam de entrega de coisa para se tornarem

perfeitos, são estes o comodato, o mútuo, o depósito, o penhor, a anticrese e as arras”113.

112 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS, Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 29. 113 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. vol. 3, 2006. p. 35

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Contratos consensuais “[...] são aqueles que se tornam perfeitos, completos, pelo simples

consentimento das partes, independentemente de outro ato”114.

Também se pode abordar este critério de classificação asseverando que nos contratos

consensuais a manifestação válida de vontade (consentimento) seja suficiente para firmar o ato

correspondente, ao passo que nos contratos reais pressupõe-se a entrega de coisa115.

Diante dessas definições, considera-se a convenção de arbitragem consensual, porque a mera

manifestação de vontade das partes já é suficiente para que surtam os efeitos jurídicos desejados,

vale repetir, a sujeição de contenda determinada ou futura à apreciação do juízo arbitral. Ademais,

cumpre salientar que a entrega de coisa não seja objeto da convenção arbitral, uma vez que esta

abarque uma obrigação de fazer e não de dar.

2.3.3.4 Contratos solenes e não solenes

É possível definir os gêneros solene e não solene do ponto de vista que estes serão os de

forma livre, como o são a maioria dos contratos. Solenes, por sua vez, serão aqueles cujos requisitos

estejam expressos na lei116.

Repise-se tal entendimento nas palavras da seguinte afirmação doutrinária:

Solenes são os contratos que devem obedecer à forma prescrita em lei para se aperfeiçoar. Quando a forma é exigida como condição de validade do negócio, este é solene e a formalidade é ad solemnitatem, isto é, constitui a substância do ato [..]. Não observada o contrato é nulo117.

Como se pode corroborar no art. 10 da Lei 9.307/96 há certos requisitos necessários para

que se firme o compromisso. A cláusula compromissória, por seu turno, pode estar inscrita no

contrato principal, portanto não enseja maiores formalidades. Contudo, em contratos de adesão a

cláusula compromissória deverá estar em negrito e ser assinada especificamente, demonstrando ser

indiscutível que a parte contratante esteja ciente e em acordo com a referida cláusula (art. 4˚, § 2˚,

LA) 114 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. vol. 3, 2006, p. 35. 115 GONÇALVES, CARLOS ROBERTO. Direito Civil Brasileiro. vol. 3, 2006, p. 86. 116 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. vol. 3, 2006, p. 36. 117 GONÇALVES, CARLOS ROBERTO. Direito Civil Brasileiro. vol. 3, 2006, p. 84.

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66

Sustenta-se, portanto, ser a convenção de arbitragem figura contratual solene, tendo em vista

o fato de que diversos caracteres que a compõem são imposições da lei.

2.3.3.5 Contratos nominados e inominados

Denomina-se contrato nominado aquele que é positivado de forma expressa pela lei, como,

por exemplo, tratam os arts. 481 e seguintes do Código Civil. Já os contratos inominados são

aqueles aos quais a lei não dispensa um tratamento específico. Assim, todo acordo bilateral de

vontades que respeite os requisitos de validade expostos em tópico anterior e que não esteja

expressamente disposto na letra da lei será espécie de contrato inominado.

No que diz respeito à convenção de arbitragem, cumpre aduzir que a cláusula

compromissória, tida como espécie de aditivo do contrato principal posto que se adiciona ao

conteúdo do mesmo, não apresenta o condão de ser, por si só, um contrato nominado, pois que é

tratada na Lei 9.307/96 como espécie do gênero convenção de arbitragem. Por outro lado, o

compromisso é espécie nominada de contrato disposta nos arts. 851 a 853 do Código Civil. Isso

será tratado oportunamente no próximo capítulo desta monografia.

2.3.3.6 Contratos principais e acessórios

Encontra-se definição para o que venham a ser os contratos principal e contrato acessório

nas palavras de Sílvio Rodrigues:

Contrato principal é aquele cuja existência independe da existência de qualquer outro. Contrato acessório é aquele que existe em função do principal e surge para lhe garantir a execução118.

O supra citado mestre reitera que no tocante ao liame estabelecido entre o contrato principal

e o contrato acessório aplica-se o preceito geral de que o acessório segue o principal. Aduz,

118 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. vol. 3, 2006, p. 37.

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também, depender o acessório da sina do principal. Assevera, ainda, que a nulidade do contrato

principal acarreta por via de conseqüência a nulidade do contrato principal.

Para que se demonstre com ênfase a forma como a doutrina aprecia este tema relativo à

teoria geral dos contratos, seria de bom alvitre transcrever as palavras de mais um famigerado

jurista, as quais formam o seguinte posicionamento:

Principais são os contratos podem existir independentemente de qualquer outro; acessórios são os que têm por objeto assegurar a execução de outro contrato, de que dependem [...]. Dois princípios fundamentais devem ser aqui lembrados: a) a nulidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal (Cód. Civil de 2002, art. 184); b) com o principal prescrevem os direitos acessórios, mas a recíproca não é verdadeira119.

Ante ao exposto, tem-se a convicção de que irrepreensíveis são as lições doutrinárias de

direito material civil. Todavia, há que se fazer ressalva no sentido de que o preceito segundo o qual

o acessório segue o principal gera as citadas conseqüências na órbita dos contratos em geral, o que

não significa dizer que o façam quanto à convenção arbitral.

Conquanto seja a convenção de arbitragem o cerne desta pesquisa, mister se faz aludir para

o fato de que a nulidade do contrato principal não acarreta a nulidade do contrato secundário ou

acessório, neste caso. Tal sucede por expressa disposição da Lei 9.307/96, a qual dispõe o seguinte:

Art. 8º: “A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver

inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula

compromissória”.

Com efeito, a lei de arbitragem traz distinção para a cláusula compromissória em relação à

regra geral vigente por construção da teoria geral dos contratos.

2.3.3.7 Contratos preliminares e definitivos

O contrato preliminar, do latim pacto de contrahendo, é aquele cujo objeto seja a realização

de um contrato definitivo. Por conseguinte esta espécie de contrato objetiva que as partes realizem

um ato e usufruam de seus respectivos efeitos em ocasião futura, sendo plausível que esteja esta

119MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS, Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 2003, p. 31 - 32.

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disposta no contrato. O contrato preliminar gera alguns dos efeitos do contrato definitivo, em

especial a obrigação de prestar declaração de vontade. 120.

Para melhor definir o que venha a ser o contrato preliminar, mister se faz alusão ao seguinte

entendimento doutrinário:

Sem cair na tentação das conceituações digressivas, compreendemos o contrato preliminar como uma avença através da qual as partes criam em favor de uma ou mais delas a faculdade de exigir o cumprimento de um contrato apenas projetado. Trata-se, portanto, de um negócio jurídico que tem por objeto a obrigação de fazer um contrato definitivo121.

Cumpre aqui antecipar que a citada definição de contrato preliminar indubitavelmente

coadune com a cláusula compromissória, porquanto o objeto desta seja exatamente uma obrigação

de fazer, mais especificamente a obrigação de submeter determinada controvérsia ao crivo da

jurisdição arbitral. Contudo, ao estudar a natureza jurídica da convenção arbitral, por ocasião do

terceiro capítulo desta monografia, tratar-se-á do tema com maior vigor.

Com relação ao contrato definitivo, pode-se averiguar ter este o condão de produzir todos os

efeitos para que se destine a partir do momento da declaração de vontade, quais sejam as obrigações

impostas a ambas as partes. Difere-se do contrato preliminar, pois que aquele pode ter por objeto

diversas obrigações, enquanto este conterá sempre a obrigação de efetuar contrato definitivo.

2.3.3.8 Contratos paritários e de adesão

Cumpre fazer menção a este tópico porquanto a Lei 9.307/96 abarca expressa imposição

quanto à incidência da cláusula compromissória em contratos de adesão. Primeiramente demonstra-

se imprescindível uma breve delimitação conceitual das espécies contratuais em pauta.

Pode-se conceituar o contrato paritário como aquele em que as partes, de comum acordo,

estabelecem o teor das concessões e obrigações resultantes do vínculo contratual almejado.

Contratos de adesão, por sua vez, serão aqueles cujo conteúdo é previamente estabelecido por uma

das partes, cabendo à outra anuir ao contrato por sua manifestação de vontade122.

120 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. vol. 3, 2006, p. 40. 121 GAGLIANO, PABLO STOLZE; FILHO, RODOLFO PAMPLONA. Novo Curso de Direito Civil. vol. 4, tomo 2, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 142. 122 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 2003, p. 32.

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Poder-se-ía levantar diversas questões acerca da natureza jurídica do contrato de adesão,

contudo tal esforço não coadunaria com o escopo do presente trabalho acadêmico, de sorte que seu

conceito satisfaz o entendimento necessário da matéria no que concerne ao estudo da lei de

arbitragem.

Com efeito, dispõe o art. 4 da lei de arbitragem o seguinte quanto à sua incidência da

cláusula compromissória nos contratos de adesão:

§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

Desta feita, é possível constatar verdadeiro obstáculo a que uma das partes, agindo de má-fé,

procure induzir o outro contratante a consentir com os efeitos da cláusula compromissória. Muito

embora seja notório que consistiria em negligência da parte não se cientificar do conteúdo do

contrato, tendo em vista a seriedade do instituto processual em tela, em especial no que diz respeito

ao afastamento do controle jurisdicional, buscou claramente o legislador impingir maior

formalidade à sua implementação. De tal sorte, impõe-se determinada solenidade à cláusula

compromissória nos contratos de adesão.

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CAPÍTULO 3 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM

3.1 INTRODUÇÃO

O capítulo ora apresentado objetiva efetuar uma análise acerca da natureza jurídica dos

institutos/elementos configuradores da convenção de arbitragem, quais sejam o compromisso

arbitral e a cláusula compromissória. Para tanto, enseja-se o estudo desses institutos tal como

concebe o Código Civil, bem como à luz do que preconiza a lei de arbitragem.

No tocante à natureza jurídica da cláusula compromissória, perfaz-se constatação no sentido

de sua essência contratual, uma vez que é introduzida em um contrato e apresenta a exclusiva

finalidade de direcionar eventuais controvérsias decorrentes do negócio principal à decisão de um

ou mais árbitros.

No que diz respeito à natureza jurídica do compromisso, muito embora haja controvérsia na

doutrina, o Código Civil lhe empresta tratamento de contrato nominado, o que será oportunamente

corroborado por ocasião deste capítulo.

Cumpre distinguir o compromisso da cláusula compromissória, pois naquele há um contrato

por força do qual os contratantes se obrigam a submeter a controvérsia entre eles surgida ao

julgamento de árbitros, enquanto nesta trata-se de um contrato preliminar, pelo qual os contratantes

comprometem-se a submeter a árbitros suas futuras controvérsias123.

Todavia há controvérsia na doutrina, tendo em vista o argumento de que seria um equívoco

conceber a cláusula compromissória como “promessa de contratar”, à medida que esta representa

um contrato autônomo e, portanto próprio e distinto124. Tal discussão será abordada ao longo deste

capítulo. Ademais, enquanto na cláusula se tem por objeto litígio eventual e futuro, no compromisso

trata-se de litígio certo e determinado.

Também seria interessante relembrar que a corrente majoritária da doutrina entende ser a

arbitragem, regulamentada pela Lei 9.307/96, diploma legal de caráter adjetivo, ao passo que tão

somente o compromisso arbitral teria natureza jurídica de caráter substantivo, pois que há de ser

123 SERPA LOPES, MIGUEL MARIA. Curso de Direito Civil. vol. 2, p. 296. 124 CARREIRA ALVIM, J. E. Direito arbitral. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 219.

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feita distinção entre o compromisso e o juízo arbitral em si.125 Esta perspectiva também teve

embasamento doutrinário registrado por ocasião do primeiro capítulo desta monografia.

3.2 DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM (CONCEITO, FINALIDADE E NATUREZA

JURÍDICA)

Como foi verificado diversas vezes nesta monografia, entende-se por convenção de

arbitragem o acordo através do qual as partes figurantes em um determinado negócio jurídico

convencionam submeter as controvérsias decorrentes deste à decisão de juízo arbitral. Sustenta-se

serem os institutos da cláusula compromissória e do compromisso arbitral a forma ou os

instrumentos através do qual o juízo arbitral será instaurado. Neste raciocínio, aduz-se que a

convenção de arbitragem representa o elo entre as partes envolvidas em um negócio jurídico

qualquer (desde que correlato a bens patrimoniais disponíveis) e o procedimento de arbitragem, elo

este que vincula as referidas partes ao juízo arbitral, por conseguinte afastando a competência do

juiz togado. Ao tratar da convenção de arbitragem, a Lei 9.307/96 dispõe o seguinte:

Art. 3º: “As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral

mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso

arbitral”.

Extrai-se da doutrina a definição segundo a qual convenção de arbitragem seria a expressão

de vontade das partes interessadas, manifestada numa mesma direção, de se socorrerem à

arbitragem para a solução dos seus (virtuais ou reais) litígios. Pode-se considerá-la como uma via

jurisdicional concorrente com a estatal, posta pela lei à disposição das partes, para que estas

resolvam suas pendências em sede de justiça privada e com a mesma eficácia efetivada por ocasião

das decisões emanadas pelo Poder Judiciário126.

Também se mostra forçoso reiterar que o alcance da convenção de arbitragem não possa ser

genérico ou indeterminado. Esse há de restar circunscrito ao rol de direitos aos quais a lei empresta

o condão da arbitragem (bens patrimoniais disponíveis) e, não obstante, a situação objeto do litígio

deve estar delimitada na convenção, posto que seria inaceitável vincular pessoas à arbitragem para a

resolução de suas controvérsias concebidas em abstrato. Para tanto, mister seria individualizar a 125 RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. vol. 3, p. 380. 126 CARREIRA ALVIM, J. E. Direito Arbitral. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 171.

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órbita de direito envolvendo cada controvérsia numa mesma convenção, ou, ainda, efetuar uma

convenção para cada litígio que venha a surgir. O que se busca destacar com isso resta na

perspectiva segundo a qual seria inaceitável que as partes se comprometessem a abdicar da

jurisdição estatal quanto a litígios indeterminados ou quiçá imprevisíveis. Logo, é requisito de

validade da convenção que o direito almejado esteja registrado de forma clara, indiscutível.

Quanto à finalidade da convenção de arbitragem, mais especificamente da cláusula

compromissória, assim sustenta Venosa:

A finalidade desse procedimento é a instituição do juízo arbitral, cuja a sentença que julgar procedente a pretensão o determinará. Desse modo, uma vez existente, válida e eficaz a cláusula compromissória entre os pactuantes, qualquer deles pode exigir judicialmente a instituição da arbitragem. Entendemos que, salvo ressalva expressa em contrário, essa pactuação é unilateralmente irretratável127.

Não seria demais reiterar que a finalidade da convenção de arbitragem tenha duplo caráter:

do ponto de vista material decorre de um acordo de vontades, o qual vincula as partes obrigando-as

a submeter ao juízo arbitral seus litígios atuais e futuros; do ponto de vista processual substitui a

jurisdição estatal pela jurisdição arbitral, a qual tomará corpo conforme as estipulações das

partes128.

No que diz respeito à natureza jurídica da convenção de arbitragem, acredita-se ser coerente

aduzir que esta se assemelhe ao contrato, pois nasce e produz efeitos jurídicos em decorrência das

manifestações de vontade das quais é emanada, consubstanciando-se, portanto, no princípio

contratual da autonomia da vontade, também denominado consensualismo. Contudo, do ponto de

vista do interesse das partes, tem-se que este vise um objetivo em comum, qual seja a solução de

litígio por via da arbitragem, restando declinada a competência da jurisdição estatal. Note-se ser

este o objetivo imediato das partes, o que não se confunde com seu objetivo mediato, qual seja a

satisfação de suas respectivas pretensões no âmbito do procedimento arbitral.

É possível averiguar incisiva correlação entre a natureza jurídica da convenção arbitral e a

natureza jurídica da própria arbitragem, a qual fora abordada por ocasião do capítulo hum desta

monografia:

127 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, 2006, p.572. 128 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 89.

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A convenção de arbitragem não pode ter natureza jurídica diversa do juízo arbitral, porquanto a arbitragem nasce com a convenção; e a convenção de arbitragem, por seu turno, é que dá vida ao juízo arbitral, tendo ambos a mesma natureza. Portanto, os mesmos argumentos aduzidos por privatistas e publicistas sobre a natureza da arbitragem aplicam-se, mutatis mutandis, à convenção de arbitragem, e tudo o que se falou sobre a natureza da convenção de arbitragem, aplica-se, modus in rebus, à cláusula compromissória e ao compromisso arbitral129.

Feitas estas considerações força é reconhecer ser a convenção arbitral instituto de maior

relevância no âmbito do que se deva examinar ao tratar do instituto da arbitragem. Por conseguinte,

cuidar-se-á em seguida dos elementos configuradores da convenção arbitral de modo separado.

3.3 DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

3.3.1 Conceito

Conforme se pode extrair do que dispõe a Lei 9.307/96, a cláusula compromissória e o

compromisso arbitral são tratados de forma indistinta, representado espécies do gênero convenção

de arbitragem. Todavia constata-se na doutrina a diferenciação conceitual entre os dois institutos:

Cumpre, todavia, antes de mais nada, distinguir o compromisso da cláusula compromissória ( pactum de compromittendo). Esta constitui apenas parte acessória do contrato constitutivo da obrigação; é a cláusula pela qual as partes, preventivamente, se obrigam a submeter-se à decisão do juízo arbitral a respeito de qualquer dúvida emergente na execução do contrato. A cláusula compromissória é, pois, simultânea à formação da obrigação. Trata-se de estipulação que amiúde se depara com contratos de sociedade, comprometendo-se os sócios, por ela, a submeter à decisão de árbitros as divergências que acaso se suscitem na execução do contrato130.

Nos termos do artigo 4˚ da Lei 9.307/96 a cláusula compromissória é definida como “a

convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os

litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”.

Para Delgado a cláusula compromissória é um contrato típico preliminar, porquanto a “sua

instituição consagra pacto firmado entre as partes voltado para solucionar, por meio do juízo

129 ALVIM, J. E. CARREIRA. Direito Arbitral. 2004, p. 175. 130 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 2003, p. 403.

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arbitral, possíveis litígios que surjam em face de determinado negócio jurídico bilateral

consumado”131.

No mesmo sentido posiciona-se Venosa para quem a cláusula compromissória, por não se

tratar ainda de compromisso, cuida-se de contratação preliminar, promessa de contratar132.

Com efeito, dos conceitos trazidos a esta pesquisa extrai-se elementos importantes para que

se sustente com maior propriedade uma argumentação acerca da natureza jurídica deste instituto.

3.3.2 Forma da cláusula compromissória

Primeiramente é importante constatar que a cláusula compromissória não exige uma

solenidade específica, bastando que seja estipulado por escrito para ter validade (art. 4, § 1°, LA).

Todavia, cumpre ressaltar que se a cláusula vier inserta no próprio contrato, fará parte

instrumental deste e se vier em apartado deverá fazer expressa referência ao contrato a que se

relaciona. Como já fora visto, é imprescindível que na convenção arbitral reste devidamente

delimitado o objeto da arbitragem. Outrossim, a cláusula compromissória deve apresentar de forma

nítida qual negócio jurídico haverá de submeter-se à convenção que aquela impinge. Em outros

termos poder-se-ia dizer que essa exigência tem o propósito de tornar certo o alcance da cláusula

compromissória, relativamente aos negócios jurídicos que possam existir entre as partes, os quais,

por seu turno, serão objeto da arbitragem133.

Nessa ordem de raciocínio concebe-se inteligência na afirmação de que a limitação natural

do alcance da cláusula estará, necessariamente, atrelada a uma relação jurídica determinada134.

Ainda nesse contexto, cumpre enaltecer o seguinte comentário doutrinário:

Se não houver referência expressa a um contrato determinado, mas também não houver dúvida que a cláusula a ele se refira, não a razão para se lhe negar eficácia, podendo a parte interessada socorrer-se do disposto no art. 7° da Lei de Arbitragem para obter a constituição judicial do compromisso arbitral135.

131 DELGADO, JOSÉ AUGUSTO. Comentários ao Novo Código Civil. vol. 11, tomo 2, 2004, p.364. 132 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, 2006, p. 570. 133 ALVIM, J. E. CARREIRA. Comentários à Lei de Arbitragem. 2004, p. 181. 134 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, 2006, p. 105. 135 ALVIM, J. E. CARREIRA. Comentários à Lei de Arbitragem. 2004, p. 181.

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75

Também arrebata o assunto a seguinte doutrina, asseverando que excetuada qualquer

formalidade especial, como por exemplo, a que a lei impõe nos casos de cláusula compromissória

em contratos de adesão, pode-se conceber, grosso modo, que à cláusula serão aplicadas as regras

pertinentes aos contratos em geral, o que apenas corrobora sua afinidade e natureza contratual,

conforme se pode observar:

Em relação à forma, determina a Lei brasileira seja a cláusula celebrada pro escrito. Tratando-se de contrato, sem formalidade específica a não ser a utilização da escrita, submete-se a cláusula aos mecanismos gerais previstos na lei civil para a celebração dos contratos. Assim, a forma epistolar, com todos os seus inconvenientes, é válida para a pactuação da cláusula de arbitragem, já que o legislador fixou forma rígida apenas para o compromisso (art. 9° da Lei). Não está descartada, igualmente, a contratação por via eletrônica, embora esta forma de consolidação da vontade das partes ainda careça, para sua total segurança, de alguma regulação que sistematize chaves de autenticação e senhas de confirmação de mensagens136.

Ressalte-se que o comentário tecido pelo doutrinador supra citado não se aplica à cláusula

arbitral em contratos de adesão, porquanto a própria lei de arbitragem lhe prescreve uma maior

solenidade.

Em que pese havermos já tratado deste tema por ocasião do segundo capítulo desta

monografia, não seria desnecessário acrescentar mais uma definição para o contrato de adesão,

contrato este cujo entendimento é imprescindível para que se aplique corretamente a forma imposta

pela lei de arbitragem quando em se tratando de cláusula compromissória. Destarte, contrato de

adesão é “[...] aquele em que é limitada a liberdade de convenção, devido à preponderância de um

dos contratantes, o economicamente mais forte, que impõe sua vontade, redigindo as cláusulas, ao

outro contratante, que as aceita sem discussão”137.

Em se tratando de cláusula compromissória em contratos de adesão a lei impõe que seja

expressamente instituída por escrito, em documento anexo ou em negrito, com a assinatura e o visto

das partes com relação àquele dispositivo contratual (art. 4°, § 2°, LA).

No tocante às condições de eficácia da cláusula compromissória nos contratos de adesão a

doutrina interpreta a lei da seguinte forma:

136 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 106. 137 NETO, José Cretella. Curso de Arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 203.

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São duas as hipóteses com que lida o parágrafo: a primeira determina que a eficácia da cláusula fica condicionada à iniciativa do aderente; a segunda prevê que a cláusula será eficaz desde que haja expressa concordância do oblato, concordância que será manifestada por escrito em documento que se reporte ao contrato a que se refere a cláusula ou então através do destaque da cláusula no contrato, com visto especial138.

Dessa forma, conclui-se que não terá validade a cláusula compromissória inserta em

contrato de adesão sem que o aderente rubrique exclusivamente a referida cláusula, restando assim

indiscutível sua manifestação de vontade quanto à possível instauração da arbitragem, logo, não

apenas em relação ao contrato principal.

3.3.3 Conteúdo da cláusula compromissória

Basicamente a distinção trazida pela doutrina no que tange ao conteúdo da cláusula

compromissória diz respeito a esta ser cheia ou vazia. Transcreve-se a correspondente definição:

Reputa-se cheia a cláusula em que as partes, valendo-se da faculdade prevista no art. 5° da Lei de Arbitragem, reportam-se às regras de um órgão arbitral ou entidade especializada, caso em que a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras; reputa-se vazia a cláusula que não se reporta às citadas regras, nem contenha as indicações para a nomeação de árbitros, de forma a possibilitar a constituição do juízo arbitral139.

Explica o citado autor que tal distinção doutrinária sucede pelo fato de a lei de arbitragem

equivaler os institutos do compromisso e da cláusula. Esclarece, ainda, que ambos os institutos

resultam do mesmo tipo de ato jurídico de forma que ambos apresentam autonomia em relação ao

negócio jurídico a que se referem. A distinção entre os dois institutos, porém, subsistirá sempre,

posto que o objeto da cláusula reste em litígio eventual e que o objeto do compromisso reste em

litígio existente e atual140.

Com efeito, conclui-se que na cláusula cheia uma série de elementos fundamentais do

procedimento arbitral esteja previamente estipulado, ao passo que na cláusula vazia apenas tem-se

por concreto que a resolução de litígio decorrente de determinado negócio jurídico ocorrerá por via

de arbitragem.

138 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 107. 139 ALVIM, J. E. CARREIRA. Comentários à Lei de Arbitragem. 2004, p. 182-183. 140 ALVIM, J. E. CARREIRA. Comentários à Lei de Arbitragem. 2004, p. 183.

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Saliente-se serem notórios os inconvenientes de uma cláusula arbitral vazia, haja vista para o

fato de que nesta há possibilidade de ocorrer recusa por uma das partes em instaurar o procedimento

arbitral, o que ensejaria, via de conseqüência, o procedimento do art. 7° da lei de arbitragem,

através do qual os elementos necessários para o regular desenvolvimento da arbitragem haveriam de

ser estabelecidos judicialmente. Com isso, estariam as partes enfrentando prazos e procedimentos

judiciais, o que procuraram evitar quando da celebração do negócio jurídico principal141.

Seria de grande relevância enaltecer o raciocínio segundo o qual o compromisso seria

desnecessário para a instauração da arbitragem, uma vez que se trate de cláusula arbitral cheia.

Releva a doutrina haver casos em que se possa exprimir da cláusula arbitral cheia todos os

elementos necessários para a instauração da arbitragem. Poder-se-ia aduzir, ainda, que em tais casos

o conteúdo da referida cláusula arbitral corresponderia aos requisitos obrigatórios do compromisso

arbitral. Nessa ordem de idéias, avultaria forçoso conceber como uma formalidade prescindível

louvar-se o compromisso142. Em tal hipótese, a cláusula “vale compromisso”, reza a doutrina.

3.3.4 Autonomia da cláusula

A autonomia conferida à cláusula compromissória representa um dos aspectos de maior

relevância trazidos em virtude da Lei 9.307/96. A base legal do tema encontra-se no dispositivo

transcrito em seguida:

Art. 8º: “A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória. Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”.

Sustenta-se ser a autonomia da cláusula de maior proeminência, porquanto é sabido que um

dos entraves à efetividade da arbitragem jazia no fato de que a parte recalcitrante em instaurá-la

comumente buscava a jurisdição estatal com o intuito de ver anulado o contrato principal, o que, até

então, ensejava a anulação da própria cláusula. Destarte, a cláusula não figurava como elemento

141 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 37. 142 ALVIM, J. E. CARREIRA. Comentários à Lei de Arbitragem. 2004, p. 189.

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hábil para a instauração da arbitragem, porque o vínculo obrigacional que impõe às partes

interessadas dependia das condições de validade e eficácia do negócio jurídico principal em si.

Confirme-se essa sustentação nas palavras da renomada doutrina:

A Lei n° 9.307, na esteira da jurisprudência européia atual, procurou evitar essa burla à arbitragem, atribuindo plena autonomia à cláusula compromissória. Dessa forma, conferiu competência aos próprios árbitros para resolver, de ofício ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória (art. 8°). Logo, se uma das partes quiser argüir a nulidade do contrato, terá de fazê-lo perante o juízo arbitral e não em face de juízo da Justiça ordinária143.

A forma como se deve interpretar o princípio que consagra autonomia à cláusula

compromissória cinge-se ao fato de que a referida autonomia concebe-se no sentido jurídico e não

material. Conseguintemente, defende-se resultar do mencionado princípio que a cláusula constitui

um negócio jurídico em si mesma, dotado de individualidade própria e com função diversa da do

contrato ao qual adere. Com isso, quer-se dizer que a cláusula é juridicamente autônoma em relação

ao contrato principal, não estando a sua validade condicionada a uma aceitação ou anuência distinta.

Com efeito, extrai-se como corolário desse princípio a incomunicabilidade do contrato e da

cláusula, no que tange a eventuais vícios os quais possam dar ensejo a nulidades. Em outros termos,

significa afirmar que do ponto de vista dos efeitos da cláusula, a eficácia desta independe da

eficácia do contrato e vice-versa. Porém, cumpre ressaltar que a autonomia da cláusula não impede

que a invalidade do contrato a ela se estenda, quando se tratar de causa comum à cláusula e ao

contrato, o que ocorreria, por exemplo, em havendo a incapacidade de um dos convenentes, bem

como a incidência de vício que macule a própria vontade manifestada. Reitera-se, portanto, ser a

cláusula compromissória um ato negocial de efeitos processuais. Enfatize-se, entrementes, que o

princípio da autonomia da cláusula compromissória não dispensa manifestação adicional de vontade

quando relativa a contratos de adesão, o que decorre em razão da própria solenidade imposta pela

lei de arbitragem aos referidos contratos144.

Por fim, caberia abordar outro problema relativo ao tema ora esboçado, o qual diz respeito à

transferência do contrato a terceiros, tendo em conta o caráter vinculante da cláusula

compromissória. Quanto à correspondente hipótese de resolução para o problema proposto,

imprescindível transcrever a seguinte lição doutrinária:

143 THEODORO JÚNIOR, HUMBERTO. Curso de Direito Processual Civil. vol. 3, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 322. 144 ALVIM, J. E. CARREIRA. Comentários à Lei de Arbitragem. 2004, p. 194-195.

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Sendo a cláusula compromissória um negócio jurídico distinto em relação ao contrato, ela confere ao contratante um direito próprio, embora acessório do próprio crédito (Acessorium sequitur principale). No que tange à exigência de expressa aceitação pelo terceiro da cláusula compromissória, deve-se considerá-la absorvida pela relação (per relationem) decorrente da aceitação do contrato pelo mesmo. Neste caso, a cláusula compromissórias entra em linha de conta, na como um negócio jurídico independente do contrato a que acede, senão como uma cláusula no sentido próprio ou parte de uma complexa regulamentação contratual. A cláusula compromissória se aplica aos compromitentes, e, conseqüentemente, a quem assume a posição jurídica de um deles, em razão da cessão do contrato, importando na transferência, pelo cedente ao cessionário, dos direitos e obrigações contratuais no seu complexo unitário145.

Com efeito, do exposto corrobora-se entendimento doutrinário no sentido de que o

cessionário adquire todos os caracteres do contrato outrora firmado com o cedente,

independentemente de anuência expressa daquele quanto à cláusula compromissória.

3.3.5 Execução específica da cláusula compromissória

Dentre os aspectos de mudança trazidos ao instituto da arbitragem em razão da Lei 9.307/96,

a possibilidade de execução específica da cláusula compromissória é um dos que merece destaque.

Observa-se o diapasão doutrinário no sentido de sustentar que anteriormente à lei de

arbitragem a cláusula compromissória não tinha o condão de produzir os efeitos a que se destina a

convenção de arbitragem. É seguro afirmar que até então a cláusula compromissória

consubstanciava-se em um pactum de compromitendo, ou seja, uma convenção celebrada entre os

contratantes, através da qual comprometiam-se a submeter as querelas oriundas de determinado

negócio jurídico (geralmente acerca da execução ou interpretação de um contrato) ao crivo da

arbitragem. Entretanto, doutrina e jurisprudência não reconheciam valor vinculativo a esse pacto

preliminar, considerando que deste propendia tão somente uma simples obrigação de fazer (celebrar

compromisso), a qual descumprida ensejava apenas perdas e danos146.

Com o advento da lei de arbitragem, constata-se que em seu art. 7° jaz a promoção da

execução específica da cláusula, uma vez que as partes detêm o direito de recorrer ao poder

coercitivo da tutela jurisdicional estatal para que esta impinja à parte resistente ao procedimento de

instauração do procedimento arbitral a realização deste.

145 ALVIM, J. E. CARREIRA. Comentários à Lei de Arbitragem. 2004, p. 198. 146 ALVIM, J. E. CARREIRA. Comentários à Lei de Arbitragem. 2004, p.178.

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Corrobora Valério que pelo que preconiza a Lei 9.307/96, a cláusula arbitral não é mais

considerada um mero pactum de contrahendo ou pactum de compromitendo, desprovida de força

obrigacional e resolúvel em perdas e danos. Constata, ainda, que com a adoção da execução

específica, seu descumprimento concede o direito da parte adimplente obter, judicialmente, a

instalação do juízo arbitral, pondo fim no principal obstáculo ao seu desenvolvimento no país147.

Também de modo incisivo arrebata o tema a seguinte doutrina:

Instituiu-se um mecanismo judicial para compelir a parte omissa a sofrer a execução específica da cláusula compromissória, que, como as demais obrigações de fazer, passou a contar também com via de acesso a um adequado procedimento de execução forçada. Deu-se à cláusula compromissória, dessa maneira, o mesmo tratamento que, de longa data, se dispensava ao compromisso de compra e venda irretratável e outras promessas similares (CPC, arts. 693 e 641)148.

Quanto ao procedimento de execução da cláusula compromissória, não seria demais

ressaltar que, de acordo com o que dispõe o ar. 7° da lei de arbitragem, aquele terá início com a

citação da parte recalcitrante para que compareça em juízo a fim de lavrar-se o compromisso.

Caberá ao magistrado propiciar a tentativa de conciliação, a qual, se lograr êxito, extinguirá o

processo, restando a pretensão material do litígio resolvida e registrada pela homologação judicial

do acordo. Em caso de não haver conciliação, prosseguir-se-á à celebração do compromisso (art. 7°,

§ 2°, LA)149.

3.3.6 Natureza jurídica

Feitas as devidas considerações acerca dos principais aspectos da cláusula compromissória,

passa-se a examinar a natureza jurídica da mesma.

Avulta-se claro que a cláusula compromissória seja uma forma de convenção arbitral inserta

em um determinado contrato. Prima facie, parece indiscutível que represente tão somente uma

cláusula contratual, porém com finalidade e respaldo legal específico, qual seja o de submeter as

pendências provenientes do respectivo contrato à decisão de árbitros escolhidos pelas partes.

147 VALÉRIO, MARCO AURÉLIO GUMIERI. Arbitragem no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Universitária de Direito, 2004, p. 76. 148 THEODORO JÚNIOR, HUMBERTO. Curso de Direito Processual Civil. vol. 3, 2005, p. 318. 149 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, 2006, p. 575.

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Contudo, uma vez que se conceba a autonomia da cláusula compromissória em relação ao negócio

jurídico a que se torna adepta, mister se faz uma análise mais minuciosa de sua natureza jurídica, a

qual não necessariamente se confunde com a do negócio em si.

Para Delgado, a natureza jurídica da cláusula compromissória é de uma obrigação de fazer,

com caráter personalíssimo, pelo que não pode ser transferido a terceiro150. Quanto ao fato de ser

uma obrigação de fazer, não se vê motivo para discordância, muito embora se destaque a

singularidade da referida obrigação, pois, diferentemente das demais obrigações de fazer, seu

inadimplemento comporta a execução forçada, não se resolvendo meramente em perdas e danos.

Entretanto, com relação à afirmação de que a cláusula não possa ser transferida a terceiro, tendo por

argumento o caráter personalíssimo da obrigação, supõe-se não ser aquela a mais adequada, em

razão do que se expôs em tópico anterior a respeito da cessão do contrato.

Pelo que ensina Washington de Barros Monteiro, o compromisso e a cláusula

compromissória se distinguem pelo que esta representa parte acessória do contrato constitutivo da

obrigação e à formação desta é simultânea, ao passo que o compromisso pressupõe contrato perfeito

e acabado, no qual não estará contida a forma de resolverem as partes seus conflitos151.

Com efeito, o autor reconhece seja a cláusula compromissória uma fonte de obrigação, ao

mesmo tempo em que não lhe nega a autonomia do contrato principal. Posto que a cláusula decorra

da manifestação de vontade das partes e crie direitos e deveres recíprocos entre as mesmas, crê-se

poder concluir que o autor admita o aspecto de negócio jurídico e, portanto, de contrato, muito

embora assim não o tenha feito expressamente em sua obra. Deduz-se esse raciocínio, porquanto o

autor, ao distinguir a cláusula do compromisso, não constata nos institutos natureza jurídica diversa,

mas apenas utiliza como critério de diferenciação o aspecto temporal da convenção de arbitragem

(simultaneamente ao contrato principal-cláusula compromissória; posterior ao contrato perfeito e

acabado-compromisso).

Em adição, o autor define a natureza jurídica do compromisso como considerada contrato,

pois exprime acordo de vontades e requer capacidade das partes, forma própria e objeto lícito152.

Ora, a cláusula compromissória também decorre de acordo de vontades e requer capacidade

das partes e objeto lícito, aliás, como todo e qualquer negócio jurídico, bem como impõe forma

própria (art. 4°, § 1° e § 2°, LA). Nessa ordem de idéias, tem-se como coerência presumir que o que

150 DELGADO, JOSÉ AUGUSTO. Comentários ao Novo Código Civil. vol. 11, tomo 2, 2004, p. 365. 151 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 2003, p. 403. 152 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 2003, p. 402.

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o autor assevera acerca da natureza jurídica do compromisso também se aplique à natureza jurídica

da cláusula compromissória.

Encontra-se respaldo para a contratualidade do instituto em tela no que preleciona Venosa:

Ao estipular essa cláusula, o compromitente transige sobre direitos em discussão e renuncia à jurisdição estatal. Acentuado o caráter contratual do instituto, nele é proeminente a autonomia da vontade. A arbitragem tem origem e fundamento da manifestação de vontade das partes. Qualquer lanço interpretativo sobre o compromisso deve partir dessa premissa153.

Portanto, o que o autor aduz acerca da cláusula compromissória, confirma também em

relação ao compromisso.

Seria forçoso transcrever as palavras da seguinte doutrina, a qual não poderia ser melhor

explanada não fosse ipsis literis:

A cláusula consubstancia uma obrigação sujeita a condição, de que se produza, no futuro, controvérsia entre as partes. Precise-se, contudo, que o ato jurídico é o fato voluntário em que a vontade é dirigida à obtenção de um efeito jurídico determinado, sendo, portanto, um negócio jurídico de caráter bilateral. Admitir-se o caráter de negócio jurídico da cláusula compromissória e do compromisso arbitral não infirma a sua natureza de pacto convencional, porquanto, na base de uma e outro, está a vontade das partes, que, pela própria estrutura da arbitragem, se move em mais de uma direção, ora impulsionada por uma causa comum, imediata, cumprindo uma função processual, ora por causas opostas, mediatas, de satisfação do próprio interesse, na busca da realização da pretensão material154.

Interessante, por fim, contrapor as palavras de Maria Helena Diniz, para a qual a cláusula

compromissória “é uma simples promessa de firmar compromisso” 155, às palavras de Carmona,

para o qual “a cláusula deixou de ser apenas um pré-contrato de compromisso, eis que, no art. 5°, o

juízo arbitral pode ser instituído (art. 19) sem que seja necessária a celebração do compromisso

arbitral” 156.

Acrescente-se também o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves, o qual em poucas

linhas define tanto a natureza jurídica do compromisso quanto a da cláusula compromissória,

segundo o que se pode averiguar pela lição a seguir transposta:

153 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, 2006, p. 572. 154 ALVIM, J. E. CARREIRA. Comentários à Lei de Arbitragem. 2004, p. 176. 155 DINIZ, MARIA HELENA. Código Civil Anotado. 9ª ed, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 539. 156 CARMONA, CARLOS ALBERTO. Arbitragem e Processo. 2006, p. 35.

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Enquanto o compromisso é contrato definitivo, perfeito e acabado, a cláusula compromissória ou pactum de compromittendo é apenas contrato preliminar, em que as partes prometem efetuar contrato definitivo de compromisso, caso apareçam dúvidas a serem dirimidas. O compromisso é o contrato em que as partes decidem submeter suas pendências a árbitros nele nomeados [...]157.

Com efeito, pode-se afirmar com fundamento doutrinário que a cláusula compromissória

seja um contrato preliminar e acessório, muito embora seja também autônomo em relação ao

principal. Preliminar porque impinge obrigação de firmar compromisso, acessório porquanto a

razão de sua existência está indissociavelmente atrelada à existência de um contrato principal,

donde eventualmente surgiriam litígios.

Desta feita, não fora em vão que este tópico tenha sido finalizado trazendo à lume uma

definição tanto para a cláusula compromissória quanto para o compromisso, pois este há de ser

analisado no tópico seguinte.

3.4 DO COMPROMISSO

3.4.1 Base legal segundo o código civil

Primeiramente, seria de bom alvitre transcrever os termos em que o Código Civil regula o

compromisso, o que o faz em poucos artigos:

Art. 851: “É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas que podem contratar”. Art. 852: “É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial”. Art. 853: “Admite-se nos contratos a cláusula compromissória, para resolver divergências mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em lei especial”.

Como se pode verificar há consonância entre as normas do Código Civil e as normas da lei

de arbitragem. Diploma legal de direito material que é o Código Civil, traz permissão para que

pessoa capazes (que possam contratar) resolvam seus litígios por meio de compromisso. Também

versa de forma congruente à lei de arbitragem ao estipular que é vedado o compromisso para

157 GONÇALVES, CARLOS ROBERTO. Direito Civil Brasileiro. vol. 3, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 558.

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solução de questões que não versem sobre direitos patrimoniais. A lei de arbitragem complementa

este comando determinando que a arbitragem apenas será meio de resolução de litígios cujo objeto

seja bem patrimonial disponível. Importante notar tal complementação, pois em nosso ordenamento

há a incidência de direito de cunho patrimonial que não esteja sob a disponibilidade de seu

respectivo titular, como ocorre com o salário do empregado frente às normas cogentes de direito do

trabalho (art. 444, Consolidação das Leis do Trabalho).

O autor Delgado delimita com propriedade o alcance da expressão direito patrimonial:

A expressão direito patrimonial tem sentido genérico. Ela está vinculada à idéia de riqueza, de posse de bens que podem circular livremente no ambiente comercial e serem transmitidos independentemente de autorização judicial ou administrativa158.

Por fim, o Código Civil admite a inserção de cláusula compromissória nos contratos para

que litígios decorrentes destes sejam apreciados pelo juízo arbitral, bem como relega para legislação

especial a regulamentação do tema.

3.4.2 Conceito

O artigo 9° da lei de arbitragem define o compromisso arbitral como sendo “[...] a

convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas,

podendo ser judicial ou extrajudicial”.

Segundo Delgado compromisso pode ser definido como “[...] um contrato típico através do

qual as partes interessadas acordam em subtrair da competência do Poder Judiciário a solução de

litígio surgido em razão de determinado negócio jurídico bilateral que tenham firmado, permitindo

que o referido litígio seja dirimido por árbitros indicados” 159.

Para Washington de Barros Monteiro, o compromisso “[...] é o natural complemento da

transação e pode ser definido como o acordo entre as partes que convencionam ser uma pendência

submetida à decisão de árbitros, comprometendo-se a sujeitar essa decisão”160.

158 DELGADO, JOSÉ AUGUSTO. Comentários ao Novo Código Civil. vol. 11, tomo 2, 2004, p. 363. 159 DELGADO, JOSÉ AUGUSTO. Comentários ao Novo Código Civil. vol. 11, tomo 2. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 360. 160 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 2003, p. 400.

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Cumpre, ainda, reiterar que convenção e contrato hão de ser interpretados em nosso

ordenamento jurídico pátrio por sinônimos, a exemplo do que fora discorrido no capítulo anterior

desta monografia.

Concebe-se, não obstante, que o compromisso seja negócio jurídico bilateral e, também,

contrato, restando comprovada nestes institutos sua natureza jurídica.

3.4.3 Compromisso e transação

Entende-se por conveniente fazer um breve paralelo entre os institutos do compromisso e o

da transação, pelo que apresentam características similares no sentido de buscarem a resolução de

controvérsias que não pela via ordinária.

Pode-se conceituar o instituto da transação como o ato jurídico pelo qual as partes, através

de mútuas concessões, extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas161. Com efeito, vê-se na

transação a possibilidade conferida pelo ordenamento jurídico para que as partes abdiquem de

certos direitos com vistas à extinção de um litígio maior ou mais abrangente. Há, contudo, casos em

que as partes não possam por si só resolver a respectiva pendência, circunstância na qual

imprescindível se torna a presença de um terceiro que conduza e decida o litígio. O compromisso,

por sua vez, é o instituto adequado para tanto. Encontra-se supedâneo para esta assertiva nas

palavras da seguinte doutrina:

O compromisso, que abre espaço ao juízo arbitral, constitui o meio adequado à consecução desse resultado. Ele é assim o natural complemento da transação e define-se como o acordo entre as partes, que convencionam ser uma pendência submetida à decisão de árbitros, comprometendo-se a sujeitar a essa decisão162.

Com efeito, enquanto na transação as partes resolvem suas controvérsias por meio de

concessões, por vezes recíprocas, no compromisso há o consenso no sentido de relegar ao juízo

arbitral a incumbência de presidir tal disputa. Outrossim, assevera a doutrina ser o compromisso um

instituto próximo e até complementar da transação.

161 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 2003, p. 400. 162 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 2003, p. 400.

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3.4.4 Espécies de compromisso

Consoante dicção do art. 851 do Código Civil, tem-se que o compromisso possa ser de duas

espécies, extrajudicial e judicial. Averigua-se que o compromisso judicial suceda em casos nos

quais exista uma pendência e que esta esteja já sob apreciação da tutela jurisdicional estatal. No

compromisso extrajudicial, por seu turno, a pendência ainda não resta sob a jurisdicionalidade de

um órgão legitimado para tanto, seja o órgão arbitral, seja a própria jurisdição estatal.

Com efeito, se diz judicial a pendência já ajuizada perante a justiça ordinária e extrajudicial

aquela ainda não ajuizada e cujo compromisso submeta a pendência à decisão arbitral.

Não seria demais esclarecer as conseqüências jurídicas no caso de o compromisso ser

celebrado perante a jurisdição estatal, bem como das referentes à celebração do compromisso

extrajudicialmente, razão pela qual transcreve-se comentário da seguinte doutrina:

Celebrado o compromisso na pendência da lide, cessam as funções do juiz togado, que

passam a ser exercidas pelos árbitros, inclusive a de proferir decisão. Aperfeiçoado o compromisso

extrajudicial, a ação não poderá ser mais ajuizada, salvo nos casos expressos em lei163.

Quanto ao procedimento do compromisso judicial, sustenta-se que este pode celebrar-se por

termo nos autos, perante o juízo ou tribunal por onde correr a demanda. O compromisso

extrajudicial, por sua vez, será lavrado por escritura pública ou instrumento particular, assinado

pelas partes e por duas testemunhas. No tocante ao compromisso judicial, o termo será assinado

pelas próprias partes ou por mandatário com poderes especiais (art. 661, § 2°, Código Civil c/c art.

38, Código de Processo Civil). Uma vez celebrado o compromisso no decorrer da lide, cessam as

funções do juiz togado, sendo estas relegadas para o árbitro ou árbitros constantes no

compromisso164.

3.4.5 Requisitos obrigatórios do compromisso

Conforme dispõe o art. 10 da Lei 9.307/96, o compromisso arbitral deverá conter os

seguintes elementos: a) nome, profissão, estado civil e domicílio das partes, que estarão assim 163 GONÇALVES, CARLOS ROBERTO. Direito Civil Brasileiro. vol. 3, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 559. 164 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 2003, p. 405.

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perfeitamente identificadas; b) nome, profissão e domicílio do árbitro, ou árbitros, ou, se for o caso,

a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; c) a questão objeto da

arbitragem, de modo a demonstrar sua licitude e enquadramento como direito patrimonial, porque o

compromisso somente vale se específico para a solução de pendência determinada; d) o lugar em

que será proferida a sentença arbitral165.

Cumpre asseverar que a inobservância dos requisitos obrigatórios do compromisso conduz à

nulidade do julgamento arbitral166.

3.4.6 Requisitos facultativos do compromisso

O art. 11 da lei 9307/96 trata de requisitos não essenciais do compromisso, quais sejam:

a) local onde será desenvolvida a arbitragem;

b) autorização para que a questão seja decidida por equidade;

c) prazo para apresentação da sentença arbitral;

d) indicação da lei nacional ou regras corporativas porventura eleitas pelas partes;

e) fixação dos honorários do árbitro e responsabilidade pelo seu pagamento e das despesas

verificadas167.

Dessa forma, a não incidência de tais requisitos em nada prejudica a convenção arbitral, o

art. 11 tão somente induz a uma melhor descrição da mesma.

3.4.7 Natureza jurídica

Acredita-se que a principal fundamentação tendente a provar o problema utilizado para o

tema desta monografia será exposta neste tópico.

165 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 2003, p. 405. 166 THEODORO JÚNIOR, HUMBERTO. Curso de Direito Processual Civil. vol. 3, 2005, p. 323. 167 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 2003, p. 405.

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Silvio Rodrigues levanta a questão propugnando ser o problema determinar se o

compromisso se situa no campo do direito material ou do direito processual, bem como se o

instituto detém natureza contratual ou não. Sustenta o citado autor que o compromisso é instituto de

direito substantivo, através do qual será instituída a arbitragem, que é matéria de direito

processual168.

Quanto ao caráter contratual do instituto, vale transcrever o que defende o eminente jurista:

O compromisso é um ato de vontade capaz de criar relações na órbita do direito e, por conseguinte, é negócio jurídico. Ele se ultima pelo consenso de vontades de duas ou mais pessoas, que indicam árbitros e se vinculam a acatar suas decisões. Portanto, trata-se de ato jurídico bilateral que cria obrigações para cada um dos participantes. Ora, isso é contrato, e como tal deve ser conceituado169.

Com efeito, para Silvio Rodrigues é possível definir o compromisso como “[...] o contrato

pelo qual as partes ajustam afastar a jurisdição ordinária, para confiar a decisão de suas pendências

a árbitros de sua confiança, em que se louvam”.170

Conforme lição de Serpa Lopes é possível apreciar três diferentes concepções quanto à

natureza do compromisso171.

Para a primeira concepção trata-se da realização de um contrato, contudo de caráter

processual. Logo, esta concepção sustenta o aspecto contratual do ato jurídico o qual faz surgir o

processo, sendo este verdadeiramente procedimento arbitral, porquanto o processo conforme se

concebe o instrumento pelo qual atua a jurisdição ordinária estaria afastado, no que se traduz a

própria finalidade do referido contrato. Transcreve-se explanação acerca desta corrente doutrinária:

Sobre a natureza jurídica, os processualistas (CHIOVENDA, MORTARA) entendem-no como um contrato processual. Este, como ensina Chiovenda, não é em si um ato do processo; tem por conteúdo ou o regulamento convencional do processo ou a renúncia de direitos a fazer valer com o processo, v. g., pactum de non petendo172.

A segunda orientação doutrinária deriva da primeira quanto à contratualidade do

compromisso: vê neste um ato jurídico cuja conseqüência seja a realização do procedimento

arbitral, porém não lhe reconhece o semblante de contrato, conforme expõe a doutrina:

168 RODRIGUES. SILVIO. Direito Civil. vol. 3, 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 379. 169 RODRIGUES. SILVIO. Direito Civil. vol. 3, 30ª ed., 2007, p. 380. 170 RODRIGUES. SILVIO. Direito Civil. vol. 3, 30ª ed., 2007, p. 380-381. 171 SERPA LOPES, MIGUEL MARIA. Direito Civil. vol. 2, 1966, p. 294-295. 172 SERPA LOPES, MIGUEL MARIA. Direito Civil. vol. 2, 1966, vol. 2, p.294.

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CARNELUTTI, ao contrário, opõe-se a esta corrente, negando ao compromisso uma tal natureza. Pretende que se trata pura e simplesmente de um ato unilateral, desvestido da natureza contratual, ato unilateral complexo, que não compõe atualmente interesses em conflito (como a transação), mas em que as partes concorrem com a vontade confluente, para criar um meio ou um instrumento tendente à eliminação de um conflito, com a escolha do juiz, ao qual pedem a composição ou a resolução173.

A terceira corrente doutrinária vislumbra no compromisso um contrato, não processual,

senão de direito substancial privado, sustentando haver o compromisso justamente por razão do

contrato174. Encontra-se fundamento para esta concepção no fato de que o compromisso é instituto

de direito material, pelo qual as partes contraem a obrigação positiva de recorrer à arbitragem

concomitantemente à obrigação negativa de abstenção quanto ao direito público subjetivo de ação.

Consoante lição de Mujalli, o compromisso detém natureza jurídica processual e deve ser

analisada sob a luz de concepções clássicas da doutrina jurídica175.

Primeiramente, o autor relata a concepção de Chiovenda, segundo a qual o compromisso é

um contrato processual que tem como conteúdo o regulamento convencional do processo ou a

renúncia a direitos oponíveis com o processo.

Em seguida, sua obra faz menção à concepção de Mortara, pela qual o compromisso é um

contrato o qual se estabelece antes do ingresso das partes em juízo, age como fator da relação

processual a ser formada e exclui a competência do juiz no processo ordinário.

Também teve destaque na obra pesquisada a concepção de Redenti, pela qual o

compromisso representa um contrato complexo pelo que deriva da manifestação de vontade de

diversos sujeitos, quais sejam as partes e o árbitro.

Por fim resta em relevo a concepção de Salvadore Satta, segundo a qual o objetivo do

compromisso é excluir qualquer pretensão de ingresso em juízo pela via ordinária, do que se

interpreta uma negação de um contrato processual.

Segundo Washington de Barros Monteiro é correto afirmar que o compromisso deva ser

situado no âmbito do direito substantivo, pois a inclusão no direito processual deflui de sua

confusão com o juízo arbitral, que ele institui. Quanto à contratualidade do instituto do

compromisso o autor assevera que a exemplo do que sucede com o instituto da transação, o

compromisso é considerado contrato, pois ele exprime acordo de vontades e requer capacidade das

partes, forma própria e objeto lícito176.

173 SERPA LOPES, MIGUEL MARIA. Direito Civil. vol. 2, 1966, vol. 2, p.294. 174 SERPA LOPES, MIGUEL MARIA. Direito Civil. vol. 2, 1966, vol. 2, p. 295. 175 MUJALLI, WELBER BRASIL. A Nova Lei de Arbitragem. 1997, p. 71. 176 MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de Direito Civil. vol. 5, 2ª parte, 2003, p. 402.

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Ainda no que concerne à contratualidade do instituto do compromisso, forçoso transcrever o

que explica Venosa:

Parte da doutrina nega o caráter meramente contratual do compromisso vendo em sua estrutura apenas uma forma de dirimir questões e não um meio de criar, modificar ou extinguir direitos. No entanto, parece-nos evidente o caráter contratual do compromisso como defendido por parte substancial da doutrina. Ademais, o próprio legislador coloca o compromisso arbitral ao lado da transação, cuja natureza contratual não se nega, dados os inúmeros pontos de contato entre ambos os negócios jurídicos. Ainda que se repila essa posição, ao menos não podemos negar que o compromisso se avizinha mais do contrato do que de qualquer outro negócio jurídico. O compromisso é ato de vontade privada capaz de criar novas relações jurídicas, com obrigações para todos os seus participantes177.

De qualquer modo corrobora-se a mesma essência conferida aos negócios jurídicos ao

compromisso, restando não pacifico na doutrina seu aspecto contratual tão somente pelo conteúdo

processual que abarca.

177 VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito Civil. vol. 2, 2006, p. 568.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do exposto constata-se que o instituto da arbitragem, regulamentado pela Lei 9.307/96,

representa um meio extraprocessual de resolução de conflitos convencionado entre partes capazes,

cujo objeto haja de versar sobre bens patrimoniais disponíveis. Tal instituto de caráter processual

abarca vantagens para as partes envolvidas, como celeridade, informalidade, sigilo, dentre outros,

além de possibilitar uma alternativa para que o excesso de demanda submetida ao Poder Judiciário

seja redirecionada, proporcionando, enfim, benefícios também para o Estado. Neste diapasão pode-

se afirmar que os processos submetidos à jurisdição arbitral poderão ser efetivamente contabilizados

proporcionalmente como menos lides intentadas perante a jurisdição ordinária, pelo fato de que uma

vez firmada a convenção arbitral resta declinada a competência dos juízes togados. Destarte,

corrobora-se a arbitragem também como meio de desafogamento do Poder Judiciário.

Como se concebe por coerente sustentar, seria oportuno reiterar que a sociedade haja de

superar o paradigma segundo o qual tão somente o Estado seja capaz de solucionar os conflitos

intersubjetivos de maneira segura, justa e com o respaldo dos mecanismos necessários para

assegurar suas decisões. Assim, buscou-se explanar porque a arbitragem avulte como um instituto

de resolução de conflitos justo e seguro, mormente porque se estriba em elevados preceitos legais,

bem como porquanto privilegia que as partes conflitantes participem de forma efetiva no processo,

deliberando acerca deste.

Com efeito, conforme demonstrado no presente estudo a arbitragem consubstancia-se em

um procedimento de resolução de conflitos análogo ao processo judicial, o qual funciona de modo a

respeitar o devido processo legal. Verifica-se que o árbitro seja juiz de fato e de direito nas causas

submetidas ao seu crivo. Além disso, a exemplo do que preconiza o Código de Processo Civil,

impedimentos e suspeição dos árbitros podem ser argüidos pelas partes, bem como eventuais

nulidades de sua jurisdição, proporcionando, enfim, mecanismos para assegurar um procedimento

justo. Ademais, a sentença arbitral tem força de título executivo extrajudicial, não estando sujeita à

homologação pelo Judiciário para ter eficácia.

Entretanto, muito pouco adiantaria o instituto da arbitragem se não vinculasse as partes

interessadas à sua jurisdição. Para tanto, a convenção de arbitragem surge como meio hábil à

consecução da prestação da jurisdição arbitral, posto que esta haverá de ser acatada por força de lei.

Verifica-se com isso que a forma, o meio ou o mecanismo através do qual as partes interessadas se

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obrigam a submeter determinada controvérsia ao cunho da jurisdição arbitral, denomina-se

convenção de arbitragem. Tal convenção apresenta-se como elemento fundamental da arbitragem,

pois faz surgir a relação jurídica entre partes e árbitro, bem como estabelece os limites do objeto a

ser litigado.

Conforme restou esclarecido pelo objeto de estudo do segundo capítulo desta monografia, os

negócios jurídicos em geral são atos jurídicos bilaterais emanados da vontade manifesta pelas partes

envolvidas, cujo escopo seja contrair direitos e obrigações. Da mesma forma buscou-se asseverar

que os contratos representam espécie de negócio jurídico, mormente pelo que se fundam na

autonomia de vontade das partes e porque detém como finalidade criar, modificar ou extinguir

direitos.

Seria importante reiterar que com a abordagem feita no que tange aos aspectos gerais dos

negócios jurídicos e contratos em geral teve-se o intuito de corroborar os elementos existenciais e

requisitos de validade dos mesmos. Em adição, concluiu-se que os requisitos de validade dos

negócios jurídicos aplicam-se também à convenção de arbitragem, de modo que esta também seja

suscetível de ser declarada nula ou anulável em virtude de estar eivada de qualquer dos vícios

estipulados em lei. Ademais, buscou-se classificar os referidos atos jurídicos com vistas a melhor

compreender em que circunstância estaria a convenção de arbitragem abrangida, uma vez que

sustenta-se seja a convenção arbitral um negócio jurídico, da qual surge a possibilidade de

instauração do procedimento arbitral, e pela qual estabelecem-se os limites do objeto a ser

disputado.

Tendo em vista que o terceiro capítulo desta pesquisa destinou-se quase que exclusivamente

a abordar a convenção de arbitragem, ensejou-se examinar pormenorizadamente a cláusula

compromissória e o compromisso, frente ao que preconiza a lei de arbitragem. Desta feita,

demonstrou-se inovação trazida pela Lei 9.307/96, posto que a cláusula compromissória, por trazer

implicitamente a execução específica, não enseja o descumprimento do contrato principal cumulado

com perdas e danos. Ao contrário, fará com que seu objetivo se veja cumprido porquanto a própria

lei de arbitragem institui a possibilidade de provocação do Judiciário para que este determine a

instauração do procedimento arbitral.

Já no que concerne ao objetivo do compromisso, não há que se falar em resistência de

qualquer das partes, uma vez que será firmado quando a controvérsia já existir e por iniciativa de

ambas as partes participantes do negócio principal. De qualquer modo, buscou-se investigar a

natureza jurídica destes institutos, verificando-se assim o surgimento de um vínculo obrigacional

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entre as partes, à semelhança do vínculo obrigacional de caráter sinalagmático correntemente

constatado nos contratos em geral.

Importante também ressaltar a autonomia da cláusula compromissória, através da qual a

nulidade do contrato principal não afeta o poder do árbitro escolhido para dirimir a questão,

decidindo, inclusive, acerca do negócio principal. Todavia, muito embora se tenha averiguado

peculiaridades diversas concernentes à convenção arbitral, o vínculo de que desta surge encontra

fulcro na autonomia de vontade, princípio este fundamental entre os negócios jurídicos e contratos.

Com efeito, em virtude da análise efetuada sobre aspectos estruturais dos negócios jurídicos

e contratos em geral, corrobora-se grande similaridade entre estes e a convenção de arbitragem.

Destarte, pelo estudo de sua natureza jurídica, pode-se conceber que a convenção arbitral seja

negócio jurídico e também contrato, porquanto se funda precipuamente na autonomia de vontade e

porque sua finalidade corresponda a que as partes contraiam direitos e obrigações.

Em adição, acrescentou-se a esta pesquisa o predominante entendimento doutrinário no

sentido de que a cláusula compromissória seja um contrato preliminar porque cria a obrigação de

firmar contrato posterior (compromisso) e acessório, pois tão somente existe em razão de um

negócio jurídico principal, qualquer que seja (vedadas as restrições legais). Quanto ao

compromisso, registrou-se a uníssona concepção doutrinária no sentido de que aquele represente

contrato típico, conforme o tratamento que lhe dispensou o Código Civil.

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