Da Hermenêutica ou Interpretação do Direito

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    Certo e , todavia, que 0 reconhecimento de direi tos publicossubjetivos, armados de garantias eficazes, consti tui uma das carac-terfsticas basilares do Estado de Direito, tendo eles como funda-mento ultimo 0 valor intangfvel da pessoa hurnana, 0 que demons-tra que, como ern todo problema relativo ao fundamento de urninstituto juridico, nao podemos deixar de elevar-nos ate 0 plano daFilosofia.Situada a questao dos direitos publicos subjetivos no planohistorico-cultural , como acabamos de fazer, podemos dizer que elesse impoem ao reconhecimento e ao respeito do Estado sobretudoquando correspondem ao que temos denominado invariantesaxiologicas, isto e , a valores universalmente proclamados e exigi-dos pela opiniao publica como absolutamente essenciais ao desti-no do homem na face da Terra. Passa-se mesmo a falar em urnDireito planetaria consagrador de valores transnacionais e transestataisque conferem novo fundamento aos direitos publicos subjetivos noplano do Direito Interno e do Direito Internacional .

    A part ir da invariante axiologica primordial representada pelapessoa humana configura-se todo urn sistema de valores fundantes,como 0 ecologico e 0 de uma forma de vida compativel com adignidade human a em termos de habitacao, al imentacao, educacaoe seguranca etc., em funcao dos quais se impoern imperativamentedeveres ao Estado, com a correspondente constelacao de direitossubjetivos piiblicos. Somente assim se realiza 0 Estado Democra-tico de Direito proclamado logo no artigo primeiro da Constitui-s;ao Federal.

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    CAPITULO XXIDA HERMENEUTIC A OU

    INTERPRETA~AO DO DIREITOSUMARIO: A interpretacao gramat ica l e a sist ematica. A inter-pretacao histories e a evolutiva. A Escola da l ivre pesquisa doDire ito e 0 Dire ito livre. Posicao de Geny e Zite lmann. Com-preensao atual do problema hermeneutico.

    A INTERPRETA

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    de geral, proclamou Jean Jacques-Rousseau, fundando criadoramenteo pensar politico de seu tempo.

    Surgia, assim, 0 C6digo Civil, como expressao da vontadecomum, nao admitindo qualquer concorrencia por parte dos usos ecostumes e, tambem, por parte de elaboracoes legislativas particu-lares.

    A lei exsurgiu a plano tao alto que passou a ser como que aunica fonte de direito, 0 problema da Ciencia do Direito resolveu-se, de certa maneira, no problema da interpretacao melhor da lei.

    Ravia duas verdades paralelas: 0 Direito positivo e a lei; e,uma outra: a Ciencia do Direito depende da interpretacao da leisegundo processos logicos adequados.

    Foi por esse motivo que a interpretacao da lei passou a serobjeto de estudos sistematicos de notavel finura, correspondentesa uma atitude anali tica perante os textos segundo certos principiose diretrizes que, durante varias decadas, constituiram 0 embasamentoda Escola da Exegese.

    Sob 0 nome de "Escola da Exegese" entende-se aquele grandemovimento que, no transcurso do seculo XIX, sustentou que na leipositiva, e de maneira especial no C6digo Civil, ja se encontra apossibilidade de uma solucao para todos os eventuais casos ouocorrencias da vida social . Tudo esta em saber interpretar 0 Direi-to. Dizia, por exemplo, Demolombe que a lei era tudo, de tal modoque a funcao do jurista nao consistia senao em extrair e desenvol-ver 0 sentido plene dos textos, para apreender-lhes 0 significado,ordenar as conclusoes parciais e, afinal , atingir as grandes sistema-tizacoes.

    Grandes mestres que obedeceram a essa tendencia achavamque os usos e costumes nao poderiam valer, a nao ser quando a leilhes fizesse expressa referencia. 0 dever do jurista era ater-se aotexto, sem procurar solucoes estranhas a ele. Lancaram-se, assim,as bases do que se costuma denominar Jurisprudencia conceitual,por dar mais atencao aos preceitos jurfdicos, esculpidos na lei, doque as estruturas sociais, aos campos de interesse aos quais aque-les conceitos se destinam.

    Era natural que, nesse quadro espiritual, a interpretacao fossevista, de inicio, apenas sob dois prismas dominantes: um prismaliteral ou gramatical, de urn lado, e um prisma logico-sistemdtico,do outro.o primeiro dever do interprete e analisar 0 dispositivo legalpara captar 0 seu pleno valor expressional. A lei e uma declaracaoda vontade do legislador e,portanto, deve ser reproduzida com exatidaoe fidelidade. Para isto, muitas vezes e necessario indagar do exatosentido de urn vocabulo ou do valor das proposicoes do ponto devista sintatico.

    A lei e uma realidade morfo16gica e sintatica que deve ser,por conseguinte, estudada do ponto de vista gramatical. E da gra-matica - tomada esta palavra no seu sentido mais amplo - 0primeiro caminho que 0 interprete deve percorrer para dar-nos 0sentido rigoroso de uma norma legal. Toda lei tern urn significa-do e urn alcance que nao sao dados pelo arbitrio imaginoso dointerprete, mas sao, ao contrario, revelados pelo exame imparcialdo texto.Ap6s essa perquiricao fi lologica, irnpoe-se urn trabalho 16gi-co, pois nenhum dispositivo esta separado dos demais. Cada artigode lei situa-se num capitulo ou num titulo e seu valor depende desua colocacao sistematica. E preciso, pois, interpretar as leis se-zundo seus valores linguisticos, mas sempre situando-as no con-Junto do sistema. Esse trabalho de compreensao de urn preceito,em sua correlacao com todos os que com ele se articulam logicamente,denornina-se interpretacdo logico-sistematica.

    Levados pelo apego ao texto, alguns mestres da Escola da Exegesesustentavam ser necessario dist inguir a interpretacao 16gica da in-terpretacao sistematica. A prime ira cuidaria, apenas, do valor logi-co das frases, abstracao feita da posicao distribuida a cada grupode normas no conjunto geral do ordenamento juridico. A interpre-tacao sistematica viria num segundo momento, ou melhor, numterceiro momento, para elucidar duvidas possivelmente ainda exis-tentes, apos a exegese gramatical e logica.

    Com 0 decorrer do tempo, porem, foi se verificando a impos-sibilidade de separar essas duas ordens de pesquisas, a 16gica e a

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    sistematica. Interpretar logicamente urn texto de Direito e situa-loao mesmo tempo no sistema geral do ordenamento juridico. A nossover, nao se compreende, com efeito, qualquer separacao a interpre-tacao logica e a sistematica. Sao antes aspectos de urn mesmo tra-balho de ordem logica, visto como as regras de direito devem serentendidas organicamente, estando umas na dependencia das ou-tras, exigindo-se reciprocamente atraves de urn nexo que a ratiojuris explica e determina.E somente gracas a interpretacao 16gica e gramatical que, se-gundo, a Escola Exegese, 0 jurista cumpria 0 seu dever primordialde aplicador da lei, de conjormidade com a intenciio original dolegislador. Este e 0 lema caracterizador da Escola.

    Determinar a intencao do legislador passou a ser urn impera-tivo de ordem juridica e politica, visto como, em virtu de de rigidoe desmedido apego ao principio constitucional dadivisiio dospoderes,- que foi uma das vigas mestras do constitucionalismo liberal,-chegava-se ao extremo de afirmar: "se 0 interprete substituir a in-tencao do legislador pela sua, 0 Judiciario estara invadindo a esfe-ra de competencia do Legislativo ..."E claro que, logo ap6s a elaboracao e a promulgacao do Codi-go, uma concepcao rigida como essa podia prevalecer sem maiorescontrastes, dada a correspondencia que, durante algumas decadas,existiu entre as estruturas sociais e 0 conteudo das normas. Ernlinhas gerais, enquanto nao houve mudancas sensfveis nas rela-coes sociais, a suposta intencao do legislador coincidia com a in-tencao do juiz, isto e , corn 0 que este considerava ser justo no atede aplicar a regra em funcao de seus estri tos valores gramaticais e16gicos.

    Deve-se lembrar que, nesse contexte de interpretacao grarna-tical e 16gica,perrnaneceram velhos ensinamentos de HermeneuticaJuridica, representados por antigos brocardos, que ainda hoje terncurso no foro, tal como 0que pondera que deve ser entendida ex-tensivamente a norma benefic a, mas estritamente a que impoe pe-nas ou restringe direitos, 0que, de certo modo, atenuava os malesde uma atitude puramente formalista.

    A distincao entre interpretaciio extensiva e interpretacdo es-trita, esta demaior aIcance no campo do Direito Penal e na aplica-

    9ao das regras de carater excepcional (no impropriamente chama-do "Direito Excepcional"), serviu, na realidade, de instrumentotecnico que permitia a adequacao das normas as relacoes sociais,em funcao da tabua de valores dominantes. Entendendo-se de es-trita interpretacao, coarctava-se a incidencia de uma lei superadapelos fatos; interpretando-se extensivamente uma outra, preenchia-se uma falha da legislacao. Isto ocorria sobretudo quando nao ha-via possibilidade de recorrer a analogia, que sera objeto de uma denossas pr6ximas aulas.

    Era inevitavel, porem, que novas formas de compreensao dodireito passassem a ser exigidas, com 0decorrer do tempo, dada amudanca operada nos usos e costumes, e sob 0 influxo da cienciae da tecnica, Essa passagem para novas formas de interpretacao doDireito nao se verificou, porem, ex abrupto, mas obedeceu a umaelaboracao gradual, como e pr6prio da experiencia juridica.A INTERPRETA

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    Foi especialmente sob a inspiracao da Escola Hist6rica de Savignyque surgiu outro caminho, a chamada interpretaciio historica. Sus-tentaram varies mestres que a lei e algo que representa uma reali-dade cultural, - ou, para evitarmos a palavra cultura, que aindanao era empregada nesse sentido, - era uma realidade historicaque se situava, por conseguinte, na progressao do tempo. Vma leinasce obedecendo a certos ditames, a determinadas aspiracoes dasociedade, interpretadas pelos que a elaboram, mas 0 seu signifi-cado nao e imutavel .

    Feita a lei, ela nao fica, corn efeito, adstrita as suas fontesoriginarias, mas deve acompanhar as vicissitudes sociais. E indis-pensavel estudar as fontes inspiradoras da emanacao da lei paraver quais as intencoes do legislador, mas tambem a fim de ajusta-la as situacoes supervenientes.

    Nao basta, pois, querer descobrir a intencao do legislador atravesdos trabalhos preparat6rios da legislacao, que e mera hist6ria ex-tern a do texto, pois e necessario verif icar qual teria sido a intencaodo legislador, e a sua conclusao, se no seu tempo houvesse os feno-menos que se encontram hoje diante de nossos olhos. Que teriaresolvido 0 legislador se, no seu tempo, ja existissem tais e quaisfatos que hoje constituem uma realidade indeclinavel de nossa vidasocial?

    Vma compreensdo progressiva da lei surgiu, ern primeiro lu-gar, entre os pandectistas alemaes. Chamaram-se "pandectistas"osjuristas germanicos que construfrarn, na segunda metade do seculoXIX, uma poderosa Tecnica ou Dogmatica Juridical, tendo comobase 0 "Direito Romano Atual", vigente na Alemanha, pois, ja 0dissemos, foi so a partir de 1900 que essa Nacao pas sou a ter 0 seuC6digo Civil. A qualificacao de "pandectistas" resulta do fato de,nessa obra de prodigioso lavor analitico e sistematico, terem osjuristas alernaes remontado, criadoramente, aos ensinamentos doDigesto, ou Pandectas, que, como devem saber, e a colecao de tex-tos de Direito Romano organizada pelo Imperador Justiniano.

    L Sobre 0 conceito de "Dogmatics Juridica", vide 0 Capitulo XXIV.

    A "Escola dos Pandectistas", na Alemanha, corresponde, atecerto ponto, a "Escola da Exegese", na Franca, no que se refere aoprimado da norma legal e as tecnicas de sua interpretacao, Ern vir-tude, porem, da inexistencia de urn C6digo Civil, os juristas ale-maes mostraram-se, por assim dizer, menos "Iegalistas", dando maisatencao aos usos e costumes e aceitando uma interpretacao maiselast ica do texto legal .Foi 0 pandectista Windscheid que colocou 0 problema da in-terpretacao ern terrnos de intenciio possivel do legislador, nao noseu tempo, mais sim, na epoca em que se situa 0 interprete.

    Assim sendo, mesmo quando os estudos hist6ricos compro-yam que 0 legislador pretendeu alcancar X, e licito ao juiz, ern vir-tude de fatos supervenientes, admitir urn objetivo Y, se 0texto dalei comportar essas duas interpretacoes: e a segunda que deve pre-valecer, pois, dira outro pandeetista, pode a lei ser mais sabia doque 0 legislador.

    Pois bem, essa mane ira de situar 0 processo hermeneutico tevena Franca urn ilustre representante na pessoa de Gabriel Saleilles,que deu elaros contomos a teoria da interpretaciio historico-evolutiva.Segundo essa doutrina, uma norma legal, uma vez emanada, des-prende-se da pes soa do legislador, como a crianca se Iivra do ven-tre materno. Passa a ter vida propria, recebendo e mutuando influen-cias do meio ambiente, 0que importa na transformacao de seu sig-nificado. Pretende Saleilles ir alem do C6digo Civil, mas atravesde sua exegese evolutiva, gracas ao poder que tem 0 juiz de com-binar, de maneira autonoma, diversos textos legais e integra-lospara atender a novos fatos emergentes.

    Que ocorre, porem, quando 0 texto legal e de tal ordem quenao comporta esse continuo trabalho de adaptacao das palavras anovas realidades e novas exigencies?

    A elasticidade do texto tern urn limite, alem do qual comeca 0artiffcio da interpretacao, conferindo aos terrnos uma significacaoque, a rigor, nao lhes corresponde.

    Veremos como se procurou superar esse ponto entice. 0que,por ora, desejamos observar e que, com a teoria historico-evolutiva,

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    tanto como com a logico-sisternatica, 0 interprete sempre se situavano ambito da lei, nao se admitindo interpretacdo criadora, a mar-gem da lei ou a despeito dela.

    A ESCOLA DALIVRE PESQUISA DO DIREITO E 0 DIREITOLIVRE. POSI

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    esta condicionada por uma serie de fatores que se impoe ao legis-lador e ao interprete. Sao condicoes economicas, rnesologicas, his-toricas,culturais, demograficas, raciais queorientam,em certo sentido,o trabalho cientifico daqueles que elaboram urn texto ou 0 inter-pretam. Valendo-se dos dados oferecidos pela natureza e pela ex-periencia social, e que 0 jurista constroi 0 seu arcabouco de regrasou normas.

    Ha no Direito, portanto, uma base previa de dados ou pressu-postos (Ie donne) e uma parte de construcao logica e artistica, su-bordinando os fatos a uma ordem de fins (le construiti. Entre ospressupostos que condicionam a construcao normativa, dira depoisGeny, na sua obra Ciencia e Tecnica no Direito Privado Positivo,estao tambern os valores do "irredutivel Direito Natural".

    A teoria deGeny traca, porem, claros limites a indagacao cientf-fica do fato social, porquanto - diz ele - ao realizar sua pesqui-sa, deve 0 jurista ter sempre presente que as leis existentes saobalizas ao seu trabalho. A formula de Geny e esta: Alem do CodigoCivil, mas atraves do Codigo Civil. Segundo esse professor, que euma das glorias da Jurisprudencia francesa contemporanea, 0 tra-balho de pesquisa, na realidade, soinova namedida em que integraou completa 0 sistema existente, mas sem lhe alterar 0 significadofundamental.

    Cada ordenamento juridico tern a sua logica interna. Nao epossfvel, portanto, chegar-se a uma conclusao cientifica de nature-za coletivista, para enxerta-la num sistema que obedeca a prin-cipios individualistas. Na sua obra de construcao sistematica, 0jurista deve obedecer a fndole do sistema positivo em vigor, vistocomo ele nao terna plena liberdade de indagacao, propria do sociolo-go, mas sim a liberdade de pesquisa destinada a editar normas com-pativeis com 0 ordenamento juridico, acordes com este, no fundoe na forma.

    A contribuicao de Geny alcancou imensa repercussao em va-rios paises, mesmo porque ela coincidia com urn processo paralelono mundo cultural alemao, especialmente atraves de uma indaga-s:aomuito profunda a respeito da existencia, ou nao, de lacunas noDireito positive.28 6

    Ja no decorrer do seculo XIX, alguns juristas haviam, naAle-manha, se oposto aorigorismo da tese segundo a qual 0 juiz deviase subordinar mecanicamente aosditames da lei, no ato de interpreta-laoVaries autores haviam ja falado da necessidade de verificar-seo elemento teleologico ou finalistico, para interpretar 0Direito comcerta autonomia e objetividade.

    Mas, deixando de lado esses antecedentes, devemos lembrarque urn momenta fundamental na historia da interpretacao do Di-reito, na Alemanha, segundo as novas tendencias, foi a obra deZitelmann, intitulada As Lacunas no Direi to. Esse trabalho de ex-traordinaria penetracao cientifica firmou uma tese expressamenteconsagrada no Direito positivo brasileiro, de que nao existe pleni-tude na legislacao positiva, visto como, pOI'mais que 0 legisladorse esforce para sua perfeicao, ha sempre urn resto sem lei que 0discipline.Na obra de Zitelmann, ficou provada a existencia de lacunasna legislacao, mas tambem ficou reconhecido que 0Direito, enten-dido como ordenamento, jamais pode ter lacunas. Como conciliar,pois, essas duas afirmacoes que sao dois aforismos do Direito, emnossos dias?Nosso legislador ja tomou conhecimento, em 1942, desse pro-blema, quando mandou recorrer ao costume, a analogia e aos prin-cfpios gerais do Direito, havendo lacunas na lei, e ao proc1amar,logo a seguir, que 0 juiz nao pode deixar de sentenciar mesmo emface de lacunas ou obscuridade no texto legal. Quer dizer: 0Direi-to nao se confunde mais com a lei, nao se confunde com os textosescri tos, como se verificava na Escola de Exegese. A lei e apenasinstrumento de revelacao do Direito, 0 mais tecnico, 0 mais alto,mas apenas urn instrumento de trabalho e assim mesmo irnperfei-

    to, porquanto nao preve tudo aquilo que a existencia oferece noseu desenvolvimento historico. A lei tern lacunas, tern claros, maso Direito interpret ado como ordenamento da vida, este nao podeter lacunas, porque devera ser encontrada, sempre, uma solucaopara cada conflito de interesses. 0 trabalho de Zitelmann ja aeon-selhava a procurar-se, fora da lei, meios e modos tecnicos para sepreencherem as lacunas verificadas. Ele 0 fazia, entretanto, comaquela mesma cautela e equilibrio que distinguern a obra de Geny,28 7

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    Pode-se dizer que, apesar de algumas manifestacoes iniciaisquepecavam porexcesso, tambema obra de Engen Ehrlich semantevenuma linha de relativo equil ibrio, ao instaurar ele uma correntehermeneutica que, sob a denominacaode "Livre Indagacao doDireito"(Freies Recht) ia lograr imensa ressonancia.o pensamento de Ehrlich desenvolveu-se no sentido de umacompreensdo sociologica do Direito, tendo profunda repercussaoa sua tese de que e facultado ao jui: estabelecer l ivremente umasoluciio propria (com base em estudos sociologicos, e claro) todavez que dos textos legais nao seja possivel inferir-se uma solucaoque efetivamente corresponda ao fato em apreco, de maneira ade-quada e justa. A exigencia de urn Direito justo, postulada pelogrande renovador da Filosofia do Direito contemporaneo, RudolfStammler, abria, assim, caminho a atividade criadora do interpre-te, liberto do artiffcio de recorrer sempre a interpretacao extensivaou a analogia, mesmo quando incompativel a norma com 0 fato.Essa tese logrou ter consagracao no famoso art. 1.0 do C6digo Ci-vil SU1

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    A teoria da interpretacao, que prevaleceu ate poucos anos atras,procedia como a antiga Psicologia, que explicava as ideias como"uma associacao de imagens": comecava pel a analise de cada pre-ceito para, paulatinamente, reuni-los e obter 0 sentido global dalei . Cumpre, ao contrario, reconhecer que 0 processo interpretativenao obedece a essa ascensao mecanica das partes ao todo, mas re-presenta antes uma forma de captacao do valor das partes inseridona estrutura da lei, por sua vez inseparavel da estrutura do sistemae do ordenamento. E 0 que se poderia denominar Hermeneuticaestrutural.

    J a 0nosso genial Teixeira de Freitas, inspirado nos ensinamentosde Savigny, nos ensinara, em meados do seculo XIX, que basta amudanca de localizacao de urn dispositive, no corpo do sistemalegal, para alterar-lhe a significacao, Esse ensinamento, antes dealcance mais logico-forrnal, pas sou, com tempo, a adquirir impor-tancia decisiva, porque ligado a substancia da lei, que eo seu sig-nificado, em raziio de seus fins.

    A compreensao finahstica da lei, ou seja, a interpretaciioteleologica veio se afirmando, desde as contribuicoes fundamen-tais de Rudolf von Jhering, sobretudo em sua obra 0 Fim no Direi-to. Atualmente, porem, ap6s os estudos de teoria do valor e da cultura,dispomos de conhecimento bern mais segura sobre a estrutura dasregras de direito, sobre 0 papel que 0 valor nela representa: 0fim,que Jhering reduzia a uma forma de interesse, e visto antes comoo sentido do valor reconhecido racionalmente enquanto motivodeterminante da acdo.

    Fim da lei e sempre urn valor, cuja preservacao ou atualizacaoo legislador teve em vista garantir, armando-o de sancoes, assimcomo tambem pode ser fim da lei impedir que ocorra urn desvalor.Ora, os valores nao se explicam segundo nexos de causalidade,mas so podem ser objeto de urn processo compreensivo que se reali-za atraves do confronto das partes com 0 todo e vice-versa, i lumi-nando-se e esclarecendo-se reciprocamente, como e pr6prio do estudode qualquer estrutura social.

    Nada mais erroneo do que, tao logo promulgada uma lei,pincarmos urn de seus artigos para aplica-lo isoladamente, sem290

    nos darmos conta de seu papeZ ou funciio no contexto do diplomalegislative. Seria tao precipitado e ingenue como dissertarrnos so-bre uma lei, sem estudo de seus preceitos, baseando-nos apenasem sua ementa ...

    Estas consideracoes iniciais visam por em rea1ce os seguintespontos essenciais da que denominamos hermeneutica estrutural:

    a) toda interpretacao juridica e de natureza teleo16gica(finalistica) fundada na consistencia axiol6gica (valorativa)do Direito;

    b) toda interpretacao juridica da-se numa estrutura de sign i-ficacoes, e nao de forma isolada;

    c) cada preceito significa algo situado no todo do ordenamentojurfdico".

    Pois bern, dessa compreensiio estrutural do problema resulta,em primeiro lugar, que 0 t rabalho do interprete, longe de reduzir-se a uma passiva adaptacao a urn texto, representa um trabalhoconstrutivo de natureza axiologica, nao s6 por se ter de captar 0significado do preceito, correlacionando-o com outros da lei, mastambem porque se deve ter presentes os da me sma especie existen-tes em outras leis: a sistematica juridica, alern de ser logico-for-mal, como se sustentava antes, e tambem axiologica ou valorativa.

    Nao pode absolutamente ser contestado 0 carater criador daHermeneutica Juridica nesse arduo e paciente trabalho de cotejode enunciados 16gicos e axiologicos para atingir a real significacaoda lei, tanto mais que esse cotejo nao se opera no vazio, mas s6 epossivel mediante continuas afericoes no plano dos fatos, em fun-

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    ou a musical. 0 interprete do Direito, consoante demonstracoesconvincentes daquele mestre, nao fica preso ao texto, como 0 his-toriador aos fatos passados, e tern mesmo mais liberdade do que 0pianista diante da partitura. Se0 executor de Beethoven pode dar-lhe uma interpretacao propria, atraves dos valores de sua subjetivi-dade, a mtisica nao pode deixar de ser a de Beethoven. No Direito,ao contrario, 0 interprete pode avancar mais, dando a lei uma sig-nificacao imprevista, completamente diversa da esperada ou queri-da pelo legislador, em virtude de sua correlacao com outros dispo-sitivos, ou entao pela sua compreensao a luz de novas valoracoesemergentes no processo historico.

    Nao e apenas a natureza criadora do processo hermeneutico-juridico que se salienta, em nossa epoca, mas tambem 0 seu card-ter unitdrio.

    Contesta-se, em primeiro lugar, que se deva partir, progressi-vamente, da analise gramatical do texto ate atingir sua compreen-sao sistematica, logica e axiologica, Entende-se, com razao, queessas pesquisas, desde 0 inicio, se imbricam e se exigem recipro-camente, mesmo porque, desde Saussure, nao se tern mais umacompreensao anali tica ou associativa da linguagem, a qual tam-bern so pode ser entendida de maneira estrutural, em correlacaocom as estruturas e mutacoes sociais.

    Admitido, porem, esse carater unitario ou estrutural da inter-pretacao juridica, nao nos parece que assista razao a Betti quandoexclui se possa falar em interpretacao gramatical ou em interpreta-cao logica, condenando tambem a distincao entre a interpretacaoextensiva e a estrita: a seu ver, a interpretacao so pode ser una econcreta. Talvez haja aqui mais questao terminologica. Se se afir-rnaque a interpretacao gramatical, a logica e a sistematica naopodem,cada urn de per si, dizer-nos 0 que 0 Direito significa, estamos depleno acordo, mas nao cremos que a necessidade de unidade nosimpeca de apreciar, por exernplo, urn texto a luz de seus valoresgramaticais: 0 essencial e que se tenha presente a correlacao da-quelas interpretacoes particulares como simples momentos do pro-cesso global interpretative, em si uno e concreto.

    Por outro lado, nao nos parece desti tuida de sentido a distin-

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    c) implicando a apreciacao dos fatos e valores que, originari-amente, 0 constitufram;

    d) assim como em funcao dos fatos e valores supervenientes.E dessa dupla visao, retrospectiva eprospectiva da norma, quedeve resultar 0 seu significado concreto, reconhecendo-se ao inter-

    prete urn papel positivo e criador no processo hermeneutico, 0quese toma ainda mais relevante no caso de se constatar a existenciade lacunas no sistema legal, 0 que poe 0 problema da integraciionormativa, objeto de nosso estudo no capitulo seguinte.

    CAPITULO XXIIINTEGRA~AO E APLICA~AO DO DIREITO

    SUMARIO: Distincoes preliminares. Analogia e interpretacaoextensiva. A eqtiidade. Natureza logic a da aplicacao do Direito.

    DIST IN< ;:OES PREL IMINARESInterpretaciio, integraciio e aplicaciio sao tres termos tecni-

    cos que correspondem a tres conceitos distintos, que as vezes seconfundem, ern virtude de sua intima correlacao. 0 Direito, comovimos ern varias aulas, e sempre uma prescricao ou imperativo, enao uma simples indicacao que possa ou nao ser atendida, a crite-rio exclusivo dos interessados. 0 Direito existe para ser obedeci-do, ou seja, para ser aplicado. Todos nos, na nossa vida cornum,aplicamos 0Direito. Nao se realiza contrato algum sem que umaforma de juridicidade se aplique nas relacoes humanas.

    o termo "aplicacao do direito" reserva-se, entretanto, a formade aplicacao feita por forca da competencia de que se acha inves-tide urn orgao, ou autoridade. 0 juiz aplica 0 Direito porquantoage, nao como homem comum, mas como membro do Poder Judi-ciario. 0 mesmo acontece corn 0 administrador. A aplicacao doDireito e a imposicao de uma diretriz como decorrencia de compe-tencia legal.

    Mas, para aplicar 0 Direito, 0 orgao do Estado precisa, antes,interpreta-lo. A aplicacao e urn modo de exercfcio que esta con-dicionado poruma previa escolha, de natureza axiologica, entre varias

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    interpretacoes possiveis. Antes da aplicacao nao pode deixar dehaver interpretacao, mesmo quando a norma legal e clara, pois aclareza so pode ser reconhecida gracas ao ate interpretativo. Ade-mais, e 6bvio que so aplica bern 0Direito quem 0 interpreta bern.

    Por outro lado, se reconhecemos que a lei tern lacunas, e ne-cessario preencher tais vazios, a fim de que se possa dar sempreuma resposta juridica, favoravel ou contraria, a quem se encontreao desamparo da lei expressa. Esse processo de preen chimento daslacunas chama-se integraciio do direito, e a ele ja fizemos alusaoquando lembramos 0 dispositivo da Lei de Introducao ao C6digoCivil, segundo 0 qual, ern sendo a lei omissa, deve-se recorrer aanalogia, aos costumes e aos principios gerais de direito.

    ANALOGIA E INTERPRETA

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    Voltando a raiz de nosso tema, podemos dizer que 0 pressu-posto do processo analogico e a existencia reconhecida de umalacuna na lei. Na interpretacao extensiva, ao contrario, parte-se daadmissao de que a norma existe, sendo suscetivel de ser aplicadaao caso, desde que estendido 0 seu entendimento alem do que usualmen-te se faz. 1 3 a razao pela qual se diz que entre uma e outra ha urngrau a mais na amplitude do processo integrativo.

    Quando se vai alern, afirmando-se a existencia de uma lacu-na, mas negando-se a existencia de uma norma particular aplicavelpor analogia, 0 caminho que se abre ja e mais complexo: e 0 dosprincipios gerais de direi to, cujo estudo sera objeto de nossa pro-xima aula.

    A esse respeito, faz-se uma distincao entre analogia legis eanalogia juris. A primeira e a analogia propriamente dita; a segun-da, por mais que alguns tenham procurado demonstrar 0 contrario,outra coisa nao e senao 0 procedimento pelo qual se supre a defi-ciencia legal mediante 0 recurso aos principios gerais de direi to.

    Facil e compreender que, entre esses momentos de integracaosistematica, nem sempre e possivel estabelecer cortes rigidos, al iasincompativeis com a dialeticidade da experiencia juridica. Nao hadtivida, porem, que, no cumprimento de sua nobre obrigacao denao deixar postulacao de direi to sem resposta, segundo 0 principioda "plenitude do ordenamento juridico" nao faltam ao juiz meiostecnicos adequados.

    Ainda no tocante a analogia cumpre advertir que ela nao ternemprego em todos os dominios do Direito, sendo inadmissfvel, emprincipio, quando se tratar de regras de carater penal, ou se as nor-mas forem restritivas de direitos ou abrirern excecoes,

    da regra generic a, tendo em vista a necessidade de ajusta-la asparticularidades que cercam certas hipoteses da vida social.

    Os romanos advertiam, com razao, que muitas vezes a estritaaplicacao do Direito traz consequencias danosas a justica: summumjus, summa injuria. Nao raro, pratica injust ica 0 magistrado que,com insensibilidade formalfstica, segue rigorosamente 0 manda-mento do texto legal.

    Ha casos em que e necessario abrandar 0 texto, operando-setal abrandamento atraves da equidade, que e, portanto, a justicaamoldada a especificidade de uma situacao real .o nosso Direito Posit ivo possibil itava ao juiz, quando autori-zado a decidir por equidade, a aplicar no caso a regra que estabe-leceria se fosse 1egislador, consoante 0 ja 1embrado art. 114, doCodigo de Processo Civil de 1939, infelizmente substitufdo pelorigorista art. 127 da atual Lei Processual .

    Ern conclusao, valendo-se das tecnicas apuradas da interpre-tacao extensiva e da analogia, e dos recursos mais sutis que sao osprincipios gerais e a equidade, 0operador do Direito, quando for-rado de conhecimentos adequados e animado de consciencia etica,surge como urn dos mentores da convivencia social, pois, temosdito e repetido, 0 Direito nao e mere reflexo das relacoes sociais.o Direito, como experiencia, deve ser pleno, e muitos sao osprocessos atraves dos quais 0 juiz ou 0 administrador realizam aintegracao da lei para atingir a plenitude da vida.NATUREZA LOGICA DA APLICAyAO DO DIREITO

    AEQUIDADE

    o problema da aplicacao do Direito anda, geralmente, con-fundi do com 0 de sua eficacia. A chamada "aplicacao da lei notempo e no espaco" refere-se, a bern ver, a eficacia do Direito se-gundo 0ambito ou extensao de sua incidencia, ou entao em funcaodos momentos temporais ligados a sua vigencia.

    Ate onde tern eficacia a lei brasileira? S6 no territ6rio nacio-nal? Evidentemente nao, poisja salientamos que vivemos num mundomarcado por uma rede cada vez mais complexa de relacoes pes-soais e materiais de natureza intemacional. Desse intercambio de

    Finalmente, temos de fazer referencia a urn quarto elementode integracao, que e a equidade. Tambem ern aulas anteriores jacuidamos do problema da eqiiidade, mostrando que se podem su-perar as lacunas do dire ito gracas a normas de eqiiidade, e que,mediantejzczos de eqiiidade, se amenizam as conclusoes esquematicas298 299

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    homens e coisas resulta a necessidade de ser reconhecida a efica-cia, e a consequente aplicacao, pelo juiz brasileiro, de preceitos doDireito alienigena, assim como as nossas regras jurfdicas repercu-tern nos demais ordenamentos.

    Nestas licoes preliminares, nao nos cabe discorrer sobre taisquestoes de Teoria Geral do Direito e, mais especificadamente, deTeoria Geral de Direito Civil ou de Direito Internacional Privado,focalizando as leis em funcao do espaco e do tempo. E assunto quevai merecer a sua atencao sob rmiltiplos aspectos, envolvendo pro-blemas fundamentais, como, por exemplo, 0da irretroatividade dasleis e a tutela dos direitos adquiridos, que a tradicao juridica brasi-leira alcou a categoria maxima de principio constitucional.

    De qualquer modo, estao vendo como os problemas da eficd-cia do Direito, e sua aplicaciio, embora distintos, intimamente secorrelacionam. De certo modo, 0que em sentido tecnico e propriose denomina "aplicacao" e uma "forma de eficacia", 0 que os se-nhores compreenderao melhor com 0 seguinte exemplo. Urn juizbrasileiro, chamado a decidir sobre a situacao patrimonial de urncasal de italianos, residentes no Brasil, mas casados na Italia, reco-nhece a eficacia da lei pessoal dos conjuges e aplica-a no Brasil:nesse caso, concretiza-se a eficdcia da norma italiana, para queproduza efeitos no territorio nacional. Aplicar equivale, pois, aassegurar eficacia a uma regra.

    Ora, 0problema que nos parece necessario analisar, nesta aula,ainda que de mane ira singela, e 0 do significado geral dos modosde aplicacao do Direito, em funcao do principio de sua realizabilidadeou efetividade,o Direito e "aplicado", no sentido vulgar desta palavra, portodos os individuos e grupos, ao se valerem das disposicoes legaispara concluir relacoes juridicas, consti tuir sociedades etc. A "apli-cacao" reveste-se, todavia, de sentido tecnico especial quando aexecucao da lei e feita, por dever de offcio, por uma autoridadejudicial ou administrativa.

    A aplicacao do Direito envolve a adequacao de uma normajurfdica a urn ou mais fatos particulares, 0 que poe 0 delicadoproblema de saber como se opera 0 confronto entre uma regra

    "abstrata" e urn fato "concreto", para concluir pela adequacao des-te aquela (donde a sua licitude) ou pela inadequacao (donde a ilicitudei.

    Esta questao representa 0cerne da atividade jurisdicional, poise funcao primordial do magistrado dizer qual eo Direito in concre-to, quando alguem prop6e uma acao postulando 0 reconhecimentode urn interesse legit ime.

    Pois bern, durante muito tempo, uma compreensao formalistado Direito julgou possfvel reduzir a aplicacao da lei a estrutura deurn silo gismo, no qual a norma legal seria a premissa maior; aenunciacao do fato, a premissa menor; e a decisao da sentenca, aconclusao. A luz desses ensinamentos, nao faltam processualistasimbufdos da conviccao de que a sentenca se desenvolve como urnsilogismo.

    Na realidade, porem, as coisas sao bern mais complexas, im-plicando uma serie de atos de carater logico e axiologico, a come-car pela determinacao previa da norma aplicavel a especie, dentreas varias normas possiveis, 0 que desde logo exige uma referenciapreliminar ao elemento fatico.E com esse ponto de apoio inicial no fato ocorrente, ainda queprovisoriamente aceito como tal, que e possfvel ao juiz proceder aescolha da norma de direito possivelmente aplicavel ao caso des-cri to na acao, 0 que tudo exige tambem apoio em principios gerais,sem os quais seria impossfvel ao magistrado eleger a norma ade-quada a especie.

    E inegavel que 0problema da configuracao do fato sub judice,para saber-se, por exemplo, se se trata de urn crime de difamacao,de injuria ou de cahinia, ja implica, por sua vez, uma referencia asregras que unificam cada urn desses delitos.

    Como se ve, a norma nao fica antes, nem 0 fato vern depois noraciocinio do juiz, pois este nao raro vai da norma ao fate e vice-versa, cotejando-os e aferindo-os repetidas vezes ate formar a suaconviccao jurfdica, raiz de sua decisao.

    As doutrinas jurfdicas mais atuais, como a teoria tridimensional,ada "concrecao juridica", de Karl Engisch, Josef Esser, Karl Larenze outros; 0 experiencial ismo de Wendel Holmes ou Roscoe Pound;

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    o neo-realismo norte-americano; a "teoria ego16gica" de CarlosCossio; 0 racio-vitalisrno de Recasens Siches; a teoria da argu-mentacao de Perelman; ou a cornpreensao integral do Direito deLuigi Bagolini ou de Tullio Ascarelli , demonstram, a saciedade,que a aplicacao do Direito nao se reduz a uma questao de logicaformal. E antes uma questao complex a, na qual fatores logicos,axiologicos e faticos se correlacionam, segundo exigencies de umaunidade dialetica, desenvolvida ao nivel da experiencia, a luz dosfates e de sua prova'.

    Donde podermos concluir que 0 ate de subordinacao ousubsuncao do fato a norma nao e u rn ate reflexo e passivo, masantes um ato de participacao criadora do juiz, com a sua sensibili-dade e tato, sua intuicao e prudencia, operando a norma como substratocondicionador de suas indagacoes teoricas e tecnicas.

    Ora, essas consideracoes aplicam-se, em linhas gerais, as ou-tras formas de aplicacao do Direito, como ocorre quando um admi-nistrador tem de dar execucao a lei para realizar os fins da adminis-tracao. Tambem a "atualizacao da lei" atraves de resolucoes e atosadministrativos nao e redutivel a uma simples subordinacao daautoridade a diretriz legal. Esta e tambem por ele valorada, postaem cotejo com os fatos, dependendo de razoes de conveniencia eoportunidade, da necessaria adequacao entre os fins da norma e osmeios e instrumentos indispensaveis a sua consecucao.

    Nao e uma frase convencional a de Holmes quando nos adver-te que 0 Direito tem sido e ha de ser cada vez mais experiencia, 0que corneca a ser reconhecido tambem pelo legislador, conformese depreende do art. 335 do novo C6digo de Processo Civil, segun-do 0 qual, no caso de inexist irem normas jurfdicas part iculares, 0juiz aplicara "as regras de experiencia comum subministradas pelaobservacao do que ordinariamente acontece".Isto nao quer dizer, porem, que nos caiba optar, ou pela Logi-ca, ou pela experiencia. Nao tem sentido essa alternativa, porquan-to seria imitil e nociva, no mundo jurfdico, qualquer concepcaologica divorciada da experiencia social e historica,

    CAPITULO XXIIIOS PRINCIPIOS GERAIS DE DIREITO

    SUlvIARIO: Nocao de princfpio geral de direi to. Princfpios doDireito patrio. 0Direito Comparado. 0 Direi to Natural . Fun-